“Num bar de Ribeirão Preto eu vi com meus olhos esta passagem”...
Sim, amigos. Para afugentar a fadiga do meu dia, o qual descreverei a vocês, entrei num famoso bar aqui de Ribeirão Preto, nome de uma ave alvinegra habitante do sul gelado da Terra. Realmente as aves são bons símbolos. Terei tido um rompante cabotino?
O resto da canção, a que ameacei cantar, muitos conhecem.
Se não, narra a chegada de um maltrapilho num bar, trazendo na testa o pó da viagem. Para espanto de todos, pede uma pinga que era pra rebater a friagem. Nisso, levanta um almofadinha reclamando que deviam barrar a entrada de qualquer, pois estava ali presente o rei do café. Mas o rapaz, fazendo soar um silêncio profundo, responde que a riqueza não o assusta : - cada pé desse café eu amarro um boi da minha invernada, e pra encerrar o assunto eu garanto que ainda me sobra uma boiada.
De certo, nos tempos da feitura da música, o café tinha feito riqueza. De fato, o café fomentou a cidade em todos os níveis: em aço e ferro, tijolo, dinheiro, cultura, tudo, tudo.
Financiada pelo “Ouro Verde”, num repente, Ribeirão Preto tornou-se referência econômica, política e cultural. Porém, há de se convir, nada que justificasse o tratamento dispensado ao pecuarista.
E não deve ter sido mesmo verdadeira a cena. Afinal de contas, deve ser uma troça dos autores da música, Tião Carreiro e Pardinho, que tinham naqueles chãos cheios de gado, de Andradina e Araçatuba, suas raízes.
O progresso que se alastrou nesta terra não pode jamais ter sido fruto de mentes sem visão alargada. A cidade ganhou corpo físico robusto e alma vivaz, certamente por caminharem nesta terra quente cabeças bem mais avançadas que a da soberba personagem.
E para confirmar isso, ao contrário da famosa história imortalizada na música, não fui recebido com desdém. Ao revés, uma cordialidade franca e numa simbiose com o clima quente daqui, o calor humano que recebi foi inspirador.
O trato gentil e a presteza não são dissociados da eficiência aqui na cidade. Andam juntos, levando longe o nome de Ribeirão.
E se me permitem o comentário (que nada tem com meu chopinho) inspiradores também são os belos e esparsos sorrisos que fitei timidamente nas ruas, das belas ribeirão-pretanas.
Amigos, notem : Ribeirão Preto consegue ser cosmopolita sem ser metrópole.
Teorizo que o responsável por isso, seja o fluxo de pessoas formidável que passa por aqui. E, onde as pessoas transitam de forma intensa, amigos, confirmem: o dinheiro circula por várias mãos, a cultura ferve, as coisas fluem como um ribeirão.
Nas largas avenidas que sobrevôo até chegar ao Fórum, noto uma modernidade brasileira, o avanço econômico tropical, quente, cheio de gente daqui e de fora, para o trabalho, para passeios, para estudos.
Bem sei que o capitalismo explora e seleciona. A cidade cresceu e os problemas vieram, assim como os companheiros indesejados (como os maridos que recusam os fatos evidentes do fim, só restando a eles entrar com o litigioso).
Assim como o resto do Brasil, Ribeirão procura entrar em litígio com os problemas sociais advindos da urbanização desorganizada.
Quem sabe a separação do futuro com estes problemas estruturais e humanos seja certa e definitiva.
No mais, a bebida desce suave.
O que não desce são os tais problemas que citei, que atingem a Justiça no fígado.
O que não desce é ver o trabalho desse povo ser bandeirante, desanuviar, sem fronteiras seja como comércio, cana, café... e não receber a glória de ter um futuro menos turbulento.
Mas a revolta é entornada com o segundo e último copo. Já brindei por Ribeirão mais de uma vez.
Já brindei suas virtudes tão largas quanto suas avenidas; sua graça, tão marcante quanto sua história.
E brindei ao futuro, que estão nas mãos trabalhadoras e capazes do povo ribeirão-pretano.
Brindei aqui, com meu primo congelado, de andar compassado, do sul da Terra.