Meu contato com o mar imenso, quase arrogante de tão imponente e ainda assim belo e sedutor, me fez pensar em tantas coisas.
Em tantas coisas penso para tentar chegar num futuro radiante, onde estamos todos vivendo na tranqüilidade de um balneário.
Porém, pensamentos tempestuosos, quase uma ressaca quebrando nas pedras, me tomam nesse solilóquio.
Vou me encantando com a beleza de São Sebastião. Gente bonita, um ar generoso e gentil acaricia minhas penas. Vejo o verde, um lutador, na figura de um boxeador nas cordas, ferido, sabendo que pode vir a nocaute; neste caso, o oponente é o crescimento urbano.
Minhas impressões são confirmadas pela minha conversa com o magistrado e com o promotor de Justiça.
Litoral extenso e belo, em cujas costas está a Serra do Mar. No meio : o homem.
No início da civilidade por aqui o progresso tomou corpo e tudo parecia ir na calma de um dia de veraneio.
Todavia, progresso e natureza são como cães raivosos que se estranham. A terra desde que foi cercada pelo homem, é fruto, é alimento, é riqueza, é luta, poder, é guerra.
Assim, o que vejo, são ocupações de modo desordenado e as leis ambientais vão sendo afrontadas, resguardadas com afinco pelas autoridades judiciárias.
A voracidade das cidades, com seus consumos irresistíveis, não faz concessões. O homem é ávido por um bem-estar, que na maioria das vezes se descobre ilusório. Basta ver a solidão das almas nas metrópoles, com bolsos abastados ou não, mas com o coração pedindo ocupação.
Vamos preenchendo espaços físicos às custas da natureza e sua inocência enquanto nosso espaço mais importante, o de dentro de nós, está cada vez mais um latifúndio a se perder, onde o eco é grande, muito grande.
São Sebastião tem belezas ímpares e meus olhos sofrem de regalo por contemplá-las; a natureza fez um cantinho aqui para mostrar sua sabedoria, um ateliê aberto aos amigos, para mostrar que o homem não está acima de todas as coisas.
Verde pungente, mar imponente, quem sabe um dia seus sinais façam florescer juízo e bondade no homem?
Vendo as disputas por terras e a rusga com a natureza, lembrei-me do meu embornal. Nele tenho um pequeno livrinho onde alguns escritos trazem reflexões. Um, em especial, é moldado para o que vi hoje. Vou contar-lhes.
Dizem as linhas que no ano de 1854 o governo dos Estados Unidos propôs uma troca aos índios do Oeste : que desocupassem uma grande área de terra em troca de uma reserva indígena. Foi então que recebeu do cacique Seattle uma carta, na qual eu retrato pequenos, fragmentos. Assim, como nossos silvícolas tentaram entender o português, os nativos da América do Norte estranharam a ganância dos saxões. Vejamos :
"O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro: o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro (...).
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem deve tratar os animais desta terra como seus irmãos (...)
O que é o homem sem os animais? Se os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo (...)
Isto sabemos: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira, cada inseto a zumbir é sagrado na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho (...)
Essa água brilhante que corre nos rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, devem ensinar às crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz dos meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga e, quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. (...) eu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.
A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho.
Não há lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater de asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece apenas insultar os ouvidos. E o que resta da vida de um homem, se não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo."
Boto o pequeno livro em meu embornal com uma certeza: certas lições devem ser aprendidas da pior maneira. Infelizmente.
O que me deixa menos preocupado, é que ainda perdura a beleza da natureza e do povo de São Sebastião.