dr. Pintassilgo

Mongaguá

Certa vez, pássaro romântico que sou, tentei apanhar um botão de rosa para minha pretendida. Era noite, e no afã de agradar, imprudentemente, feri minha asa com um pequeno, mas deveras contundente, espinho.

Com a flor em punho até o recanto da dama de traços suaves. Meu entusiasmo se alargou quando me vi diante de um sorriso único e indescritível para minhas pobres letras. A bela me disse, timidamente, que nunca havia recebido tal agrado, o que de pronto rebati, incrédulo: "Como ninguém reparou em tão bela face e meigos gestos?".

Delicadamente, via sua face corar.

Depois disso, fui tecendo teorias sobre o amor, apoiado em uns momentos felizes e outros nem tão complacentes com o coração.

Fui ferido uma vez para chegar perto da beleza e a partir daquele dia, nunca deixei de contemplar as coisas, sempre procurando enxergar o que há na essência delas.

Mongaguá me trouxe essas lembranças.

Estância bela e serena, onde os enervados das grandes cidades vêm para descarregar o peso do mundo, deixar que as marés o levem para longe.

Antes de ir ao Fórum passei pelo Parque Ecológico "A Tribuna", onde revi alguns amigos pássaros no viveiro, que me pediram para que contasse as boas novas. Aprazível lugar, como, aliás, quase toda a cidade.

Alguns filósofos helênicos diziam que o ócio deve ser muito bem aproveitado. Concordo em parte, uma vez que não sou um dos partidários do nada fazer ; creio que esse período de descanso não deve se alongar, já que o homem sem afazeres é um bicho perigoso.

E vendo o transitar calmo das pessoas, noto que elas estão realmente aproveitando seu passeio pela praia, seu momento de ócio. Fico feliz. Tomara que descansem e se renovem, corpo e mente para o andar dos dias. É o ócio com dignidade.

Volto, porém, a pensar na rosa que me feriu e na indiferença que minha bela dama sentiu.

Mongaguá é linda e merecia melhor sorte em lidar com alguns problemas. Por detrás de sua exuberância existem coisas a resolver que, se não maculam a admiração pela cidade, ao menos fazem pensar na sua população, tão carente.

Dois dos três Poderes estão buscando por espaço em Mongaguá, no mesmo prédio; não é possível que a beleza da cidade não faz com que nossos governantes a notem !

É um caso sério de miopia. De não contemplação, de descaso frio para com a beleza, que ainda assim insiste em brilhar.

Na linha de frente, solitárias, a Exma. Dra. juíza de Direito Mariela Amori Nunes Rivou Alvarez, e as Exmas. promotoras de Justiça, Dra. Daniela de Gregori Lander Kenworthy e Dra. Ana Carolina Rubiari, levam os dizeres da Justiça; fico sabendo que alguns bravos causídicos ainda resistem ao sol da cidade enquanto outros procuram novas praias.

Nem mesmo os problemas da saúde fazem com que os olhos do Estado, que se dizem importantes, tomem ciência de Mongaguá.

Eu, inocentemente, creio que os finais devam ser felizes (resquícios das aventuras que minha avó lia para mim, quando pintassilguinho ávido por conhecer).

Assim como recebi e nunca mais esqueci um sorriso tão perfeito, creio que um dia Mongaguá se mostrará orgulhosa de sua beleza e se sinta admirada e respeitada.

É bom saber que somos queridos, é gratificante saber que somos notados. E melhor que tudo, saber que somos dignos de respeito.

Talvez um dia aqui retorne e todos estes problemas estejam sanados. Talvez um dia aqui retorne acompanhado da bela dama, para que possa admirar as duas belezas de uma só vez. E suspirar por elas.

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