Advocacia 15/3/2004 Pedro José F. Alves - Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo "Volto a um tema sobre o qual já desenvolvi algumas idéias. Trata-se da questão do exercício da "profissão", que o Código Civil determina ser um requisito que deve constar da escritura pública e que deve existir em outros atos ou negócios, como esclarece a doutrina jurídica. Esta disposição tem um uso generalizado no País, prestando-se a individualizar, em todos os documentos, o Cidadão que se apresenta partícipe de um ato ou de um negócio jurídico. Normalmente, é um subsídio à sua identificação. Não tem qualquer relação, pois, com a apresentação de um Curriculum Vitae. Por maior respeito que me mereçam os Colegas, não posso deixar de lamentar, como já o fiz em outras ocasiões, o uso, por alguns recentes Colegas, da sua antiga atividade, seguida do vocábulo "aposentado", como informação do exercício de sua "profissão". Ora, a "profissão" de um Cidadão é a atividade que exerce, regular e cotidianamente, para prover sua própria subsistência. Humberto Theodoro Júnior, na sua obra Comentários ao Código Civil, reúne todas essas indicações com o título de "A qualificação das partes e comparecentes". O fato é, no entanto, que tal "qualificação" não tem o sentido de quantificar a formação cultural das partes e comparecentes, mas apenas de individuá-los, de situá-los no contexto dinâmico do meio em que vivem, contribuindo com as informações que, de uma maneira geral, poderão cooperar para o reconhecimento daqueles que estiveram presentes ao ato. De Plácido e Silva, em seu monumental Vocabulário Jurídico, registra que Profissão, "Do latim professio, de profiteri (declarar), literalmente quer exprimir a declaração ou a manifestação do modo de vida ou o gênero de trabalho exercido pela pessoa" (grifo nosso). E adiante, completa: "No conceito de profissão, pois, está integrado o sentido do exercício. E daí porque se diz que a profissão é um estado ou é uma carreira." Senhor Editor. Neste sentido, é que gostaríamos de lamentar que o meu novel Colega, Advogado José Maria da Costa, cuja atividade profissional atual, certamente, poderá ser exercida de forma brilhante e exitosa, ainda prefira antepor àquela profissão que abraçou, da qual deveria se orgulhar, o "exercício" de um estado passivo, contemplativo, merecido e tranqüilo, que, no entanto, não mais exerce. Até mesmo porque são incompatíveis. Se nosso Colega é Advogado, o que só nos honra, não é mister que, hoje, se declare exercente de uma outra atividade, não menos nobre, mas que não mais está nela integrada. E, se estamos propensos a crer que o Nobre Colega não se deixará contaminar pela "...deformación.." do espírito crítico, de que fala Rafael Bielsa, in El Abogado y El Jurista, apoiado em Spencer (9º. Las tareas profesionales, decía Spencer, producen a veces una especie de "deformación" del espíritu crítico, de abstracción y generalización, ..."), fenômeno mais que normal entre as atividades do Magistrado e do Advogado, o fato é que a atividade, nobre e indispensável de Magistrado, o nosso novel Colega parece não mais exercer, por se ter aposentado e por se ter declarado Advogado. Apelo ao Colega para que não busque neutralizar com a atividade passada (juiz de direito aposentado - da qual muito tem que se orgulhar) a fama da novel atividade, a Advocacia. Para isso, creio que é de se buscar no texto de Henri Robert, in O Advogado, um pouco do consolo que por vezes buscamos: "Os advogados são as testemunhas profissionais dos maus dias, os confidentes obrigatórios a quem o cliente é forçado a confessar seus segredos de família, até mesmo pequenas baixezas de que não tem motivo para se orgulhar. Assim, por ter-se visto diante deles em posição incômoda, ou em situação crítica, é natural que o cliente lhes queira mal, talvez inconscientemente, que conserve deles uma péssima lembrança; ou mesmo (um sentimento bem humano, o que não quer dizer muito nobre) é natural que fique tentado a desforrar-se e a criticá-los o mais possível...tão logo não precise mais de sua assistência." E, adiante: "essa ingratidão normal, que não deveria abalar o filósofo, felizmente comporta exceções, em que se manifestam as naturezas de elite." Nobre Colega, apoio-me no notável Evaristo de Morais, em seu discurso de bacharel em direito, em 1916, aos 45 anos de idade, pela Faculdade de Direito de Niterói. Disse o Mestre, aos Colegas, bacharelandos: "A alguns dos novos advogados deve, já, ter ocorrido, em sua perturbadora perplexidade, aquilo que o profundo Picard chamou "o paradoxo do advogado"; quero dizer: deve-lhes ter sucedido refletir no suposto absurdo de poder um homem se conservar honesto e digno, embora defendendo causas más e grandes criminosos...". E, adiante, concluindo este trecho: "Em princípio, a defesa é de direito para todos os acusados, não havendo crime, por mais hediondo, cujo julgamento não deva ser assistido da palavra acalmadora, ou retificadora , ou consoladora, ou atenuadora, do advogado." Portanto, nossa missão é nobre. E eu ousaria, num excesso de orgulho, até mesmo dizer tão ou mais nobre que a de outras profissões exercidas no âmbito do Judiciário. Porque por vezes vamos buscar do âmago do preceito constitucional um princípio que enfraquece a norma legal civil, cuja compreensão moderna só aos Advogados é deferido o direito de lançar para discussão, debate e, decisão. Portanto, nobre Colega, o exercício de sua profissão de Advogado poderá se fazer maravilhosamente, já que o Colega, no dizer do lembrado Levi Carneiro, tendo sido um qualificado Juiz de Direito, certamente será o estuário do passado brilhante: "O advogado não faz o juiz; mas a qualidade do juiz influi na do advogado." Envie sua Migalha