dr. Pintassilgo

Franca

Na ponta de meu bico, apurado, certeiro como uma rosa-dos-ventos, o Nordeste Paulista.

Passo agora por uma vegetação de cerrado, que foi invadida e agora é disputada por lavouras.

Trespasso o rio Sapucaí e léguas adiante, estou a sentir que o ar muda de tom. Da textura áspera passa para uma aveludada, um ar cheio, mais frio, mais fino.

Vou cortando sinuosos caminhos até chegar e avistar do alto, três colinas, tomadas por construções.

A cidade serpenteia do alto entre esses três relevos.

Noto que Franca se expande horizontalmente e se perde de vista, além do trio já citado.

É cidade de muitas faces: a Capital do Basquete, do Calçado (que anda pelo mundo), é esteio do Direito porque aqui abriga faculdades famosas, onde passaram grandes nomes da Disciplina da Convivência Humana; sejam como causídicos, magistrados ou promotores !

Conversando o Sr. José Chiachiri Filho, que por ser historiador da cidade já merece por si só o epíteto de adorador da terra, noto porque a chamada Franca do Imperador possui uma diferença. A cidade cresceu, mas não perdeu a humanidade. O cafezinho, o calorzinho do abraço e a recepção que logo traz o diminutivo carinhoso. Pelo que vi, anda-se em Franca e encontra-se todo mundo, apesar de seus 300.000 habitantes !

Nascida como Arraial, passou de Freguesia à Vila, onde inclusive Visconde de Taunay fez parada, até chegar ao status de cidade. Em todos esses momentos foi passagem, guardando como símbolo a hospitalidade.

Franca nasceu por causa de desbravadores. E isso vem a reboque na história.

Desde os primeiros habitantes, mineiros que aqui se estabeleceram até os dias de hoje.

Gente de brios arraigados como o Capitão Anselmo, que foi a Lei na cidade, por escolha dele mesmo. Enfrentou o governo, e literalmente mandou soltar e prender, no episódio conhecido como "Anselmada", ricamente detalhado pelo saudoso juiz Dr. Carlos Alberto Bastos de Matos, que bem conta isso nos Apontamentos sobre a história da comarca (clique aqui). Hoje, a rua onde fica a Câmara dos Vereadores leva o nome do "insubordinado" capitão.

Gente sem medo do desafio, como Pedro Morila Fuentes, o Pedroca, que implantou o "bola ao cesto" na cidade, criando um estilo de jogo próprio para este esporte aqui nesta terra, uma escola francana desse jogo estadunidense, que caiu no gosto do povo das Três Colinas.

Hoje o famoso técnico Hélio Rubens segue os passos de Pedroca, do qual foi aluno, mantendo a tradição.

Gente desbravadora mesmo, ao montar já em 1920 a primeira fábrica de calçados de Franca.

De lá para cá, a passos largos, o calçado tomou conta da cidade que ainda tinha como tripé o café e o diamante.

Sapato que anda pelo mundo, e que às vezes sai caro para a cidade, pela indústria ser a fonte de renda motriz da cidade.

As oscilações do comércio mundial acertam Franca no baço, deixando-as às vezes sem respiro. E com o crescimento urbano esparramando-se feito água, o tecido social se desgasta.

E posso dizer, pelo que vi, que Franca vive, respira e transpira Direito. Três faculdades aqui mantém o gosto pela Disciplina, apresentando ao país jovens ávidos por demonstrar que se pode aspirar a legalidade no sentido mais belo da palavra.

Noto que deveria apressar-me. Mas não uso meu relógio de pulso ; para quê ? Se na praça central está o Relógio do Sol, confeccionado à francesa ; porque igual a este, sobre o qual agora faço pouso, só há mais um, na terra da Marselhesa.

Não. Os ares finos me agradam. Não vou embora. Fico a respirar Franca. No centro, o vento - chamado aqui pelos antigos de "ventilador dos Taveira" (numa troça sobre uma suposta sovinice) quase me leva junto.

Quem dera levar-me para conhecer os 4 cantos dessa terra, de várias faces, que já foi do Imperador, do Capitão, do Capim Mimoso, e hoje é de um povo que ainda luta muito, mas não deixa de amá-la.

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