Circus

8/9/2010
Francimar Torres Maia

"DA MEMÓRIA DO CEARUCHO


Dizer que Dorina Nowill é a pessoa cega brasileira de maior
representatividade no País, no continente e no mundo é desnecessário, porque todos o sabemos.

As matérias divulgadas a propósito ou em virtude da morte dela falam de sua obra em prol dos cegos.

Sua importância foi grande, principalmente em vista do pioneirismo na produção e divulgação de livros em Braille, didáticos e não-didáticos.

Em entrevista que dei para a Revista eletrônica da Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (ACERGS), referi-me indiretamente à D. Dorina Nowil, quando, na mensagem final que me pediram que teu transmitisse aos cegos de hoje, escrevi :

"Aproveitem as facilidades que a informática lhes proporciona, tendo em mente que grandes cultos da tiflologia foram grandes sem disporem desse importante recurso". - D. Dorina nos proporcionou livros didáticos e não só.

Escrevi também: "Lembrem-se de que a cultura não ocupa lugar, mas seguramente melhorará muito o seu lugar", seu lugar na sociedade. - D. Dorina sabia dessa verdade e nos proporcionou, com a produção de livros em Braille o aculturamento dos cegos brasileiros e lusófonos em geral.

Sou cearense e estudava no Ceará. O primeiro livro não-didático que li foi A FORMIGUINHA DA PERNA GELADA, livro que contava a história de uma formiguinha em verso. O livro, como convinha às crianças, tinha um formato menor que os tradicionais.

Sempre gostei de ler. Por isso, nas férias, levava para Chorozinho, números de Relevinho, revista infantil editada na Fundação para o Livro do Cego no Brasil (FLCB).

Tinha matérias instrutivas, mas também humor.

Crescendo, passei a me interessar por RELEVO, a revista para adultos da Fundação.

Pra vocês verem que não era uma revista qualquer, lembro que Relevo, apesar de ser uma revista específica para ser lida por cegos, tinha até palavras cruzadas.

D. Dorina conseguiu um convênio Fundação-Editora Abril, e passou a publicar em Braille artigos de Realidade e Veja.

Há vários cegos que se tornaram grandes músicos, graças ao domínio da musicografia Braille, algo, para mim, bastante difícil. Pois, não resta dúvida de que esses músicos não seriam o que são não fosse o pioneirismo de D. Dorina de imprimir músicas em Braille. D. Dorina e o abnegado PROF. Zoilo, executor e concretizador do ideal dela neste campo.

Hoje, acessamos livros e mais livros pela Internet, e os lemos em nossos microcomputadores. Em suas viagens ao exterior, D. Dorina descobriu o Livro Falado, e não descansou enquanto não trouxe a novidade para os cegos brasileiros. Quantos de nós nos maravilhamos com a audição de livros sensacionais, lidos maravilhosamente pelo Dráusio de Oliveira.

Aproveito para lembrar aqui, e nesse particular, a pessoa de outro cego, o professor gaúcho Benno Marquadt, fundador do Clube da boa Leitura, formado por vo untárias que, além de gravarem os livros, ainda doavam as fitas para esse fim.

Como tudo evolui, ou deve evoluir, uma das divulgadoras da literatura em fita, hoje em dia distribui cultura e informação via Internet, para um sem-número de pessoas cegas.

Estou me referindo à grande Marisa Novaes.

Então, gente, seja esse texto um preito de gratidão à D. Dorina, ao prof. Benno já falecidos, e à amiga Marisa, porque não se deve esperar que as pessoas morram para reconhecer e decantar seus feitos.

E que Deus nos conserve a Marisa por muito tempo.

Se D. Dorina disseminou literatura e cultura via Braille, Marisa o faz via Internet.

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O eminente desembargador Adauto Suannes, no Circus de 3 de setembro, aborda, com a propriedade de sempre, a cegueira, inspirado, talvez pela morte da mais famosa cega brasileira (Circus 196 - 3/9/10 - clique aqui) .

Enviei, como faço todas as sextas-feiras, a Crônica do desembargador para uma série de amigos do Brasil e de Portugal e, na mensagem, dizia que, "ao meu ver, trata-se de um melhor ensaio sobre a cegueira".

E, a propósito da frase final, proferida pelo grande João XXIII, (todos nós somos cegos), claro que foi dita como consolo para o menino cego.

Na minha opinião, assim como nem todos os loucos estão nos hospícios, assim também nem todos que não enxergam com os olhos são verdadeiramente cegos, haja vista a visão que teve D. Dorina, graças à qual, alargou os horizontes de tantos outros cegos."


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