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Previdencialhas

Artigos de direito previdenciário.

Fábio Zambitte Ibrahim
Não é de hoje que encontramos decisões, especialmente nas instâncias administrativas, aplicando uma "analogia" entre as bases-de-cálculo do imposto de renda das pessoas físicas - IRPF e da cota patronal previdenciária. Ou seja, caso haja acréscimo patrimonial dos segurados do Regime Geral de Previdência Social em virtude de aportes pecuniários de empresas, estaria ali caracterizado não somente a renda tributável pelo IRPF, mas, também o salário-de-contribuição, haja vista o pagamento somente ter ocorrido, a priori, pela existência de contrato de trabalho. Além da evidente falha de aplicar critérios de integração do direito quando não há lacuna a ser preenchida, a premissa interpretativa reside em erro elementar na identificação das hipóteses de incidência de cada uma das imposições fiscais. Enquanto o imposto sobre a renda, dentro dos critérios da generalidade e universalidade, alcança, indistintamente, rendimentos do trabalho ou capital, além de proventos de qualquer natureza, as contribuições previdenciárias limitam-se aos rendimentos do trabalho. A Constituição de 1988, no art. 195, I, "a", mesmo com todas as reformas previdenciárias até hoje, continua a delimitar o referido universo de incidência da cota patronal previdenciária. Sendo o aspecto material da hipótese de incidência o labor remunerado, nada mais natural e necessário que a tradução numérica (base-de-cálculo) seja limitada a rendimentos do trabalho, exclusivamente. Hipoteticamente, a Constituição poderia, especialmente em modelo universal de proteção social - que não corresponde ao arquétipo bismarckiano que ainda prepondera no Brasil - prever a incidência previdenciária como mero adicional de imposto sobre a renda. Mas não é esta a nossa realidade protetiva e normativa. A referida premissa, apesar de óbvia, é frequentemente ignorada. Não é incomum construções exóticas como aquelas que pressupõem, sem qualquer suporte doutrinário, jurisprudencial ou mesmo normativo, que quaisquer valores pagos a empregados, desde que não providos de clara natureza indenizatória (incluindo ressarcimentos), seriam qualificados como salário-de-contribuição, salvo ressalva expressa da lei. Ou seja, temos na prática fiscal uma tributação por analogia derivada de uma ficção na qual todos os rendimentos pagos a segurados, salvo dispensa expressa em lei, são rendimentos do trabalho. Os resultados negativos são variados, como, por exemplo, a insistência da contribuição previdenciária sobre participações de lucros e resultados a administradores não-empregados, mesmo quando a própria Fazenda Nacional admite a inaplicabilidade da Lei nº 10.101/00 ao caso. Não se ignora que, com alguma regularidade, rendimentos tipicamente derivados do trabalho são camuflados como retribuições do capital, de forma a usar a distinção ontológica entre as espécies de ganho pecuniário como forma de fraude fiscal. Todavia, não sendo o caso, a equiparação explícita das dinâmicas impositivas do IRPF e da cota patronal previdenciária reflete equívoco desprovido de suporte normativo mínimo.
Recente decisão judicial, amplamente noticiada nos canais jurídicos, reacende a antiga discussão sobre a validade e alcance do adicional de SAT/RAT para custeio das aposentadorias especiais. O custeio dos benefícios acidentários no Regime Geral de Previdência Social sempre trouxe dificuldades, o que só aumentou com a adição da aposentadoria especial. Desde discussões sobre a terminologia da contribuição (SAT, RAT, GIILDRAT etc.) até aspectos relacionados à legalidade tributária, a imposição fiscal mostra-se presente nos Tribunais com frequência elevada. Uma dimensão particular do problema reside no adicional de contribuição para empregadores que tenham segurados expostos a agentes nocivos, de forma a viabilizar a contagem de tempo especial e eventual aposentadoria precoce. O referido adicional foi criado pela lei 9.732/98, mediante alteração do art. 57 da lei 8.213/91. Aprovada no bojo das reformas previdenciárias de 1998, a inovação legislativa ainda gera dificuldades. Lembro-me, vivamente, que a alteração gerou perplexidade desde o primeiro dia, pois, afinal, inseriu-se no Plano de Benefícios do RGPS uma previsão de contribuição adicional que caberia ao Plano de Custeio, previsto na lei 8.212/91. Tempos depois, com a transferência da fiscalização previdenciária para o Ministério da Fazenda (hoje, Ministério da Economia), apontava eu aos alunos da época uma dificuldade que viria: a avaliação do meio-ambiente do trabalho para fins de incidência do referido adicional, pois, como se vê hoje, temos duas instâncias administrativas avaliando, paralelamente, o eventual direito do trabalhador ao cômputo de tempo especial. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para fins de concessão do benefício ou contagem de tempo especial, possui a prerrogativa de validar documentos laborais para eventual reconhecimento do período. Em paralelo, a Receita Federal do Brasil - RFB, no aspecto contributivo, exerce a capacidade tributária ativa da União Federal para fins de identificação do fato gerador e quantificação do crédito tributário. Aliada à indesejada divisão de competências, há, ainda, uma razoável subjetividade na avaliação das atividades especiais, como, por exemplo, a existência de agentes nocivos dotados de avaliação meramente qualitativa, agentes perigosos e eficácia de equipamentos de proteção, para ficarmos somente em três aspectos controvertidos. Uma terceira dimensão do problema é, ainda, a tibieza estatal em regular objetivamente a matéria, não raramente se limitando a seguir a jurisprudência dos Tribunais Superiores, trazendo insegurança não somente aos empregadores, mas também aos diversos servidores envolvidos na atividade, tanto no INSS como na RFB. Com o presente contexto de insegurança normativa, o que se nota na atividade administrativa é a peculiar situação na qual o INSS, diante da ambiguidade normativa, nega o enquadramento do tempo especial e a RFB, em situação análoga, constitui o crédito tributário mediante confecção do auto-de-infração respectivo. Os servidores de ambas as instituições são colocados em situação difícil, pois conduta diversa poderia implicar responsabilizações funcionais. Com isso, perdem todos: servidores, segurados do RGPS e empregadores. Estes se veem constantemente sujeitos a autuações fiscais e reclamações de empregados desejosos do tempo especial de atividade. Entendo que duas soluções seriam possíveis: uma necessária ação conjunta do INSS e RFB para fins de avaliação do meio-ambiente do trabalho. A simultânea análise deveria ser requisito fundamental para os lançamentos fiscais, os quais, também, deveriam implicar imediato reconhecimento do tempo especial pelo INSS. Idealmente, a fiscalização do trabalho também deveria ser incluía, em uma espécie de gestão tripartite do tema. Outra opção seria simplesmente extinguir o referido adicional. Poderia o legislador ordinário, por exemplo, ampliar o leque de alíquotas básicas do SAT/RAT de acordo com o CNAE, aplicando alíquotas mais elevadas para atividades econômicas que, presumidamente, tenham atividades especiais. O zelo particular de cada empresa com o respectivo meio-ambiente do trabalho poderia ser bonificado pelo ajuste do fator acidentário de prevenção - FAP, o qual, aliás, também carece de ajustes e, com isso, poderia viabilizar a mudança. O fato é que o adicional do RAT, após 22 anos de existência, dentro da moldura de competências previdenciárias compartilhadas e indefinição regulatória, não parece viabilizar, adequadamente, o custeio da prestação previdenciária. A recente inovação normativa com a inclusão de idades mínimas para a aposentadoria especial, em conjunto com as vedações à conversão de tempo futuro, também não ajuda a amparar a exação fiscal. É tempo de repensar a contribuição.
Nos últimos 24 anos (tive de fazer a conta), sempre busquei apontar falhas variadas no rol de dependentes do Regime Geral de Previdência Social - RGPS. A previsão de lista taxativa é correta, até pela necessidade de equilíbrio atuarial do sistema protetivo, ainda que, na prática, este objetivo seja algo mais vinculado ao domínio do desejo do que da realidade. Por outro lado, este segmento particular dos beneficiários do RGPS sempre sofreu com restrições indevidas como forma de combates às fraudes. É certo que a manutenção da higidez financeira e atuarial do modelo protetivo - ainda que distante da realidade nacional - demanda opções legislativas e gerenciais que busquem a eficiência na gestão administrativa e, normativamente, sejam capazes de minorar as possibilidades de fraudes e conluios. No âmbito dos dependentes previdenciários, esta realidade é infelizmente recorrente, com casamentos e uniões simuladas, tutelas e guardas judiciais com o propósito de obter benefícios indevidos e, ainda, dependências econômicas forjadas para concessões de prestações. O desafio para o administrador previdenciário é enorme: como atender as expectativas legítimas de um modelo previdenciário adequado com tantas lacunas e subjetividades de análise da dependência previdenciária? Este aspecto deve ser reconhecido, pois alterações legislativas que venham a colmatar lacunas devem ser buscadas. Para tanto, não raramente simplificações e mesmo restrições se fazem necessárias, em prol da coletividade previdenciária. Mas o pragmatismo administrativo encontra limites na justiça social, objetivo último de nossa Ordem Social na Constituição de 1988. Dentre as falhas que sempre me pareceram patentes no âmbito dos dependentes previdenciários, havia a lei 9.528/1997, a qual, ao alterar a redação do art. 16, § 2º, da lei 8.213/1991, excluiu o menor sob guarda do rol dos dependentes. O STJ, após algumas idas e vindas, formou convicção pela prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma a manter a vinculação previdenciária do menor sob guarda (Tema 732). Em óbvia tentativa de superação do precedente judicial, a EC 103/2019 em seu §6º, art. 23 passou a dispor que "equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica". No entanto, semana passada o STF, nas ADIs 5083 e 4878, reconheceu, finalmente, a inconstitucionalidade da estratégia normativa, impondo a regra constitucional da máxima proteção ao menor, o qual é dotado de prioridade nas ações estatais. Porta aberta às fraudes? É claro que haverá casos - e muitos - de pessoas que tentarão obter guarda judicial com finalidade fraudulenta, até pela facilidade com a qual pode ser concedida, ao contrário da tutela. No entanto, aí reside o desafio do administrador previdenciário: criar mecanismos de controle que sejam capazes de lidar com as dificuldades ao invés de, simplesmente, excluir direito da parcela mais vulnerável da sociedade. Resolver fraudes previdenciárias extinguindo prestações ou excluindo beneficiários é fácil. Difícil é buscar soluções compatíveis com os objetivos da eficiência e justiça social. A previdência social brasileira conta com corpo técnico de qualidade internacional. É certo que serão capazes de construir caminhos seguros.
Conforme conhecido tema de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, de número 359, a Corte, ao analisar tese jurídica relativa à servidora pública aposentada com a pretensão de acumular seu benefício com pensão por morte decorrente do óbito de cônjuge, também servidor público, entendeu pela aplicabilidade do art. 37, XI da Constituição de 1988, o qual, desde o advento da EC 19/1998, explicitamente prevê "pensões" no cômputo do limite remuneratório, ainda que cumulativamente. A mesmo ratio teria sido mantida pela EC 41/03. Com isso, formou-se na Corte Constitucional a seguinte tese: "Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso 11, do Artigo 37, da Constituição Federal, incide sobre o somatório de remuneração ou o somatório de provento e pensão recebida por servidor". Interessante notar que o mesmo STF, no tema de repercussão geral 377, de forma diametralmente oposta, deliberou pela possibilidade de acumulação, como se nota: "Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, pressupõe a consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público". O referido tema ampliou o que já havia sido deliberado no tema 384, o qual debatida o limite em período anterior à EC 41/03. A potencial contradição não passou despercebida, pois foi explicitamente apresentada na discussão judicial em epígrafe, mas com a aparente distinção pelo singelo fato de, no tema 377, o precedente ser relativo a acumulações de remunerações pelo mesmo servidor, enquanto o tema 379 seria relativo a acumulações de benefício de aposentadoria e pensão por morte. Todavia, não vejo acerto na decisão. Pela literalidade desejada pela Corte, o tema 377 teria de ser revisto, pois o art. 40, § 11 da CF/88 também prevê o limite remuneratório para acumulação de benefícios, inclusive para situações de acumulação lícita de cargos públicos. Ainda que se admita que o tema 377 é restrito a servidores ativos, somente, a incongruência só aumenta, pois se permitiria acumulação de vencimentos no serviço ativo, com as respectivas contribuições previdenciárias para, ao final, obter somente uma prestação... Ou seja, pela linha de raciocínio da Corte, não é constitucional que o servidor seja coagido a trabalhar "de graça" e, por isso, os limites são individualizados. Mas, uma vez na aposentadoria (a depender de como a Corte venha a se posicionar) e, pior, na hipótese de óbito do servidor, a acumulação será inconstitucional, mediante interpretação literal do art. 37, XI da CF/88, sem qualquer modulação entre servidores submetidos a regimes jurídicos dos mais variados. É inegável que o Brasil é um país desigual. Também é razoável admitir a existência de limites remuneratórios, especialmente no serviço público. Os limites também encontram lugar nos regimes públicos de previdência social, até pelo objetivo dos modelos protetivos estatais de preservar patamar adequado de vida digna, sem necessária manutenção plena de bem-estar de segurados e dependentes, os quais podem e devem buscar cobertura adicional mediante as diversas opções no mercado. No entanto, tais premissas devem ser cotejadas com a realidade de diversas pessoas que foram submetidas a regimes protetivos variados ao longo do Século passado. De início, o modelo protetivo de servidores era exclusivamente administrativo, desprovido de natureza previdenciária (a malsinada cassação de aposentadoria é exemplo clássico). Depois, com as reformas previdenciárias de 1998 até 2019, migra-se para modelo previdenciário o qual tem como objetivo elementar o equilíbrio financeiro e atuarial. Hoje, temos de lidar com pessoas que foram atingidas por importante mudança de regime jurídico-protetivo. A referida premissa é fundamental para a correta compreensão do problema proposto. Para novos servidores, a questão é simples. Já se sabe, de antemão, das restrições às acumulações de prestações previdenciárias - particularmente agravadas pela EC 103/19 - e, com isso, constrói-se a cultura de uma necessária cobertura adicional, seja de índole pessoal, familiar ou privada, mas, ao fim e ao cabo, jovens servidores têm consciência da possível insuficiência estatal na cobertura própria e de seus dependentes. A aplicação obrigatória do teto remuneratório RGPS aos novos servidores já traz essa perspectiva. Ou seja, os limites remuneratórios constitucionais, quando conjugados com as regras vigentes de aposentadorias e pensões atualmente válidas, nos transmitem modelo compatível com os ideais de justiça e equilíbrio dos modelos protetivos. No entanto, como se disse, as pessoas no regime de transição representam uma "geração abandonada" na cobertura previdenciária, sofrendo restrições cada vez mais severas e absoluta incerteza em período dramático de suas vidas. Melhor do que construirmos tentativas hermenêuticas de escapar à vedação constitucional mediante combinações e arranjos não expressamente previstos, como fora o caso da pensão sem previsão no art. 37, XI da CF/88 até a EC 19/98, melhor será superar a restrição para pessoas amparadas pelo regime jurídico anterior, as quais carecem de alguma transição razoável, o que, hoje, seguramente não existe. Idealmente, poder-se-ia admitir a acumulação de benefícios a essas pessoas, mediante aplicação conjunta da revogada redação do art. 40, § 7º da CF/88 da redação dada pela EC 41/03. O redutor de 30% sobre os valores que ultrapassavam o teto do RGPS, aliada à contribuição previdenciária sobre a mesma base, já representavam transição adequada para essas pessoas. Agora, pretende-se que nada recebam, além de seus benefícios de titularidade própria. Em minha opinião, a solução ideal, de forma a compatibilizar os precedentes da própria Corte com o ideal de uma transição justa entre os regimes jurídicos, demandaria a seguinte segregação: 1) Aposentadorias e pensões com eventos determinantes após a EC 41/03 devem se submeter aos gravames constitucionais quanto aos limites de acumulação de benefício, nos termos do art. 37, XI e 40, § 11, ambos da CF/88; 2) Aposentadorias e pensões com eventos determinantes até a EC 41/03 podem ser objeto de acumulação, sendo, no caso da pensão por morte, aplicada a pretérita regra do art. 40, § 7º da CF/88, na redação dada pela EC 41/03, a qual seria dotada de ultratividade para o referido grupo, por representar regra de transição adequada. O importante, em suma, é escapar do discurso fácil e abstrato da redução de desigualdades e remoção de privilégios. É óbvio que todos desejamos estes objetivos, mas não será vilipendiando expectativas legítimas de idosos já aposentados e pensionistas que alcançaremos os ideais da Constituição de 1988.
Diante da abrangente reforma previdenciária de 2019, com foco explícito na redução do gasto previdenciário, observamos a (correta) extinção da aposentadoria por tempo de contribuição para novos segurados e, ainda, a adoção da idade como parâmetro regular de aposentadoria voluntária. No entanto, em virtude da quase absoluta ausência de preocupação com a gestão do meio ambiente do trabalho, em cenário já dramático, é intuitivo que haverá forte incremento dos benefícios por incapacidade no futuro, com especial atenção à aposentadoria por invalidez, nos termos do art. 42 da lei 8.213/91. Já tive oportunidade de questionar a miopia da reforma previdenciária de 2019 neste aspecto, mas, no momento, outro ponto demanda atenção: como reinterpretar o evento determinante da aposentadoria por invalidez dentro do quadro normativo vigente? Seria a adoção das premissas interpretativas clássicas ainda o roteiro adequado? Como se sabe, a interpretação administrativa do benefício previdenciário por invalidez implica a admissão da incapacidade não somente permanente (sem desconsiderar a natureza reversível da prestação), mas, também, a natureza total, ou seja, para a atividade remunerada habitual do segurado e quaisquer outras. Afinal, estando a pessoa incapaz, de forma total e permanente, o engajamento em novas atividades teria o condão de desfazer o evento determinante do benefício. Maiores reflexões, no entanto, nos apontam caminhos alternativos. Seria razoável impor à pessoa aposentada por invalidez a proibição absoluta de quaisquer atividades remuneradas, mesmo que em jornadas reduzidas? Seria essa medida compatível com premissa elementar da Ordem Social na Constituição de 1988, que é o primado do trabalho (art. 193)? Entendo que não. A dicotomia capaz versus incapaz reflete uma percepção da cobertura previdenciária incompatível não somente com o ideal da dignidade humana, mas, também, com a ambivalência da sociedade contemporânea. As dualidades e certezas das categorias jurídicas de outrora não mais se justificam na realidade em que vivemos. Uma releitura se faz necessária. Interessante notar que essa medida foi tomada pelo legislador ordinário, por meio da lei 13.146/15, na qual, ao descrever o rol de dependentes do RGPS, evoluiu para além do conceito restrito de "inválido" para incluir a pessoa "que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave". Com isso, superou-se não somente preconceitos terminológicos e conceituais, mas, indo além, houve nova visão sobre a invalidez previdenciária. Entendo que, em uma perspectiva sistêmica do modelo protetivo, não é adequado e mesmo razoável, no âmbito dos beneficiários do RGPS, adotarmos modelo alargado de incapacidade para dependentes e, na cobertura da clientela preferencial do modelo protetivo (segurados), ainda preservarmos perspectiva retrógrada e limitativa da aposentadoria por invalidez. Conjugando o primado constitucional do trabalho como o roteiro à vida digna, em sintonia com as alterações legislativas apresentadas, é tempo de evoluir a um novo conceito de invalidez previdenciária, o qual seja capaz, simultaneamente, de atender segurados absolutamente incapazes de garantir meios mínimos de existência e, também, não impedir que atividades periféricas sejam desenvolvidas, no intuito de preservar bem-estar físico e mental ao aposentado. A admissão de capacidades residuais de atividade remunerada não confronta com o correto conceito de invalidez previdenciária, pois esta decorre da ausência de higidez física e/ou mental suficiente, ou seja, que viabilize a atividade remunerada continuada e na frequência usualmente desejada pelo mercado de trabalho. Segurados que detenham limitações severas devem ser qualificados como beneficiários da aposentadoria por invalidez, ainda que, perifericamente, sejam capazes de atividades pontuais. A interpretação extensiva da lei 13.146/15 se faz necessária.
A discussão da paridade contributiva na previdência complementar fechada, quando patrocinada pelo Poder Público, nos lembra a malsinada busca pelo teto remuneratório do serviço público. Neste caso, o art. 37, XI da Constituição de 1988, após algumas mudanças, nunca conseguiu gerar o efeito desejado. Os motivos foram variados: impossibilidade de inclusão de parcelas individuais, ausência de autoaplicabilidade da norma e, mais recentemente, exclusão de parcelas "indenizatórias", entre outros argumentos. Já no caso da paridade contributiva na previdência complementar, a regra foi explicitamente prevista pela Emenda Constitucional 20/98, ao dispor, no art. 202, § 3º da Carta de 1988, que "É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado". A clareza do dispositivo é patente. A norma veio a impor relevante limite aos aportes estatais a entidades previdenciárias, pois, não raramente, boa parte das receitas das empresas públicas e sociedades de economia mista era absorvida pelos interesses particulares dos empregados públicos favorecidos. Havia situações nas quais a proporção dos aportes chegava a inacreditáveis sete para um, ou seja, a cada real aportado pelos participantes, a entidade estatal ingressava com sete. O preceito de 1998 veio com uma transição razoável, de forma às entidades buscarem, atuarialmente, a adequação necessária, mediante revisão de planos e redimensionamento das contribuições. Não por outro motivo, na mesma época, várias entidades previdenciárias migraram dos antigos planos de benefício definido, em regra atuarialmente corrompidos, para os planos de contribuição definida. Todavia, na atualidade, existem dois estratagemas de superação ao preceito constitucional: primeiro, a paridade prevista seria somente quanto às "contribuições normais", ou seja, não seria aplicável ao equacionamento de déficits, o qual é feito pelas "contribuições extraordinárias" (art. 19, LC nº 109/01). A interpretação apontada, além de incorrer no evidente erro de interpretar a Constituição a partir da lei (o certo seria o contrário), implicaria nulificar a regra da paridade, pois os déficits seriam arcados, na maior parte, pelo Poder Público. Ademais, a proporção contributiva das contribuições normais deve ser observada nas contribuições extraordinárias (art. 21, LC 109/01). O outro raciocínio, mais sofisticado, implica afirmar que a desproporção contributiva poderia perdurar, ainda hoje, em virtude da própria autorização de ajustes previsto no art. 5º da EC nº 20/98 ("O disposto no art. 202,  § 3º, da Constituição Federal, quanto à exigência de paridade entre a contribuição da patrocinadora e a contribuição do segurado, terá vigência no prazo de dois anos a partir da publicação desta Emenda, ou, caso ocorra antes, na data de publicação da lei complementar a que se refere o  § 4º do mesmo artigo"). Ou seja, a paridade deveria ser aplicada no prazo de dois anos, mas déficits acumulados até aquela data poderiam ser liquidados no futuro. Esse último pensamento motivou a edição da Resolução CGPC nº 01/2000, a qual, ao prever a necessidade de paridade contributiva, no âmbito das entidades fechadas de previdência privada patrocinadas pelo Poder Público, "isentou" a observância do regramento constitucional quando "do ajuste atuarial por intermédio de estímulo a migração de participantes de planos de benefício definido para contribuição definida" (art. 3º). A regra foi posteriormente revogada pela Resolução CNPC 07/2011. No limite, seria possível inferir que o ajuste determinado pela EC nº 20/98, no prazo de dois anos, não implicaria a realização forçada, em curto período, dos acertos necessários, especialmente em situações de elevado desequilíbrio. Com base no tempus regit actum, déficits passados ainda seriam regidos pelas regras pretéritas, que não determinavam a paridade. Todavia, ainda que admitida a premissa, o que se vê, na atualidade, é a falta de controle e segmentação entre déficits passados e futuros, com tentativas variadas, mesmo nas instâncias judiciais, de preservar privilégios. É hora de o modelo de contribuição desejado e constitucionalizado em 1998 ser observado, sem percepções heterodoxas da legislação vigente e, ainda, sem a criação de déficits passados como forma de preservar privilégios futuros. Que o art. 202, § 3º da CF/88 possa, na sua plenitude, ser aplicado na previdência complementar brasileira.
A recente publicação do decreto 10.620/21, ao reorganizar a gestão do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Federais, no âmbito exclusivo do Executivo, trouxe dúvidas e incertezas para os servidores federais, ativos ou inativos, além de pensionistas. No entanto, por enquanto, a mudança, apesar de ser capaz de gerar percalços a esse grupo, não representa, em minha opinião, normativa dotada de ilegalidades ou inconstitucionalidades.                Desde longa data, busca-se, na disciplina normativa dos Regimes Próprios de Previdência, a consolidação de uma premissa um tanto quanto óbvia: que todos os servidores de determinado Ente Federado sejam submetidos a um mesmo RPPS e, ainda, que este RPPS possua uma única unidade gestora, como medida de racionalidade administrativa. A previsão acabou por alcançar status constitucional com a EC 41/03, ao incluir o art. 40, § 20 na CF/88: "Fica vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal, ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X" Com a reforma de 2019 (EC 103/19), o texto não conta mais com a expressa a exclusão de militares, deixando o tema a cargo de lei complementar: "É vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social e de mais de um órgão ou entidade gestora desse regime em cada ente federativo, abrangidos todos os poderes, órgãos e entidades autárquicas e fundacionais, que serão responsáveis pelo seu financiamento, observados os critérios, os parâmetros e a natureza jurídica definidos na lei complementar de que trata o § 22" Ironicamente, a União, com sua competência para estabelecer normas gerais no âmbito da previdência dos servidores e, ainda, fiscalizar o adimplemento das regras legais e administrativas sobre o tema, sempre descumpriu a diretiva basilar de uma unidade gestora por RPPS. A realidade é ainda pior, pois a regra é, no contexto de cada entidade administrativa federal, que os próprios "recursos humanos" atendam pleitos previdenciários de servidores. É evidente que a unificação de unidades gestoras é tarefa complexa. Nenhum governo, até o momento, chegou sequer perto de conseguir essa façanha na União. Especialmente quando pensamos em uma unidade gestora para todos os Poderes, a meta é quase utópica, tendo em vista a resistência de determinadas carreiras.   Então, o que realiza o decreto 10.620? Em um incomum "disclaimer", o ato normativo começa, no art. 1º, parágrafo único, afirmando do que não trata: "Este Decreto: I - não dispõe sobre o órgão ou a entidade gestora única do regime próprio de previdência social, no âmbito da União, de que trata o § 20 do art. 40 da Constituição". Tendo em vista a necessidade de lei complementar para disciplinar o tema, na atual dicção do art. 40, § 20 da CF/88, é ressalva é compreensível. Corroborando a premissa, no item seguinte do mesmo art. 1º, parágrafo único é dito que: "Este Decreto: (....) II - não se aplica ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário e aos órgãos constitucionalmente autônomos". A ideia inicial, muito claramente, é afastar questionamento dos demais Poderes, sendo o decreto mero ato de gestão do Executivo Federal. É evidente que o ideal seria a criação, por lei complementar, da deseja entidade única de gestão do RPPS Federal, em todos os níveis e Poderes. Todavia, como a meta é quase irrealizável, busca-se racionalizar o tema no Executivo. A medida, do ponto de vista da gestão pública, é defensável. Primeiro, é pragmática. Sendo improvável, em futuro próximo, a criação da entidade de gestão única, resolve-se parte do problema no Executivo. Segundo, o ganho para a Administração é potencialmente elevado: há a possibilidade, em curto espaço de tempo, de liberar muitos servidores federais que, atualmente, são alocados em atividades administrativas previdenciárias sem conexão com a atividade-fim do órgão, autarquia ou fundação. Ainda há uma terceira vantagem, inclusive para servidores, que é a unicidade de interpretações do plano previdenciário no RPPS Federal, pois, não raramente, são observadas em muitas entidades federais manifestações e atos normativos sem compromisso com a legislação vigente e mesmo precedentes judiciais vinculantes. A submissão de todos os pleitos à autarquia federal especializada no trato previdenciário pode ajudar a solucionar esse tipo de problema. No entanto, nem tudo são flores. É de conhecimento público a situação difícil pela qual passa o INSS. Requerimentos represados, atendimento inadequado e mesmo rigor excessivo na apreciação de fatos e provas são corriqueiros. Será o INSS capaz de lidar com essa nova realidade? Caso os servidores e dependentes sejam submetidos ao mesmo martírio que acomete segurados do RGPS, é bastante provável que haja acréscimo de demandas judiciais, com piora da situação já grave enfrentada pela Administração previdenciária. Ademais, a atribuição do INSS é limitada à Administração Indireta, ficando os servidores da Administração Direta vinculados ao Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - SIPEC. Tendo em vista a necessidade de alocação de servidores federais nessa nova unidade, aliada à constatação de que benefícios por incapacidade temporária não são mais de competência do RPPS Federal (art. 9º, § 3º, EC 103/19), também surgem dúvidas quanto ao real ganho a ser produzido pela reforma da administração previdenciária no RPPS Federal. Afinal, as entidades federais ainda terão de contar com servidores próprios para o atendimento de afastamentos temporários e salário-maternidade. De toda forma, algumas inexatidões podem ser afastadas: direitos adquiridos, naturalmente serão respeitados. A mudança, mesmo para servidores da Administração Indireta, geridos pelo INSS, não implica perda ou redução das prestações, pois a legislação a ser aplicada não foi alterada. Ademais, para servidores ativos, as regras a serem observadas para obtenção de benefícios continua a mesma, nos termos da EC 103/19 e suas diversas regras transitórias. Não raramente, alguns servidores assustam-se com a ideia de uma alegada "extinção" de seu regime previdenciário. Não foi isso que aconteceu. O objetivo de economicidade conjugada com eficiência na Administração Pública é uma necessidade. Tendo em vista as restrições orçamentárias, aliadas ao envelhecimento populacional, com o crescente número de demandas previdenciárias, o gestor público terá de ser capaz de fazer mais com menos. Medidas seguras e corretas de gestão são de interesse de toda a coletividade. Em suma, a ideia é boa, mas demanda cautela.
Após um quase tranquilo final de ano, após merecidas férias, retomo nossa coluna "previdencialhas". Pensando em algum tema inédito, me veio à mente discussão que travei, com alguns colegas, sobre o (des)acerto de Tribunais Superiores - especialmente o STF - admitirem Procuradores da Fazenda Nacional no âmbito de suas respectivas assessorias. O assunto ganhou corpo com a recente "avalanche" de decisões do STF em matéria previdenciária - sendo maioria contrária aos contribuintes - e não raramente mudando jurisprudências consolidadas, ignorando doutrinas consagradas e, ainda, com fundamentação deficiente. A atribuição da responsabilidade, quase que automaticamente, recaiu sobre os assessores fazendários. Poderia eu alongar-me em parágrafos variados sobre a teoria da decisão judicial, mas, como a vida nos ensina, "o cachimbo faz a boca torta".  Ou seja, é natural que um profissional do Direito, com anos de atividade em defesa da Fazenda Nacional, tenha formado pré-compreensões, na sua maioria, favoráveis ao fisco federal. No entanto, qual a solução? Assessores advogados, que padeceriam do mesmo vício, mas com "sinal trocado"? Não parece ser o caso. Buscar jovens acadêmicos, sem atuação na advocacia, sempre me pareceu uma solução razoável, mas nem sempre viável. Ademais, são profissionais que, naturalmente, tendem a seguir suas vidas e demandam constantes mudanças, complicando o dia a dia de um gabinete. Enfim, embora a assessoria seja fundamental, a questão do procedimento adequado para a seleção de assessores comissionados é complexa. De toda forma, não vejo os procuradores alocados nos gabinetes como os responsáveis pela derrocada dos contribuintes em 2020. Não é segredo para advogados militantes que há magistrados, em todos os níveis, que são parciais na análise de casos tributários, com raros votos favoráveis aos contribuintes. Isso não é culpa dos assessores... Mais recentemente, com a pandemia de COVID-19, os argumentos econômicos, "pragmáticos" e catastróficos ganharam corpo, tentando transferir, até pelos meios de comunicação, uma responsabilidade de eventual insolvência estatal ao Poder Judiciário, como se este fosse este o agente das ilegalidades pretéritas. Nesse sentido, a adição de assessores fazendários aos gabinetes de Tribunais Superiores pode refletir mais a consequência do que a causa do problema. Traduzindo: há, hipoteticamente, "convicção" de que a decisão deve ser favorável ao fisco federal, em virtude dos argumentos extrajurídicos. Todavia, há a necessidade de fundamentação minimamente razoável das decisões. Quem seria melhor para auxiliar nessa missão? Obviamente, um representante da Fazenda Nacional. A inclusão desse tipo de assessoria reflete a triste realidade na qual as demandas tributárias - reconheçamos, muitas exageradas e incorretas - acabam sendo tratadas com uma "presunção" de legitimidade da tributação, com necessidade de elevadíssimo ônus de prova em contrário.   Ademais, como as demandas levam anos até chegar aos Tribunais Superiores, a pressão se agrava, e a conta fica bilionária. A solução não é mudar assessores ou impedir procuradores da Fazenda de atuar nos gabinetes. O que precisamos é sair dessa armadilha de legislação tributária confusa e mal emendada, teses tributárias aos montes e morosidade judicial. Enfim, nosso problema parece mais de ordem legislativa do que judicial. Seguramente, a assessoria, seja qual for, é uma parcela ínfima da questão.
Nesse momento, ao nos aproximarmos - felizmente - do findar de 2020, buscava eu algum tema ameno para a última coluna do ano. Afinal, já fomos todos (uns mais que outros) devidamente castigados por uma pandemia de proporções bíblicas. No entanto, eis que surge um tópico pronto: a viabilidade de tributação previdenciária do salário-maternidade. O assunto parece notícia passada. O STF, no RE 576.967, explicitamente, afastou a possibilidade de tributação, em contrariedade ao previsto no art. 28 da lei 8.212/91. Eu mesmo escrevi sobre isso há algumas colunas passadas. Mas será isso mesmo? Quando vislumbramos o significante normativo "salário-de-contribuição", há três vetores de significado possíveis. Primeiro, pode ser conceito aplicável ao dimensionamento da cota patronal previdenciária, o que inclui, pela mesma natureza, as contribuições ao seguro de acidentes de trabalho e, por aproximação legal, as contribuições ao Sistema S/Terceiros. Segundo, aplica-se o mesmo conceito legal para designar a base imponível dos segurados do RGPS, com a particularidade dos limites mínimo e máximo. Por fim, designa o referencial básico para a quantificação do salário-de-benefício, o qual, por sua vez, viabilizará o cálculo da renda mensal inicial de diversos benefícios previdenciários. De acordo com a Fazenda Nacional, em opinião estampada no Parecer SEI n. 18361/ME, a decisão do STF, por fundamentar-se somente no art. 195, I, "a" da CF/88, teria eficácia no primeiro e terceiro vetores de significado, mas não no segundo. Em apertada síntese, a lógica seria fundada na discussão limitada ao alcance da norma impositiva da cota patronal previdenciária, a qual foi, corretamente, conjugada com o impedimento de efeitos adversos no plano de benefícios. Enfim, como nada se disse sobre a contribuição das seguradas do RGPS, cuja norma de competência é prevista no art. 195, II da CF/88, a conclusão natural seria pela manutenção de sua cobrança, sem violar o decisório da Suprema Corte. Do ponto de vista histórico, sistêmico e mesmo normativo, a conclusão me parece equivocada. As cotizações de empregadores e empregados possuem similitude não somente histórica, mas, também, necessária, até como forma de racionalizar o plano de custeio (nesse momento, gestores do e-social devem estar arrancando os cabelos); do ponto de vista legal, a equiparação prevista no art. 22, § 2º da lei 8.212/91 sempre possuiu, justamente, esse objetivo. Todavia, é difícil criticar a Fazenda Nacional. Vivemos momento incomum no qual as premissas citadas, não raramente, têm se perdido em decisões envolvendo contribuições sociais. A Fazenda Nacional aponta, com razão, que o STF não tem reconhecido repercussão geral em temas relacionados a contribuições de segurados, em inexplicável e incongruente compreensão do sistema tributário-previdenciário (Temas 759 e 908). Como a cota patronal possui repercussão geral e a contribuição de segurados não? Ainda que não haja base imponível explícita no art. 195, II da CF/88, isso implica admitir a tributação sobre quaisquer valores? Recordo vivamente quando, ao exonerar-me do serviço público e adentrar na nobre função causídica, me causava grande espanto decisões judiciais que, sem a menor cerimônia, excluíam dos decisórios sobre a não-incidência de determinadas rubricas salariais as contribuições a Terceiros, por "serem de outra natureza", ignorando as equiparações legais e a própria interpretação centenária do fisco federal e, ainda, excluindo o FGTS, apesar da explícita equiparação de bases em 1998, pavimentando o caminho para a antiga GFIP e, hoje, o e-social. É compreensivelmente difícil para a autoridade administrativa assumir uma responsabilidade de impor racionalidade mínima ao sistema de financiamento da seguridade social brasileira quando as demais instâncias, data venia, não parecem ter a mesma preocupação.  É esse descompromisso com a matéria que tem gerado, a cada instante, novas teses, novas demandas, novas decisões.... Enfim, é obviamente incorreto manter a contribuição da segurada sobre o seu respectivo salário-maternidade. No entanto, na ausência de um compromisso institucional sério com a estabilidade e a previsibilidade das normas tributárias, continuaremos com mais do mesmo: interpretações absolutamente restritivas de decisórios relevantes, novas demandas judiciais, lançamentos fiscais indevidos etc. Que, ao menos, a vacina nos salve da obliteração. Boas Festas a todos!
Não é de hoje que aponto uma conduta estatal patológica na gestão do sistema  previdenciário nacional, na qual o Governo Federal adota premissas bismarckianas dos clássicos sistemas de seguro social para afastar pretensões razoáveis de segurados e dependentes, mas sem fonte de custeio definida, enquanto, ao mesmo tempo, apresenta argumentos de sistemas universalistas de proteção social para impor contribuições sem qualquer contraprestação. Essa infeliz realidade se reapresenta na aplicação da progressividade das contribuições previdenciárias após a EC nº 103/19. Anteriormente, somente existia no RGPS e de maneira bastante reduzida, o que não trazia maiores discussões concretas. Agora, o cenário é outro. Principalmente para servidores públicos, a nova dinâmica pode implicar aumentos substanciais, com alíquotas efetivas que podem superar os 18%! No contexto brasileiro, o modelo protetivo, desde sua criação, segue a lógica dos sistemas de seguro social, nos quais há contribuições sobre salários, com quantificação do benefício futuro na proporção das contribuições. O modelo brasileiro difere de sistemas universalistas de proteção social, nos quais o financiamento, prioritariamente realizado por impostos, se submete a parâmetros de capacidade contributiva, viabilizando a progressividade tributária. A previdência social, na acepção bismarckiana, tem forte correlação com a técnica do seguro, pois cabe ao interessado efetuar o pagamento do prêmio à seguradora visando a eventual indenização, além da filiação prévia à ocorrência do sinistro. Naturalmente, o seguro social apresenta algumas especificidades, como a cotização forçada e a existência de riscos previsíveis (e.g., idade avançada) dentre as necessidades sociais cobertas. O modelo previdenciário escolhido pela Constituição de 1988, por não ser dotado de viés universal (que é da seguridade social), delimita as imposições previdenciárias, pois devem elas assegurar financiamento adequado ao modelo protetivo vigente, em perspectiva estritamente atuarial. Não se pode, em um simulacro de contribuição previdenciária, fornecer ao Estado o poder de tributar de acordo com manifestações de riqueza, o que é atributo dos impostos. Exemplificando, a proposta de progressividade implicaria, em um seguro hipotético, a atribuição de prêmios mais elevados a segurados pelo simples fato de possuírem remunerações maiores, independente da sinistralidade aferida atuarialmente àquele determinado grupo ou pessoa. O financiamento da previdência social, especialmente em modelos bismarckianos, é o reflexo de um plano de custeio atuarialmente desenhado em prol de determinado universo de segurados e dependentes. A solidariedade, inerente a qualquer seguro, mesmo privado, não implica o objetivo prioritário de redução das desigualdades ou a imposição contributiva de acordo com manifestações de riqueza, mas, unicamente, a repartição de riscos entre o grupo protegido, pois, por exemplo, uma pessoa que se torne inválida após poucos anos de trabalho terá direito ao benefício vitalício, custeado pelos demais membros do grupo. Essa é a correta aferição do atributo intrínseco da solidariedade em modelos de seguro social.
Em recentíssima pesquisa publicada pelo CNJ, em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), há abrangente análise da realidade nacional das demandas previdenciárias junto ao Poder Judiciário, as quais têm se ampliado consideravelmente (aumento de 140% nos últimos 4 anos). Em resumo, o competente trabalho sumariza as seguintes razões principais para a judicialização previdenciária: "(i) a intensidade e o perfil da judicialização da previdência estão relacionados às condições socioeconômicas locais, como nível de renda e desenvolvimento do mercado formal de trabalho; (ii) parte da judicialização da previdência decorre de problemas de coordenação entre o INSS e Judiciário, sobretudo para incorporação de novos entendimentos jurisprudenciais pelo INSS, o que é claro tanto nos resultados quantitativos quanto qualitativos referentes à concessão do BPC; (iii) há descompasso entre as perícias do INSS e do Judiciário, o que reflete uma judicialização mais intensa e desfavorável ao INSS em casos que envolvem perícia administrativa; (iv) nos últimos dez anos houve redução do quadro de pessoal técnico e de procuradores do INSS, o que está associado ao aumento do tempo médio de análise de benefícios e à judicialização pela demora da autarquia em responder às solicitações dos segurados". Especialmente para os profissionais que atuam na advocacia previdenciária, já havia, intuitivamente, as mesmas impressões, em particular pela recusa da adoção administrativa dos entendimentos jurisprudenciais assim como, também, a demora nas decisões administrativas quanto a concessões iniciais de benefícios e eventuais recursos. O ano de 2020 tem sido particularmente dramático quanto ao último ponto. Muitas estratégias podem e devem ser adotadas, de forma a evitar o adiamento indevido do reconhecimento de direitos previdenciários. A demora, além de incluir segurados e dependentes em situação de vulnerabilidade social, acaba por tornar o trâmite decisório extremamente oneroso a toda a sociedade, que deve arcar com o aumento de demandas na esfera judicial. Uma medida fundamental é o reforço da instância administrativa de apreciação das impugnações às decisões do INSS. Desde o início do Séc. XX o Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS tem atuado com diligência e esforço em busca de soluções céleres e efetivas às demandas da clientela previdenciária. Todavia, ainda carece de investimento e fortalecimento como principal filtro de resolução de conflitos no âmbito do Regime Geral de Previdência Social. Apesar de o relatório do CNJ apontar o subaproveitamento das vias administrativas, nesse ponto, talvez tenha faltado a devida ênfase em sua importância e, ainda, o cenário histórico no qual houve a opção - deliberada ou não - de robustecer a Justiça Federal, sem o mesmo zelo com as instâncias administrativas. Importante notar que a jurisdição administrativa no contexto do direito previdenciário e laboral tiveram nascimento conjugado, sendo a última alçada a segmento do Poder Judiciário Federal. A parcela previdenciária não. A matéria previdenciária não recebeu um ramo do Judiciário Federal específico e, também, não foi devidamente aprimorada na estrutura administrativa. Com a Constituição de 1988, a Justiça Federal foi reavivada, incluindo a criação de Tribunais e a ampliação de varas federais pelo interior, com a competência para o deslinde também de temas previdenciários. Não obstante a compreensível e mesmo necessária conduta do Poder Constituinte, é intuitivo que a medida, ainda que de forma imprevisível, tenha propiciado evidente estímulo a segurados e dependentes de ingresso em juízo, deixando em segundo plano a instância administrativa. Parte da solução para a judicialização excessiva, portanto, perpassa o fortalecimento do CRPS, o qual possui condições de alcançar metas não somente de eficácia, atendendo e decidindo pleitos previdenciários em tempo hábil, mas, ainda, de procedimento eficiente, tendo em vista o custo menor de manutenção de uma entidade administrativa de decisão colegiada, formada por especialistas do serviço público e setor privado. Em um contexto de pandemia e restrição orçamentária, cabe ao Poder Público desenvolver a capacidade de fazer mais com menos. Uma medida óbvia é o fortalecimento do CRPS, desafogando a Justiça Federal e produzindo ganhos a todos os brasileiros.
Após algumas semanas de decisões exóticas de nossa Suprema Corte em matéria de contribuições sociais, incluindo validações finalísticas aleatórias e a posteriori; mudanças jurisprudenciais sem fundamentação adequada (art. 927, § 4º, CPC) e, ainda, uma inédita competência tributária "exemplificativa", resolvi direcionar meus esforços à previdência complementar, a qual, ainda, mantém algum grau de racionalidade no seu funcionamento. Um tema interessante e ainda pouco discutido é a seleção de investimentos, pelo gestor dos recursos garantidores do plano de benefício, com base em parâmetros não exclusivamente financeiros/econômicos. A ideia, em suma, seria a possibilidade de buscar aplicações não unicamente pelo grau de rentabilidade esperado, mas, também, em virtude de atributos ambientais, sociais e mesmo de governança. Por exemplo, poderia um gestor de fundo de pensão optar por investir recursos em determinada empresa em virtude de sua atuação positiva na preservação do meio ambiente? Obviamente, todos acreditamos na importância de tais medidas, mas quando a conduta implica colocar em risco nossos rendimentos futuros, a opinião pode ser outra... No sistema norte-americano, o tema é disciplinado pelo Departamento de Trabalho (DOL), o qual, atualmente, sugere interpretação e aplicação conservadora da legislação local (ERISA), a qual estabelece a máxima do "interesse exclusivo" de participantes e assistidos. A diretriz de atuação dos gestores e administradores é norteada pelos valores lealdade, prudência e diversificação e, com isso, o objetivo financeiro seria prioritário e, agora, quase exclusivo. Interessante notar que, até 2018, a regulamentação Norte-Americana admitia, limitadamente, a adoção de critérios extrafinanceiros para investimentos, de forma subsidiária. Mais recentemente, essa posição tem sido revista. Em recente proposta de nova regulamentação administrativa, o DOL busca consagrar que investimentos sejam realizados unicamente no objetivo de retorno desejado ("based solely on pecuniary factors that have a material effect on the return and risk of an investment"). No sistema nacional, a Resolução CMN nº 4.661/18, que disciplina as normas de aplicação dos recursos garantidores, no art. 10, § 4º, limita-se a prever que "A EFPC deve considerar na análise de riscos, sempre que possível, os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos". O Manual PREVIC de melhores práticas de investimento, com clara inspiração no modelo ESG norte-americano (environmental, Social, & Governance), estabelece as diretrizes ASG (fatores ambientais, sociais e de governança) nas decisões de investimento. O modelo nacional adota, de forma resumida, a compreensão do tema do modelo Norte-Americano antes da recente guinada contrária a fatores extrafinanceiros. o Relatório DOL de dezembro de 2017 (DOLQ129633250), o qual, naquela época, ainda prestigiava aspectos ambientais na escolha de investimentos, é evidente fonte de inspiração para o manual nacional. No entanto, desde o Governo Trump, tais estratégias têm sido, paulatinamente, refutadas e afastadas pelo próprio DOL. Em suma, a disciplina vigente no modelo norte-americano, hoje, somente admite critérios ambientais se a referida estratégia for adotada, na verdade, não pelas virtudes sociais do empreendimento, mas, unicamente, se demonstrada a vantagem financeira/econômica. O modelo nacional ainda é signatário de uma abordagem mais geral na seleção de investimentos, mas, corretamente, coloca a adoção de atributos ASG com função acessória, desde que, por critérios financeiros e econômicos, o investimento seja considerado adequado. Na prática, gestores devem considerar aspectos ASG como critério de desempate entre opções adequadas ou, ainda, se o atributo ASG, isoladamente, representar qualidade que justifique maior expectativa de ganho futuro. A aplicação fundada em aspectos exclusivos ou prioritários ASG, possivelmente, gerará responsabilidades legais aos gestores responsáveis.
Na presente coluna pretendo apresentar uma janela de oportunidade interessante no contexto da premente mudança da tributação sobre a folha de pagamentos, aliada à demanda da sociedade pela manutenção de benefícios assistenciais. Como se observa nos noticiários, o Congresso Nacional, possivelmente, irá derrubar o veto do Poder Executivo à manutenção da desoneração de folha de pagamento em diversas atividades. Sem ingressar no mérito dessa questão, podemos, daí, alargar o debate para, em novas formas de financiamento, realizar a universalidade de cobertura e atendimento que, afora a saúde, não foi ainda concretizada nos demais subsistemas da seguridade social brasileira. Os efeitos virtuosos da ajuda econômica durante a pandemia foram evidentes, produzindo melhoria de vida para milhões de brasileiros. Mas como continuar? O modelo de financiamento da proteção social sobre a folha de salários é consectário dos tradicionais sistemas de seguro social, os quais, como clientela preferencial, adotavam os empregados, sem o zelo devido a trabalhadores autônomos e demais pessoas no chamado "mercado informal". O sistema brasileiro nunca conseguiu, na prática, alcançar a universalidade desejada. Assim, no contexto da desoneração da folha, podemos justificar tributações inéditas - ou nem tanto - sobre transações financeiras como forma de não somente substituir a receita da tributação sobre a folha, mas, em verdade, alargar os ingressos no orçamento da seguridade social, capazes também de assegurar um modelo de renda mínima capaz de preservar o rendimento vital de brasileiros que, hoje, estão vivendo o receio da redução e mesmo término de suas prestações emergenciais. As muitas críticas ao modelo de tributação sobre transações eletrônicas, as quais, em geral, apontam eventuais injustiças do modelo e incentivo à informalidade dos negócios jurídicos, poderiam ser mitigadas com a perspectiva que a receita seria destinada, pelo orçamento, à manutenção de programas permanentes de renda mínima, conjugados com treinamento e aperfeiçoamento de mão-de-obra, de forma, também, a se preservar as metas fiscais do Governo Federal. O perfeccionismo fiscal custa vidas. Cálculos da Receita Federal, a pedido deputado Júlio César (PSD-PI), estimaram que a receita de uma contribuição assemelhada à CPMF seria de algo próximo a 1 (um) trilhão de reais em dez anos, na alíquota de 0,3%. Essa receita seria suficiente para manter a desoneração da folha e, ainda, subsidiar parcialmente pagamentos de programas de renda mínima aos necessitados. Mais do que modelos ideais de tributação, devemos pensar naqueles que, nesse momento, carecem de condições mínimas de sobrevivência.
Costumo evitar elaborar textos acadêmicos ou mesmo jornalísticos que coincidam com demandas judiciais nas quais eu tenha atuado como patrono. No entanto, no presente tema, não resisti. Peço perdão ao leitor. As "contribuições especiais" - denominação moderna para a vetusta parafiscalidade - estão ainda a nos surpreender. A parafiscalidade, de um mero estratagema estatal voltado a mitigar a resistência de contribuintes aos incrementos tributários, mediante promessa de vinculação de receita a determinado fim socialmente relevante, conseguiu, ao mesmo tempo, macular quase um século de dogmática jurídica que apontava a autonomia do direito tributário com foco de estudo na hipótese de incidência para, ainda, desorganizar a racionalidade do orçamento público, retirando das deliberações legislativas as prioridades do gasto estatal. Nunca escondi dos alunos e leitores minha pouca simpatia com a parafiscalidade, que, não obstante ter abandonado sua denominação de antanho, ainda está por aí; reminiscência de um modelo de Estado Social do Séc. XIX. De suas origens, o único atributo que ainda era considerado válido para fins de identificação de sua natureza jurídica seria a finalidade específica de sua instituição, a qual retrataria seu fundamento de validade jurídica. Não mais. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, deliberou pela constitucionalidade da contribuição social prevista no art. 1º da LC 110/01, a qual produz alíquota adicional nas rescisões imotivadas dos contratos de emprego. Como explicitamente divulgado à época e mesmo na referida lei complementar, a finalidade específica da imposição seria a recomposição das perdas inflacionárias do FGTS. O decisório, no RE 878.313, teve voto divergente vencedor do Min. Alexandre de Moraes, o qual, em seus fundamentos, apontou que, não obstante a necessidade de destinação específica da contribuição e de sua validade finalística, a razão concreta da criação da contribuição questionada seria, em termos abstratos, "a preservação do direito social dos trabalhadores previsto no art. 7º, III da Constituição Federal, sendo essa sua genuína finalidade". O ineditismo do decisório reside na ampliação do já compreensivo precedente relativo às ADIs 2556 e 2558, as quais criaram a figura da "contribuição social geral", destinada a quaisquer fins socialmente relevantes, desde que não coincidentes com a seguridade social. Agora, nota-se que a destinação "social" não precisa sequer ser limitada aos explícitos objetivos da norma impositiva, em uma espécie de validação finalística a posteriori. Indo o dinheiro para o bem da sociedade, validada estará a contribuição. Considero admirável o esforço da doutrina em apontar, dogmaticamente, atributos particulares das contribuições, como forma de afastá-las da tríade clássica do CTN. Marco Aurélio Greco, com profundidade, discorreu sobre o real sentido da validade finalística. Ricardo Lobo Torres e Ricardo Lodi apontaram aspectos relacionados ao fundamento da exação, em uma perspectiva de solidariedade de grupo. E por aí vai. Todavia, nenhuma das teses resiste, especialmente após o decidido no RE 878.313. Novamente, nos vemos diante da velha maldição, na qual contribuições conseguem subverter as regras de competência tributária e impor encargos aleatórios sob fundamentos indefiníveis. Não sem razão, Aliomar Baleeiro - em um dos raros momentos nos quais é tomado pela emoção em suas obras - apontava a parafiscalidade como um "neologismo afortunado". O neologismo continua por aí, viabilizando criacionismos fiscais e fraude ao pacto federativo, tendo em vista a ausência de repasses obrigatórios a Estados e municípios. Em um exótico momento no qual discutimos reforma tributária em meio a uma pandemia de COVID-19, nada mais teratológico do que admitir que contribuições sociais sejam criadas ao bel-prazer da União, desde que com alguma finalidade "social", mesmo que oculta e fixada a posteriori. De que adianta o debate sobre impostos relativos a bens e serviços, incidências sobre valor agregado e outras estratégias quando a União, a qualquer momento, pode criar uma "contribuição social geral", mesmo fora de sua competência tributária e com fundamentos genéricos? A COVID-19 passará, mas as contribuições, infelizmente, ficarão.
Como amplamente noticiado - e festejado - nos sítios eletrônicos nacionais, o STF, por maioria, deliberou que "É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade". Em surpreendente reviravolta do tema, superando jurisprudência tranquila do STJ, consolida-se mais uma rubrica excluída do salário-de-contribuição. Naturalmente, a perspectiva é que o tema ainda demande tempo para sua estabilização, pois é provável que embargos variados tomem lugar, além de temas correlatos ainda em aberto. Por exemplo, a decisão não trata da inexigibilidade das contribuições ao Sistema S, as quais não podem ser qualificadas como "previdenciárias" (a própria demanda judicial originária é limitada a contribuições previdenciárias, somente). Muito embora as bases de incidência, tanto do ponto de vista histórico como normativo, sejam iguais, divergências jurisprudenciais sobre a matéria são, infelizmente, comuns. De toda forma, gostaria de ir além do debate tributário, já sobejamente explicitado em artigos variados. Um ponto original e extremamente importante foi o ineditismo do STF em delinear os efeitos de sua decisão no plano de benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Com triste regularidade, Tribunais deliberam sobre contribuições previdenciárias com o olhar exclusivo do direito tributário, olvidando os potenciais reflexos negativos na cobertura previdenciária. O aviso prévio indenizado é exemplo clássico. No RE 576.967 a realidade foi outra. O ministro Luís Roberto Barroso, de forma cristalina, tomou o cuidado de abordar esse aspecto necessário em qualquer debate relacionado ao custeio previdenciário, ao dispor que: "66. Afirmo, ainda, que o tempo de afastamento da mulher no período da licença maternidade não pode ser deduzido da contagem do seu tempo para fins de cômputo para a aposentadoria. Essa observação, mais que pertinente, serve para, de fato, efetivar o princípio da isonomia sobre o qual fundamento o presente voto. Ressalta-se que se trata de benefício previdenciário e, assim, o período de afastamento em que se recebe o benefício deve ser computado como tempo de contribuição, do mesmo modo como ocorre no auxílio doença acidentário (art. 29, §5º, da lei 8.213/91). Uma eventual dedução dos períodos de afastamento por licença maternidade, além de atingir frontalmente o núcleo do direito fundamental aqui debatido, de modo a, mais uma vez, colocar a mulher em situação de desvantagem por questões estritamente biológicas, consistiria em verdadeira intervenção inadequada do Estado na autonomia da vontade da mulher e na unidade familiar, sendo certo que serviria como desestímulo à opção pela gestação, posto que, a cada gravidez, a profissional teria que permanecer quatro meses a mais no mercado de trabalho para alcançar a aposentadoria. 67. Ao contrário do que pretende fazer crer a recorrida, a solidariedade do sistema previdenciário brasileiro impõe que nenhum indivíduo seja onerado em razão de circunstância ou fato da vida que lhe seja privativo por motivo biológico. Até o momento, somente indivíduos dotados de aparelho reprodutor feminino são capazes de engravidar, gerar novos indivíduos, cidadãos e contribuintes. E não é sobre a contratação das mulheres, sobre seu acesso ao mercado de trabalho ou seu tempo para fins de aposentadoria, que deve recair qualquer ônus advindo da gravidez, que possui a mais relevante função social e cujos encargos tributários e previdenciários devem ser repartidos por toda a sociedade." É relevantíssima e legítima a preocupação com a cobertura previdenciária das seguradas do RGPS. Não faria sentido o reconhecimento da não-incidência previdenciária, a pretexto de amparar a mulher no mercado de trabalho, para, ao mesmo tempo, gerar redução da cobertura previdenciária. Mais do que um simples obter dictum, a previsão supracitada é parte integral e necessária do decisório, antecipando problema que seguramente ocorreria nas instâncias administrativas. Tendo em vista o explícito propósito de não mitigar direitos das seguradas do RGPS, não é de difícil conclusão que o tempo de afastamento contará tanto como tempo de contribuição como para fins de carência, em atendimento aos preceitos constitucionais reconhecidos no decisório. Oxalá, em futuros julgados sobre contribuições previdenciárias, o importante exemplo do RE 576.967 seja seguido, expondo a relação previdenciária na sua totalidade, e não desmembrada exclusivamente no liame fiscal, sem perquirir os reflexos necessários nos benefícios futuros.
Não é de hoje que a temática da tributação previdenciária de entidades religiosas circunda a discussão sobre o real encalce do salário-de-contribuição. Tendo em vista a delimitação constitucional restrita a rendimentos decorrentes do trabalho, eventual retribuição paga a clérigos em geral seria passível de tributação? A questão sempre assumiu especial relevância para entidades religiosas, pois, uma vez equiparadas a empresa, assumiriam a cota patronal previdenciária acrescida dos descontos porventura não realizados nas remunerações dos clérigos, pois são enquadrados como segurados obrigatórios do RGPS. Sendo o ministro de confissão religiosa segurado obrigatório do sistema previdenciário, haveria o consectário natural da imposição patronal, como forma de, atuarialmente, assegurar o pagamento de benefícios futuros à clientela protegida. Sem embargo, não nos parece demandar elevado esforço argumentativo no sentido de estender a imunidade do art. 195, § 7º da CF/88 a entidades religiosas. Muito embora estas sejam explicitamente albergadas somente pela imunidade dos impostos sobre templos de qualquer culto, na forma do art. 150, VI, "b" da CF/88, é adequado ao sentido de "entidades beneficentes de assistência social" a inclusão das organizações voltadas a difundir a fé. O conforto e direcionamento religioso é tão relevante, para a maioria da população, quanto as demais ações da seguridade social. Alimenta-se o corpo e a alma. Sem embargo, mesmo que admitida a premissa, qual seria o procedimento aceitável para fins de pagamento a ministros de confissão religiosa? Haveria limites? Não raramente, se observa desconsideração da finalidade religiosa, por parte do fisco federal, quanto há retribuições pecuniárias consideradas desproporcionais. A questão teve evolução importante com a lei 10.170/00, ao dispor que: "Não se considera como remuneração direta ou indireta, para os efeitos desta Lei, os valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional com ministro de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa em face do seu mister religioso ou para sua subsistência desde que fornecidos em condições que independam da natureza e da quantidade do trabalho executado" (art. 22, § 13, Lei nº 8.212/91). No entanto, a abstração do preceito trouxe pouca segurança. Qual seria a forma adequada de pagamento ao clérigo pelo seu "mister religioso"? Na sequência, nova alteração legislativa veio com a Lei nº 13.137/15, nos seguintes termos: Para efeito de interpretação do § 13 deste artigo (art. 22, § 14, Lei nº 8.212/91): I - os critérios informadores dos valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional aos ministros de confissão religiosa, membros de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa não são taxativos e sim exemplificativos; II - os valores despendidos, ainda que pagos de forma e montante diferenciados, em pecúnia ou a título de ajuda de custo de moradia, transporte, formação educacional, vinculados exclusivamente à atividade religiosa não configuram remuneração direta ou indireta. Ao que se nota, foi expressa vontade do legislador ordinário superar as interpretações restritivas no sentido de limitar a tributação das entidades religiosas que, eventualmente, providenciassem retribuições pecuniárias acima do considerado "razoável" pelo fisco federal. Com o advento do decreto 10.410/20, houve, a princípio, mera adequação do Regulamento da Previdência social, o qual, ainda que tardiamente, passou a dispor de forma análoga aos preceitos oriundos da Lei nº 13.137/15. A previsão regulamentar está assim disposta: Para fins de aplicação do disposto no § 16 (art. 214, § 17, RPS): I - os critérios informadores dos valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional aos ministros de confissão religiosa, membros de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa não são taxativos e, sim, exemplificativos; e II - os valores despendidos, ainda que pagos de forma e em montante diferenciados, em pecúnia ou a título de ajuda de custo de moradia, transporte ou formação educacional, vinculados exclusivamente à atividade religiosa não configuram remuneração direta ou indireta. Infelizmente, como se nota, a previsão regulamentar se limitou a copiar o conteúdo do preceito legal. Em procedimento infelizmente tradicional na prática administrativa nacional, perde-se a chance de elucidar e expor, com maior riqueza de detalhes, a interpretação do Executivo sobre o tema. O aspecto dos valores "vinculados exclusivamente à atividade religiosa" ainda gerará muitas divergências. Quais os parâmetros para sua aferição? Poderia o Regulamento ajudar na aplicação segura do preceito, fixando regramento com maior grau de concretude. Caso o fisco federal veja a exigir comprovação de que os referidos pagamentos sejam decorrentes dessa "atividade exclusiva", especialmente quando há variação nos pagamentos mensais - o que é comum - como proceder? Acredito que a solução, em larga medida, será a presunção de conexão do pagamento à atividade religiosa, cabendo o ônus argumentativo contrário ao fisco, caso considere existir vício. A tibieza administrativa na regulamentação da matéria somente nos mantém na zona de insegurança ainda reinante. Nos resta esperar que as instâncias decisórias administrativas, como o CARF, sejam capazes de criar balizas interpretativas corretas na matéria. Com isso, será possível alcançar o desejo da CF/88 em preservar o direito fundamental à atividade religiosa no grau máximo que lhe é devido.
Confesso aos leitores que pretendia mudar de assunto, mas, novamente, o poder legiferante estatal me impediu. Sendo assim, tratamos aqui de norma administrativa relacionada ao já conhecido art. 19-E da Lei 10.522/02, incluído pela Lei 13.988/20, nos seguintes termos: "Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte" (grifei). Como expus anteriormente, a mudança legislativa não era imprevisível, tendo em vista o recrudescimento das instâncias administrativas. A novidade, agora, é a tentativa, pela via hermenêutica, de reduzir seu alcance. Adianto que a breve portaria, inacreditavelmente, prevê regras absolutamente incongruentes e, data venia, vergonhosas. De saída, em previsão assustadora, a portaria afirma que a eventual vantagem do voto de qualidade favorável ao contribuinte não se aplica ao responsável (art. 3º, I, "b"). A premissa seria a figura exclusiva do "contribuinte" ao final do art. 19-E. Nesse ponto, o apego à literalidade foi tão passional que não se observou a evidente incongruência com a parte inicial do artigo, ao tratar da "exigência do crédito tributário". Gostaria de entender como poderia uma decisão administrativa reconhecer um crédito tributário como inexistente, ou melhor, extinto na forma do art. 156, IX do CTN, e ser, ainda, passível de cobrança do eventual responsável tributário. O preceito estampado no art. 3º, § 1º da referida portaria tenta superar a incongruência, mas, novamente, só mostra a explícita tentativa de limitar o alcance legislativo e deixar campo aberto para a criatividade interpretativa na manutenção do crédito. Ademais, a tentativa da portaria em limitar a benesse legislativa somente ao "crédito tributário", pelo que se tem notícia, parece delimitar a aplicação da nova regra do voto de qualidade a somente a exigência do tributo, deixando de lado autuações relacionadas a consectários legais (juros e multa), além de obrigações acessórias. O referido entendimento é igualmente precário, pois, como qualquer estudante de direito tem conhecimento, o crédito tributário abarca todas as obrigações de dar (ou, como imperfeitamente chamadas, de "pagar"), o que inclui juros moratórios e eventuais penalidades pela ausência de recolhimento ou mesmo inadimplemento de obrigações acessórias. Ao final, tudo terá como propósito final alguma forma de crédito tributário. Não faz sentido afirmar, por exemplo, que penas de índole não-tributária, como a de perdimento, não sejam alcançadas, uma vez reconhecida a competência do CARF em tais matérias. Um simplório raciocínio a fortiori resolve nosso problema. Enfim, ainda que consigamos encontrar situações hipotéticas nas quais o bizarro discriminem desejado pela portaria seja possível - e alguns colegas com quem conversei já se esforçaram para apresentar alguns - é evidente a tentativa de limitar o alcance legislativo, na já tradicional quebra de braço entre o legislador ordinário, o qual tem produzido normas fiscais mais benevolentes em diversos setores, e o Poder Executivo, que busca, pela via "interpretativa", limitar ou mesmo impedir a obtenção das vantagens. Como já escrevi muitas vezes, críticas sobre eventuais benesses legislativas, especialmente quando possam, eventualmente, produzir privilégios e iniquidades, podem e devem ser questionadas pelas pessoas legitimadas e no fórum competente - o Poder Judiciário. Com o tamanho apego à literalidade legislativa no presente tema, não deixa de ser curioso como poderá o próprio fisco federal adotar clássicas máximas de desconsideração de planejamentos fiscais, como a prevalência da "essência sobre a forma". Ser literal somente quando interessa, pode ser a nova máxima.
O tema apresentado está longe de ser inédito. Desde a edição da lei 13.988/20, houve ampla divulgação e estardalhaço pela importante inovação quanto ao critério fundamental de desempate nos decisórios do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF. Agora, a decisão empatada favorece o contribuinte, como se nota no art. 28 da referida lei. Mais do que uma simples "mudança de sinais", a previsão legislativa tem sido capaz de suscitar acalorados debates sobre seus motivos e objetivos. Desde uma alegada captura do sistema de jurisdição administrativa por interesses escusos, até a um revide legislativo decorrente do recrudescimento dessa importante instância administrativa, há teses variadas, bem ao gosto do radicalismo político dos dias atuais. Pessoalmente, tenho minhas impressões sobre a mudança e, com permissão do leitor, prefiro não delas tratar. O que nos importa, no momento, é a janela de oportunidade extraordinária que se apresenta. No contexto anterior à lei 13.988/20, o recurso ao CARF havia se transformado, não raramente, em mero rito de passagem, já que em favor do contribuinte somente se aplicavam entendimentos vinculantes do STF e STJ e nulidades grosseiras. Com isso, advogados buscavam unicamente explicitar nulidades e arbitrariedades administrativas, facilitando pleitos judiciais. Para a Administração, o CARF vinha sendo encargo adicional de despesas sem real reflexo no aumento de arrecadação, já que a praxe, especialmente para os grandes contribuintes, sempre foi a continuidade da lide na esfera judicial. Agora, tudo pode mudar. Com a prioridade do contribuinte, há a necessidade de reconstruir a instituição centenária de jurisdição administrativa, a qual se perdeu entre fraudes, conluios e excessos fiscais. A hora é de mudança, com o resgaste da reputação da entidade e de seus decisórios para que o sistema de constituição e cobrança de créditos tributários sejam desinfectados das atrocidades causadoras de insegurança e inibidoras de investimentos. Com êxito na empreitada, voltaremos ao tempo no qual a decisão colegiada do CARF era vista como relevante e carente de elevado ônus argumentativo contrário. Hoje, é rotineiramente ignorada pelo Judiciário, especialmente quando explicitada as premissas excessivas da interpretação fiscal. Deixou-se perder a principal instância de uniformização de soluções coerentes para um sistema tributário dominado de inconsistências nocivas ao desenvolvimento econômico de nosso país. Na atualidade, não é incomum que um magistrado de 1ª instância, em análise perfunctória e liminar, emita tutela de urgência em prol de contribuintes e, pior, com razão. A colegialidade se perdeu em prol dos interesses do fisco. Em certa medida, é triste verificar como os decisórios do CARF, cada vez mais, têm sido superados nas instâncias judiciais com facilidade inédita. Um colegiado criado com o intuito de reunir expertos na matéria fiscal federal, com representantes do Governo e da sociedade, não tem sido capaz de ter a autoridade de suas decisões reconhecida. O que fazer? A inversão do voto de qualidade - longe de ser uma solução ideal - pode, ao menos, nos motivar a reconstruir o CARF. Não se trata de somente buscar conselheiros capacitados, mas, também, de eliminar realidades incompatíveis com uma entidade de deliberação coletiva, cuja autonomia, não é de hoje, tem sido brutalmente afetada. Para somente ficar em um exemplo, não é sequer razoável que representantes do Governo nas instâncias superiores do CARF ocupem cargos comissionados, com a possibilidade exoneração a qualquer tempo. Ninguém imagina que isso, seriamente, representa uma unidade minimamente isenta na atividade jurisdicional. Na atualidade, os conselheiros fazendários não terão condições de fazer a vontade do fisco pela simples maioria de suas representações. A velha dialética surge, demandando destes real apreciação da lide e verdadeira capacidade de convencimento dos demais conselheiros. Arrogância, prepotência e autoritarismo foram destroçados. A humildade e o diálogo, mais do que nunca, poderão viabilizar consensos adequados. Nesse sentido, é chegada a hora de o Governo Federal atentar às mudanças que se fazem necessárias. Mediante a cautela e propósito apontados, poderá o Ministério da Economia exercer poder transformador inédito, revitalizando o Conselho e, com isso, recuperado, lentamente, a credibilidade perdida.
Costuma dizer o ditado popular que, na eterna briga entre o mar e o rochedo, o marisco sempre sai derrotado. No presente caso, mar e rochedo são representados pelo Executivo e Legislativo Federais. Já o marisco, é o empresariado nacional. A MP 905, no aspecto estritamente previdenciário, foi capaz de criar, ao mesmo tempo, normas absurdas - como o enquadramento de pessoas desempregadas no rol dos segurados obrigatórios - mas, também, teve méritos ao lançar luzes às questões controvertidas em torno dos pagamentos de lucros e resultados das empresas, além dos programas de premiação. Nesse último aspecto, a MP 905, ao mesmo tempo, pacificava determinadas discussões fiscais relevantes, como a questão dos "ajustes prévios" dos programas de lucros e resultados e, ainda, antecipava questões vindouras, como os aspectos gerais dos programas de premiação. Nesse último caso, a regulamentação era relevantíssima, pois a tradição do fisco federal é ignorar tais ajustes e qualificá-los como providos de natureza salarial. Agora, seguimos no limbo normativo. São remotas as possibilidades de as referidas previsões normativas serem agregadas em lei em tempo próximo. Com isso, seremos obrigados a continuar nas incertezas dos programas vigentes, para perplexidade de administradores não familiarizados com as complexidades do plano de custeio previdenciário nacional. A MP 905, no aspecto aqui discutido, inseria-se em um generalizado movimento de resposta ao endurecimento das instâncias decisórias administrativas. Em especial, o CARF. Apesar da queda das regras da aludida MP, a lei 13.988/20, no art. 28, acabou por "inverter os sinais" do voto de qualidade do CARF, em favor do contribuinte. Ironicamente, a jurisprudência administrativa a ser formada será, provavelmente, ainda mais favorável do que as previsões da MP 905. Isso, naturalmente, até nova onda de recrudescimento fiscal. Uma importante conclusão se apresenta, e, em certa medida, corrobora minhas impressões de julho de 2018, quando externei, nessa coluna, minha preocupação com os radicalismos de ambos os lados ("Planejamentos fiscais versus planejamentos do Fisco"), e a necessidade de alcançarmos a justa medida. Entre sonegadores contumazes e justiceiros fiscais, vamos vendo o pêndulo normativo oscilar com maior amplitude, sempre na expectativa que a razão e a temperança retornem ao debate.
Em 1893, Rudolf Diesel, ao criar a primeira máquina de combustão interna, viu seu motor rudimentar explodir após segundos de uso. Não supreendentemente, céticos apontaram a impossibilidade de que o engenho pudesse funcionar de forma adequada e segura em algum momento. O tempo nos mostrou que a persistência do engenheiro alemão foi fundamental na criação de uma máquina que mudou o mundo. O imposto sobre grandes fortunas - IGF nos mostra cenário semelhante. Repleto de experiências fracassadas (embora com alguns exemplos positivos, como na Suíça), ainda pode representar solução adequada para as despesas estatais crescentes com a proteção social, além de viabilizar a redução das desigualdades sociais. Pode ser igualmente revolucionário. Em geral, a literatura especializada aponta, como erros históricos do IGF, um conjunto de ações inadequadas e realidades particulares indesejadas, como facilidades de transferência de recursos entre países - realidade particularmente comum na União Europeia, ausência de informatização e controles suficientes, falha no correto dimensionamento das "grandes fortunas" e, ainda, planejamentos fiscais variados, como a transferência de patrimônio para pessoas jurídicas. O desafio ao legislador é extraordinário. Todavia, não é impossível. O Brasil conta com perspectivas mais favoráveis, pois possui sistemas informatizados de controle de renda e patrimônio de elevada qualidade. A facilidade para transferência de recursos ao exterior não é tão simples como parece, especialmente pelos custos de transação e pelo fato de muitos países, atualmente, terem taxas negativas de rendimento. A depender do modelo desenhado, será mais barato pagar o imposto do que transferir a fortuna. Muito embora a questão da "dupla incidência" reflita, em parte, um equívoco de compreensão da dinâmica tributária, como nos mostrou Alfredo Augusto Becker, é certo que instrumentos de compensação e dedução, além de limites adequados de isenção, se mostram necessários. Nossa realidade econômica e fiscal, aliada à experiência internacional, podem nortear um modelo simples e eficaz de tributação. Ao mesmo tempo, devemos refletir se as resistências são, verdadeiramente, derivadas de convicções sobre a deficiência do imposto e seus reflexos econômicos ou, simplesmente, de percepções ideológicas que repudiam esse tipo de tributação. Vivemos um momento histórico peculiar: as pessoas reconhecem a necessidade de limites na liberdade individual, mas não patrimonial. Sabemos que não é possível ou sequer razoável dirigirmos a qualquer velocidade e não respeitar os sinais de trânsito; temos consciência da necessidade de atender a convenções sociais que nos impedem de posturas indesejadas ou inadequadas. Todavia, quando se trata do aspecto patrimonial e econômico, parece existir uma liberdade ilimitada, que nos permite, desde que dentro das regras do sistema vigente, acumular riquezas inimagináveis, ainda que à custa do resto da sociedade. Qualquer medida contra o vultoso patrimônio reflete intervenção ilegítima na vida privada. Por que tamanha desproporção? Qual a dificuldade em afirmar que acima de determinado patamar, nenhuma pessoa deve acumular tamanha riqueza? A vida em sociedade nos impõe limites, como aprendemos em disciplinas propedêuticas das Ciências Sociais. Por qual motivo tais limites não se aplicam às liberdades econômicas e, principalmente, ao patrimônio? A pacificação social demanda limites. Por mais competente, inteligente e dedicado que um profissional seja, com externalidades positivas a todos, não é razoável que uma pessoa acumule patrimônio capaz de fragilizar a vida de outrem. No limite, ainda que uma tributação severa em patamares elevadíssimos de fortunas venha a ser, na prática, um desestímulo a determinadas pessoas ao avanço da civilização, que assim seja. Talvez seja hora de motivarmos nosso povo não somente pela riqueza, mas por outros objetivos que nos causem igual bem-estar. É hora de agir, antes que nosso motor exploda.
quarta-feira, 18 de março de 2020

Proteção social em tempos de Covid-19

O cenário que nos avizinha é sinistro. As expectativas de agravamento da contaminação da população brasileira pelo Covid-19 são severas, especialmente pelas dificuldades da população em realizar uma efetiva retração do convívio social e pelas já combalidas capacidades estatais de lidar com incremento de demanda na área de saúde. Muito embora para a maior parte da população brasileira - formada por jovens e adultos - a doença seja branda, o impacto em idosos tem sido grave. Justamente parcela importante e prioritária da clientela da proteção social brasileira corre risco real de sucumbir à nova doença. Jovens e adultos são vetores de transmissão da doença. Qual poderia ser o papel da previdência social no combate à pandemia? O momento requer ações imediatas e, em alguma medida, ousadas. Soluções tradicionais se mostram insuficientes. Os manuais de Direito Previdenciário, até agora, tratavam das hipóteses de segregação compulsória como casos de manutenção de qualidade de segurado, nos termos da lei 8.213/91, de remota aplicabilidade prática, como em doenças raras ou algo do passado. Infelizmente, a realidade é diversa. Com a perspectiva de impedimento efetivo da atividade remunerada, derivado do afastamento coercitivo do convívio público, como segurados poderiam obter cobertura do sistema protetivo? Recentemente, a Emenda Constitucional 103/19, midiaticamente apresentada como "reforma da Previdência" - mais uma - produziu interessante alteração no art. 201, I da Constituição de 1988. A nova redação não mais trata de cobertura previdenciária de "doença", mas, agora, de "incapacidade temporária ou permanente para o trabalho". A mudança, em primeira medida, corrigiu previsão errônea na qual a doença, por si só, seria causa suficiente para a obtenção da prestação previdenciária. Na verdade, desde sempre, a efetiva incapacidade é que seria causa necessária à concessão do benefício. No entanto, pode-se ir além. Em acréscimo ao recente debate sobre cenários de "incapacidade social", como a pessoa com HIV sem incapacidade física ou mental, mas, por preconceito, resta excluída do mercado de trabalho, podemos vislumbrar a "incapacidade compulsória". Por "incapacidade compulsória" remeto à nossa realidade, na qual o próprio Estado recomenda - ou determina - que pessoas permaneçam em suas residências. Mas como sobreviver? Segurados empregados podem manter suas relações de emprego e respectivas remunerações, as quais podem ser viabilizadas mediante estímulos fiscais aos empregadores, dentre outras opções. Todavia, contribuintes individuais não contam com a mesma realidade. Na atual dicção constitucional, a "incapacidade temporária para o trabalho" não é somente decorrente de doença, mas, também, de preconceitos ou mesmo oriunda de imposições estatais de deslocamento. Para parcela significativa de trabalhadores autônomos, cabe ao Estado, por meio do sistema previdenciário, algum tipo de cobertura, a qual, até por medida provisória, em assunto verdadeiramente urgente e relevante, criar pagamentos provisórios enquanto perdurar a situação. O auxílio-doença por "incapacidade compulsória", no limite, poderia ser inferior ao salário-mínimo, tendo em vista a desnecessidade de análise pericial, decorrente, tão-somente, de prova documental, provida por meio eletrônico, de atividade remunerada presumidamente incompatível com a situação presente. O benefício, na referida situação, não seria propriamente substituição plena dos rendimentos do trabalho, mas complemento às perdas presumidas no rendimento mensal. A incapacidade presumida permite afastar o art. 201, § 2º da Constituição, que impõe o salário mínimo como piso dos benefícios previdenciários substituidores de renda. Contribuintes individuais, em regra, acabam por desenvolver gama de habilidades profissionais variadas, e a ausência de incapacidade efetiva justifica pagamento parcial, salvo, no caso concreto, demonstração de absoluta impossibilidade de qualquer atividade. A recente situação de calamidade declarada pelo Governo Federal ajudará na obtenção dos recursos. Deixar trabalhadores autônomos abandonados à própria sorte não se justifica, tanto pela proteção digna devida a toda e qualquer pessoa como, também, pelo cenário de sobressalto social que nos avizinha.
Com a EC 103/19, houve a inclusão do art. 37, § 14 na Constituição de 1988, com a seguinte redação: 'A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição'. Para servidores públicos em geral, nada de particularmente relevante, pois a aposentadoria, tradicionalmente, sempre implicou afastamento das atividades e vacância do cargo público. Já para empregados públicos, regidos pela CLT e, portanto, vinculados ao RGPS, a mudança é relevantíssima. Não raramente empregados públicos de empresas estatais, mesmo após a aposentadoria, permaneciam em suas atividades, normalmente, tendo em vista a ausência de liame entre as relações trabalhista e previdenciária. A aposentadoria, em suma, não teria o condão de extinguir relações de trabalho. Em atividades estritamente privadas, a aposentadoria continua a não produzir rescisão de vínculo empregatício. Agora, na hipótese de emprego público, a situação se inverte. A aposentadoria em empresas estatais, produz, indiretamente, o término do liame laboral. A conexão, como se disse, não é necessária, mas, por outro lado, não se pode dizer que é inconstitucional. Regramentos diversos entre regimes privados e públicos de trabalho são possíveis, especialmente quando destinados a atender ao interesse público e aos princípios da Administração Pública. Enquanto em ambiente privado a relação de emprego - e sua consequente extinção - situa-se no âmbito do Direito Privado e da autonomia da vontade, pode o poder reformador entender que, no interesse da atividade econômica patrocinada pelo Estado, a aposentadoria implique afastamento das atividades profissionais. A discussão sobre o real impacto da aposentadoria na produtividade, motivação e eficiência de um profissional pode justificar inúmeras opiniões e pesquisas, mas, seguramente, não é uma escolha inconstitucional a eleita pela EC 103/19. Com a reforma previdenciária, a aposentadoria implica pleito voluntário de rescisão de emprego, com as consequências trabalhistas daí oriundas. De forma a estabelecer uma transição razoável, o art. 6º da EC 103/19 prevê que o novo regramento 'não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional'. Entendo que a ressalva deva ser aplicada a todas as pessoas que requereram a aposentadoria antes de 13/11/2019, mesmo que a concessão tenha sido posterior. Do contrário, haveria prejuízo a segurados e seguradas pela eventual inércia do INSS.
A Emenda à Constituição 103/19 produziu a mais abrangente reforma do sistema previdenciário brasileiro desde o advento da Constituição de 1988. Adicione-se o fato de ser extremamente casuística e, com isso, há um resultado inevitável, que será a dificuldade de aplicação e interpretação de seus preceitos em cenários diversos. Na presente coluna, quero apontar uma dessas inconsistências, que é a nova regra de aposentadorias, prevista no art. 26 da EC 103/19. A norma, a qual estabelece disciplina provisória de quantificação do salário-de-benefício na ausência de lei regulamentadora, prevê reduzido percentual de 60% dos salários-de-contribuição dos segurados do RGPS sobre a média integral, sem o descarte dos 20% piores salários, como fora previsto pela lei 9.876/99. Pelo exposto no regramento referido, todas as aposentadorias - o que inclui a aposentadoria por invalidez - são inseridas na nova dinâmica. A perda é evidente, pois, até então, o RGPS assegurava 100% do salário-de-benefício para o referido benefício, em qualquer hipótese, com o potencial incremento de 25% para as situações de "grande invalidez", ou seja, quando há necessidade do auxílio permanente de terceiros. A reforma, ao mesmo tempo em que reduz o percentual básico para 60%, ainda traz triste retrocesso ao majorar o percentual para 100% somente nas hipóteses de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho. Ou seja, para todo o segurado do RGPS que se aposente por invalidez com menos de 20 anos de contribuição e cuja incapacidade não tenha relação com o trabalho, a perda será brutal, pois receberá somente 60% da média integral. Temos, de saída, duas incoerências: como regra geral, é comum que o segurado incapacitado receba, por algum tempo, auxílio-doença, até como forma de se aferir a eventual recuperação de capacidade laborativa ou a possibilidade de readaptação profissional. Nesses casos, caberá o pagamento do benefício no percentual de 91% do salário-de-benefício. A EC 103/19, embora tenha, no caput do art. 26, estabelecido nova regra provisória de quantificação do salário-de-benefício, não alterou o percentual para fins de renda mensal dos auxílios doença e acidente. Sendo assim, um segurado hipotético que tenha salário-de-benefício de R$ 3.000,00 e 15 anos de contribuição irá receber, na concessão do auxílio-doença, R$ 2.730,00. Caso sua situação seja alterada para a aposentadoria por invalidez, seu benefício cairá para R$ 1.800,00! Não parece razoável que o modelo apene segurados aposentados por invalidez. Parece uma previsão maquiavélica que claramente desestimula o retiro por incapacidade. Para piorar, a EC 103/19 ressuscita a distinção entre a invalidez ordinária e a decorrente de acidentes do trabalho. Desde o advento da lei 9.032/95 essa diferença foi encerrada no RGPS, a qual configurava resquício histórico no qual a cobertura acidentária era diversa e, ainda, uma cultura hipócrita na qual haveria um "sobrevalor" na hipótese de incapacidade no exercício da atividade laboral. Sendo a previdência social modelo protetivo frente aos infortúnios da vida, não há sentido na distinção, a qual, aliás, só amplia as desvantagens de contribuintes individuais frente a empregados, pois aqueles não possuem prestações acidentárias. A melhor solução será identificar uma limitação implícita da aposentadoria por invalidez ao último auxílio-doença ou, no melhor cenário, a equiparação do benefício em 100% a todos, em prol da isonomia.
As notícias são duras e, infelizmente, verdadeiras. O represamento de pleitos administrativos junto ao INSS já supera a casa do milhão, expondo o colapso da estrutura da autarquia gestora do Regime Geral de Previdência Social. Em grande medida, o resultado era esperado, tendo em vista a precarização dos serviços pela falta de investimento e renovação dos quadros de servidores, como pude explicitar, ainda em 2018, em texto nessa coluna. A tragédia anunciada acabou amplificada pela reforma da previdência, aprovada pela EC 103/19. Esta mudança constitucional produziu complicador adicional, não somente pelo aumento de pedidos junto ao INSS, mas, também, pela gama de regras particulares da "nova previdência", a qual conjuga uma gama elevada de regras transitórias, para as pessoas já filiadas ao sistema protetivo, e, ainda, regras provisórias, aplicáveis enquanto inexistir lei específica. A reforma de 2019 tem sido apontada como a mais abrangente já realizada no Brasil. Seguramente o dado é incorreto, pois as reformas do século passado, quando da criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões e, depois, as respectivas fusões da legislação e dos próprios institutos no extinto INPS foram, seguramente, mais abrangentes e complexas. De toda forma, podemos dizer, aqui com certeza, que a reforma de 2019 foi a mais abrangente sob a égide da Constituição de 1988. Com isso, sistemas previdenciários devem ser alterados, servidores carecem de treinamento e atualização e, ainda, o INSS deve disciplinar e regulamentar questões variadas que, obviamente, não são explicitamente previstas em uma emenda à Constituição. Tudo isso toma tempo. Basta lembrar da confusão criada pela reforma de 1998, quando o Governo Federal, por meio da famigerada tese do "ponto e vírgula", pretendia fundir as aposentadorias por idade e tempo de contribuição em um benefício único. Resultado: meses de atraso para a concessão de benefícios... É evidente que o colapso administrativo do INSS era previsível. Tanto era que foi adiado, justamente, por uma inteligente estratégia da Administração Federal, que criou determinada gratificação a servidores do INSS e, para sua adição às aposentadorias, exigia mais cinco anos de atividade. Faltou, todavia, solução definitiva. Ao longo dos cinco anos, outras crises surgiram e, como se nota, o tema previdenciário foi ficando ao largo. Ao que parece, o Governo Federal, assim como muitas empresas, atua no estrito gerenciamento de crises, mas quem não olha para frente não sabe para onde está indo. É importante que haja um projeto de país que, no aspecto particular da previdência, não se preocupe unicamente com economias fiscais e superávits arrecadatórios, mas, prioritariamente, com o bem-estar da clientela protegida. Mais uma vez, notamos que as prioridades estão erradas.
terça-feira, 26 de novembro de 2019

Reforma da Previdência Social e a exclusão social

Após aprovada a mais recente reforma da Previdência social brasileira, confesso que fiquei com dúvidas sobre qual tema abordar primeiro, tamanha a quantidade de pontos controvertidos. No entanto, após pouca reflexão, não me pareceu difícil eleger o atual art. 201, § 14 da CF/88, com a seguinte redação: "O segurado somente terá reconhecida como tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para sua categoria, assegurado o agrupamento de contribuições". O art. 29 da Emenda Constitucional 103/2019, em aparente "benevolência", estabelece o seguinte: Art. 29. Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art. 195 da Constituição Federal, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de 1 (um) mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá: I - complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido; II - utilizar o valor da contribuição que exceder o limite mínimo de contribuição de uma competência em outra; ou III - agrupar contribuições inferiores ao limite mínimo de diferentes competências, para aproveitamento em contribuições mínimas mensais. Parágrafo único. Os ajustes de complementação ou agrupamento de contribuições previstos nos incisos I, II e III do caput somente poderão ser feitos ao longo do mesmo ano civil. Além de prever uma lei aparentemente desnecessária, o referido art. 29 permite acertos heterodoxos de recolhimentos entre competências diversas, em franca contrariedade à lógica do plano de custeio atual. No momento histórico em que até desempregados tornam-se segurados obrigatórios (art. 49 da MP nº 905/2019), está cada vez mais difícil manter a sistematicidade do modelo protetivo nacional.... No entanto, no tema abordado, a questão não é somente de atecnia legiferante, mas, verdadeiramente, de descompromisso com as finalidades do modelo previdenciário. Como expus anteriormente, os recolhimentos previdenciários de empregados, avulsos e domésticos, historicamente, eram quantificados de acordo com as respectivas remunerações, observado o limite mínimo de, em regra, o salário mínimo. Por sua vez, o salário mínimo, desde sua criação, é dimensionado de forma variada, por hora, dia ou mês. Naturalmente, não se espera que um empregado que labore meio expediente ou por alguns dias receba o valor integral, referente ao mês de trabalho. Como disse no artigo citado, isso nunca fui um problema para a previdência social, até a reforma trabalhista de 2017. O recolhimento era feito pelo valor proporcional, condizente com a jornada individual, e o tempo contributivo computado normalmente. Na época da reforma trabalhista, critiquei fortemente a nova posição estatal em não admitir recolhimentos proporcionais ao salário mínimo nos contratos de trabalho intermitentes, pois, afinal, seria o salário mínimo legal de acordo com as jornadas reduzidas dessas pessoas. Agora, assustadoramente, a regra é "constitucionalizada", de forma a impor a esses trabalhadores, geralmente mão-de-obra de precária formação e limitadíssima capacidade econômica, os recolhimentos individuais sobre as diferenças frente ao salário mínimo mensal. Em um contexto de "uberização" da economia e da chamada indústria 4.0, o resultado será desastroso. Não é necessário poderes mediúnicos para antecipar que boa parte dos segurados da previdência social enfrentará a ausência de proteção social. A precária cobertura previdenciária, que já era uma realidade em trabalhadores autônomos de baixa remuneração, agora é também atributo de empregados, avulsos e domésticos nas novas relações de trabalho. Nivelamos a proteção social por baixo. Excluir pessoas da cobertura previdenciária é sempre a estratégia mais simples e efetiva de reduzir os dispêndios estatais do modelo protetivo. Mas, enfim, para que previdência social? Se o sistema somente funcionará para trabalhadores mais bem remunerados e com educação superior, os quais conseguirão melhores salários e postos de trabalho, melhor nos prepararmos, pois o Chile é aqui.
Regularmente, Regimes Próprios de Previdência Social de Servidores Públicos - RPPS, especialmente em âmbito estadual e municipal, adotam, como forma de equacionamento de déficits e aprimoramento da gestão previdenciária, a chamada "segregação de massas", a qual, em curta - e imperfeita - apresentação, refere-se à divisão do público protegido, ficando os servidores antigos em regime financeiro, custeado pelas receitas gerais do ente público, enquanto os novos servidores submetem-se a modelo atuarialmente desenhado com contribuições próprias e do empregador público. A segregação é reflexo natural da evolução dos regimes protetivos de servidores públicos, os quais, tradicionalmente, eram desprovidos de natureza previdenciária, submetidos a regime administrativo de funcionamento, o que incluía regras equivalentes de remuneração, reajuste e até sanções, entre outras questões. O regime jurídico administrativo de trabalho era aplicável tanto a servidores ativos como inativos (a cassação de aposentadoria é sempre um bom exemplo dessa realidade pretérita). Com a mudança de paradigma dos últimos anos, surgiu a necessidade de Entes Federados, atuarial e financeiramente, dispor de forma contabilmente diversa servidores anteriores às reformas e os novos. Estes, já regidos pelas novas previsões legais de índole previdenciária, demandando equilíbrio financeiro e atuarial. Obviamente, o equilíbrio desejado é mais complexo para a massa de servidores antiga, pois não raramente sequer existia a contribuição, tanto do servidor como do ente federativo. Com isso, hoje, é comum encontrarmos a seguinte situação: determinado Ente aplica a segregação de massas e, como consequência, convive com duas realidades previdenciárias absolutamente distintas: de um lado, possui novo regime protetivo perfeitamente equilibrado, com contabilização autônoma de contribuições de servidores e Poder Público (agora efetivamente realizada) e, simultaneamente, com modelo financeiro de servidores ativos e inativos anteriores às reformas previdenciárias, enormemente deficitário e carecedor de aportes estatais cada vez maiores. O que fazer? A PEC 06, finalmente aprovada, prevê a possibilidade de contribuições extraordinárias para adequação do déficit. Seria a saída a imposição de encargos maiores para parcela de servidores, simplesmente pelo fato de serem regidos por modelo contabilmente diverso e historicamente descompromissado com o aspecto atuarial? Não parece ser a melhor saída. Tendo em vista a manutenção da natureza solidária dos regimes protetivos de servidores, como ainda estabelecerá o art. 40, caput da CF/88 na nova redação da PEC 06, uma outra solução deve ser alcançada. Uma diretriz, ainda que implícita, pode ser identificada no art. 9º, §§ 4º e 5º da PEC 06, ao dispor que a contribuição previdenciária de servidores federais é o piso mínimo a ser observado por Estados, DF e Municípios, salvo se demonstrada a inexistência de déficit atuarial. Na sequência, afirma-se que a segregação de massas não é admitida como "ausência de déficit". Sendo assim, a contrario sensu, a Constituição expressará que os servidores segregados atuarialmente e ente público deverão contribuir com determinado percentual mesmo que, nos planos previdenciários novos e equilibrados, seja absolutamente desproporcional e desnecessário. Qual a razão? A razão não pode ser outra diversa do aporte de tais excedentes ao regime financeiro (antigo), de forma a atender a diretriz geral da solidariedade do modelo, a qual, como se disse, ainda perdurará - corretamente - em regimes básicos de previdência. Assim como seria inaceitável a imposição de contribuições extraordinárias somente para servidores segregados em regime financeiro deficitário, não faria sentido construir excedente contributivo absolutamente desnecessário junto à massa previdenciária de novos servidores. Como se vê, a reforma da previdência trará novos e importantes desafios. Um norte fundamental da discussão é a percepção que as demandas atuariais do modelo, corretamente expostas na Constituição, não podem refletir situações de flagrante injustiça e desigualdade, especialmente quando produz potencial prejuízo justamente para a classe mais idosa das carreiras públicas, com maior necessidade de proteção do sistema previdenciário.
O título do presente artigo reproduz a apresentação do Tema 529 no recente informativo do STF. O julgamento é relativo ao RE 1.045.273, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes. O debate concreto não é propriamente sobre a possibilidade de concessão da pensão por morte no concubinato, mas, em contexto mais particular, trata do rateio do benefício previdenciário entre companheiros oriundos de relações hetero e homoafetiva. O texto do Tema 529 é "Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte". A questão jurídica não é propriamente nova. Historicamente, a divisão da pensão por morte sempre fora realizada administrativamente, sem maiores questionamentos. Todavia, desde o RE 397.762/BA, o tema sofreu reviravolta, na qual o STF, adotando premissas tipicamente civilistas, ignorou a finalidade protetiva do Direito Previdenciário e afastou o direito ao benefício na hipótese de concubinato, sob justificativa de ausência de amparo expresso na lei ou na Constituição. Ironicamente, quase que simultaneamente, avançava no mesmo Tribunal o direito ao pensionamento nas relações homoafetivas, não obstante a mesma lacuna normativa. Neste caso, foram superadas convicções morais da sociedade sobre as relações amorosas em prol da preservação da cobertura previdenciária. Naquele, não. Como o destino não perdoa certas contradições, há agora, o xeque-mate da realidade social: mas é quando o "concubinato" é, na verdade, uma relação homoafetiva? Essa é a questão que se coloca no Tema 529. Como tenho defendido nos últimos 20 anos, para fins estritamente previdenciários, pouco importa se a união estável visa ao casamento e o concubinato não. Os dependentes previdenciários são aferidos dentro de parâmetros sociais e econômicos, independente das convicções éticas da sociedade. A proteção social não se conforma a uma concepção ideal de vida e família; não visa a impor projetos de vida ou condutas dentro da moral dominante. Da mesma forma, não se trata de chancelar uniões heterodoxas ou contrárias aos valores da sociedade, mas sim de assegurar os meios mínimos de vida aos segurados e seus dependentes econômicos. Não é, também, benesse estatal ou caridade alheia, mas forma de seguro social atuarialmente financiado para atender a tais situações, como o concubinato - hetero ou homoafetivo - que não podem ficar ao largo do sistema por contrariar padrões éticos de como a vida deve ser vivida. Admitir, em tais casos, a prevalência de um conceito restritivo de união estável, ainda que previsto na Constituição, em detrimento do direito à vida e à previdência social (igualmente previstos na Constituição), é chegar a um resultado inadequado de ponderação, afastando aspectos fundamentais do bem-estar social em favor de um perfeccionismo ético que, no contexto previdenciário, não se sustenta.
Novo governo, velhas ideias. Assistindo os noticiários dos últimos dias, esse mote nos parece aplicável. Além da perene questão da CPMF, surge no cenário nacional, com alguma regularidade, a temática da desoneração da folha - via redução das contribuições previdenciárias - como estratégia de crescimento econômico e, principalmente, formalização de emprego. A ideia, resumidamente, seria eliminar os encargos fiscais que propiciam desincentivos diretos à contratação e formalização do trabalho. Nesse aspecto, os tributos previdenciários seriam os campeões, pois têm conexão direta e imediata com a folha de salários. Aumenta-se a folha e, imediatamente, tem-se o incremento fiscal, mesmo sem qualquer reflexo imediato na atividade econômica ou mesmo na lucratividade da empresa. Nesse aspecto, a contribuição previdenciária poderia ser apontada como ainda mais perversa que a contribuição social sobre o faturamento - COFINS. Esta, ao menos, possui alguma conexão com os frutos do negócio, enquanto a tributação previdenciária não possuiria qualquer relação. Não por outro motivo, ainda que de forma velada, a possibilidade de desoneração da folha, com substituição da cota patronal previdenciária pela COFINS, foi expressamente autorizada pela Emenda Constitucional 42/2003. A medida, em tese, seria parte da solução para superarmos a estagnação econômica e a informalidade. Todavia, analisando o cenário nacional, é difícil afirmar que a desoneração de diversas atividades e negócios tenha, verdadeiramente, produzido resultado venturoso. Pesquisas sobre o tema apontam que a experiência nacional resultou em modelo complexo, com elevada renúncia em favor de determinados setores e com efeitos questionáveis no incremento da atividade econômica. A experiência internacional não é diferente. Em recente publicação da Organização Internacional do Trabalho ("Financing social protection for the future of work: Fiscal aspects and policy options"), refutando teorias econômicas sobre a conexão entre desoneração da folha e informalidade, aponta-se, mediante avaliações empíricas de vários países, que a dependência da tributação previdenciária versus informalidade está distante de ser tão simples. Diversos modelos fiscais com baixa tributação têm elevada informalidade, enquanto outros com elevada tributação previdenciária possuem reduzida informalidade. Em suma, a preocupação com a retomada econômica é relevante e necessária. Todavia, soluções reais devem ser buscadas. Medidas relevantes de simplificação tributária - incluindo a parte previdenciária - são desejáveis não somente no aspecto da potencial redução de encargos, mas, também, na segurança jurídica necessária, que passa por absoluta crise com entendimentos administrativos oscilantes. Mais do que desoneração, o plano de custeio previdenciário brasileiro carece de simplificação e coerência. Esse é o norte a ser construído, de forma a viabilizar ambos os objetivos: a manutenção das prestações previdenciárias e as expectativas dos agentes econômicos de um modelo previsível de tributação.
segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A arbitragem na Previdência Complementar Fechada

Desde o advento da lei 9.307/96, o tema da arbitragem tem evoluído bastante. Com o atual Código de Processo Civil, a definitividade da sentença arbitral foi consolidada, eliminando as dúvidas sobre sua supremacia, assegurando conceito amplo da atividade jurisdicional. Salvo vícios do procedimento arbitral, o decisório é imutável pelas instâncias judiciais. Nesse novo contexto, é de estranhar a pouca evolução da arbitragem nas discussões relacionadas à previdência complementar fechada. Embora não sejam poucas ou pequenas as querelas do setor, a regra, ainda, é a demanda judicial, com todas as suas vicissitudes. Talvez seja a hora de rever a realidade vigente. As relações jurídicas da sociedade contemporânea, não estranhamente denominada de "sociedade de risco", são vitimadas pelas complexidades da vida moderna, com as incertezas e ambivalências inerentes a nossa realidade. Cada vez mais, o juiz generalista encontra-se confrontado com temas de elevada complexidade e, para piorar, em quantidades elevadíssimas. Não se ignora o esforço dos Tribunais em superar o desafio. Tive oportunidade de ministrar diversos treinamentos nos Tribunais Superiores e é nítido o anseio das equipes em compreender, na profundidade necessária, as particularidades do sistema complementar fechada. No contexto particular da previdência complementar fechada é visível o amadurecimento do Superior Tribunal de Justiça na discussão do tema. Sem embargo, a luta é difícil. As demandas se alargam e as teses se multiplicam. A análise concreta de cada pleito requer conhecimento técnico que escapa à maioria dos magistrados. Some-se a isso a lentidão não raramente encontrada em algumas demandas, que levam anos até uma decisão final. Todas essas dificuldades podem ser superadas pela arbitragem, com efeitos venturosos para todos os envolvidos. Noto, com alguma regularidade, que administradores de planos de benefício do segmento fechado, após algum desequilíbrio atuarial, buscam soluções internas que, muito frequentemente, sofrem questionamentos judiciais. Com isso, o eventual aporte que seria necessário deixa de ser feito e, ao longo de anos a fio, o ajuste atuarial fica de lado, "sub judice", aguardando decisão final dos Tribunais. Com isso, agrava-se o desequilíbrio e, quando apresentado novo plano de recuperação, surge encargo muitíssimo maior que o anterior. Em modelos fechados de previdência complementar, a inércia é receita para o desastre. Soluções ágeis e adequadas são fundamentais como forma de preservar o direito acumulado de participantes. Mesmo sem previsão em regulamento, as partes podem firmar compromisso arbitral, elegendo árbitro ou árbitros de confiança e, em tempo razoável, obter decisão adequada à manutenção da cobertura previdenciária. Gestores e administradores de entidades previdenciárias, quando verdadeiramente compromissados com o bem-estar de participantes e assistidos, devem buscar a solução arbitral como instrumento de celeridade e Justiça no seio da previdência complementar. Nada mais injusto do que postergar ajustes necessários que, no longo prazo, acabarão por determinar a liquidação da entidade previdenciária.
Na última semana, um tema interessante da reforma da Previdência tem sido ressaltado pela imprensa. O texto proposto, dando nova redação ao art. 201, § 10 da CF/88, é o seguinte: "Lei complementar poderá disciplinar a cobertura de benefícios não programados, inclusive os decorrentes de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo Regime Geral de Previdência Social e pelo setor privado". Apesar de ser apontada como previsão inédita de abertura da cobertura previdenciária ao mercado, a EC 20/98, ao inserir o referido parágrafo, já havia previsto a possibilidade de atuação do setor privado na cobertura previdenciária, ainda que limitada a acidentes de trabalho. A redação ainda vigente prevê: "Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado". O preceito hoje existente, após 20 anos de sua inclusão na Constituição, nunca foi regulamentado. A PEC 06, além de alargar as possibilidades de atuação do setor privado para todos os benefícios de risco, demanda lei complementar para a disciplina específica do tema. A princípio, a cobertura estatal restaria limitada a aposentadorias programadas e pensões, somente. O assunto é complexo. Quando da reforma previdenciária de 1998, posicionei-me contra a atuação do segmento privado na cobertura previdenciária, a qual, naquele momento, me parecia um retrocesso, pois o seguro acidentário obrigatório fora privado até a estatização da cobertura e respectiva inclusão no modelo público de previdência social, pela lei 5.316/67. O modelo estatal, como sugerido por Beveridge, tinha como escopo eliminar as deficiências do modelo privado da primeira metade do século XX. As dificuldades giravam em torno dos litígios derivados de falhas de cobertura ou negativas de indenização por parte das seguradoras, o que era relativamente comum. Da mesma forma, a cobertura de prestações acidentárias sempre foi potencialmente complexa, tendo em vista a elevada subjetividade do eventual nexo causal do sinistro com o trabalho. Enfim, a incorporação do seguro de acidentes do trabalho ao modelo estatal de proteção social derivava da chamada "teoria do risco social", na qual o sinistro sofrido por um trabalhador demandaria cobertura solidária de toda a sociedade, assegurando cobertura efetiva ao trabalhador, independentemente da situação econômica do empregador, das interpretações das seguradoras ou mesmo da eventual culpa do acidentado. Sem embargo, temos de reconhecer que o modelo estatal está distante de uma cobertura minimamente adequada. As dificuldades administrativas estão colapsando a autarquia previdenciária. O modelo solidário de cobertura funciona precariamente, com particular prejuízo daqueles de demandam prestações com urgência, como acidentados. Enquanto para benefícios programados a praxe internacional seja a manutenção dos modelos estatais, os benefícios de risco contam com organizações variadas e funcionais. A atuação privada está longe de ser solução mágica aos problemas do sistema previdenciário, incluindo a cobertura de benefícios por incapacidade. Todavia, é inegável que - no caso particular da cobertura de prestações não programadas - há experiências de sucesso no estrangeiro, as quais, talvez, possam nos orientar a viabilizar alguma atuação efetiva e eficiente, sem as desventuras do modelo estatal vigente, o qual não tem a menor perspectiva de melhora, tendo em vista as severas restrições econômicas e de pessoal que enfrentaremos nos próximos anos. Mais do que assumir a negativa automática de modelo privado paralelo de cobertura, acredito que seja a hora de reconhecermos a precariedade do modelo vigente e sua improvável recuperação em tempo hábil. Um aparato regulatório apropriado, com fiscalização efetiva, pode atender ao desejo natural de seguradoras em atuar no segmento com o propósito constitucional da efetiva cobertura previdenciária. Caso a proposta seja aprovada, nos resta averiguar como será a respectiva regulamentação e, então, observar se os interesses de segurados e dependentes serão devidamente atendidos. Afinal, a proteção adequada e em tempo hábil é a missão de qualquer sistema previdenciário.