Henrique Marques de Carvalho. – Também do Rio. Filho de José Marques de Carvalho. Alto, moreno, pallido, barba e cabellos pretos. Já não era creança. Intelligente e estudioso, como tal se assignalou durante o seu quinquennio acadêmico. Depois de ter corrido Séca e Méca, foi estabelecer-se em Piracicaba, em cujo fôro teve por antagonistas Prudente de Moraes e Moraes Barros. Ainda reside e advoga naquella importante cidade paulista.
Joaquim de Toledo Piza e Almeida. – Paulista, de Porto Feliz, filho de José de Toledo Piza e Almeida, e nascido aos 18 de outubro de 1842. Alto, magro, moreno, pallido, cabellos pretos, quasi nenhuma barba, ligeiro buço a despontar sobre o labio superior; olhos negros e acariciadores. Physionomia muito sympathica. Era inteligente e extremamente applicado. Apreciava muito o convívio dos livros ; era bibliophilo e alfarrabista. Caracter sem jaça, moralidade exemplar. Apesar de bom estudante, impressionava-se muito com a prova dos actos e mais de uma vez em taes occasiões teve tanto abalo, que chegou a ser acommettido de vertigem. Seguiu constantemente a carreira da magistratura, quasi sempre em sua provincia natal. Eis os principaes estádios da sua vida publica : Promotor publico de Taubaté, em 1867; juiz municipal de Sorocaba, em 1874; transferido para a capital como juiz de orphams, em 1876; juiz de direito de S. Matheus, no Espírito Santo, em 1877; chefe de policia de S. Paulo, em 1878; juiz de direito em Piracicaba, em 1879; juiz de direito em Sorocaba, em 1884; ministro do Supremo Tribunal Federal, desde 1891, e hoje seu distincto presidente. Casou-se em primeiras núpcias, ainda estudante, com sua prima, filha do conselheiro Manuel Dias de Toledo, fallecido em 1872. Contrahiu segundo matrimonio em 1879, com D. Christina Leite da Fonseca, filha de Fernando Leite da Fonseca, antigo funccionario publico.
José Xavier de Toledo. – Mineiro, a saber, nascido em Minas, mas de antiga família paulista. Filho de tenente-coronel Francisco de Paula Xavier de Toledo. Era ainda menino, quando em 1862 se matriculou no curso juridico. Contava menos de 16 annos, pois é nascido a 21 de junho de 1847. Formava com o Souza Lima e o Moraes Salles entre os mais jovens do anno. O seu physico bem quadrava com a edade : totalmente imberbe, vivo, jovial. Entretanto, gentissimo e bom estudante. Era então Xavier de Toledo um bonito menino ; tornou-se, pouco depois, um moço elegante, e é hoje... hesitamos em dizer um velho, é hoje, embora encanecido, o mesmo gentleman aprumado, esbelto e distincto. Mas... basta de engrossamento. Vamos, ao contrario, para nos desforrarmos da pecha em que possamos ter incorrido com estas blandícias, referir delle uma estudantada. Todavia, registemos, antes, os seguintes apontamentos biographicos : Logo após a formatura, exerceu a advocacia nesta capital, no escriptorio do conselheiro Ramalho. Pouco depois, promotor publico da Franca ; no anno seguinte, juiz municipal, e de orphams dos termos reunidos de Araraquara e S. Carlos do Pinhal. Nestes municípios exerceu cumulativamente o cargo de delegado de policia. – Em 1874, juiz de direito do Rio Verde, em Goyaz, de onde foi removido para a comarca de Araraquara, onde ficou até 1878. – Nessa data, sua remoção para Iguape. – Em 1885, chefe de policia do Espirito Santo, e, depois, de Santa Catharina. – Juiz de direito de Piracicaba. – Removido para Itapetininga em 1886. – Ministro do Tribunal de Justiça de S. Paulo desde 1892. – Presidente desse Tribunal em 1900, 1906 e 1907. – Chefe de policia do Estado em 1896 e 1897. É casado em segundas núpcias com a primorosa poetisa D. Zalina Rollim.
Agora a estudantada.
Vae referida tal qual nol-a communicou um contemporaneo da quadra academica do dr. Xavier de Toledo. Nas proximidades da casa do coronel Paula Toledo, no paredão do Piques, tinha séde uma republica composta do Moraes Costa, do Quimquim Breves e de outros estudantes fluminenses, muito amigos do Xavier de Toledo e, por isso, muito sympathicos ao coronel, seu velho pae, que era como toda a gente sabe em S. Paulo, um perfeito cavalheiro, de caracter expansivo, extremamente bom e sociável. Contemplavam os rapazes diariamente o galinheiro do coronel, e viam-n’o fartamente provido de gordo gallinaceo, a saber : rotundos perus, lindos frangos, patos, marrecos e galinholas... Esse constante espectaculo acabou por lhes sugerir ao espirito um projecto de caçada nocturna. Como, effectivamente, resistir a tamanha tentação ? ! Mas... e o Zéca Toledo ? Hoc opus hic labor erat ! … Um dia, para verem como elle acceitaria o caso, disseram-lhe por gracejo a tentação que lhes vinha. Elle achou graça na idéia. Isto os animou a falarem-lhe com maior desembaraço. Para abreviar razões, depois de se certificarem da sinceridade dos protestos do Zéca e da sua absoluta discreção, fizeram-no participar do complot contra o galinheiro paterno. E não era insignificante a cooperação delle. Fôra incumbido de afastar na noite aprazada a solicita vigilância de um enorme fila, cujos dentes aguçados eram outras tantas ameaças á integridade das pernas de quaesquer temerários caçadores. Tudo se combinou pelo melhor modo. No dia e á hora préviamente determinados, veiu o Xavier de Toledo avisar aos collegas que todos dormiam na sua casa ; o cão fora, por elle mesmo, posto em liberdade na rua e partira contente em goso daquelle feriado ; que, em summa, tudo corria propicio para se effectuar a projectada limpeza do gallinheiro . Recebida com alvoroço a noticia , partem os rapazes, protegidos pelas sombras. Penetram de manso pela porta do quintal, aberta pelo collega peitado. Com tão seguro cicerone tudo promettia correr ás mil maravilhas. Penetra sorrateiramente no recinto toda a malta dos ladrões de gallinha, e desde logo prelibam o prazer que lhes havia de dar a esplendida e emocionante aventura. Estão já os rapazes junto aos poleiros e, contendo a respiração, extendem as mãos para se apoderarem da caça, quando de súbito se abrem todas as portas e janellas do salão de jantar, profusamente illuminado, e o coronel Toledo com a sua durindana de G. N. assoma no patamar da escada do quintal, bradando :
- Gatunos ! Pega ladrão !...
Terrivel momento, medonha collisão ! Aqueles brados põem em debandada o rapazio tomado de panico. Mas, ai ! Está fechado o portão!... E agora ? ! Desorientados, gritam os moços :
- Traição ! Traição !
Desce, n’um ápice, o coronel Toledo, e, rindo, abraça carinhosamente os moços e convida-os a entrarem :
- Meus amaveis vizinhos, sejam bem vindos !... Os senhores apenas acceleraram uma festa que desde muito eu tinha em mente offerecer-lhes, pela amizade que teem a meu filho e pela sympathia que me inspiram...
- Mas, coronel, que vergonha para nós !
- Vegonha, porque ? Os srs. Procuram, além da ceia, episódios emocionantes, eu comprehendo o caso; por isso, lhes offereço com muito gosto ambas as coisas. Creio mesmo que com o susto que tiveram...
- E a surpresa de desenlace...
- Sim, e o inesperado do desenlace, terão tido emoção muito maior de que esperavam.
- Oh ! Forte de mais ! – confessa o Breves.
- Bem, entremos, então; vamos concluir a prosa lá dentro.
- Mas, coronel, nestes trajes ? – objecta o Moraes Costa.
- Assim mesmo, estão muito bem. Entrem. O festim não será tão ruidoso e alegre como tinham planejado, mas eu garanto que lhes é offerecido de todo o coração. Relevem-me a brincadeira da fórma e não deixem de corresponder á minha intenção de obsequial-os.
- Ora, o sr. Coronel – disse Quimquim Breves – o sr. é um homem incomparável ! Que idea espirituosa a que teve !...
Resta-me um favor a pedir-lhes : o indulto ao traidor.
Nisto apparece o Zéca Toledo, que é abraçado por todos.
Ao penetrarem na sala de jantar, depara-se aos alegres convivas uma opipara ceia : - peru de forno, gallinhas recheadas, leitoa de espeto, empadas... e, para regar a festa, uma bateria de empoeiradas garrafas de velho Bourgogne.
Num brinde que então propoz, demonstrou o Moraes Costa que o Zéca não tinha sido traidor, e que, ao contrario, o procedimento, que teve na collisão em que se viu, foi o único que o podia livrar de commetter uma traição – ou aos collegas ou sua família, e de conciliar o dever de colleguismo com o de lealdade para com os seus.
- Hip ! hip ! Hip !
- Hurra… a… ah !!!
João Baptista de Souza Ferraz. – Paulista, filho de Bento José de Souza e nascido a 15 de abril de 1837. De estatura mediana, busto reforçado, moreno claro, olhos pretos, cabellos pretos e crescidos, barba escassa e tambem preta. Intelligente e bom estudante. Era natural de Ytú, circmstancia esta que ficou registrada na memoria do nosso informante, por ter occasionado entre Ferraz e o Reis Caçador o seguinte dialogo :
- Qual é a sua terra natal ? perguntou Reis.
- Ytú – dizia Ferraz.
- Barreiros.
- Barreiros, não; Ytú.
- Barreiros, já disse !
- Ytú, affirmo eu !
E a teima reciproca teria proseguido, sem a diversão trazida pelas gargalhadas do Rodrigo Barreto, que logo percebeu o engraçado equivoco dos dialogantes. O Baptista Ferraz era modesto, attencioso e amável para com todos os collegas, e, por isso, delles muito estimado; methodico em tudo, de costumes irreprehensiveis e assíduo ás aulas. Exerceu primeiramente a advocacia em Porto Feliz, onde se casou em 1862; em 1864 foi nomeado juiz municipal de Piracicaba, obtendo depois, remoção para o termo de Capivary, da mesma comarca. Terminando o quatriennio, em 1868, não pediu reconducção e preferiu dedicar-se á advocacia em Capivary e termos adjacentes : no que andou acertado, pois que conseguiu honrada fortuna, e hoje naquella cidade é advogado e fazendeiro. Em política, embora não seja monarchista militante, tem saudade dos tempos idos.
Felippe Xavier da Rocha. – Fluminense, natural da cidade do Rio de Janeiro; filho de José Francisco da Rocha. De estatura regular, cheio de corpo, tez clara, cutis pilosa, rosto grande e comprido. Na sua mocidade trazia a barba toda rapada; usou-a depois toda crescida, se bem que correctamente aparada nas extremidades. Era dotado de grande talento e caracter folgazão, sem embrago de algumas excentricidades. Serviu em cargos de magistratura, a principio em Campinas e por fim em Piracicaba, onde tambem por longos annos advogou e exerceu os cargos de delegado de policia, vereador e presidente da camara municipal. Foi eleito deputado supplente á decima legislatura (1857-60) da Assembleia Geral, e nesse caracter foi chamado a tomar assento, por occasião da vaga aberta na representação do oitavo districto de S. Paulo, com a morte de Gabriel. Militou sempre nas fileiras do partido conservador. A auctoridade do dr. Felippe da Rocha como jurrisconsulto e provecto advogado era reconhecida em vasta zona desta provincia, de onde lhe vinham em profusão consultas de juizes e collegas sobre pontos difficeis do Direito. No exercicio da sua nobilissima profissão, adquiriu fortuna, da qual, porém, pessoalmente pouco aproveitou, por ser generoso e de mãos abertas. Não deixou familia, nem lhe foi de attractivos o lar domestico. Por morte de sua primeira mulher, casou-se em segundas núpcias, já com bastante edade. Com o genio brincalhão que sempre conservou, aprazia-se nas rodas dos rapazes, e isto lhe trouxe, de uma vez, o aborrecimento de hospedar-se na cadeia publica. Deu-se o desagradavel incidente por elle ter fortuitamente ferido a um dos companheiros de folguedo com um canivete que em má hora empunhára em acto de desafio á rapaziada que o cercava e á qual elle se comprazia em dar uma lição de capoeiragem. Foi ao jury, acompanhado por todos os collegas do foro, que assim quizeram dar-lhe uma prova de estima e prestar homenagem á justiça da causa. Foram seus advogados os drs. Estevam de Rezende (hoje Barão de Rezende), Prudente de Moraes e Moraes de Barros. Existe ainda em Piracicaba o prédio, de agradável apparencia, que o dr. Felippe da Rocha fez edificar para sua residencia. Demora no largo do Theatro, tem janellas ogivaes e toda a construcção é de tijolos. Esta ultima particularidade, que hoje constitue a regra geral, produziu sensação naquelle tempo. Ajuntava-se gente para observar como se levantavam paredes sem esteios ou pilares, nem mesmo nos ângulos. E, sobre se taes paredes cahiriam, ou não, faziam-se apostas. O dr. Felippe respondia a principio ás interpellações que sobre este e outros pontos lhe eram oppostas. Tantas, porém, foram as criticas, que elle por fim perdeu a paciência e mandou affixar sobre os andaimes vistoso letreiro com estes dizeres : < O dono desta obra não tem que dar satisfações a ninguem !> Boa lição lição para os ociosos bisbilhoteiros, dados a intrometterem-se em coisas que não são da sua conta ! O dr. Felippe José da Rocha falleceu em Piracicaba em avançada edade, aos 3 de abril de 1887 (José Jacinto Ribeiro, na Chronologia Paulista, vol. I, pág. 385, diz – 1857. Deve ser erro typographico).
Canuto José Saraiva – Paulista, de Áreas. Filho do capitão Joaquim José Saraiva, que foi um dos chefes do partido conservador naquelle município. O dr. Canuto Saraiva, que foi, por muito tempo, um dos luzeiros do Tribunal de Justiça deste Estado e tem hoje uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal, foi na Academia um bom estudante e um moço de procedimento exemplar. Depois de formado, seguiu desde logo a carreira da magistratura, exercendo os cargos de promotor publico e juiz municipal em Piracicaba, e, feito o quatriennio, o de juiz de direito de Araraquara. Eil-o chegado hoje ao pináculo da magistratura, deixando de toda a carreira que tem trilhado uma tradição de integridade, de saber e de honra.
Antonio José Lopes Rodrigues.- Paulista, natural de Piracicaba, filho de Domingos José Lopes Rodrigues. Inteligente e de regular applicação. Seguiu a magistratura e foi juiz de direito de Piracicaba. Em politica foi sempre conservador. Falleceu há alguns annos, prejudicado do espirito.