dr. Pintassilgo

Caconde

Por força do hábito e dos genes (a parentada adora a tipografia), a leitura de jornais me é deveras prazerosa e indispensável. A rotina é excelente, apesar das notícias que me vêm.

Vislumbro, às vezes, com o coração em desconsolo e ardente de indignação, crimes gritantes contra as pessoas, tanto em nossa terra como fora: desrespeito ao homem, fruto de uma pequenez de espírito injustificável. Falo do racismo e preconceito, principalmente o velado, que remói dentro de alguns.

Um dos meus maiores orgulhos é ver no Brasil as matizes que formam nossa gente; passeando pelas ruas da capital ou do interior, assisto ao desfile de várias etnias, que trançadas são um dos maiores legados que o país pode dar ao mundo hoje tão segregador e intolerante, mais ainda após o fatídico 11 de setembro. Agora todas as etnias são suspeitas e olhadas de soslaio por alguns saxões puritanos.

Em tempo : quando assisto a nossa seleção de futebol, perfilada, com brancos, negros, pardos a cantar o hino nacional, sinto orgulho ver nossa força conjunta a ganhar o mundo. Nem tanto pela vitória na peleja, mas na força do encantar. Além do que são meus colegas, são os integrantes da seleção canarinho.

Pode ser uma metáfora pobre e não condizente com nossa grandeza, mas foi a mais rápida que pude buscar em tão rica história do Brasil. Perdoem-me se for deslize.

E vibro ao aportar em Caconde, no leste paulista, ao notar a presença da etnia negra, principalmente na história da cidade, tão disputada no passado por mineiros e paulistas.

Até o nome deriva dessa influência : contam alguns historiadores (dentre os quais não posso deixar de citar Adriano Campanhole, do Instituto Histórico e Geográfico de SP) que o batismo deriva do termo "Caconda", linda região angolana, cujo território é banhado pelo rio Cumene e seus afluentes. Suas terras são altas, as serras altaneiras e um excelente clima...

Foi sendo falada e mascada até chegar na nossa Caconde.

E a história da cidade em muito me lembra a fictícia Macondo (e não se trata aqui de um trava-língua), de Gabriel Garcia Márquez, na sua obra-prima "Cem anos de solidão".

No belo livro do colombiano (outro país influenciado pela etnia negra), o povoado de Macondo vivia isolado do mundo, com o tempo fluindo lentamente para a família Buendía, que sozinha e cheia de excentricidades, marcas do realismo fantástico, fazia a história da localidade. Acompanhamos o século de isolamento de Macondo e seus acontecimentos...

Assim também foi em Caconde. No auge da mineração no século XVIII, garimpeiros vindos das Gerais por aqui passaram, e fizeram pequenas cabanas a procura do precioso minério que fascina, enlouquece os homens e orna as mulheres : o reluzente ouro. Diziam, antes de estudar a região, que era "ouro muito melhor que o do Desemboque". Mas, qual o quê. Nada descobrindo, ao menos em quantidade que os satisfizesse, foram-se.

A localidade então só foi conhecer novamente movimento de gente, vozes, a mão do homem um século depois, em meados de 1800, graças a outro ouro : o ouro negro, o ouro trazido pelo café.

Eis que o negro aqui aporta como eu hoje cheguei : trazendo canto e algum desencanto por lutas passadas, marcas na pele não desejadas, mãos calejadas e alma machucada, mas nunca tombada, e muito longe de o ser, por palavras ou chibatadas.

E, refletindo sobre a importância do continente africano no país, especialmente aqui, onde a formação do povo, o nome da cidade, e o ouro plantado (trazido - para alguns historiadores foi contrabandeado - para o Brasil por Francisco de Mello Palheta), não posso deixar de dar-lhes alvíssaras, migalheiros ! E o faço porque atrás de seu computador há um "ouro". Ele está na assinatura das edições do que meus pequenos olhos registram ; também de origem africana, mas que hoje está em toda a parte (este é um pouco afrancesado), é, como de fato se denomina, um "Leão-de-ouro".

E, assistindo ao vídeo produzido pela "aurifelina" equipe, vejo no lindo menino que aparece, com seu sorriso esparso, sem medidas, e nos seus olhinhos cheios de sinceridade, alguma esperança para o país.

Sim, migalheiros, sei que muitos de nossos irmãos padecem de uma justa vida, de paz e gozo de bens materiais e conforto para a alma. Eu sei...

Mas não quero um dia dormir pensando que este garoto não mais sorri...

Seu sorriso me enterneceu...

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