dr. Pintassilgo

Penápolis

Imaginar é diferente de ver, tatear, estar diante do fato, bruto, concreto feito montanha ou qualquer coisa de solidez.

Pareado com meu inabalável patriotismo sempre esteve a lucidez clarividente. Em nenhum momento de minha curta vida (sempre nossa existência terá essa inominável sensação de fugacidade, migalheiros) achei que vivesse na Pasárgada de desfrutes mil, embora a aspirasse nos segundos de devaneios.

Digo isso porque no meu bater de asas sobre Penápolis, constatei a outra face do complexo polígono de problemas nacionais. Da imaginação do desconexo, eu o encarei.

E não vi a distribuição. Presenciei, com a indignação refreada pelo dever, as frações desiguais, pesos desiguais, que atingem de pronto a Nação, nos tornando um país de ponta, sim, mas na dianteira nas estatísticas inglórias de se demonstrar.

Má distribuição de renda. A ostentação e a carência são vizinhas divisadas por um muro sem comunicação. A cana corta rodovias, migra para o bolso e escorre para o mundo. Os braços firmes e morenos de sol que a cortam, os rostos esquálidos e as rugas do trabalho varam a vida sem sair do seu mundo, seja pelo dinheiro seja pelas letras.

Em Penápolis, reclamam da violência. A virulência que compromete nosso estado de espírito, a nossa simples realização material, o direito de possuir, de ir e vir ; agressões que bem sabemos de onde vêm. Mas a inanição inexplicável só faz tolher as vidas : as que agridem e as que são agredidas. Sabemos que um abismo social cresce no país, apesar dos números chancelados pelo dinheiro, que vêm, cinicamente, diante de nossa vista, aviltar nossos lares e por que não, nossa inteligência.

Pior até que a má distribuição de renda é a não existência da distribuição de oportunidades. O caminho para a Pasárgada, a estrada dos tijolos amarelos, passa pelo ensino, feito de forma excelente. Este sim pode gerar a eqüidade de oportunidades. Porém, ainda há a sede, que hoje já julgo inenarrável, pelo lucro em si mesmo. O ensino virou comércio e um mero passaporte para que os mais afortunados ingressem nas universidades.

E, combativos migalheiros, todo esse quadro é um nocaute em nosso sonho de uma Justiça eficaz.

Como, lhes indago, confrontados com esses alarmantes desvios de vidas, de oportunidades, da perturbadora ausência de um equilíbrio, podemos ter a saciedade delirante, da Justiça feita, sem “poréns” nem “senãos” ?

A balança da vida, escancarada a olhos nus, afeta diretamente a da cega Justiça.

As inquietações crescem na proporção das desigualdades. E, a meu ver, não há teoria de comportamento humano que possa nos salvar sem que façamos algo, nós mesmos.

A injustiça incomoda, atribula, é um espinho encravado no ser humano, no seu íntimo, no recôndito de sua alma ; sejam elas a má distribuição de renda ou de oportunidades, ou a sensação de que não se pode confiar na Justiça dos homens.

Uma Nação, digna de respeito e hombridade, acolhe seus filhos sem essa descarada distinção, oferecendo a todos a chance de caminhar em paz pelo seu seio.

Sabemos o caminho. Basta de sabotarmos a nós mesmos.

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