dr. Pintassilgo

Lapa

Depois de um vôo extremo, onde minhas opiniões foram ao limite mas não retornaram, saio da solidão de Rosana e regresso para a capital de São Paulo, onde o metro quadrado nem de longe possui o vazio que encontrei no ponto máximo do Oeste.

Não que eu vá deixar de sentir o toque da solidão apenas por estar entre tanta gente, em tantos lugares. Estar acompanhado nem sempre é sufocar o isolamento ; no meio da multidão é possível sentir-se solitário...

Porém, sei que os amigos migalheiros estão comigo !

Por isso, agora, corto as nuvens, sentindo o cheiro de diesel e, muito distante, o aroma de um "pingado" : estou na Lapa, meu !

Sobre o "pingado" atrás referido - e já deglutido - até hoje não dissocio esta Paulicéia do tradicional café com leite servido nas padarias, ou, como aqui dizem, "padocas".

Bairro antigo, dividido em dois "andares". Na parte de cima, a sofisticação dá o elevado tom, onde dinheiro pede e ela aceita, no regalo vindo das coisas materiais nas mãos, o hedonismo exposto em fartura.

Na "Lapa de Baixo", onde nos primórdios as casas eram de funcionários das indústrias e da "São Paulo Railway" (o anglicismo aqui é belo, não acham ?), o comércio é intenso, porém o cirenaísmo vem em tintas mais modestas. Nem diria isso com veemência, pois o cenário mais parece fruto de uma luta pela sobrevivência.

Alguns dos metros quadrados de Rosana, cheios de vácuo no Oeste, aqui seriam bem-vindos ; cada metro da calçada é disputado no grito pelos camelôs : "- Olha o rapa !"

É a informalidade no trabalho, filha de vários pais : seca de investimentos no setor produtivo, burocracia pesada como chumbo que marreta a iniciativa (já que escolhemos o capitalismo, ele existe, migalheiros, sem a livre iniciativa?) e, perdoem meu surrado discurso, a nossa indiferença pela educação.

Assim, torna-se o trabalho pelo trabalho, estreitando as possibilidades de crescimento. Porém, ainda creio que todo o ofício realizado de forma honesta, seja bento. Cabem a outros, que têm essa responsabilidade, promover a distribuição das chances.

Quando chego ao Fórum da Lapa, revi vários problemas, sentindo nesse "encontro" a mesma sensação de quando nos deparamos com pessoas não gratas.

Ó minha portentosa Capital, ainda que ora me encha de orgulho pelo seu suor tão sério, em outros instantes ainda me fará branquejar as penas de preocupação.

A pomba amiga já havia deixado a mensagem de um amigo migalheiro, o dr. Luiz Martins (Vôo 34), atuante causídico da Lapa, me avisando dos problemas e do susto que iria tomar caso aportasse nas Varas de Família, onde combativos funcionários se esmeram arduamente para cumprir suas funções. A falta de estrutura criou o montante de 25.000 (!) processos distribuídos em duas Varas.

Problemas que já me são familiares...

Creio que os números não nos bastam. Não sou um aficionado ao choque dos algarismos. Prefiro olhar as costas deles.

Saí da minha confortável gaiola para ver pessoas lutando, na peleja da vida, sejam magistrados, causídicos, funcionários e todo o povo, este que vejo na lida das calçadas.

Só não gostaria de pensar que toda essa luta seja inglória.

Não, não, não. Creio que não o será.

Aliás, de fato, não o será !

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