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Registralhas

Análises do Direito Notarial e Registral.

Vitor Frederico Kümpel
Quando iniciávamos as lições básicas de geometria nos primeiros anos do ensino secundário, modernamente denominado "ensino fundamental", nossa saudosa professora de desenho geométrico apresentava a clássica pergunta: "Como se chama a menor distância entre dois pontos?" Até o menos aplicado dos alunos respondia: "a reta". Hoje, caro leitor, com base nessa tradicional questão, indagamos: "Como se chama a menor distância entre dois cartórios de Registro Civil?". A resposta é: Central de Informações do Registro Civil (CRC). Isso mesmo! Em Agosto de 2012 a atuante Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo (Arpen-SP) obteve parecer favorável1, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, para a proposta relativa à adoção de um regramento administrativo na implantação, em âmbito estadual, de um sistema de gerenciamento de banco de dados, denominado Central de Informações do Registro Civil (CRC), cujo objetivo é integrar todas as Serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, possibilitando pesquisar, via internet, os dados registrais referentes ao nascimento, casamento e óbito das pessoas naturais, e solicitar a expedição de certidão eletrônica ou em papel. Ou seja, a distância entre duas Serventias de Registro Civil, no Estado de São Paulo, se resume a alguns "clicks" na página virtual da Central de Informações do Registro Civil2. A recente implantação deste democrático instrumento de acesso à informação reflete o espírito ousado e inovador do atual Corregedor Geral, des. dr. José Renato Nalini, cujo papel, à frente da Corregedoria, é marcado pela adoção de inúmeras medidas de informatização dos serviços de registro civil, instituindo mecanismos facilitadores de consulta (agora disponíveis a qualquer cidadão, mediante acesso à rede mundial de computadores) e de sistemas integrados entre as Serventias, imprimindo maior agilidade e transparência, promovendo uma verdadeira "inclusão digital" de todos os Registradores Civis do Estado de São Paulo. Talvez o leitor, leigo, se pergunte: "Como essa informatização pode repercutir na vida do cidadão comum?" Para responder essa questão é preciso partir de algumas premissas básicas: - Não há ninguém que possa enfrentar a vida moderna sem utilizar os serviços de um Registrador Civil. Logo ao nascer um filho os pais devem comparecer perante um Registrador Civil para promover seu registro de nascimento. - Ao longo de sua trajetória de vida, você poderá casar-se, divorciar-se, ter filhos ou algum membro de sua família poderá falecer. Se isso ocorrer, invariavelmente, você deverá comparecer ao respectivo Serviço de Registro Civil para proceder ao registro/averbação ou solicitar a respectiva certidão. - Considere, ainda, que muitas vezes, a Serventia de Registro Civil onde foi lavrado o assento de nascimento, casamento ou óbito poderá não pertencer à mesma Comarca onde você, atualmente, reside e a obtenção de uma certidão atualizada exigiria o seu deslocamento até a respectiva Serventia para solicitar, "no balcão", a certidão atualizada. - Considere, por fim, que o Estado de São Paulo possui 645 municípios espalhados por uma área territorial de 248.209,3 km23. Portanto, as despesas e tempo despendidos com o deslocamento à respectiva Serventia foram substituídos pela possibilidade do cidadão comum requerer e receber em seu endereço a certidão atualizada de um determinado registro, sem ter que percorrer quilômetros de distância, marco que representa um avanço extraordinário em direção ao tão almejado princípio da eficiência do serviço público, vez que o usuário pode, a partir de agora, baixar a certidão para seu computador ou solicitar ao Oficial de Registro Civil do local onde reside, que a materialize em papel de segurança. O leitor, mais exegeta, poderia criticar essa iniciativa, sob o argumento de que os cidadãos que não tivessem acesso à rede mundial de computadores estariam excluídos dessa inovação. Porém, a proposta da ARPEN-SP, aprovada pela Corregedoria Geral da Justiça, contemplou também essa parcela de usuários, que poderá comparecer em qualquer Serviço de Registro Civil mais próximo e requerer a certidão atualizada de qualquer outro ofício, esteja ele na Capital, no interior ou no litoral do Estado, podendo retirar em até dois dias úteis, a respectiva certidão, que será expedida eletronicamente, com assinatura digital do Oficial de Registro Civil, e terá a mesma validade e será revestida da mesma fé pública que a certidão eletrônica. Ademais, além de aproximar os serviços de Registro Civil dos usuários, a criação dessa Central vai ao encontro da previsão contida no artigo 37, da lei Federal 11.977/09 (lei Minha Casa Minha Vida), verbis: "Os serviços de registros públicos de que trata a Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico"( destaquei). Logo, a inovação tecnológica introduzida no Registro Civil paulista atende aos ditames do legislador Federal (conforme lei 11.977/2009), aos princípios constitucionais (conforme Emenda Constitucional 19/98) e, sobretudo, às expectativas da sociedade, notadamente no que toca ao acesso a um serviço público ágil, eficiente e próximo de todo e qualquer cidadão, contemplando os princípios da racionalidade, economicidade e desburocratização. Dentro desse cenário, merece destaque o relevante papel prestado pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), que manterá e operará, perpétua e gratuitamente, a Central de Informações do Registro Civil. Além da ARPEN-SP, estão envolvidos nessa empreitada todas as Serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, que concentrarão informações dos registros lavrados nos Livros A (Nascimento), B (Casamento), B-auxiliar (Casamento religioso para efeitos civis), C (Óbito) e E (Interdição, Ausência, Emancipação, transcrições de nascimento, casamento e óbito), no banco de dados, de modo a manter o adequado e eficiente funcionamento da CRC, com a constante e permanente atualização, permitindo que todas as demais Serventias a ele possam ter acesso, exceto no que toca aos registros com sigilo legal, que permanecerão restritos à serventia em que foram lavrados. Tal inovação permitirá a maior agilidade dos demais atores da Administração Pública, especialmente do Poder Judiciário, vez que as requisições judiciais relativamente à existência de assentamentos referentes aos atos de registro civil das pessoas naturais, também, será feita por meio da Central de Informações do Registro Civil, dispensando-se a expedição de ofícios e a publicação de editais. Por fim, convém anotar que, de acordo com o Provimento CG 19/2012, que dispõe sobre a instituição, gestão e operação da Central de Informações do Registro Civil (CRC), a inserção dos registros será feita de forma escalonada, dos mais recentes para os mais antigos, de modo que o sistema estará inteiramente alimentado com todos os registros lavrados, a partir de 1/1/76, até a data limite de 31/12/14. Assim, caro leitor, o serviço de Registro Civil no Estado de São Paulo conseguiu reduzir gastos, otimizar o tempo dos usuários e, sobretudo, encurtar distâncias, na obtenção de certidões de Registro Civil, representando um marco histórico revolucionário graças ao uso da informática e da rede mundial de computadores. Com a devida vênia aos ensinamentos de nossa querida e saudosa professora de álgebra, a menor distância entre dois pontos, hoje se chama "CRC". Alerto, contudo, caro leitor, que essa "revolução digital" só foi possível graças à visão arrojada do nosso atual Corregedor Geral da Justiça, a quem pedimos vênia para encerrar este artigo com um de seus preciosos ensinamentos: "Precisa haver autoconhecimento, capacidade para interpretar a realidade, domínio de si, autocontrole, autoridade. Mas não dispensa questionar verdades indiscutíveis, rever rotinas imemoriais, aceitar o novo e o diferente. Ousar. É preciso ser aberto, flexível, privado de preconceitos, mas pleno de ousadia.4" Convido nosso leitor a permanecer conosco e aguardar nosso próximo artigo, que continuará a ter por objeto centrais eletrônicas compartilhadas. Aguardem. __________ 1Processo 2005/526 e Parecer 186/2012-E 2sistema.arpensp.org.br 3Biblioteca Virtual, último acesso em 11 de junho de 2013. 4"Ética geral e profissional". José Renato Nalini. Revista dos Tribunais, 2012, p. 631
Cumprindo o compromisso assumido em nosso penúltimo artigo, hoje trataremos da origem do registro de imóveis no Brasil, trazendo um breve resumo da evolução legislativa e dos primeiros sinais dos princípios registrais que regulam a matéria. Vamos lá... No começo tudo era público. O local onde você está agora pertencia à Coroa Portuguesa. O imóvel onde está situado o seu local de trabalho, aqueles onde você nasceu, cresceu, estudou, tudo era "terra lusa". Isso porque, somos uma "descoberta" dos portugueses que, ao chegarem aqui, adquiriram o título originário da posse de toda a extensão territorial. Posteriormente a Coroa Portuguesa cedeu os direitos possessórios de parte das terras aos moradores das capitanias hereditárias, por meio de cartas de sesmarias. Ou seja, a partir de então, alguns agraciados recebiam o direito de possuir a terra pública. Mas, onde estava a publicidade de tais "direitos"? Como saber quem era "detentor da posse" e quem não era? Onde ficavam arquivados tais atos? Qual área havia sido cedida e qual permanecia integralmente sob o domínio público? Em 1850, Dom Pedro Segundo tentou resolver essas questões por meio da lei 601, que dispunha sobre as terras devolutas no Império e as que eram possuídas por titulo de sesmaria, bem como aquelas decorrentes do simples título de posse mansa e pacífica, determinando que fossem medidas e demarcadas e que fossem legitimadas aquelas adquiridas por "occupação primaria", ou havidas "do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente". Ainda, segundo transcrição literal do artigo 10 da referida lei, o "Governo" deveria prover "o modo pratico de extremar o dominio publico do particular". No artigo 13, estabeleceu-se que: "O mesmo Governo fará organizar por freguezias o registro das terras possuidas, sobre as declaracões feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas e penas áquelles que deixarem de fazer nos prazos marcados as ditas declarações, ou as fizerem inexactas". Mas as perguntas feitas nos parágrafos anteriores continuavam sem resposta. Onde e quem teria a incumbência de promover tais registros? Somente em 1854, por meio do Decreto nº 1.834, no capítulo intitulado "Do registro das terras públicas" é que se encarregou, ninguém mais, ninguém menos que o "Vigário" de cada freguesia para receber declarações para o registro de terras. Surgem aí os primeiros sinais do princípio da territorialidade, vez que, ao Vigário foi atribuída a incumbência de registrar apenas as terras de "sua freguesia". Embora sanada a competência e abrangência territorial, havia outras questões a serem dirimidas: Iniciava-se ali a cadeia filiatória? O registro ali realizado atribuía o título de propriedade ao possuidor? Para o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 79.828-5, as duas respostas são negativas. No aludido acórdão transcreveu-se os ensinamentos do ilustre jurista Teixeira de Freitas, que bem elucidam a questão acerca do registro Paroquial. Segundo Teixeira de Freitas: "Com esse registro nada se predispõe, como pensam alguns, para o cadastro da propriedade imóvel, base do regime hypotecário germânico. Teremos uma simples descrição estatística, mas não uma exacta conta corrente de toda a propriedade immovel do paiz, demonstrando sua legitimidade e todos os seus encargos. O systema cadastral é impossível entre nós". (Consolidação das Leis Civis, 1896, 3ª. Edição, pag. 533/4, nota 24). Mas, se o registro do Vigário só tinha finalidade estatística, quando houve a implantação efetiva do registro de imóveis no Brasil? Respondo: somente onze anos depois, com o decreto 3.453/1.865, que regulamentou a lei 1.237/1854, foi determinado que, no prazo de três meses a contar de sua publicação, fosse instalado em todas as comarcas do Império um registro geral de imóveis. Inicialmente, suas atribuições não eram aquelas hoje reguladas pelo artigo 167 da lei 6.015/73, vez que basicamente regulava o registro de hipoteca. Contudo, naquela época, sob a rubrica de "Sua Majestade, o Imperador", passou-se a contemplar, pelo menos o princípio da publicidade, conforme parágrafos primeiro e segundo do artigo 80 do referido Decreto. O aludido dispositivo estabelecia que era obrigação do Registrador: passar as certidões requeridas e mostrar às partes, sem prejuízo da regularidade do serviço, os livros do registro, dando-lhes com urbanidade os esclarecimentos verbais, que pedirem. E quem era o Registrador, à época? Segundo o artigo sétimo do referido Decreto, o registro geral foi atribuído aos tabeliães especiais que existiam à época, ao tabelião da cidade ou vila principal de cada comarca, que fosse designado pelos Presidentes das Províncias, precedendo informação do Juiz de Direito. De acordo com o artigo 9º, esses oficiais eram exclusivamente sujeitos aos Juízes de Direito. Extrai-se, portanto, desse último dispositivo, os primeiros sinais da função correcional hoje atribuída aos Juízes Corregedores. Devemos ainda ao decreto 3.453/1865, a criação dos chamados: Indicadores Reais, Indicadores Pessoais, os Livros de Registro Geral (dentre eles: Protocolo, Inscrição Especial, Geral, Transcrições das transmissões, Transcrições de ônus reais etc.). Por meio da regulamentação da Ordem dos Serviços, insculpida no capítulo IV do aludido Decreto, "o numero de ordem do Protocollo é que determina a prioridade do titulo, ainda que os outros titulos sejão registrados" (artigo 46). Vê-se aí a contemplação do princípio da prioridade. Temas como o da prenotação e emolumentos já eram objeto daquela norma. O princípio da especialidade, segundo o artigo 121, consistia na determinação do valor da responsabilidade e na designação dos imóveis dos responsáveis que ficariam especialmente hipotecados. Porém, não obstante todos esses princípios, a função essencial dos Registros Públicos, qual seja, o estabelecimento da propriedade privada, só ocorreu em 1916. Isso porque, somente em 1º de janeiro de 1917, com a entrada em vigor do Código Civil (art. 1.906) é que se estabeleceu que a propriedade privada adquirir-se-ia pela transcrição do título de transferência no Registro de Imóveis, atribuindo-se a fé pública de tal ato, daí a parêmia: "Quem não registra não é dono". Surgem então os três efeitos fundamentais dos registros de imóveis: o constitutivo, comprobatório e publicitário. Para regular a nova ordem jurídica, sucedeu-se ao Código Civil/1916 o decreto 12.343, de 3/1/1917, que deu instruções para a execução dos atos dos registros instituídos pelo Código Civil, atribuindo-se ao Registro de Imóveis a inscrição e transcrição ou averbação:  dos títulos translativos da propriedade (art. 531), para aquisição (art. 530, n. I) ou extinção (art. 589, § 1º) do domínio, dos constitutivos de direitos e ônus reais (arts. 674, 676 e 810), para sua eficácia contra terceiros, e do ato da instituição do bem de família (arts. 71 e 73. ) dos julgados e sentenças: I, nas ações divisórias, pondo termo à "indivisão", e, nos inventários, adjudicando bens a credores da herança (art. 532, ns. I e II); II, declaratórias da posse por usucapião (arts. 550 e 698); III, das do desquite, nulidade ou anulação do casamento (art. 267, ns. I e II), ou restabelecimento da sociedade conjugal (art. 323), e separação do dote (art. 309, parágrafo único). das convenções antenupciais (art. 261). das arrematações ou adjudicação em hasta publica (art. 4.532, n. III), e demais atos subordinados ao registro, como solenidade da sua forma extrínseca1.  Após, seguiram-se a lei 4.827, de 7/2/1924; o decreto 18.527, de 10/12/1928 e o decreto 4.857, de 9/11/1939, que dispôs que sobre a execução dos serviços relativos aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil, cujo artigo primeiro trazia a seguinte redação: "Os serviços concernentes aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil, para autenticidade, segurança e validade dos atos jurídicos, ficam sujeitos no regime estabelecido neste decreto". Por fim, tivemos, ainda, a edição do decreto-lei 1.000/1969 até chegarmos à vigente lei 6.015, de 31/12/1973, cuja matéria sobre registro de imóveis está regulada nos artigo 167 e seguintes, dividindo os atos praticados no Registro de Imóveis em dois grandes grupos: registro e averbação.  Não podemos deixar de anotar, ainda, a importante redação do artigo 1.227 do Código Civil, que estabelece, peremptoriamente, que os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis.  Importa destacar que a consagração desses direitos está diretamente ligada à fundamental atividade registral executada pelo Registrador de Imóveis, que torna tais direitos válidos, eficazes e, sobretudo, confiáveis contribuindo para a circulação de riquezas de nosso país.  Somente pela atividade desempenhada por esse profissional é possível, diversamente do que ocorria sob o comando da Coroa Portuguesa, distinguir a terra pública da privada, como instrumento de proteção aos detentores dos direitos reais, desempenhando importante caráter social, vez que resguarda de modo eficiente, por meio da prevenção jurídica, as situações que envolvam os direitos nele inscritos, dotando-os da segurança necessária à estabilização das relações jurídicas, entre particulares e entre estes e o Estado. Por estas razões dedicamos este artigo ao estudo da evolução histórica da atividade registral e seus princípios, demonstrando ao nosso leitor os motivos de seu avanço, com vistas a iluminar e despertar um maior interesse sobre o tema, partindo da gênese de sua criação até chegarmos ao seu atual e fundamental papel social. __________ 1A indicação desses artigos refere-se ao Código Civil de 1916.
terça-feira, 28 de maio de 2013

Casamento homoafetivo

Questão tormentosa foi a edição da resolução 175, de 14 de maio de 2013. O problema não está no tema em si - "casamento Homoafetivo" - na medida em que a questão está há muito pacificada pela ADI 4277/DF e pela ADPF 132/RJ que reconheceram a inconstitucionalidade da distinção de tratamento legal às uniões estáveis hetero e homoafetivas. Portanto, há muito é consagrada a plena e absoluta isonomia das entidades familiares mencionadas. O problema também não está na questão da ideologia, lembrando o pensamento do professor Tercio Sampaio Ferraz Junior de que a teoria da argumentação jurídica coloca a decisão como um "sistema de procedimentos regulados em que cada agente age de certo modo, porque os demais agentes estão seguros de poder esperar dele certo comportamento". Discorre o mestre das Arcadas que a ideologia organiza os valores "hierarquizando-os, constituindo uma pauta de segundo grau que lhes confere um uso estabilizado. A ideologia é, então, uma espécie de valoração última e total, que sistematiza os valores", sempre impermeável à outra ideologia (Ferraz Jr, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 4ª ed., 2003. São Paulo: Atlas, p. 344-346). É louvável a resolução 175 que vem premida de bons propósitos, pois busca uniformizar a atividade registral civil obrigando os oficiais de registro civil a habilitarem casamentos homoafetivos e a realizarem conversão de união estável em casamentos homoafetivos. Até aí nada a questionar, pois a uniformidade em si é bastante benévola segundo o paradigma da segurança jurídica. Não seria razoável que o cidadão de determinado Estado ou localidade tivesse que mudar de domicílio para alcançar seus direitos individuais e sociais em questão. Porém, é bom lembrar que a atividade registral, contrariamente à atividade notarial, adota o princípio do bloqueio de legitimação, segundo o qual o oficial, na qualidade de agente administrativo, só realiza atos vinculados, ou seja, pautados em lei e sob estrito princípio da legalidade. Entre os grandes problemas existentes até a edição da resolução, estava o fato de não haver a menor previsão na lei 6.015/73 e nem nas Normas de Serviço ou Consolidações Normativas dos Estados que as possuem, regulando ou determinando o referido registro. Isso deixava o oficial registrador civil impossibilitado de praticar o ato ante a ausência legislativa e sem decisão judicial ou administrativa autorizadora, lembrando que, ao contrário dos agentes políticos (juízes e promotores), os oficiais somente podem fazer o que a lei, as normas ou decisões expressamente dispõem (para os Estados que as possuem). Como dito acima, a resolução do CNJ é em si bem intencionada, mas acabou sendo simplista demais em se tratando de atividade registral. Vejamos dois dos vários problemas: Se o objetivo maior era uniformizar a questão no Brasil, infelizmente, não atingiu esse desiderato. Por exemplo: no Estado de São Paulo a conversão de união estável em casamento, quer homo ou heteroafetiva, é requerida pelas partes diretamente ao oficial que os habilita e, independentemente de qualquer autorização judicial ou celebração, lavram o assento no Livro B (Item 87, NSCGJ-SP, Capítulo XVII), desde que não haja impedimento para o casamento. Ainda nesse exemplo, no Rio Grande do Sul é feito um pedido ao oficial de registro civil que, após autuar o requerimento, remete ao juiz corregedor, que após análise do pedido, no fim das contas determina a lavratura do assento no Livro B-Auxiliar (Consolidação Normativa Notarial Registral, arts. 148 a 157). Portanto, caro leitor, repare que os procedimentos são totalmente diferentes e os registros de atos idênticos são lavrados em livros diferentes. Como isso é possível? Tudo poderia ter sido uniformizado pelo CNJ que, aliás, já uniformizou, com absoluta perfeição, questões muito mais intrincadas, bastando lembrar a resolução 155, de 16 de julho de 2012. No presente caso bastaria, antes da deliberação em plenário, que o expediente tivesse sido submetido à análise técnica existente no próprio CNJ. Agora, imagine nos Estados da Federação em que não existam normas de serviço, consolidação normativa ou outra determinação da Corregedoria Geral do Estado. Com a simples edição da resolução 175, vai ser possível que no mesmo município, em que exista mais de um ofício de registro civil, que determinado oficial resolva remeter ao juiz para análise e lavrar o assento em determinado livro e outro oficial resolva remeter previamente ao Ministério Público e ao juiz, que atuam em matéria registral sob a ótica administrativa. Outro oficial pode praticar o ato de plano. Quanta confusão! Para não ficar muito cansativo, vamos a outro problema, já que a resolução tem apenas três artigos, observando que o último disciplina a entrada em vigor. Disciplina o artigo 2º "A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao juiz corregedor para as providências cabíveis". Primeiro, o comando normativo não determina o sujeito da comunicação. Quem deve comunicar? Segundo, é difícil imaginar que o próprio oficial que se recusa a praticar o ato comunique a sua própria inobservância ao juiz corregedor que, no caso, é o juiz corregedor permanente ou diretor do foro, dependendo do Estado. Em terceiro lugar, em matéria de casamento não existe tal obrigação, até porque todo o assunto está previsto nos artigos 198 e seguintes da LRP e que costuma ser chamado de "procedimento de dúvida registral". Isso significa, também sem mais delongas, que o artigo 2º cria uma obrigação para o oficial que ele não tem nem mesmo em matéria de casamento, que é o paradigma do sistema nesse assunto. Ou seja, a união estável homo ou heteroafetiva passou, em tese, a ter uma proteção que não é dada ao casamento, em dissonância, portanto, com o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, como já mencionado. Para concluir, elogiamos que a resolução do CNJ é benéfica, porém, lembramos que a atividade registral e notarial é de técnica apurada e que sempre convém uma análise um pouco mais detida antes de qualquer edição normativa, já que o objetivo maior no caso, parece e deve ser, a proteção do usuário do serviço.
"Eu El Rei faço saber aos que este Alvará virem: que sendo-me presente em consulta da Mesa do meu Desembargo do Paço a informação, a que ella mandou proceder pelo Juiz de Fóra da Villa de Cuyabá da Capitania de Mato Grasso, acerca da necessidade de se crear na mesma Villa mais um Tabellião do Publico, Judicial e de Notas, por não ser o bastante o que alli há para acudir às diversas incumbencias do seu cargo (...)E este valerá como carta passada pela Chancellaria, posto que por ella não há de passar e seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo da Ordenação em contrário. Dado no Palacio do Rio de Janeiro aos 27 de Julho de 1818. REI com guarda"1. Assim surgia mais um tabelionato no Brasil, em pleno século XIX, por determinação da Coroa Portuguesa. De lá pra cá muito se avançou, quer na forma de nomeação do tabelião, quer na importância da atividade notarial na vida de cada cidadão. A criação da atividade notarial no Brasil começa quando D. João III resolve dividir a terra brasileira em faixas, que partiam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Essas enormes faixas de terras, conhecidas como Capitanias Hereditárias, foram doadas para os nobres e pessoas de confiança do rei, denominados Donatários, que tinham a função de administrar, colonizar, proteger e desenvolver a região e o poder de escolher e nomear os tabeliães. Porém, ante o fracasso da empreitada (com exceção às capitanias de Pernambuco e São Vicente), em 1549, o Rei de Portugal criou um novo sistema administrativo para o Brasil, denominado Governo-Geral, cabendo-lhe as funções outrora atribuídas aos donatários. Em 1822, quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, ainda vigoravam entre nós as Ordenações Filipinas (1603-1916). Aliás, no primeiro parágrafo do Título LXXVIII do Primeiro Livro dessas Ordenações2 ficou estabelecido que: "Em qualquer cidade, villa ou lugar, onde houver casa deputada para os Tabelliães de notas, starão nela pela manhã e à tarde, para que as partes, que os houverem mister para fazer alguma scriptura, os possam mais prestes achar". Em 11 de outubro de 1827 é editada a lei estabelecendo que "Todos os officios de Justiça, ou Fazenda, serão conferidos, por titulos de serventias vitalicias, as pessoas, que para elles tenham a necessária idoneidade, e que os sirvam pessoalmente; salvo o accesso regular, que lhes competir por escala nas repartições, em que o houver" ficando revogadas "todas as leis, alvarás, decretos, e mais resoluções em contrario"3. (grifamos) Surge, entre nós, a ideia de atribuição vitalícia das serventias que se mantém até os dias atuais. Como bem ressaltado por Luis Paulo Aliende Ribeiro4: "os cargos de tabelião eram providos por doação, com investidura vitalícia, podendo ser obtidos por compra e venda ou de sucessão causa mortis, sem preocupação com preparo ou aptidão para o exercício da função". Se a vitaliciedade atravessou os séculos e permanece hígida em nosso ordenamento, o mesmo não se diga a respeito da forma de ingresso e da aptidão do Tabelião. Hoje, graças ao comando constitucional, a delegação da atividade só se concede àquele que se sagrar aprovado ao cabo de (concorrido e seletivo) concurso público de provas e títulos5 prestigiando-se a atividade notarial (e a sua natureza pública) que passa a ser desempenhada por profissional com formação jurídica, competente para estar à frente da função, contribuindo, ainda mais, para a garantia da segurança jurídica dos atos ali praticados e para a tranquilidade dos usuários que necessitam formalizar juridicamente suas vontades. Aliás, registre que os concursos públicos para o ingresso na atividade notarial (e registral) realizados nos últimos anos em nosso país, são um exemplo da materialização dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, sobretudo, eficiência. Além da forma de ingresso e da exigência de uma indiscutível aptidão técnica, muito se avançou quanto à estreita relação entre o Poder Judiciário e a atividade notarial. Consta dos valiosos documentos reunidos por Sérgio Jacomino6 que, em 30 de junho de 1829, o Imperador mandou "proceder contra o juiz" que "incompetentemente procedera a nomeação de um tabelião da villa de Macahé". Hoje, porém, conforme determinação da lei 8.935/94 a relação entre o Poder Judiciário e os Notários é extremamente próxima, cabendo aquele, por força do texto constitucional, atuar na fiscalização da atividade notarial. Além dessa atribuição, cabe ao Poder Judiciário, propor à autoridade competente (Poder Executivo) a extinção do serviço notarial ou de registro e anexação de suas atribuições a outro da mesma natureza, quando verificada a "absoluta impossibilidade de se prover por concurso público a titularidade" dele, "por desinteresse ou inexistência de candidatos" ou, ainda, por meio do Juiz Corregedor, fixar os dias e horários em que serão prestados os serviços notariais e de registro (art. 4º); resolver as dúvidas levantadas pelos interessados e que lhe serão encaminhadas pelos notários e registradores (art. 30, XIII); fixar as normas técnicas de obrigatória observância naqueles serviços (art. 30, XIV); aplicar aos notários e oficiais de registro, em caso de infrações disciplinares, assegurada ampla defesa, as penalidades previstas de repreensão, multa, suspensão e perda da delegação (art. 34 c/c. 31, 32 e 33), além de tantas outras atribuições previstas na lei 8.935/94. Ademais, conforme já tivemos a oportunidade de destacar em nosso primeiro artigo, enquanto o Poder Judiciário atua na "solução dos litígios", o Tabelião de Notas atua na "prevenção" destes, prestando assessoramento jurídico às partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. Para tanto, o Tabelião de Notas deve ser exímio conhecedor do Direito, fundamentalmente do Direito Civil, Tributário e Penal, pois a trasladação da vontade das partes pode, sem dúvida alguma, ter reflexos ilícitos, revestidos de autenticidade pela escritura pública. Dessa forma, o Tabelião de Notas, por meio do Princípio da Imediação, fará entrevistas com as partes, da mesma forma que o Juiz de Direito faz audiência com as partes e eventuais testemunhas, fará ainda aconselhamentos do melhor instrumento para os atos e negócios apresentados, atuando com imparcialidade e independência. Portanto, as atribuições do notário vão além de lavrar "alguma scriptura", transcendendo os limites antes estabelecidos nas longínquas Ordenações Filipinas. Hoje, o perfil do Notário pressupõe a necessidade de uma exímia formação jurídica, de amplos conhecimentos voltados à gestão administrativa e de pessoal, para bem conduzir as atividades de seu tabelionato, garantindo ao usuário um atendimento qualificado pela eficiência, urbanidade e presteza. A escolha do profissional, antes subordinada ao retrógrado e injusto interesse dos nobres e autoridades políticas, sucumbiu à necessidade de se prestigiar o ingresso pelo mérito (em seu sentido mais puro). Isso porque, em razão da evolução das necessidades sociais, o modelo de atividade notarial hoje adotado, caracterizado pela indiscutível aptidão técnica dos tabeliães aprovados em rigoroso concurso público, somada à liberdade de gestão administrativa para planejar, organizar, controlar e dirigir os seus respectivos Ofícios atende à função fundamental de garantir a segurança jurídica e econômica dos atos praticados, prestando serviço de qualidade, eficiência, urbanidade e, sobretudo, segurança jurídica a toda a sociedade. Por isso, o Registralhas rende sua singela homenagem a esse profissional, trazendo um breve histórico da atividade notarial desde os mandos (e desmandos) da Coroa Portuguesa, passando pelos curiosos dos atos da Real Majestade, até alcançar a excelência dos serviços hoje prestados a todos os cidadãos. Observe-se que nenhuma menção foi feita à evolução histórica dos registros na medida em que as atividades são consagradas pelo mesmo texto constitucional, porém, com total distinção estrutural e histórica, a merecer um tratamento próprio em edição futura na nossa coluna. Aguardem e permaneçam conosco, nessa curiosa incursão sobre os temas relativos aos tabelionatos e registros públicos no Brasil. Até o próximo Registralhas! __________ 1ALVARÁ - DE 27 DE JULHO DE 1818, assinado por Joaquim José da Silveira, cujo texto foi extraído do site, fruto de valioso estudo histórico realizado pelo Registrador Sérgio Jacomino, Oficial do Quinto Ofício de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo.  2A edição de 1870 das Ordenações Filipinas está integralmente digitalizada e disponível para consulta no site da Universidade de Coimbra, último acesso em 16/5/2013. 3Conforme texto publicado em, último acesso em 16/5/2013 4Luis Paulo Aliende Ribeiro, in Regulação da Função Pública Notarial e de Registro, Ed. Saraiva, 2009 p. 28 5Conforme parágrafo terceiro do artigo 236 da Constituição Federal 6Disponíveis no site https://www.quinto.com.br/
Inicialmente, externamos nossa grande satisfação pelo pronto apoio do site Migalhas ao nosso mais novo projeto que visa a constante busca do aprimoramento do saber jurídico das atividades notarial e registral que, afetuosamente, denominamos de Registralhas, em homenagem a esse importante informativo eletrônico, que se transformou numa fundamental ferramenta aos operadores do Direito, fomentando a discussão e reflexão sobre temas jurídicos, políticos e econômicos de interesse de toda a comunidade, e numa necessidade cotidiana do operador do Direito que quer se manter atualizado. Quinzenalmente, traremos aos nossos leitores a análise de temas relativos ao Direito Notarial e Registral, questões práticas, visão jurisprudencial, ingresso na atividade, doutrina especializada, atualidades, curiosidades e principalmente, um canal de discussão e entretenimento. Neste primeiro artigo, nossa preocupação será destacar a efetivação do Direito por meio da atividade notarial e de registro, antes porém, alocaremos o Direito Notarial e Registral dentro do ordenamento jurídico, destacando a importância do papel do registrador e do notário nas relações jurídicas, com breves esclarecimentos acerca do alcance de cada uma dessas atividades, sua natureza jurídica e a legislação pertinente. A atividade notarial e registral possui matriz constitucional, cujo artigo 236 da Constituição Federal estabelece que tais serviços são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Vale dizer, trata-se de uma função pública, destinada a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, cujo exercício é realizado em caráter privado e seu ingresso se dá por meio de concurso público de provas e títulos, realizado pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador, conforme estabelecido no artigo 15 da lei Federal 8.935/94. Aliás, a lei 8.935/94 surgiu do comando previsto no parágrafo primeiro do artigo 236 da Constituição Federal, direcionado ao legislador Federal para que fosse criada uma norma jurídica que regulamentasse as atividades, disciplinasse a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definisse a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Assim, para o amplo conhecimento da atividade registral e notarial rogamos ao nosso leitor a análise acurada desta lei Federal, que se convencionou chamar de "lei dos cartórios". De acordo com a lei 8.935/94, o notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do Direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Mas afinal, qual a diferença entre a atividade notarial e de registro? Várias são as distinções entre as duas funções, porém diante do escopo do presente artigo, apontaremos apenas aquela que reputamos a principal: o notário extrai a vontade negocial das partes, reduzindo-a a termo, instrumentalizando-a e autenticando-a, para que possa valer para o futuro, e pode fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia privada dos usuários), enquanto o registrador, destinatário dos atos praticados pelos notários, examina a validade destes, para que possa atribuir a publicidade erga omnes e os efeitos deles esperado. E submete-se ao bloqueio de legitimação, ou seja, só faz o que a lei autoriza (princípio da legalidade). Aliás, mostra-se difícil conjugar atividades tão dispares na mesma lei! Esta distinção é extraída da leitura dos artigos da lei 8.935/94, que delimitou a cada um desses operadores do Direito, atribuições para o exercício de sua função pública. Inicialmente, a aludida lei Federal destacou as atribuições do tabelião de notas, atribuindo-lhe o dever de formalizar juridicamente a vontade das partes; intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo e autenticar fatos (art. 6º, da lei 8.935/94). Com efeito, o notário é o profissional de Direito, dotado de fé pública, que exerce sua atividade com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios. Ou seja, enquanto o Poder Judiciário atua na "solução dos litígios", o tabelião de notas atua na "prevenção" destes, prestando assessoramento jurídico às partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. Aliás, no que toca à importância da retidão da conduta do notário, convém transcrever aqui os ensinamentos do Ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Dr. Ricardo Dip, extraído de sua obra "Prudência Notarial", para quem: "A eminente dignidade do notário - que é garantia das liberdades dos particulares - responde ao binômio de aptidão jurídica e da idoneidade moral e não está, pois, submetida ao fato performativo de mandatos que se apartem do que é iníquo por sua própria natureza ou ilegal segundo as disposições determinativas, porque a invenção da "norma do caso" supõe sempre uma indeclinável ordem de fins, indicada em norma universal, e que nutre todo o discurso prático ou prudencial". A função pública notarial deve ser exercida, portanto, com independência e imparcialidade jurídicas, com a audiência das partes, o aconselhamento jurídico, a qualificação das manifestações de vontade, a documentação dos fatos, atos e negócios jurídicos e os atos de autenticação, devendo o Notário guardar sigilo sobre os documentos e os assuntos de natureza reservada a respeito dos quais, durante a averiguação notarial, na fase prévia à formalização instrumental, tomou conhecimento em razão do exercício de sua atividade (art. 30, da lei 8.935/94). Ao lado dos tabeliães de Notas, estão ainda os tabeliães de registro de contratos marítimos e tabeliães de protesto de títulos. O tabelião de registro de contratos marítimos compete lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública, registrar os documentos da mesma natureza, reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo e expedir traslados e certidões (art.10, da lei 8.935/94). Com relação ao tabelião de protesto de títulos, a lei Federal 9.492/1997 tratou de regulamentar os serviços concernentes a essa atividade, que tem por finalidade tutelar os interesses públicos e privados, por meio da protocolização, da intimação, do acolhimento da devolução ou do aceite, do recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida. Além destes atos, compete ao tabelião de protesto lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados. Assim como existem distinções entre as atividades dos tabeliães, tal circunstância também ocorre com os registradores, que são divididos em: oficiais de registro de imóveis; oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas e oficiais de registro de distribuição. Enquanto o notário é o profissional habilitado para receber declarações relativas a negócios entre vivos ou disposições patrimoniais para depois da morte, o registrador é o profissional encarregado de ofício ou serviço de interesse geral, tais como o registro de nascimento, de casamento, de uma compra e venda de imóvel, de um contrato de sociedade, etc. Diante da diversidade de atividades exercidas por cada registrador, destacamos, inicialmente, o papel desempenhado pelos oficiais de registo de imóveis, cuja finalidade é estabelecer o direito de propriedade imobiliária, garantindo-se a sua publicidade a toda a coletividade, por meio da expedição de certidões, bem como de manter em arquivo o histórico completo do imóvel, acerca da atual e das pretéritas titularidades, bem como eventuais ônus que sobre ele recai. Compete ao registrador de imóveis, ainda, o dever de examinar os títulos a ele apresentados, promovendo a sua qualificação e apurando a viabilidade de seu ingresso no fólio real. A lei Federal 8.935/94 garante o poder/dever ao registrador de imóveis de recusar o registro/averbação do título, devolvendo ao interessado, caso constate a existência de defeitos ou vícios, que impossibilitem o seu registro ou averbação. Isto porque, ao exercer a função pública delegada pelo Estado de atribuir efeitos declaratórios, constitutivos e publicitários aos atos por eles praticados, decorrente do registro/averbação dos títulos, deve o registrador atuar com absoluto zelo no desempenho de suas atribuições, vez que seu ato transformará situações jurídicas, seja na constituição, modificação ou extinção de direitos reais. Já o registrador de títulos e documentos possui competência residual, por expressa previsão legal insculpida no parágrafo único do artigo 127 da lei Federal 6.015/73, que estabelece caber ao registro de títulos e documentos a realização de quaisquer registros não atribuídos expressamente a outro ofício, dentre eles podemos destacar: o envio de notificações extrajudiciais, que visam dar ciência inequívoca ao notificado acerca de certo ato ou fato que afetará as relações jurídicas havidas entre as partes, o penhor comum sobre coisas móveis; o contrato de parceria agrícola ou pecuária; o mandado judicial de renovação do contrato de arrendamento para sua vigência, quer entre as partes contratantes, quer em face de terceiros ou ainda quaisquer documentos, para sua conservação. Trocando em miúdos, a atividade visa notificar o particular (pessoa física ou jurídica) para a prática de atos e conservar documentos que não se sujeitem ao repositório de outros registros. O Registro Civil das Pessoas Jurídicas, por sua vez, é competente para inscrever: os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública, as sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais, salvo as anônimas, os atos constitutivos e os estatutos dos partidos políticos e os atos de competência das juntas comerciais (p. ex.: sociedades empresárias). Além destes títulos, o registrador civil das pessoas jurídicas também detém o dever de registrar os jornais, periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias a que se refere o art. 8º da lei 5.250, de 9/2/1967. Quanto ao registro civil das pessoas naturais, podemos defini-lo como um repositório dos atos e fatos que interferem a órbita da vida civil de cada cidadão, como o nascimento, casamento, interdição, emancipação, ausência, adoção, opção de nacionalidade, morte presumida e óbito. Por fim, de acordo com o inciso VII, do artigo 5º da lei 8.935/94, o registro de distribuição foi criado com a finalidade de proceder à distribuição equitativa dos serviços da mesma natureza, de modo a reparti-los igualmente a cada um dos demais registradores existentes e igualmente competentes para recepciona-los, ressalvado o Registro de Imóveis e de Registro Civil das Pessoas Naturais, vez que segundo a redação do artigo 12 da lei 8.935/94, estes ficam sujeitos às normas que definirem as circunscrições geográficas. Convém esclarecer que, no município de São Paulo, há o Serviço Central de Protesto e Títulos e o Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos de São Paulo, que visam a mera distribuição prévia e equitativa, entre todos os tabelionatos de protesto e registro de títulos e documentos apresentados, mas não guardam nenhuma relação com o ofício de distribuição a que alude o parágrafo anterior. Esta, queridos leitores, é a primeira Migalha, ou melhor, Registralha, que teve por objetivo, mostrar que "cartório", ou melhor, "Ofício de Registro e Tabelionato" é questão complexa, necessária para o exercício de cidadania e cada vez mais parte integrante na consecução do que se tem chamado de Justiça. Continuem conosco.