Crise no governo

21/6/2005
Fábio de Oliveira Ribeiro

"Um amigo meu definiria o Roberto Jefferson como um "cínico sincero". Cínico porque chafurdou na mesma lama em que pretende, com justiça, fazer chafurdar alguns proeminentes membros do governo. Sincero porque está a fornecer elementos que possibilitam a apuração mais detalhada do caso escabroso de corrupção em que se envolveu e em que podem estar envolvidas muitas outras pessoas. Figura interessante esta... Apresentou-se à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados vestindo uma camisa e uma gravata púrpura, símbolo de poder com que se adornavam os imperadores romanos. Não prestou apenas um depoimento. Confortavelmente instalado em seu assento, como se este fosse uma cadeira curul, distribuiu justiça atribuindo a cada qual sua parte no esquema de corrupção. Justiça seja feita. Por mais que não gostemos dele ou de seus métodos, este "cínico sincero" pode acabar sendo útil ao país. A literatura credita ao advogado Marco Tulio Cícero a responsabilidade de ter sido o último pilar da república romana. Curiosamente Jefferson também é advogado e pode se tornar o arauto da destruição não da república, mas deste presidencialismo imperial que é a fonte de todo o mar de lama que envolve os três poderes. Assim seja! Afinal, no sistema presidencial brasileiro o chefe do executivo pode legislar através de MPs e trancar a pauta do Congresso Nacional. Além disto, é o Presidente que nomeia os ministros do STF e STJ, tribunais que julgarão seus próprios atos e os dos seus ministros. Dezenas de milhares de cargos de confiança na administração pública direta, indireta, autárquica, fundacional, empresas públicas e de economia mista são nomeados pelo Presidente ou por seus prepostos. E todos sabem que cargo de confiança é moeda de troca para o apoio político e o instrumento de instalação de verdadeiras redes de influência e corrupção em nível federal, as quais dificilmente são desmanteladas. A não ser que aconteça algo inusitado, como no caso dos Correios. Não bastasse tudo isto, o Presidente dita a política externa e pode influenciar a política monetária em razão da ausência de autonomia legal do Banco Central. É muito poder para um homem só exercer, o que abre margem para a divisão informal de atribuições, de maneira que eminências pardas de todas as cores e credos acabam usurpando o voto popular e se tornando verdadeiros tiranetes nem sempre honestos ou comprometidos com o programa de governo sufragado. Creio que a única maneira de evitar que toda crise de governo se torne também crise de regime é criar um sistema de freios e contra-pesos que limitem o poder do Presidente da República. Coisas simples como a autonomia constitucional e legal do BC e do Itamaraty, criariam condições para a formulação e concretização de políticas monetárias e externas de longo prazo com uma menor influência do chefe do executivo. A eleição direta dos membros do STF e STJ para mandatos de 10 anos, sem direito à reeleição, criaria uma maior transparência e rotatividade na cúpula do judiciário. A renovação e arejamento dos tribunais conferiria ao Poder Judiciário mais autonomia e autoridade,  impedindo que eles ficassem à mercê do Presidente do dia.  A drástica redução dos cargos de confiança além de impossibilitar negociatas e a estruturação de redes de corrupção representaria uma economia substancial em favor dos contribuintes, que a bem da verdade estão cansados de sustentar uma máquina governamental cara e ineficiente. Se não aproveitarmos o furacão Roberto Jefferson para reformar o Estado as crises de continuarão ocorrendo. Afinal, cada vez que for eleito um Presidente sem maioria no Congresso a roda da fortuna o obrigará a realizar negociações lícitas e duvidosas para obter maioria parlamentar possibilitando crises de governo. O que é grave, pois crises de governo acabam se transformando em crises de regime, as quais sempre trazem conseqüências econômicas e políticas nefastas. Crises agudas abrem espaço para descontentamento e politização dos círculos militares. E para falar a verdade, a única coisa que o Brasil não precisa é novos golpes militares ou líderes populistas que se apóiem nos quartéis para governar com mão de ferro o país."

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