Deixo neste momento o céu plúmbeo da capital do Estado. Tenho ciência de que lá retornarei pela imensidão, não somente pela grandeza de seu território ou de seus feitos, mas pelo que ela simboliza. Um Brasil dentro de um Brasil. Tudo é imenso em ti, ó cidade irresistível e temerária !
Rumo para leste, eis que adentro ao Vale do Paraíba. Deparo-me com a cidade de Cruzeiro, cuja localização é bem mais que providencial.
Dizem que um marco em forma de cruz, que divisava os Estados de São Paulo e Minas Gerais, deu origem a seu nome. Eqüidistante das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, tornou-se ponto mais que estratégico da região Sudeste ! O que justifica seu nascimento, pois era posto de tropeiros que ali formaram uma Vila.
Cruzeiro é terra natal do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, causídico de escol, cuja biografia é vasta e bem apurada ; sua contribuição para o meio jurídico é assaz graúda, portanto, qualquer letra ou palavra que este humilde pássaro escriba possa citar, em tão parcos linotipos, será insuficiente. E na biografia do criminalista vejo que foi edil no município em 1962.
Seu ilustre Pai, José Diogo Bastos, médico, ingressou na política e foi prefeito da cidade. Ao falar sobre ele, os moradores parecem abaixar as cabeças, como que a reverenciar, em gesto agradecido, o homem a quem Cruzeiro tanto deve. Um médico humanista que não media esforços para atender o povo, seu povo, sua gente.
Seguindo a linha dos Bastos, o neto do tantas vezes alcaide da cidade, dr. José Diogo Bastos Neto, continua a senda de figurar no sobranceiro por onde passa. Sobrinho do ministro, o ex-presidente da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo (2005), formou-se em Direito pela Universidade Estácio de Sá, do RJ, e é mestre em Direito Processual Civil. Como não poderia deixar de ser, mantém-se atuante não só na profissão, como também lutando pelos interesses da classe jurídica, mostrando que a herança genética é inexorável.
Contam-me os que aqui vivem, ansiosos para que o tempo corra, que já há até mais um Diogo na saga dos Bastos de Cruzeiro. No dia 29 de novembro passado, a filha do ministro da Justiça, Marcela, trouxe ao mundo o primeiro neto varão de Thomaz Bastos, o pequeno Diogo. Comentam até que o pimpolho ETTJC ("Ese Tem Todo Jeito pra Coisa", no dizer de Manuel Alceu Affonso Ferreira, anotando na ficha dos examinandos, nas tantas bancas que participava e participa para ingresso na magistratura e Ministério Público). Falam - não pude aferir a veracidade - que dia desses, ao deixar cair um chocalho do berço, vendo a mãe aproximar-se, e antes que lhe fosse imputado algo, tartamudeou suas primeiras palavras : "foi culpa stricto sensu".
Depois dessa, que entra para os ricos anais das estórias do rio Paraíba, amante que sou dos ideais de liberdade (não é o seu preço a constante vigilância, se me permitem o lugar comum?) não poderia deixar de mencionar Maria Regina Marcondes Pinto, estudante, nascida em Cruzeiro, que desapareceu na Argentina, vítima dos violentos anos de chumbo. Ressalte-se um dos mais agressivos de toda a América Latina.
Thomaz Bastos e Regina estiveram frente a frente com governos totalitários. Tenho náuseas só de imaginar quantos anseios joviais foram ceifados nessa época. Para a “proteção” contra o “perigo vermelho” foram tomadas vidas, sufocadas liberdades.
À parte esses tristes recordatórios, penso como antanho o progresso vinha em passos mais lentos.
Bastou que D. Pedro II inaugurasse aqui uma estação ferroviária, o que se tornou indispensável para ligar os dois maiores centros do Brasil (SP e RJ) diante dos empreendimentos do Barão de Mauá, para que pessoas vindas de diversos lugares aqui solidificássem esta aprazível localidade, onde Paraíba passa com sua torrente caudalosa, com seu rumor incessante, com seu dinamismo. Não que outrora não fosse esse o modo, mas me parece, atentos migalheiros, que o progresso de nossos dias está atrelado até a medula ao predatório, seja do próprio homem como da natureza.
Sorte de todos que ainda existem homens com sérias preocupações com o bem-estar futuro. Mas se antes estações como essa tinham de maior parte um impacto benéfico, atualmente os debates giram em torno do afamado desenvolvimento sustentável.
Cruzeiro conserva os típicos ares de cidade interiorana. Li, certa vez, que grande número de pessoas está fazendo o curso capital-interior, contramarcha do início do século passado. Cidades como Cruzeiro estão sendo o refúgio de mentes cansadas, ansiosas por fugir das malfadadas vozes eletrônicas das capitais e por buscar a generosidade sem troco das pracinhas. Realmente, concluo, que diferente do que se dava, como aqui fez a estação férrea, o progresso não mais aglutina de forma inconteste.
Aprendi muito aqui nestes chãos e com seu povo. E aprendi também com a natureza, nossa irmã. O rio, por exemplo, me ensinou que é preciso avançar, progredir sem esmorecimento em busca de um ideal, que por vezes pode estar muito distante. Afinal de contas, o contrário, a água parada, é o charco doentio, é o paul que se teme, o lodaçal que se evita.
De outro lado, lançando olhos acima, lobrigo que a serrania alcantilada prega multi doutrina : a da firmeza, a da perseverança, a da resistência aos embates da adversidade. Estando ela exposta às chuvas, aos raios, às tempestades, às queimada pelo sol, lá permanece - invencível e austera - a Mantiqueira.