Planei por Osasco, Grande São Paulo.
Tal qual um Sebastião Salgado, fotografei na memória os paradoxos de uma sociedade. Só que, diferente do famosíssimo fotógrafo que é um circulante do mundo e marca nas retinas seus cliques, fiquei aqui mesmo no Brasil.
Enquanto Salgado, ao mostrar a realidade, denuncia as misérias, eu aqui com palavras também farei a minha.
Farei uma carta-denúncia. Sim. Farei isso. Vamos lá.
"Denuncio, com dedo em riste, nossa paralisia.
Como poderei explicar, de modo que meus futuros netos entendam, que Osasco é uma das cidades mais ricas do país e, no entanto, tem apenas 19 (!) funcionários, cordiais e prestativos, atendendo a população e perante 60.000 processos ?
Denuncio, com a veemência de uma oratória de Cícero, os nossos governantes (e com peito aberto).
Como, como, 48.000 processos podem ter como uma das partes a Prefeitura Municipal de Osasco?
Nem mesmo Salvador Dali pintaria coisa tão surreal. O próprio Estado se emperrando. Com certeza a "batata quente" é passada de mão em mão, para depois lavarem-se todas. Pilatos ao menos teve mais desculpas para tal ato (era um pagão mesmo). E olhem, estou justo na Cidade de Deus.
Como poderei explicar aos meus futuros netos que criamos leis que não nos ajudam ? E que as leis que seriam necessárias ficam somente nas idéias e no papel ? Os olhinhos deles com certeza me fitarão desconfiados da esperteza do avô, condenando tacitamente minha geração.
No que meu silêncio confirmará, fazendo-me corar.
Como poderei explicar, aos meus netos colegiais, que a economia de Osasco talvez vá bem, obrigado, mas o ser humano, criador da ciência econômica, foi engolido por ela ?
O povo faz sua parte, abrindo as portas do comércio, passando pelo portão das indústrias, subindo e descendo escadas, almoçando rápido, ligando em casa para avisar do atraso. E quando podem, quebram as leis da física fugindo de balas. Alguns felizmente conseguem sobrepujá-las. Meus olhos se chocam pelos que não conseguem.
Como uma vez me disse um caro e querido amigo (um irmão fora do sangue), cineasta de escol, o qual admiro muito: "o povo não mente". Olhe bem nos olhos do povo, com sinceridade e verá que a verdadeira alma da Nação está ali e não nos ternos bonitos de Armani que circulam nos planaltos centrais.
Denuncio, amigos!
A falta de respeito ao povo de Osasco ; que ama a cidade, a faz andar mesmo assim e no entanto, são deixados de lado.
Sim. Deixados de lado. Ou estão sendo bem atendidos ?
Denuncio nossa falta de agir, mas como já o disse em falas passadas, é de conhecimento público que nossa letargia nos fará perecer a civilidade. Não me repetirei.
Denuncio nossa insistência e teimosia.
Eles querem nos vencer, amigos. Fazem de tudo para que desistamos. Cuidam de suas vidas e como podem, olham para debaixo da mesa, onde acreditam erroneamente que estamos nós.
E vamos vencer, amigos, com a gana de Júlio César às portas da Gália; com a bravura dos pára-quedistas no Dia D; mitologicamente, voltaremos cheios de glória como os Argonautas depois de trazerem o Velo de Ouro.
Repararam que listei tarefas grandiosas ? Porque é assim que vejo nossa tarefa de conduzir esse tripudiado gigante chamado Brasil.
E Osasco, que já merece uma Ode pelo seu imenso progresso, exemplar graças ao trabalho, também será louvada ; porque penso que será maior ainda, quando tratada com mais dignidade".
Não sou bom denunciante formal, amigos. Poderia ser implacável ao extremo. Mas o radicalismo pode impedir a fé no futuro. E quero ter futuro.
Para ver nos olhinhos dos meus netos: "Vovô, o senhor realmente lutou".