dr. Pintassilgo

Itanhaém

Desde os meus primeiros vôos, senti vontade de ir ao longe. O vocábulo "aventurar" sempre esteve entre os meus prediletos e não só porque o considero belo, mas por seu significado amplo e instigante.

A aventura alarga a imaginação, amolda a coragem conforme o passo que se dá, torna o mundo mais colega (nunca amigão do peito), passa a sensação de que ele pode caber nas mãos.

E Itanhaém, onde estou agora, respira a aventura, ventura, vento, vem-me o mar adentro.

Por aqui passaram homens que nada tinham a perder, talvez tivessem a temer, talvez viveram sem saber que iam fazer a nossa História.

Aventure-se comigo, migalheiro, e alce sua imaginação como num vôo de pássaro.

Quem sabe você possa se ver como um jesuíta. Incumbido da difícil missão de catequizar, você varou o Atlântico por meses e chegou a esta terra que seria jovem aos olhos do Velho Mundo, seu lar.

Pense na árdua tarefa de demonstrar os dogmas de uma religião aos gentios. Pregar uma fé estranha aos olhos e ouvidos cujos valores eram quase alienígenas. Pegue-se varando a pé em terrenos inóspitos, imagine sua batina a sufocar no calor tropical, na mata densa, cheia de armadilhas naturais ou não. Erga sua capela, a fim de manter viva a fé dos homens compatriotas que aqui estão, já cambaleantes. Leve o nome de Deus aos que não O conhecem. Na sua mente, não pode haver ninguém que não O conheça.

Diga amigo : a sua fé seria tão férrea assim?

Vamos, entre na persona de um português fidalgo, aventureiro, claramente ávido por riquezas e prestígio na Corte. Talvez aqui ficasse para fazer sua vida; poderia ser qualquer riqueza o atrativo ou mesmo a beleza de uma índia.

Armado de mosquete e empunhando espada, seria uma tribo a sua amiga ou a inimiga declarada, mortífera, a ponto de desejar em algum momento, devorar suas entranhas.

Vislumbre, com sua fértil imaginação, a tentativa de fazer esse rude, pardo, nu, cheio de ornamentos corporais, praticar o capitalismo mais puro: um pedaço de terra só seu (propriedade particular), o lucro, a troca, o excedente, a - para alguns vituperiosa - mais-valia. Lógico que teria de ser na marra a sua conquista de terras e riquezas. Ficar aqui poderia não estar nos seus planos e voltar para a "Terrinha" seria mais sensato. Mas não, aqui talvez você ficasse e até adentraria mais ao interior.

Você, caro aventureiro, viveria apenas da paixão por seu destino, qualquer que fosse o sinal de sua sorte : bom ou ruim.

Entre na pele bronzeada do índio e tente entender esses dois.

Esses homens que aqui chegaram em imensas "canoas", vindos não se sabe de onde. Eles são pálidos, pele cor de nuvem manchada, são sujos, trajam panos pesados e de cores vivas. Eles têm coisas que talvez você nunca tenha visto nos quase 500 anos desde que aqui aportamos. Suas armas são trovões, levam a alma dos seus guerreiros. Eles querem porque querem levar madeira, parecem gostar dela. Os homens de preto querem lhe ensinar que "um só Deus ao mesmo tempo é três", como disse um poeta certa vez. E você perguntaria, "esse mesmo Deus foi morto por vocês!". Um homem que mata seu Deus é complicado de entender.

Talvez o mais aventuresco seria você passar-se por Hans Staden, o alemão que aqui em Itanhaém naufragou. Imagine-se preso por tupinambás, ávidos por lhe devorar, encantados com sua alva tez e cabelos cor de fogo. Pense nas noites que lhe engordavam e na angústia de esperar mais um dia para tentar fugir em meio a uma tribo inteira de hábeis (e famintos) guerreiros.

Amigo, em qualquer papel que encarnasse, que aventura você teria ! Uma aventura apenas do viver, sem roteiro ou efeito especial.

Pense, em qualquer papel que estiver, na terra à simples vista, no bater das águas na proa da caravela, depois de dias de sofrimento físico. Imagine o caminhar na praia dos povos tão distintos a entreolharem-se e a medirem-se : "quem são esses homens" ?

Isso é a aventura do homem : descobrir além dos horizontes e terras, o que há de mais profundo na alma do "outro". Entender ao "outro" e reconhecê-lo como "outro" tem sido nosso maior desafio.

Não precisamos de heróis de matinês ou personagens de ficção.

Temos nossa própria terra de aventuras e venturas : temos, Itanhaém.

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