Honorários abusivos

26/1/2015
João Batista Cornachioni

"Assisti com surpresa e consternação a matéria apresentada no Fantástico de domingo, em que são criticados, acusados de ilícitos e ameaçados de processo, alguns advogados que cobraram honorários, apodados de exagerados, de seus clientes que obtiveram sucesso em ações para obter benefícios previdenciários promovidas perante a Justiça Federal (Migalhas 3.543 - 26/1/15 - "Honorários abusivos" - clique aqui). Penso que essa matéria atacou a última consequência de um sistema perverso sem mencionar nenhuma de suas causas. Parece evidente que o advogado não tem qualquer responsabilidade pelas doenças, como a esquistossomose de que uma das entrevistadas se queixava. Não pode ser responsabilizado por acidentes que causam lesões incapacitantes nos trabalhadores. Muito menos pelo estado de miserabilidade da maioria da população brasileira. O jornalista é bem esclarecido para saber a quem essas mazelas devem ser atribuídas. De outra parte, para que serve o INSS? Sua finalidade precípua não é atender o trabalhador prestando-lhe o benefício de que é carente? Se o trabalhador tem direito ao benefício qual a razão dele lhe ser negado, obrigando o lesado a bater às portas da Justiça? A negativa dos benefícios aos que deles necessitam faz com que sejam criados juízos especiais para julgar as milhares ou milhões de demandas em que o instituto é réu. O jornalista não tem a impressão que se o instituto cumprisse a sua finalidade precípua de prestar o benefício a que o segurado tem direito as demandas judiciais seriam reduzidas, dispensando juízes Federais, desembargadores Federais, procuradores Federais? Um benefício de um salário mínimo negado, além de ser uma tragédia para a família do necessitado, representa um grande ônus para a sociedade. Quanto ganha um juiz Federal ou um procurador Federal, quanto custa manter a Justiça Federal, quanto custa um processo para os contribuintes? Qual a razão dos procuradores Federais, que recebem vencimentos generosos e não gastam nada com assistentes e manutenção de escritórios, contestem na Justiça o direito dos infelizes necessitados? O procurador de um órgão público, seja de qualquer categoria, existe em primeiro lugar para defender o Direito. Quando o segurado tem razão para fazer um pedido judicial o procurador, em lugar de fazer defesas mentirosas e recursos protelatórios, deveria dar parecer favorável à concessão do benefício. Quando os necessitados depois de humilhados por meses em filas e guichês, nada conseguem, a sua última esperança qual é, senão o advogado? Nesse país os advogados são os únicos profissionais que acolhem os necessitados em seus escritórios e os atendem como 'gente', e não gado, como fazem os órgãos públicos. Ouvem as suas queixas, por mais absurdas que incialmente possam parecer. Transformam essas reivindicações desarticuladas em um pedido inteligível e fundamentado no Direito. Acreditam na história contada pelo cliente e se empenham em obter para ele o benefício legal, benefícios de valores ínfimos, muitas vezes sem nada cobrar antecipadamente. A reportagem apresentada destacou que os advogados ficam com tudo, ou grande parte, dos benefícios atrasados. Benefícios 'atrasados' por quê? O jornalista pode adotar uma premissa para seu raciocínio: 'e se não houvesse atrasados'? ou 'qual a razão de existir parcelas atrasadas'? Primeiro, se há atrasado é porque o Instituto é inadimplente. Depois, se no despacho inicial o juiz ordenasse, como lhe faculta a lei, que o benefício passasse a ser pago imediatamente, ou se em um ou dois meses o processo fosse julgado não haveria atrasados para que os advogados pudessem 'se locupletar'. No entanto, o juiz espera que o defensor do Instituto, o procurador Federal, apresente uma defesa em que nega tudo que for possível (qualidade do segurado, existência da doença, existência da incapacidade) exigindo formalidades, documentos e perícias; depois vai instruir o processo, marcando audiências, exigindo o cumprimento das formalidades pedidas pelos procuradores, solicitando laudos médicos - estes muitas nem sempre favoráveis aos trabalhadores. A sentença, se desfavorável ao trabalhador, vai exigir que o advogado recorra para a instância superior, na busca de reformá-la a favor de seu cliente. Se procedente, o procurador Federal, também recorre, algumas vezes apenas com intuito protelatório. Daí os atrasados. Enquanto dura o processo o advogado terá que acompanhá-lo, cumprir prazos, fazer quesitos, impugnar laudos, ouvir testemunhas, recorrer, etc. Tudo isso sem nada receber antecipadamente. Finalmente, a presença do advogado incomoda os que não cumprem a lei, os que negligenciam os seus deveres de ofício, os que abusam de sua autoridade. Os representantes do Instituto ficam incomodados com tantas 'demandas', o juiz Federal está assoberbado de serviço e o procurador Federal, aparentemente sem ter o que fazer, em lugar de procurar sanar os problemas que dão causa e que retardam as demandas, acham mais fácil atacar o advogado para desestimulá-lo a demandar, ao mesmo tempo em que 'aparecem' no Fantástico. Para terminar, o procurador ou qualquer um que 'achar' que determinado advogado está cometendo um ato contrário à ética, tem a OAB para queixar-se. Se entender que o advogado cometeu um ilícito, pode prestar uma queixa criminal ou pedir de volta, judicialmente, o que teria sido pago a mais. Entretanto, o fato de que alguns advogados estejam sendo processados não dá tanto ibope quanto denegrir uma classe e criar um clima de insegurança para aqueles que contam com o advogado como seu único aliado. Finalmente, o Estado é obrigado a fornecer assistência judiciária aos necessitados. As pessoas que não podem ou não concordam em pagar os honorários cobrados pelos advogados particulares, poderão buscar a assistência que a Constituição lhes oferece. O conceituado programa poderia orientar os telespectadores a procurar ali o atendimento de suas reivindicações."

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