Amigos migalheiros, estou arfando depois do susto que levei.
Ao sair de São Paulo, "voando", literalmente, as idéias subiram tão alto quanto Ícaro. De repente, ouvi um barulho ensurdecedor.
Quase fui atropelado em pleno céu !
Um imenso avião, imponente e ligeiro, trazendo em seu rastro um potente estrondo, quase fez de mim um pintassilgo mais que bem-passado, e que ainda para completar seria bem fatiado. O amado Diretor certamente iria repreender-me por essa distração, quase fatal.
Indignado, fui seguir a aeronave gigante e, quem sabe, se tivesse chance, poderia advertir tão descuidado piloto, por não notar este curioso exemplar de pintassilgo. Esse "trânsito aéreo" está cada dia pior, vou contar-lhes.
Mas prefiro assim, que lamentar que poucas empresas aéreas trafeguem no meu elemento.
Quando avistei a portentosa ave de metal ao chão, vi a placa "Aeroporto Internacional de Cumbica". "Homessa ! Estou em Guarulhos !", pensei.
Assim, desci então na cidade, onde estou agora, que é uma das maiores do Brasil, excetuando-se as capitais.
A atuante indústria e o comércio dinâmico dão as cartas aqui, fazendo com que o PIB desta cidade seja respeitável. Para quem gosta de números, eis um prato cheio.
Resolvo ir ao Fórum e no caminho bater um papo com os adoradores da terra. Apesar de pressa apertar-lhes o passo, ainda assim graciosamente e educadamente conversam com este enxerido pássaro.
A proximidade da capital, as intensas atividades econômicas poderiam me sugerir um progresso sem hiatos. Mas não é bem assim.
Conversando com os adoradores da terra, entre eles o cordial presidente da OAB da local, dr. Airton Trevisan, vejo que a riqueza existe, não acontecendo sua distribuição.
Aliás, nem fato novo isso é, pois estamos nas alturas quando o assunto é desigualdade social, pois o bolo nem chega a ser dividido: alguém o rouba inteiro mesmo.
O que me faz pensar: nossa capacidade de auto-sabotagem é assustadora. Temos o avião potente, temos um céu de brigadeiro em termos de potencial, mas não temos pilotos competentes e audazes que possam nos conduzir. Aliás, briga-se tanto para ocupar a cabine e quando nela se senta, parece que o painel assusta e as panes vão tornando nosso destino longinho, longinho...
Mas voltemos à rota...
Além da distribuição não muito acertada, a arrojada Guarulhos, ainda por cima, tornou-se uma cidade-dormitório, onde as pessoas somente vêem para a sesta. O fruto do trabalho, os interesses, todos ficam na capital.
Uma turbulência que os guarulhenses estão enfrentando no curso de seu vôo para o futuro.
Como alguns amigos já notaram (como posso comprovar pelas cartas que recebo, trazidas pela pomba amiga), os números dos feitos fiscais aqui também são grandes como boeings.
Ao menos, existem Varas em número razoável para atender a população, o que em outras comarcas não ocorre.
E o fórum, dirigido pelo excelentíssimo magistrado dr. Regis de Castilho Barbosa Filho, segue seus trabalhos sem turbulências.
Apreciando muito os ares daqui, volto mais uma vez para o Aeroporto. E adoro o movimento.
Vejo ao longe, uma moça loira, solitária, de cabeça baixa e óculos escuros, a caminhar-se para o avião. Fico observando. Ela, esguia, é uma delicadeza só. E sua face poderia inspirar poetas românticos de outrora, pois é ao mesmo tempo bela e de uma fina melancolia.
Vou seguindo o avião ao chão e ela deita-se no banco, cabeça para a janela, olhos fixos em Guarulhos. Um semi-sorriso sai de seus lábios.
Eu já não mais posso competir com as turbinas. Então a moça se vai, perdendo-se nas nuvens.
Então fico, na pista pensando. O que será que ocorreu ?
Como não é de minha conta, vou-me embora, mas não sem antes pensar: Guarulhos é onde se mata ou se deixa saudades; onde o amor fica ou vai; onde a esperança começa, finda, ou se transforma. Quantos corações não bateram em Guarulhos por saudade, pela dor, pelo medo de avião, pela alegria, pelo amor findo ou nascente.
Boa sorte, moça loira. Talvez um dia você volte para Guarulhos.