O dia veio morno cutucar meus ombros. Esfreguei meus pequenos olhos : era momento de despertar e prosseguir minha odisséia particular. Levanto vôo pela manhã e a quase brisa, pois não era sossegada, irrompe sob minhas asas.
Longe, vejo um arco-íris e dou risada dos tempos, em que ainda menor (ainda mantenho a pequenez), me perguntava se encontraria o lendário pote de ouro do outro lado. Oh ! Saudosos tempos de peraltices. Todos tentavam atravessá-lo. Tentavam... tentavam....
Não o trespasso, como bem agora sabia ; porém, sedento, avisto uma bela cidade. Do alto, não mais que uma aldeola de ruas curtas, onde noto vistosas árvores ladeando-as. Senti inesperada empatia e resolvi abrandar o caminheiro para conferir melhor se meus sentidos estavam afinados. Precisava, também, abeberar-me. O Sol judiava.
Saciada a sede, mas com a satisfação contida (devo ter convivido demais com o parcimonioso Diretor) percebo que acabei de pousar num belo ribeirão. Estava, claro, em Ribeirão Bonito.
Que nome lindo, pensei ! Evoca na sua junção uma candidez, aquela simplicidade, que já demonstra a que viemos. Só posso esperar, então, coisas belas.
E, já na história, a cidade é pulcra. Nasceu, acreditem, de uma promessa. Aliás, do cumprimento de uma jura. Mas há mais. E impressionante. Não podendo o promesseiro cumprir o voto, seus irmãos o acodem. E, de fato, dessa lealdade divina nasce a bela Ribeirão Bonito. Mas hoje.... O que são promessas ? Não têm o mesmo peso e a robustez ; são como os atos de raposas. E quem promete está sempre vislumbrando o lucro porvir. Mas naquele tempo, elas se cumpriam. Irmãos de Joaquim Alves Costa, comprometidos com o ardor da promessa feita, construíram uma igreja que o irmão havia prometido, caso se recuperasse de um acidente. Que bom seria se tal fervor, tais comprometimentos fossem rotineiros nos dias de hoje.
Muitos homens ficam na história. Poucos na posteridade.
O povoado que se iniciou dinâmico, passou por mudanças inexoráveis, conseqüência natural da história. Desvilado, o pujante e promissor município parecia não ter limites para seu crescimento. Mas o curso dos trilhos mudou tudo. Veio a desativação das linhas de trem. O café seguia outras curvas. A Mogiana tornou-se mais interessante. O movimento do progresso se desviou das entradas da cidade. O serpenteante ribeirão viu-se calmo e lento ; lento e quieto como é a sensação de solidão.
Depois, com a peste da febre amarela, mal que aflige os países que ainda insistem em ter na economia sua pedra fundamental.
E, assim, a vida seguia em Ribeirão Bonito.
Certamente é a pergunta que atormenta a todos os munícipes : e se estivesse aqui o progresso, com seus bônus e seus pesados ônus ?
Irrespondível questão.
Mas como continuam sinuosos os caminhos do tempo, a bonança foi despedida pela tempestade ; a calmaria foi quebrantada com um caso de repercussão nacional. A alma da população, cinza para as coisas da terra, ganhou tintas coloridas de intenso civismo no afastamento do prefeito........
Mas como a balança da Justiça tem seus dois pratos, um dos proeminentes nomes que encamparam a luta pela sua terra natal, vê-se, pouco tempo depois, envolvido em sombrios jogos do poder. E que ainda continuam nebulosos.
No que tange a minha busca, vejo que o Direito é a ebulição da vida. A vida jurídica é pacata, como a própria localidade ; noto isso no silêncio cartorário, quebrado apenas pelo som seco dos grampeadores ; no intervalo longo entre um causídico e outro na entrada do prédio do Fórum.
A população é tímida ao falar; porém, não por receio, mas pela interiorana calma que impregnou os ares da cidade com nome belo.
A juíza recebe-me com a fineza e nobreza de seus antepassados que pela região já estão há vários séculos.
Mas apesar dos esforços de todos, os processos seguem ali como a vida. Mas isso não é um apanágio só de Ribeirão Bonito. Sabemos que todo país padece e procura soluções, humanas, matemáticas, teóricas e com praticidade, para que a Justiça seja a mesma, tanto nas tresloucadas cidades, como nas Ribeirões Bonitas onde o tempo flui mansamente.
Deixo esta terra e com ousadia respondo à inquietante pergunta de seus moradores sobre o progresso : teria sido melhor que para cá ele viesse ?
Tudo na vida tem seu destino. O de Ribeirão Bonito, não é melhor ou pior, fosse uma metrópole, fosse um vilarejo. São suas gentis pessoas, simples, que fazem a terra ser boa, humana. E, acima de tudo, acolhedora.
Parto com a certeza de que levo daqui uma saudade.