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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 31 de julho de 2019

Porandubas nº 630

Abro a coluna com Tancredo Neves. São Geraldo Geraldo Rezende, editor político de O Diário, sábio e santo, conversava com Tancredo no final da campanha para o governo de Minas, em 1960, contra Magalhães Pinto: - Tancredo, você precisa ter fé. Dê uma passada no Santuário de São Geraldo, em Curvelo, que São Geraldo não esquece seus devotos. Tancredo foi lá. Perdeu as eleições para Magalhães. Telegrafou a Geraldo: - Geraldo, São Geraldo esquece seus devotos. Meses depois, Jânio renuncia, assume Jango. Tancredo é primeiro-ministro. Geraldo telegrafa a Tancredo: - Tancredo. São Geraldo não esquece seus devotos. Do topo ao rés do chão A política é uma gangorra. Um dia, o protagonista está no pico da montanha. Noutro, empurrado pelas circunstâncias, desce ao rés do chão. A imagem vai para Sérgio Moro, o juiz que desfraldava a bandeira da moralidade e da Justiça. Deixou o Judiciário pela política. Sim, porque o cargo de ministro da Segurança Pública e da Justiça insere-se na seara da política. Pode-se, até, dizer: ele não bateu ainda no sopé da montanha. É razoável. Mas perdeu prestígio, sim, com a revelação de conversas entre ele e o procurador Deltan Dallagnol captadas por hackers e reveladas pelo site The Intercept Brasil. Bernardes I Lições do Padre Bernardes "Perante Filipe, Rei da Macedônia, requeria Machetas sua justiça. O Rei dormitou e depois sentenciou pouco conforme a razão. "Apelo", clamou Machetas. Indignado, o Rei perguntou: "para quem"? Respondeu de pronto: "De El-Rei dormindo para El-Rei acordado". Moro é alvo I Sérgio Moro não tem a simpatia do corpo parlamentar, que enxerga nele o justiceiro da classe política. E agora, com a revelação de que teria havido uma interlocução aética entre operadores do Direito, há muitos que desejam vê-lo na cadeira de réu. Não é improvável que se instale uma CPI para investigar o caso das interlocuções gravadas. Moro é alvo II Agora, sob a pressão para se ir a fundo na questão dos hackers que invadiram a rede Telegram de centenas de autoridades e, ao que se diz, também de jornalistas. Para piorar sua situação, Moro, pelo que se leu, teve acesso às conversas e prometeu para alguns interlocutores sua destruição. Como uma figura do Judiciário pode prometer destruir provas quando se está investigando o assunto? Ficou no centro do tiroteio. Pressa O ministro pode ter sido atropelado pela pressa. No afã de acalmar os interlocutores, disse que os diálogos seriam destruídos. Uma insanidade. Foi desmentido pela própria PF, que faz a investigação dos hackers. A balbúrdia está no ar. Moro desce do alto patamar onde se encontrava. Ao presidente Jair ficou a defesa do ministro, ao dizer que ele não faz nada fora da lei. No íntimo... No íntimo, porém, Bolsonaro deve estar confortado. Afinal, o juiz aparece como eventual candidato à presidência em 2022. Mesmo estando longe, poderia ser embalado pelo eventual sucesso em seu pacote de segurança, a ser votado pelo Congresso. Hoje, já não se garante um trâmite rápido e com alta possibilidade de ser aprovado. Se tudo certo, o que ele ainda pode almejar é um cargo de ministro no STF. Porém... Mas há um porém. O presidente tem dito que falta no Supremo um ministro evangélico. Como se na Corte o importante não fosse sabedoria e o preparo, mas a vinculação no cordão religioso. Daí a promessa de nomear alguém "terrivelmente evangélico", expressão estranha para designar um ministro de um credo religioso. Afinal, o advérbio "terrivelmente" está mais próximo ao fogo do inferno do que à temperatura celestial. A vaga a se abrir é a do decano Celso de Mello, que deverá se aposentar em novembro do próximo ano. Além dele, outra vaga será aberta mais adiante, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio. Bernardes II Andava Dom João II, de Portugal, espairecendo pelas ribeiras do Tejo quando disse aos ministros de Justiça que o acompanhavam a cavalo: "corram, corram". Respondeu um em nome de todos: "Nós não corremos, a não ser atrás de ladrões". Ao que o Rei gracejou: "então correi atrás uns dos outros". Surpreendente: tom eleitoral Para quem dizia não querer reeleição, surpreende o tom eleitoral usado pelo presidente Jair passados apenas sete meses de governo. O capitão gosta mesmo de palanque. Nesse capítulo, parece com Lula, que corria o país agitando as galeras com suas imagens populares e ditos marcantes. Bolsonaro fala para suas bases radicais, contingentes que habitam o território da extrema direita. Expressão radical Enquanto o discurso de preservação ambiental forma uma ampla corrente no planeta, o presidente Jair bota lenha da floresta na fogueira. Não vê desmatamento, apesar das fotos reais dos satélites. Atira com palavras provocativas. "Se o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, quiser saber como meu seu pai morreu, eu conto". Ele desapareceu nos tempos de chumbo. "Não há indícios de assassinato de líder indígena no Amapá". É possível até que não tenha sido um crime. Mas a FUNAI, órgão do governo, admitiu. A PF está apurando. "Não há fome no país". Os jornais abrem imensos espaços para mostrar os pratos vazios ou com um punhado de farinha. Onde vamos parar? O capitão não se contém. Quando lhe asseveram que a Comissão da Verdade atestou a morte de prisioneiros pelos grilhões da ditadura, retruca: "é uma balela. Você acredita em Comissão da Verdade"? Documentos desmentem versão de Bolsonaro sobre a morte de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB. O atestado de óbito dado por um órgão do Ministério dos Direitos Humanos, semana passada, afirma que a morte do estudante foi "causada pelo Estado brasileiro". Mas o presidente não aceita isso. Suspende audiência com o chanceler da França e vai cortar o cabelo. Desrespeito. O ministro do Supremo Marco Aurélio não se contém: "tempos estranhos. Onde vamos parar"? O advogado Miguel Reale Junior levanta a voz: "é caso de interdição". Santa Cruz vai ao STF Pois bem, o presidente da OAB não deixou por menos. Vai interpelar Bolsonaro no STF sobre as declarações sobre a morte de seu pai em 1974. Já constituiu advogado, César Brito. O presidente precisa impor limites às suas expressões. Bernardes III Perguntou uma pessoa a Aristóteles por que razão as coisas formosas se amavam? Respondeu: "essa pergunta é de cego". Corrida ao centro O posicionamento cada vez mais radical do presidente Bolsonaro começa a gerar efeitos. Alimenta e realinha suas bases; começa a criar desconfiança em parcela do corpo político; inicia um processo de alargamento do perfil de outros protagonistas sinalizando seu ingresso na arena presidencial de 2022. Entre estes, o mais forte é o governador de São Paulo, João Doria. É o maior beneficiado pela expressão radical e cheia de veneno do presidente. Doria está sabendo se conduzir muito bem nesse momento. Estilo João Doria I O governador de São Paulo tem um estilo incomparável. A começar pela jornada de trabalho. Não dorme mais do que três horas. Faz exercícios. Chega cedinho ao Palácio, de onde sai, às vezes, por volta de meia noite. É uma pessoa onipresente. No mesmo dia, aparece numa distante cidade do interior do Estado, numa grande cidade da Grande São Paulo ou dirigindo eventos no Palácio dos Bandeirantes. Estilo João Doria II Em seu périplo cotidiano, lança programas em diversas frentes, faz pronunciamentos, apresenta dados de redução da violência no Estado, recebe caravanas de empresários brasileiros e estrangeiros, cumprimenta militares por suas ações, mostra o volume de investimentos em diversas áreas, enfim, parecendo uma locomotiva puxando os carros do trem paulista. E mais: coloca todo esse menu à disposição de uma ampla teia de formadores de opinião. Trabalha com transparência. Sob forte apoio das classes médias. São Paulo, o maior colégio São Paulo tem cerca de 35 milhões de eleitores. Um candidato de São Paulo, com uma boa aprovação do eleitorado, já sai com fortes passos na frente. Afinal, são mais de 23% do eleitorado brasileiro. 2022 está muito longe. Mas a continuar o clima de polarização entre esquerda e direita, como se apresenta hoje, haverá uma grande tendência de migração de eleitores em direção ao centro do arco ideológico. O apartheid do "nós e eles" que o PT criou lá atrás reaparece hoje de maneira invertida. São os bolsonarianos que pregam a divisão. Bernardes IV São Francisco de Borja, antes de se alistar na Companhia de Jesus, foi duque de Gândia. Uma vez levou um porco às costas para a cozinha. Alguns fizeram reparos. Ao que ele disse: "será que é muito um porco levar outro?". Guedes satisfeito Quem conversa com o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai encontrar uma pessoa mais flexível e até satisfeita. Tomou consciência de que é difícil passar algum projeto de reforma no Congresso sem o dedo do parlamentar. Principalmente nesse ciclo em que o Parlamento demonstra grande vontade em resgatar suas funções e manter certa independência do Poder Executivo. Assim, a reforma da Previdência, sob a ótica de Guedes, está de bom tamanho. Claro, não pode ser mais desidratada. Marinho Quem está se saindo melhor que o figurino é o Secretário da Previdência e Emprego, Rogério Marinho. Ex-deputado pelo PSDB do RN, foi o relator da reforma trabalhista. Respeitado pelos pares, educado, fino no trato com interlocutores de quaisquer esferas, Rogério tem tido um papel preponderante na articulação dos programas sob sua coordenação. Tem sido convidado para prosseguir sua carreira política, após sua missão no governo, em outras plagas. Mas conserva o RN em seu coração. Bernardes V Estava Santo Efrém em uma pousada cozinhando suas pobres viandas. Logo uma mulher, curiosa, meteu os olhos pela janelinha que ficava fronteira. E que perguntou sem graça: "falta alguma coisa"? Ao que responde o Santo: "três ladrilhos e um pouco de lama para entaipar esta janela".  
quarta-feira, 24 de julho de 2019

Porandubas nº 629

O selo, coronel, o selo Nos Inquéritos Policiais Militares (IPM), abertos nos anos de chumbo, Jânio é chamado ao Rio para depor em um deles. Mas o ex-presidente não vai. E diz por que não vai: - Só falo no meu chão, na minha jurisdição. O coronel vai a São Paulo ouvi-lo. À máquina, o sargento escrevente e, ao lado de Jânio, seu amigo Vicente Almeida. O coronel começa: - Dr. Jânio Quadros, em que dia e ano o senhor nasceu? Jânio arregala os olhos, entorta-os e volta-se para o lado: - Vicente, meu bem, será que ele não sabe? Não pode ser. O coronel não entende: - Não sabe o quê? - Que perguntas têm que ser por escrito. Está na lei, coronel. Na lei. O depoimento prossegue por escrito. O coronel tira um maço de cigarros, oferece. Jânio pega-o na ponta dos dedos, passa de uma mão à outra: - Vicente, meu bem, que coisa. O que é isto? Que estranho, Vicente! Nunca havia visto. O coronel irrita-se: - Por que o espanto, Dr. Jânio? É um cigarro americano Marlboro. Sim, sim, meu caro coronel, sei-o, sei-o muito bem. Mas, onde está o selo? O selo, coronel? O selo? O IPM acabou. (Historinha contada por Jô Soares). O capitão não se contém Os últimos dias foram férteis na produção de frases polêmicas por parte do capitão-presidente. As expressões presidenciais funcionam como fios desencapados de curtos-circuitos. "Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira". "A economia vai às mil maravilhas". Os governadores "Paraíba" do Nordeste governam com ideologia, Miriam Leitão não foi torturada, não existe devastação da mata amazônica, o Brasil é exemplo de conservação ambiental e, pasmem, o general Luiz Rocha Paiva, integrante da Comissão de Anistia, é "melancia". Verde por fora e vermelho por dentro. O presidente descobriu que ele é um "defensor da guerrilha do Araguaia". Bala para todos os lados. Repercussão As declarações bombásticas de Bolsonaro soaram mal em alguns setores. Os ambientalistas, a partir do diretor do INPE, Ricardo Magnus Osório Galvão, reagiram de maneira contundente à observação do capitão de que ele (Galvão) está agindo "a serviço de alguma ONG". O diretor, que garantiu não renunciar ao cargo, qualificou a fala do presidente de "conversa de botequim". Nordeste reage Já os governadores nordestinos reagiram em carta aberta contra o que viram como discriminação ao Nordeste. As redes sociais se encheram de indignação. Ontem, na Bahia, ao inaugurar o aeroporto de Vitória da Conquista, o presidente tentou atenuar o atrito: "Eu amo o Nordeste. A minha filha tem em suas veias sangue de cabra da peste. Cabra da peste de Crateús, no nosso Estado mais lá para cima, o nosso Ceará. Não estou em Vitória da Conquista, não estou na Bahia, e nem no Nordeste. Estou no Brasil". O general e a jornalista Carimbar o nome de um general, mesmo aposentado, de "melancia", convenhamos, deve ter tido forte repercussão negativa no Exército. Os jornalistas, solidários a Miriam Leitão, jorraram palavras duras sobre o capitão. Vai aguentar? A continuarem as diatribes linguísticas contra grupos, setores, políticos e governantes, o capitão-presidente aguentará o tranco de reações em cadeia? É uma pergunta que suscita dúvidas. Os bolsonarianos mais radicais devem apreciar o palavrório sem limites éticos do presidente. Querem, aliás, que ele endureça o discurso. Mas amplos contingentes que nele votaram, mais para evitar a volta do PT e menos por identificação ideológica, já iniciaram um ensaio de retirada de apoio. Pesquisas mostram que o prestígio do presidente se esfacela. Ele cai no ranking da aprovação positiva. Vai ser difícil segurar uma onda continuista caso o mandatário-mor cumpra sua trajetória sem conter a língua. Pontos de atrito Quem acompanha a cena político-institucional ainda não conseguiu entender os posicionamentos e as decisões extravagantes de Bolsonaro. Como é possível abrir uma polêmica sobre a nomeação de seu filho ("Lógico que é filho meu. Pretendo beneficiar o filho meu sim. Pretendo, tá certo? Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho eu dou") Eduardo Bolsonaro, no momento em que o Congresso debate a controvertida reforma da Previdência? A abertura de pontos de conflito certamente indispõe a figura presidencial junto a parlamentares. "Ah, mas ele diz o que pensa, é sincero", respondem bolsonaristas. Ora, mas há uma liturgia do poder que recomenda cautela, bom senso, uso adequado de conceitos e expressões, principalmente em ciclos de intenso debate político. Eduardo embaixador O nome do deputado deverá ser aprovado no Senado, onde a maioria governista é mais expressiva. Os senadores tendem a aceitar nomes de indicados pelo Executivo para assumir cargos. Principalmente em início de governo, quando a caneta presidencial está cheia de tinta. Mas as dúvidas não serão dissipadas: como agirá o embaixador filho do presidente? Que características terá sua missão? Como será avaliado pelo corpo do Itamaraty, pela mídia e pelos políticos? Julho em contração I Julho tem sido um mês de sístoles. Sístole e diástole são dois estágios do ciclo cardíaco nas pessoas. Por sístole, entende-se a fase de contração do coração, em que o sangue é bombeado para os vasos sanguíneos, já a diástole é a fase de relaxamento, fazendo com que o sangue entre no coração. O general Golbery do Couto e Silva, no ano de 1980, usou os dois conceitos para tratar do país sob a visão da política. Pregava que os militares, após o ciclo da contração, se retirariam da política de forma organizada e tutelando a transição democrática. Viria a diástole. Julho em contração II O Brasil atravessa julho sob muita sístole, ao contrário do tempo de descontração, esperado no sétimo mês do ano. As tensões envolvem os três Poderes, órgãos como Ministério Público, Receita Federal, Coaf, OAB, entre outros. O Executivo e a esfera política atuam sob alta tensão. O presidente conserva "certo desprezo" sobre o presidencialismo de coalizão. Não aceita as demandas de parlamentares. (Bolsonaro nesse aspecto se parece com a ex-presidente Dilma). Contra a Lava Jato? Há tensão entre o STF e o Ministério Público por causa de decisão do ministro Dias Toffoli de condicionar todas as investigações à autorização judicial. Elas partem de informações principalmente do Coaf e da Receita, que apuram movimentações suspeitas. Para o MP, pode ser um golpe de morte contra a Lava Jato. Há tensão entre o Executivo, o Legislativo e o MP por causa da Lava Jato. Políticos querem minar a operação, o MP defende sua plena continuidade e o Executivo tenta manter acesa a chama com apoio ao ministro Sérgio Moro. Aécio fora do PSDB O senador Aécio Neves é a bola da vez no jogo do PSDB. O prefeito Bruno Covas quer vê-lo fora do partido. A jogada de Covas tem pano de fundo eleitoral. Acha que a expulsão do mineiro ajudará a construir seu discurso de moral no pleito de 2020. O governador João Doria, geralmente muito falante, cala-se nessa questão. FHC não defende a saída de Aécio. O novo presidente do PSDB, o ex-deputado e ex-ministro Bruno Araújo, analisa as tendências. Os senadores tucanos estão do lado de Aécio. O jogo, por enquanto, dá empate. PSL rachado O PSL, partido do presidente, é uma casa de marimbondos. Ferroada por todos os lados. Até outubro, é provável a migração de um grupo de parlamentares para outros partidos. A não ser que o próprio presidente Bolsonaro entre em campo para intermediar interesses e segurar sua principal base. Em São Paulo, por exemplo, com a eventual saída do deputado Eduardo Bolsonaro, vai haver disputa para a presidência do partido. Maquiavel "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". Conselho do velho Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las". Gocil e Prosegur Domingo, Lauro Jardim, em sua coluna em O Globo, noticiou a negociação para a compra da Gocil, de Washington Cinel, pela Prosegur, uma grande companhia espanhola do setor de segurança privada. Cinel garante que não existe essa negociação. Não é verdade a informação veiculada. Dados do desmatamento A polêmica sobre desmatamento não está encerrada. Dados extraídos dos mapeamentos de satélites vão mostrar a realidade. E se forem um contundente desmentido à palavra do presidente quando garante não haver o descalabro? Bolsonaro tem três alternativas: a) divulgar a verdade com foto tirada pelo satélite; b) manipular as informações e c) censurar os dados. Nessa direção, a emenda será pior que o soneto. E os generais, hein? Como estão os ânimos dos generais no entorno do presidente? Ligeiras impressões: o general Heleno parece mais retraído, o mesmo podendo se dizer do vice-presidente, general Mourão, que de muito falante, está de boca quase fechada. O general Villas Bôas, assessor do general Heleno, também não tem aparecido na mídia. O general Rêgo Barros, o porta-voz do governo, passou a ser alvo de críticas dos bolsonaristas radicais, a partir do filho do presidente, o vereador Carlos. O silêncio dos generais diz muita coisa. A viabilidade na política Carlos Matus, cientista social chileno, em um magistral estudo sobre Estratégias Políticas, demonstra que a viabilidade de um ator na política tem muito a ver com a estratégia e seus princípios fundamentais. Eis alguns princípios estratégicos: a) Avaliar a situação; b) Adequar a relação recurso/objetivo; c) Concentrar-se no foco; d) Planejar rodeios táticos e explorar a fraqueza do adversário; e) Economizar recursos; f) Escolher a trajetória de menor expectativa; g) Multiplicar os efeitos das decisões; h) Relacionar estratégias; i) Escolher diversas possibilidades; j) Evitar o pior; k) Não enfrentar o adversário quando ele estiver esperando; l) Não repetir, de imediato, uma operação fracassada; m) Não confundir "reduzir a incerteza" com "preferir a certeza"; n) Não se distrair com detalhes insignificantes; o) Minimizar a capacidade de retaliação do adversário.
quarta-feira, 17 de julho de 2019

Porandubas nº 628

Abro a coluna com uma historinha de BH. Cômputo? Pachequinho e Chico Fulô eram muito populares e vereadores do PTB em Belo Horizonte. Disputavam as mesmas áreas e viviam brigando. Na tribuna, Waldomiro falava de tuberculose e tuberculosos, seu assunto predileto: - A cidade está cheia de tuberculosos. Não sei ao certo quantos são, mas eu computo... Pachequinho aparteou: - Não é computo não, ilustre vereador. É cômputo. - Eu sei que é cômputo. Mas, falando com Vossa Excelência, eu falo computo. Foram às vias de fato. (Quem conta é o impagável amigo Sebastião Nery) Sístole e diástole Julho deveria ser na política o mês da diástole, da descontração, eis que é o período de férias escolares, recesso parlamentar, enfim, um tempo dedicado ao relaxamento. Mas não tem sido assim. Os tempos se apresentam bicudos ou, no contraponto à diástole, vivemos momentos de sístole. Uso aqui os conhecidos conceitos da medicina. Sístole e diástole são dois estágios do ciclo cardíaco. Por sístole, entende-se a fase de contração do coração, em que o sangue é bombeado para os vasos sanguíneos, já a diástole é a fase de relaxamento, fazendo com que o sangue entre no coração. Em um adulto normal, a média da pressão sistólica é de 120 milímetros de mercúrio (mmHg), enquanto a diastólica é de 80 mmHg. Golbery Em 1980, o general Golbery do Couto e Silva formulava a estratégia de abertura política do governo Geisel usando a imagem de sístole e diástole, explicando que os militares, após o ciclo da contração, se retirariam da política de forma organizada e tutelando a transição democrática. Aliás, o país tem experimentado ciclos sistólicos e diastólicos. As Constituições retratam períodos de centralização e descentralização políticas. Pedro I A primeira sístole foi protagonizada por Dom Pedro I, que dissolveu a Constituinte de 1823 e outorgou a nossa primeira Carta Magna, a Constituição de 1824. A grande inovação liberal foi o direito à propriedade privada, transformado num entrave legal a abolição. Toda vez que se falava em acabar com a escravidão, se invocava a dogma liberal. O "Poder Moderador" do imperador estava acima do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. E assim por diante tivemos constituições liberais (como as de 46 e a última, de 88) e autoritárias, como no Estado Novo. As tensões Convém explicar, desde já, que empregamos aqui a "terminologia envolvendo coração" não para acentuar o caráter do governo Bolsonaro, mas para realçar o ciclo de tensões vivido por protagonistas da esfera institucional. Há tensão no espaço parlamentar, com os participantes envolvidos na aprovação da reforma da Previdência, há tensão entre o Legislativo e o Executivo, particularmente entre os presidentes Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia, tendo como eixo a reforma; há certa tensão entre a esfera política e o ministro Paulo Guedes, que não vê com bons olhos as mudanças que desidratam a Previdência; há tensão sobre a reforma tributária; há muita contrariedade entre Bolsonaro e a classe política, desta feita envolvendo a eventual nomeação do filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Nomeação esdrúxula O fato é que o presidente estica a corda para ver se ela se rompe. A nomeação do deputado Bolsonaro para a principal embaixada do país no exterior contraria todas (repetindo) todas as boas normas que regem os estatutos da diplomacia. E do bom senso. Sem experiência no trato da diplomacia, Eduardo teve destacadas pelo pai qualidades que, pasmem, estão mais para arremedo de comédia: fala inglês fluente, fala espanhol, já fritou hambúrgueres no frio do Maine, conhece o trato que os EUA concedem aos imigrantes e é amigo de um filho do presidente. É risível? É. Mas é a pura verdade. Adequado? Para piorar esse concerto de notas desafinadas, o presidente arremata com a maior seriedade: se há tantas críticas sobre meu filho, é ele mesmo o nome mais adequado. Novamente risível? É. Mas é a pura verdade. Ou Jair Bolsonaro acha que o governo é "algo para chamar de seu" ou foi levado pela corte de bajuladores ao "mundo da lua". Agenda própria O Congresso resgata suas funções. O esforço do presidente Rodrigo Maia, de fazer uma agenda própria na Câmara tem o endosso de Davi Alcolumbre para ser adotada igualmente no Senado. Será a "salvação" no momento em que o presidente Bolsonaro continua a mostrar indisposição para negociar com a classe política. Ocorre que as emendas parlamentares que libera, que se ancoram em polpudos recursos do Orçamento, mostram que a "velha política", que ele tanto vitupera, continua sendo exercida a plena força. Lava Jato sob pressão A divulgação de conversas mantidas pelo procurador Deltan Dellagnol com diversos parceiros, incluindo o ex-juiz Sérgio Moro, tem sido um golpe na operação Lava Jato, que perde o ímpeto moralizador. Dellagnol, pelo que se infere, queria juntar recursos com palestras. Vai ter de se explicar. O fato é que a esfera política espera o momento para dar mais tiros na operação. Esse é mais um ponto de tensão. Mais sístole. Reforma tributária I Vem aí um longo debate sobre a reforma tributária. Que projeto vai andar? Lembremos: A primeira proposta, a PEC 293/2004, do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, contempla a criação de dois tributos: IBS (Imposto com Operações sobre Bens e Serviços) e um imposto seletivo monofásico sobre petróleo, derivados combustíveis, lubrificantes, cigarros, energia elétrica, telecomunicações, bebidas e veículos automotores. Extingue IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, COFINS, salário-educação, ICMS, Cide-combustíveis e ISS. Incorporaria a CSLL ao IRPJ. Embora possua aspectos positivos como o creditamento amplo, eliminação de tributos cumulativos, simplificação e transparência, a tramitação da iniciativa encontra-se parada desde o ano passado na Câmara dos Deputados. Reforma tributária II Já a PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), aprovada pela CCJ na Câmara dos Deputados no dia 22 de junho, tem como texto-base o projeto elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e pelo seu diretor, o economista Bernard Appy. A ementa da proposta deixa claro que o objetivo é tão somente a "alteração do sistema tributário" através da substituição de cinco tributos (PIS/COFINS, IPI, ICMS, Pasep e ISS) por um único imposto - IBS. Reforma tributária III Quanto à terceira proposta, é patrocinada pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em combinação com o ministro Paulo Guedes. Prevê a criação de um imposto sobre movimentação financeira (IMF) para substituir alguns tributos Federais reduzindo o custo trabalhista, o que aumentaria a geração de empregos. A adoção deste modelo poderia gerar algumas vantagens como: i) redução do custo de conformidade; ii) facilidade de fiscalização e arrecadação; e iii) diminuição dos custos relativos às contribuições acessórias. II parte "Indicação de filho para embaixada é o maior erro de Bolsonaro até agora". (presidente da CCJ, senadora Simone Tebet) (O entrevero Eduardo Bolsonaro é um convite para fazermos ligeiro passeio pelo mundo da nossa diplomacia) Ou será que esses nomes não valem nada? Alexandre de Gusmão Alexandre de Gusmão (1695 - 1753), o estadista que melhor interpretou a conveniência das regras do uti possidetis (o território pertence a quem tem o controle efetivo sobre ele) e das fronteiras naturais do Brasil. José Bonifácio de Andrada José Bonifácio de Andrada e Silva (1763 - 1838), o "Patriarca da Independência" e o "Primeiro Chanceler do Brasil". Entre suas ideias centrais, encontram-se a defesa da abolição dos escravos, a integração das comunidades indígenas e africanas, a reforma do ensino e do uso da terra e a autonomia de atuação externa do país. Visconde do Rio Branco José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (1819 - 1880), "o mais brilhante diplomata do Império". Além de seu talento para a diplomacia, o Visconde foi também o presidente do Conselho de Ministros mais duradouro do período imperial. Barão do Rio Branco José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco (1845 - 1912), filho de José Maria da Silva Paranhos, acompanhou o pai em missões diplomáticas desde muito jovem. Assim, pôde desenvolver as habilidades que um dia iriam consagrá-lo como herói nacional. Antes de tornar-se o chanceler que permaneceu o maior tempo ininterrupto no comando do Itamaraty, o Barão já servira ao Brasil na Alemanha e em Liverpool, além de ter sido protagonista na resolução da Questão de Palmas, em que Brasil e Argentina disputavam o território que hoje compõe boa parte dos estados de Santa Catarina e Paraná. Rui Barbosa Rui Barbosa de Oliveira (1849 - 1923), o nome mais importante do primeiro período republicano brasileiro. Bacharel em Direito, ele atuou como jornalista, advogado, senador, ministro de Estado e diplomata, além de ter sido candidato à presidência em duas ocasiões. Foi um liberal convicto, defensor das liberdades individuais, do modelo federativo e da cidadania, segundo o modelo norte-americano, que lhe serviu de inspiração nos trabalhos de redação da Constituição Republicana de 1891. Oswaldo Aranha Oswaldo Euclides de Souza Aranha (1894 - 1960), essencial no processo de transição entre a velha República e a era Vargas, também foi fundamental na história da nossa política externa; representante brasileiro junto à recém-criada Organização das Nações Unidas, Aranha volta, em 1947, a uma posição de prestígio nas relações internacionais do Brasil. O ex-chanceler, além de participar do Conselho de Segurança, que presidiu em fevereiro, chefiou a delegação à I Sessão Extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em abril, da qual foi eleito presidente. Na Segunda Assembleia Geral da ONU, em 1947, Aranha enfrentou a complexa questão da Palestina. San Tiago Dantas Francisco Clementino de San Tiago Dantas (1911 - 1964), nome gravado no panteão diplomático brasileiro em razão de um grande feito: contribuir para a renovação e universalização da política externa nacional, até então presa ao paradigma americanista inaugurado pelo Barão, o qual não se adequava mais aos novos tempos e às novas necessidades e potencialidades do Brasil. San Tiago vislumbrou o que ficou conhecido posteriormente como Política Externa Independente, um novo conjunto de princípios de atuação diplomática responsável por ampliar e aprofundar a presença brasileira no mundo. Araújo Castro João Augusto de Araújo Castro (1919 - 1975), que desempenhou toda a sua carreira na vida pública como diplomata. Idealista em seus objetivos, mas pragmático em seus métodos, tornou-se um dos expoentes da Política Externa Independente - tradição diplomática que havia sido inaugurada por Afonso Arinos de Melo Franco, quando Jânio Quadros chega à presidência. À frente do Itamaraty a partir de 21 de agosto de 1963, Araújo Castro foi deposto do cargo após o golpe civil-militar de 1964. Em 19 de setembro de 1963, Araújo proferiu, na XVIII Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, o seu famoso discurso dos "Três D's", no qual pugnava pelo desarmamento, pelo desenvolvimento e pela descolonização. Azeredo da Silveira Antônio Francisco Azeredo da Silveira (1917 - 1990), competente e inovador o suficiente para deixar sua marca indelével na história da política externa brasileira. Enquanto chanceler durante o governo Geisel, Silveira foi responsável pela execução de uma estratégia de aprofundamento da inserção internacional brasileira que ficou conhecida como Pragmatismo Responsável e Ecumênico, que correspondeu à crescente abertura política no âmbito doméstico.
quarta-feira, 3 de julho de 2019

Porandubas nº 627

Abro a coluna com uma historinha do cozinheiro Belarmino, de Fortaleza, Ceará. Pulé roti O negro Belarmino era um cozinheiro cheio de pompa e orgulho. Trabalhava no antigo "Hotel de France", em Fortaleza. Quem o azucrinava com sua cor, ele não deixava por menos: "roupa preta é que é roupa de gala". E arrematava: "penico também é branco". Chegava um cliente, esnobava no francês: "Que tal um puassom (poisson, peixe) com petipuá (petit pois, ervilha)"? Mas nunca conseguiu entender que poulet rôti é frango assado e não simplesmente frango. Transferido para a Pensão do Bitu, reclamou ao patrão, logo no primeiro dia, ao passar diante do galinheiro: "seu Bitu, me dê a chave da despensa para eu tirar o mio, pois inté essa hora, os pulê roti estão tudo em jejum". (Historinha narrada pelo bem humorado Leonardo Mota em Sertão Alegre.) O escudo de Moro O ex-juiz Sérgio Moro continua a ganhar aplausos da sociedade. A movimentação de rua, domingo passado, é demonstração inconteste de que goza de prestígio de camadas de classe média, essas que habitam o meio da pirâmide. É visto como o xerife que manda prender gente importante. Mas Luiz Inácio é seu principal alvo. Por isso, o ministro da Justiça e da Segurança Pública começa a tomar o lugar de principal ícone da direita no Brasil. Seus admiradores são principalmente os adversários do lulopetismo. Sinuca de bico Ocorre que essas mobilizações de apoio a Moro funcionam como uma faca de dois gumes: de um lado, eleva seu prestígio na Esplanada dos Ministérios; de outro, dá coceira no capitão, que já admite ser candidato à reeleição. E, como tal, não admite que um de seus ministros venha a ser candidato ao mesmo cargo que ele novamente disputará. Por essa razão, Sérgio Moro deve conter o animus animandi de suas galeras, desmotivando insinuações e sinalizações na direção do Palácio do Planalto. Não será fácil. Fora da Esplanada A política é uma cachaça, reconhecem os velhos e os novos integrantes de sua esfera. Hoje, Moro tem mais prestígio que Bolsonaro. Se essa condição for a mesma em 2022, certamente ele a enfrentará com muito gosto. Por isso, ganha força a hipótese de Sérgio Moro apear-se da Esplanada dos Ministérios. Ou por decisão presidencial ou por vontade própria. É muito cedo para entrarmos na trilha de candidaturas. Mas a rota parece mesmo ser essa, a via que leva ao Palácio do Planalto. Eventual ingresso no STF vai depender de uma aprovação pelo Senado, que hoje não simpatiza com essa alternativa. Vamos esperar que a torrente passe por baixo de muitas pontes. Banalização A banalização de eventos em apoio ou repúdio a pessoas e situações tem um efeito: massas diminuem de tamanho. A última movimentação, de apoio ao ministro Sérgio Moro, teve menos gente que a mobilização anterior. Acordo Mercosul-UE O acordo entre a União Europeia é um empreendimento desenvolvido ao longo dos últimos 20 anos. Mas seu arremate com o fechamento das condições gerais, não se pode negar, é obra do atual governo. E o diplomata Marcos Troyo, que comanda a área de relações internacionais do Ministério da Fazenda, é peça central no esforço para se fechar o acordo. Trata-se de um dos mais preparados quadros de nossa estrutura diplomática. É ele professor da Universidade de Colúmbia (EUA). Desmatamento Um ponto de polêmica no Acordo é o que prevê a proibição de entrada de produtos que vierem de zonas desmatadas recentemente. Não ganhariam privilégios e reduções de tarifas. Cláusula: "o aumento de comércio não deve vir às custas do meio ambiente e condições trabalhistas". A política ambientalista do Brasil será uma espada sobre nossa cabeça. P.S. O desmatamento na Amazônia aumentou em junho quase 60% em comparação ao mesmo período de 2018. A floresta perdeu 762,3 km de mata nativa, contra 488,4 km de junho do ano passado. Heleno em palanque Uma surpresa por ocasião da movimentação de domingo passado: o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que mais parece um militar que age de modo silencioso, sobe ao palanque para elogiar o ministro Sérgio Moro e desancar os adversários, com foco no petismo esquerdizante. Mandou ver com uma adjetivação acima do tom. Não seria mais condizente com o cargo que exerce a permanência nas sombras do aconselhamento, uma postura mais reservada? Flechadas A nova flechada do vereador Carlos Bolsonaro atingiu em cheio o general Heleno, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Abriga a sinalização de que a sargento portador de drogas teria passado ao largo dos controles do general. Mas o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, integrante da Comissão de Anistia do governo Federal, respondeu com uma estocada: "pau-mandado de Olavo (de Carvalho). Se o pai chama os estudantes vermelhinhos de idiotas úteis, e eu concordo, para mim, o filhinho dele é idiota inútil, ou útil para os esquerdistas". E acrescentou: "pode repassar". Mourão O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, continua abrindo frentes de simpatia nas esferas políticas e empresariais. Abre a agenda para receber todos que o procuram. Suspeição sobre rede O sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues, 38, que carregava 38 kg de cocaína num avião da comitiva presidencial, preso em Sevilha, na Espanha, pode desvendar a teia de drogas que saem do Brasil para o exterior e que tem uma conexão no eixo militar. Deverá receber severa punição. O presidente Bolsonaro disse ser "uma pena" que o caso não tivesse ocorrido na Indonésia, onde o brasileiro Marco Archer foi condenado à morte por tráfico de drogas. O sargento era um sujeito pacato, segundo seus vizinhos em Brasília. Estranho Coisa para estranhar: o sargento Rodrigues já não vive no apartamento funcional há pelo menos um ano e meio. No imóvel, permanecem a ex-mulher e os filhos pequenos. Marcelo seguro? O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, está só com um pé no governo, dizem. Mas o presidente Bolsonaro garante que precisa haver uma "acusação grave" contra o ministro do Turismo para que ele tome alguma medida. Estados fora da previdência? Estados e municípios devem ficar de fora da reforma da Previdência. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, faz um último esforço para inseri-los na proposta. Mas falta acordo. O relatório final a ser apresentado na comissão especial não trata de governos regionais. É possível que por conta do Maranhão, Bahia e Pernambuco, todos os Estados deverão ficar de fora da reforma. Governadores dizem que a reforma, nos moldes atuais, não sana os problemas financeiros dos Estados. Os deputados temem incluir Estados e municípios na reforma por receio de serem condenados pelos eleitores nas eleições de 2020 e 2022. Emenda aglutinativa Técnicos avaliam que se Estados e municípios não forem incluídos na proposta ainda na comissão especial, as chances de isso acontecer no plenário da Câmara, via votação de uma emenda aglutinativa, serão remotas. Seriam necessários 308 votos para aprovar a mudança no texto principal da proposta. Alterações O relator, deputado Samuel Moreira, suavizou as regras para aposentadoria das professoras. O parecer deve permitir que elas tenham direito a se aposentar com o último salário (integralidade) e ter reajustes iguais aos da ativa (paridade) aos 57 anos. Pela primeira versão do relatório, a exigência para ter direito a esses dois pontos era de 60 anos. Outro ponto em negociação é a redução para 25 anos do tempo de contribuição exigido para que as professoras possam se aposentar. Hoje, a proposta da reforma prevê contribuição de 30 anos para professores e professoras, além da idade mínima de 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens). Terras indígenas O STF julga em 1º de agosto, na 1ª sessão na volta do recesso do Judiciário, a questão da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas. Ou seja, os ministros vão decidir se mantêm ou revogam a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu liminar e suspendeu os efeitos da MP 886 editada por Bolsonaro, que transfere da Funai para o Ministério da Agricultura a competência. Há quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizadas por PDT, PT e Rede contestando a mudança por ser uma reedição da MP 870 no mesmo ano, o que é proibido pela CF. Couro duro O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, diz que a pressão popular para manter o ex-presidente Lula na cadeia não influencia o trabalho dos ministros. "Quem vem para o STF, quem se torna ministro do STF... todos aqui têm couro suficiente para aguentar qualquer tipo de crítica e de pressão". O fato é que a voz das ruas nunca foi tão forte contra a atuação de ministros de nossa mais alta Corte. Prisão em 2ª instância O STF pode incluir na pauta do 2º semestre (ou no próximo ano, conforme sinalizou Toffoli) a questão da prisão após a 2ª instância. O placar hoje seria de 7 a 4. Contrários: ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Dias Toffoli. Do outro lado, estariam Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia. A decisão favoreceria, além de Lula, cerca de 100 mil presos, ou seja, ¼ da população carcerária, hoje de 600 mil presos. Fim do e-Social? A MP nº 881, que trata da Liberdade Econômica, inclui o fim do e-Social, sistema digital que obrigou empregadores a prestar informações referentes a seus funcionários. OIT A Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou na segunda quinzena de junho, na Suíça, a reunião para comemorar seu centenário, com lideranças dos setores laborais e empresariais. A Confederação Nacional do Emprego (WEC) alinhou propostas para colocar o setor de serviços a par das transformações que ocorrem rapidamente em todo o mundo no mercado de trabalho. Vander Morales, presidente da Fenaserhtt e do Sindeprestem, participou do encontro, ao lado do vice-presidente do sindicato Fernando Calvet, representando a WEC na América Latina. Mudanças Morales destacou a moldura de mudanças: "O mercado de trabalho está em plena transformação de modo rápido e constante. Surgem novos modelos de contratação, maneiras diferentes de realizar tarefas e conceitos inovadores sobre produtividade. A adaptação a esses novos preceitos é uma preocupação da classe empresarial no mundo todo". Reconhecimento No Brasil, as empresas de Terceirização e de Trabalho Temporário cumprem essa missão de qualificar o trabalhador, abrir espaço para o primeiro emprego dos jovens e os mais velhos, ampliando assim o leque do mercado de trabalho. A confederação mundial reconheceu os avanços brasileiros no processo regulatório, com a Lei da Terceirização, a modernização do Trabalho Temporário e com a reforma trabalhista. Mas ainda há muitos obstáculos para que a atividade se desenvolva plenamente. Um exemplo é a injusta carga tributária, acompanhada de normas anacrônicas, como a do aprendiz ou da cota para deficiente e outras regulações.
quarta-feira, 26 de junho de 2019

Porandubas nº 626

Abro a coluna com uma historinha Estado do Rio de Janeiro. Idôneo Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado: - Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo. O coronel relaxou e gritou para a galera que o ouvia: - Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo. (Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre) Rainha da Inglaterra? Bolsonaro se queixa amargamente da Câmara, agora por causa do projeto que institui o marco legal das agências reguladoras e determina que as indicações do presidente sejam confirmadas pelo Senado. "Querem me transformar em rainha da Inglaterra - que reina e não governa". O presidente da Câmara acentua que o presidente não leu o projeto, eis que "a composição e forma de proceder da Comissão (Comissão de Seleção dos nomes escolhidos pelo presidente) estarão submetidas à regulamentação pelo Executivo". Ou seja, a decisão continuará com o Executivo, a quem caberá regulamentar a Comissão. PL vira lei Ignorando o conselho de Maia, Bolsonaro sancionou, com vetos, a lei 13.848/19, que dispõe sobre a gestão, organização, processo decisório e o controle social das agências reguladoras. O trecho que determinava a elaboração de uma lista tríplice a ser escolhida pelo presidente da República e posteriormente submetida à aprovação do Senado foi vetado. Aplainar arestas O fato é que o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso vivem às turras. O mandatário não aceita que o corpo parlamentar cumpra suas funções na plenitude. Ora, a Câmara e o Senado, pelo comportamento que exercem, apenas resgatam suas constitucionais tarefas de legislar e exercer poder crítico sobre o Executivo, sem mais ficar refém do Palácio do Planalto. Por isso, aguarda-se com muita expectativa a posse do general Luiz Eduardo Ramos na Secretaria do Governo. Será o articulador-mor da administração. É considerado o melhor "Relações Públicas" das Forças Armadas. Dá-se bem até com partidos da oposição. O momento é de aparar arestas, que puxam nuvens pesadas entre o Palácio do Planalto e as cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional. Estilo Bolsonaro Até quando assistiremos a queda de braço entre Bolsonaro e a esfera política? O presidente coleciona derrotas em série na Câmara. Os deputados tendem a seguir a cartilha do presidente da Casa, Rodrigo Maia. Este e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, farão uma agenda congressual de reformas, a partir da Previdência e da Tributária. O problema reside na insistência do presidente Bolsonaro de não querer aceitar decisões das casas congressuais contra seus decretos. Governar para as bases Bolsonaro continua se expressando para suas bases de apoiadores. Insiste em manter acesa a chama da campanha. As redes sociais se dividem em aplausos e apupos. O apartheid social da era petista está se expandindo. A divisão "Nós e Eles" esquenta o vocabulário das redes. A família Bolsonaro é responsável em parte pela bílis que escorre pelas veias sociais. O guru Olavo de Carvalho, um pouco mais recolhido, não desiste de fustigar adversários com expressões de baixo calão. Economia se apagando A vela da economia, que parecia bem acesa há três meses, está se apagando. As expectativas se arrefecem. O crescimento do PIB para a casa de 1% ou menos. Fala-se em continuidade do processo recessivo. Mas as esperanças de que a reforma da Previdência seja aprovada mantêm o ânimo dos setores produtivos. O desemprego não dá sinais de refluxo. O Bolsa Família ainda consegue segurar o Brasil Profundo. Não fosse isso, as margens já estariam desengatando seus carros da locomotiva Bolsonaro. Cassado ou preso O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi curto e grosso sobre as gravações atribuídas a Sérgio Moro: "ultrapassou o limite ético". E concluiu: "Em sendo verdade, são muito graves. Se fosse um deputado ou um senador (no lugar de Moro), ele já estava cassado, preso e nem precisava provar se tinha hacker ou não". Com muita sede ao pote Falar do pleito de 2022 só mesmo se houver algo muito forte para revelar. Temos três anos e meio pela frente. Mas a conversa sobre o pleito começa a ser aberta pelo presidente Jair, que anunciou ser candidato à reeleição. E que lembrou que João Doria é também candidato. Os anúncios são extemporâneos. Falta muito tempo. E bastante água correrá por baixo de pontes e viadutos. Doria tem dito que não concorrerá à reeleição. Sobra, no caso, uma candidatura presidencial ou ao Senado. O feitio dele, a índole, está para o Executivo, não para o Legislativo. João é aplicado. Mas comete erro quando sinaliza candidatura presidencial. Não diz abertamente, mas os sinais se escancararam. E Lula? Luiz Inácio não deverá ser candidato, eis que recuperará sua condição de cidadania política apenas em 2028. Mas será um grande eleitor. Se o Brasil for bem sob a administração Bolsonaro, o petismo e oposições não terão vez. A recíproca é verdadeira. Lula correrá o país com suas caravanas. Ou se recolhe de uma vez por todas ao limbo político. P.S. O PT é ainda um partido muito organizado. E que, segundo se comenta, tem muita grana para jogar no roçado da política. Bolsonaro irá até o fim? Bolsonaro chegará ao final do governo? A pergunta se insere no contexto de divergências profundas com o Parlamento. Collor e Dilma viraram as costas para o Congresso. Foram derrubados. Com Bolsonaro, há uma diferença: ele atiça, fomenta a rivalidade. E se essa desavença prosperar, um processo de rompimento se instala. Com prejuízos institucionais. Pergunta que se ouve por todos os lados: e esse general Mourão? Está se saindo melhor que o figurino. Flexível, cordato, bem-humorado, conversador, atende bem quem o procura (políticos, empresários e jornalistas) e a farda pouco pesa em sua imagem. Mourão surpreende. Não é à toa que o entorno do presidente Bolsonaro não o vê com bons olhos. Bolsonaro no TSE O Tribunal Superior Eleitoral, após o recesso, julgará duas ações contra a chapa Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Tratam de abusos que teriam desequilibrado a disputa em 2018. Uma das ações trata da entrevista que Bolsonaro deu à Rede Record no mesmo horário de um debate entre os candidatos. Bolsonaro alegou razões médicas para não comparecer ao debate. Recuperava-se da facada. A Record teria dado "tratamento privilegiado" ao candidato em sua plataforma. Mas é difícil acreditar no acolhimento da denúncia. O Ministério Público Eleitoral se manifestou pela improcedência da ação. O imponderável versus BO+BA+CO+CA Temos de lembrar que o Senhor Imponderável dos Anjos sempre costuma nos visitar. Às vezes, veste-se de demônio. E faz das suas. Que não apareça tão cedo para não atrapalhar a vida do presidente Jair Messias. Ele precisa dos cobertores das reformas para dormir em paz. Caso contrário, o caos prosperará. Mas se tudo ocorrer como manda o bom figurino, o presidente poderá escrever com perfeição a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Bolso cheio (geladeira cheia), Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governo. Zema caindo na real O governador mineiro, Romeu Zema, do partido Novo, tinha intenção de inaugurar nova maneira de administrar o Estado. Com mínima interferência dos políticos. Caiu a ficha. Sem aprovar matérias de interesse do Executivo, o governo não andará. Começa a ceder aos políticos. Governar com a política O fato é: não se governa neste país sem o apoio da política e de seus agentes. Corrida de Jesus x Parada gay Retrato do Brasil. Marcha para Jesus. Falam em um milhão de pessoas. Pela primeira vez um presidente e sua esposa compareceram ao evento. Bolsonaro, em cima de um palanque, simulou executar alguém caído. Uma imagem nada cristã. O evento chegou ao Brasil em 1993 por iniciativa do Apóstolo Estevam Hernandes, líder da Igreja Renascer em Cristo. Naquele ano, os fiéis saíram da avenida Paulista, cruzaram a avenida Brigadeiro Luís Antônio e chegaram ao Vale do Anhangabaú para a grande concentração. Mais de 200 mil pessoas participaram da manifestação. Parada do orgulho LGBT. Falam em três milhões de pessoas. O evento acontece desde 1997 na avenida Paulista, em SP. Na época, reuniu cerca de duas mil pessoas. Maneira de dizer Fecho a coluna com uma historinha árabe. Um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse o sonho. - Que desgraça, senhor, exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade. - Mentiroso, gritou o sultão enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui. Chamado outro adivinho, este falou: - Excelso senhor. Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes! Iluminou-se a fisionomia do sultão e mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. Quando saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse: - Afinal, a interpretação que fizeste do sonho foi a mesma do teu colega... - Lembra-te, meu amigo, tornou o adivinho, que tudo depende da maneira de dizer.  
quarta-feira, 19 de junho de 2019

Porandubas nº 625

Abro a Coluna com um "causo" de Macaíba/RN. 5 minutos de silêncio O pedido do minuto de silêncio faz parte da liturgia do poder. Surfam nessa onda políticos de todos os espectros. Até vereador faz uso do momento. Este caso ocorreu na Vila São José, bairro de Macaíba/RN. O ex-vereador e candidato Moacir Gomes inicia a oração rogando aos assistentes do comício um minuto de silêncio pelo falecimento de um morador. Seu assessor e cabo eleitoral, ao lado, pensando no tamanho da família do falecido, sopra no ouvido de Moacir: - Um minuto é pouco. Peça cinco. Tem muito voto lá! (Historinha de Valério Mesquita) A demissão de Levy Joaquim Levy foi surpreendido com a observação de Bolsonaro: "já estou com ele por aqui. Falei para ele: Demita esse cara na segunda-feira ou demito você sem passar pelo Paulo Guedes". Com esta mal educada declaração, o presidente acabou dispensando a colaboração de um grande técnico. Levy estava num casamento na região serrana do RJ, de difícil comunicação. Voltou ao Rio e, no domingo, escreveu a carta de demissão combinada com Paulo Guedes. Ex-ministro de Dilma, tinha dificuldade em abrir "a caixa preta" do BNDES, mais exatamente, os recursos do banco destinados a governos amigos do PT, em Cuba, na Venezuela e na África. De crise em crise Na verdade, o Joaquim Levy, sabedor das promessas de campanha de Bolsonaro, dentre elas a abertura da "caixa preta do BNDES", não deveria ter aceitado o convite para presidir o banco. Só aceitou por insistência de Guedes. O fato é que foi humilhado publicamente pelo presidente, que não mede palavras e gestos. Guedes, por sua vez, fez coro a Bolsonaro, endossando críticas. O que pode acontecer? Mais dificuldades em acessar nomes respeitáveis do mercado e convidá-los para integrar o governo. O fato é que as crises na administração bolsonariana estão se sucedendo. E pelo andar da carruagem, veremos mais algumas. O comportamento mercurial do presidente sugere tensões permanentes. General Ramos O general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, um dos maiores amigos de Bolsonaro nas Forças Armadas, foi direto: "soldado não escolhe missão; ele cumpre". E assim deixa o maior comando militar do país, o do Sudeste, para integrar o governo. Um general quatro estrelas da ativa. Poderoso. Ministro da Secretaria de Governo, que, entre outras coisas, será responsável pela articulação política. Vai dividir tarefas com Onyx Lorenzoni. Há muita curiosidade em saber como o general desempenhará seu papel. Criará ciúmes? Terá palavra mais forte do que a do general Heleno? P. S. A demissão do general Santos Cruz deixou o Congresso de boca aberta. Mas ante a força do perfil do substituto, qualquer reação negativa - se houve - foi logo abafada. Moro sob controle O ministro Sérgio Moro está sob total controle do presidente Jair. Mais concretamente: se tinha alguma pretensão em entrar na liça presidencial de 2022, arrefeceu o ânimo. O affaire do vazamento de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol o torna prisioneiro das circunstâncias. Bolsonaro vai segurá-lo, sendo bem provável sua nomeação para o STF no lugar de Celso de Mello em novembro do próximo ano. (Mas o Senado o aprovaria? Hoje, ao que se comenta, não). Ícone das massas A única condição para deixá-lo com o manto de presidenciável seria uma saída do governo, situação que pode se agravar com a divulgação de conversas comprometedoras. Moro, porém, ainda é o ícone das massas. Por essa razão, nada se descarta da planilha de hipóteses sobre seus caminhos e curvas. Pode, sim, vir a ser candidato a presidente, até enfrentando Bolsonaro. Fakes e versões Lorotas? Hacker russo, bilionário russo, pagamento em bitcoins; Gleen Greenwald, articulador das manobras hackeado; disseminação de hashtags, compra do mandato de Jean Wyllys para renunciar e dar lugar ao deputado David Miranda (PSOL) e daí por diante - quanta massa disforme. O russo da história seria Pavel Durov, 35 anos, criador do Telegram, que só se veste de preto e muda de casa com frequência com temor do manda-chuvas do Kremlin. Mais inputs: ao lado do irmão Nikolai, ele desenvolveu a plataforma para poderem conversar sem risco de serem espionados pelo governo de seu país. A ideia surgiu quando ainda eram donos da maior rede social da Rússia, a Vkontakte (VK), criada em 2006. P. S. Um alerta sobre estas informações. Juro dizer a verdade I "Juro dizer a verdade, nada mais que a verdade. O Brasil é a terra da ética, do respeito aos valores morais que dignificam o homem e do cumprimento exemplar das leis. O caráter de seu povo é reto e imaculado, fruto de uma herança cultural profundamente alicerçada no civismo, na solidariedade, no culto às tradições, na religiosidade, no respeito aos mais velhos, no carinho e proteção às crianças e na repartição justa dos bens produzidos. Neste país, atingir a honra de um cidadão equivale a ferir a alma da pátria. Aqui, preserva-se e cumpre-se o abençoado lema "todos por um e um por todos"." Juro dizer a verdade II "Os nossos políticos são exemplo de civilidade, magnanimidade, correção e desinteresse pessoal. Graças a eles, o sistema federativo vive em harmonia e equilíbrio. Os recursos se distribuem igualitariamente, provendo as necessidades fundamentais da população, dentro de um rigoroso plano de prioridades. Os potenciais das regiões se somam e a racionalidade administrativa gera bolsões de riquezas, que se repartem pelas populações. O excedente é exportado e acarreta bilhões de divisas que, da mesma forma, são distribuídos pelas regiões exportadoras." Cuidado Cuidado, muito cuidado, com fraudes, versões e invencionices. Sob as asas de um tal pavão misterioso. Tempos de pós-mentiras. Diálogos? Afinal, os diálogos vazados entre Moro e Dallagnol foram editados, pinçados fora do contexto, ou são verdadeiros? O papel do Congresso Ante a escalada de "falas estabanadas" do presidente, demissões em série de ministros e desencontros na frente da articulação política, emerge o papel da Câmara e do Senado na construção de uma agenda própria, sem interferência do Executivo. Por isso, a Bolsa e o dólar estão praticamente no patamar da estabilidade. O mercado passou a acreditar na aprovação da reforma da Previdência, mesmo com os gols contra que o Executivo comete. Estrela ascendente Estrela ascendente no governo é o secretário Rogério Marinho, que toca a reforma da Previdência e o setor do Trabalho. Tem ótima articulação com os congressistas. Foi um deputado muito admirado pelos pares. Relator da reforma trabalhista, conhece bem o espírito parlamentar. Economia devagar A recuperação da economia caminha a passos de tartaruga. Até o momento o governo tateia na escuridão. Tem como foco a aprovação da reforma da Previdência. As medidas de estímulo ao consumo praticamente inexistem. Os programas sociais, como o Bolsa Família, ainda sustentam o humor das margens. A baixa inflação garante certa harmonia. Mas dinheiro no bolso continua escasso. Mais um tempinho sem folga de recursos e a paciência começa a esgotar. Odebrecht Quem diria, hein? O ex-portentoso conglomerado empresarial Odebrecht abre o maior processo de recuperação judicial da história brasileira. Na lista de credores, mais de 188 escritórios de advocacia. As dívidas somam cerca de R$ 83 bilhões. P.S. A recuperação da Oi, em 2016, exibia o débito de R$ 64 bilhões. Gasparetto Renato Gasparetto, experimentado executivo de comunicação e relações institucionais, com passagem por grandes grupos, deixa a Gerdau para assumir a vice-presidência de Relações Institucionais da Vivo/Telefônica. Gasparetto tem um histórico de peso na história da comunicação organizacional no país. Montezano Gustavo Montezano, engenheiro com mestrado em finanças, 38 anos, é o novo presidente do BNDES. Era o número dois da Secretaria Especial de Desestatização e Desinvestimento comandada pelo empresário Salim Mattar. E assim o processo de privatização será acelerado. O pai de Gustavo já trabalhou com Guedes. O mercado ganha mais um perfil qualificado na estrutura governamental. PT vai à china O governador do Piauí, o petista Wellington Dias, age como pragmático. Deixa de lado os xingamentos que acendem o discurso petista e decide ir à China por ocasião do evento em que o presidente Bolsonaro tentará atrair investidores, entre 5 e 9/8. Faz bem Wellington Dias ao não dar ouvidos à verborragia irada do petismo. Armar o povo No Rio Grande do Sul, Bolsonaro voltou a explicar a razão porque deseja ver a população armada: "para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta". Ou seja, sugestão para o povo armado combater os golpes. Como essa indicação entra no cenário do golpe de 1964? Ou não teria havido golpe? Os governantes da época não assumiram o poder de forma absoluta? II parte A arte da política - Maomé levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. E que, do cume, faria preces a favor dos observantes da sua lei. O povo reuniu-se; Maomé chamou pela montanha, várias vezes; e como a montanha ficasse quieta, não se deu por vencido, e disse: "Se a montanha não quer vir ter com Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Assim esses homens que prometeram grandes prodígios e falharam sem vergonha (porque nisso está a perfeição da audácia), passam por cima de tudo, dão meia-volta, e realizam o seu feito. (Ensaios - Fancis Bacon) Teoria do herói - Mais ou menos em toda parte, o herói reina e prospera. Como para confirmar as teses dos pensadores políticos, que lhe abrem alas desde a Antiguidade. Xenofonte já fazia a apologia do chefe e o elogio do herói. Daquele que impõe o respeito. Por sua ascendência. Por sua superioridade, perceptível até para o comum dos mortais. Em A Política, Aristóteles reconhece a situação excepcional do gênio. Para certo indivíduo supereminente que se impõe sem contestações como senhor absoluto. Como um "deus entre os homens". O ditador - Em seus Discursos sobre Tito Lívio, Maquiavel também admite o homem excepcional levado por circunstâncias excepcionais. É o "Legislador" - ou "Fundador" - o homem só, que estabelece um regime. Como Licurgo ou Solon. É o "ditador", investido, como em Roma, de uma magistratura legal e temporária. Quando o Estado deve "defender-se contra acontecimentos extraordinários". Rousseau acompanha bem de perto Maquiavel. Também ele tolera o "homem extraordinário" em dois casos excepcionais: o "Legislador" para fundar o Estado e lhe fornecer suas leis, o "Ditador" para garantir sua sobrevivência. (O Estado-Espetáculo - Roger-Gérard Scwartzenberg)  
quarta-feira, 12 de junho de 2019

Porandubas nº 624

Abro a coluna com uma historinha mineira sobre o burro. Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada: - Esta estrada vai até onde? - Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras. - Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição? - Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando. - E quando não tem burro? - Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo. O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia. Vazamentos A prática de vazamentos chegou nos roçados do hoje ministro Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol. A operação Lava Jato é objeto de mais um episódio com cheiro de escândalo: as conversas entre o então juiz Moro e o procurador, com o primeiro orientando a conduta do segundo, coisa proibida tanto pelas normas do Judiciário quanto pelo código do Ministério Público. De onde teriam partido os vazamentos? Alas em querela das corporações envolvidas na operação do Direito? CPP O Código do Processo Penal, em seu artigo 254, diz que o juiz deve declarar-se suspeito ou pode ser recusado pelos envolvidos no processo "se tiver aconselhado qualquer das partes" - defesa ou acusação. Mais adiante, o artigo 564 do CPP aponta os casos em que ocorrerá a nulidade, entre eles "por incompetência, suspeição ou suborno do juiz". Os especialistas pontuam: "Juiz não pode investigar, não pode orientar os órgãos de acusação em suas iniciativas de apuração e não pode discutir estratégia de investigação com o MP". Anormalidade A observação de juristas é a de que o vazamento não demonstra inocência de Lula, objeto da conversa, mas sinaliza anormalidade na conduta dos dois protagonistas da Lava Jato, o juiz e o procurador. Luiz Inácio volta ao centro da cena, desta vez sob a sombra de suspeição do acusador e do julgador. O PT retoma o discurso da vítima perseguida, da parcialidade e injustiça no julgamento. O caso reabre a discussão da condenação de Lula nas três instâncias. É possível que o STF receba denúncia e paute o tema. The Intercept O vazamento bateu no site "The Intercept", fundado pelo jornalista norte-americano Glenn Greenwald, também conhecido por ter ajudado o ex-analista de sistemas Edward Snowden a revelar informações secretas da Agência de Segurança Nacional dos EUA. O exército bolsonariano vai explorar a união entre Glenn e o deputado do PSOL, David Miranda, que assumiu com a renúncia de Jean Wyllys. Não vai colar. Não é com discriminação que Moro e Dallagnol serão protegidos. Agenda do Executivo O affaire abre mais polêmica sobre a Lava Jato, com a esfera política atacando a operação. O fato é que nesse momento em que se debate a reforma da Previdência o anúncio da "combinação" entre Moro e Dallagnol gera forte impacto e atrapalha a agenda do Executivo. Nada de mais O ministro Moro não enxerga ilicitude na conversa. Para ele, não há nada de mais, não há "nenhuma orientação naquelas mensagens". Mas o conteúdo se confirma. A frente política vai querer ir fundo na tentativa de descobrir erro ou falta de ética na conduta dos dois interlocutores. Com a suspeição sobre suas costas, o ministro da Justiça Moro perde prestígio junto ao corpo parlamentar. Seu pacote anticrime tende a não avançar. Moro desce do pedestal onde se encontra. No ar, o apelo para sua saída do governo. Alternativas de Moro O desenrolar das apurações ditará a trajetória do ministro Moro, abrindo uma das alternativas: a) comprovação de atitudes antiéticas e consequente saída do Ministério; b) comprovação de comportamento antiético, mas permanência no Ministério sob "confiança irrestrita do presidente Bolsonaro"; c) comprovação de que não houve ilícito e arquivamento do caso e d) anulação das decisões do juiz pelo STF, caso a Corte acolha a denúncia e paute o tema. Seja qual for o desfecho, a imagem de Sérgio Moro estará arranhada. A chance de ser nomeado mais adiante para ocupar o lugar de Celso de Mello no STF perde força. Mas a tendência de que poderá habitar o planeta político em 2020 é viável. Não se deve esquecer que o ex-juiz já entrou no sistema cognitivo nacional. Bater nele significa torná-lo vítima sob a hipótese de ganhar mais relevo. E Bolsonaro, hein? Há quem aposte na ideia de que, no íntimo, o presidente Bolsonaro vibra de satisfação. Mancha sobre a imagem do até então "ícone da moral" o afastaria do páreo presidencial de 2020, deixando Bolsonaro mais à vontade. Há muito chão pela frente. Moro pode se recuperar e ganhar seu vetor de força. Se não for nomeado para o Supremo, pode, sim, vir a ser potencial candidato contra o próprio Bolsonaro. Rixa nas redes Nas redes sociais, veremos o exército de admiradores de Sérgio Moro fazendo contundente defesa de sua atuação, enquanto o exército de opositores, sob o comando do PT, trombeteará sua parcialidade e comportamento vexatório na primeira instância de Curitiba. Alternativas do procurador Quanto ao procurador, as alternativas que se apresentam são: a) apuração de sua conduta pelo Ministério Público Federal; b) afastamento do procurador da operação Lava Jato, caso seja punido. No caso de absolvição, tanto o juiz quanto o procurador se respaldarão no argumento de que as interlocuções mantidas - mesmo verdadeiras - não apontam para combinações. Ademais, frases teriam sido apartadas de seu contexto. OAB pede afastamento O Conselho Federal da OAB pede que Moro e Dallagnol se afastem de seus atuais cargos. A exaltação de Lula O maior ganho de todo o imbróglio será de Lula, cuja condição de vítima de injustiças e perseguição por parte de Moro e dos procuradores de Curitiba será propagada pelas trombetas do PT. Com a vitimização de Lula tomando os espaços da expressão petista, não se descarta a mobilização da galera das ruas. O comandante petista veria reforçada a pressão por sua liberdade. Se não for condenado em segunda instância no caso do sítio de Atibaia até setembro deste ano, ganha o direito de prisão em regime semi-aberto ou domiciliar. O PT se motiva a recomeçar a algazarra das ruas. O vazamento nos jornais O Manchetômetro, site de acompanhamento da grande mídia sobre temas de economia e política, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisou a cobertura dos três maiores jornais brasileiros na segunda e terça-feira sobre o vazamento das conversas na Lava Jato. Conduzido pelos professores Eduardo Barbarela e João Feres Junior, o estudo mostrou que a Folha de S. Paulo foi o que mais abriu espaço para o escândalo, com 33 textos: 9 críticos à Intercept, 14 críticos a Moro e 14 neutros/ambivalentes. O Estado de S. Paulo foi o mais econômico, com onze textos: três de críticas à Intercept, três críticos a Moro e cinco neutros/ambivalentes. O Globo ficou no meio, com 21 matérias: seis criticam a Intercept, dois criticam Moro e 13 são neutros/ambivalentes. Sem base O tempo corre. Já estamos quase em meados do sexto mês e o governo ainda não dispõe de uma base sólida de apoio parlamentar. O próprio líder do governo na Câmara, major Victor Hugo, reconhece que o governo poderá desistir dessa base. Teria condições de tocar sua agenda de reformas sem contar com o necessário apoio de uma grande bancada de deputados e senadores? Difícil. Para tanto, o presidente deverá insuflar sua base de simpatizantes, que fará pressão sobre o Congresso. Tarefa desafiadora e perigosa. Laércio no top Estrela ascendente no Congresso é o deputado Laércio Oliveira, empresário, presidente da Federação do Comércio de Sergipe, relator do projeto de Terceirização e um dos mais articulados parlamentares. Acaba de ingressar, mais uma vez, no prestigiado ranking da Assessoria Parlamentar (DIAP) como um dos 100 deputados mais influentes no Congresso. Previdência Este consultor não tem dúvidas: a reforma da Previdência será aprovada. Pode haver atraso na aprovação, na esteira do vaivém congressual, que escancara a desorganização do sistema de articulação do governo. Ao final, porém, veremos o bom senso prevalecer. O mercado começa a aceitar tal hipótese. O Brasil será inviável sem reforma da Previdência. E mais: veremos também ainda este ano boa fatia da reforma tributária ser aprovada. A conferir. Dupla de pilotos Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se dão as mãos pelo avanço do país. Fizeram um pacto com o fito de levar adiante o programa reformista, sem ficar aguardando os passos de caranguejo do governo. Agirão como os dois grandes pilotos das reformas. II parte Teoria e prática da política Canibalização Entende-se por canibalização o esmaecimento de um perfil de baixa visibilidade perante outros, de alta visibilidade. Canibalizar - comer, devorar, superpor, ultrapassar, esmaecer. Esse é um princípio consagrado da comunicação. O mais forte massacra o menor. O sistema cognitivo das massas acaba substituindo nomes e perfis menos visíveis por nomes e perfis mais visíveis. O discurso político Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político, uma composição entre semântica e estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. E vejam só: das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. O que não se diz, mas se vê, tem muito maior importância. Atenção para a cultura do país Na campanha presidencial da Argentina de 1999, uma peça produzida por um marqueteiro brasileiro mostrava o candidato governista, Eduardo Duhalde, cabisbaixo, e um locutor dizendo: "Você acha justo o que estão fazendo com ele"? Para a machista sociedade argentina, um candidato que se apresenta como perdedor é o retrato de uma tragédia. A peça provocou a ira implacável da mulher do candidato, Hilda. A cultura argentina não cultiva tanto a emoção quanto a brasileira. O trabalho, considerado desastroso, provocou a queda de Duhalde nas pesquisas. Foram torrados US$ 25 milhões em dois meses. A cor vermelha (curiosidade) Fatores visuais empregados, bandeiras e estandartes, são frequentemente de cor vermelha nos movimentos de caráter revolucionário. Isso se explica pela ação fisiológica excitante dessa cor que atua mesmo sobre certos animais, os touros, por exemplo. De Felice cita um caso ocorrido em uma fábrica de produtos fotográficos, onde os operários que trabalhavam constantemente com luz vermelha eram excitados, facilmente irritadiços; mudou-se a luz para verde e a irritação desapareceu. É também possível que "a visão do sangue seja evocada em alguns pela cor vermelha intensa e desperte neles impulsos bestiais que a censura social tinha recalcado e que os predispõem a entregar-se a atos de violência". (Thackhotine em Mistificação das Massas pela Propaganda Política) A rede de Cícero O estadista romano Cícero era da nobreza inferior e tinha poucas chances de poder, a não ser que conseguisse abrir espaço entre os aristocratas que controlavam a cidade. Ele fez isso com brilhantismo, identificando todas as pessoas influentes e descobrindo as conexões entre elas. Ele se misturava por toda parte, conhecia todo mundo, e tinha uma rede de conexões tão vasta que um inimigo aqui poderia facilmente ser contrabalançado por um aliado ali.  
quarta-feira, 5 de junho de 2019

Porandubas nº 623

Abro a coluna com Arandu, cidade do Estado de São Paulo, que começou sua história como pequeno povoado no bairro do Barreiro, no município de Avaré. Emprego pro plural Em 1898, um pedaço de uma fazenda leiteira da região foi doado para a construção de uma capela. Elevado a distrito de Avaré/SP, em 1944, Arandu ganhou a atual denominação. Em 1964, conquistou a emancipação política. No primeiro comício, os candidatos a prefeito exibiam seus verbos. Dentre eles, o simplório José Ferezin. Subiu ao palanque e mandou brasa: - "Povo de Arandu, vô botá água encanada, asfaltá as rua, iluminá as praça, dá mantimento nas escola...". Ao lado, um assessor cochichou: - "Zé, emprega o plural". O palanqueiro emendou na lata: - "Vô dá emprego pro prural, pro pai do prural e pra mãe do prural, pois no meu governo não terá desemprego". (Historinha enviada por Marcio Assis) Escolha pelo credo O Supremo Tribunal Federal é nossa mais alta Corte Judiciária. Deve ser ocupada por nomes de grande relevo, juízes com renomada sabedoria, conhecimento do Direito, conduta ilibada, sentido de imparcialidade/independência, entre outros atributos. Ser escolhido para integrar essa Corte por ser evangélico, sob o argumento de que a pauta que ali se julga fere interesses de credos e religiões, é desconsiderar a grandeza dos que ali trabalham e, ainda, nivelar por baixo a Casa que interpreta a Constituição. A meritocracia, que deve inspirar as escolhas, é desprezada. Um evangélico para o STF Ao chamar a atenção, em mais de uma oportunidade, para a nomeação de um evangélico para o Supremo, o presidente Jair Bolsonaro exibe por inteiro a índole de um governante que não se deu conta da liturgia do cargo, da expressão equilibrada que deve guiar as falas presidenciais e, ainda, a crítica que dispara contra o atual corpo da Casa. Bolsonaro quer um evangélico para cobrar seu voto sobre a pauta da homofobia e outros temas de fundo conservador. É uma visão muito capenga para quem exerce o cargo mais alto da Nação. O Estado laico Mais: ao sugerir que falta um evangélico no STF, o presidente da República insere o credo religioso no rol de virtudes que devem balizar o comportamento de magistrados. Ora, o Estado é laico. As coisas da Igreja não devem se misturar às coisas do Estado. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus. É evidente que um evangélico pode fazer parte de qualquer instituição, incluindo a presidência de um país. Mas essa condição não pode e não deve se impor a outros valores. A sapiência do magistrado, sua honradez, sua moral, estão acima de qualquer outra virtude. Voo curto Os governos do Brasil, faz tempo, têm administrado o território à base das circunstâncias e dos momentos. Economia capengando, busca-se o remédio apropriado para vitalizá-la; bolso vazio, procura-se usar fontes de recursos, jogando dinheiro para suprir as demandas mais elementares das populações - alimento, transporte, vestiário, mobilidade, saúde, educação, etc. É o que se está vendo, por exemplo, nesse uso prometido do FGTS e do PIS/PASEP para alavancar o consumo e reanimar a economia. Esses fundos, isolados, dariam apenas um sobrefôlego passageiro aos consumidores. Para usar a imagem da galinha: o voo seria curto. Alguns metros. Outras medidas se fazem essenciais. Projeto para o país Os governos têm pecado em não produzir planos de longo prazo. O governo JK tinha um plano quinquenal. E propagou o lema: 50 anos em 5. Depois de JK, os projetos de longo alcance não apareceram. Jânio nem chegou a pensar no tema. Renunciou. Jango governou de maneira casuística. Os anos de ditadura tentaram criar uma doutrina desenvolvimentista, com ênfase nas telecomunicações, setores químico/petroquímico, energia etc. O Brasil ganhou sua infraestrutura. Já o governo Sarney foi um ciclo experimentalista na área da moeda. Collor apareceu com ímpeto para a abertura comercial. Mas a era tucana FHC e o período petista viram planos pontuais. Pacto dos poderes? Sob essa realidade - o Brasil governado ponto a ponto, com remédios aplicados às intempéries dos momentos -, chegamos aos nossos dias. E nos defrontamos com esse pacote mal embrulhado de Pacto do Brasil, envolvendo os Três Poderes. Trata-se de improviso para tampar as feridas que hoje escancaram as relações tempestuosas entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O que é isso? Pacto como compromisso de cada ente ajudar a tirar o país do buraco? O que a mais alta Corte, o STF, pode oferecer, se ali batem os enfrentamentos entre Executivo e Legislativo, tendo também funções de poder moderador? Por falta de um planejamento de longo prazo, o Executivo chama o Legislativo para formar o Pacto. Oferecendo o que? O Legislativo, por seu lado, não vai endossar as pautas provindas do Executivo. Então, como se assegura esse Pacto? Ouvimos um discurso etéreo feito dentro de um castelo de areia. Hobbes A máxima de Hobbes: "Os pactos sem a espada não passam de palavras". Pactos pela governabilidade sem o apoio de partidos não passam de intenções. Nova CNH O presidente Bolsonaro enviou à Câmara projeto de lei que altera pontos no Código de Trânsito. Dobra o número de pontos para a suspensão da CNH de 20 para 40. E duplica a validade do documento, passando para dez anos. "Enquanto estamos num Seminário sobre Reforma da Previdência, o presidente vem à Câmara apresentar PL que trata de aumentar pontos na carteira de maus motoristas", queixou-se Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial da reforma da Previdência. A organicidade social A organicidade no Brasil é um fenômeno que merece ser estudado. Nos últimos anos, criou-se uma miríade de organizações - associações, núcleos, movimentos de gêneros, etnias, raças - que se somaram a sindicatos, federações, confederações, etc. E assim as categorias profissionais viram, ao seu lado, o aparecimento de outras alavancas de movimentação social. Essa moldura de organização passou a ser, então, povoada por novos polos de poder. Um grande movimento Esses polos de poder, por sua vez, passam a ser prestigiados pela sociedade, que se mostra indignada e descrente da representação política. Essa é a nova feição da sociedade brasileira, que, mais cedo ou mais tarde, tende a agrupar setores e movimentos em torno de uma poderosíssima entidade, que será a locomotiva a puxar os carros do trem. Cada carro cheio de turmas, grupos e formações profissionais. Nova governança Os entes federativos perderam força e fôlego para suportar as intempéries que têm caído no território. Daí buscarem uma modelagem de governança, que inclui, por exemplo, os consórcios. Trata-se de uma maneira de expandirem força e capacidade de articulação junto aos Poderes, a partir de pressão sobre o Executivo. A parceria ocupa lugar central na gestão pública. Consórcios Estão criados os seguintes consórcios - Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central: Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins. Consórcio Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Consórcio Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e Consórcio de Integração Sul Sudeste: Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. II parte Ciência política A democracia A democracia surge em Atenas por volta de 510 a. C. através de Clístenes, o "Pai da Democracia", que liderou uma revolta contra o último tirano grego, Hípias, que governou entre 527 a.C. e 510 a.C. Atenas foi dividida em 10 unidades denominadas chamadas "demos", que era o elemento principal dessa reforma e, por esse motivo, o novo regime passou a se chamar "demokratia". A cidade possuía uma democracia direta, onde todos os cidadãos atenienses participavam diretamente das questões políticas da polis. O ostracismo Clístenes iniciou reformas de ordem política e social que resultariam na consolidação da democracia ateniense. Como forma de garantir o processo democrático na cidade, adotou o "ostracismo". Explicando: quando os cidadãos fizessem ameaças ao regime democrático sofreriam um exílio de 10 anos, o que impediu a proliferação de tiranos no governo grego. A pior gestão Carlos Matus, cientista político chileno, ensina: "A pior gestão política é aquela que consome o capital político do governante sem alcançar os resultados anunciados e perseguidos, e isso pode ocorrer por um mau manejo técnico. A pior gestão técnica ocorre porque não se medem os custos políticos. Além de certos limites, o desgaste do vetor de força do ator acaba com a possibilidade de completar o projeto técnico. O plano fica na metade do caminho. Nesse momento, o ator deve retroceder depois de ter consumido, inabilmente, o capital político que dava apoio ao projeto técnico". Três barbáries Não alcança o objetivo técnico e perde sua força política. Esses erros infantis cometidos por adultos têm três causas: a) a barbárie política; b) a barbárie tecnocrática; e c) a barbárie gerencial. A barbárie política, típica do populismo vulgar, consiste em desprezar a eficácia política e ignorar os problemas econômicos e gerenciais para dar benefícios econômicos e favores políticos imediatos, e que amanhã criarão uma crise política por esgotamento da base econômica e organizacional da gestão política. A barbárie tecnocrática, própria da incultura das especialidades, consiste em ignorar a eficácia econômica ou a eficácia tecnogerencial, ignorar o problema político e incorrer hoje em custos políticos que amanhã levarão a uma crise econômica por esgotamento da base política da gestão econômica. A barbárie gerencial, associada aos dois vícios anteriores, consiste em ignorar a eficiência e a eficácia organizacional como elementos complementares básicos do manejo político e econômico.  
quarta-feira, 29 de maio de 2019

Porandubas nº 622

Abro a coluna com um "causo" de Minas Gerais. Pleonasmo Político esperto e simplório, Benedito Valadares era governador de Minas Gerais quando encontrou na ante-sala de Getúlio Vargas, no Rio, o ministro da Educação, Gustavo Capanema, que estranhou seus óculos escuros. - É uma conjuntivite nos olhos - explicou Valadares. - Benedito, isso é um pleonasmo! - reagiu o ministro, professoral. Valadares ignorou a observação e entrou para falar com Vargas. O presidente também estranhou os óculos escuros. Ele reagiu: - Presidente, o médico lá em Minas disse que era uma conjuntivite nos olhos, mas o Capanema, que quer ser mais sabido que os médicos, me disse que é um pleonasmo! Getúlio gargalha e diz: - Em minha modesta interpretação penso que Valadares está certo, existe outro lugar para dar conjuntivite, a não ser nos olhos? O jogo político As manifestações do dia 26 mostraram que o presidente Jair Bolsonaro dispõe de razoável arsenal para lutar na arena política. Foram significativas. Não do tamanho das manifestações do dia 15, em defesa de recursos para a Educação, mas na proporção adequada para inferir que o capitão dispõe de forte vetor de peso. A questão é: fica claro que Bolsonaro continua a fustigar a classe política, onde se exercem "velhas práticas". Terá condições de viabilizar suas intenções - afastar a velha política, evitar o toma lá dá cá, o fisiologismo, enfim, os costumes consolidados pelo nosso presidencialismo de coalizão? Atenção, governantes: concentrem-se no que é importante Quatro tipos de viabilidade Por viabilidade, entenda-se a propriedade de existir, sobreviver, ser possível e preencher condições de se realizar uma ação, um plano, uma política ou a maneira de governar. Pergunta-se: o presidente tem condições de "construir viabilidade", tornando possível a prática de seu pensamento? A teoria política aponta quatro causas que podem inviabilizar uma operação: a) viabilidade política; b) viabilidade econômica; c) viabilidade cognitiva e d) viabilidade organizativa. Expliquemos. Conceitos No caso do governo Bolsonaro, a viabilidade política deve ser entendida como a capacidade de agregar uma quantidade de parlamentares que se comprometam a aceitar e decidir sobre a matéria em pauta na agenda, por exemplo, a reforma da Previdência. Por viabilidade econômica, entenda-se a possibilidade de mostrar/demonstrar a necessidade de o país fazer a reforma previdenciária por motivos econômicos - demonstração de números e contas. Por viabilidade cognitiva, entenda-se o conhecimento e a acessibilidade a todos os pontos e questões relativas à reforma. Enquanto a viabilidade organizativa diz respeito ao conjunto de meios e instrumentos - ministros, articulação política, ou seja, a força colaborativa que pode influir para fazer tramitar a ideia de maneira rápida, criativa e eficaz ou lenta e dispersa. Essas viabilidades devem ser trabalhadas de maneira ajustada, evitando dispersão de esforços. Atenção: "Não abandonem o objetivo exceto quando o objetivo é deixar de vigorar. O entorno militar O presidente reúne ao seu redor apreciável conjunto de generais e outras patentes, todos com conhecimento avançado de teoria de guerra, que pode ser transportada para a política. Portanto, conceitos como estratégia, tática, metas e objetivos, meios e instrumentos, análise de viabilidades - tudo isso é do conhecimento do entorno presidencial. Mas, por que há tanta dispersão, tanta desorganização? Pela índole do capitão, que diz e desdiz, avança e recua, dá uma no cravo e outra na ferradura, desestabilizando os agentes da política e seus próprios assessores. Atenção: "Mantenham a direcionalidade do objetivo, ainda que seja necessário adaptá-lo às circunstâncias". Risco O risco que ameaça o presidente Bolsonaro é o de constatar que sua decisão de governar sem o efetivo engajamento do corpo parlamentar é inviável na prática. Pagará o custo da inviabilidade, aumentando a fricção de seu governo e expandindo as taxas de polarização social. As ruas, mais cedo ou mais tarde, querem ver resultados. Sem estes, tendem a escassear apoio. O presidente precisa não apenas ter boas cartas no baralho. Precisa, sobretudo, saber jogar bem. Urge descobrir o máximo que pode ser feito para alcançar a eficácia. Atenção: "Pensem com a cabeça e arremetam com o coração, evitando a síndrome do touro, que faz exatamente o contrário". Até onde irá? Outra pergunta circula insistente: até onde Jair Bolsonaro irá em sua fricção quase cotidiana com a esfera política? Lembrem-se de Jânio. Renunciou e esperou que as massas nas ruas pedissem sua volta. Dançou. Olhem para Collor. Esnobou o Congresso. Dançou. Olhem para Dilma. Desprezou os políticos. Foi mandada embora. Que Bolsonaro não pense que poderá contar, todo tempo, com os gritos entusiásticos de simpatizantes. Já se observam rachas entre eles. O prestígio presidencial será sempre elevado em início de gestão, mas se o governo não apresentar bons resultados, os bolsos dos consumidores esvaziados ditarão o afastamento gradativo das correntes governistas. Atenção: "Escolham, entre as estratégias consistentes com o objetivo, a que implique em menor esforço". A essencialidade de Maia Rodrigo Maia foi um dos protagonistas atacados nas manifestações de domingo passado. Ora, Maia é essencial para que o país avance no caminho das reformas. Sem ele, a agenda da Câmara não andará. O presidente joga loas em sua direção, mas acaba tecendo críticas a ele. Hoje, tem-se a informação de que Rodrigo e Guedes estão juntos na canoa das reformas. Isso parece desgostar os Bolsonaros, pai e filhos. Ciumeira besta. A reforma da Previdência caminhará mesmo com as insanidades e observações negativas expressas pelo mandatário-mor. Atenção: "Vejam-se com os olhos do adversário, para descobrir a trajetória de menor expectativa a partir da perspectiva situacional dele". Polarização extremada Todos perdem com a polarização extremada que racha a sociedade. São claras as divisões sociais, demonstrando que o apartheid social, tão impulsionado na era lulopetista, continua vivo e, mais que isso, jorrando bílis. O destempero linguístico chega ao clímax. As redes sociais se transformam em fortalezas de ataque e defesa. O presidente dá corda aos seus exércitos, recriminando posturas de grupos, alimentando a discórdia. A mídia, para ele, é mentirosa. E ao incentivar nas redes as tubas de ressonância que lhe são favoráveis, renova os arsenais com um grito de guerra permanente. Assim, o país deixa escorrer pelo ralo parcela de sua energia cívica. Atenção: "Não superutilizem o poder, nem angariem adversários desnecessariamente, façam uso racional dos recursos econômicos, protejam todos os recursos escassos". Mais um pacto Pacto é algo desgastado por essas bandas. Por isso, qualquer tentativa nessa área é vista com desconfiança. Mas o Executivo decidiu firmar um pacto com o Legislativo e com o Judiciário (STF) sob o compromisso de "entendimento e metas". O argumento é o que o Pacto é uma resposta aos anseios da sociedade. Uma resposta aos protestos. Se é mais uma boa intenção de seguir com as reformas - Previdência, Tributária, Segurança Pública etc. -, tudo bem. Uma espécie de abraço amigo entre os presidentes dos Três Poderes. Mas as idas e vindas de Bolsonaro podem atrapalhar. Acarinha Rodrigo Maia, em um dia, e no outro, dá uma estocada. P.S. Maia diz que só assinará 'pacto' com aval dos líderes da Câmara Reformas passarão Não há dúvida: as reformas passarão, cada uma a seu tempo. O que pode ocorrer, na esteira das provocações presidenciais, é um prazo mais alongado para sua aprovação. É provável que a Previdência chegue à decisão parlamentar em agosto. E é também razoável a hipótese de contarmos com uma reforma tributária lá para os meados do segundo semestre. Atenção: "Cada plano de campanha deve ter vários ramos e alternativas e deve ser tão bem concebido que pelo menos um deles não deixe de ter êxito". PIB curto A sensação de idas e vindas, avanços e recuos tem contribuído para desanimar o empresariado. No início do ano, os sentimentos eram bem mais positivos. O governo, porém, não tem conseguido injetar ânimo. A economia não dá sinais de revitalização. O PIB estimado para este ano gira em torno de 1,23%. O desemprego já atinge 13,4 milhões de brasileiros, e os subempregados chegam a 29 milhões. Duas palavras que começam a aparecer com insistência: estagnação e depressão. É possível que a animação volte aos setores produtivos com a aprovação mais adiante de reformas? Atenção: "Não esqueçam o óbvio, embora seja coisa simples, como Colombo fez ao pôr um ovo em posição vertical". Eficiência e eficácia No time da Feira do Pau, 11 jogadores pernas de pau (incluindo o goleiro). Jogadas estrambóticas, falta de entrosamento, jogadores correndo de um lado para outro, sem coordenação ou visão de campo. De repente, Batistão, de quase dois metros de altura, entra como um furacão na grande área e, de cabeça, faz gol do escanteio batido por Careca. No time adversário do vizinho Imbé, 11 craques. Jogadas bonitas, dribles sensacionais, meio de campo dando um show e armando grandes lances. Mas ninguém consegue fazer gol. A diferença entre um time e outro é a que existe entre eficácia e eficiência. Feira do Pau foi eficaz, Imbé, eficiente. Alexandre e o nó górdio O oráculo prognosticou: aquele que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram e fracassaram. Desafiaram Alexandre Magno. Que tinha duas opções: desfazer o nó, e cortá-lo com a espada. Não teve dúvidas. Optou pela via mais criativa e segura: cortá-lo. Até porque fez uma avaliação e pensou que poderia falhar se escolhesse a opção de desatar o nó. O estrategista é capaz de imaginar diversas possibilidades além da que parece obvia por ser a mais transparente. (Carlos Matus)  
quarta-feira, 22 de maio de 2019

Porandubas nº 621

Nesses tempos em que o nome de Deus é invocado em vão, abro a coluna com o senhor dos Céus. Eu e Deus O "causo" ocorreu em Conchas/SP. Era a audiência de um processo - requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso para um senhor alto, velho, magro, negro, humilde e muito simpático, tipo folclórico da cidade. Antes da audiência, o advogado lembrou ao seu cliente para afirmar perante o juiz morar sozinho e não ter renda para manter a subsistência. Nisso residiria o sucesso da causa. Na audiência, veio a pergunta: - O senhor mora sozinho? - Não! Respondeu ele (o advogado sentiu que a coisa ia degringolar). - Hum, não? Então, com quem o senhor mora? - Eu e Deus, respondeu o matreiro velhinho. O advogado tomou um baita susto. Mas a causa foi ganha. O juiz considerou procedente a ação. (Historinha enviada por Éder Caram e contada pelo pai dele). O Deus de Franco Pois é. Os governantes de todos os quadrantes não raro costumam escolher Deus como escudo. A história está pontilhada de referências a Deus. Em seus 40 anos de reinado, o ditador general Franco, "Caudillo da Espanha pela Graça de Deus" referia-se frequentemente à Providência Divina, conforme passagens de seus discursos, como esta de 1937: "Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos". Os estatutos da Falange Espanhola o declaram "responsável perante Deus e perante a história". Lembrete: a Falange Espanhola, criada em 1933 por José Antônio Primo de Rivera, foi um movimento e um partido político inspirado no fascismo. Reis e o Direito Divino As ideias que justificam a autoridade e a legitimidade de um monarca se originam no direito divino. A doutrina do direito divino sustenta que um rei deriva seu direito de governar da vontade divina, e não de qualquer autoridade temporal, nem mesmo da vontade de seus súditos. Hassan II, no Marrocos, se declarava descendente do profeta Maomé. Dizia: "não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro de uma dinastia, a uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé". Da mesma forma, o rei Khaled da Árábia Saudita se apresenta como defensor da lei e da tradição, fundamentando seu poder no direito divino. Hirohito Hirohito, imperador do Japão de 1926 até sua morte, também era visto como uma divindade pelos japoneses. Criou esta fama, não só por ter uma realidade distante da população que viveu guerras e mortes, mas também por construir uma aura divina. Ele nunca aparecia com roupas normais, sempre estava vestido com vestimentas dignas de um "imperador divino e perfeito", como um deus que os japoneses acreditavam ser descendente da deusa do sol, Amaterasu. Idi Amin O marechal Idi Amin Dada, ditador de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus, em sonhos, uma espécie de aval concedido a seus atos. Certo dia, um esperto jornalista joga a pergunta: "o senhor conversa com frequência com Deus"? O cara de pau marechal: "só quando necessário". Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: "o infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal". Deus na moeda Os americanos têm gravado em sua moeda o lema: In God We Trust (Em Deus Confiamos). Foi designado por um ato do Congresso em 1956. Já no Brasil, no início dos anos 80, a população era de cerca de 120 milhões de pessoas. Dessas, 89% pertenciam à religião católica. Apenas 1,6% das pessoas se diziam sem religião, 6,6% eram evangélicas e 3,1% se identificavam com outras crenças. O país tinha acabado de adotar o cruzado, e o então presidente da República, José Sarney, solicitou ao Banco Central imprimir a expressão na nova moeda. Sarney tomou como base outros modelos, como o dos EUA, e ordenou que nossas cédulas passassem a conter: "Deus seja louvado". Bolsonaro, o enviado E agora surge nos céus da divindade Jair Bolsonaro. O nosso Messias, que viu a fala de um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda: "Na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo quando falam do imperador da pérsia Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: 'Eu escolho meu sérvio Ciro'. E senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil. Você querendo ou não". Assim o pastor congolês falou em vídeo. E o que faz o nosso presidente? Insere o vídeo nas redes sociais. Arrematando: "não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na política e quem deve ditar os rumos do país é o povo. Assim são as democracias". O dono do lema coroa a ideia: "Brasil acima de tudo; Deus acima de todos". Deus, Jesus, Cristo Em 2019, de cada 100 tuítes postados com a palavra Bolsonaro, quatro traziam citações a Deus, Jesus ou Cristo. Entre os mais citados também apareceu Satanás, como fez questão de mencionar, em sua postagem de 13 de março, o usuário do Twitter Beto Silva. "Satanás e seus asseclas amam a mentira. O problema é que a mentira nunca prevalece sobre a verdade. Resumindo: eles continuarão fracassando e Bolsonaro continuará cavalgando no lombo deles". Macedo apela O bispo da Igreja Universal, Edir Macedo, pede que Deus 'remova' quem se opõe a Bolsonaro. E acusou políticos de tentarem "impedir o presidente de fazer um excelente governo". Disse ainda que Marcelo Crivella enfrenta "impeachment do inferno". O próprio culto O fato é que os governantes em países atrasados culturalmente (e até em mais desenvolvidos) costumam organizar seu próprio culto. E agem para que a imprensa cultive uma imagem que geralmente é a combinação de facetas: herói, salvador da pátria, guerreiro, super-homem, pai dos pobres e até Enviado dos Céus. Nietzsche já alertava contra essa esperteza: Dizia ele: "o super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus". Símbolo de veneração O duce Mussolini e o führer Hitler tentavam criar uma divindade substituta. O culto à personalidade fazia parte da liturgia. Lênin continua exposto à veneração pública em seu esquife de vidro. Já Stalin ganhou, por ocasião de sua morte, uma "canção" que realçava grandeza super-humana: ó tu, Stalin, grande chefe dos povos, que fizeste nascer o homem, que fecundas a terra, que rejuvenesces os séculos, que teces a primavera, que fazes cantar a lira...Sem esquecer o "camarada" Mao. (Badalação sem tamanho). A onda direitista Essa tendência de se ver como "o iluminado" tem sido mais forte na paisagem direitista que, nos últimos anos, cobre importantes espaços do planeta, inclusive Nações culturalmente avançadas. Emerge em muitos países uma retórica direitista, com viés populista, que tende a jogar a imprensa no canto do ringue. Listemos alguns países onde essa retórica se apresenta: Hungria, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, Filipinas, Turquia e, claro, os Estados Unidos de Donald Trump. O papel da imprensa Diante dos atores que vestem "o manto de protetor da Nação", (acima descritos), como se enxerga a imprensa? Qual seu papel? Ora, a imprensa é o esteio da liberdade de expressão. Liberdade que pertence ao povo, não aos governantes. Se a imprensa faz críticas, cobranças, apontamentos, conforme seu traçado nos sistemas democráticos, ela é vista como "a voz do demônio", a porta-voz de adversários políticos, a tribuna dos perdedores. Freios e contrapesos No Brasil, podemos analisar o papel da imprensa sob a ótica da crise em que o país vive. Crise que desmantela até o sistema de freios e contrapesos (check and balance system), o mecanismo arquitetado pelo barão de Montesquieu para conter os abusos de um poder sobre outro - Executivo, Legislativo e Judiciário. A crise que corrói o sistema político estiola a força dos Poderes e instituições, desnivelando a estrutura de poder. Vemos o Executivo perdendo força e não conseguindo levar adiante seus programas. Vemos um Judiciário perdendo credibilidade, a ponto de alguns de seus protagonistas passarem a frequentar o dicionário de imprecações das ruas. Já o Poder Legislativo, por falta de habilidade do Executivo, reforça poderio com a criação de uma agenda própria. Ganha força. Sucursais do inferno As críticas da imprensa aos Poderes constitucionais acionam mecanismos de defesa por parte de seus protagonistas, cada qual passando a enxergar a mídia como adversária. Esse posicionamento é mais crítico por parte do Poder Executivo. Os governantes não aceitam que jornais, revistas, rádio e TV exerçam as funções clássicas de promover a integração social por meio de sua carga informativa, não aceitam que sejam vigilantes dos governos e poderes públicos, não aceitam que façam cobranças. E menos ainda que abram espaços para os movimentos sociais. A crise da imprensa É verdade que a imprensa também perdeu poder nas últimas décadas, na esteira da crise que assola as democracias representativas. Essa crise abriga o declínio das ideologias, a desmontagem dos partidos, o arrefecimento das bases, o declínio das oposições, a perda de força dos Parlamentos, entre outros fatores. A imprensa sofre os efeitos da crise econômica que solapa grandes grupos de mídia, em função dos impactos causados pelas novas tecnologias - as redes sociais - e pela remodelagem dos modelos de comunicação. Fontes e canais Como é sabido, os governantes passaram a ser fontes de comunicação e eles mesmos assumem a condição de distribuidores de mensagens, com canais próprios nas redes. Os consumidores se veem, agora, sendo alvo de um bombardeio informativo e, ainda, de notícias falsas, que as mídias tradicionais não conseguem substituir. Menos recursos Os volumosos investimentos publicitários deixaram de ser distribuídos aos grupos de comunicação. A crise financeira derruba pilastras importantes do edifício da comunicação. Milhares de empregos deixam de existir. A massificação informativa via internet cria novas levas de consumidores, eles mesmos sendo receptores e fontes de comunicação. Interessante é observar que o funil da comunicação passa a ter sua entrada quase com a mesma largura da saída. Ou seja, as portas de entrada e de saída das mensagens passam a abrigar quantidades quase idênticas de transmissores e receptores de informação. O jornalismo de opinião Assiste-se a uma monumental expansão do juízo de valor sobre os fatos do cotidiano. O "achismo" inunda o mercado. Expande-se a rede de influenciadores, colunistas, intérpretes e quadros de opinião em detrimento da informação socialmente significativa. Os grupos de imprensa tornam-se alvos da crítica social. Parcela ponderável do poderio da imprensa clássica entra nas mãos de grupos financeiros/investidores do mercado. A comunicação institucional A sociedade atravessa um ciclo de densa organicidade. Multiplica-se a teia de associações, movimentos, núcleos, grupos e organizações de toda espécie, que criam sistemas e estruturas próprias de comunicação - assessorias, consultorias, agências e grupos independentes. A par dessa visão compartimentada da sociedade, os Poderes constituídos - Executivo, Legislativo e Judiciário - também organizam, há muito tempo, operações próprias de comunicação (com sistemas de rádio e TV, equipes profissionalizadas, etc.) Assim, a carga informativo-analítica da mídia tradicional torna-se menor. Amplia-se consideravelmente o universo de receptores de mensagens institucionais, originadas nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em todas as três esferas: Federal, estadual e municipal. Parcela dos profissionais da grande imprensa migra para as estruturas de comunicação institucional. Impactos e efeitos Os impactos dessa realidade começam a ser medidos, a partir da cultura de absorção de informação por parte de nossa sociedade virtual. Entre os efeitos, podemos anotar: - perda de credibilidade na informação (abundancia de fake news) - perda de qualidade informativa - ingresso de "exércitos" dispostos a integrar a "guerra da informação e da contra-informação" - formação e expansão do apartheid social por meio da guerra expressiva; polarização discursiva - Enfraquecimento financeiro dos grupos tradicionais de comunicação - Desemprego em massa de jornalistas -Incremento de mensagens falsas que chegam aos grupamentos sociais - Reformulação do modelo clássico de comunicação - Fortalecimento da "individualidade" - Expansão do Estado-Espetáculo: olimpianos da cultura de massa; criação de mitos - Negação dos "perfis tradicionais" da velha política. Controle No meio desse turbilhão, o brasileiro que se acha escolhido de Deus investe contra a imprensa e tenta criar a sua própria realidade. Talvez não perceba que só os seus mais fanáticos seguidores acreditam que ele é emissário dos Céus. P.S. Luiz Inácio, em 2005, até que tentou criar um Conselho Federal de Jornalismo. Objetivo: "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão e a atividade do jornalismo".  
quarta-feira, 15 de maio de 2019

Porandubas nº 620

Abro a coluna com duas historinhas do Paraná contadas por Sebastião Nery. Na latitude Pedro Liberty, vendedor de loteria, elegeu-se deputado estadual pelo PTB. Foi à tribuna fazer um discurso contra o prefeito de Curitiba: - As ruas estão esburacadas, sem luz, e, à noite, os cachorros soltos, numa latitude que não deixa ninguém dormir. Xaxixo Antônio Constâncio de Souza, deputado pelo PSP, pediu um aparte a Armando de Queiroz, líder de Ney Braga na Assembleia. - Não dou o aparte, não. V. Exa. não está à altura de participar dos debates. V. Exa. não é capaz de citar uma palavra com 3 x. - Sou, sim. Xaxixo. Queria dizer salsicha. Nuvens pesadas Os tempos estão sob nuvens plúmbeas, pesadas. Sinais de povo nas ruas começam a surgir aqui e ali. Hoje, quarta, é o Dia D. Vamos observar adensamento ou estreiteza da movimentação. O governo tem sido inábil em tratar da matéria educacional. Mais uma pisada de bola O anúncio do presidente Bolsonaro de que Sérgio Moro será indicado para o STF quando abrir a vaga de Celso de Mello, o decano da Corte, é mais um tiro no pé. Certamente Bolsonaro comete um gesto de deferência ao ministro da Justiça, tentando animá-lo e segurá-lo no governo no momento em que Moro viu a passagem do COAF para a Economia, saindo de sua Pasta. A derrota na Comissão que analisa a reforma administrativa foi algo que desagradou profundamente o ministro. Mas haverá votação pelo plenário da Câmara. É possível que ele mantenha o COAF sob sua égide. Fritura O anúncio foi ultra precipitado. Afinal, a aposentadoria de Celso de Mello se dará em novembro, quando completará 75 anos. Passar esse tempo todo sob a guarida de uma promessa é algo inconveniente. A fritura vem naturalmente. Ainda mais quando a indicação deve passar pelo crivo do Senado. Mas o migalhas.com.br lembra: "Mas o veto do Senado não é tradição: dos quase 300 ministros que ocuparam cadeiras na mais alta Corte do país, apenas cinco foram vetados pelo Legislativo - e isso faz mais de século. Os vetos a Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demósthenes da Silveira Lobo se deram todos durante o governo Floriano Peixoto (1891 a 1894)". Alvo O ministro poderá colher novas derrotas. E se desgastar. Mas é possível que seja blindado pela bancada do PSL e outros apoios. Ocorre que o aviso muito antecipado da nomeação deixa Sérgio Moro ao relento, sofrendo chuvas e trovoadas. Será que o presidente Bolsonaro não pensou nisso? Quem o teria aconselhado a jogar Moro na fogueira? Sabe-se que a esfera política não vai muito com a cara dele. "Não estabeleci nenhuma condição para assumir o Ministério", garante Moro. Estagnada A economia está estagnada. As análises do mercado financeiro apontam para um crescimento em torno de 1%. O desemprego tende a ficar nos mesmos altos índices ou até a aumentar. A desconfiança dos setores produtivos corre como faísca nas roças da economia. Esperava-se um surto de esperança e de novas energias com a eleição do capitão. Passados quatro meses de governo, o país continua travado. Bolsonaro alimentou a crise que cerca a administração. As querelas internas, a interferência dos filhos na administração, a influência do horoscopista da Virgínia (EUA) sobre o governo, a improvisação que toma conta do governo, o evidente despreparo de ministros - formam o caldo insosso oferecido à sociedade. A lua de mel terminou. Nova recessão? "Cheiro de recessão"? É o que sente a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Ou "possível recessão técnica", segundo o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. Zeina enxerga sinais mais preocupantes vindos da indústria, cuja produção recuou 2,2% no primeiro trimestre deste ano. "A indústria geralmente é o abre-alas da crise. Em 2011, já dava sinais da recessão que estava por vir (em 2015 e 2016). Se ela estiver estagnada mesmo, vai puxar o setor de serviços, que é muito dependente dela". Dia das Mães O Dia das Mães deste ano contou com mais consumidores nas lojas do que o do ano passado. O volume de vendas, porém, deixou a desejar, aponta a FX Retail Analytics, empresa de monitoramento de fluxo para o varejo. Entre 22 de abril e 5 de maio, o fluxo de consumidores foi 2,2% maior em relação à quinzena semelhante de 2018. O valor faturado pelas lojas caiu 8,1%. Só 1% O Itaú prevê que a economia brasileira crescerá apenas 1% em 2019, menos que o avanço de 1,1% registrado em 2018. Na semana passada, o Bradesco já havia cortado sua estimativa para 1,1%, consolidando a expectativa de que a economia terá mais um ano perdido. A projeção anterior, divulgada há um mês pelo Itaú, era de avanço de 1,3%. Além disso, o banco cortou a projeção para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2020 de 2,5% para 2%. O ciclo de protestos O governo oferece a razão para a volta dos ciclos de protestos. O desastrado ministro da Educação, conhecido por atuar no mercado financeiro, cometeu uma coleção de impropriedades. Para não dizer besteiras. Pois foi isso que disse ao se referir às universidades públicas e aos "distúrbios" que promovem, ao avisar sobre o corte de recursos, ao atestar a inocuidade de cursos de Filosofia e Sociologia. Recebeu, em troca, uma saraivada de críticas. Bolsonaro dá apoio às bobagens repetidas. 30% por 3,5% E até comeu chocolate por ocasião da presepada que o ministro aprontou, quando espalhou 100 chocolates sobre a mesa, separou três e cortou um ao meio (deu a metade ao presidente, que o degustou), terminando com a prosaica analogia: ele iria tirar apenas 3,5 chocolates do total de 100, ou seja, 3,5% dos recursos da Educação. Para serem restituídos no final do ano. Erro crasso: 30% é a cifra exata dos recursos contingenciados e não 3,5%. Apupos gerais. Os protestos começam ao redor dele. Governo menor E assim, de erro a erro, o governo tem aumentado seu ICE - Índice de Coisas Estabanadas, como essa fala da ministra dos Direitos Humanos: "a FUNAI tem de ficar com mamãe Damares, não com papai Moro". Trata-se da "infantilização" da linguagem. A sensação de um governo menor deriva do fato de coisas erráticas: passagem da COAF da Justiça para a Economia, FUNAI em negociação; política industrial saindo da Economia para Ministério da Tecnologia, renascimento de ministérios. Percepção Cresce a percepção de que a identidade do governo é baixa em relação à altura do Brasil. É como se o país medisse um metro de altura e a administração Bolsonaro apenas uns poucos centímetros. Falta muito governo para cobrir o real tamanho do nosso território continental. Sobra improvisação. O capitão não está efetivamente preparado para entender a complexidade do país. Os generais em seu entorno agem como "poder moderador". São preparados. Estão sob tiroteio do horoscopista da Virgínia (EUA) e dos filhos do presidente. A bola de neve Os apoiadores de Bolsonaro continuam atirando contra adversários nas redes sociais. Mas sua força decresce. Muitos estão recolhendo os apetrechos de guerra. Uma bola de neve se forma, a partir do centro social, expandindo-se à medida que o governo não apresenta resultados positivos sob a economia estagnada, e tende a chegar até às margens. Rincões intensamente bolsonaristas começam a sinalizar contrariedade. O que impressiona é a rapidez do desgaste da imagem governamental. Os furos e coisas estabanadas de alguns gestores são em parte responsáveis pelo rombo no costado. A China como parceira A China é o destino de governantes brasileiros. Ante o escudo que Trump coloca nos Estados Unidos, protegendo-o de investidas comerciais, a China, com seu gigantesco poder econômico, se apresenta como a alternativa mais promissora para diversos países. O Brasil é um deles. Governadores de Estado começam a circular pelas grandes cidades chinesas à procura de parceiros de investimentos. Governantes com olhos na China: Ratinho Junior (PR), Rui Costa (BA), Waldez Goes (AP), Renan Filho (AL), João Doria SP), Helder Barbalho (PA), Paulo Câmara (PE), Ronaldo Caiado (GO), Mauro Mendes (Mato Grosso) e João Azevedo (PB). Há outros abrindo caminho. A boa comunicação O governador de São Paulo, João Dória, é um aficionado no trabalho. Entra cedinho no Palácio dos Bandeirantes, circula por eventos na capital e no interior, envia uma média de 7 a 8 vídeos por dia - dando conta de seus passos, programas e ações - para uma extensa rede de influenciadores, estando atento a tudo que diga respeito ao governo. É seguramente quem melhor usa as redes para propagar o escopo governamental. Correção A coluna recebe de Marília Rosado Maia uma correção feita por João Agripino Neto, filho do ex-governador João Agripino, ao causo contado por Arael Menezes. Um resumo. O governador admirava João da Costa e Silva, vulgo Mocidade, a quem deu abrigo. Nos idos de 68, na moldura das manifestações estudantis, uma delas ocorreu no Ponto Cem Réis contra o regime militar. Havia ordem de Agripino para não prender Mocidade em nenhuma hipótese. No comício, Mocidade desceu o pau no governo. Secretário liga para o governador e faz o relato. Ordem: 'pode prender'. Mocidade se escafedeu. Governador foi pra casa. Pouco depois, chega Mocidade. Agripino: Soube que você estava esculhambando o Governo no Ponto de Cem Réis. -É verdade, governador! - Quem paga a comida que você come? -O senhor! - Eu não, o governo. Quem paga a casa que você mora? -É o senhor! - Eu, não, é o Governo. - Quem paga a roupa que você veste e o transporte que anda? -É o senhor! - Eu não, é o governo. - Está certo, governador. Tudo quem paga é o Governo! - Então, Mocidade, como é que você vai pra rua esculhambar o Govern? - Ora, governador, Governo foi feito pra sofrer.  
quarta-feira, 8 de maio de 2019

Porandubas nº 619

Abro a coluna com um "causo" da Paraíba, tendo como personagens o governador João Agripino (1966/1971) e um "doido". Historinha narrada por Arael Menezes. Político é para sofrer "No panorama político da Paraíba governadores tinham o hábito de cultivar uma espécie de bobos da corte, conhecidos como "doidos", pessoas inofensivas, e que cumpriam algumas missões. João Agripino foi o iniciador dessa prática. Dentre seus "doidos", tinha um conhecido pela alcunha de Mocidade, que se julgava intelectual e tribuno de valor. No meio do mandato, Agripino sofreu forte campanha oposicionista. Comícios críticos ocorriam, dentre os quais o mais concorrido foi no Ponto de Cem Réis, área central da capital. Uma boa oportunidade para Mocidade. Municiado por boas lapadas de aguardente, mandou bala com um ácido discurso. O governador não gostou. Interpelou o "doido", ouvindo dele a resposta: - "Ora, João, é assim mesmo... Político é para sofrer". Mocidade era famoso também pela abertura de seus discursos. Como esta: "Senhores políticos corruptos e venais desta República...". Os ataques de Olavo Os insultos do escritor Olavo de Carvalho aos militares da administração Bolsonaro chegaram às raias do absurdo, especialmente contra o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo, e o vice-presidente Hamilton Mourão. Depois de chamar os militares de "pústulas", na sexta-feira ele voltou ao ataque, denominando os militares de "mão de obra ociosa" e que não são os "santos heróis da pátria que eles mesmos pintam". Do general Santos Cruz, disse que "fofoca e difama pelas costas", além de chamá-lo "merda". Cruz, credo A expressão popular é de repugnância. Nojo. A interjeição cai bem sobre a linguagem chula usada pelo escritor Olavo ao continuar a atacar o general Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria do Governo: "bosta engomada". Nunca se viu um destampatório tão de mau gosto. Trata-se de uma autoridade que merece respeito. Desse militar ouvem-se elogios pela carreira brilhante no Exército. Santos Cruz Carlos Alberto dos Santos Cruz é graduado pelas Academias de Excelência do Exército (Agulhas Negras, Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e Escola de Comando e Estado-Maior do Exército). Engenheiro pela PUC-Campinas, com especializações, graduado ainda em Política e Estratégia no United States Army War College, foi conselheiro do Banco Mundial e adido militar em Moscou. Comandou batalhões e brigadas, tropas da ONU no Haiti e no Congo. Foi Secretário Nacional de Segurança Pública. O contra-ataque dos generais O general Santos Cruz postou: "Não leio Olavo de Carvalho. Acho ele um desocupado esquizofrênico". Não vai ficar nisso. Os militares que ocupam cargos no governo resolveram reagir. Na segunda-feira, o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que despacha no Planalto como assessor especial do ministro Augusto Heleno, divulgou um texto no Twitter em que chama Olavo de Carvalho de "verdadeiro Trótski de direita", que "age no sentido de acentuar as divergências nacionais". Apanhar calado, não mais Homem forte das Forças Armadas e respeitado pelos pares, Villas Bôas quis deixar claro que os militares não vão apanhar calados e que tentarão reforçar a imagem de que eles, sim, atuam com a missão de ajudar o país a se reestruturar. Sobre Olavo, diz o general: "Ele passou do ponto, agindo com total desrespeito aos militares e às Forças Armadas. Às vezes, ele me dá a impressão de ser uma pessoa doente". A palavra de Villas Bôas funcionou como bala de canhão. Disse-me um general. A defesa na trincheira Outro militar de alta patente disse a um jornal que é preciso parar de "dar destaque a esse energúmeno" e lamentou a condecoração concedida semana passada pelo presidente a Olavo. Segundo essa fonte, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas como instituição irão se unir e deveriam demonstrar repúdio às declarações de Olavo, que ataca os generais: "É um apátrida que faz mal ao Brasil". Ao nível da lama Para responder ao general Villas Bôas, o horoscopista publicou ontem cedo no Facebook e no Twitter algumas afirmações que deixam o episódio abaixo do lamaçal. Afirma que "os militares, sem argumentos para rebater suas críticas, se escondem atrás de um doente preso a uma cadeira de rodas", referindo-se à condição do general de portador de uma doença degenerativa. O "ícone" da guerra insana Apesar da guerra de baixo nível promovida por seu guru contra os militares, o presidente Jair Bolsonaro postou ontem no Twitter que chegou à Câmara em 1991 e a encontrou tomada pela esquerda, "num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristãs. Aos poucos, outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho. Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone. Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e reiterou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim. Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder. Sempre o terei nesse conceito". Insensibilidade? O presidente parece não perceber o que se passa à sua volta, o racha e muito menos o alto risco que ele representa para o futuro de seu governo. Ou seja, o horoscopista continuará a ditar, do fundo do poço e com vocabulário de botequim, algumas das principais orientações ao governo de sua ovelha, aos seus filhos e fiéis seguidores. Afinal, Bolsonaro está de que lado? Como o presidente da República confere a Olavo o mais alto galardão do Itamaraty? O incenso jogado a Olavo de Carvalho depois dos impropérios lançados por ele contra os generais não caiu bem na caserna. Basta ou guerra... Se os ataques aos generais continuarem, sob o clima de complacência do presidente (que quer agradar os dois lados), não se descarta um jogo mais pesado dos agredidos. A hipótese é muito remota, mas uma renúncia coletiva dos generais aparece bem ao fundo da paisagem. Refém do Congresso A esfera política continua tecendo críticas ao governo Bolsonaro. Queixam-se os políticos do "pouco caso" a que são relegados pelo presidente e seu entorno. A exceção é o vice, o general Mourão, a quem sobram elogios. A reforma da Previdência vai passar, mas não no figurino traçado pelo governo. Sofrerá um processo de enxugamento. A não ser que o presidente se empenhe intensamente para sua aprovação, tornando-se ele mesmo o articulador-mor da reforma. Partidos mutantes Os partidos estão com o olho nas ruas. A descrença nos partidos e nos políticos é grande. A palavra de ordem é: mudar. Como? A maior fatia pensa em trocar o nome da sigla. Resolve? Bulhufas. Nada. A questão é de conteúdo. Que doutrina, programas, ações serão empreendidas? O que defender? O que atacar? Os partidos só melhorarão sua taxa de credibilidade se o eleitor perceber e internalizar sua doutrina. Governos em contraponto Os governos estaduais estão se unindo para defender propostas comuns junto ao governo Bolsonaro e ao Congresso. Um ou outro governador tenta aparecer como o mobilizador-mor. Mas Doria é francamente um aliado de Bolsonaro, segundo se comenta. Como pretende encaminhar propostas que sejam antipáticas ao governo? Um mandatário de importante Estado do Nordeste identificou em João Doria, governador de São Paulo, a ambição de comandar o núcleo de governadores brasileiros. A sinalização de João para se aproximar da direita, inclusive a mais retrógrada, começa a gerar rejeição a ele. Bruno Araújo João Doria está dando as cartas no PSDB. Elegeu o presidente do partido em São Paulo, o deputado Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional. E vai eleger Bruno Araújo, ex-deputado tucano de PE e ex-ministro das Cidades do governo Temer como presidente do PSDB nacional. Bruno tomará o lugar de Alckmin. Trata-se de um jovem com boa formação política, antenado à realidade, disposto a inovar e de caráter forjado na lealdade. Um bom nome. TV Pública Uma emissora televisiva de caráter público tem compromisso com a comunidade. Não pode querer competir com grupos comerciais. A TV Cultura de São Paulo tem alguns dos melhores programas do país. Urge defender seu escopo. Recado ao Congresso O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) revela: o Brasil é o país que mais gasta com aposentadoria na América Latina e Caribe, segundo O Globo. Em 2015, a presidência consumiu 12,5% do PIB, no que chama de "trajetória explosiva de despesas". E mais: se não houver mudança no sistema, o gasto será quatro vezes maior (50,1%) em 2065, volume maior do que o governo arrecada. O estudo do BID revela também que o Brasil destina aos idosos sete vezes o valor que despende com as crianças. A correção deste desvio está no Congresso, com a reforma da Previdência. Percepções... - O governo Bolsonaro ainda não achou o rumo. Tateia na escuridão. - O governador João Doria é bom comunicador, mas não se aproxima das massas. - O governador Wilson Witzel, do RJ, está entre a cruz e a caldeirinha. Ordena a polícia mandar bala na bandidagem, mas tenta ter boa imagem junto às entidades sociais. Seu flagrante em um helicóptero da Polícia em operação contra bandidos mostra que ele veste mesmo a camisa do "justiceiro". - O governo de Romeu Zema, em MG, foi acusado de permitir que seu vice-governador fizesse uso de helicóptero em estância de lazer. - Governadores de alguns Estados enfrentam o desafio: pagar salários atrasados e os atuais. No RN, a governadora Fátima Bezerra pagará o 13º de 2018 e a folha do mês. Um sufoco. - Grande dúvida: qual o futuro de Geraldo Alckmin? - Os governadores elegem a questão da segurança pública como eixo-mor de sua gestão. Caso do RJ e de SP, por exemplo. - O governo Bolsonaro ameaça despertar a estudantada e levá-la às ruas. O barulho será contra o corte de verbas na Universidade pública. - Outro setor que fará barulho nos próximos tempos será o da Cultura (artistas). - Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ganha, a cada dia, musculatura de um primeiro-ministro. - Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo, tem uma pauta cheia de políticos. Trata-se de um grande articulador. Mais adiante, conta a possibilidade de vir a assumir o governo do Estado. Com a saída de Doria para tentar galgar a escada presidencial.  
quinta-feira, 2 de maio de 2019

Porandubas nº 618

Abro a coluna com a Semana Santa na PB. Fura ele, Jesus O caso ocorreu na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na sexta-feira santa. Elenco escolhido. Dentre os moradores e no papel de Cristo, o cara mais gato da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que 'Jesus' estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do 'centurião'. - Como? Você não ensaiou! - Não é preciso ensaiar, porque centurião não fala! O elenco teve que aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz ... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas. - Oxente, cabra, tá machucando! Reclamou Jesus, em voz baixa. - É pra dar mais veracidade à cena, devolveu o centurião. E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião: - Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso! O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando: - É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura, que aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não! Torquato barômetro Este analista político entra na onda dos barômetros que medem os climas na política, as imagens de governos, as variações e tendências, enfim, a moldura ambiental, nos moldes do Latinobarómetro, especializado na análise do território latino-americano, com seus indicadores políticos, econômicos e sociais. A base de análise será meu posto de observação, não dispondo, assim, do instrumental de pesquisas dos institutos especializados. Bolsonaro na ladeira Vamos lá. Em 120 dias, o governo Bolsonaro está à procura de uma bússola. É um governo sem rumos. Tem, sim, grandes desafios pela frente, a partir da reforma da Previdência, a reforma Tributária, o pacto federativo, a par das tarefas rotineiras da administração. Constatações: o governo não arrumou uma articulação eficaz com o Congresso; usa uma comunicação trôpega; o presidente desmente constantemente quadros do governo; continua desacreditando na hipótese de governar com a classe política; usa ainda o tom de campanha, a mostrar dificuldade de mudar os parafusos da engrenagem. Por isso, o governo começa a ser questionado. Desce a ladeira da boa avaliação. Políticos tomam distância O desejo de beber na fonte do Planalto já não anima tanto a esfera política. Com as primeiras observações sobre queda na avaliação da imagem, políticos começam a tomar distância. Veja-se o apoio à reforma da Previdência. Em janeiro/fevereiro, enorme apoio; hoje, os congressistas fazem restrições. Fortes. O presidente, por seu lado, tem sido inábil. A conta que a Previdência poderá gerar chegou a R$ 1,2 trilhões. Bolsonaro anunciou, alto e bom som, que se conforma com R$ 800 bilhões. De pronto, ele deu o abatimento, minando o esforço da equipe econômica e já determinando o número que quer atingir. Pitos constantes O presidente aprecia puxar a orelha de assessores. Em Marcos Cintra, abalizado estudioso de contas e impostos, a orelha foi puxada com o desmentido de que iria tributar igrejas. A Rubens Novaes, presidente do BB, pediu redução dos juros do setor agropecuário. As ações caíram. A Roberto Castelo Branco, presidente da Petrobras, mandou suspender aumento do óleo diesel. As ações da empresa despencaram. Paulo Guedes, o maestro da equipe, deve estar de cabeça quente. O cérebro esquerdo Tentemos desvendar algumas partes do corpo governamental, a começar pelo cérebro. A esfera esquerda do cérebro é a da razão. Aí estão os vetores que amparam a lógica da administração. Os generais no entorno exercem a função de poder moderador. Tentam segurar o cavalo bravo. A área econômica, sob o comando de Guedes, tem um time de grande qualidade. Na infraestrutura, o ministro Tarcísio Freitas é uma ilha de excelência. E o programa de privatizações poderá puxar os investidores internacionais. Os programas sociais, mesmo diminuídos, completam a parte esquerda do cérebro. O cérebro direito Esta esfera é a da emoção. Junta uma coleção de vetores que dão sustentação à base emotiva do governo, a começar pelos filhos do presidente, com suas tiradas, ataques e flechadas contra os quadros de bom senso, dentre eles o vice-presidente Hamilton Mourão. Os valores conservadores - a ideologia de gêneros, a escola sem partido, a questão do aborto, a ministra Damares e o ministro Ernesto Araújo, o chanceler - formam o polêmico pacote emotivo. A disposição de armar a população e evitar a criminalização de proprietário rural que atire em invasores completam a cadeia emotiva. Portanto, parcela vital do cérebro é governada sob a égide das emoções, que se distribuem em outros órgãos do corpo, adiante. O coração O coração da administração bombeia o sangue de algumas fontes: o grupo familiar, radical, conservador e emotivo; a identidade militar do capitão, que forma sua expressão e puxa temas pertinentes aos tempos de chumbo; as bancadas temáticas - BBB, Boi, Bíblia e Bala - que, mesmo afinadas ao espírito governamental, começam a retirar o incondicional apoio; e a influência do guru, o senhor Olavo Carvalho, um polemista escritor que vive nos Estados Unidos e ganha dinheiro com cursos dados à distância via redes sociais. O fígado É donde escorre a bílis que irriga o sangue do presidente. Deste órgão, nasce a "guerra fria" de Bolsonaro. Contra o comunismo, contra o socialismo, coisas que, segundo o guru Olavo, dominam o Brasil. Do fígado é que se expele a ideia de que o nazismo é praticado pela esquerda. O autor da "pérola"? O chanceler Araújo. O petismo/lulismo também é alvo da "guerra" travada por Bolsonaro, filhos e seguidores. Pode-se incluir também entre os alvos a área artística. A bílis é farta. O estômago O estômago recebe alimentos de três grandes roças: a corporação militar, que veste o presidente com uma armadura inquebrantável, com a qual atira expressões mortíferas contra desafetos; o habitat dos simpatizantes, que frequentam redes sociais e batem forte em adversários; e o corpo de parlamentares do PSL, um partido estreito que se tornou largo, hoje com 55 parlamentares. Trata-se de uma agremiação em querelas internas e cheio de perfis que disputam as luzes da fosforescência midiática. O pulmão Este órgão bombeia o ar que o governo respira. E é responsável por uma forte alteração no fluxo das comunicações governamentais. Como se sabe, o processo de comunicação é composto por fontes, que expressam mensagens, transportadas por meios e que chegam até os receptores. No governo Bolsonaro, ele, o presidente, é fonte e usa os seus próprios meios para fazer chegar suas ideias aos receptores. Em vez de usar a mídia tradicional - jornal, revista, rádio e TV - Bolsonaro adota o Twitter para avisar sobre quadros que escolheu ou demitiu, para atirar contra desafetos ou elogiar aqueles que frequentam seu coração. As redes sociais, portanto, exercem importante operação de bombeamento do oxigênio governamental. Braços e pernas Constituem os eixos da estrutura governamental, propiciando a locomoção do governo e as ações de movimento. São ministérios, empresas, autarquias, associações e conselhos. Estes últimos integram o esforço de uma incipiente democracia participativa, eis que são entidades que contam(vam) com a participação de membros da sociedade civil. Pois bem, o governo, com um só golpe, aliás, uma só canetada, cortou centenas desses braços da sociedade. A estrutura governamental mostra-se sem conjunto, desequilibrada, sem metas e rumos. Nesse cenário, o braço social que transparece é o de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, que determina a agenda parlamentar e exibe força de primeiro ministro de um presidencialismo desengonçado. Coluna vertebral Por último, a coluna vertebral, que se traduz como a identidade do Governo. Integram a coluna estes eixos: o liberalismo que puxa a área econômico-financeira; a área da segurança pública e a identidade militar, caracterizada não apenas pelo posto de capitão reformado do presidente, mas pelo conjunto de generais e coronéis que atuam na administração. E, claro, ainda compõem a coluna vertebral os valores conservadores (a direita). O presidente vem da classe média-média, posicionando-se como um antielitista. Chegará ao final Essa anatomia tem condições de atravessar o deserto e chegar à terra prometida? Depende de três fatores: 1. Uma boa articulação com a esfera política; 2. Uma boa articulação com o universo social; 3. Essa segunda hipótese dependerá da equação que este analista construiu e costuma pinçar para demonstrar a viabilidade de governos- a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Explicando: Bolso farto, Barriga cheia, Coração agradecido, Cabeça aprova o governo que propiciou a felicidade.  
quarta-feira, 24 de abril de 2019

Porandubas nº 617

Eu fico Abro a coluna com Getúlio Vargas. Getúlio Vargas sempre conservou intenções continuístas. Um dia, foram procurá-lo para saber se era verdade. E ele: - Não, meu candidato é o Eurico (marechal Eurico Gaspar Dutra); mas se houver oportunidade, eu mudo uma letra: Eu Fico. (Da historiadora Isabel Lustosa) O fio da meada Sem exageros. O governo ainda não conseguiu puxar o fio da meada. Parece perdido. A área econômica, sob a agenda da reforma da Previdência, parece ter esquecido de tocar seus outros programas. A esfera política não está engajada nas ações do Executivo. A área empresarial denota certo desconforto. Exala desconfiança. Nos Estados e municípios, a sensação é a de que o governo Bolsonaro não mostrou a que veio. Onde o governo age Mas o governo age. A área cultural se ressente da perda de recursos. Ou rebaixamento enorme nos tetos de participação do governo em projetos culturais. Na área dos Direitos Humanos, grupos se ressentem da extinção de organizações e associações que trabalham no espaço do resgate de direitos. Há uma ilha de excelência no arquipélago da inércia: o território da infraestrutura comandado pelo ministro Tarcísio. Ouvem-se elogios de todas as partes. Olavo em ação Afinal de contas, o que o escritor Olavo de Carvalho, chamado de astrólogo pelo general Mourão, pretende com suas críticas aos generais? Que se demitam do governo? Que abandonem suas tarefas? Que rompam com o presidente Bolsonaro? Ora, isso é sonho de noite de fim de verão. Não vai acontecer. E se não vai, por que os filhos de Bolsonaro dão corda ao guru? E por que o presidente parece concordar em parte com a linha crítica desenvolvida pelo filósofo? O fato é: a queda de braço está escancarada. Quem vai levar a melhor? Este consultor não tem dúvidas: os militares ganharão de lavada. Bater, bater, bater Olavo de Carvalho tem uma índole questionadora. Vive de polêmica. Não é de consenso. Sempre atirará contra uns e outros. Ele disse que os militares entregaram o Brasil aos comunistas. Risível. Quem, por exemplo, brande a foice e o martelo? Ora, se há comunistas agindo por essas plagas, estão muito disfarçados. O Brasil de Olavo é um território comunista que recebe as bênçãos dos militares. A polêmica começa a ganhar ares de gaiatice. Mas Olavo sabe o que diz. Continua produzindo manchetes. E assim continuará. Mourão Que o general Hamilton Mourão aprecie a expressão laudatória sobre sua maneira de se comportar, é compreensível. Afinal, os militares atravessaram um longo corredor, onde apupos se juntaram ao medo. Um corredor que começou em 1964. De repente, saem para a luz do dia sob os aplausos das massas. Não há dúvidas. Quem votou em Bolsonaro votou em Mourão e nos militares. Ganharam, assim, os gritos de apoio da população. Ou da metade da população, para ser mais fiel ao resultado das urnas. Mourão, que portava um discurso de linha dura, arrefeceu a linguagem. Ficou suave. Ponderado. Aplaudido. Gostou. E hoje seu coração vibra com a acolhida que as massas dão aos militares. Quem está bem na fita O general Santos Cruz está se saindo bem na Secretaria do Governo. Discreto, nada espalhafatoso. A esfera política começa a vê-lo como perfil confiável. O ministro Tarcísio Gomes, da Infraestrutura, também vai bem. Paulo Guedes, o comandante da economia, já esteve melhor na nota. Rogério Marinho, secretário da Previdência e do Trabalho, subiu de avaliação. Sérgio Moro, da Justiça, estacionou no patamar da boa imagem. Damares, a ministra da Família e dos Direitos Humanos, cresceu na mídia com seu destemor conservador e expressão espontânea. Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, desceu um pouco a escada da boa avaliação. Osmar Terra, da Cidadania, subiu no patamar do prestígio. O general Heleno, da GSI, também caiu um pouco. Ernesto Araújo, o chanceler, continua na escala mais baixa. O vice Hamilton Mourão está bem avaliado. Sou mineiro Tancredo Neves foi ex-tudo na política brasileira. Voltando à crista da onda, explica a um correligionário como conseguiu sobreviver após 64: - Aceitando o impossível, passando sem o indispensável e suportando o intolerável. Afinal, sou mineiro! Novos parlamentares Os parlamentares de primeira viagem, os novos perfis que circulam na Câmara, buscam visibilidade a qualquer custo. Alguns se destacam pelo fato de já serem conhecidos e participado de movimentos, como é o caso de Kim Kataguri, do DEM. A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), também já era conhecida. Era apresentadora da TV Veja. E é mais falante. Quem também está aparecendo bem é Marcel van Hattem, do Novo (RS). No Senado, o mais barulhento é o ex-jornalista esportivo, Jorge Kajuru, líder do PSB. Uma voz tonitruante. STF na onda crítica O STF atravessa uma das fases mais críticas de sua história. Sua imagem não é das melhores entre as instituições. Mas a nossa mais alta Corte já viveu outros momentos críticos. Criado em 1890, o Supremo surgiu com a responsabilidade de ser a instância máxima de um dos três Poderes recém-instituídos pela República, o Judiciário. Permaneceu assim até 9 de abril de 1964, quando foi promulgado o primeiro dos Atos Institucionais (AIs) impostos pela ditadura militar. Permitia ao governo que derrubara o presidente João Goulart demitir ou aposentar os magistrados. Era o início de uma escalada de sanções que chegaria ao seu ápice com o AI-5, de 1968. STM No ano seguinte, viria o AI-6, que transferia ao Superior Tribunal Militar (STM) o poder de julgar em caráter definitivo aqueles que se opusessem ao regime. Apesar de o AI-1 permitir que o governo arbitrasse sobre a composição do Supremo, a ditadura não atuou de fato até baixar o segundo Ato. Baseado na Constituição de 1934 criada no governo Getúlio Vargas, o AI-2, de 27 de outubro de 1965, aumentava de 11 para 16 o total de ministros do STF e tinha, segundo opositores na época, a intenção de enfraquecer a instituição. Embora permitido, nem na época da ditadura de Vargas durante o Estado Novo (1937-45) o aumento do número de ministros foi instituído. Tempos mais duros Mas foi em 13 de dezembro de 1968, com o AI-5, que a ditadura iniciou sua fase mais autoritária. Com ele, o presidente Artur da Costa e Silva aposentou compulsoriamente os ministros Evandro Lins e Silva, Vitor Nunes Leal, que também seria afastado de seu cargo na UFRJ, e Hermes Lima. Em solidariedade, os também ministros Lafaiete de Andrade e Antônio Gonçalves de Oliveira pediram aposentadoria. Além das destituições, Costa e Silva retirou o poder do tribunal de conceder habeas corpus nos casos de "crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular", dando mais poderes à Justiça Militar. Juristas de destaque Os ministros cassados, já falecidos, haviam ocupado cargos de destaque antes da ditadura. Lins e Silva fora procurador-Geral da República entre 1961 e 1963, chefe de gabinete da Presidência em 1963 e ministro das Relações Exteriores, no mesmo ano. Nunes Leal, por sua vez, chefiou o gabinete do presidente Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1959, e se tornou consultor geral da República em 1960. Já Hermes Lima, dono de vasto currículo, foi deputado Federal pelo Distrito Federal entre 1946 e 1951 (à época, na cidade do Rio de Janeiro), chefe do gabinete da Presidência nos governos de Jânio Quadros e Jango, entre 1961 e 1962, ministro do Trabalho em 1962 e das Relações Exteriores entre 1962 e 1963, além de primeiro-ministro do país entre 1962 e 1963. Tiro de misericórdia Após a saída dos cinco ministros, o governo militar impôs o Ato nº 6, em 1º de fevereiro de 1969. Com ele, os poderes da Justiça Militar aumentavam ainda mais e era restabelecido o número de 11 ministros. Cabia ao STM, a partir de então, o julgamento em última instância dos civis processados nos casos de "crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares". O STF não tinha mais o poder de julgar estes réus em recurso. Foi o tiro de misericórdia da ditadura na instituição. A mordaça do regime ao STF só começaria a ser superada em 19 de janeiro de 1979, no final do governo do presidente Ernesto Geisel, que seria sucedido por João Figueiredo, o 5º e último dos generais a comandar o país. A Emenda Constitucional 11 revogava todos os atos institucionais e restituía ao Supremo os seus poderes. O papel do STF seria fundamental no apoio aos novos rumos jurídicos do país. Jurista da democracia Mais de três décadas depois, em solenidade do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2 de dezembro de 2002, os três ministros do Supremo cassados foram restituídos de suas condecorações militares, retiradas na aposentadoria compulsória. Apenas Lins e Silva pôde receber a medalha, uma vez que Nunes Leal e Hermes Lima já haviam morrido, em 1985 e 1978, respectivamente. Fundador do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Lins e Silva faleceria duas semanas depois, no dia 17 do mesmo mês, ganhando da mídia as manchetes como "Jurista da democracia". Atualidade Hoje, o STF vive momentos angustiantes. Alguns de seus 11 membros são alvo de intenso tiroteio das mídias. Valor de aposentadorias Estudo da Firjan revela que em 14 Estados brasileiros o valor médio das aposentadorias dos servidores inativos supera a média salarial dos ativos. No Amapá, por exemplo, os aposentados do Estado (R$ 7.525) recebem quase o dobro dos ativos (R$ 4.568). Já a renda média do brasileiro é de R$ 2.500. No Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina a situação é ainda pior, já que além da diferença na remuneração, possuem mais servidores inativos do que ativos. Déficit da Previdência O estudo "A situação fiscal dos Estados brasileiros" também revela que cada morador do Rio Grande do Sul, por exemplo, contribui com R$ 1.038 ao ano para cobrir o déficit de R$ 11,1 bilhões da previdência estadual. No Distrito Federal, o custo por habitante é de R$ 887 e, no Rio de Janeiro, de R$ 663. Ao todo, o déficit da previdência dos Estados chega a R$ 77,8 bilhões, de acordo com dados de 2017, últimos disponibilizados pela Secretaria de Previdência, do Ministério da Economia, que oferece uniformidade na declaração dos Estados.  
quarta-feira, 17 de abril de 2019

Porandubas nº 616

Abro a coluna com um "causo" do Ceará. Canos furados Perilo Teixeira, chefe político de Itapipoca/CE, foi ao governador Faustino de Albuquerque pedir para instalar o serviço de água da cidade. - Mas não há verba. - Não quero verba, governador. Quero que o senhor me autorize a levar para Itapipoca uns canos furados que estão ao lado da prefeitura de Fortaleza. - Se estão furados, leve. Levou e fez o serviço de água. Na semana seguinte, veio o escândalo. Os canos eram para o serviço de água de Fortaleza e tinham sido adquiridos com muita dificuldade pela prefeitura. Faustino Albuquerque mandou chamar Perilo Teixeira: - Que papel, hein. O senhor me enganou. Disse que os canos eram furados, eu dei, e depois fico sabendo que os canos eram novinhos, para a água aqui de Fortaleza. O senhor mentiu, coronel. - Menti como, governador? O senhor já viu cano que não seja furado? (Da verve do amigo Sebastião Nery) Comoção universal O mundo se comove com o incêndio que consumiu boa parte da Catedral de Notre-Dame de Paris. Um dos mais importantes e simbólicos monumentos da Humanidade deixa em nossos corações uma história dos séculos. No centro, a história da França. Quem tende a cair? E a subir? Nas curvas e retas que tem de percorrer para descobrir para onde estamos e para onde vamos, este analista usa como referência o rol dos protagonistas da paisagem institucional. Dentre eles, quais aqueles que descem a ladeira ou escalam a montanha? Quais são as forças ascendentes e descendentes? É uma maneira de desenhar cenários por mais que o exercício seja complexo. Circunstâncias e fatores imponderáveis acabam desmanchando os desenhos. Mesmo assim, é oportuno seguir adiante. A coluna de hoje tenta fazer uma análise dos nossos principais protagonistas. Quatro cinturões Avalia-se o desempenho de uma administração pela somatória de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O equilíbrio entre eles é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações programáticas. Vale dizer, de antemão, que o governo Bolsonaro acumulou, desde a posse, em janeiro, força descomunal, mas não tem sabido transformá-la em ferramenta de eficácia da gestão. Furos A administração deixa escapar, aos poucos, a condição de usar o poder como "capacidade de fazer com que as coisas aconteçam", como ensina Bertrand Roussel. Basta analisar os furos em pelo menos três dos quatro cinturões do governo. A área política é um território semeado de dúvidas e tensões. A área econômica está em compasso de espera. A esfera social aguarda que o governo chegue até ela. O Poder Executivo Até o momento, não foi possível formar uma base de apoios, de que o governo tanto necessita para aprovar a reforma da Previdência e o que virá na sequência. Não se estabeleceu um pacto de longa duração; acordos provisórios ficam sujeitos ao gosto das circunstâncias. Na economia, a boa equipe espera pelo Congresso. Na área social, muitas dúvidas: acabar com radares nas estradas é uma boa coisa? Armar a população diminuirá a violência? Se a economia decolar... O governo tende a ser bem avaliado se ganhar proeminência na esteira de uma economia resgatada. Mas a índole militarista do capitão presidente tende a anuviar os horizontes. Bolsonaro tem uma expressão direta e o viés autoritário que o qualifica será permanente vetor de dúvidas. A interferência para sustar o preço do diesel não foi e não será um ato isolado. Nesse momento, emerge o traço populista, coisa que imantou sua imagem ao longo da carreira política. Não apagará esse traço tão cedo. É da índole. Sob os aplausos da imensa arquibancada que o acompanha desde a campanha. Feição da equipe Haverá ajustes na equipe aqui e ali. Não se pense, porém, que tais mudanças ocorrerão em função de mudanças no escopo ideológico. Não. O governo tem uma coluna vertebral fortemente ancorada nas costelas da direita. Trata-se de sua identidade, o caráter da gestão. Vai haver corrosão de imagem em decorrência de visão fundamentalista em determinadas áreas. Mas não se deve esquecer que as bases de apoio ao governo abrigam estratos muito conservadores. E o presidente mostra-se disposto a agradar sua clientela. O Parlamento A imagem do Parlamento, depois dos casos que consumiram a imagem de políticos e representantes da velha guarda, melhora perante a comunidade. A eleição fez um expurgo. Novos quadros expressam um ideário de compromissos e mudanças. A turma que chegou ao Parlamento é mais antenada com anseios e expectativas sociais. Do fundo do poço onde estava, a representação parlamentar inicia uma trajetória no caminho do respeito. Partidos Os entes partidários, estes sim, vivem uma crise de descrença. Os grandes partidos estão sem rumos. O MDB esfacela-se. O DEM se refaz à sombra do prestígio de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e do prefeito de Salvador, ACM Neto. O PSDB procura a via do renascimento, agora sob a batuta do governador João Doria. O PSL, do presidente Bolsonaro, não mostra força para resistir aos percalços de um partido que saiu do nada para formar a maior bancada. Não tem estofo doutrinário. É um aglomerado de quadros de primeiro mandato. PRB, PP, PTB, PSD, entre outros, navegarão ao sabor da pasteurização. Sem definir se formam ou não a base de apoio do governo. Desconfiam do presidente. Acham que não cumpre promessas. Judiciário O STF vive a maior crise de descrédito de sua história. Nossa mais alta Corte, convenhamos, nunca foi tão criticada. Grupos sociais inserem alguns de seus membros em compartimentos partidários ou favoráveis a próceres políticos. Há ministros no paredão das redes sociais. Fake newscercam as histórias que se contam sobre eles. A crítica que se faz ao Supremo acaba contaminando a teia judiciária. Os juízes de primeira e segunda instância possuem imagem mais positiva. Mesmo assim, são colocados no pedestal do Estado-Espetáculo, com a pecha de justiceiros, salvadores da Pátria. No Senado, uma eventual CPI da Toga faz barulho. Não irá adiante. Polarização Infelizmente, o país caminhará até o próximo pleito brandindo as armas da polarização. As bandas favoráveis e desfavoráveis ao governo Bolsonaro continuarão a tocar suas trombetas, com agressões, calúnias, queimação de perfis, acirramento nas expressões. Não teremos uma linguagem de paz e harmonia. Basta ver as redes sociais cheias de bílis. Essa tendência persistirá com o engajamento acirrado da família Bolsonaro, que funcionará como uma locomotiva a puxar o trem da direita. E esta avançará mais que a esquerda. O lulismo A esquerda está sem rumos. Lula, preso, continuará a ser o mandão do PT. Por sua recomendação, a hoje deputada Gleisi Hoffmann deverá se reeleger presidente do PT. O movimento "Lula Livre" continuará com a tocha acesa. É razoável acreditar em transferência de Lula para a prisão domiciliar. O ex-presidente não estará fora do jogo político. É a alternativa do PT, em 2022, face a eventual débâcle do governo Bolsonaro. O lulismo continuará forte porque não há lideranças novas no PT. Kennedy John Kennedy: "se uma sociedade livre não pode ajudar os muito pobres, não poderá salvar os poucos ricos". PSOL Na margem esquerda, o PSOL terá vez dentro de um cenário polarizado. Seus quadros respiram mais jovialidade que os do PT. Terão grandes chances de vir a ocupar o Executivo no Rio de Janeiro, seja na esfera municipal, seja na esfera estadual. O partido tem condições de avançar em espaços do PT. Igrejas evangélicas Tendem a se fortalecer sob o guarda-chuva do governo Bolsonaro, que possui enclaves no evangelismo. Mesmo com o desgaste do prefeito Marcelo Crivella, da Igreja Universal. Esse ex-bispo será execrado. Tem sido um desastre no Rio de Janeiro. Mas as igrejas evangélicas estarão bem representadas pela ministra Damares no governo Bolsonaro. Igreja católica Ante o avanço dos credos evangélicos, a igreja católica perderá terreno. Não assume posição na esfera da política, praticamente deixando pastores evangélicos ditarem pautas e agendas no Executivo e no Legislativo. Forças armadas Trata-se do grupamento com imagem que mais se elevou nos últimos tempos. Os militares, que se fazem presentes em áreas importantes da administração Federal, passam a ser aplaudidos, depois de anos sob a desconfiança social. Têm aparecido como poder moderador no governo, suavizando a linguagem, fazendo ponderações adequadas e ganhando confiança. Chegaram ao poder central pelo voto. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, recebeu o mesmo número de votos que Bolsonaro. Empresariado De aplausos fervorosos ao presidente Bolsonaro até pouco tempo atrás, o empresariado assume postura de cautela. Começa a enxergar no presidente traços duros. Um liberal não tão convicto. O mercado se retrai e teme que o liberalismo tão aguardado não sofra as injunções da "índole nacionalista" do capitão. A interferência do presidente para sustar o preço do diesel acendeu os ânimos empresariais. Paulo Guedes conseguirá sustar os rompantes bolsonarianos? Paulo Guedes Formou uma boa equipe econômica, mas, de certo modo, é refém do corpo político. Não tolerará ver quebrada a coluna vertebral da reforma da Previdência. Se isso ocorrer, é bem possível que peça o chapéu. Guedes fará tudo que estiver ao alcance para sustentar seus programas e reformas. Mas há limites. Se perceber que as coisas estão indo para o brejo, será difícil segurá-lo no governo. Serviços públicos A sociedade organizada passa a exigir mais dos governos. A melhoria dos serviços públicos é uma hipótese à vista principalmente em Estados maiores. Alguns governos, como o de São Paulo, investem pesadamente em segurança pública. Nos Estados menores e muito carentes, tal melhoria será improvável. Há Estados com folhas de pagamento atrasadas. Aí greves e movimentos de paralisação tendem a aumentar. Uma nova ordem Maquiavel: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas".  
quarta-feira, 10 de abril de 2019

Porandubas nº 615

Abro a coluna com a historinha de Cabralzinho. Ladrões... Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província: - Ladrões! A praça, apinhada de gente, levou o maior susto. - Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração! Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso: - Ladrões! Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total. - Cambada de ladrões! Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava: - Espera que eu explico! Espera que eu explico! Explicou ao médico, no hospital. Fim da lua de mel Os 100 dias do governo Bolsonaro sinalizam o fim da lua de mel que o eleitorado costuma acertar com governos iniciantes. Às vezes esse prazo vai um pouco além, podendo chegar até 150 dias. Mas com a atual gestão, o fim de linha para a boa vontade dos eleitores fica bem clara. E por que o governo não fez uma decolagem menos crítica? Algumas razões parecem evidentes. Em cima do palanque A primeira ordem de fatores diz respeito ao clima que cerca a administração: tensão, que se observa por meio de alguns elementos. O presidente esnoba a mídia tradicional e prefere dar recados pelas redes sociais; os filhos colaboram para a expansão da linguagem de conflitos que acirra as bandas pró e contra governo; o presidente, até mesmo fazendo piada, diz não ter vocação para presidente do país, e sim para ser militar; a fragilidade da articulação política abre um vácuo na base de apoios. Desconforto Por mais que se queira entender as dificuldades de uma administração em seu início, uma observação ganha corpo a cada dia: o presidente Jair Bolsonaro não parece confortável no figurino de presidente. Lê-se que teria dito a um amigo: "não sei se vou aguentar isso quatro anos". Por isso, a insinuação que jogou no ar, em entrevista à rádio Jovem Pan, de que se estiver bem, poderá se candidatar à reeleição, é cercada de descrédito. Para se manter no pico da boa avaliação, teria de arrumar a casa. E há quem calcule o PIB deste crescendo não a 2%, mas a 1%. Os analistas financeiros começam a soltar pitadas de desconfiança. Seja ousado "Inseguro quanto ao que fazer, não tente. Suas dúvidas e hesitações contaminarão os seus atos. A timidez é perigosa: melhor agir com coragem. Qualquer erro cometido com ousadia é facilmente corrigido com mais ousadia. Todos admiram o corajoso; ninguém louva o tímido". ("As 48 leis do Poder" - Robert Greene e Joost Elffers Comunicação confusa O governo continua a pecar por não ter homogeneidade na comunicação. O porta-voz do governo, o general Rêgo Barros, até se esforça para interpretar falas e atos da administração. Mas o governo não construiu sua identidade. E sem essa, fica difícil comunicar de maneira substantiva. A sensação é a de que tateia na escuridão. O general Santos Cruz teria também sob sua guarida a estrutura de comunicação. E ainda a de articulação. Mas, e o Onyx Lorenzoni? A guerra como continuação da política "Vemos que a guerra não é só um ato político, como também um autêntico instrumento político, uma continuação do comércio político, um modo de levar o mesmo a cabo, mas por outros meios. Tudo o que está para além disso, e que é estritamente peculiar à guerra, relaciona-se apenas com a natureza peculiar dos meios que ela utiliza". (Da Guerra - Klaus Von Clausewitz) Sem base Não há uma base governista até o momento. O PSL é o partido do governo, mas não conta com parceria formal com outros entes. Os cerca de 200 parlamentares que até sinalizam apoio à reforma da Previdência o fazem por iniciativa própria, sob a crença de que ela será uma tábua de salvação. Não agem partidariamente. Bolsonaro recebeu presidentes de partidos, mas as conversas ficaram no plano das generalidades. Os partidos, por sua vez, temem ser lançados no saco da "velha política". A cautela abre distância. A dor dos carneiros "Devem V. Sas. abster-se de lançar novos impostos, pois os tributos geram indisposições no povo. O povo é um rebanho de carneiros que se tosquiam, mas quando a tosquia vai até a carne, produz infalivelmente dor e, como esses carneiros raciocinam, por isso mesmo se convertem muitas vezes em terríveis alimárias. O país não deve ser esgotado de dinheiro corrente porque este é o músculo e o nervo, sem os quais este corpo nenhuma força pode ter". (Mauricio de Nassau - Testamento Político em Conselhos aos Governantes) Ministros sem preparo O vice-presidente Mourão tem tido a coragem de dizer que sua diferença em relação a Bolsonaro é medida por meio de características. Ele, por exemplo, teria escolhido outras pessoas para compor o Ministério. No fundo, trata-se de uma observação aguda sobre o despreparo de perfis. Ou, ainda, uma crítica ao açodamento ideológico com que membros do governo se manifestam. Na Pasta da Educação, instalou-se o caos. Com a demissão do Vélez e a entrada de Abraham Weintraub, economista e professor, mas sem experiência, espera-se um freio de arrumação numa área importante. O prejuízo que o ministro demitido deixou para o governo é de monta. Outros cometeram asneiras, como a bobagem de conferir ao nazismo o selo de esquerda. Ministros sob suspeita Há ainda quem permanece sob suspeita, como o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que teria plantado "aranjal" na campanha eleitoral em Minas Gerais. Portanto, há pessoas com um pé dentro e outro fora do governo. O desalinhamento fragiliza a equipe. Fora a impressão de bifurcação de tarefas, como as que dizem respeito à articulação, envolvendo líderes do governo e ministros. Moral e política "Maquiavel conta no livro III dos Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Tal reação ilustra a tensão entre moral e política e mostra que os romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social". (Política: uma brevíssima introdução - Autor: Kenneth Minogue) Revogaço O presidente Bolsonaro promete para os próximos dias um "revogaço". A ideia é anular decretos "desnecessários". Escreveu ele no Twitter: "realizaremos um "Revogaço", anulando centenas de decretos desnecessários que hoje só servem para dar volume ao nosso já inchado Estado e criar burocracias que só atrapalham. Daremos continuidade ao processo. Vamos desregulamentar e diminuir o excesso de regras". Um desastre As manchetes se repetem: "caos e mortes no RJ". As chuvas devastam o belo cartão postal. Mas há um desastre escancarado: a gestão do prefeito Crivella. É péssima. A prefeitura não fez praticamente nada para prevenir a destruição. Doria ocupa vácuo Na decolagem dos novos governantes, geralmente abre-se um vácuo na estrutura de poder. Uns saem, outros entram no desfile governamental. Quem melhor aproveita o vácuo que se abre é o governador paulista João Doria, que mantém impressionante ritmo. Tem agenda diária cheia de eventos, ações e operações, muito bem comunicadas por ele mesmo nas redes sociais. Faz-se presente aos acontecimentos envolvendo seus pares governantes. E mostra-se exímio articulador. João se locomove bem, usando seu jogo de cintura e fluente expressão. Da arte de administrar a guerra 1. "A arte de administrar a guerra é própria do capitão-general e, por ser mais árdua coisa que há entre todas as ações humanas, é necessário que concorram muitas partes singulares na pessoa que houver de sustentar esse peso. 2. Quatro são as principais que se requerem no general: larga experiência da arte da guerra; conhecido valor da própria pessoa; autoridade e reputação entre os seus e os estranhos; e boa fortuna nas cousas que empreender. 3. Todas estas teve Júlio César, e primeiro Aníbal, que foram os maiores dois capitães que se sabe, ainda que a fortuna ultimamente desamparou a Aníbal e se passou a Cipião, o Africano". (Sebastião de Meneses/ Suma Política) O santuário brasileiro O papa Francisco está ampliando o santuário brasileiro. Reconheceu um milagre que teria ocorrido por intercessão do padre brasileiro Donizetti Tavares de Lima. Por isso, o sacerdote será beatificado. O processo foi aberto em 1992. A decisão foi anunciada durante audiência da Congregação das Causas do Santos. No evento, o papa ainda reconheceu as "virtudes heróicas" do frei Damião de Bozzano (italiano radicado no Brasil) e do paulista Nelsinho Santana, que passam a ser considerados "veneráveis" pela Igreja Católica. Em homenagem a Frei Damião Vai, aqui, uma historinha em homenagem ao "Santo do Nordeste", Frei Damião. Lá vinha o carro desembestado pelas estradas poeirentas, entre Patos e Cajazeiras, na Paraíba. Dentro, dois frades: Frei Fernando e Frei Damião, tão admirado quanto "padim" Ciço (Padre Cícero Romão Batista). O guarda do posto divisou, de longe, aquele automóvel em louca disparada. Logo fechou a cancela do posto. O motorista teve de se conformar com a freada brusca. O guarda foi duro: - Esse carro disimbestado não tem frei? (A fonética é essa mesmo: disimbestado e frei (em vez de freio). Resposta lacônica: - Tem, sim, seu guarda. Tem logo quatro: frei de pé, frei de mão, Frei Fernando e Frei Damião. Surpreso e curioso, o guarda olhou e viu os "freis". Pediu a bênção ao Frei Damião, pediu desculpas, liberou o carro e abriu a cancela. Reforma tributária O assunto é também polêmico: tributos. Fazer uma reforma nessa área vai mexer com interesses de Estados, municípios e União. E, claro, com o bolso do consumidor, que aceita muita coisa, menos a bocarra do leão em seu bolso. Mas essa reforma tende a sair. A ideia central é implantar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em substituição a cinco impostos: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS. Até, pasmem, com maior engajamento do corpo congressual. Rodrigo Maia simpatiza com a ideia e já está providenciando a inserção do tema na agenda da Câmara. Avante, Rodrigo. Nota da FSB: "Até o dia 17, é possível prever o que vai acontecer com a reforma da Previdência. Ela será aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. A partir daí, o terreno é movediço". Distância Rodrigo Maia não quer "apanhar como mulher de malandro". Em relação à reforma da Previdência, toma distância. Ficará restrito ao papel institucional. Faz bem. O governo é um poço de ciúmes e desconfiança. Ignorar é a melhor vingança "Reconhecendo um problema banal, você lhe dará existência e credibilidade. Quanto mais atenção você der a um inimigo, mais forte você o torna; e um pequeno erro às vezes se torna pior e mais visível se você tentar consertá-lo. Às vezes, é melhor deixar as coisas como estão. Se existe algo que você quer, mas não pode ter, mostre desprezo. Quanto menos interesse você revelar, mais superior vai parecer". (As 48 leis do Poder - Robert Greene e Joost Elffers)
quarta-feira, 3 de abril de 2019

Porandubas nº 614

A coluna de hoje está diferente. Com o aperitivo inicial, uma historinha do coronel Chico Heráclio, de Pernambuco. O voto é secreto Foi o mais famoso coronel do Nordeste. Em Limoeiro, quem mandava era ele. Era o senhor da terra, do fogo e do ar. Ou obedecia ou morria. Fazia eleição como um pastor. Punha o rebanho em frente à casa e ia tangendo, um a um, para o curral cívico. Na mão, o envelope cheinho de chapas, que ninguém via, ninguém abria, ninguém sabia. Intocado e sagrado como uma virgem medieval. Depois, o rebanho voltava. Um a um. Para comer. Mesa grande e fartura fartíssima. Era o preço do voto. E a festa da vitória. Um dia, um eleitor foi mais afoito que os outros: - Coronel, já cumpri meu dever, já fiz o que o senhor mandou. Levei as chapas, pus tudo lá dentro, direitinho. Só queria perguntar uma coisa ao senhor - em quem foi que eu votei? - Você está louco, meu filho? Nunca mais me pergunte uma asneira dessa. O voto é secreto. (Do manual de Sebastião Nery) Protagonistas do momento Bolsonaro Se continuar a tomar distância dos congressistas, pode ganhar as primeiras batalhas, mas tende a perder outras mais adiante. Rodrigo Maia Tem a chave da porta das reformas. Grande poder de articulação e mobilização. Dialoga com todas as áreas e partidos. Guedes O ministro da Economia Paulo Guedes é alavanca para aprovar as reformas, a começar pela Previdência, que será enxugada. Moro O ministro da Justiça Sérgio Moro continua com o farol alto, tem prestígio, mas enfrentará resistência. Seu pacote anticrime receberá modificações. Hamilton Mourão O vice-presidente continua surpreendendo positivamente. Boa fluência, moderado, abre conversa a torto e a direito. Diminui o medo que se tem dos militares. Ernesto Araújo O chanceler, com seu conservadorismo, suja a barra do Brasil na geopolítica internacional. Mudança de rumo na política externa, com certa "subordinação" a interesses dos EUA, é objeto de muitas críticas. Ricardo Vélez O ministro da Educação vai mal das pernas. Mais um percalço, será demitido. Damares Alves A ministra da Família e dos Direitos Humanos, mesmo falando muito, parece firme no posto. Expoente do conservadorismo. Rogério Marinho O secretário do Trabalho e da Previdência é um dos melhores quadros do governo. Ajuda ainda na costura política. Marcos Cintra Luta para diminuir a carga tributária. Setores produtivos apreciam a visão do Secretário da Receita. João Doria O governador de São Paulo firma-se como um perfil com muita energia. Capacidade de articulação. Constante interlocução com companheiros governadores. Romeu Zema O governador de Minas Gerais continua sendo bem aprovado pelos mineiros. Salim Mattar O secretário da Desestatização está frustrado com o ritmo lento das privatizações. Por ele, o carro correria a 200km/h. Está lerdo, coisa de 30 km/h. Paulo Skaf Preparando-se para voltar à lide política. Ficou uma temporada na moita. Setores produtivos Baixam expectativas e descem a escada da esperança. Mostram-se desanimados com a economia andando a passos de tartaruga. Movimentos sociais Em estado de letargia. Só algumas centrais sindicais ensaiam dar as caras em evento em São Paulo contra a reforma da Previdência. Congressistas Não tão animados como estavam após as eleições. Vêem diminuir seu espaço na estrutura governativa. Na Câmara, disposição é desidratar reforma da Previdência. Real politik Presidentes (Romero Jucá, Gilberto Kassab, Ciro Nogueira, Marcos Pereira, ACM Neto) e líderes dos partidos na expectativa de serem recebidos pelo presidente Bolsonaro. Vão cutucar o capitão e mostrar a real politik. Países árabes Não se conformam com decisão do presidente de abrir um escritório comercial do Brasil em Jerusalém. Podem retaliar com o fechamento de suas fronteiras para importação de carne bovina, frango, soja e milho. Lula O STJ faz mistério para julgar recurso de Lula no caso Tríplex. Expectativa é de que o caso seja trazido à pauta nas próximas sessões. Defesa do ex-presidente confiante na redução da pena. Haddad O ex-prefeito de SP, Fernando Haddad, procura um lugar na cena institucional. Sua mulher, Ana Estela, é cotada para candidatura à prefeitura de São Paulo em 2020. MP O Ministério Público continua açodado. Seus membros não querem perder o protagonismo. STF Enfrenta críticas. E o presidente Dias Toffoli manda investigar "calúnias" e "ameaças" contra ministros. As alavancas da política Como serão os passos da política nos próximos tempos? Que vetores estarão impulsionando a máquina da política? Para que lado se movimentarão os protagonistas? Será que chegamos mesmo ao fim do ciclo do que muitos têm chamado de "velha política"? Essas são algumas das perguntas que pairam sobre a moldura institucional, aqui e alhures, a denotar que a sociedade contemporânea procura novos meios para lhes proporcionar maior conforto e bem-estar. Tentemos analisar alguns fenômenos que emergem nos horizontes da política. 1. Troca de eixos A democracia tem falhado em suas promessas, dentre as quais destacam-se a igualdade social, a educação para a cidadania, o combate ao poder invisível, a transparência dos governos, o acesso à Justiça. Bobbio já apontara algumas dessas intenções em seu belo livro "O Futuro da Democracia". Na medida em que a democracia não tem correspondido às suas expectativas, os agrupamentos sociais apontam para a ruptura dos elos tradicionais da política, começando por eleição de perfis que se identificam com uma "virada de mesa" nos costumes e padrões da política. Mudança na modelagem construída pelo establishment passa a guiar corações e mentes. 2. O arrefecimento partidário Os entes partidários tendem a perder cada vez mais força na moldura institucional, puxados pelo declínio das ideologias clássicas, pela mudança de rumos e métodos dos partidos de massa, que, ao chegarem ao poder, não conseguiram realizar as promessas feitas às bases. Os partidos se transformaram em geleias inodoras, incolores e insossas. Basta ver o pleito de outubro de 2018, no Brasil, que apagou o brilho de grandes partidos e fez subir na escada partidária siglas até então sem prestígio, como o PSL, hoje a maior bancada na Câmara Federal. 3. A desmotivação das bases As massas já não se entusiasmam com ideologias, promessas e programas dos partidos. Afastam-se dos atores políticos, dando-lhes as costas. Ampliam o fosso entre a sociedade e a política, abrindo um imenso vácuo que passa a ser ocupado pelo universo organizativo: associações, movimentos, grupos, núcleos. O eleitorado caminha na direção do antivoto e também voto de protesto. 4. O nacionalismo Nas grandes nações ocidentais, com suas democracias liberais e abertas aos fluxos de imigrantes, grupamentos como produtores rurais, operários de empresas obsoletas, que perdem empregos na esteira da globalização e do desenvolvimento tecnológico e aglomerados populacionais, com seus valores e padrões tradicionais - formam densa camada a desfraldar a bandeira nacionalista. Nos EUA, essa característica assumiu grandeza e importância na eleição de Donald Trump. No Brasil, a simbologia nacionalista tem eixos fincados no estamento militar. Isso explica, em parte, a simpatia que os militares adquirem na quadra recente da política brasileira. 5. A comunicação tecnológica A sociedade, agora envolvida no celofane tecnológico das mídias, passa a frequentar com intensidade os espaços das redes sociais, descobrindo nelas coisas que satisfazem expectativas na esfera da comunicação - a interatividade com interlocutores, a boa surpresa de pessoas anônimas passarem a ser fontes de comunicação, algumas muito prestigiadas. A comunicação de massa, antes uma prerrogativa dos meios massivos - rádio, TV, jornais e revistas - agora é um fenômeno compartilhado e com força para influir na formação de pensamento. A comunicação digital quebrou paradigmas do sistema global de comunicação social. 6. O evangelismo A fé, um produto à venda nos territórios dos templos evangélicos, toma impulso na esteira da crise que corrói o poder do bolso e no meio da insegurança social. Ganha força o império das igrejas evangélicas, com seu discurso de engajamento que começa nos horários noturnos e prossegue nas madrugadas. A força é tamanha que passa o evangelismo a se transformar em poderoso motor da política, elegendo bancadas, votando na figura de um presidente identificado com seu ideário. O evangelismo passa a ser o refúgio dos descrentes na política. Eleito, Bolsonaro estende a mão ao poderio evangélico com a escolha de alguns de seus participantes para compor a estrutura ministerial. 7. A massificação das fake news Numa sociedade ultra fragmentada (e polarizada) - grupos, núcleos, setores, exércitos a favor e contra governantes - ganha força o poder da mentira. Multiplicam-se as fábricas que produzem fake news, servindo, de um lado, para construir e emoldurar as administrações e, de outro, para desconstruir protagonistas da política. Esse arquipélago de fake news - com ilhas que acolhem exércitos favoráveis e desaforáveis ao governo - funciona como pólvora que incendeia grupos dos dois lados. As mentiras, muitas embaladas em versões cheias de detalhes para formatar a modelagem da "verdade", farão, doravante, parte do arsenal da política. 8. Os justiceiros e salvadores da pátria O ambiente social, recortado por escândalos que envolvem políticos, burocratas, empresários, entre outras representações, favorece a glorificação de certas personagens, que são elevadas às categorias de "justiceiros" e "salvadores da Pátria", ao acusarem personalidades do mundo político e autorizarem sua detenção. É fato que a operação Lava Jato foi criada para passar o Brasil a limpo. E essa meta está sendo conquistada. Mas a exacerbação de certas ações, sob uma encenação cinematográfica, aproxima tais atos do Estado-Espetáculo, onde os "justiceiros" ganham gigantescos espaços midiáticos. Ou seja, a vaidade banha as operações. Sobram críticas para procuradores/promotores, juízes e policiais Federais. 9. A velha história do "novo" A "nova política" sobe ao altar da grandeza. O presidente eleito apresenta-se como seu feitor. Proclama a era do mérito na administração. Diz que só aceita indicação de pessoas meritórias, enquadrando os parlamentares. Cria-se um espaço de dissonâncias. O próprio presidente da Câmara, que propusera desde o início ajudar o chefe do Executivo, recebeu estocadas do chefe do Executivo e do filho Carlos. A ausência de articulador político de respeito gera dúvidas sobre a aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Assim, o argumento de governar com o "novo" cria dissonância. 10. A fogueira acesa da polarização Os fenômenos anteriores, que darão o tom da política nos próximos tempos, se completam com a divisão social, engendrada desde os tempos em que o PT apareceu na moldura institucional. Ganhou força a polarização com o refrão construído por Lula: Nós e Eles, os bons e os maus, os bandidos e os mocinhos. O novo presidente, até o momento, não mostra vontade de harmonizar as bandas divididas da sociedade. De um lado, veremos os exércitos bolsonarianos empunhando suas bandeiras conservadoras e a defesa que faz da ditadura de 64; de outro, a ala que defende as liberdades e os direitos humanos. Essa querela tende a se estender. Sob a rufar de tambores nas redes sociais. A paz social tornar-se-á cada vez mais uma quimera.
quarta-feira, 27 de março de 2019

Porandubas nº 613

Abro a coluna com uma historinha de 1945. O poder é como água 1945. O Brasil abre o ciclo da redemocratização. Hermes Lima, fundador da UDN, deputado constituinte, ex-presidente do STF, foi ao Nordeste conseguir apoio de democratas ilustres para fundar outro partido, o Partido Socialista Brasileiro. Em João Pessoa, procurou Luís de Oliveira: - Luís, o socialismo é como aqueles gramados dos castelos da Inglaterra. Cada geração dá por eles um pouco de si. Um jardineiro planta, o filho cuida, o neto poda. E vai assim, de geração em geração, até que, um século depois, torna-se o que é. - Doutor Hermes, me desculpe, mas não vou entrar não. Gosto muito do socialismo, mas vai demorar muito. Eu quero é o poder. E o poder é como água. A gente tem que beber na hora. Autossuficiente O governo Bolsonaro, nesses 90 dias de vida, exibe farta autossuficiência. Ele se basta. Apesar dos avisos e alerta de Rodrigo Maia, o presidente dá mostras de fechar ouvidos aos conselhos. Tem um líder muito fraco na liderança do governo na Câmara, o major Vítor Hugo (PSL-RJ), um iniciante, passa boa parte do tempo tuitando, dá estocadas no presidente da Câmara e, incrível, parece não ter vontade de aprovar a reforma da Previdência. Ele mesmo já disse: "por mim eu não faria essa reforma". Frase infeliz. Na corda bamba O governo tateia na escuridão. Não sabe para onde ir. Os generais que cercam o presidente, cheios de bom senso, não conseguem domar "a fera". Até para evitar acirramento, os generais não querem grandes comemorações em 31 de março, quando o movimento militar completa seu 55º aniversário. Pois bem, Bolsonaro determinou que eles comemorassem (nota adiante). No Chile, Bolsonaro teceu loas ao ditador Pinochet. E o presidente do país, Sebastián Piñera, lamentou as "declarações" do brasileiro. No Paraguai, chamou o falecido ditador Alfredo Stroessner de "estadista". O PSL, partido maior do governo, é um saco de gatos. Paulo Guedes até desistiu de ir à CCJ na Câmara explicar a nova Previdência. Os descrentes "Quando um homem vem me dizer que não crê em nada e que a religião é uma quimera, faz com isso uma confidência muito ruim, pois devo ter, sem dúvida, ciúme de uma terrível vantagem que ele tem sobre mim. Como? Ele pode corromper minha mulher e minha filha sem remorsos, enquanto eu seria impedido de fazer o mesmo por medo do inferno. A disputa é desigual. Que ele não creia em nada, com isso posso consentir, mas que vá viver em outro país, com aqueles que se lhe parecem, ou, pelo menos, que se esconda, e que não venha insultar minha credulidade". Montesquieu em seus Escritos. Morreu? Há muitos parlamentares considerando morta a reforma da Previdência. Um deles é Kim Kataguiri (DEM-SP), criador do MBL. Este consultor acredita que ela tem sobrevida. Quem segura o presidente? Dizem que nem o general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, consegue "segurar o homem". Bolsonaro não teria ainda se dado conta do cargo e do fardo que pesa sobre seus ombros. Nos EUA, mais parecia um turista satisfeito em sentar no sofá da Sala Oval da Casa Branca. Não se sabe que prioridades guiam o governo. O ministro da Educação mostra-se destrambelhado. Outros ainda não conseguiram aparecer. Os mais salientes são aqueles que deitam e rolam na cama do conservadorismo, a ministra Damares Alves, da Família e Direitos Humanos, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. Os governantes Quando Confúcio visitou a montanha sagrada de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. - Por que não se muda daqui, perguntou Confúcio. - Porque os governantes são mais ferozes que os tigres. No mundo da lua Esperava-se que o governo, ainda sob os eflúvios da vitória, fosse capaz de organizar uma base em torno de 300 parlamentares. Ou mais. Até o momento, necas. O presidente do PRB, deputado Marcos Pereira, diz que a base é tão fraca que o governo não tem nem 50 votos para aprovar a Previdência. O fato é que o capitão parece extasiado com a faixa presidencial. Já foi aos EUA, ao Chile e se prepara para viagem a Israel. Para arrematar os ares de improvisação que cercam a administração, só falta mesmo comunicar a mudança da sede da embaixada brasileira, de Tel Aviv para Jerusalém. Se isso ocorrer, o mundo árabe vai retaliar no campo da importação da carne brasileira. O governo perambula no mundo da lua. O exemplo de Maomé Maomé levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. E que, do cume, faria preces a favor dos observantes da sua lei. O povo reuniu-se; Maomé chamou pela montanha, várias vezes; e como: "Se a montanha não quer vir ter com Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Dessa forma, os homens que prometeram grandes prodígios e falharam sem vergonha (porque nisso está a perfeição da audácia), passam por cima de tudo, dão meia volta e realizam o seu feito. (Francis Bacon em seus Ensaios) Juristas e Temer Juristas e professores de Direito, em peso, a partir dos ex-ministros do STF, Carlos Veloso e Ayres Britto, expressam sua visão sobre a prisão do ex-presidente Michel Temer: sem justificativa plausível, sem base jurídica. Diferentemente da prisão de Lula, que aconteceu após condenação em 2ª instância. Sundfeld O jurista Carlos Ari Sundfeld, na coluna Sônia Racy, no Estadão de ontem, sintetiza a visão jurídica que se leu na mídia: "o juiz Ivan Athié está bem embasado ao recorrer ao art. 312 do Código de Processo Penal e lembrar que não há nele 'qualquer justificativa para segregação preventiva' de Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco". A colunista complementa: "ao fazer essa ponderação, o jurista assinala que a acusação do juiz Bretas menciona fatos que já se deram há pelo menos dois anos, mas 'nada que apresente risco presente' - do tipo destruir provas ou fugir". Golpe de 64 Essa decisão do presidente Bolsonaro de determinar que as Forças Armadas comemorem o dia 31 de março é vista como exagero. Nem os militares esperavam por medida tão inoportuna nesse momento em que cabe um esforço pela pacificação nacional. Bolsonaro anima sua base de apoio e fustiga adversários. Frente eleitoral A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, anuncia que pedirá ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que examine a possibilidade de atribuir aos juízes Federais a competência eleitoral. Para Dodge, a atribuição daria aos juízes Federais autonomia maior de ação, investigação e combate aos crimes eleitorais - onde, em suas palavras "nasce a corrupção". Afastamento 2020 começa a abrir horizontes. Muitos quadros se mostravam dispostos a perfilar ao lado de Bolsonaro com vistas ao pleito municipal. Com a sinalização de declínio do governo, detectada por pesquisas, estes quadros sinalizam distância. Ou seja, começam a dar sinais de que não mais se interessam por um alinhamento ao governo. A conferir. Nós e eles Pelo andar da carruagem, o país continuará a caminhar em trilhas diferentes. O "Nós e Eles", refrão tão badalado pela era petista, continuará sob novo refrão: "nós, os da nova política, e eles, os da velha política". Só que os novidadeiros da política ainda não conseguiram explicar as diferenças de conceitos. A forca mais alta "Canuto, rei dos Vândalos, mandando justiçar uma quadrilha, e pondo um deles embargos de que era parente del-Rei, respondeu: "Pois se provar ser nosso parente razão é que lhe façam a forca mais alta". Padre Manuel Bernardes Moro sob fogo Os aplausos e loas ao ministro Sérgio Moro começam a diminuir. A força do juiz está sendo estiolada pela nova identidade que começa a construir: a de ministro. Moro não terá facilidade na aprovação de seu pacote anticrime a tramitar na Câmara dos Deputados. Battisti confessa Cesare Battisti admite envolvimento em quatro assassinatos, diz procurador italiano. "Quando matei foi uma guerra justa para mim... Percebo o mal que causei e peço desculpas às famílias das vítimas;...os quatro assassinatos, os três feridos e uma enxurrada de roubos e roubos para autofinanciamento, é verdade. Eu falo das minhas responsabilidades, não vou nomear ninguém", afirmou. Até então, Battisti negava envolvimento em homicídios e se dizia perseguido. Procurador diz que, ao se declarar inocente, ele ganhou apoio da esquerda por onde passou, inclusive de Lula no Brasil. Pois é, e muitos por essas plagas continuam apostando em sua inocência. Prefeitura O prefeito Bruno Covas dá os primeiros sinais de que será candidato à reeleição. Claro, pelo PSDB. Se João Doria crescer na avaliação popular do governo, será o principal cabo eleitoral de Bruno. Onde está Skaf? Onde está o presidente da FIESP Paulo Skaf? Deu profundo mergulho no oceano da política. Parece decepcionado com derrotas seguidas ao governo do Estado de São Paulo. Mas saiu com boa votação. E não está morto politicamente. Se tivesse interesse pela área municipal, bem que poderia ser um candidato competitivo no pleito de 2020 na maior capital do país. Diz-se que estaria inclinado a lutar pela presidência do MDB. Seria entrar em um saco de gatos. Precisa cultivar a boa safra de votos que já colheu. Lava Jato A operação Lava Jato não vai morrer. A essa altura, é uma ação que se faz presente no sistema cognitivo dos brasileiros. Mesmo que se aprove projeto no sentido de coibir abusos de autoridades, enganam-se aqueles que acham que o Parlamento tentará sustar a continuidade da Lava Jato. A conferir. Redes sociais Apesar da inegável capilaridade conferida pelas redes sociais, aliada aos valores da interatividade e tempestividade (simultaneidade), as redes sociais continuam sendo instrumentos que não excluem nem substituem as mídias tradicionais - jornais, revistas, rádio e TV. O ideal é o uso combinado e planejado de todo o circuito midiático. E as novas lideranças? Qual é o rescaldo eleitoral? Quais são as lideranças emergentes? Ainda não deu para apurar. João Doria, em São Paulo, Romeu Zema, em Minas Gerais, Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, Ibaneis Rocha, no DF, Wilson Witzel, no RJ, estão começando suas administrações. No Parlamento, há um leva de novos deputados e senadores. Também ainda não há nomes de destaque. É cedo. A novidade é com o PSL, que nesse momento é a maior bancada (55 deputados). Trata-se de um partido onde seus integrantes fazem o exercício de tiroteio recíproco. Sem futuro.  
quarta-feira, 20 de março de 2019

Porandubas nº 612

Abro a coluna com Franco Montoro Depois de deixar governo e Parlamento, Franco Montoro passou a se dedicar ao Instituto Latino-Americano - ILAM. Na condição de presidente, foi a um almoço organizado por grupo de professores da USP no restaurante do campus. Como se sabe, Montoro tinha dislexia, momentos em que confundia nomes. A conversa fluía bem. A certa altura, ele se surpreendeu ao saber que este consultor era potiguar e parente de queridos amigos dele, João Faustino e Sônia. Montoro e dona Lucy foram padrinhos de casamento de uma das filhas do casal. De repente, lá vem a pergunta: - Como está o Agrário? Passo a lupa na mente e lamento ignorar a identidade da figura. Mudamos de assunto. O Agrário continua a frequentar a minha cuca. De repente, Eureka. Agrário? Agrário? Não seria o Urbano? Tomo a iniciativa: - Governador, será que o senhor não confundiu o Agrário com o Urbano? - Ah, é claro, é claro. Desculpe. Como vai o Urbano? Francisco Urbano era presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG. Um potiguar muito conhecido nos universos sindicalista e político. Montoro havia confundido o espaço rural com a geografia urbana. Franco Montoro: exemplo de Honradez e Dignidade. Estado de sístole Infelizmente, aquele respirar mais solto, com lufadas de ar entrando e saindo dos pulmões, ainda não acontece. O país continua em estado de contração. A respiração é contida, às vezes a impressão é de falta de fôlego para que o caminhante possa continuar a jornada. Pois assim é: a reforma da Previdência está na pauta central da política, mas o corredor por onde passará é longo. Os políticos querem saber quando entrarão na malha administrativa, indicando quadros e ocupando cargos. A economia está vacilante. A Bolsa bateu os 100 mil pontos, mas anda como caranguejo, prá lá e prá cá. Grandes interrogações assomam. A diástole virá? Quando entraremos no clima de descontração? A tensão que permeia o tecido social resulta não apenas das indefinições na frente da política, mas por força de um comportamento do presidente Bolsonaro em querer continuar com a beligerância que guiou sua campanha. O chefe do Estado usa rotineiramente o Twitter para fustigar adversários, todos aqueles que não simpatizam com suas ideias. O ferrão bolsonariano cutuca ânimos e eleva o estado de espírito de seu exército. Os filhos contribuem para avolumar esse arsenal de guerra, usando sua expressão como extensão do tiroteio adotado pelo pai. O que pretende Bolsonaro O presidente se posiciona como um soldado da causa ultraconservadora que o elegeu: um homem simples, que usa jargões populares, posicionando-se contra as elites, defendendo os valores da família, posicionando-se contra o aborto, a escola sem partido, a ideologia de gêneros, a favor do armamento da sociedade, combatendo comunistas (geralmente os petistas), defendendo a ortodoxia na economia liberal, contra o "toma-lá-dá-cá" na política, ancorando o governo nas bancadas temáticas, a partir das bancadas dos 3 Bs: Boi, Bala e Bíblia (ruralistas, armamentistas e evangélicos). Até quando adotará esse figurino - que dispensa a articulação com partidos e líderes? Os filhos versus Mourão A tensão toma corpo ainda na arena onde o general Hamilton Mourão se locomove. O vice-presidente domina bem o campo da expressão, dando explicações, arrematando o pensamento do presidente Bolsonaro, dando a ele uma interpretação bem mais palatável do que sugere a rispidez de algumas tiradas presidenciais. Mourão é uma pilastra do poder moderador. Explica, põe panos quentes, não quer entrar em briga, como acentua em relação ao filósofo Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, que o chama de "idiota". Noutros tempos, o general Mourão certamente devolveria com juros e correção monetária as imprecações do professor online. Mas o vice quer, claramente, ser um paredão contra os exageros radicais de pensamento e linguagem emitidos pela língua ferina do núcleo familiar e de outros componentes do governo. E o poder bélico? Bolsonaro soltou a língua. Entre os elogios aos EUA, o presidente brasileiro enalteceu a "capacidade bélica" da nação americana. Teria pensado nisso para "libertar" os venezuelanos da opressão do governo Maduro? Essa o general Mourão se esquiva de comentar... Generais seguram o tranco O fato é que os generais Mourão, Heleno, da Segurança Institucional, Carlos Cruz, da Secretaria de Governo, Floriano Peixoto, da Secretaria Geral da Presidência e Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, formam um escudo de proteção ao presidente. Estão preocupados com a radicalização que ainda toma conta de apreciável banda do governo, temem uma posição do país que possa comprometer suas relações com China e países árabes, tentam trazer o governo mais para o centro, a par de uma ação com vistas ao apaziguamento de ânimos insuflados desde os tempos de campanha. Os generais querem ser fiadores de tempos de paz e harmonia. Bolsonaros versus Mourão Há uma acentuada dose de desconfiança nutrida principalmente pelos filhos políticos do presidente, a partir do mais intrépido, Carlos, em relação ao general Mourão. Como este tem se revelado um comunicador de muito bom senso, pode passar a impressão de que promove a "festa da imprensa", sendo bem tratado e bem acolhido por jornalistas que o entrevistam. É natural que essa capacidade de Mourão de abordar temas complexos com a língua bem aprumada e sem rancor gera ciúmes. E há até suspeição, como se viu tempos atrás, de que certas pessoas torceriam para que o presidente Bolsonaro não tivesse boa recuperação. A frase foi despejada pelo filho Carlos quando o presidente se recuperava da facada. O alvo, segundo se diz, seria Mourão. Rompante Até o presente momento, o vice-presidente tem se comportado como hábil interlocutor, ouvido por políticos, respeitado por empresários, enfim, inserindo o governo em espaços centrais da sociedade. Mas até quando continuará a linguagem errática, inclusive com vitupérios, com que alguns tratam o general Mourão? Até quando o sangue da indignação não será mais contido e o general passe a usar o fio da navalha para responder aos seus críticos, como o filósofo Olavo? Caindo a ficha O governo Bolsonaro ainda não viu a ficha cair. E quando isso ocorrer, vai ter que enfrentar a real politik. Se ele pensa que pode iniciar uma nova era na política, vai se decepcionar. Poderá, até, ser o presidente da transição entre duas eras: a do presidencialismo de coalizão e a da meritocracia. Mas não conseguirá governar sem partidos ou, se for o caso, sem uma bancada de apoio no Congresso. Não se muda uma cultura política da noite para o dia. Bolsonaro vai cair na real. E esse sinal já apareceu quando acertou com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, o fluxo da reforma da Previdência. Rodrigo é a chave do portão. Quando? É mais provável que a reforma passe pelas casas congressuais no mês de agosto. Paulo Guedes Paulo Guedes tem se desdobrado para agradar aos políticos. Mas há uma ameaça pairando acima de nossas cabeças: se a reforma da Previdência não atravessar o Rubicão, o todo poderoso ministro da Economia pedirá o chapéu. A confissão teria sido feita por sua filha, Paula Drumond Guedes, de 35 anos, formada pela Universidade do Sul da Califórnia e com MBA em Wharton. O trio conservador A ministra Damares Alves, da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, é uma das mais prestigiadas pelo presidente Bolsonaro. Ao contrário do ministro da Educação, Vélez Rodriguez, teólogo, filósofo, ensaísta e professor colombiano naturalizado brasileiro. O terceiro eixo da ala ultraconservadora é o chanceler Ernesto Araújo, que tem usado as redes sociais para pontuar sobre os rumos do Brasil. Reciprocidade O Brasil acaba de abolir o visto de entrada no país para norte-americanos, canadenses, japoneses e australianos. Como diz o decreto no Diário Oficial, trata-se de uma decisão unilateral. Espera-se que, em algum tempo, haja reciprocidade. Este consultor não acredita que os EUA façam o mesmo que o Brasil fez. Abdenur Os sinais de uma política externa "altamente ideológica" dados pelo governo do presidente Bolsonaro, que se encontrou ontem com Donald Trump, podem afastar o Brasil de outras nações e ser "profundamente negativos" para os interesses do país. Essa é a visão do embaixador aposentado Roberto Abdenur, que comandou a embaixada brasileira nos Estados Unidos de 2004 a 2006. STF na berlinda Nunca se viu nas páginas dos Poderes uma onda tão forte contra o Supremo Tribunal Federal. As redes sociais se enchem de críticas. Alguns ministros, isoladamente, são alvo de intenso tiroteio. Vai ser preciso esforço monumental para que a nossa mais alta Corte volte a gozar de respeito e prestígio. Um pouco de história No ano 64 a. C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e da implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, esse valor tão valorizado no Brasil que tem se firmado como base para eleições vitoriosas: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".
quarta-feira, 13 de março de 2019

Porandubas nº 611

Abro a coluna com uma parábola aqui já narrada há tempos. "Há pessoas que não conseguem perceber o que se passa ao seu redor. Não veem que não veem, não sabem que não sabem". Pequeno relato Zé caiu em um poço e está a 10 metros de profundidade. Olhava para o céu e não viu o buraco. Desesperado, começou a escalar as paredes. Sobe um centímetro e escorrega. Passou o dia fazendo tentativas. As energias começaram a faltar. No dia seguinte, alguém que passava pelo lugar ouviu um barulho. Olhou para o fundo do poço. Enxergou o vulto de Zé. Correu e pegou uma corda. Lançou-a no buraco. Concentrado em seu trabalho, esbaforido, cansado, Zé não ouve o grito da pessoa: "pegue a corda, pegue a corda". Surdo, sem perceber a realidade, Zé continua a tarefa de escalar, sem sucesso, as paredes. O homem na beira do poço joga uma pedra. Zé sente a dor e olha para cima, irritado, sem compreender nada. Grita furioso: - O que você quer? Não vê que estou ocupado? O desconhecido se surpreende e volta a aconselhar: - Aí tem a corda, pegue-a, que eu puxo. Zé, mais irritado ainda, responde sem olhar para cima: - Não vê que estou ocupado, ó cara. Não tenho tempo para me preocupar com sua corda. E recomeça seu trabalho. Parábola: "Zé não vê que não vê, não sabe que não sabe". Será que os políticos não percebem a decisão estratégica de aprovar a reforma da Previdência? Reacendendo a fogueira Não aconteceu o que se esperava. Diástole depois da sístole, descontração após os turbulentos tempos do pleito. O presidente Jair Bolsonaro continua com a tocha acesa reacendendo a fogueira que esquenta ânimos de aliados e adversários. Os primeiros recebem fogo para incendiar as redes sociais. Os segundos rebatem com estocadas que aumentam a distância entre as duas bandas. E assim, o governo Bolsonaro faz o mesmo que o petismo fazia: cutucar adversários. O apartheid "Nós e Eles" é uma triste realidade. O núcleo familiar O governo alimenta o divisionismo. A comunicação governamental é uma curva sinuosa. Deveria ser uma reta. O processo de comunicação deve abrigar pré-requisitos: coerência nas abordagens, foco em prioridades, uso adequado de meios, oportunidade, racionalidade dos processos, eficiência e qualidade dos comunicadores, entre outros. O governo Bolsonaro vai na contramão de tais conceitos. Sua comunicação tem três vértices: o do porta-voz oficial, general Otávio Rêgo Barros, que lê comunicados, interpreta atos da administração e do presidente; o da Secretaria de Comunicação, afeito ao cotidiano, que opera junto aos meios e redes tecnológicas; e a modelagem familiar, coordenada pelo filho Carlos, além do próprio presidente, que veicula mensagens quentes no Twitter. Conflito de versões Difícil manter coerência e harmonia com múltiplas fontes, cada qual com linha própria. O general Barros dá o tom oficial; a Secom oferece suporte e o grupo familiar age como guerreiros em batalha. Natural que a comunicação familiar ganhe maior audiência: causa impacto e polêmica ao transformar pai e filhos em municiadores do exército aliado. Enquanto o general Barros tenta aparar arestas, estas são expandidas pelo próprio presidente e o filho Carlos. O princípio essencial da comunicação - coerência - é substituído por dissonâncias. Quanto mais ruído, mais dispersão, maior distúrbio no processo, minando a credibilidade da administração. Redes e mistura As redes sociais se prestam bem às comunicações informais, torrente que mistura emoção com achismos, bílis com desavenças. Usá-las como principal meio é misturar o público e o privado. Quando os dois territórios se bifurcam, a comunicação acaba sem rumo, desmanchando os limites da verdade. O cinto militar O cinturão militar que age no entorno presidencial deve estar bastante preocupado. Os militares comportam-se como pessoas de bom senso, animadas com a possibilidade de dar uma contribuição efetiva ao país, agora na frente governativa, esmaecendo o viés autoritário inerente ao setor. Há generais que pensam e falam de maneira moderada, tentando conter o ímpeto conservador/ideológico que emana de alguns figurantes, entre os quais o chanceler Ernesto Araújo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Regina e o professor Ricardo Vélez, ministro da Educação. A impressão é a que a orquestra da extrema direita está dando o tom. Economia no meio A equipe econômica age no meio, como um rolo compressor técnico a produzir propostas para os próximos tempos, como a reforma da Previdência e os pacotes de privatização. Não se imiscui no conflito ideológico. Paulo Guedes e sua turma estão interessados em viabilizar os meios para garantir resultados ao governo. Mas a situação é complicada porque desavenças e erros de comunicação acabam obstruindo o meio de campo. A frente política já não age com tanto desembaraço em defesa do governo Bolsonaro. De olho na máquina Expliquemos. Os políticos brasileiros costumam agir com um olho nas ruas e outro na máquina governativa. Se Bolsonaro pensava em governar apenas com quadros técnicos, erra feio. O que se viu, até o momento, foi a seleção de um time ancorada em critérios e indicações que levam em conta a origem dos jogadores selecionados. Quase todos eles com origem em polos conservadores. Se os políticos não reagiram em um primeiro momento, foi por cautela. Não queriam atropelar o processo de escolha e, mais, dando a entender que a adesão à base governista só se completa nos moldes do "toma-lá-dá-cá". Mudança abrupta? Jamais Como é sabido, a cultura política brasileira é regada por valores tradicionais. O jogo de recompensas está entre os mais valorizados. Foi assim ontem, na República Velha, é assim hoje e continuará nesses moldes nos anos vindouros. Não se muda uma cultura por decreto ou desejo de um governante. O nosso presidencialismo de coalizão é regrado pela participação dos vencedores no processo governativo. Qual a meta do político? Chegar ao poder e com os instrumentos que ele propicia, fazer a representação da sociedade e dos entes governativos. Funções que exigem compartilhamento de cargos. Meritocracia O problema é: substituir o critério político pelo mérito. Daí a necessidade de indicação de quadros técnicos mesmo que tais indicações sejam feitas por políticos. Dúvidas se instalam: fulano é mais técnico ou mais político? E se os controles presidenciais não aceitarem certa indicação sob o argumento de que o figurante não agrega condições técnicas? Sob essa teia de suspeições, a frente política acaba adiando sua adesão ao governo, procura o confessionário montado nos gabinetes da articulação política para transmitir suas exigências. Se Bolsonaro não der atendimento aos políticos, será muito difícil a Paulo Guedes e Rogério Marinho aprovarem a reforma previdenciária no Congresso. A recíproca é verdadeira. A articulação, o nó Mas há um nó na articulação política. Se esta for muito fragmentada, dispersa, tende a corroer a base de confiança dos políticos. Hoje, essa articulação se divide entre os ministros Onyx Lorenzoni e os generais Carlos Alberto Santos Cruz, da Secretaria do Governo, general Floriano Peixoto Neto, da Secretaria da Presidência, líderes do governo na Câmara e no Senado, passando ainda por outros nomes fortes, como o próprio vice-presidente Hamilton Mourão e o general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional. Portanto, há caminhos paralelos. Afinal, quem canaliza e filtra os pedidos? Ao que parece, é difícil desatar os nós. Ataque à imprensa É incrível, mas o presidente parece inclinado a manter um tiroteio contínuo e intenso sobre a imprensa. Os ataques culminaram com a calúnia contra a jornalista do Estadão Constança Rezende, acusada injustamente de querer derrubar o governo. O presidente Bolsonaro alimentou sua mensagem com fake news produzida por Fernanda de Salles Andrade, que trabalha no gabinete do deputado do PSL Bruno Engler, em MG. Até o momento ele não se desculpou pelo erro. Como pensa em aprovar reformas quando vê subindo um gigantesco balão cheio de oxigênio contra o governo? A mentira em cadeia ameaça desmanchar os traços de verdade que ainda fazem parte da imagem governamental. Murillo, um grande nome Murillo de Aragão, professor-adjunto da Columbia University, Nova Iorque, escritor e cientista político (mestre e doutor em ciência política) é um dos nomes aventados para assumir o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Um nome à altura do cargo. Hoje, preside a Arko Advice, Consultoria com matriz em Brasília. Autor de importantes livros como "Grupos de Pressão no Congresso Nacional" e "Reforma Política", o consultor tem o perfil capacitado para expor a realidade brasileira aos investidores internacionais. Outro nome Outro nome lembrado, que teria o apoio do chanceler Ernesto Araújo, é o de Nestor Forster Júnior. Para assumir o cargo, teria de ser promovido a embaixador. O perfil do atual conselheiro não caberia na alta relevância do posto em Washington, um dos três mais importantes do Itamaraty.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 610

Abro a coluna com a verve das Minas Gerais. Pronomes sem importância Matreirice mineira. Benedito Valadares chegou a Curvelo/MG para visitar exposição de gado do município. Na hora do discurso, atrapalhou-se: - Quero dizer aos fazendeiros aqui reunidos que já determinei à Caixa Econômica e aos bancos do Estado a concessão de empréstimos agrícolas a prazos curtos e juros longos. Lá do povo, alguém corrigiu: - É o contrário, governador! Empréstimo a prazo longo e juro curto. - Desde que o dinheiro venha, os pronomes não têm importância. Onde é o norte? O termômetro social acusa: temperatura elevada, sentimento de insegurança, todos à procura de um norte. Para onde vamos? Infelizmente, ainda não dá para saber qual a direção a seguir. Enquanto a reforma da Previdência não passar pelas casas congressuais, o meio ambiente será tomado por dúvidas. O governo não tem boa articulação. O Congresso, cheio de novatos, ainda não decolou. O empresariado está de olho no andar da economia, que rasteja como caranguejo, dois passos para a frente, um de lado e dois para trás. O capitão ainda não aprumou a nave governamental. A orquestra política está à procura de maestro, um exímio articulador. O carnaval vem aí. Na quarta-feira de cinzas, o Brasil recomeçará. Para repetir os passos de Dândi na escuridão. P.S. O dandismo, maneira afetada de uma pessoa se comportar ou de se vestir, "é o prazer de espantar". Definição do poeta francês Baudelaire, um dos precursores do simbolismo. Aprovação Bolsonaro tem aprovação de 57,5% dos brasileiros. Mas a avaliação positiva do governo é de apenas 38,9%; já 45,6% discordam do projeto de reforma da Previdência. Resultado da pesquisa CNT, a primeira de avaliação divulgada após o presidente assumir o cargo. Bolsonaro é rejeitado por 28,2%. Outros 14,3% responderam que não sabem ou não quiseram responder. A avaliação negativa do governo é de 19%. Desses, 7,2% avaliaram o governo como "ruim" e 11,8% avaliaram como "péssimo". Aqueles que avaliaram o governo como regular são 29%. Os que não sabem ou não souberam responder são 13,1%. Real politik dá as caras Pois é, a real politik visita o presidente Bolsonaro, que imaginava governar longe da velha prática do "toma lá, dá cá". Os partidos que começam a formar a base governista mostram os dentes. Querem indicar seus quadros para cargos na estrutura de empresas e autarquias governamentais nos Estados. O governo fala em criar um "banco de talentos", forma ambígua para atender as indicações "técnicas" dos partidos. O que estes prometem ao presidente: uma atitude mais simpática em relação à reforma da Previdência e ao pacotão do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A Previdência O nome-chave para que a reforma consiga passar na Câmara, mesmo com forte bombardeio, é Rodrigo Maia. Experiente, com grande capacidade de articulação e mobilização, reeleito presidente da casa parlamentar com 334 votos, Rodrigo é a chave da porta. Na visão deste consultor, o Brasil de amanhã tem no filho de César Maia o grande fiador. O presidente da Câmara faz um alerta: Executivo deveria enxugar a proposta, concentrando-se na idade mínima e regras de transição. É um erro inserir mudanças polêmicas com capitalização, BPC - Benefício de Prestação Continuada e aposentadoria rural. BPC Nos moldes atuais, o BPC é pago para deficientes, sem limite de idade, e idosos, a partir de 65 anos, no valor de um salário mínimo. O benefício é concedido a quem é considerado em condição de miserabilidade, com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Pela proposta, a partir dos 60 anos, os idosos receberão R$ 400 de BPC, e somente a partir de 70 anos o valor sobe para um salário mínimo. "O importante é que a gente faça o debate daquilo que veio, mantenha o apoio daquilo que for majoritário e retire o que, do ponto de vista fiscal, não está ajudando, mas do ponto de vista político está contaminando", ressaltou após participar do debate. O custo de debater o BPC na reforma da Previdência é muito alto, acentua Rodrigo. Aposentadoria rural Pelas regras atuais para a aposentadoria rural, as mulheres se aposentam com 55 anos e os homens com 60 anos, com tempo mínimo de atividade rural de 15 anos. A proposta prevê idade mínima de 60 anos tanto para homens quanto para mulheres, com contribuição de 20 anos. O presidente da Câmara também indicou que a mudança poderia ser retirada da proposta. "O principal problema da aposentadoria é fraude. Se nós resolvermos essa distorção (fora da reforma), daqui para frente talvez esse déficit não cresça tanto". As mudanças nas regras do BPC e da aposentadoria rural geram resistências, especialmente do Nordeste. Hino nacional O Brasil tomaria um banho de civismo caso o alunato cantasse o hino nacional no início das aulas. O gesto propiciaria ao aluno comungar do espírito pátrio, que toma vulto com a homenagem aos símbolos nacionais, como a bandeira brasileira e o hino nacional. Agora, obrigar alunos a cantar o hino, fazer fila, filmar a turma cantando e, ainda, recitar o slogan da campanha do capitão Bolsonaro ("Brasil acima de tudo, Deus acima de Todos") e mandar as filmagens para a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto - isso mais parece estratégia persuasiva das ditaduras. La Giovinezza O jurista, professor, desembargador e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, e um dos maiores estudiosos do crime organizado, a partir da operação italiana Mãos Limpas, Wálter Maierovitch, lembra, a propósito, a canção La Giovinezza. Narra ele: "Nos vinte anos do fascismo italiano, Mussolini se apropriou da canção Giovinezza e a usou como hino do regime. E tudo começou com os jovens. Nas escolas, cantava-se a Giovinezza e era como se ter a imagem do "duce" e o louvor ao fascismo. No Brasil, sem dar a mínima para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o ministro da Educação recomendou fossem gravadas crianças a cantar o hino nacional, ocasião em que seria lida mensagem a se encerrar com o mote da campanha presidencial de Bolsonaro. Pano rápido: "o espetáculo fascistóide foi embalado, da Suíça, pela ministra da goiabeira". P.S. Vejam o primeiro verso da canção: Salve, ó Povo de Heróis Salve, ó Pátria imortal!Renasceram os filhos teuscom a fé em seu ideal.O valor dos teus guerreirosa virtude dos pioneiros,a visão de homens orgulhososhoje brilha nos corações de todos. Tempos de Hitler Lembro também os comícios de Hitler. Na primeira fila, jovens garbosos, grupos que imergiam nas técnicas de lavagem mental preparadas por Goebells. Será que o ministro da Educação, Ricardo Velez Rodrigues, não conhece os caminhos do nazifascismo? Que bola fora essa recomendação aos diretores de escolas públicas e privadas para que os alunos cantem o hino nacional. Ainda bem que é recomendação, não determinação. E ainda bem que ele reconhece o erro sobre o slogan de campanha. Seria escancarar o oportunismo político. Mas a ministra pastora Damares, lá da Suíça, como recorda Maierovitch, garante que é uma obrigação. Uma vez por semana Pode ser que a ministra tenha se enganado. Sabe-se que é obrigatório cantar o hino nacional uma vez por semana por imposição da lei 5.700, de 1971, art. 39. Em 2009, acrescentou-se um parágrafo único, obrigando o canto do hino uma vez por semana. Mas filmar crianças sem autorização dos pais é proibido. Tempos do nazismo Para ajudar a memória do ministro da Educação, pinço Sergei Tchakhotine descrevendo Hitler em Nuremberg, em 15 de setembro de 1938: "Sua entrada na sala do Congresso era precedida de uma manifestação sonora - antes que musical - fora do comum. Sobre o fundo de uma música wagneriana, ouvia-se um rufar assustador, pesado, lento, de tambores, e um passo duro, martelando o solo, não se sabe com que tinidos e com que respiração ofegante de corpos de tropa em marcha. Esse ruído ora aumentava, ora se afastava e devia provocar, nos milhões de ouvintes, com o coração angustiado pela espera da suprema catástrofe, um sentimento de fascinação e medo, desejado pelos encenadores". Para quê? Afinal, qual a serventia de eventuais filmes com meninos e meninas em fila cantando o hino nacional? O que iria fazer a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República com tais filmetes? Estocá-los? Fazer campanhas institucionais com a imagem das crianças? Clima de campanha Quem acessa as redes sociais logo se depara com o tiroteio entre bolsonaristas e oposições durante todo o dia. Mesmo se posts tentam reproduzir apenas o que a mídia expressa, o ribombar se faz ouvir. O baixo calão se faz presente todo tempo. O presidente Bolsonaro também tuíta. E dá muita corda aos seus seguidores. Desse jeito, a pacificação das bandas sociais fica sendo um exercício para o distante futuro. O clima de campanha acirra os ânimos. Sem guerrear Parece correta a decisão brasileira, mais precisamente da área militar, em não querer intervir com a força na Venezuela, contrariamente ao posicionamento dos EUA. Trump e sua mão militar querem derrubar Nicolás Maduro na marra. O grupo de Lima, formado por 14 países, descarta intervenção militar na Venezuela. O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, tem se pronunciado com bom senso. Maduro deve sair por força das pressões internas, a partir do afastamento da cúpula militar da administração do ditador. Poder militar Os militares começam a se inteirar sobre a complexidade da máquina administrativa Federal. São objetivos, práticos, conscientes da missão. E, como já escrevi, a cada dia se impregnam da ideia de vestirem o manto de "poder moderador". Os tipos Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da Medicina, pregava que a saúde do homem depende do equilíbrio de quatro humores: sangue, bílis amarela, bílis preta e fleuma. Cada um destes humores teria diferentes qualidades: o sangue seria quente e úmido; a fleuma, fria e úmida; a bílis amarela, quente e seca; e a bílis negra, fria e seca. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o popular sanguíneo, o sereno fleumático, o forte colérico e o soturno melancólico. P.S. Dos quatro tipos de sistema nervoso, os coléricos exibem certo desequilíbrio, porque, entre eles, a excitação prevalece sobre a faculdade de inibição. Quem é quem? Apliquei essa modelagem a alguns tipos de nossa cena institucional/política e meu humorômetro fez esta classificação: Presidente Bolsonaro - sanguíneo; Ciro Gomes - colérico; João Doria - fleumático; Sérgio Moro - fleumático; Gilmar Mendes - sanguíneo; Toffoli - melancólico; Lula - colérico; Fernando Henrique - melancólico e Rodrigo Maia - fleumático.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 609

Abro a coluna com uma historinha que vivi. Freyre com y 1963 chegava ao fim. Conclusão do Curso Científico no Colégio Americano Batista (CAB) na rua D. Bosco, 1308, Recife. O mestre Gilberto Freyre foi eleito paraninfo da nossa turma. Ele iniciara seus estudos frequentando, em 1908, o jardim da infância do Colégio Americano Batista Gilreath, que seu pai havia ajudado a fundar. E, aos 18 anos, com bolsa da Igreja Batista, foi estudar na Universidade Baylor no Texas, onde se formou bacharel em Artes Liberais. Gilberto Freyre foi o intelectual mais premiado da história do país. Escolhido orador da turma, organizei um pequeno grupo para ir à mansão do autor de Casa Grande & Senzala, no bairro de Apipucos, e fazer o convite. Por volta de 10h30 da manhã, subimos as escadarias da bela residência e fomos recebidos por dona Magdalena de Guedes Pereira Freyre, a esposa de Gilberto, que mandou nos servir um delicioso licor de jenipapo. Logo a seguir, entra o mestre abrindo grande sorriso. Tomei a palavra e dei conta do objetivo: convidá-lo para paraninfar nossa turma. Fiz a entrega da carta-convite. Ao recebê-la, olhou para a grafia do destinatário - Professor Gilberto Freire - e a devolveu imediatamente às minhas mãos. Lá veio a reprimenda: - Meu jovem, meu pai, Alfredo, quando recebia correspondência com seu sobrenome errado, não a lia. Devolvia ao remetente. Se a entrega fosse pessoal, ele dizia: meu Freyre é com Y. Faça a correção e venha me entregar novamente. Meus caros, terei o prazer de receber vocês na próxima semana com a grafia correta do meu sobrenome: Freyre com Y. A seguir, discorreu sobre o tempo em que estudou no Americano Batista, os professores da época, os rigores da Igreja Batista. Ouvíamos com atenção, amargando o desleixo por não termos feito a lição de casa. Deveríamos saber sobre o Y na grafia do mestre Gilberto. Corrigimos a carta. Uma semana depois, estávamos em Apipucos repetindo o roteiro. E, mais uma vez, degustando o licor de jenipapo. Valeu a pena. Nosso paraninfo fez uma belíssima peroração, depois de ter ouvido do orador da turma sua trajetória de sucesso. Conversas vazadas As três conversas entre o presidente Jair Bolsonaro e Gustavo Bebianno, que culminaram com a demissão do ex-secretário-Geral, ocorreram mesmo no dia 12, via WhatsApp, segundo os áudios divulgados ontem pela revista Veja. As falas mostram o tratamento ríspido e mercurial do presidente com seu ministro, e mais irritado ainda porque Bebianno recebeu um representante da Rede Globo no Palácio do Planalto. Bolsonaro, no áudio, diz claramente que a Globo é 'inimiga'. Como se percebe, os torpedos contra o governo saem de dentro do próprio governo, ou de seu principal protagonista. Há prenúncio de fortes tormentas no horizonte.  Trovoadas ameaçadoras As trovoadas que se ouvem, nesse ciclo de chuvas fortes que caem em todo o território, também ocorrem na seara política. O episódio Bebianno-Carlos Bolsonaro-presidente Jair tem sido motivo de trovões e relâmpagos: a demissão do ministro que ocupava a Secretaria-Geral do governo terá implicações? Declarações de Bebianno poderão atrapalhar a agenda do Executivo no Congresso? E a imagem do presidente da República ganhará respingos de lama? Impacto na agenda As respostas às perguntas acima ganham um SIM. Há implicações com a saída de Gustavo Bebianno. A demissão do ministro, na esteira da denúncia feita por Carlos Bolsonaro, o "pitbull" do presidente Jair (como o próprio pai o designa), deixa a classe política ressabiada. Cristaliza-se a sensação de que o filho tem mais força junto ao presidente do que qualquer outra figura do aparato governamental. E isso mexe com os brios do corpo ministerial. Haverá impacto na agenda. O fluxo planejado para análise e votação da reforma da Previdência e do pacote contra a corrupção e combate à criminalidade poderá sofrer atrasos. Impacto na imagem É razoável imaginar que o desenrolar dos acontecimentos não caiu bem no espírito da base aliada. É inadmissível que alguém, que nem faz parte da máquina governamental, tenha sobre ela tamanho poder. A imagem de um presidente preso ao universo sentimental da família poderia ser aceita se tal imersão não interferisse no plano da gestão. O presidente, ao que parece, não quer contrariar o filho Carlos, que já passou uma temporada no passado sem falar com ele. O fato é que a sombra familiar, ao que se infere, está interferindo no processo decisório. A emoção se superpõe à razão. O que vai dizer Bebianno O "laranjal da política" - a inserção de pessoas na planilha de candidatos apenas para fazer de conta e receber recursos que serão desviados para outros - faz parte de nossa cultura política. O repasse de R$ 400 mil a uma candidata "laranja", autorizado pelo Diretório Nacional do PSL, sob a presidência de Bebianno, é a origem da crise. O demitido diz que foi uma decisão que não coube a ele. A Executiva Nacional aprova e os Diretórios estaduais definem o receptor. Bebianno deve ter outros casos para apontar. E os recursos da campanha presidencial? Houve desvio? Recebeu ordens do então candidato Jair Bolsonaro para mandar recursos a algum "laranja"? Interrogações e especulações estão no ar. Flores para o coração Comenta-se que a saída do Bebianno foi negociada nesses termos: Bolsonaro despejaria palavras de elogio ao perfil do ministro da Secretaria-Geral em um vídeo e este devolveria as gentis palavras. Assim estaria selada a paz. Mas Bebianno até agora não falou. A moldura torta continua na parede. A reforma da Previdência Com o slogan "Nova Previdência: Justo para todos. Melhor para o Brasil", será apresentado pelo próprio presidente o projeto da Reforma do Sistema Previdenciário. O governo deve contar com 308 parlamentares para sua aprovação. Não de imediato. A passagem pelo Plenário vai depender de ajustes, entre os quais a definição do limite de idade para aposentadorias. Talvez tenha de baixar de 65 para 62 (homens) e de 62 para 57 (mulheres) com prazo maior de transição. Tática O governo vai usar a tática de encaminhar o pacotão de Sérgio Moro só depois que a reforma da Previdência ganhar intenso debate. Ou seja, vai fazer tramitar o projeto em ritmo mais lento que a proposta de reforma da Previdência. O objetivo é blindar a reforma previdenciária, que chega à Câmara dos Deputados nessa quarta-feira, evitando que as propostas do pacote de Moro "contaminem" a discussão. Comando do DEM A aprovação das duas encomendas - Previdência e Combate à Corrupção e à Criminalidade - se torna viável ainda pelo fato de que as duas Casas congressuais estão sob comando de quadros do DEM, partido em ascensão. Na Câmara, a capacidade de articulação de Rodrigo Maia, cuja vitória se deve a mérito próprio, será decisiva. O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), não via com bons olhos a candidatura do correligionário. Eleito com votação extraordinária, 334 votos, Maia poderia até vestir o manto de independência, mas sua formação liberal e o compromisso que tem expressado de levar a bom termo projetos fundamentais para o país sinalizam uma atuação firme em favor do Executivo. Base de apoio Lembre-se que ele usou com maestria sua capacidade de articulação para aprovar projetos de alto alcance no governo Temer, como o teto de gastos, a reforma trabalhista e a Lei da Terceirização. A formação de um bloco, com mais de 300 parlamentares, reunindo PSL, PP, PSD, MDB, PR, PRB, DEM, PSDB, PTB, PSC e PMN, confere alguma segurança ao governo. 49 votos Já no Senado, o comando está nas mãos do senador Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, um nome que emergiu de articulação feita com sucesso por Lorenzoni, da Casa Civil. Portanto, ali também o governo contará com sólida base de apoio. Ademais, a interlocução será mais fácil tendo em vista um colegiado de apenas 81 membros. A aprovação da PEC carece do voto de 49 senadores. Cortando a história da AL Esse ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é mesmo um destruidor de história. Mandou excluir da planilha de matérias do Instituto Rio Branco, que forma os nossos diplomatas, a disciplina sobre a História da América Latina. Não quer que a nossa diplomacia adquira conhecimentos sobre nosso continente. Passa um X na história latino-americana. O ministro, que não aceita a ideia da globalização, está atuando para queimar a identidade internacional do Brasil. Os nossos grandes nomes da diplomacia são jogados na cesta do lixo. Militares e o poder moderador Pasmem. Os militares tendem a ser um poder moderador. Assim, se prestariam a garantir o eixo da democracia. Estão se comportando como tal, a partir do vice-presidente, general Hamilton Mourão, que tem se expressado bem, defendendo moderação e até recriminando posições radicais ou abordagens fundamentalistas. O presidente Jair Bolsonaro, ao contrário, tem usado uma linguagem contundente em seus tuítes. Até parece que não desceu do palanque. PSL no bate-cabeça O PSL, bancada maior da Câmara (54), superando a do PT, hoje com 52, será o carro-chefe a puxar os votos do governo. Mas o partido chega ao poder central cheio de novatos, alguns muito ambiciosos, sem lastro doutrinário, correndo o perigo de ver seus integrantes disparando tiros uns contra outros. A liderança do PSL é frágil. O presidente da sigla, Luciano Bivar, não tem se destacado como líder. UDN ressuscitada A UDN está vivendo um processo de ressurreição. Mas a sigla não terá a grandeza do passado, quando era o abrigo de figuras renomadas e carismáticas. Falta um Carlos Lacerda para dar brilho a essa tentativa de renascimento. Eis alguns quadros da velha UDN, fundada em 7 de abril de 1945: José Sarney, Carlos Lacerda, Gilberto Freyre, Júlio Prestes, Eduardo Gomes, Juarez Távora, Ademar de Barros, Afonso Arinos, Tenório Cavalcanti, Antônio Carlos Magalhães e Arnon de Mello. Sistema S O Sistema S está sob suspeita. Objeto de investigação. Abriga todas as federações de indústria e comércio do país. E se for demonstrado que recursos do Sistema S foram desviados para a política, hein? Robson Andrade, o poderoso presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) foi preso. PF investiga esquema de corrupção envolvendo contratos entre empresas ligadas a uma mesma família, o Ministério do Turismo e o Sistema S no valor total de R$ 400 milhões.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 608

Abro a coluna com uma historinha das Alagoas. Jesus Cristo Era aniversário de um bravo coronel de polícia de Palmeira dos Índios. Contrataram dois cantores para animar a festa. Os homens chegaram, violas em punho: - Coronel, vamos cantar a sua vida. - Nada disso, cantador de verdade não prepara, improvisa. Vou dar um mote, vocês cantam. E nada de minha vida. Quem vai ser cantado, hoje, é Jesus Cristo. E o mote é: - "Jesus Cristo veio ao mundo nos livrar das injustiças". Um cantador olhou para o outro, cada qual mais branco. O coronel estava nervoso. O jeito era começar. Um tirou: - Jesus Cristo veio ao mundo nos livrá das injustiça. O outro respondeu: - Quando ele tinha 15 anos rezou a primeira missa. O primeiro engasgou. E foi em frente: - Quando completou 18, sentou praça na poliça. O coronel não gostou. Meteu os dois no xadrez. Um vácuo no jornalismo A morte de Ricardo Boechat abre um imenso vácuo no jornalismo. A frase é mais uma entre as milhares que circulam por ocasião do desaparecimento de celebridades, pessoas famosas. Mas, no caso de Boechat, a verdade do argumento está no fato de que ele era exceção na galeria dos âncoras de TV e comentaristas de rádio. Desenvolveu forte identidade. Inigualável. Discorria sobre temas que dominava de forma exemplar, informava, interpretava, opinava e até fazia humor, exercendo, assim, as quatro funções básicas do jornalismo: informar, interpretar, opinar e divertir. Qualidade Diferenciava-se pelo estilo inconfundível. Com seu vozeirão que entrava forte nos ouvidos da audiência (grande entre taxistas), era um crítico admirado. Batia forte nos agentes de erros e ilícitos. Formava opinião. Tinha como lastro a experiência das salas de jornais, onde foi chefe de redação, como no Jornal do Brasil. Buscava sempre o furo, a notícia em primeira mão, após conhecer panos de fundo para entender melhor os fatos de alcance social e político. Tragédias se cruzam Quantas tragédias nesse início de ano, hein? O lindo território das Minas Gerais é o palco central dos desastres. O de Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015, a maior tragédia ambiental brasileira, cruzou com a tragédia de Brumadinho, acentuando o capítulo da irresponsabilidade da gestão pública no Brasil. No Rio, o incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo, que vitimou 10 meninos em início de carreira futebolística, se somou às mortes perpetradas por gangues em disputa pelo mercado de drogas e as causadas por temporais. Impacto e mais impacto Sobre nossas cabeças, ainda está acesa a memória do acidente que matou a seleção de Chapecó/SC. Mais recentemente, a morte do jogador argentino Salas, no avião que caiu no canal da Mancha, também gerou forte comoção. O medo volta a se espalhar em Minas Gerais, onde falta controle nas muitas barragens da Vale. E para aumentar a tristeza, deparamo-nos com mais uma página no livro das tragédias, essa queda do helicóptero sobre um caminhão, matando Boechat e o piloto. 2019 se abre sob uma comoção generalizada, fazendo-nos crer que o imponderável está fazendo visitas com muita frequência ao nosso território. Moldura torta na parede A sequência de tragédias produz um sentimento generalizado de desconforto, angústia, medo, pavor de que algo ruim circula ao nosso redor. Benza-nos, Deus. Alguns procuram nos astros respostas para os incidentes. Outros apontam para a fatalidade: "quando algo tem de acontecer, ninguém impede, é porque chegou o dia da pessoa". Entre crenças e descrenças, a vida flui, desmanchando famílias, abrindo crateras de desespero, expandindo insegurança. O fato é que 2019 está se mostrando um ano muito letal. Mais que outros? Nos nossos sistemas cognitivos, a taxa de dissonância aumenta. Protagonistas do cenário Trata-se de um exercício sujeito a erros esse de tentar interpretar sentimentos e expectativas de protagonistas da cena social-institucional-política do país. Mesmo assim, este consultor se aventura a realizar a tarefa focando um pequeno grupo de agentes. Comecemos por segmentos que habitam os espaços das classes médias. Quais suas expectativas? Essa é a pergunta básica. Convém, primeiro, explicar a constituição das classes médias. As classes médias formam um contingente grande e heterogêneo, reunindo setores com acesso, por meio de renda e/ou por crédito e endividamento, à oferta material e de serviços proposta pelo sistema de produção e consumo. São classes consumidoras. Na América Latina, pela primeira vez em décadas, as classes médias, hoje, superam a população pobre. Mas há diferença entre os segmentos. Três segmentos Os economistas, a partir de dados da OCDE e do CEPAL, apontam para a existência de três agrupamentos: uma classe média baixa, encostada à classe C, reunindo pessoas com acesso aos serviços do Estado, e com salários ainda comprimidos; uma classe média B, a intermediária, abrigando profissionais liberais, professores, grupamento formador de opinião, onde se abriga a maior tuba de ressonância do país; e a classe média mais elevada, que reúne perfis dos setores produtivos, empresários, proprietários rurais, núcleos que dispõem de mais recursos e os aplicam no sistema financeiro. Classes médias: O que são Entre 2001 e 2015, a parcela da população da chamada classe média consolidada, (que ganhava por dia entre 10 e 50 dólares em valor real em 2005, e em paridade do poder de compra), passou de 21% para quase 35%. Um outro segmento, designado de classe média "vulnerável" - dispondo de soma bem mais modesta entre 1 e 4 dólares/dia - passou de 34%, em 2000, para 40% em 2015. Essa população saiu da pobreza formal nos últimos 15 anos, mas ainda é constituída, em grande parte, por pessoas que passaram a ter acesso parcial e precário ao consumo. E há a classe média alta, com ganhos maiores. O poder de irradiar As classes médias constituem o grupamento com maior capacidade de influenciar. Sua expressão corre tanto para baixo quanto para cima. Agem como pedras jogadas no meio da lagoa: criam marolas, ondas, que correm do centro para as margens da lagoa. Seu estado é de expectativas. Seu estado de espírito contamina outros espaços da pirâmide social. São detentores de um otimismo latente. Esperam que a economia melhore e produza as garantias para seu bem-estar. Confiam no novo governo, mas desconfiam que a inovação de costumes e práticas na política ainda não chegou. Defendem um programa progressista e liberal para o Estado. Desfraldam a bandeira da privatização. O perfil ideológico comporta uma tipologia variada. Há segmentos de direita e extrema direita, que comungam com o lema: bandido bom é bandido morto. Mas há setores que se postam na extrema esquerda do arco ideológico. Vejamos alguns protagonistas. 1. Meio acadêmico O meio acadêmico da Universidade pública forma um bloco duramente crítico ao status quo e, por extensão, ao governo Bolsonaro. A Universidade brasileira, como se sabe, foi intensamente politizada na era lulopetista. Há núcleos simpatizantes ao governo. Mas o meio acadêmico exerce crítica feroz ao escopo de direita, com um tiroteio expressivo focado no alinhamento entre o bolsonarismo e o fascismo. Os acadêmicos exercem influência, porquanto é da Universidade que se ouvem os sons mais estridentes da esquerda. Pessimistas quanto ao futuro, defendem um ideário utópico e vêem em qualquer programa do novo governo um exercício de autoritarismo. Na Universidade privada, o discurso é outro. Professores e alunos tendem a defender o ideário governista e o liberalismo. 2. Ruralistas No contraponto à Academia, emerge a força do agronegócio. Os ruralistas, que possuem uma das maiores bancadas no Congresso Nacional, pregam o endurecimento de ações com vistas à contenção das invasões de propriedade, subsídios ao setor, reforma agrária sob controle do Estado, liberação de armas para os proprietários rurais, entre outros projetos. 3. Servidores públicos Os servidores da Universidade pública, retratada acima, também ganharam força na era petista. Seus contingentes elegeram boa fatia de representantes. Os servidores públicos formam massa de manobra de movimentos e partidos políticos, atendendo às convocações feitas por PT, PSOL, Centrais Sindicais e organizações situadas na faixa esquerda do arco ideológico. São antigovernistas e organizam paredões de pressão contra as reformas, principalmente a reforma da Previdência e a reforma trabalhista, esta já realizada. 4. Empresariado Os setores produtivos constituem o núcleo que expressa maior confiança no amanhã. Aplaudem a equipe econômica, creditam sucesso na implantação de programas liberais, no ideário da competitividade e eficiência dos serviços públicos. Os médios e grandes empresários constituem a vanguarda de defesa do governo. Já o pequeno empresariado queixa-se da alta carga de tributos, passando a defender política de desoneração da folha. Uma de suas bandeiras mais vistosas é a da desburocratização. Por isso, tendem a ser críticos do governismo. 5. Polícias e Forças As polícias civil e militar e as Forças Armadas chegam ao ápice do prestígio institucional. Os quadros policiais elegeram uma grande bancada, se compararmos os resultados de outubro com os pleitos anteriores. E os militares chegam ao poder por meio do voto. Nome do votado: o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República. Sob a teia do voto, começam a descortinar o véu do prestígio e do poder e a esmaecer a imagem sombria da ditadura. Os militares, até por isso mesmo, já aceitam entrar na modelagem da reforma da Previdência. Não querem mais exclusividade. Exercerão suas tarefas no ciclo que se abre sob um horizonte de otimismo. Serão os novos participantes de um país que redefine rumos. Uma frente de muito apoio ao governo. E até começam a vestir a roupagem de poder moderador. 6. Estudantes O meio estudantil começa a se inserir na esfera da política. A massa que ainda atende aos apelos da UNE funciona como extensão dos braços das esquerdas, sob a égide de três partidos que exercem influência no meio estudantil: PC do B, PSOL e PT, embora este veja esmorecida sua força junto aos estudantes. No contraponto, a massa estudantil da área privada abre os olhos e começa a demonstrar interesse pela representação política. Alguns perfis, a partir de São Paulo, foram bem votados por esse segmento. Em suma, o bloco mais ativista é de esquerda; já a massa menos participativa identifica-se com o discurso da direita. A questão é: essa massa acorrerá aos apelos de movimentos de centro ou centro-direita? Ou continuarão amorfos? 7. Mulheres A organicidade no bloco dos gêneros é intensa. As mulheres, a cada eleição, participam com mais vigor do processo eleitoral. Algumas tiveram votação impressionante, como a deputada estadual Janaina Paschoal, e as Federais Carla Zambelli e Joice Hasselmann, todas do PSL-SP. Ganharam visibilidade e prestígio ao correr da campanha de Bolsonaro. Defendem uma pauta densa na área dos costumes e da renovação política. Prometem revolucionar o Parlamento. Lembremos que as mulheres constituem a maioria do eleitorado brasileiro (52%). Trata-se de um eleitorado ainda muito dividido quanto às preferências ideológicas. 8. As regiões NE, NO e CO Os habitantes das regiões menos desenvolvidas, que abrigam grandes parcelas sob a sombra do programa Bolsa Família, costumam ser pragmáticos. Defendem aqueles que propiciam melhorias em suas condições de vida. Tendem as ser mais conservadores e fiéis aos seus patrocinadores. Daí o prestígio que Lula ainda mantém no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A continuidade do Bolsa Família e uma rede social mais cheia poderão expandir a força do governismo nessas regiões. No Nordeste, o apelo maior, hoje, é pelas águas transportadas do rio São Francisco. Uma observação: as classes médias com habitat nas médias e grandes cidades são críticas e, no último pleito, se somaram aos eleitores de baixa renda para destronar velhos políticos.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 607

Abro a coluna com uma historinha árabe que ensina: dizer as coisas de forma convincente é uma arte. A arte de dizer as coisas Um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse o sonho. - Que desgraça senhor, exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade. - Mentiroso, gritou o sultão enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui! Chamado outro adivinho, este disse assim: - Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes. Iluminou-se a fisionomia do sultão e mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. Quando saía do palácio, um dos cortesãos lhe cochichou: - Afinal, a interpretação que fizeste do sonho foi a mesma do teu colega... - Lembra-te, meu amigo, tornou o adivinho, que tudo depende da maneira de dizer. Começa o ano político O Brasil visto de dentro das cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional não se apresenta, infelizmente, como o espaço das grandes mudanças tão clamadas pela sociedade. O Senado, no sábado que passou, exibiu um espetáculo canhestro. Quem viu ali um embate entre a nova e a velha política se engana. O que aconteceu na Câmara Alta foi a vitória de um senador de 41 anos, do DEM do Amapá, com estampa de novo, mas tão arraigado aos velhos costumes quanto os caciques que ali habitam. Imagem corroída O que aconteceu foi a derrota do senador alagoano Renan Calheiros, comandante do MDB, ex-presidente do Senado, foco de um bombardeio incessante das redes sociais, cuja imagem foi danificada e corroída pelo serrote das novas técnicas de ataque desenvolvidas no país, concentradas nas redes sociais e em artilheiros de plantão. O que aconteceu foi o descumprimento da decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que teve de emitir um parecer no meio da madrugada de sábado em favor do voto fechado, como determina o regimento do Senado. O parecer transformou-se em avassalador bumerangue, voltando-se contra Renan e defensores do voto fechado. O regimento foi para o lixo. Catarse social O que se viu foi a derrota de uma norma até então adotada, a do voto secreto, desprezada pela maioria do corpo parlamentar, na esteira do estado de espírito da sociedade com foco na transparência, no rechaço à velha política e a todos aqueles que respiram o oxigênio acumulado nos pulmões combalidos dos guardiões da velha ordem. Assistiu-se ao extravasamento de uma expressão social nas redes, que chegou a balizar o voto dos senadores. A renúncia de Renan parecia dar vazão à catarse social. Mas o jogo foi o primeiro de uma série de partidas. E Toffoli, como fica? Uma dúvida persiste: como ficará a imagem do presidente do Supremo, após senadores terem jogado no lixo seu despacho determinando o voto fechado no Senado? Aliás, como ficará a imagem do STF nos próximos tempos? A Corte refluirá no ímpeto de alguns de seus ministros para ganhar fama e visibilidade midiática? Ou a judicialização da política continuará intensa? É triste para um país ver sua mais alta Corte no banco do desprestígio. É triste ler mensagens duras de juízes de primeira instância contra os ministros da Corte Suprema. Este consultor, consternado, leu palavras que maculam a imagem de Suas Excelências, os ministros do Supremo. Alcolumbre Davi Alcolumbre, o presidente eleito do Senado, não tem um traço sequer que represente renovação na paisagem política. A identificação com o novo aparece nas feições do político mais jovem, em uma visibilidade expandida por um perfil que sai dos fundos do salão para adentrar o centro da mesa principal. O Amapá foi o território onde o ex-senador José Sarney construiu grande parte da trajetória após deixar a presidência da República. Conserva sinais e emblemas dos currais eleitorais. O novo dirigente, de família ligada ao comércio e às telecomunicações, o terceiro da hierarquia da República, vai ter de remodelar seu figurino para desfraldar a bandeira da modernidade. Deverá ter ao redor o conselho de um grupo de "velhos senadores", que tentarão lhe mostrar o caminho do bom senso. Rodrigo Maia Já a vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara, por uma margem que bateu o recorde de apoios (334 votos) na história da Câmara Federal, confere a ele importância extraordinária na legislatura que se inicia. Rodrigo tem demonstrado ser exímio articulador. Sua capacidade de articulação mostra-se forte ao agregar o apoio de 16 partidos. Ganhou sem nenhum empurrão do governo Bolsonaro. Ao contrário, seu correligionário, ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS), chefe da Casa Civil, teria, no início das articulações, até estimulado outra candidatura. Rodrigo deverá usar a varinha mágica para fazer passar pelo plenário da Câmara a Reforma da Previdência. Prioridade número 1 do governo. Senado não pacificado A vitória de Alcolumbre não significa pacificação no Senado. Dos 21 partidos que tinham assento na Casa, agora são 16, significando menor fragmentação. Mas os grandes partidos, a partir do rachado MDB, não se aliarão automaticamente ao governo. A aliança do PSDB com o DEM pode se esgarçar mais adiante. Tasso Jereissati é o patrocinador desta aliança (frouxa). Renan ainda tem o apoio de 6 a 7 senadores do seu partido, podendo vir a canalizar o apoio de descontentes. Pauta densa Há importantes projetos na pauta, a partir do eixo do governo, a Previdência, a chegar ao Congresso nos meados do ano. Estão elencados ainda projetos importantes: licitações, independência do BC, Lei das Telecomunicações (PLC 79), segurança hídrica, demarcação de terras, Código Comercial, desvinculação de receitas, fim do foro privilegiado, agências reguladoras, sistema S, prisão em 2ª instância, lei de falências, combate à corrupção, Código do Processo Penal, etc. A questão é: Alcolumbre terá condições de liderar uma pauta tão densa como essa? Não será fácil. Lorenzoni Se o ministro Onyx Lorenzoni foi o principal artífice da candidatura de Davi Alcolumbre, tendo, por isso mesmo, diálogo estreito com o novo presidente do Congresso, não se poderá dizer o mesmo de sua relação com Rodrigo Maia, que deverá mostrar postura de certa independência em relação ao Executivo, mesmo dispondo-se a ajudar Paulo Guedes a atravessar a montanha da reforma das reformas. A começar com a complexa reforma da Previdência. Previdência É oportuno lembrar que o secretário da Previdência e do Trabalho, ex-deputado Rogério Marinho, mantém boa articulação com Maia, de quem recebeu pleno apoio por ocasião da reforma trabalhista, da qual foi relator. Ponto polêmico do projeto da Previdência: idade mínima de 65 anos para homem e mulher. (O vice Mourão afirma que o presidente Bolsonaro é contra igualar idade mínima de homem e mulher na Previdência. Já o ministro Onyx garante que a reforma da Previdência será muito diferente da minuta divulgada). R$ 1,3 trilhão A nova idade valeria depois de um período de transição que pode chegar a 19 anos. Em 10 anos, a economia a ser alcançada na Previdência seria de R$ 1,3 trilhão. Simone Tebet A senadora do PMDB do Mato Grosso do Sul foi vencida por 7 a 5 na bancada do MDB, deixando para Renan a candidatura à presidência do Senado. Votou e trabalhou por Alcolumbre, que deve prestigiar o corpo parlamentar que lhe deu apoio, fazendo vista grossa à tese de que as mais importantes comissões devem ser entregues aos partidos de maior bancada no Senado. O MDB deve, portanto, perder a direção da importante CCJ. E mesmo da CAE, Comissão de Assuntos Econômicos. A questão é saber se a senadora Simone, após o embate com Renan, se sente confortável em permanecer no partido. Tudo indica que sairá da sigla. Seu pai, Ramez Tebet, era o grande líder do PMDB no Mato Grosso do Sul. DEM no alto Chegando à direção das duas casas congressuais, o DEM sobe ao pico da montanha do poder. ACM Neto vibra. A tendência é a de o partido, se mantiver acesa a chamada da unidade, atrair novos figurantes. Rodrigo Maia, detendo fatia considerável do poder político, pode empurrar o DEM na direção do poder central. Este partido, que já foi PFL, teria condições de substituir o MDB como peso principal na balança da governabilidade. O PSL de Bolsonaro não teria estofo para cumprir essa missão. Os novatos precisam passar pelo exercício de acúmulo de experiência. Começarão atirando flechas uns nos outros. Canibalização recíproca. MDB na ladeira No contraponto, vemos o MDB começando a descer a ladeira. Não se afogará no poço do desprestígio, porquanto ainda é o partido com maior capilaridade no país, o que se constata pela presença em maior número de municípios e nas bancadas de vereadores e deputados estaduais, ainda entre as maiores. Mas o velho MDB monolítico é mera sombra do passado. Carecerá, como o PSDB, se refazer das cinzas das fogueiras em que se meteu. Jucá, que perdeu a eleição para senador em RR, continuará? De onde virá a nova força do partido? Renan seria o catalisador da insatisfação? Moro em ação O ministro da Justiça, Sérgio Moro, tomou a iniciativa, preparou um amplo projeto que, entre outros pontos, propõe a criminalização do caixa 2 e a prisão após condenação em 2ª instância. Abre, ainda, a possibilidade de isentar de pena policiais que matarem em ações de confronto. Chamou governadores e fez apresentação do pacote, que é simpático aos eleitores. Mas não passará no Plenário da Câmara do jeito que está formatado. Moro deve suar a camisa para convencer a base parlamentar. Se aprovar este projeto, Moro chegará aos píncaros da glória. Uma aberração Leio: 6 deputados do Rio foram presos, mas continuam recebendo todos seus salários e benefícios. Como é que pode? O cara é preso e continua a ganhar sem cumprir suas tarefas. A conta chegou aos R$ 6 milhões. A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa não pode permitir essa barbaridade. A decisão da Assembleia Legislativa de empossar ou não os presos foi adiada. Que fiquem sem salário. O novo senador potiguar Jean-Paul Prates, gravem esse nome, é o novo senador do PT do RN, que chega à Câmara Alta na vaga da senadora Fátima Bezerra, eleita governadora. Trata-se de um advogado e economista, com mestrado nos EUA em planejamento energético e ambiental, com mestrado na França na área de petróleo e motores, área em que aprofundou seus estudos. Consultor afamado. Trata-se de um dos quadros bem preparados do Senado. É a nova estrela na constelação potiguar. Chico Rodrigues Chico Rodrigues ganhou de maneira surpreendente a eleição em Roraima para o Senado. Veio a ter mais de 22% dos votos válidos, quando no início da campanha poucos apostavam em suas chances. Ele e Mecias de Jesus, o segundo eleito, acabaram desbancando o experiente senador Romero Jucá, atual presidente do PMDB. Chico, que já governou Roraima, é um político que sabe cultivar as bases. Tem um enorme círculo de amizades, principalmente junto ao segmento militar. Foi colega de turma do general Carlos Alberto Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, na escola preparatória de cadetes do Exército. Os novatos É engraçado vermos ou lermos as bravatas dos novatos. Alguns dizem que vão "botar pra quebrar", "passar por cima como trator", "aprovar projetos e aprová-los com urgência". Pensam que a liturgia é esta: chegando ao Congresso serão ouvidos atentamente por todos os colegas, prepararão projetos e conseguirão imediatamente sua aprovação. Cairão na real quando perceberem que, na Câmara, serão tragados pela massa de 513 parlamentares. E, no Senado, poderão até ter mais chances de serem ouvidos. Claro, se falarem coisa com coisa. E se evitarem o espalhafato, como se viu na deprimente sessão de sábado passado.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Porandubas nº 606

Abro a coluna com Minas Gerais vista pelo grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Em 1984, publicou no jornal Cometa Itabirano o poema "Lira Itabirana". O poema faz uma denúncia que, passados todos estes anos, permanece atual. Drummond já descrevia o conflito entre a mineradora e a vida do Rio Doce. "O Rio? É doce.A Vale? Amarga.Ai, antes fosseMais leve a carga.Entre estataisE multinacionais,Quantos ais!A dívida internaA dívida externaA dívida eternaQuantas toneladas exportamosDe ferro?Quantas lágrimas disfarçamosSem berro?" A poesia de Drummond foi, é e continuará sendo um grito pela salvação do ex-bucólico Estado de Minas Gerais. O vale da morte Tudo (ou quase) o que se disser aqui sobre uma das maiores tragédias ocorridas no país já foi objeto de comentários, análises ou mesmo locuções e interlocuções de desespero e desabafo. Portanto, traço essas linhas com a convicção de que não serei original. Apenas um a mais na soma das expressões que jorram de leigos e especialistas na análise da tragédia de Brumadinho. Começo com um título de jornal que considero apropriado para resumir o monumental acidente: O Vale da Morte. A Vale, que por anos a fio desfilou no ranking das empresas mais fortes e admiradas do Brasil, faz jus à manchete jornalística. A lama, nunca mais? O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que passou a dirigir o conglomerado após a tragédia de Mariana, até produziu o slogan que iria pavimentar seu caminho: "Mariana nunca mais". O mar de lama se repetiu, agora puxando uma fila bem maior de mortos. Óbvia conclusão: a gestão de risco foi subavaliada. O presidente Fábio foi pego por visão errática, excesso de otimismo ou simplesmente pela banalização de promessas que costumam embasar perorações grandiloquentes de gestores em início de suas administrações. A lama correu forte do empreendimento que estava simplesmente desativado. A atividade mineradora ali se fazia a seco. Estado mais presente Tragédias como essa de Brumadinho são previsíveis em um território que ainda faz aflorar sementes de barbárie. As lindas montanhas de Minas Gerais, um espaço rico de minérios, têm sido cortadas e recortadas pela lâmina da ganância, que devasta o meio ambiente, desnatura paisagens, carrega para longe as riquezas e planta nos vazios profundos raízes de miséria. No ciclo de chuvas, as tragédias são crônicas anunciadas de desolação e morte. Na região serrana do Rio de Janeiro, não é o que se presencia quando os temporais fazem desabar serras e morros? E por que isso ocorre? Pela ausência do Estado, que falha na prevenção. Que falha no controle. Que é leniente com as ambições desmesuradas dos conglomerados. Que zomba daqueles que enxergam a natureza assolada pela invasão da barbárie. O facilitador Aos fatos. O secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira, assinou em dezembro de 2017 norma que alterou os critérios de risco de algumas barragens, o que permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no Estado. A medida possibilitou à Vale acelerar o licenciamento para alterações na barragem da mina de Córrego do Feijão, que produziu a tragédia de Brumadinho. A norma permite rebaixar o potencial de risco das barragens. Zema explica? Apesar de ter sido nomeado pelo ex-governador petista Fernando Pimentel, Vieira foi o único secretário a se manter no cargo desde a posse de Romeu Zema (Novo). A manutenção no cargo foi celebrada por representantes da indústria pelo fato de Vieira ter dado mais agilidade ao processo de licenciamento ambiental. Acidente ou crime? Aos fatos. Quarenta milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro soterraram o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em Minas Gerais, e percorreram quilômetros até o mar. A tragédia, em novembro de 2015, matou 19 pessoas, contaminou o Rio Doce, mudando a vida de 500 mil habitantes das mais de 40 cidades mineiras e capixabas atingidas pelo vazamento no até então maior desastre ambiental da história do país. Dona da barragem, a Samarco e suas controladoras - a Vale e a BHP Billiton - trataram o rompimento como acidente. O Ministério Público, como crime. 68 multas, uma sendo paga Aos fatos. Três anos depois, ninguém foi preso. O processo envolve executivos da Samarco, Vale e BHP Billiton e tramita na vara Federal de Ponte Nova, ainda sem data para julgamento. Das 68 multas aplicadas por órgãos ambientais, apenas uma está sendo paga (em 59 parcelas). O impacto ambiental permanece, com a contaminação do Rio Doce. Embora tenham obtido na Justiça estadual benefícios como o aluguel de residência, auxílio financeiro mensal e assessoria técnica para começar a refazer a vida, as vítimas ainda lutam por indenização. A tragédia da boate Kiss Aos fatos. Outra das maiores tragédias do Brasil completou no domingo, dia 27, seis anos. Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, centenas de pessoas entre familiares e amigos lembraram as 242 pessoas que morreram no incêndio da boate Kiss. Júri popular? Aos fatos. Até o presente momento não se sabe se os quatro acusados pelas mortes - os ex-proprietários da boate Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann e os músicos Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos - irão a júri popular ou serão julgados por um juiz único. A decisão da Justiça de Santa Maria foi a de mandar os réus a júri popular. No entanto, a defesa dos réus recorreu e o Tribunal de Justiça do Estado determinou que eles sejam julgados por um magistrado. O pano de fundo No momento em que a imprensa do Brasil e do Exterior discute a responsabilidade da Vale, dos governos estadual e Federal e de políticos em mais essa tragédia de Brumadinho, convém lembrar a leniência da Justiça, a brandura das leis e os lentos corredores do Judiciário. A essa camada, são acrescidos ingredientes como corrupção, incompetência, ganância e safadeza política. A contagem de mortos e feridos acaba não passando de mais uma estatística da barbárie. Endurecimento x amaciamento Projeto de endurecimento na área de concessões para exploração de minério está abandonado no Senado. Nos últimos tempos, o discurso que se apregoava era de amaciamento da legislação sob o argumento da desburocratização. E agora, será que a tese da flexibilização continua a prevalecer? Cautela, autoridades. O Parlamento deverá se manifestar em fevereiro. Providências A prisão de engenheiros e funcionários da Vale sinaliza responsabilização pelo desastre de Brumadinho. É algo a se aplaudir. Veremos se a esfera criminal chegará ao cerne do problema, identificando outros protagonistas. A sombra da insensatez O novo governo está prestes a completar um mês de vida. Este consultor não perdeu as esperanças de ver o país destravando amarras que o ligam ao passado, mas confessa que teme as investidas que se anunciam em algumas frentes. Nas relações com o mundo, a visão que se prega é a de fechamento, não de abertura. Trocar o multilateralismo pelo unilateralismo é regredir. É buscar o isolamento do país. Nas relações internas, há se ter cuidado com a articulação com o Congresso Nacional, cujos integrantes devem ser parceiros e copartícipes das ações governamentais. O governo errará se agir com particularismos e visão estreita. E se não trouxer o corpo legislativo para o debate nacional. É na esfera parlamentar que o país é passado a limpo. O bom senso deve ser a régua da governabilidade. Tamanho adequado O Estado brasileiro tem de ganhar musculatura para promover o autodesenvolvimento do território. Significa modelar sua estrutura, fundir áreas e setores usando a engrenagem da racionalização, privatizar áreas que dispensam a sombra do Estado, sem exageros. Urge dar ao Estado o tamanho adequado, nem nanico nem paquidérmico. Significa atender as demandas sociais, mas sem concessões que possam romper a harmonia e o equilíbrio entre o Estado e a sociedade. Desburocratizar, sim, mas de forma condizente com as regiões e o meio ambiente. Flexibilizar as concessões ambientais sob o argumento de simplificação e desburocratização é falácia. Os três Poderes A era Bolsonaro se inicia sob a impressão de que a Tríade dos Poderes está capenga. Observa-se evidente descompasso/desarmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Este último tem assumido funções que extrapolam sua competência constitucional. O Executivo e o Legislativo passaram por momentos de alta tensão nos últimos tempos. Carecem maior entrosamento. Vamos acompanhar as tarefas do ministro Sérgio Moro, da Justiça, ele mesmo podendo se transformar em fiador de tempos de harmonia entre os Poderes. Minas Gerais Fecho a coluna com um tributo a Minas Gerais. Pela beleza de um trecho da descrição de seu grande filho, João Guimarães Rosa, o celebrado autor de "Grande Sertão: Veredas". Aí está Minas: a mineiridade "Minas é a montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região - que se escala. Atrás de muralhas, caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio de serenidade. Aguarda-nos amparada, dada em neblinas, coroada de frimas, aspada de epítetos: Alterosas, Estado montanhês, Estado mediterrâneo, Centro, Chave da Abóbada, Suíça brasileira, Coração do Brasil, Capitania do Ouro, a Heróica Província, Formosa Província. O quanto que envaidece e intranquiliza, entidade tão vasta, feita de celebridade e lucidez, de cordilheira e História. De que jeito dizê-la? MINAS: patriazinha. Minas - a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas - a gente não sabe. Sei, um pouco, seu facies, a natureza física - muros montes e ultramontes, vales escorregados, os andantes belos rios, as linhas de cumeeiras, a aeroplanície ou cimos profundamente altos, azuis que já estão nos sonhos - a teoria dessa paisagem......" P.S. SOS: Rasgando a Serra da Piedade A mineração está cortando também a Serra da Piedade aos pedaços. É uma das mais lindas a compor o horizonte que ainda chamam de belo, patrimônio da Humanidade enriquecido por obras de Aleijadinho. Patrimônio? Alguém respeita? Pois está virando minério de exportação ou simples rejeito em uma barragem que poderá romper e ocasionar mais um desastre. Tenham piedade.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Porandubas nº 605

Abro com duas historinhas, uma de Goiás, outra da Paraíba. Nada mudou Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil: - No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados. O coronel Miguel suspirou: - Então não mudou nada. Um gato Toninho Cabral era vereador em Campina Grande. Um opositor o acusou de não ser filho da cidade. Na tribuna, Cabral esgoelou: - Nasci em Cabaceiras, é verdade, mas vim abrir os olhos em Campina Grande. Um vereador lá dos fundos fez o aparte: - Vossa Excelência não é um homem, é um gato. Pois saiba Vossa Excelência que gato abre os olhos oito dias depois de nascer. Nuvens pesadas Nem bem o governo Bolsonaro completa um mês, os horizontes ficam turvos sob nuvens pesadas. O affaire envolvendo o filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro, tende a se esticar por bom tempo. O entorno do mandatário-mor já unificou a linguagem: não se trata de um caso de governo, mas uma questão do senador eleito, que significa: ele, que é foco, resolva o imbróglio. Por mais esforço que se faça para escudar o presidente e preservar sua boa imagem, danos começam a surgir. Os Bolsonaros constituem uma unidade. Os filhos são colados ao pai, formando uma barreira de "guardas" que o cercam em tempo integral. Respingos atingem a todos. Investigação Flávio já mostrou sua resposta: depósitos e volumes de dinheiro se devem às operações com imóveis (venda e compra). Um comprador admite ter pago em espécie a ele, o vendedor de um imóvel. Nessa direção, agirão os órgãos de investigação e controle. Sim, porque o processo não será sustado com as tentativas do agora senador em liquidar o assunto. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras constata. Não há o que refutar na planilha de movimentação. A solicitação que Flávio fez ao STF demonstra medo. Quer se valer do foro privilegiado que, tempos atrás, combatia. O ministro Marco Aurélio sinaliza o não acolhimento ao pedido, ancorado na tese: foro só vale para eventos praticados no mandato. A repercussão no Congresso O affaire entrará na agenda congressual. Não apenas por insistência e na esteira do tiroteio a ser desferido pelas oposições, mas pela pressão da sociedade. O caso chega aos segmentos do centro, o grande irradiador de pensamento, batendo inclusive nas margens, a par da sensação de "coisa errada". Na Câmara, as oposições encontrarão nas operações do senador motivo para abrir um tiroteio sobre o governo. No Senado, pode haver aqui e ali uma expressão enérgica, mas o novo senador tende a receber a solidariedade da maioria sob a teia de futuras recompensas. Primeira instância Fica claro que o Judiciário e o MP, a partir de suas estruturas no Rio de Janeiro, levarão adiante as investigações. E se for comprovada a suspeita de que a operação embutiu a prática do que se chama de "rachadinha", ou seja, a apropriação por parte do parlamentar de parte dos salários da equipe que trabalhou com ele na Assembleia Legislativa? Se foi isso o que ocorreu, a hipótese do impeachment do senador até pode entrar na agenda. O grupo militar que assessora o presidente parece compartilhar do ditado: vão-se os anéis e ficam os dedos. Se as investigações mostrarem a licitude dos atos de Flávio, ele cumprirá seu mandato sob a marca da inocência. Os filhos? Distante Se os filhos do presidente agem como leões de chácara em torno do pai, devem se conscientizar que a campanha eleitoral ficou para trás; o presidente governa para todos os brasileiros; devem compreender o papel da imprensa; não podem alimentar uma guerra de acusações contra aqueles que consideram adversários. Conselho útil: afastem-se da figura presidencial; façam bom desempenho nos mandatos; defendam valores e ideário na tribuna parlamentar. Imagem danificada Seja qual for o desfecho do redemoinho que sacode o perfil de Flávio Bolsonaro, a imagem do bolsonarismo - pai, filhos e ideário - ganhará rachaduras. Não serão danos capazes de inviabilizar a governabilidade, mas o estrago corroerá a força do governo, deixando-o mais aberto às demandas das bases de apoio nas casas congressuais. Lembre-se que Bolsonaro precisa aprovar o quanto antes a reforma da Previdência e, a seguir, a reforma tributária. Cultura antiga Os primeiros dias de governo deixam ver que a velha prática da política não foi de todo abandonada. Se o presidente faz questão de dizer que critérios técnicos balizaram a escolha de ministros, algumas nomeações mostram elos com o passado patrimonialista. A promoção do filho do general Mourão abriu intensa polêmica. A nomeação de amigos que ajudaram na campanha também exibe o selo da velha cultura. Os militares no governo Não se deve temer a presença do apreciável conjunto de militares na administração Federal. Os militares nomeados ou a serem nomeados já passam de 45 no governo. Estão espalhados por 21 áreas: da assessoria da presidência da Caixa Econômica ao gabinete do Ministério da Educação; da diretoria-Geral da hidrelétrica Itaipu à presidência do conselho de administração da Petrobras. O Exército, de onde vieram o presidente e o vice, Hamilton Mourão (PRTB), tem maioria entre os membros do governo: 18 generais e 11 coronéis da reserva até semana passada, número que tende a crescer. A lição democrática Ao contrário da insinuação das oposições, os quadros militares não cobrirão o governo com o manto da "militarização". Não haverá condição para se reinstalar os tempos de chumbo. A realidade é outra. Os militares que dirigiram o país de 1964 a meados da década de 80 foram sendo substituídos por perfis mais comprometidos com as normas do Estado Democrático de Direito. E estes trabalharam na caserna e cumpriram tarefas que a CF lhes atribuiu, sem acenos externos à rebeldia ou contrariedade aos governos eleitos e formados após a redemocratização. Muitos chegaram a expressar, de público, seus compromissos democráticos. Alguns radicais até chegaram a se posicionar contra investidas ideológicas das esquerdas, a partir do PT, mas não a ponto de ensaiar golpes. Poder moderador Se a farda chega, hoje, a comandos de importantes áreas da administração Federal, esse fato se deve à plenitude de nossa vida democrática. O presidente de índole militar foi eleito em pleito democrático, abrindo o governo para acolher quadros das Forças Armadas, generais, almirantes e outras patentes, figuras conhecidas por missões que desenvolveram e afeitos à disciplina, à hierarquia, ao cumprimento das tarefas sob sua responsabilidade. Sob essa cobertura, os militares agirão como administradores eficientes. E, sob o prisma da governabilidade, tendem a ser um "poder moderador" e não uma fortaleza para garantir o exercício governamental com o uso de canhões. Inserção natural Em tempos de escândalos, corrupção escorrendo nos vãos e desvãos da República, alguns valores encarnados pela caserna parecem desejados pela sociedade: zelo, disciplina, ordem, resultados, hierarquia, respeito. As oposições Os movimentos sociais e grupos de intelectuais, particularmente os alinhados com o lulismo, vão continuar a atirar bombas em Bolsonaro, que revidará com a espada do comandante-em-chefe do país. Alvo do tiroteio: ideologia de gêneros, armamento, demarcação de terras indígenas, direitos humanos, entre outros temas. No Congresso, partidos e lideranças entrarão na arena de lutas quando o governo se mostrar por inteiro. Ao PT interessa que o presidente entre na guerra expressiva que ele inventou: Nós e Eles. O apartheid social sempre foi o oxigênio petista. Na área externa A remarcação dos eixos nas nossas relações exteriores é um grande risco, a partir da reação negativa de países árabes e da esfera asiática, como a China, que, segundo Bolsonaro, "quer comprar o Brasil". Essa nova ordem certamente implicará novas decisões junto aos organismos internacionais que abrigam interesses das Nações, como ONU, UNESCO, OMC, OEA, MERCOSUL, entre outras. A estreia em Davos Bolsonaro fez sua estreia nesta terça no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Foram apenas seis minutos e não disse nada de novo. Mas suas palavras soam como música para aquele público: repetiu que tem condições políticas de implementar as reformas, diminuir a carga tributária, melhorar o ambiente de negócios para os empreendedores, abrir a economia ao mundo, preservar o meio ambiente, melhorar a educação, etc. E, ao final, o recado de sua política externa: "Não queremos uma América bolivariana. A esquerda não prevalecerá na América". Nota sete Uma chama de esperança: o aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF). Se chegar à casa 7 numa escala de 10, é possível abrirmos um ciclo de harmonia. Principalmente se for feita a equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando governo). No mais, Bolsonaro precisa se guiar pela régua do bom senso. Sem cometer deslizes programáticos e atirar petardos quase diários contra grupos que o atacaram na campanha. João Doria O governador de São Paulo está governando com olhos atentos à realidade: demandas prementes no combate à violência, privatização de penitenciárias, programa de privatização, entre outros aspectos. E mais: ele mesmo presta contas dos resultados obtidos a cada semana. Transparência. João é determinado. Sabe para onde caminhar. Está em Davos, na Suíça, onde fará duas palestras a convite do prof. Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial. João levou um vídeo muito bem produzido mostrando a investidores os potenciais do Estado. Os investimentos virão. A continuar no ritmo até agora demonstrado, o governador verá abertas as portas do futuro. O discurso Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político. Pois bem, o discurso político é uma composição entre a semântica e a estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende apenas 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Rechear o discurso com imagens populares é uma boa pista. Lula é exímio nesse drible. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. Mais: das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. Já o que não se diz, mas se vê tem muito maior importância. Portanto, senhoras e senhores que abrirão em fevereiro uma nova Legislatura, atentem para este fato. Bolsonaro tem bem acesa na cabeça das pessoas a estética que veste sua identidade: o gesto de atirar.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Porandubas nº 604

Abro a coluna com Vargas. Água no feijão Getúlio recebe o repórter no Palácio do Catete: - "Presidente, para vencer na política, o que é necessário?" - Vargas: "Muita coisa. Por exemplo, boa memória. A política é como água no feijão. O que não presta flutua. O que é bom repousa no fundo." Pequena reflexão. Quem é bom e quem não presta na política brasileira? Quem flutua na água e quem está no fundo? Um prêmio para quem acertar a resposta. A grande preocupação Pouca dúvida há sobre a estratégia do governo Bolsonaro na frente da economia. A visão do Estado adequado será o eixo dos programas, a partir da privatização dos braços da estrutura administrativa que fogem ao comando do corpo. Quer dizer, braços desnecessários ao controle estatal passarão para a iniciativa privada. A dúvida que ganha grande preocupação diz respeito à visão do chanceler Ernesto Araújo sobre política externa. Ao que se intui, por suas próprias palavras, o Brasil deve caminhar sozinho em algumas estradas sem compartilhar com a visão de outros países. Significa se afastar da posição multilateral que tem guiado nossa política externa desde tempos remotos. Brasil-EUA O pensamento do chanceler, que tem a aprovação do presidente Bolsonaro, é a de que cada Nação pode e deve trilhar o caminho que julgar mais adequado para atender ao ideário da soberania sem seguir as regras estabelecidas por outras Nações. Araújo diz em alto e bom som que a cultura ocidental enfrenta um ataque do "globalismo", que carrega em seu bojo o "marxismo cultural". Seu pensamento é praticamente o mesmo do presidente norte-americano Donald Trump, para quem o controle da imigração (e a defesa contra a invasão de fronteiras) é vital para defender o ideário nacional, proteger valores e características dos países. A interpenetração de fronteiras acaba descaracterizando as identidades nacionais. E os organismos das Nações? Dessa visão, decorre a interrogação: e o que fazer com os organismos que agregam as Nações? ONU, OTAN, UNESCO, OMC, OEA, UE, NAFTA, MERCOSUL, entre outras? São essas organizações que estabelecem políticas envolvendo os interesses comuns de países, práticas comerciais, acordos em torno do clima, enfim, as estratégias que redundam em equilíbrio, harmonia, convivência amistosa e limites que devem ser preservados para garantir os valores da soberania nacional. É sabido que muitos países, na esteira dos perfis de seus dirigentes, costumam até romper com as regras definidas. Veja-se o caso dos EUA. Bush e Trump No ciclo Bush, a nação norte-americana, mesmo procurando apoio da comunidade internacional, agia sozinha quando não ganhava endosso dos países sob a égide da ONU. O argumento dos EUA é o de que, para exercer seu direito de defesa, podem usar o instrumental que se fizer necessário, inclusive participar com suas forças armadas em conflitos da contemporaneidade. Têm sido comuns as queixas de aliados norte-americanos contra o excessivo unilateralismo da política externa dos EUA. O presidente Clinton também defendia que a América deve estar preparada para avançar sozinha quando não houver alternativa. Trump, agora, avança com ímpeto nessa direção. O muro de cerca de US$ 6 bilhões de dólares na fronteira com o México é resultado do seu voluntarismo, que paralisa a administração Federal, com sérios prejuízos à população. O multilateralismo São imensos os benefícios da visão multilateral, principalmente quando as políticas sob sua sombra dizem respeito às doenças infecciosas, à estabilidade dos mercados financeiros, ao sistema de comércio internacional, à proliferação de armas de destruição maciça, ao tráfico de drogas, aos sindicatos do crime organizado e ao terrorismo transnacional. O multilateralismo é um mecanismo que se destina a partilhar com os outros os custos que abrangem o fornecimento de bens públicos. O neopopulismo nacionalista Que as visões unilaterais sejam usadas, eventualmente, pelos países, principalmente em momentos de crise ou quando estão em jogo questões de soberania e defesa nacional, isso é compreensível. O problema é saber quando e como usar a abordagem. Sob pena de romper os elos que unem as nações sob a chancela das organizações que as abrigam. O que se distingue, nesse ciclo político por que passa o planeta, é o acender da chama de um neopopulismo que se espraia pelos continentes sob o desfraldar da bandeira nacionalista. Trump é o ícone dessa corrente ao tentar seduzir seu eleitorado com o discurso de fazer a América grande, outra vez. Por trás dessa promessa, estão programas voltados ao emprego, à defesa da cultura, ao combate à criminalidade e às drogas, em suma, "Make America great again". O caso brasileiro Essa tendência neopopulista bate em cheio na atual paisagem brasileira. Devastada por anos de corrupção, saindo do atoleiro que afundou o país na maior recessão econômica de sua trajetória republicana, vivendo uma campanha eleitoral muito polarizada, onde os extremos se combateram com a espada da expressão e vieses ideológicos - esquerda e direita - a paisagem viu a bandeira de um capitão reformado no Exército ser fincada no território. Junto a ela o ideário: expurgo do socialismo/comunismo, educação sem ideologia e sem viés em defesa de transgêneros, defesa da tradição e do culto à família, Estado sob a égide do liberalismo, entre outros aspectos. Dois pedestais Para compor essa moldura, o presidente Bolsonaro formou sua equipe com destaque para duas figuras que pairam acima de correntes ideológicas: o juiz Sérgio Moro, que saiu do pedestal da fama na operação Lava Jato, e emerge como destemido guerreiro no combate à corrupção e à violência que se espraia no território; e o economista Paulo Guedes que, por sua vez, formou um time de grande qualidade para a área da Economia. Três porta-vozes Mas, para efeito da imagem do conservadorismo que caracteriza seu governo, o presidente escolheu três figurantes: o embaixador Ernesto Araújo, que já deu as coordenadas que sustentarão as relações do Brasil com o mundo; um professor colombiano naturalizado brasileiro, Ricardo Vélez Rodriguez, que já traçou a linha conservadora que imprimirá à Educação; e uma pastora evangélica, Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Esses porta-vozes de identidades fortes no campo da extrema-direita traduzem a feição ideológica do governo. Voltando a Araújo Ernesto Araújo será o espelho a refletir a cara do Brasil para o mundo. Em seu entorno, a polêmica começou a brotar. Como o país vai explicar o afastamento de sua tradicional cultura na seara multilateral? Como os países árabes reagirão ante a promessa do presidente de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém? Espera-se que o Brasil, ao querer andar sozinho, o faça sob uma forte base conceitual, de modo que haja compreensão de nações amigas. O perigo é o do isolamento do país. Análise aguda e densa A análise mais aguda e densa que este consultor leu a respeito de Cesare Battisti foi feita pelo jurista e professor de Direito Penal, Wálter Maierovitch, também o maior especialista brasileiro em matéria de Itália, no Estadão de ontem. O professor desborda o caso, que teve "condenações reexaminadas e confirmadas por mais de 60 juízes", lembra a validação das condenações pela Corte de Direitos Humanos da União Europeia, pinça declaração do ideólogo do PAC - Proletariados Armados para o Comunismo (ao qual pertencia Battisti), Arrigo Cavallina, sobre o fato de que o condenado era "um ladrão comum que conheceu no cárcere e ingressou na organização terrorista". Recheada de informações e oportunas observações, a análise do que chama de "fraude ambulante" termina com a abordagem de que o "ministro Luís Roberto Barroso, como advogado de Battisti", "quis mudar a história dos autos do processos italianos e a própria história da Itália". Um primor de interpretação. A índole militar A identidade militar do presidente Bolsonaro puxa, a cada dia, mais quadros reformados das Forças Armadas para áreas do governo. Ultimamente, mais quatro foram chamados: o porta-voz do governo será o general Otávio Santana do Rego Barros, pernambucano, atual chefe de comunicação do Exército; o presidente do Conselho da Petrobras será o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, ex-comandante da Marinha; o presidente da Funai será o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que já dirigiu o órgão na época do governo Temer; o major Vitor Hugo, deputado do PSL de Goiás, será o líder do governo na Câmara. Risco A questão: o líder do governo é um deputado de primeiro mandato. O cargo exige domínio das estratégias e técnicas de articulação política, conhecimento das práticas congressuais e experiência no trato do balcão político. Vem aí o projeto de reforma da Previdência. Terá o deputado Vitor jogo de cintura para ampliar a base de apoio ao governo? Maia, favorito Rodrigo Maia continua favorito na disputa da presidência da Câmara Federal. Pode, até, não se reeleger em primeiro turno. E pode, também, ser vítima de traições. Mas é o perfil com melhor articulação na Câmara. Há outros candidatos - fala-se em 7 - que podem desistir. Renan sob tiroteio Já o senador Renan Calheiros é alvo de intenso tiroteio nas redes sociais. E entidades organizam um ato contra ele em São Paulo. Renan nunca foi tão bombardeado como no presente. Mas o senador conhece como poucos a alma do Senado. Por enquanto, também o favorito. Dez valores emergentes 1. A organização e o controle. 2. A autoridade. 3. A experiência bem-sucedida. 4. A assepsia política. 5. O equilíbrio/bom senso. 6. A objetividade e a clareza. 7. A coragem de enfrentar desafios. 8. O despojamento pessoal. 9. A disciplina para a luta. 10. Mais ação, menos discurso. (Do meu Livro Tratado de Comunicação Organizacional e Política) Será o Benedito? Fecho a coluna com a alma mineira. Às vésperas da escolha do interventor de Minas Gerais, em 1934, Benedito Valadares se encontrou no Rio de Janeiro com José Maria Alkmin: - Se você for o escolhido, me convida para secretário? - Você está louco, Benedito? Respondeu um divertido Alkmin. Dias depois, Getúlio Vargas anunciaria a escolha de Valadares, que logo recebeu um telegrama: - "Parabéns. Retiro a expressão. Ass: Zé Maria". Zé Maria Alkmin acabou nomeado secretário do Interior.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Porandubas nº 603

Abro a coluna com o atoleiro nessa época de chuvas. "O carro se atolou-se" Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica, como conta Ivanildo Sampaio, do Jornal do Commercio, de Pernambuco, e meu contemporâneo na faculdade. Um dia, dois eleitores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de expressar-se era falar que "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica: - Escutem aqui. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os da frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"... Caixas-pretas A denúncia não poderia ser mais taxativa: "A Caixa Econômica Federal foi vítima de saques, fraudes e assaltos de recursos públicos. Como vai ficar óbvio à frente, quando essas caixas-pretas começarem a ser examinadas". A expressão é do ministro da Economia, Paulo Guedes. Nos próximos dias, falcatruas e operações suspeitas virão à tona. No BNDES, espera-se que Joaquim Levy faça o mesmo, abrindo as comportas da instituição. Hora e vez de contar a verdade. A transparência ditará os rumos do novo governo. É o que ele promete. Veremos. Violência no Ceará O Ceará, um dos Estados mais charmosos do Nordeste, afamado por adotar uma política de promoção turística mais arrojada que a de outros Estados, começa a descer o despenhadeiro do medo. A violência sai da capital para o interior. E o impacto sobre o fluxo turístico é de monta. O ministro Sérgio Moro despachou a Força Nacional para a região. Mas o ímpeto das gangues organizadas é tão forte que os ataques aos patrimônios público e privado continuam. A ordem para as depredações sai das próprias prisões onde estão trancafiados os chefes. Só agora transferidos para prisões Federais que contam com maior controle. Paliativo Pelo andar da carruagem, vê-se que essas rápidas temporadas de policiais da Força Nacional em Estados da Federação, comuns de uns anos para cá, funcionam como um paliativo. Geram um refluxo (imediato) na onda de violência, com diminuição do número de ataques, porém mais parecem esparadrapo cobrindo a ferida. O plano correto passa pela operação de inteligência, com integração das polícias estaduais - civil e militar - , recursos para atualizar e expandir a frota de veículos e equipamentos de combate aos distúrbios, maior controle nas fronteiras do Brasil com os países vizinhos e uma estratégia de prevenção mais eficaz e permanente. 17 mil km de fronteiras O Brasil tem quase 17 mil quilômetros de fronteiras, mais precisamente 16.866 quilômetros. Não mais que 700 quilômetros são alcançados pelo Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), equivalente a 4% do total. Daí o buraco que se abre para o aumento da entrada de armas e drogas sob comando de traficantes, que abastecem os "exércitos" das facções. Os primeiros dias A primeira semana do novo governo mostrou certo descompasso na linguagem da equipe. O presidente Bolsonaro, que garantiu o aumento do IOF, acabou sendo desmentido por dois assessores. Coisa de desentrosamento inicial, não tão grave como parte da imprensa procurou expor em tom catastrófico. O fato é que a equipe econômica ainda tateia na escuridão, procurando arrumar a casa e formar os pacotes iniciais. Mas a confiança na recuperação da economia não arrefeceu. Os sinais são alentadores. Os setores produtivos ainda não festejam, mas estão em compasso de boas expectativas. Unificar a comunicação Um dos gargalos da nova administração está na política de comunicação. O presidente critica a comunicação via "intermediários", produzindo ele mesmo as mensagens para as redes sociais. Também nesse ponto identifica-se com Donald Trump, um usuário constante da rede eletrônica. Ocorre que a comunicação governamental é mais que transmissão de notícias, fatos significativos da seara administrativa. Requer, em alguns momentos, explicações, demonstrações, maiores detalhes, esclarecimentos a eventuais dúvidas que surgem. O presidente não pode se envolver com tais tarefas. A identidade do governo carece também de unidade, homogeneidade, evitando as dissonâncias que se formam com dispersão comunicativa - fontes variadas, abordagens específicas e conflitantes. As maiores dissonâncias O acervo de dissonâncias costuma ser formado pelas áreas que lidam com maior complexidade temática: economia, impostos, orçamentos, etc. Abriga, ainda, fontes que geram polêmica, principalmente aquelas que se postam no centro do debate ideológico. O governo será questionado todo tempo sobre coisas como o alinhamento automático com os Estados Unidos, a posição brasileira frente aos temas que unem as Nações - clima, meio ambiente, imigração, direitos humanos. Os quadros que se inserem na planilha ideológica, a partir do chanceler Ernesto Araújo, serão muito demandados e questionados. E a imagem do país, sob essa complexa teia, pode vir a ganhar manchas. Previdência tende a passar A reforma da Previdência vai sair do papel e obter o apoio da maioria parlamentar. Há poucas dúvidas sobre isso. O presidente Jair Bolsonaro agrega imensa força nesse início de jornada. E sua equipe técnica, chefiada pelo ministro Paulo Guedes, se esforçará para aparar arestas que podem inviabilizar a reforma. O próprio secretário da Previdência, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), usará todo o jogo de cintura que demonstrou ter, por ocasião da reforma trabalhista, e a grande capacidade de convencimento, para aprovar o pacote previdenciário. Regra de transição A diminuição da idade da aposentadoria - 62/63 para homens, 57 para mulheres - e a regra de transição são os pontos que causam maiores conflitos. "Se a idade mínima for menor que 65 anos, não pode haver regra de transição em reforma da Previdência", alerta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do alto do conhecimento que detém da alma parlamentar. Justiça trabalhista A peroração do presidente Bolsonaro contra a Justiça trabalhista - na verdade pregando sua extinção - recebeu rápida resposta das entidades representantes de juízes e do Ministério Público. O governante vocalizou uma ideia que há tempos viceja em núcleos do pensamento nacional. Mas a Justiça trabalhista registra recordes de atuação. Comporta exageros e desvios, a partir de quadros que parecem agir sob a tutela do petismo. Mas abriga juízes de alto calibre, que exprimem sabedoria e bom senso. O presidente cometeu o deslize de dizer que a Justiça trabalhista só existe no Brasil. Uma inverdade. Aqui, a Justiça do Trabalho é prevista no artigo 92 da Constituição da República e há mais de 70 anos cumpre sua função constitucional de assegurar a efetividade dos direitos dos trabalhadores. Em outros países A Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público), que congrega mais de 40 mil juízes e membros do Ministério Público, destacou em sua nota de resposta ao presidente da República: "Não é real a recorrente afirmação de que a Justiça do Trabalho existe somente no Brasil. A Justiça do Trabalho existe, com autonomia estrutural e corpos judiciais próprios, em países como Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. Na absoluta maioria dos países há jurisdição trabalhista, ora com autonomia orgânica, ora com autonomia procedimental, ora com ambas". Pátria amada Brasil O slogan do governo Bolsonaro foi escolhido: Pátria Amada Brasil. Omite a vírgula antes da palavra "Brasil", como ensina a gramática e como se lê no hino nacional. Antes de arrematar o slogan, ouve-se esta mensagem: "Em 2018, não fomos às urnas apenas para escolher um novo presidente. Fomos às urnas para escolher um novo Brasil, sem corrupção, sem impunidade, sem doutrinação nas escolas e sem a erotização de nossas crianças. Fomos às urnas para resgatar o Brasil. Pátria Amada Brasil - Governo Federal". Um excesso de palavras e promessas. O anterior O slogan tem parentesco com o do governo Temer, que coloca em destaque a esfera celeste da bandeira do Brasil com a frase Ordem e Progresso e ao fundo, em branco, a palavra Brasil, finalizando com a expressão Governo Federal. O mote, o mesmo da bandeira do Brasil, foi inspirado na teoria positivista do francês Auguste Comte, para quem o avanço da humanidade dependia exclusivamente do progresso e avanços científicos. A ideia de recuperar É interessante que o slogan de ambos apela para a ideia de resgatar o país da desordem e da desorganização da vida política, econômica e social. Mas o slogan de Bolsonaro exibe forte corte ideológico, ao puxar a vertente do ensino nas escolas (sem doutrinação) e até com a aguda observação sobre "a erotização de nossas crianças". Geralmente, os slogans se restringem a compromissos genéricos. Mas o slogan do governo Bolsonaro desce aos detalhes. Nele, está escancarada a identidade do Governo. Barão de Itararé Fecho a coluna com pérolas do barão de Itararé: - A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados. - Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai. - O advogado, segundo Brougham, é um cavalheiro que põe os nossos bens a salvo dos nossos inimigos e os guarda para si. - Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você. - Mulher moderna calça as botas e bota as calças. - A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana. - Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Porandubas nº 602

Uma leitura sobre a abertura de portas da era bolsonariana. A era bolsonariana A era Bolsonariana tem início sob uma teia de interrogações, a partir da observação de alguns comentaristas: o presidente não desceu do palanque eleitoral. Ora, como poderia ter descido se seu eleitorado põe fé no ideário que tanto propagou ao correr da campanha eleitoral? Não é possível uma distância enorme entre o candidato e o presidente eleito. Afinal, trata-se de confirmar uma identidade construída ao longo de anos de jornada política. É evidente que a realidade impõe freios ao tom contundente do discurso eleitoral, principalmente em frentes como a da articulação com o Congresso. Como se verá mais adiante, não será possível administrar sem ouvir as preces das bases parlamentares no Senado e Câmara. Os riscos Com seu discurso no Parlatório, o presidente confirmou sua marca e estilo, particularmente em relação ao combate ao vermelho petista e à simbologia que representa - socialismo/comunismo, Venezuela, Cuba, Nicarágua, etc. É o que seu eleitorado espera no primeiro momento. E é também o que o lulopetismo espera. Afinal de contas, o PT (e seus satélites) pretende agir sob a linha divisória que ele mesmo desenhou ao longo de três décadas: "Nós e Eles". Desvios na rota bolsonariana - insucesso na economia, estado crescente de violência, desemprego massacrante - seriam o passaporte para a ressurreição do petismo. Governar para todos Uma questão fica no ar: não há ainda um pensamento homogêneo na equipe governamental? A promessa de Bolsonaro de que "nossa bandeira jamais será vermelha" começou a ser contornada com discurso ameno do novo chefe da Casa Civil, Ônix Lorenzoni. Ele fez convite ao PT e ao PSOL para integrarem um "pacto político", sob a linha argumentativa de que o momento aconselha que partidos deixem de lado a batalha eleitoral para pensarem no país. O pacto seria um ato de elegância política, um abraço suprapartidário que está a exigir esforço coletivo. Uma trégua, portanto, faria bem a todos. Lorenzoni deve ter acertado essa abordagem com o presidente. De qualquer maneira, emerge a impressão de que os discursos do chefe do Governo e de seu subordinado não fazem parte da mesma trilha sonora. Economia puxando o trem A economia é a locomotiva que puxa os carros do trem. Sob essa simbologia, o ministro Paulo Guedes será a estrela ascendente do governo. Diz-se que quer anunciar medidas a rodo, algo como um pacote a cada dois dias, a começar por sete medidas baixadas pelo ex-presidente Michel Temer, que seriam revisadas. A Câmara de Comércio Exterior deve começar a abrir a economia com a redução de tributação para bens de capital, informática e telecomunicações. Assim, o animus animandi de setores produtivos ficaria aquecido, garantindo investimentos e resgatando a confiança. Sob um ritmo que tende a ser continuamente acelerado, a locomotiva puxaria a economia e, sob esse arranque, o discurso ideológico tende, até, a ser esmaecido. Com os eixos da engrenagem econômica encaixados, o pulmão nacional respiraria oxigênio novo. O tom social Comenta-se, ainda, que o presidente não se referiu à meta de reduzir as desigualdades. Ou teria deixado de dar ênfase ao cobertor social. Como se sabe, este manto cobriu toda a era do lulopetismo. Bolsonaro preferiu não entrar na semântica de proteção das margens; de um lado, para evitar comparações com a linguagem do petismo, de outro, para economizar palavras numa frente que tem servido ao palavrório populista, hoje desgastado. A impressão é a de que o novo governo quer mostrar ações, evitando a verborragia das promessas. Se foi esta a ideia, temos de convir que o presidente agiu corretamente. O dicionário político está locupletado de adjetivos sobre a desigualdade de classes, combate à pobreza, etc. Se o novo governo enfrentar para valer as carências sociais - saúde, educação, segurança - certamente estará respondendo com fatos aos anseios das bases da pirâmide. Bolsonaro se referiu a essas demandas. A base do equilíbrio Continua forte o tom, com certa dose crítica, à presença de muitos militares no governo. Mais uma vez, analistas parecem esquecer a fonte de onde Jair Bolsonaro tira a água para beber: o poço militar. Foi na vida militar que o capitão construiu sua identidade. Ao entrar na política, já estava moldado ao ideário militar, com seus valores, linguagem e modos de agir. É previsível que um militar, guindado à presidência, tenha a seu lado perfis e quadros de confiança. Inclusive, militares que viveram e compartilharam, juntos, da vida da caserna. Desse modo, explica-se a base militar que se posta ao lado do presidente, que traz princípios que poderão ser úteis ao país: o dever de cumprir a missão, a objetividade, o respeito, a hierarquia, a ordem. Em suma, os assessores militares conferem certa segurança ao novo governo, um aviso do tipo: o presidente está bem resguardado. Isolacionismo Aos aspectos que podem ser considerados positivos, apresentam-se ângulos com possibilidades de trazer ameaça à imagem do país. Entre eles, o alinhamento automático aos Estados Unidos, o que já se traduz na manifestação de transferência da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém; a ruptura do Brasil com o concerto das Nações comprometidas com a questão do clima e preservação ambiental; certo viés ultraconservador no desenho das relações internacionais do país, que pode nos cobrir com uma veste de viés "fundamentalista". Tal percepção pode não se confirmar, até porque o Brasil, no momento certo, poderá tomar decisões que se ajustem ao figurino internacional. Articulação política Na esfera interna, mais cedo ou mais tarde, a real politik acabará prevalecendo. O presidente está certo em desejar eliminar mazelas que circundam o presidencialismo de coalizão: feudalismo, grupismo, mandonismo, nepotismo, fisiologismo, frutos da árvore patrimonialista. Maneira de perfurar alguns tumores que afetam o corpo político seria a articulação com as bancadas temáticas. Evitar o toma lá, dá cá que faz parte do cotidiano da política. Em seu início, sob a grande força que o sustenta, o novo governo até pode se valer dessa modalidade de articulação. Mais adiante, porém, a realidade política se imporá. Nesse caso, ele pode perder um ou outro dedo para salvar as mãos: atender a pedidos de partidos para cargos no segundo e terceiro escalões. Deixaria de fora, porém, os quadros do primeiro escalão. O que já seria um avanço. Imagem simpática A primeira dama é um show de simpatia. Quebrou o protocolo, discursando antes de seu marido, para fazer um bem recebido discurso em favor dos deficientes auditivos e em defesa dos valores da família. De maneira inédita, apresentou sua mensagem na linguagem de Libras, tendo sua gesticulação sido traduzida. Michelle Bolsonaro abre uma porta de simpatia nos Palácios frios de Brasília. Corrupção e segurança A alta visibilidade do novo governo terá em Sérgio Moro, o ministro da Justiça, uma das luzes. Moro deve gerar impacto em duas áreas: combate à corrupção e segurança pública. Vai ser duro contra corruptos. Passará a limpo todos os cantos e recantos da administração pública. Já a segurança pública deverá ser outro pilar da imagem governamental. Prevê-se controle maior das fronteiras e políticas mais duras contra a bandidagem. O governo poderá ter bons resultados no médio prazo.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Porandubas nº 601

Abro a coluna com o verbo da Bahia. Cosme de Farias foi um grande advogado dos pobres da Bahia. Enveredou também pela política. Vereador e deputado estadual por muito tempo. Vejam a historinha. Um ladrão entrou na Igreja do Senhor do Bonfim e roubou as esmolas. Cosme de Farias foi para o júri: - Senhores jurados, não houve crime. Houve foi um milagre. Senhor do Bonfim, que não precisa de dinheiro, é que ficou com pena da miséria dele, com mulher e filhos em casa com fome e lhe deu o dinheiro, dizendo assim: - Meu filho, este dinheiro não é meu. Eu não preciso de dinheiro. Este dinheiro foi o povo que trouxe. É do povo com fome. Pode levar o dinheiro. E ele levou. Que crime ele cometeu? Se houve um criminoso, o criminoso é o Senhor do Bonfim, que distribuiu o dinheiro da Igreja. Então vão buscá-lo agora lá e o ponham aqui no banco dos réus. E ainda tem mais. Senhor do Bonfim é Deus, não é? Deus pode tudo. Se ele não quisesse que o acusado levasse o dinheiro, tinha impedido. Se não impediu, é porque deixou. Se deixou, não há crime. Cosme de Farias ganhou no verbo. O réu foi absolvido. A quebra de paradigmas I O ano chega ao final sob inacreditável queda de paradigmas na esfera da política e de processos em seu entorno. O mais evidente foi o rompimento das teias de vetores que sustentam (ou não mais) o marketing político. A visibilidade de candidatos, até então fruto da comunicação eleitoral - tempos de TV e rádio - garantida aos partidos, não foi elemento decisivo na campanha. Quem esperava alta visibilidade e, por conseguinte, melhor condição para convencer o eleitor a lhe dar o voto, quebrou a cara. Quem teve maior tempo de TV, entre os candidatos presidenciais, foi Geraldo Alckmin, que teve votação menor que a do cabo Daciolo. A quebra de paradigmas II O Fundo Partidário chegou a R$ 1,7 bilhão. A ideia dos caciques foi a de aumentar os recursos do Fundo como forma de fazer uma repartição que viesse a beneficiar os candidatos mais poderosos e tradicionais dos partidos. Ou seja, as cúpulas partidárias. E isso foi feito. Sem resultados. Pelo menos um grupo dos mais endinheirados acabou na rua da amargura. Perdeu feio. E candidatos que quase não puseram a mão no bolso ganharam assento no Parlamento e nos Executivos estaduais. Ou na cadeira principal do país, caso de Jair Bolsonaro. A quebra de paradigmas III Praticamente o eleitor deu costas aos costumes da velha política. Não se encantou com os abraços, apertos de mão, pedidos de voto, feitos de maneira tradicional. Muitos perfis nem tiveram tempo de burilar suas imagens. Foram surpreendidos com extraordinária votação, caso dos eleitos governadores Zema, de Minas Gerais, Witzel, do Rio de Janeiro e outros. Os ventos sopraram na direção de figuras que incorporaram as prementes demandas sociais. O eleitor deu um tchau ao déjà vu. Reconstrução Nos Estados, forma-se um novo batalhão de protagonistas da política que deverão fincar estacas para garantir suas posições. Os antigos vão acompanhar as operações dos novos com um olho no próximo pleito municipal, em 2020. Será a luta da vanguarda contra a retaguarda. Lição ficará As lições dadas pelo eleitor no pleito deste ano permanecerão nas páginas da história. É evidente que os velhos políticos tomaram susto. Muitos vão mudar, outros tentarão voltar ao cenário envergando a velha vestimenta. Mas o eleitor descobriu mesmo a força de sua vontade. A urna será sua arma letal doravante. O país abre um novo ciclo. Os partidos também levaram uma surra, com exceção de pequenas siglas - PSL, Novo - que apareceram bem na fita eleitoral. O PSL fez a segunda maior bancada na Câmara, 52 deputados. Se souber aproveitar seu cacife, será fortalecido. Mas sua direção precisa de oxigênio. O Novo tende a crescer. Fazendo a reforma A tão propalada reforma política continuará no rol de promessas. Verdade é que alguns passos já foram dados. Proibição de doação de recursos por parte de empresas, adoção da cláusula de barreira, proibição de coligações proporcionais integram o acervo de algumas decisões já tomadas. Mas há muito mais a fazer. A novidade é que o eleitor está fazendo a reforma, a seu modo. Se os políticos não querem fazê-la por completo, o eleitor continuará mudando aqui e ali, sob a égide de seu poder, o voto. Estilo O estilo bolsonaro se revela. Na gestão, força para a descentralização. Na estética, reforço à identidade militar. A continência, maneira de homenagear o interlocutor. Um ministério cheio de militares. Na semântica, frases incompletas, onomatopeias, certos cacoetes o aproximam do homem comum. Ênfases Ênfases ficam por conta de expressões em defesa da família e, em matéria de relações externas, alinhamento incondicional com os Estados Unidos; afastamento do Brasil de Nações comprometidas com o ideário dos direitos humanos, compreendendo, entre outras coisas, acolhimento sem restrições a imigrantes que vivem em estado de carências em seus países. Sinalização com a promessa do chanceler escolhido, Ernesto Araújo, de tirar o Brasil do Pacto Global de Migração, assinado por 164 países. Identidade conservadora nos costumes e nas relações internacionais vem sendo burilada com estridência. A fama e a lama Tenho lembrado que o patamar da fama fica a um milímetro do patamar da lama. João de Deus sai de um para outro. Ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado - diz nossa Constituição. O médium, que teria feito centenas de curas, padece agora no banco dos acusados. A Justiça tem de apurar as denúncias que se multiplicam contra ele. Já são mais de 400. E os relatos são muito contundentes. E plenos de fatos sequenciados. Seria tudo isso "armação", como ele alega? Contra um sujeito idolatrado? Trata-se de um caso emblemático. Uma personalidade glorificada cai no despenhadeiro da má fama. Cesare Battisti O italiano, que recebeu de Lula o passaporte da liberdade, no último dia de seu governo, está foragido depois de receber do presidente Michel a extradição para a Itália. Foi condenado na Itália por crimes perpetrados no passado. A PF está em seu encalço. Será que já escapuliu? Temos quase 17 mil km de fronteiras com dez países na América do Sul. A faca no sistema S O futuro ministro da Economia Paulo Guedes afirma ser necessário "meter a faca no Sistema S também. Estão achando que a CUT perde o sindicato, mas aqui fica tudo igual? Como vamos pedir sacrifício para os outros e não contribuir com o nosso"? CNI e FIESP deverão liderar as batalhas para manutenção do sistema. Promete que empresários parceiros sofrerão menos cortes. Reitera necessidade de formar um pacto federativo envolvendo políticos das esferas estaduais e municipais. Garante que "o toma lá dá cá" acabou. Onde está Skaf? Paulo Skaf, que mais uma vez perdeu as eleições, está recôndito. Não tem aparecido, como é seu feitio, no cenário político-institucional. Por onde andará? Até que seria um bom nome para disputar o pleito municipal de São Paulo em 2020. Skaf, não desista. Na política, a menor distância entre dois pontos nem sempre é uma reta como na geometria euclidiana. É uma curva. Lembrete: FHC perdeu um pleito para a prefeitura paulistana. Ganhou, mais adiante, as eleições presidenciais. Doria e seu ministério O governador eleito de São Paulo, João Doria, compõe um Secretariado de nível ministerial. Do governo Temer, traz 7 ministros. Um feito. Henrique Meirelles é o perfil de maior evidência. João começa a ler, hoje, as páginas do amanhã. É um obstinado. Vai adiante em sua meta. Afif Guilherme Afif é um dos mais qualificados homens públicos do país. Empresário, liderou por muito tempo a esfera dos micro e pequenos empresários. Foi presidente da Associação Comercial de São Paulo (duas vezes) e da Federação das Associações Comerciais; foi candidato à presidência da República e ao Senado Federal; foi vice governador de SP e deputado Federal constituinte. Acaba de deixar o comando do Conselho do SEBRAE nacional. Como se vê, Afif é um tocador de muitos instrumentos. Com essa imensa bagagem, dará suporte a Paulo Guedes no "board" que o ministro da Economia está criando. Ambos são velhos amigos, desde a campanha presidencial de Guilherme. Um gol de placa no campo liberal de Bolsonaro. A ambição pelo poder Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará, constantemente, os que os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder". E Hartung, hein? Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, é considerado um dos melhores quadros do país. Sua performance na administração capixaba é muito elogiada. Teria passaporte para integrar qualquer governo. E Arthur? E para onde irá o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio? Fundador do PSDB, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo de Fernando Henrique Cardoso e líder da oposição no Senado ao governo do ex-presidente Lula, o prefeito afirma que o resultado das eleições no primeiro turno pôs sua legenda num papel secundário e que está pouco esperançoso com o futuro do partido. Virgílio avalia abandoná-lo após quase 30 anos e pensa em formar um novo partido. Promotor Participando de uma solenidade na cidade de Jardim de Piranhas, no Seridó/CE, o senador Dinarte Mariz é ovacionado por dezenas de pessoas. Uma festa de popularidade. Integrando o evento, um jovem promotor público é apresentado ao "Velho Dida", apelido carinhoso dado ao senador. O cumprimento passa da formalidade. - Senador, eu soube que o senhor teve pouco estudo. Imagino se tivesse estudado, o que o senhor não seria, hein? - comenda o promotor, sem qualquer má-fé. Com seu jeito espontâneo e inteligência na produção de frases lapidares, instantaneamente Dinarte emenda: - Seria promotor em Jardim de Piranhas... (Carlos Santos - "Só Rindo 2")