NOTA PRELIMINAR
Esta não foi escrita nos poucos intervalos de minha jornada fatigante. A princípio, seria para resumir em algumas páginas de história, as qualidades e vicissitudes por quais passa nosso Poder Judiciário. Mister que se diga, que os conhecimentos aqui ora apresentados trazem uma carga de complexidade, vinda de fatores diversos, políticos, legais, em nas quais o meio atinge fulgurantemente o Homem. Minha cruzada, os caminhos de um mero Pintassilgo, tem “significação inegável de um primeiro assalto, em luta talvez longa”.
Ainda que pareça não possuirmos “tradições nacionais uniformes”, os séculos vão nos mostrar um caminho de amor à pátria e às coisas legitimamente nacionais ; e o povo sentirá que todos os Poderes por ele emanados com ele serão benévolos e não carrascos e indiferentes. Que ele, o povo, é a fonte primária do Poder ; ele, e só ele, é o soberano.
Vôo logo após estrondosa chuva, trespassando o rio Piracicaba, sentido nordeste. Depois de algumas horas de suave planar, vislumbro pequenos e acolhedores morrotes. Uma análise de paralelos e meridianos indica serem as seguintes coordenadas : latitude sul 21º 36'; longitude W. Gr. 46º 53". Estou com as asas sobre São José do Rio Pardo. Da capital dista, em linha reta 217 km ; pela rodovia, 260 Km. Para se ter acesso à capital estadual, necessário que se siga pela rodovia Anhangüera.
A TERRA
Ao analisar sua posição geográfica, vejo que São José do Rio Pardo está numa cadeia de montanhas chantada no contraforte da serra da Mantiqueira, o mais importante maciço montanhoso do Brasil, que é distribuído pelas divisas dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Pequenas montanhas, de plano irregular, compõem seu relevo ; o clima, noto, é mais que ameno. O rio Pardo que, junto ao nome do putativo pai de Cristo, batizou esta localidade, corta a cidade ao meio. Os rios Fartura e dos Peixes também banham São José, que ainda é trespassada por córregos menores como o São José, da Barra e Macaúbas.
O HOMEM
Conquanto não seja um etnógrafo, percebo que a identidade local é fruto de uma amalgamação. É formada por diversas etnias que aqui chegaram por motivos díspares e desconexos.
Nestes chãos, contam crônicas antigas, já andava pelo solo virgem o índio ; talvez sua retirada deveu-se à ausência de caça, segundo estudos mais aprofundados. O que é certo é que colonos portugueses fundaram uma Vila, que mais tarde, desvilada, dava origem à bela São José do Rio Pardo.
Com o fim da escravidão de nossa outra etnia formadora, o negro, italianos em grande número aportaram nestas paragens, fazendo de seu trabalho instrumento de progresso na cidade. Ziguezagueando entre si, essas três etnias, duas de terras “alienígenas”, pisaram em solo pátrio.
Sociólogos e antropólogos tentam, há quase dois séculos, explicar o resultado frutífero dessa exogamia.
Os múltiplos grupos da população ou grupo social que apresentam relativa homogeneidade cultural e lingüística, compartilhando história e origem comuns, através do DNA ou do trabalho conjunto ou em separado, formaram esta cidade, assim como se deu na maioria do país.
Teorias de inferioridade das espécies sofreram violento e frontal golpe com a descoberta de que nossa cadeia genética principal é praticamente a mesma, diferenciando, obviamente, os particulares de cada etnia. Ou seja, tratar do termo “raça”, em tempos de estudos avançados, é por demais perigoso e imprudente. A despeito de determinismos, somos da mesma raça. E nosso país, com seu saboroso caldo genético, é um belo exemplar para o mundo, que às vezes parece querer cada vez mais selecionar os seres, como se fossem feijões prontos para serem escolhidos.
Essa explicação do Homem para entender suas diferenças, não obtém resultados controversos somente no campo das ciências biológicas. Adentramos nestas montanhas com o escopo, com a mente ansiosa, para entender as diferenças no campo do Direito e seus efeitos. Em cada localidade, trata-se de um modo peculiar de se enxergar o trabalho forense. Os modos únicos de cada comunidade ler a ação do Direito e a prestação jurisdicional, melhor dizendo, o Direito em verdadeira operação. E, no centro de tudo, claro, o Homem.
A LUTA
Tomei-me de coragem para vislumbrar esta luta de perto. Esta diuturna luta da Justiça, em busca do equilíbrio de sua balança que mede os mais altos valores, diferentemente da dos feirantes que determinam apenas a massa ou o peso dos corpos.
E não é uma luta de exércitos e sertanejos, nem por motivos tão desconcertados.
Também como correspondente, presencio todos os lados de uma batalha diária, em que vencedores e perdedores podem ser determinados de modo relativo. Essa justa, travada por todos aqueles armados de idéias, experiências e vontades se chocam, de modo a quase reverberar pelo infinito, unindo-se com a realidade mordaz do país. Podemos viver e andar sem água em plena caatinga de soluções, com secas cruéis e arbustos ressecados pela má vontade das chuvas do Poder.
Neste cenário árduo e às vezes provocador, pelo qual adentro, no Estado mais abastado do país que teima por suas próprias forças a não ser nação, sinto que o momento de se fazer história é agora.
Temos que pensar que podemos ir “Da extrema aridez à exuberância extrema”...