Certa feita, quando ainda era um pintassilguinho de vôos atabalhoados, lembro-me de voar com meu pai por sobre a senda de Bartolomeu Bueno da Veiga, o Anhangüera.
Entre o bater das asas, íamos conversando sobre as bandeiras paulistas e, claro, eu mais ouvia do que falava, sorvendo seu conhecimento. (E também, confessadamente, pelo fato de que eu tinha de bater muito mais vezes minhas asinhas, para acompanhar o ritmo das incomensuráveis asas paternas...).
De repente, chamou-me a atenção uma cidade cujo limite parecia mais longo que outras. Não sei, migalheiros, se meu diminuto tamanho na época é que tornava as coisas maiores, como um Gulliver às avessas.
O fato é que a imagem daquela cidade impregnou-se na memória e, do nada, disse a meu pai : “um dia vou entrar e conhecer aquela cidade bonita !”. Ele sorriu, me olhou por uns segundos e disse : “filho, todos os sonhos nos são possíveis, basta que tenhamos a paciência como companheira e saibamos que tudo, tudo, exige sua cota de sacrifício”. O que será que isso tinha a ver com a cidade ? Pensava eu no imediatismo juvenil, em minha pueril percepção. Mal sabia que ele vaticinava tudo o que viria na seqüência de meus vôos.
O tempo passou e eis eu aqui no lugar que meus olhos infantis adoraram : Limeira.
Fui entrando na cidade e o pintassilguinho de anos atrás (nem tantos assim, migalheiros) seguiu em meu embornal de lembranças.
Já de pronto fui conhecer as pessoas. - Quanto movimento, quantas belezas limeirenses.
Fico sabendo que o nome Limeira vem da árvore frutífera e, mutatis mutandis, com uma história. História essa que para alguns pode ser doce, para outros ácida ; assim como a própria fruta que às vezes confundem-na com laranja, outras com limão.
Ei-la. Nos seus primeiros povoadores está a figura do benemérito Frei João das Mercês, que para cá veio trazendo consigo limas no intuito de combater as febres que maleitosamente assolavam os entrantes.
No entanto, a flecha do destino acertou-lhe. Acometido por uma moléstia e, por ironia do destino, após expiar com intensa febre, Frei João tombou. Próximo da cruz chantada em sua última morada, nasceu um pé de Lima, ficando o local conhecido por "Rancho da Limeira".
Considero, em meus devaneios (permitam-me) o nascimento desse frutífero pezinho uma homenagem da natureza à fé de Frei João.
E vejam só ! Citrus estava mesmo no destino daqui.
A laranja viria a se tornar uma fonte de riqueza para a cidade, graças a empreendedores como Major Levy Sobrinho e a Mario de Souza Queiroz. Todos limeirenses ilustres, sendo o primeiro atuante em vários setores e atividades da cidade tendo sempre em vista o desenvolvimento de Limeira. Também merecem honrosa menção os doutores Octavio Lopes de Castelo Branco e o antigo Diretor das Arcadas, o saudoso professor Spencer Vampré.
Conquanto neste ano complete-se 42 anos de seu falecimento, Spencer Vampré é sempre lembrado como exemplo de um eminente advogado e jurisconsulto de escol. Aliás, a cidade, em justa homenagem, hoje ostenta no pórtico do prédio do Fórum estadual seu nome.
Por que este passeio histórico? Indagarão vocês.
Porque todos estes homens atuaram em diferentes cargos, funções, atividades, num arregaçar de mangas, nobre e inspirador. Agora entendo meu alado genitor : “as cotas de sacrifício”.
E, na minha aprazível conversa com o cordial integrante do parquet, Cléber Rogério Masson, fico com duas impressões...
A primeira e digna de menção é que o combativo promotor de Justiça possui o espírito dos homens citados acima : confiança no trabalho, sem receio da luta, o que só pode culminar na esperança de que as coisas melhorem. Na sua fala sincera, vejo que não teme pelo futuro, já que trabalha justamente para que isso aconteça. Entende ele o que é “paciência e sacrifício”.
A segunda, e triste, é o fato de alguns distribuidores de Justiça saírem de Limeira justamente por perceberem que é uma comarca “trabalhosa”, exigindo deles a “cota de sacrifício”. Tristeza. Silêncio.
Será que quando se inscreveram para uma das varas da cidade, imaginaram uma limeira e a sua sombra água fresca ?
Não possuem o espírito dos cidadãos que fizeram a história deste fértil chão, por isso, realmente não merecem ali germinar.
O povo de Limeira se fez pelo trabalho e, principalmente, por não temê-lo. É um opróbrio injusto ter entre os seus aqueles que se escondem da luta.
Deixo Limeira, mas não abandono meu sonho, pois "é ele que mostra o caminho". O sonho de que o monopólio estatal da Justiça atenda aos cidadãos de acordo com seus legítimos anseios.