Fiat lux !
Quando a expressão ecoou, nada mais foi que o estalo, a confirmação de nossa busca : a clarividência. Sempre foi de nosso ímpeto e sempre será a ânsia pela certeza, pelo claro.
Buscamos águas límpidas e tranqüilas. Para beber, para banharmos, para abeberarmos, para sorver a vida. Temos de ser radiantes ou nossa presença aqui nada de sentido terá.
Mas vivemos tempos estranhos, migalheiros, e essa busca pelo claro está cada vez mais intricada.
E quando minhas asas aportam aqui em Rio Claro, sinto um toque de calmaria aparente. Só aparente.
Nome lindo de cidade, que evoca um bucolismo já nem tão perceptível, utilizado para inspirar pintores e que é recorrente em cartões postais. Pense, amigo, num rio de águas claras : não vá negar que a paz parece vir de brinde.
Rio Claro já foi mais pacata assim como quase todo o interior paulista. Já houve por aqui uma certa meiguice que os dias atuais se encarregaram de azedar. Uma cidade que já foi conhecida como "cidade dos aposentados" só pode marcar no inconsciente uma brandura, uma candidez legítima.
Claros também eram os olhos de um de seus filhos mais ilustres : Dr. Ulysses Guimarães. Homem público de escol, combativo, figura política de relevo deste país.
Quem lê a História, sabe que Ulysses esteve presente em momentos cruciais da história do Brasil : a campanha pela Diretas, a Constituinte (apesar dos embrulhos que a Carta Magna ainda causa), as primeiras eleições Diretas para Presidente.
Não uso e abuso da ingenuidade, amigos, porque sei dos mistérios e labirintos no coração dos homens, com suas inclinações e atitudes listradas.
Mas mesmo assim, penso que alguns são de atos mais claros que outros. Quando observo o quadro atual, meio opaco, turvo, tenho nostalgia dos tempos em que tínhamos algum lado. Algo mais claro. Sinto falta da clarividência.
Quem dera a alma dos homens fossem quase transparentes como as águas de um rio.
Quando penso em Ulysses, e alinhado ou não com alguns de seus pensamentos, ao menos tinha-se a sensação de que seus passos eram conhecidos, de que podia-se prever seus atos nesse xadrez nem sempre benevolente da política, um jogo longe de ser de azar.
Os tempos mudaram e as coisas não estão mais tão claras.
Assim, Dr. Ulysses se foi, as Diretas hoje são histórias nos bancos escolares. Tenho uma frustração: quem dera pudéssemos congelar, guardar sentimentos em algum compartimento, para demonstração. Assim nas escolas poderíamos mostrar o quanto doeu ao país a rejeição da emenda das Diretas, pois assim, os escrutínios de hoje teriam mais valor.
Rio Claro, de águas límpidas, tornou-se estranha aos rio-clarenses, com o gráfico do crime aumentando e a cidade deixando os seus filhos em alerta, perdendo as tardes de verão de nosso clima, de revoadas de minhas primas andorinhas.
Tudo está perdendo a claridade.
Mas assim como passamos por céus de chumbo, por anos de chumbo, passaremos pelas dúvidas pesadas e das balas com ou sem origem.
Passei por Rio Claro a pedido do famoso teatrólogo e migalheiro Luiz Carlos Cardoso e aqui voltarei, para confirmar meu otimismo. Esse meu otimismo que nada tem de ingênuo, mas sim de audaz.
Buscamos a luz ou não ? Buscamos a Rio Claro que os adoradores de antanho reclamam: a da paz terapêutica do interior.
Por favor, mãos dadas para sair da escuridão.
Haja luz.