Amigos migalheiros, saudações !
Vôo em pleno céu de inverno seco. Fria é a região sobre a qual passo agora. E é aqui embaixo que decido pousar.
Estou em Cotia.
Estou voando a perigo. Aliás, como todos, pois as balas ainda insistem em rasgar o espaço em busca da gente.
Tal qual uma hidra, de várias cabeças, mas irresoluta, os governos falam... falam... pensando que assim estão resolvendo a problemática da violência. Até mesmo essas balas insanas atingiram Pindamonhangaba, onde estive ontem. Que dor...
Há meses falamos disso, e os projetos até então alardeados, como a reação da sociedade, já estão num canto qualquer do Congresso Nacional... pegando uma leve poeira.
No que, dirão vocês, isso tem a ver com Cotia ?
O que esses casos, e o que vi em Cotia, têm em comum e, ao mesmo tempo, de diferentes ?
Em comum, vejo a letargia do governo, já impregnada na carne, no DNA do Estado. Quando visito - muito bem recebido que fui - as instalações do Fórum, as condições de trabalho a que estão sujeitos os servidores, promotores e magistrados, sinto um "não sei quê, não sei onde" ; mas diferentemente de Camões, não é por causa do amor...
Escusem meu tom de amargor, mas os magistrados muitas vezes são obrigados a atender as pessoas em lugares absolutamente inapropriados para uma correta prestação jurisdicional e, ainda assim, o fazem, mais por méritos próprios, de conhecimento e entrega, do que pela estrutura.
As pilhas de processos praticamente expulsam as pessoas, com elas competindo.
Enquanto isso no belo mundo do governo, no Brasil que eles insistem em dizer que está indo bem como se fosse um barco de Torben Grael, as eleições são as vedetes, o bolo mais gostoso, arregalando os olhos ávidos por poder.
As balas riscam o céu, perfuram as paredes e os corpos maculando nossa honra.
E não vejo um movimento de um mindinho para que haja uma mudança estrutural em cidades como a doce Cotia.
E o que vejo de diferente em Cotia ?
Vejo o desdobramento (de novo) dos servidores, dos causídicos, dos promotores e magistrados, que fazem proezas, as quais confessadamente não sei se teria tal perseverança e igual paciência oriental.
E, de fato, talvez seja a presença aqui de muitos descendentes nipônicos que traga alguma meditação, a paz presente e procurada nos ritos do xintoísmo.
Mas voei neste céu de inverno tentando esquecer tudo por um momento. Buscando essa paz.
Quando adolescente, ouvia Caetano cantar que morreríamos de "susto, de bala ou de vício". Hoje, vejo isso como uma previsão triste.
As balas estão por aí, os vícios (principalmente da corrupção) estão cada vez mais forte.
O susto me vem através dessa letargia, das falta de compromissos com as causas mais urgentes, por parte de nossos mandatários.
Decolo de Cotia com o coração - pequeno no tamanho (sou uma ave, não se esqueçam), mas grande no sentimento - pleno de esperança porque ainda posso ver sorrisos pelo caminho.
Não o sorriso de contentamento por achar que tudo está bem. Não, definitivamente não. Um sorriso sincero e vencedor, pela certeza de que estão fazendo a sua parte, da maneira mais honrada.
Isso sim é virtude.