Amigos migalheiros, talvez quando estiverem lendo este humilde relato das coisas da vida e do homem, seja uma manhã radiante ou de céu nublado. Poderia ser também uma tarde morna ou invadida por uma ventania ; ou a noite calada pela rotina ou agitada por promessas...
Não sei.
Só posso dizer que seja em qualquer momento, o mundo está em desconcerto. Foi Camões quem cantou, com a alma vibrante e lotada de inspiração, esse dasacerto.
"Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado."
Mas o "amor" - mote maior do grande orgulho lusitano - também é um desacerto, porque quem não o sente não sofre, não vive e não tem seus olhos brilhantes, por júbilo ou lágrimas.
Sabemos disso, pois o que é a Justiça senão a forma mais importante de amenizar os desacertos do mundo ? Desarranjos, em sua maioria, vindos do recôndito do coração do homem.
Um poeta baiano cantou, com sua voz inconfundível, que “alguma coisa está fora da ordem”. E ele tem razão...
Pousando agora sedento em Bebedouro, vindo de Pirassununga onde nada bebi (estava em serviço, amigos), vejo que algo está desconexo...
A bela e rica cidade possui povo hospitaleiro. Os passantes seguem numa tranqüilidade invejável.
Os causídicos são cordiais e atenciosos. Os magistrados presentes e solícitos com todos, sejam eles operadores do Direito ou o povo...
Todos são trabalhadores pertinazes como demonstra a própria história da cidade, famosa pela laranja que ganhou o mundo.
As imagens não mentem...
Mas o que então causa a sensação de que algo está na "ordem que não nos convém" ? Que algo está ausente, uma lacuna que não se preenche ?
Os processos formam pirâmides, há falta de funcionários e o emprego está se tornando artigo raro.
A aprazível Bebedouro está vivendo seu momento de desacerto. Como a vida, o mundo e o amor.
Impossível não dar razão a todos. Sinto em minhas entranhas uma ânsia de resolver a tudo, como se fora um Merlin de asas.
Eu olho nos olhos dos causídicos. Admiro os magistrados. Cravo a vista no povo. E fito uma jovem morena que procura um emprego. Queria gritar a palavra mágica para que o desacerto, o feitiço ruim, evaporasse...
Mas a vida não me deu esse dom...
O que me resta, humildemente, é compartilhar com vocês o que vi e ainda verei.
E, falar sinceramente com vocês, confiante na amizade que forjamos nos vôos ; para pensarmos não em mágicas nas horas de desespero, mas em soluções para os bebedourenses e todos os que vistamos até agora...
O mundo é desconcertado...
Mas sei que podemos ajeitar um quadro, pintar uma parede, varrer um quintal, cuidar de um jardim, fazer Justiça...
Essa luta contra o desconcerto é linda e nos toca, como um camoniano soneto.
(...)
"É tudo quanto sinto, um desconcerto;
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando,
num'hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar ü'hora."
(...)
Saudações, Bebedouro ! Um abraço carinhoso e cheio de acertos !