Artigo - Presunção de Inocência: um apelo à razão

23/10/2019
George Marum Ferreira

"É comum ouvir da comunidade jurídica, às vezes de forma uníssona, que o Judiciário não deve se guiar pelo 'clamor popular' (Migalhas 4.715 – 23/10/19 - "Presunção de Inocência: um apelo à razão"). A assertiva ostenta inegável tom de sensatez e principiologia jurídica. O clamor popular pode ser mera chuva de verão que não traduz os elementos estruturais do espírito de cada tempo. Mas também pode não ser. Nesse sentido, o julgador deve se orientar pelo Direito, considerando o termo em sua ampla acepção, notadamente pelo Direito Positivo. Entretanto nessa reflexão é preciso saber distinguir ou, ao menos, compreender qual a interdependência existente entre direito e política. Política, aqui, no seu sentido axiológico, compreendida como vontade da nação e construção de consensos que conferem legitimidade às instituições que exercem o poder. Não existe Direito, no sentido jurídico do termo, sem o correlato poder do qual emana a sua coercibilidade que, por sua vez, imprescindi de legitimação. Especialmente no âmbito do Direito Constitucional, no qual se dá o embate acerca do tema em discussão, a legitimação não advém meramente de uma relação jurídica. Ela tem um inegável vínculo com a política na forma antes referida. Isto porque a Constituição não se restringe a um estatuto jurídico formal escrito. A Constituição é esse estatuto embrenhado de vontade política, de anseios e aspirações da nação, maiores que o próprio Estado. De tal forma, ao se ler e dar efetividade à Constituição, o intérprete legitimado a fazê-lo não pode desprezar o elemento sociológico e psicosocial que a embasa. Caso contrário corre-se o risco de desprender a Constituição da vontade da nação. Nessa ponderação, ou melhor, no balanceamento dessa equação, o Judiciário deve imbuir-se de capacitação para saber ler mais do que as linhas de um estatuto jurídico, distinguindo o que é chuva de verão do que é, de fato, representativo de reais mudanças valorativas e paradigmáticas na sociedade brasileira. Penso que a temática acerca da prisão após a decisão de segunda instância passa por essa complexa tarefa de interpretação e captação da vontade nacional."

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