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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 24 de abril de 2019

Porandubas nº 617

Eu fico Abro a coluna com Getúlio Vargas. Getúlio Vargas sempre conservou intenções continuístas. Um dia, foram procurá-lo para saber se era verdade. E ele: - Não, meu candidato é o Eurico (marechal Eurico Gaspar Dutra); mas se houver oportunidade, eu mudo uma letra: Eu Fico. (Da historiadora Isabel Lustosa) O fio da meada Sem exageros. O governo ainda não conseguiu puxar o fio da meada. Parece perdido. A área econômica, sob a agenda da reforma da Previdência, parece ter esquecido de tocar seus outros programas. A esfera política não está engajada nas ações do Executivo. A área empresarial denota certo desconforto. Exala desconfiança. Nos Estados e municípios, a sensação é a de que o governo Bolsonaro não mostrou a que veio. Onde o governo age Mas o governo age. A área cultural se ressente da perda de recursos. Ou rebaixamento enorme nos tetos de participação do governo em projetos culturais. Na área dos Direitos Humanos, grupos se ressentem da extinção de organizações e associações que trabalham no espaço do resgate de direitos. Há uma ilha de excelência no arquipélago da inércia: o território da infraestrutura comandado pelo ministro Tarcísio. Ouvem-se elogios de todas as partes. Olavo em ação Afinal de contas, o que o escritor Olavo de Carvalho, chamado de astrólogo pelo general Mourão, pretende com suas críticas aos generais? Que se demitam do governo? Que abandonem suas tarefas? Que rompam com o presidente Bolsonaro? Ora, isso é sonho de noite de fim de verão. Não vai acontecer. E se não vai, por que os filhos de Bolsonaro dão corda ao guru? E por que o presidente parece concordar em parte com a linha crítica desenvolvida pelo filósofo? O fato é: a queda de braço está escancarada. Quem vai levar a melhor? Este consultor não tem dúvidas: os militares ganharão de lavada. Bater, bater, bater Olavo de Carvalho tem uma índole questionadora. Vive de polêmica. Não é de consenso. Sempre atirará contra uns e outros. Ele disse que os militares entregaram o Brasil aos comunistas. Risível. Quem, por exemplo, brande a foice e o martelo? Ora, se há comunistas agindo por essas plagas, estão muito disfarçados. O Brasil de Olavo é um território comunista que recebe as bênçãos dos militares. A polêmica começa a ganhar ares de gaiatice. Mas Olavo sabe o que diz. Continua produzindo manchetes. E assim continuará. Mourão Que o general Hamilton Mourão aprecie a expressão laudatória sobre sua maneira de se comportar, é compreensível. Afinal, os militares atravessaram um longo corredor, onde apupos se juntaram ao medo. Um corredor que começou em 1964. De repente, saem para a luz do dia sob os aplausos das massas. Não há dúvidas. Quem votou em Bolsonaro votou em Mourão e nos militares. Ganharam, assim, os gritos de apoio da população. Ou da metade da população, para ser mais fiel ao resultado das urnas. Mourão, que portava um discurso de linha dura, arrefeceu a linguagem. Ficou suave. Ponderado. Aplaudido. Gostou. E hoje seu coração vibra com a acolhida que as massas dão aos militares. Quem está bem na fita O general Santos Cruz está se saindo bem na Secretaria do Governo. Discreto, nada espalhafatoso. A esfera política começa a vê-lo como perfil confiável. O ministro Tarcísio Gomes, da Infraestrutura, também vai bem. Paulo Guedes, o comandante da economia, já esteve melhor na nota. Rogério Marinho, secretário da Previdência e do Trabalho, subiu de avaliação. Sérgio Moro, da Justiça, estacionou no patamar da boa imagem. Damares, a ministra da Família e dos Direitos Humanos, cresceu na mídia com seu destemor conservador e expressão espontânea. Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, desceu um pouco a escada da boa avaliação. Osmar Terra, da Cidadania, subiu no patamar do prestígio. O general Heleno, da GSI, também caiu um pouco. Ernesto Araújo, o chanceler, continua na escala mais baixa. O vice Hamilton Mourão está bem avaliado. Sou mineiro Tancredo Neves foi ex-tudo na política brasileira. Voltando à crista da onda, explica a um correligionário como conseguiu sobreviver após 64: - Aceitando o impossível, passando sem o indispensável e suportando o intolerável. Afinal, sou mineiro! Novos parlamentares Os parlamentares de primeira viagem, os novos perfis que circulam na Câmara, buscam visibilidade a qualquer custo. Alguns se destacam pelo fato de já serem conhecidos e participado de movimentos, como é o caso de Kim Kataguri, do DEM. A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), também já era conhecida. Era apresentadora da TV Veja. E é mais falante. Quem também está aparecendo bem é Marcel van Hattem, do Novo (RS). No Senado, o mais barulhento é o ex-jornalista esportivo, Jorge Kajuru, líder do PSB. Uma voz tonitruante. STF na onda crítica O STF atravessa uma das fases mais críticas de sua história. Sua imagem não é das melhores entre as instituições. Mas a nossa mais alta Corte já viveu outros momentos críticos. Criado em 1890, o Supremo surgiu com a responsabilidade de ser a instância máxima de um dos três Poderes recém-instituídos pela República, o Judiciário. Permaneceu assim até 9 de abril de 1964, quando foi promulgado o primeiro dos Atos Institucionais (AIs) impostos pela ditadura militar. Permitia ao governo que derrubara o presidente João Goulart demitir ou aposentar os magistrados. Era o início de uma escalada de sanções que chegaria ao seu ápice com o AI-5, de 1968. STM No ano seguinte, viria o AI-6, que transferia ao Superior Tribunal Militar (STM) o poder de julgar em caráter definitivo aqueles que se opusessem ao regime. Apesar de o AI-1 permitir que o governo arbitrasse sobre a composição do Supremo, a ditadura não atuou de fato até baixar o segundo Ato. Baseado na Constituição de 1934 criada no governo Getúlio Vargas, o AI-2, de 27 de outubro de 1965, aumentava de 11 para 16 o total de ministros do STF e tinha, segundo opositores na época, a intenção de enfraquecer a instituição. Embora permitido, nem na época da ditadura de Vargas durante o Estado Novo (1937-45) o aumento do número de ministros foi instituído. Tempos mais duros Mas foi em 13 de dezembro de 1968, com o AI-5, que a ditadura iniciou sua fase mais autoritária. Com ele, o presidente Artur da Costa e Silva aposentou compulsoriamente os ministros Evandro Lins e Silva, Vitor Nunes Leal, que também seria afastado de seu cargo na UFRJ, e Hermes Lima. Em solidariedade, os também ministros Lafaiete de Andrade e Antônio Gonçalves de Oliveira pediram aposentadoria. Além das destituições, Costa e Silva retirou o poder do tribunal de conceder habeas corpus nos casos de "crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular", dando mais poderes à Justiça Militar. Juristas de destaque Os ministros cassados, já falecidos, haviam ocupado cargos de destaque antes da ditadura. Lins e Silva fora procurador-Geral da República entre 1961 e 1963, chefe de gabinete da Presidência em 1963 e ministro das Relações Exteriores, no mesmo ano. Nunes Leal, por sua vez, chefiou o gabinete do presidente Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1959, e se tornou consultor geral da República em 1960. Já Hermes Lima, dono de vasto currículo, foi deputado Federal pelo Distrito Federal entre 1946 e 1951 (à época, na cidade do Rio de Janeiro), chefe do gabinete da Presidência nos governos de Jânio Quadros e Jango, entre 1961 e 1962, ministro do Trabalho em 1962 e das Relações Exteriores entre 1962 e 1963, além de primeiro-ministro do país entre 1962 e 1963. Tiro de misericórdia Após a saída dos cinco ministros, o governo militar impôs o Ato nº 6, em 1º de fevereiro de 1969. Com ele, os poderes da Justiça Militar aumentavam ainda mais e era restabelecido o número de 11 ministros. Cabia ao STM, a partir de então, o julgamento em última instância dos civis processados nos casos de "crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares". O STF não tinha mais o poder de julgar estes réus em recurso. Foi o tiro de misericórdia da ditadura na instituição. A mordaça do regime ao STF só começaria a ser superada em 19 de janeiro de 1979, no final do governo do presidente Ernesto Geisel, que seria sucedido por João Figueiredo, o 5º e último dos generais a comandar o país. A Emenda Constitucional 11 revogava todos os atos institucionais e restituía ao Supremo os seus poderes. O papel do STF seria fundamental no apoio aos novos rumos jurídicos do país. Jurista da democracia Mais de três décadas depois, em solenidade do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2 de dezembro de 2002, os três ministros do Supremo cassados foram restituídos de suas condecorações militares, retiradas na aposentadoria compulsória. Apenas Lins e Silva pôde receber a medalha, uma vez que Nunes Leal e Hermes Lima já haviam morrido, em 1985 e 1978, respectivamente. Fundador do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Lins e Silva faleceria duas semanas depois, no dia 17 do mesmo mês, ganhando da mídia as manchetes como "Jurista da democracia". Atualidade Hoje, o STF vive momentos angustiantes. Alguns de seus 11 membros são alvo de intenso tiroteio das mídias. Valor de aposentadorias Estudo da Firjan revela que em 14 Estados brasileiros o valor médio das aposentadorias dos servidores inativos supera a média salarial dos ativos. No Amapá, por exemplo, os aposentados do Estado (R$ 7.525) recebem quase o dobro dos ativos (R$ 4.568). Já a renda média do brasileiro é de R$ 2.500. No Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina a situação é ainda pior, já que além da diferença na remuneração, possuem mais servidores inativos do que ativos. Déficit da Previdência O estudo "A situação fiscal dos Estados brasileiros" também revela que cada morador do Rio Grande do Sul, por exemplo, contribui com R$ 1.038 ao ano para cobrir o déficit de R$ 11,1 bilhões da previdência estadual. No Distrito Federal, o custo por habitante é de R$ 887 e, no Rio de Janeiro, de R$ 663. Ao todo, o déficit da previdência dos Estados chega a R$ 77,8 bilhões, de acordo com dados de 2017, últimos disponibilizados pela Secretaria de Previdência, do Ministério da Economia, que oferece uniformidade na declaração dos Estados.  
quarta-feira, 17 de abril de 2019

Porandubas nº 616

Abro a coluna com um "causo" do Ceará. Canos furados Perilo Teixeira, chefe político de Itapipoca/CE, foi ao governador Faustino de Albuquerque pedir para instalar o serviço de água da cidade. - Mas não há verba. - Não quero verba, governador. Quero que o senhor me autorize a levar para Itapipoca uns canos furados que estão ao lado da prefeitura de Fortaleza. - Se estão furados, leve. Levou e fez o serviço de água. Na semana seguinte, veio o escândalo. Os canos eram para o serviço de água de Fortaleza e tinham sido adquiridos com muita dificuldade pela prefeitura. Faustino Albuquerque mandou chamar Perilo Teixeira: - Que papel, hein. O senhor me enganou. Disse que os canos eram furados, eu dei, e depois fico sabendo que os canos eram novinhos, para a água aqui de Fortaleza. O senhor mentiu, coronel. - Menti como, governador? O senhor já viu cano que não seja furado? (Da verve do amigo Sebastião Nery) Comoção universal O mundo se comove com o incêndio que consumiu boa parte da Catedral de Notre-Dame de Paris. Um dos mais importantes e simbólicos monumentos da Humanidade deixa em nossos corações uma história dos séculos. No centro, a história da França. Quem tende a cair? E a subir? Nas curvas e retas que tem de percorrer para descobrir para onde estamos e para onde vamos, este analista usa como referência o rol dos protagonistas da paisagem institucional. Dentre eles, quais aqueles que descem a ladeira ou escalam a montanha? Quais são as forças ascendentes e descendentes? É uma maneira de desenhar cenários por mais que o exercício seja complexo. Circunstâncias e fatores imponderáveis acabam desmanchando os desenhos. Mesmo assim, é oportuno seguir adiante. A coluna de hoje tenta fazer uma análise dos nossos principais protagonistas. Quatro cinturões Avalia-se o desempenho de uma administração pela somatória de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O equilíbrio entre eles é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações programáticas. Vale dizer, de antemão, que o governo Bolsonaro acumulou, desde a posse, em janeiro, força descomunal, mas não tem sabido transformá-la em ferramenta de eficácia da gestão. Furos A administração deixa escapar, aos poucos, a condição de usar o poder como "capacidade de fazer com que as coisas aconteçam", como ensina Bertrand Roussel. Basta analisar os furos em pelo menos três dos quatro cinturões do governo. A área política é um território semeado de dúvidas e tensões. A área econômica está em compasso de espera. A esfera social aguarda que o governo chegue até ela. O Poder Executivo Até o momento, não foi possível formar uma base de apoios, de que o governo tanto necessita para aprovar a reforma da Previdência e o que virá na sequência. Não se estabeleceu um pacto de longa duração; acordos provisórios ficam sujeitos ao gosto das circunstâncias. Na economia, a boa equipe espera pelo Congresso. Na área social, muitas dúvidas: acabar com radares nas estradas é uma boa coisa? Armar a população diminuirá a violência? Se a economia decolar... O governo tende a ser bem avaliado se ganhar proeminência na esteira de uma economia resgatada. Mas a índole militarista do capitão presidente tende a anuviar os horizontes. Bolsonaro tem uma expressão direta e o viés autoritário que o qualifica será permanente vetor de dúvidas. A interferência para sustar o preço do diesel não foi e não será um ato isolado. Nesse momento, emerge o traço populista, coisa que imantou sua imagem ao longo da carreira política. Não apagará esse traço tão cedo. É da índole. Sob os aplausos da imensa arquibancada que o acompanha desde a campanha. Feição da equipe Haverá ajustes na equipe aqui e ali. Não se pense, porém, que tais mudanças ocorrerão em função de mudanças no escopo ideológico. Não. O governo tem uma coluna vertebral fortemente ancorada nas costelas da direita. Trata-se de sua identidade, o caráter da gestão. Vai haver corrosão de imagem em decorrência de visão fundamentalista em determinadas áreas. Mas não se deve esquecer que as bases de apoio ao governo abrigam estratos muito conservadores. E o presidente mostra-se disposto a agradar sua clientela. O Parlamento A imagem do Parlamento, depois dos casos que consumiram a imagem de políticos e representantes da velha guarda, melhora perante a comunidade. A eleição fez um expurgo. Novos quadros expressam um ideário de compromissos e mudanças. A turma que chegou ao Parlamento é mais antenada com anseios e expectativas sociais. Do fundo do poço onde estava, a representação parlamentar inicia uma trajetória no caminho do respeito. Partidos Os entes partidários, estes sim, vivem uma crise de descrença. Os grandes partidos estão sem rumos. O MDB esfacela-se. O DEM se refaz à sombra do prestígio de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e do prefeito de Salvador, ACM Neto. O PSDB procura a via do renascimento, agora sob a batuta do governador João Doria. O PSL, do presidente Bolsonaro, não mostra força para resistir aos percalços de um partido que saiu do nada para formar a maior bancada. Não tem estofo doutrinário. É um aglomerado de quadros de primeiro mandato. PRB, PP, PTB, PSD, entre outros, navegarão ao sabor da pasteurização. Sem definir se formam ou não a base de apoio do governo. Desconfiam do presidente. Acham que não cumpre promessas. Judiciário O STF vive a maior crise de descrédito de sua história. Nossa mais alta Corte, convenhamos, nunca foi tão criticada. Grupos sociais inserem alguns de seus membros em compartimentos partidários ou favoráveis a próceres políticos. Há ministros no paredão das redes sociais. Fake newscercam as histórias que se contam sobre eles. A crítica que se faz ao Supremo acaba contaminando a teia judiciária. Os juízes de primeira e segunda instância possuem imagem mais positiva. Mesmo assim, são colocados no pedestal do Estado-Espetáculo, com a pecha de justiceiros, salvadores da Pátria. No Senado, uma eventual CPI da Toga faz barulho. Não irá adiante. Polarização Infelizmente, o país caminhará até o próximo pleito brandindo as armas da polarização. As bandas favoráveis e desfavoráveis ao governo Bolsonaro continuarão a tocar suas trombetas, com agressões, calúnias, queimação de perfis, acirramento nas expressões. Não teremos uma linguagem de paz e harmonia. Basta ver as redes sociais cheias de bílis. Essa tendência persistirá com o engajamento acirrado da família Bolsonaro, que funcionará como uma locomotiva a puxar o trem da direita. E esta avançará mais que a esquerda. O lulismo A esquerda está sem rumos. Lula, preso, continuará a ser o mandão do PT. Por sua recomendação, a hoje deputada Gleisi Hoffmann deverá se reeleger presidente do PT. O movimento "Lula Livre" continuará com a tocha acesa. É razoável acreditar em transferência de Lula para a prisão domiciliar. O ex-presidente não estará fora do jogo político. É a alternativa do PT, em 2022, face a eventual débâcle do governo Bolsonaro. O lulismo continuará forte porque não há lideranças novas no PT. Kennedy John Kennedy: "se uma sociedade livre não pode ajudar os muito pobres, não poderá salvar os poucos ricos". PSOL Na margem esquerda, o PSOL terá vez dentro de um cenário polarizado. Seus quadros respiram mais jovialidade que os do PT. Terão grandes chances de vir a ocupar o Executivo no Rio de Janeiro, seja na esfera municipal, seja na esfera estadual. O partido tem condições de avançar em espaços do PT. Igrejas evangélicas Tendem a se fortalecer sob o guarda-chuva do governo Bolsonaro, que possui enclaves no evangelismo. Mesmo com o desgaste do prefeito Marcelo Crivella, da Igreja Universal. Esse ex-bispo será execrado. Tem sido um desastre no Rio de Janeiro. Mas as igrejas evangélicas estarão bem representadas pela ministra Damares no governo Bolsonaro. Igreja católica Ante o avanço dos credos evangélicos, a igreja católica perderá terreno. Não assume posição na esfera da política, praticamente deixando pastores evangélicos ditarem pautas e agendas no Executivo e no Legislativo. Forças armadas Trata-se do grupamento com imagem que mais se elevou nos últimos tempos. Os militares, que se fazem presentes em áreas importantes da administração Federal, passam a ser aplaudidos, depois de anos sob a desconfiança social. Têm aparecido como poder moderador no governo, suavizando a linguagem, fazendo ponderações adequadas e ganhando confiança. Chegaram ao poder central pelo voto. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, recebeu o mesmo número de votos que Bolsonaro. Empresariado De aplausos fervorosos ao presidente Bolsonaro até pouco tempo atrás, o empresariado assume postura de cautela. Começa a enxergar no presidente traços duros. Um liberal não tão convicto. O mercado se retrai e teme que o liberalismo tão aguardado não sofra as injunções da "índole nacionalista" do capitão. A interferência do presidente para sustar o preço do diesel acendeu os ânimos empresariais. Paulo Guedes conseguirá sustar os rompantes bolsonarianos? Paulo Guedes Formou uma boa equipe econômica, mas, de certo modo, é refém do corpo político. Não tolerará ver quebrada a coluna vertebral da reforma da Previdência. Se isso ocorrer, é bem possível que peça o chapéu. Guedes fará tudo que estiver ao alcance para sustentar seus programas e reformas. Mas há limites. Se perceber que as coisas estão indo para o brejo, será difícil segurá-lo no governo. Serviços públicos A sociedade organizada passa a exigir mais dos governos. A melhoria dos serviços públicos é uma hipótese à vista principalmente em Estados maiores. Alguns governos, como o de São Paulo, investem pesadamente em segurança pública. Nos Estados menores e muito carentes, tal melhoria será improvável. Há Estados com folhas de pagamento atrasadas. Aí greves e movimentos de paralisação tendem a aumentar. Uma nova ordem Maquiavel: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas".  
quarta-feira, 10 de abril de 2019

Porandubas nº 615

Abro a coluna com a historinha de Cabralzinho. Ladrões... Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província: - Ladrões! A praça, apinhada de gente, levou o maior susto. - Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração! Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso: - Ladrões! Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total. - Cambada de ladrões! Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava: - Espera que eu explico! Espera que eu explico! Explicou ao médico, no hospital. Fim da lua de mel Os 100 dias do governo Bolsonaro sinalizam o fim da lua de mel que o eleitorado costuma acertar com governos iniciantes. Às vezes esse prazo vai um pouco além, podendo chegar até 150 dias. Mas com a atual gestão, o fim de linha para a boa vontade dos eleitores fica bem clara. E por que o governo não fez uma decolagem menos crítica? Algumas razões parecem evidentes. Em cima do palanque A primeira ordem de fatores diz respeito ao clima que cerca a administração: tensão, que se observa por meio de alguns elementos. O presidente esnoba a mídia tradicional e prefere dar recados pelas redes sociais; os filhos colaboram para a expansão da linguagem de conflitos que acirra as bandas pró e contra governo; o presidente, até mesmo fazendo piada, diz não ter vocação para presidente do país, e sim para ser militar; a fragilidade da articulação política abre um vácuo na base de apoios. Desconforto Por mais que se queira entender as dificuldades de uma administração em seu início, uma observação ganha corpo a cada dia: o presidente Jair Bolsonaro não parece confortável no figurino de presidente. Lê-se que teria dito a um amigo: "não sei se vou aguentar isso quatro anos". Por isso, a insinuação que jogou no ar, em entrevista à rádio Jovem Pan, de que se estiver bem, poderá se candidatar à reeleição, é cercada de descrédito. Para se manter no pico da boa avaliação, teria de arrumar a casa. E há quem calcule o PIB deste crescendo não a 2%, mas a 1%. Os analistas financeiros começam a soltar pitadas de desconfiança. Seja ousado "Inseguro quanto ao que fazer, não tente. Suas dúvidas e hesitações contaminarão os seus atos. A timidez é perigosa: melhor agir com coragem. Qualquer erro cometido com ousadia é facilmente corrigido com mais ousadia. Todos admiram o corajoso; ninguém louva o tímido". ("As 48 leis do Poder" - Robert Greene e Joost Elffers Comunicação confusa O governo continua a pecar por não ter homogeneidade na comunicação. O porta-voz do governo, o general Rêgo Barros, até se esforça para interpretar falas e atos da administração. Mas o governo não construiu sua identidade. E sem essa, fica difícil comunicar de maneira substantiva. A sensação é a de que tateia na escuridão. O general Santos Cruz teria também sob sua guarida a estrutura de comunicação. E ainda a de articulação. Mas, e o Onyx Lorenzoni? A guerra como continuação da política "Vemos que a guerra não é só um ato político, como também um autêntico instrumento político, uma continuação do comércio político, um modo de levar o mesmo a cabo, mas por outros meios. Tudo o que está para além disso, e que é estritamente peculiar à guerra, relaciona-se apenas com a natureza peculiar dos meios que ela utiliza". (Da Guerra - Klaus Von Clausewitz) Sem base Não há uma base governista até o momento. O PSL é o partido do governo, mas não conta com parceria formal com outros entes. Os cerca de 200 parlamentares que até sinalizam apoio à reforma da Previdência o fazem por iniciativa própria, sob a crença de que ela será uma tábua de salvação. Não agem partidariamente. Bolsonaro recebeu presidentes de partidos, mas as conversas ficaram no plano das generalidades. Os partidos, por sua vez, temem ser lançados no saco da "velha política". A cautela abre distância. A dor dos carneiros "Devem V. Sas. abster-se de lançar novos impostos, pois os tributos geram indisposições no povo. O povo é um rebanho de carneiros que se tosquiam, mas quando a tosquia vai até a carne, produz infalivelmente dor e, como esses carneiros raciocinam, por isso mesmo se convertem muitas vezes em terríveis alimárias. O país não deve ser esgotado de dinheiro corrente porque este é o músculo e o nervo, sem os quais este corpo nenhuma força pode ter". (Mauricio de Nassau - Testamento Político em Conselhos aos Governantes) Ministros sem preparo O vice-presidente Mourão tem tido a coragem de dizer que sua diferença em relação a Bolsonaro é medida por meio de características. Ele, por exemplo, teria escolhido outras pessoas para compor o Ministério. No fundo, trata-se de uma observação aguda sobre o despreparo de perfis. Ou, ainda, uma crítica ao açodamento ideológico com que membros do governo se manifestam. Na Pasta da Educação, instalou-se o caos. Com a demissão do Vélez e a entrada de Abraham Weintraub, economista e professor, mas sem experiência, espera-se um freio de arrumação numa área importante. O prejuízo que o ministro demitido deixou para o governo é de monta. Outros cometeram asneiras, como a bobagem de conferir ao nazismo o selo de esquerda. Ministros sob suspeita Há ainda quem permanece sob suspeita, como o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que teria plantado "aranjal" na campanha eleitoral em Minas Gerais. Portanto, há pessoas com um pé dentro e outro fora do governo. O desalinhamento fragiliza a equipe. Fora a impressão de bifurcação de tarefas, como as que dizem respeito à articulação, envolvendo líderes do governo e ministros. Moral e política "Maquiavel conta no livro III dos Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Tal reação ilustra a tensão entre moral e política e mostra que os romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social". (Política: uma brevíssima introdução - Autor: Kenneth Minogue) Revogaço O presidente Bolsonaro promete para os próximos dias um "revogaço". A ideia é anular decretos "desnecessários". Escreveu ele no Twitter: "realizaremos um "Revogaço", anulando centenas de decretos desnecessários que hoje só servem para dar volume ao nosso já inchado Estado e criar burocracias que só atrapalham. Daremos continuidade ao processo. Vamos desregulamentar e diminuir o excesso de regras". Um desastre As manchetes se repetem: "caos e mortes no RJ". As chuvas devastam o belo cartão postal. Mas há um desastre escancarado: a gestão do prefeito Crivella. É péssima. A prefeitura não fez praticamente nada para prevenir a destruição. Doria ocupa vácuo Na decolagem dos novos governantes, geralmente abre-se um vácuo na estrutura de poder. Uns saem, outros entram no desfile governamental. Quem melhor aproveita o vácuo que se abre é o governador paulista João Doria, que mantém impressionante ritmo. Tem agenda diária cheia de eventos, ações e operações, muito bem comunicadas por ele mesmo nas redes sociais. Faz-se presente aos acontecimentos envolvendo seus pares governantes. E mostra-se exímio articulador. João se locomove bem, usando seu jogo de cintura e fluente expressão. Da arte de administrar a guerra 1. "A arte de administrar a guerra é própria do capitão-general e, por ser mais árdua coisa que há entre todas as ações humanas, é necessário que concorram muitas partes singulares na pessoa que houver de sustentar esse peso. 2. Quatro são as principais que se requerem no general: larga experiência da arte da guerra; conhecido valor da própria pessoa; autoridade e reputação entre os seus e os estranhos; e boa fortuna nas cousas que empreender. 3. Todas estas teve Júlio César, e primeiro Aníbal, que foram os maiores dois capitães que se sabe, ainda que a fortuna ultimamente desamparou a Aníbal e se passou a Cipião, o Africano". (Sebastião de Meneses/ Suma Política) O santuário brasileiro O papa Francisco está ampliando o santuário brasileiro. Reconheceu um milagre que teria ocorrido por intercessão do padre brasileiro Donizetti Tavares de Lima. Por isso, o sacerdote será beatificado. O processo foi aberto em 1992. A decisão foi anunciada durante audiência da Congregação das Causas do Santos. No evento, o papa ainda reconheceu as "virtudes heróicas" do frei Damião de Bozzano (italiano radicado no Brasil) e do paulista Nelsinho Santana, que passam a ser considerados "veneráveis" pela Igreja Católica. Em homenagem a Frei Damião Vai, aqui, uma historinha em homenagem ao "Santo do Nordeste", Frei Damião. Lá vinha o carro desembestado pelas estradas poeirentas, entre Patos e Cajazeiras, na Paraíba. Dentro, dois frades: Frei Fernando e Frei Damião, tão admirado quanto "padim" Ciço (Padre Cícero Romão Batista). O guarda do posto divisou, de longe, aquele automóvel em louca disparada. Logo fechou a cancela do posto. O motorista teve de se conformar com a freada brusca. O guarda foi duro: - Esse carro disimbestado não tem frei? (A fonética é essa mesmo: disimbestado e frei (em vez de freio). Resposta lacônica: - Tem, sim, seu guarda. Tem logo quatro: frei de pé, frei de mão, Frei Fernando e Frei Damião. Surpreso e curioso, o guarda olhou e viu os "freis". Pediu a bênção ao Frei Damião, pediu desculpas, liberou o carro e abriu a cancela. Reforma tributária O assunto é também polêmico: tributos. Fazer uma reforma nessa área vai mexer com interesses de Estados, municípios e União. E, claro, com o bolso do consumidor, que aceita muita coisa, menos a bocarra do leão em seu bolso. Mas essa reforma tende a sair. A ideia central é implantar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em substituição a cinco impostos: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS. Até, pasmem, com maior engajamento do corpo congressual. Rodrigo Maia simpatiza com a ideia e já está providenciando a inserção do tema na agenda da Câmara. Avante, Rodrigo. Nota da FSB: "Até o dia 17, é possível prever o que vai acontecer com a reforma da Previdência. Ela será aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. A partir daí, o terreno é movediço". Distância Rodrigo Maia não quer "apanhar como mulher de malandro". Em relação à reforma da Previdência, toma distância. Ficará restrito ao papel institucional. Faz bem. O governo é um poço de ciúmes e desconfiança. Ignorar é a melhor vingança "Reconhecendo um problema banal, você lhe dará existência e credibilidade. Quanto mais atenção você der a um inimigo, mais forte você o torna; e um pequeno erro às vezes se torna pior e mais visível se você tentar consertá-lo. Às vezes, é melhor deixar as coisas como estão. Se existe algo que você quer, mas não pode ter, mostre desprezo. Quanto menos interesse você revelar, mais superior vai parecer". (As 48 leis do Poder - Robert Greene e Joost Elffers)
quarta-feira, 3 de abril de 2019

Porandubas nº 614

A coluna de hoje está diferente. Com o aperitivo inicial, uma historinha do coronel Chico Heráclio, de Pernambuco. O voto é secreto Foi o mais famoso coronel do Nordeste. Em Limoeiro, quem mandava era ele. Era o senhor da terra, do fogo e do ar. Ou obedecia ou morria. Fazia eleição como um pastor. Punha o rebanho em frente à casa e ia tangendo, um a um, para o curral cívico. Na mão, o envelope cheinho de chapas, que ninguém via, ninguém abria, ninguém sabia. Intocado e sagrado como uma virgem medieval. Depois, o rebanho voltava. Um a um. Para comer. Mesa grande e fartura fartíssima. Era o preço do voto. E a festa da vitória. Um dia, um eleitor foi mais afoito que os outros: - Coronel, já cumpri meu dever, já fiz o que o senhor mandou. Levei as chapas, pus tudo lá dentro, direitinho. Só queria perguntar uma coisa ao senhor - em quem foi que eu votei? - Você está louco, meu filho? Nunca mais me pergunte uma asneira dessa. O voto é secreto. (Do manual de Sebastião Nery) Protagonistas do momento Bolsonaro Se continuar a tomar distância dos congressistas, pode ganhar as primeiras batalhas, mas tende a perder outras mais adiante. Rodrigo Maia Tem a chave da porta das reformas. Grande poder de articulação e mobilização. Dialoga com todas as áreas e partidos. Guedes O ministro da Economia Paulo Guedes é alavanca para aprovar as reformas, a começar pela Previdência, que será enxugada. Moro O ministro da Justiça Sérgio Moro continua com o farol alto, tem prestígio, mas enfrentará resistência. Seu pacote anticrime receberá modificações. Hamilton Mourão O vice-presidente continua surpreendendo positivamente. Boa fluência, moderado, abre conversa a torto e a direito. Diminui o medo que se tem dos militares. Ernesto Araújo O chanceler, com seu conservadorismo, suja a barra do Brasil na geopolítica internacional. Mudança de rumo na política externa, com certa "subordinação" a interesses dos EUA, é objeto de muitas críticas. Ricardo Vélez O ministro da Educação vai mal das pernas. Mais um percalço, será demitido. Damares Alves A ministra da Família e dos Direitos Humanos, mesmo falando muito, parece firme no posto. Expoente do conservadorismo. Rogério Marinho O secretário do Trabalho e da Previdência é um dos melhores quadros do governo. Ajuda ainda na costura política. Marcos Cintra Luta para diminuir a carga tributária. Setores produtivos apreciam a visão do Secretário da Receita. João Doria O governador de São Paulo firma-se como um perfil com muita energia. Capacidade de articulação. Constante interlocução com companheiros governadores. Romeu Zema O governador de Minas Gerais continua sendo bem aprovado pelos mineiros. Salim Mattar O secretário da Desestatização está frustrado com o ritmo lento das privatizações. Por ele, o carro correria a 200km/h. Está lerdo, coisa de 30 km/h. Paulo Skaf Preparando-se para voltar à lide política. Ficou uma temporada na moita. Setores produtivos Baixam expectativas e descem a escada da esperança. Mostram-se desanimados com a economia andando a passos de tartaruga. Movimentos sociais Em estado de letargia. Só algumas centrais sindicais ensaiam dar as caras em evento em São Paulo contra a reforma da Previdência. Congressistas Não tão animados como estavam após as eleições. Vêem diminuir seu espaço na estrutura governativa. Na Câmara, disposição é desidratar reforma da Previdência. Real politik Presidentes (Romero Jucá, Gilberto Kassab, Ciro Nogueira, Marcos Pereira, ACM Neto) e líderes dos partidos na expectativa de serem recebidos pelo presidente Bolsonaro. Vão cutucar o capitão e mostrar a real politik. Países árabes Não se conformam com decisão do presidente de abrir um escritório comercial do Brasil em Jerusalém. Podem retaliar com o fechamento de suas fronteiras para importação de carne bovina, frango, soja e milho. Lula O STJ faz mistério para julgar recurso de Lula no caso Tríplex. Expectativa é de que o caso seja trazido à pauta nas próximas sessões. Defesa do ex-presidente confiante na redução da pena. Haddad O ex-prefeito de SP, Fernando Haddad, procura um lugar na cena institucional. Sua mulher, Ana Estela, é cotada para candidatura à prefeitura de São Paulo em 2020. MP O Ministério Público continua açodado. Seus membros não querem perder o protagonismo. STF Enfrenta críticas. E o presidente Dias Toffoli manda investigar "calúnias" e "ameaças" contra ministros. As alavancas da política Como serão os passos da política nos próximos tempos? Que vetores estarão impulsionando a máquina da política? Para que lado se movimentarão os protagonistas? Será que chegamos mesmo ao fim do ciclo do que muitos têm chamado de "velha política"? Essas são algumas das perguntas que pairam sobre a moldura institucional, aqui e alhures, a denotar que a sociedade contemporânea procura novos meios para lhes proporcionar maior conforto e bem-estar. Tentemos analisar alguns fenômenos que emergem nos horizontes da política. 1. Troca de eixos A democracia tem falhado em suas promessas, dentre as quais destacam-se a igualdade social, a educação para a cidadania, o combate ao poder invisível, a transparência dos governos, o acesso à Justiça. Bobbio já apontara algumas dessas intenções em seu belo livro "O Futuro da Democracia". Na medida em que a democracia não tem correspondido às suas expectativas, os agrupamentos sociais apontam para a ruptura dos elos tradicionais da política, começando por eleição de perfis que se identificam com uma "virada de mesa" nos costumes e padrões da política. Mudança na modelagem construída pelo establishment passa a guiar corações e mentes. 2. O arrefecimento partidário Os entes partidários tendem a perder cada vez mais força na moldura institucional, puxados pelo declínio das ideologias clássicas, pela mudança de rumos e métodos dos partidos de massa, que, ao chegarem ao poder, não conseguiram realizar as promessas feitas às bases. Os partidos se transformaram em geleias inodoras, incolores e insossas. Basta ver o pleito de outubro de 2018, no Brasil, que apagou o brilho de grandes partidos e fez subir na escada partidária siglas até então sem prestígio, como o PSL, hoje a maior bancada na Câmara Federal. 3. A desmotivação das bases As massas já não se entusiasmam com ideologias, promessas e programas dos partidos. Afastam-se dos atores políticos, dando-lhes as costas. Ampliam o fosso entre a sociedade e a política, abrindo um imenso vácuo que passa a ser ocupado pelo universo organizativo: associações, movimentos, grupos, núcleos. O eleitorado caminha na direção do antivoto e também voto de protesto. 4. O nacionalismo Nas grandes nações ocidentais, com suas democracias liberais e abertas aos fluxos de imigrantes, grupamentos como produtores rurais, operários de empresas obsoletas, que perdem empregos na esteira da globalização e do desenvolvimento tecnológico e aglomerados populacionais, com seus valores e padrões tradicionais - formam densa camada a desfraldar a bandeira nacionalista. Nos EUA, essa característica assumiu grandeza e importância na eleição de Donald Trump. No Brasil, a simbologia nacionalista tem eixos fincados no estamento militar. Isso explica, em parte, a simpatia que os militares adquirem na quadra recente da política brasileira. 5. A comunicação tecnológica A sociedade, agora envolvida no celofane tecnológico das mídias, passa a frequentar com intensidade os espaços das redes sociais, descobrindo nelas coisas que satisfazem expectativas na esfera da comunicação - a interatividade com interlocutores, a boa surpresa de pessoas anônimas passarem a ser fontes de comunicação, algumas muito prestigiadas. A comunicação de massa, antes uma prerrogativa dos meios massivos - rádio, TV, jornais e revistas - agora é um fenômeno compartilhado e com força para influir na formação de pensamento. A comunicação digital quebrou paradigmas do sistema global de comunicação social. 6. O evangelismo A fé, um produto à venda nos territórios dos templos evangélicos, toma impulso na esteira da crise que corrói o poder do bolso e no meio da insegurança social. Ganha força o império das igrejas evangélicas, com seu discurso de engajamento que começa nos horários noturnos e prossegue nas madrugadas. A força é tamanha que passa o evangelismo a se transformar em poderoso motor da política, elegendo bancadas, votando na figura de um presidente identificado com seu ideário. O evangelismo passa a ser o refúgio dos descrentes na política. Eleito, Bolsonaro estende a mão ao poderio evangélico com a escolha de alguns de seus participantes para compor a estrutura ministerial. 7. A massificação das fake news Numa sociedade ultra fragmentada (e polarizada) - grupos, núcleos, setores, exércitos a favor e contra governantes - ganha força o poder da mentira. Multiplicam-se as fábricas que produzem fake news, servindo, de um lado, para construir e emoldurar as administrações e, de outro, para desconstruir protagonistas da política. Esse arquipélago de fake news - com ilhas que acolhem exércitos favoráveis e desaforáveis ao governo - funciona como pólvora que incendeia grupos dos dois lados. As mentiras, muitas embaladas em versões cheias de detalhes para formatar a modelagem da "verdade", farão, doravante, parte do arsenal da política. 8. Os justiceiros e salvadores da pátria O ambiente social, recortado por escândalos que envolvem políticos, burocratas, empresários, entre outras representações, favorece a glorificação de certas personagens, que são elevadas às categorias de "justiceiros" e "salvadores da Pátria", ao acusarem personalidades do mundo político e autorizarem sua detenção. É fato que a operação Lava Jato foi criada para passar o Brasil a limpo. E essa meta está sendo conquistada. Mas a exacerbação de certas ações, sob uma encenação cinematográfica, aproxima tais atos do Estado-Espetáculo, onde os "justiceiros" ganham gigantescos espaços midiáticos. Ou seja, a vaidade banha as operações. Sobram críticas para procuradores/promotores, juízes e policiais Federais. 9. A velha história do "novo" A "nova política" sobe ao altar da grandeza. O presidente eleito apresenta-se como seu feitor. Proclama a era do mérito na administração. Diz que só aceita indicação de pessoas meritórias, enquadrando os parlamentares. Cria-se um espaço de dissonâncias. O próprio presidente da Câmara, que propusera desde o início ajudar o chefe do Executivo, recebeu estocadas do chefe do Executivo e do filho Carlos. A ausência de articulador político de respeito gera dúvidas sobre a aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Assim, o argumento de governar com o "novo" cria dissonância. 10. A fogueira acesa da polarização Os fenômenos anteriores, que darão o tom da política nos próximos tempos, se completam com a divisão social, engendrada desde os tempos em que o PT apareceu na moldura institucional. Ganhou força a polarização com o refrão construído por Lula: Nós e Eles, os bons e os maus, os bandidos e os mocinhos. O novo presidente, até o momento, não mostra vontade de harmonizar as bandas divididas da sociedade. De um lado, veremos os exércitos bolsonarianos empunhando suas bandeiras conservadoras e a defesa que faz da ditadura de 64; de outro, a ala que defende as liberdades e os direitos humanos. Essa querela tende a se estender. Sob a rufar de tambores nas redes sociais. A paz social tornar-se-á cada vez mais uma quimera.
quarta-feira, 27 de março de 2019

Porandubas nº 613

Abro a coluna com uma historinha de 1945. O poder é como água 1945. O Brasil abre o ciclo da redemocratização. Hermes Lima, fundador da UDN, deputado constituinte, ex-presidente do STF, foi ao Nordeste conseguir apoio de democratas ilustres para fundar outro partido, o Partido Socialista Brasileiro. Em João Pessoa, procurou Luís de Oliveira: - Luís, o socialismo é como aqueles gramados dos castelos da Inglaterra. Cada geração dá por eles um pouco de si. Um jardineiro planta, o filho cuida, o neto poda. E vai assim, de geração em geração, até que, um século depois, torna-se o que é. - Doutor Hermes, me desculpe, mas não vou entrar não. Gosto muito do socialismo, mas vai demorar muito. Eu quero é o poder. E o poder é como água. A gente tem que beber na hora. Autossuficiente O governo Bolsonaro, nesses 90 dias de vida, exibe farta autossuficiência. Ele se basta. Apesar dos avisos e alerta de Rodrigo Maia, o presidente dá mostras de fechar ouvidos aos conselhos. Tem um líder muito fraco na liderança do governo na Câmara, o major Vítor Hugo (PSL-RJ), um iniciante, passa boa parte do tempo tuitando, dá estocadas no presidente da Câmara e, incrível, parece não ter vontade de aprovar a reforma da Previdência. Ele mesmo já disse: "por mim eu não faria essa reforma". Frase infeliz. Na corda bamba O governo tateia na escuridão. Não sabe para onde ir. Os generais que cercam o presidente, cheios de bom senso, não conseguem domar "a fera". Até para evitar acirramento, os generais não querem grandes comemorações em 31 de março, quando o movimento militar completa seu 55º aniversário. Pois bem, Bolsonaro determinou que eles comemorassem (nota adiante). No Chile, Bolsonaro teceu loas ao ditador Pinochet. E o presidente do país, Sebastián Piñera, lamentou as "declarações" do brasileiro. No Paraguai, chamou o falecido ditador Alfredo Stroessner de "estadista". O PSL, partido maior do governo, é um saco de gatos. Paulo Guedes até desistiu de ir à CCJ na Câmara explicar a nova Previdência. Os descrentes "Quando um homem vem me dizer que não crê em nada e que a religião é uma quimera, faz com isso uma confidência muito ruim, pois devo ter, sem dúvida, ciúme de uma terrível vantagem que ele tem sobre mim. Como? Ele pode corromper minha mulher e minha filha sem remorsos, enquanto eu seria impedido de fazer o mesmo por medo do inferno. A disputa é desigual. Que ele não creia em nada, com isso posso consentir, mas que vá viver em outro país, com aqueles que se lhe parecem, ou, pelo menos, que se esconda, e que não venha insultar minha credulidade". Montesquieu em seus Escritos. Morreu? Há muitos parlamentares considerando morta a reforma da Previdência. Um deles é Kim Kataguiri (DEM-SP), criador do MBL. Este consultor acredita que ela tem sobrevida. Quem segura o presidente? Dizem que nem o general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, consegue "segurar o homem". Bolsonaro não teria ainda se dado conta do cargo e do fardo que pesa sobre seus ombros. Nos EUA, mais parecia um turista satisfeito em sentar no sofá da Sala Oval da Casa Branca. Não se sabe que prioridades guiam o governo. O ministro da Educação mostra-se destrambelhado. Outros ainda não conseguiram aparecer. Os mais salientes são aqueles que deitam e rolam na cama do conservadorismo, a ministra Damares Alves, da Família e Direitos Humanos, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. Os governantes Quando Confúcio visitou a montanha sagrada de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. - Por que não se muda daqui, perguntou Confúcio. - Porque os governantes são mais ferozes que os tigres. No mundo da lua Esperava-se que o governo, ainda sob os eflúvios da vitória, fosse capaz de organizar uma base em torno de 300 parlamentares. Ou mais. Até o momento, necas. O presidente do PRB, deputado Marcos Pereira, diz que a base é tão fraca que o governo não tem nem 50 votos para aprovar a Previdência. O fato é que o capitão parece extasiado com a faixa presidencial. Já foi aos EUA, ao Chile e se prepara para viagem a Israel. Para arrematar os ares de improvisação que cercam a administração, só falta mesmo comunicar a mudança da sede da embaixada brasileira, de Tel Aviv para Jerusalém. Se isso ocorrer, o mundo árabe vai retaliar no campo da importação da carne brasileira. O governo perambula no mundo da lua. O exemplo de Maomé Maomé levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. E que, do cume, faria preces a favor dos observantes da sua lei. O povo reuniu-se; Maomé chamou pela montanha, várias vezes; e como: "Se a montanha não quer vir ter com Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Dessa forma, os homens que prometeram grandes prodígios e falharam sem vergonha (porque nisso está a perfeição da audácia), passam por cima de tudo, dão meia volta e realizam o seu feito. (Francis Bacon em seus Ensaios) Juristas e Temer Juristas e professores de Direito, em peso, a partir dos ex-ministros do STF, Carlos Veloso e Ayres Britto, expressam sua visão sobre a prisão do ex-presidente Michel Temer: sem justificativa plausível, sem base jurídica. Diferentemente da prisão de Lula, que aconteceu após condenação em 2ª instância. Sundfeld O jurista Carlos Ari Sundfeld, na coluna Sônia Racy, no Estadão de ontem, sintetiza a visão jurídica que se leu na mídia: "o juiz Ivan Athié está bem embasado ao recorrer ao art. 312 do Código de Processo Penal e lembrar que não há nele 'qualquer justificativa para segregação preventiva' de Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco". A colunista complementa: "ao fazer essa ponderação, o jurista assinala que a acusação do juiz Bretas menciona fatos que já se deram há pelo menos dois anos, mas 'nada que apresente risco presente' - do tipo destruir provas ou fugir". Golpe de 64 Essa decisão do presidente Bolsonaro de determinar que as Forças Armadas comemorem o dia 31 de março é vista como exagero. Nem os militares esperavam por medida tão inoportuna nesse momento em que cabe um esforço pela pacificação nacional. Bolsonaro anima sua base de apoio e fustiga adversários. Frente eleitoral A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, anuncia que pedirá ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que examine a possibilidade de atribuir aos juízes Federais a competência eleitoral. Para Dodge, a atribuição daria aos juízes Federais autonomia maior de ação, investigação e combate aos crimes eleitorais - onde, em suas palavras "nasce a corrupção". Afastamento 2020 começa a abrir horizontes. Muitos quadros se mostravam dispostos a perfilar ao lado de Bolsonaro com vistas ao pleito municipal. Com a sinalização de declínio do governo, detectada por pesquisas, estes quadros sinalizam distância. Ou seja, começam a dar sinais de que não mais se interessam por um alinhamento ao governo. A conferir. Nós e eles Pelo andar da carruagem, o país continuará a caminhar em trilhas diferentes. O "Nós e Eles", refrão tão badalado pela era petista, continuará sob novo refrão: "nós, os da nova política, e eles, os da velha política". Só que os novidadeiros da política ainda não conseguiram explicar as diferenças de conceitos. A forca mais alta "Canuto, rei dos Vândalos, mandando justiçar uma quadrilha, e pondo um deles embargos de que era parente del-Rei, respondeu: "Pois se provar ser nosso parente razão é que lhe façam a forca mais alta". Padre Manuel Bernardes Moro sob fogo Os aplausos e loas ao ministro Sérgio Moro começam a diminuir. A força do juiz está sendo estiolada pela nova identidade que começa a construir: a de ministro. Moro não terá facilidade na aprovação de seu pacote anticrime a tramitar na Câmara dos Deputados. Battisti confessa Cesare Battisti admite envolvimento em quatro assassinatos, diz procurador italiano. "Quando matei foi uma guerra justa para mim... Percebo o mal que causei e peço desculpas às famílias das vítimas;...os quatro assassinatos, os três feridos e uma enxurrada de roubos e roubos para autofinanciamento, é verdade. Eu falo das minhas responsabilidades, não vou nomear ninguém", afirmou. Até então, Battisti negava envolvimento em homicídios e se dizia perseguido. Procurador diz que, ao se declarar inocente, ele ganhou apoio da esquerda por onde passou, inclusive de Lula no Brasil. Pois é, e muitos por essas plagas continuam apostando em sua inocência. Prefeitura O prefeito Bruno Covas dá os primeiros sinais de que será candidato à reeleição. Claro, pelo PSDB. Se João Doria crescer na avaliação popular do governo, será o principal cabo eleitoral de Bruno. Onde está Skaf? Onde está o presidente da FIESP Paulo Skaf? Deu profundo mergulho no oceano da política. Parece decepcionado com derrotas seguidas ao governo do Estado de São Paulo. Mas saiu com boa votação. E não está morto politicamente. Se tivesse interesse pela área municipal, bem que poderia ser um candidato competitivo no pleito de 2020 na maior capital do país. Diz-se que estaria inclinado a lutar pela presidência do MDB. Seria entrar em um saco de gatos. Precisa cultivar a boa safra de votos que já colheu. Lava Jato A operação Lava Jato não vai morrer. A essa altura, é uma ação que se faz presente no sistema cognitivo dos brasileiros. Mesmo que se aprove projeto no sentido de coibir abusos de autoridades, enganam-se aqueles que acham que o Parlamento tentará sustar a continuidade da Lava Jato. A conferir. Redes sociais Apesar da inegável capilaridade conferida pelas redes sociais, aliada aos valores da interatividade e tempestividade (simultaneidade), as redes sociais continuam sendo instrumentos que não excluem nem substituem as mídias tradicionais - jornais, revistas, rádio e TV. O ideal é o uso combinado e planejado de todo o circuito midiático. E as novas lideranças? Qual é o rescaldo eleitoral? Quais são as lideranças emergentes? Ainda não deu para apurar. João Doria, em São Paulo, Romeu Zema, em Minas Gerais, Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, Ibaneis Rocha, no DF, Wilson Witzel, no RJ, estão começando suas administrações. No Parlamento, há um leva de novos deputados e senadores. Também ainda não há nomes de destaque. É cedo. A novidade é com o PSL, que nesse momento é a maior bancada (55 deputados). Trata-se de um partido onde seus integrantes fazem o exercício de tiroteio recíproco. Sem futuro.  
quarta-feira, 20 de março de 2019

Porandubas nº 612

Abro a coluna com Franco Montoro Depois de deixar governo e Parlamento, Franco Montoro passou a se dedicar ao Instituto Latino-Americano - ILAM. Na condição de presidente, foi a um almoço organizado por grupo de professores da USP no restaurante do campus. Como se sabe, Montoro tinha dislexia, momentos em que confundia nomes. A conversa fluía bem. A certa altura, ele se surpreendeu ao saber que este consultor era potiguar e parente de queridos amigos dele, João Faustino e Sônia. Montoro e dona Lucy foram padrinhos de casamento de uma das filhas do casal. De repente, lá vem a pergunta: - Como está o Agrário? Passo a lupa na mente e lamento ignorar a identidade da figura. Mudamos de assunto. O Agrário continua a frequentar a minha cuca. De repente, Eureka. Agrário? Agrário? Não seria o Urbano? Tomo a iniciativa: - Governador, será que o senhor não confundiu o Agrário com o Urbano? - Ah, é claro, é claro. Desculpe. Como vai o Urbano? Francisco Urbano era presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG. Um potiguar muito conhecido nos universos sindicalista e político. Montoro havia confundido o espaço rural com a geografia urbana. Franco Montoro: exemplo de Honradez e Dignidade. Estado de sístole Infelizmente, aquele respirar mais solto, com lufadas de ar entrando e saindo dos pulmões, ainda não acontece. O país continua em estado de contração. A respiração é contida, às vezes a impressão é de falta de fôlego para que o caminhante possa continuar a jornada. Pois assim é: a reforma da Previdência está na pauta central da política, mas o corredor por onde passará é longo. Os políticos querem saber quando entrarão na malha administrativa, indicando quadros e ocupando cargos. A economia está vacilante. A Bolsa bateu os 100 mil pontos, mas anda como caranguejo, prá lá e prá cá. Grandes interrogações assomam. A diástole virá? Quando entraremos no clima de descontração? A tensão que permeia o tecido social resulta não apenas das indefinições na frente da política, mas por força de um comportamento do presidente Bolsonaro em querer continuar com a beligerância que guiou sua campanha. O chefe do Estado usa rotineiramente o Twitter para fustigar adversários, todos aqueles que não simpatizam com suas ideias. O ferrão bolsonariano cutuca ânimos e eleva o estado de espírito de seu exército. Os filhos contribuem para avolumar esse arsenal de guerra, usando sua expressão como extensão do tiroteio adotado pelo pai. O que pretende Bolsonaro O presidente se posiciona como um soldado da causa ultraconservadora que o elegeu: um homem simples, que usa jargões populares, posicionando-se contra as elites, defendendo os valores da família, posicionando-se contra o aborto, a escola sem partido, a ideologia de gêneros, a favor do armamento da sociedade, combatendo comunistas (geralmente os petistas), defendendo a ortodoxia na economia liberal, contra o "toma-lá-dá-cá" na política, ancorando o governo nas bancadas temáticas, a partir das bancadas dos 3 Bs: Boi, Bala e Bíblia (ruralistas, armamentistas e evangélicos). Até quando adotará esse figurino - que dispensa a articulação com partidos e líderes? Os filhos versus Mourão A tensão toma corpo ainda na arena onde o general Hamilton Mourão se locomove. O vice-presidente domina bem o campo da expressão, dando explicações, arrematando o pensamento do presidente Bolsonaro, dando a ele uma interpretação bem mais palatável do que sugere a rispidez de algumas tiradas presidenciais. Mourão é uma pilastra do poder moderador. Explica, põe panos quentes, não quer entrar em briga, como acentua em relação ao filósofo Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, que o chama de "idiota". Noutros tempos, o general Mourão certamente devolveria com juros e correção monetária as imprecações do professor online. Mas o vice quer, claramente, ser um paredão contra os exageros radicais de pensamento e linguagem emitidos pela língua ferina do núcleo familiar e de outros componentes do governo. E o poder bélico? Bolsonaro soltou a língua. Entre os elogios aos EUA, o presidente brasileiro enalteceu a "capacidade bélica" da nação americana. Teria pensado nisso para "libertar" os venezuelanos da opressão do governo Maduro? Essa o general Mourão se esquiva de comentar... Generais seguram o tranco O fato é que os generais Mourão, Heleno, da Segurança Institucional, Carlos Cruz, da Secretaria de Governo, Floriano Peixoto, da Secretaria Geral da Presidência e Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, formam um escudo de proteção ao presidente. Estão preocupados com a radicalização que ainda toma conta de apreciável banda do governo, temem uma posição do país que possa comprometer suas relações com China e países árabes, tentam trazer o governo mais para o centro, a par de uma ação com vistas ao apaziguamento de ânimos insuflados desde os tempos de campanha. Os generais querem ser fiadores de tempos de paz e harmonia. Bolsonaros versus Mourão Há uma acentuada dose de desconfiança nutrida principalmente pelos filhos políticos do presidente, a partir do mais intrépido, Carlos, em relação ao general Mourão. Como este tem se revelado um comunicador de muito bom senso, pode passar a impressão de que promove a "festa da imprensa", sendo bem tratado e bem acolhido por jornalistas que o entrevistam. É natural que essa capacidade de Mourão de abordar temas complexos com a língua bem aprumada e sem rancor gera ciúmes. E há até suspeição, como se viu tempos atrás, de que certas pessoas torceriam para que o presidente Bolsonaro não tivesse boa recuperação. A frase foi despejada pelo filho Carlos quando o presidente se recuperava da facada. O alvo, segundo se diz, seria Mourão. Rompante Até o presente momento, o vice-presidente tem se comportado como hábil interlocutor, ouvido por políticos, respeitado por empresários, enfim, inserindo o governo em espaços centrais da sociedade. Mas até quando continuará a linguagem errática, inclusive com vitupérios, com que alguns tratam o general Mourão? Até quando o sangue da indignação não será mais contido e o general passe a usar o fio da navalha para responder aos seus críticos, como o filósofo Olavo? Caindo a ficha O governo Bolsonaro ainda não viu a ficha cair. E quando isso ocorrer, vai ter que enfrentar a real politik. Se ele pensa que pode iniciar uma nova era na política, vai se decepcionar. Poderá, até, ser o presidente da transição entre duas eras: a do presidencialismo de coalizão e a da meritocracia. Mas não conseguirá governar sem partidos ou, se for o caso, sem uma bancada de apoio no Congresso. Não se muda uma cultura política da noite para o dia. Bolsonaro vai cair na real. E esse sinal já apareceu quando acertou com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, o fluxo da reforma da Previdência. Rodrigo é a chave do portão. Quando? É mais provável que a reforma passe pelas casas congressuais no mês de agosto. Paulo Guedes Paulo Guedes tem se desdobrado para agradar aos políticos. Mas há uma ameaça pairando acima de nossas cabeças: se a reforma da Previdência não atravessar o Rubicão, o todo poderoso ministro da Economia pedirá o chapéu. A confissão teria sido feita por sua filha, Paula Drumond Guedes, de 35 anos, formada pela Universidade do Sul da Califórnia e com MBA em Wharton. O trio conservador A ministra Damares Alves, da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, é uma das mais prestigiadas pelo presidente Bolsonaro. Ao contrário do ministro da Educação, Vélez Rodriguez, teólogo, filósofo, ensaísta e professor colombiano naturalizado brasileiro. O terceiro eixo da ala ultraconservadora é o chanceler Ernesto Araújo, que tem usado as redes sociais para pontuar sobre os rumos do Brasil. Reciprocidade O Brasil acaba de abolir o visto de entrada no país para norte-americanos, canadenses, japoneses e australianos. Como diz o decreto no Diário Oficial, trata-se de uma decisão unilateral. Espera-se que, em algum tempo, haja reciprocidade. Este consultor não acredita que os EUA façam o mesmo que o Brasil fez. Abdenur Os sinais de uma política externa "altamente ideológica" dados pelo governo do presidente Bolsonaro, que se encontrou ontem com Donald Trump, podem afastar o Brasil de outras nações e ser "profundamente negativos" para os interesses do país. Essa é a visão do embaixador aposentado Roberto Abdenur, que comandou a embaixada brasileira nos Estados Unidos de 2004 a 2006. STF na berlinda Nunca se viu nas páginas dos Poderes uma onda tão forte contra o Supremo Tribunal Federal. As redes sociais se enchem de críticas. Alguns ministros, isoladamente, são alvo de intenso tiroteio. Vai ser preciso esforço monumental para que a nossa mais alta Corte volte a gozar de respeito e prestígio. Um pouco de história No ano 64 a. C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e da implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, esse valor tão valorizado no Brasil que tem se firmado como base para eleições vitoriosas: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".
quarta-feira, 13 de março de 2019

Porandubas nº 611

Abro a coluna com uma parábola aqui já narrada há tempos. "Há pessoas que não conseguem perceber o que se passa ao seu redor. Não veem que não veem, não sabem que não sabem". Pequeno relato Zé caiu em um poço e está a 10 metros de profundidade. Olhava para o céu e não viu o buraco. Desesperado, começou a escalar as paredes. Sobe um centímetro e escorrega. Passou o dia fazendo tentativas. As energias começaram a faltar. No dia seguinte, alguém que passava pelo lugar ouviu um barulho. Olhou para o fundo do poço. Enxergou o vulto de Zé. Correu e pegou uma corda. Lançou-a no buraco. Concentrado em seu trabalho, esbaforido, cansado, Zé não ouve o grito da pessoa: "pegue a corda, pegue a corda". Surdo, sem perceber a realidade, Zé continua a tarefa de escalar, sem sucesso, as paredes. O homem na beira do poço joga uma pedra. Zé sente a dor e olha para cima, irritado, sem compreender nada. Grita furioso: - O que você quer? Não vê que estou ocupado? O desconhecido se surpreende e volta a aconselhar: - Aí tem a corda, pegue-a, que eu puxo. Zé, mais irritado ainda, responde sem olhar para cima: - Não vê que estou ocupado, ó cara. Não tenho tempo para me preocupar com sua corda. E recomeça seu trabalho. Parábola: "Zé não vê que não vê, não sabe que não sabe". Será que os políticos não percebem a decisão estratégica de aprovar a reforma da Previdência? Reacendendo a fogueira Não aconteceu o que se esperava. Diástole depois da sístole, descontração após os turbulentos tempos do pleito. O presidente Jair Bolsonaro continua com a tocha acesa reacendendo a fogueira que esquenta ânimos de aliados e adversários. Os primeiros recebem fogo para incendiar as redes sociais. Os segundos rebatem com estocadas que aumentam a distância entre as duas bandas. E assim, o governo Bolsonaro faz o mesmo que o petismo fazia: cutucar adversários. O apartheid "Nós e Eles" é uma triste realidade. O núcleo familiar O governo alimenta o divisionismo. A comunicação governamental é uma curva sinuosa. Deveria ser uma reta. O processo de comunicação deve abrigar pré-requisitos: coerência nas abordagens, foco em prioridades, uso adequado de meios, oportunidade, racionalidade dos processos, eficiência e qualidade dos comunicadores, entre outros. O governo Bolsonaro vai na contramão de tais conceitos. Sua comunicação tem três vértices: o do porta-voz oficial, general Otávio Rêgo Barros, que lê comunicados, interpreta atos da administração e do presidente; o da Secretaria de Comunicação, afeito ao cotidiano, que opera junto aos meios e redes tecnológicas; e a modelagem familiar, coordenada pelo filho Carlos, além do próprio presidente, que veicula mensagens quentes no Twitter. Conflito de versões Difícil manter coerência e harmonia com múltiplas fontes, cada qual com linha própria. O general Barros dá o tom oficial; a Secom oferece suporte e o grupo familiar age como guerreiros em batalha. Natural que a comunicação familiar ganhe maior audiência: causa impacto e polêmica ao transformar pai e filhos em municiadores do exército aliado. Enquanto o general Barros tenta aparar arestas, estas são expandidas pelo próprio presidente e o filho Carlos. O princípio essencial da comunicação - coerência - é substituído por dissonâncias. Quanto mais ruído, mais dispersão, maior distúrbio no processo, minando a credibilidade da administração. Redes e mistura As redes sociais se prestam bem às comunicações informais, torrente que mistura emoção com achismos, bílis com desavenças. Usá-las como principal meio é misturar o público e o privado. Quando os dois territórios se bifurcam, a comunicação acaba sem rumo, desmanchando os limites da verdade. O cinto militar O cinturão militar que age no entorno presidencial deve estar bastante preocupado. Os militares comportam-se como pessoas de bom senso, animadas com a possibilidade de dar uma contribuição efetiva ao país, agora na frente governativa, esmaecendo o viés autoritário inerente ao setor. Há generais que pensam e falam de maneira moderada, tentando conter o ímpeto conservador/ideológico que emana de alguns figurantes, entre os quais o chanceler Ernesto Araújo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Regina e o professor Ricardo Vélez, ministro da Educação. A impressão é a que a orquestra da extrema direita está dando o tom. Economia no meio A equipe econômica age no meio, como um rolo compressor técnico a produzir propostas para os próximos tempos, como a reforma da Previdência e os pacotes de privatização. Não se imiscui no conflito ideológico. Paulo Guedes e sua turma estão interessados em viabilizar os meios para garantir resultados ao governo. Mas a situação é complicada porque desavenças e erros de comunicação acabam obstruindo o meio de campo. A frente política já não age com tanto desembaraço em defesa do governo Bolsonaro. De olho na máquina Expliquemos. Os políticos brasileiros costumam agir com um olho nas ruas e outro na máquina governativa. Se Bolsonaro pensava em governar apenas com quadros técnicos, erra feio. O que se viu, até o momento, foi a seleção de um time ancorada em critérios e indicações que levam em conta a origem dos jogadores selecionados. Quase todos eles com origem em polos conservadores. Se os políticos não reagiram em um primeiro momento, foi por cautela. Não queriam atropelar o processo de escolha e, mais, dando a entender que a adesão à base governista só se completa nos moldes do "toma-lá-dá-cá". Mudança abrupta? Jamais Como é sabido, a cultura política brasileira é regada por valores tradicionais. O jogo de recompensas está entre os mais valorizados. Foi assim ontem, na República Velha, é assim hoje e continuará nesses moldes nos anos vindouros. Não se muda uma cultura por decreto ou desejo de um governante. O nosso presidencialismo de coalizão é regrado pela participação dos vencedores no processo governativo. Qual a meta do político? Chegar ao poder e com os instrumentos que ele propicia, fazer a representação da sociedade e dos entes governativos. Funções que exigem compartilhamento de cargos. Meritocracia O problema é: substituir o critério político pelo mérito. Daí a necessidade de indicação de quadros técnicos mesmo que tais indicações sejam feitas por políticos. Dúvidas se instalam: fulano é mais técnico ou mais político? E se os controles presidenciais não aceitarem certa indicação sob o argumento de que o figurante não agrega condições técnicas? Sob essa teia de suspeições, a frente política acaba adiando sua adesão ao governo, procura o confessionário montado nos gabinetes da articulação política para transmitir suas exigências. Se Bolsonaro não der atendimento aos políticos, será muito difícil a Paulo Guedes e Rogério Marinho aprovarem a reforma previdenciária no Congresso. A recíproca é verdadeira. A articulação, o nó Mas há um nó na articulação política. Se esta for muito fragmentada, dispersa, tende a corroer a base de confiança dos políticos. Hoje, essa articulação se divide entre os ministros Onyx Lorenzoni e os generais Carlos Alberto Santos Cruz, da Secretaria do Governo, general Floriano Peixoto Neto, da Secretaria da Presidência, líderes do governo na Câmara e no Senado, passando ainda por outros nomes fortes, como o próprio vice-presidente Hamilton Mourão e o general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional. Portanto, há caminhos paralelos. Afinal, quem canaliza e filtra os pedidos? Ao que parece, é difícil desatar os nós. Ataque à imprensa É incrível, mas o presidente parece inclinado a manter um tiroteio contínuo e intenso sobre a imprensa. Os ataques culminaram com a calúnia contra a jornalista do Estadão Constança Rezende, acusada injustamente de querer derrubar o governo. O presidente Bolsonaro alimentou sua mensagem com fake news produzida por Fernanda de Salles Andrade, que trabalha no gabinete do deputado do PSL Bruno Engler, em MG. Até o momento ele não se desculpou pelo erro. Como pensa em aprovar reformas quando vê subindo um gigantesco balão cheio de oxigênio contra o governo? A mentira em cadeia ameaça desmanchar os traços de verdade que ainda fazem parte da imagem governamental. Murillo, um grande nome Murillo de Aragão, professor-adjunto da Columbia University, Nova Iorque, escritor e cientista político (mestre e doutor em ciência política) é um dos nomes aventados para assumir o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Um nome à altura do cargo. Hoje, preside a Arko Advice, Consultoria com matriz em Brasília. Autor de importantes livros como "Grupos de Pressão no Congresso Nacional" e "Reforma Política", o consultor tem o perfil capacitado para expor a realidade brasileira aos investidores internacionais. Outro nome Outro nome lembrado, que teria o apoio do chanceler Ernesto Araújo, é o de Nestor Forster Júnior. Para assumir o cargo, teria de ser promovido a embaixador. O perfil do atual conselheiro não caberia na alta relevância do posto em Washington, um dos três mais importantes do Itamaraty.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 610

Abro a coluna com a verve das Minas Gerais. Pronomes sem importância Matreirice mineira. Benedito Valadares chegou a Curvelo/MG para visitar exposição de gado do município. Na hora do discurso, atrapalhou-se: - Quero dizer aos fazendeiros aqui reunidos que já determinei à Caixa Econômica e aos bancos do Estado a concessão de empréstimos agrícolas a prazos curtos e juros longos. Lá do povo, alguém corrigiu: - É o contrário, governador! Empréstimo a prazo longo e juro curto. - Desde que o dinheiro venha, os pronomes não têm importância. Onde é o norte? O termômetro social acusa: temperatura elevada, sentimento de insegurança, todos à procura de um norte. Para onde vamos? Infelizmente, ainda não dá para saber qual a direção a seguir. Enquanto a reforma da Previdência não passar pelas casas congressuais, o meio ambiente será tomado por dúvidas. O governo não tem boa articulação. O Congresso, cheio de novatos, ainda não decolou. O empresariado está de olho no andar da economia, que rasteja como caranguejo, dois passos para a frente, um de lado e dois para trás. O capitão ainda não aprumou a nave governamental. A orquestra política está à procura de maestro, um exímio articulador. O carnaval vem aí. Na quarta-feira de cinzas, o Brasil recomeçará. Para repetir os passos de Dândi na escuridão. P.S. O dandismo, maneira afetada de uma pessoa se comportar ou de se vestir, "é o prazer de espantar". Definição do poeta francês Baudelaire, um dos precursores do simbolismo. Aprovação Bolsonaro tem aprovação de 57,5% dos brasileiros. Mas a avaliação positiva do governo é de apenas 38,9%; já 45,6% discordam do projeto de reforma da Previdência. Resultado da pesquisa CNT, a primeira de avaliação divulgada após o presidente assumir o cargo. Bolsonaro é rejeitado por 28,2%. Outros 14,3% responderam que não sabem ou não quiseram responder. A avaliação negativa do governo é de 19%. Desses, 7,2% avaliaram o governo como "ruim" e 11,8% avaliaram como "péssimo". Aqueles que avaliaram o governo como regular são 29%. Os que não sabem ou não souberam responder são 13,1%. Real politik dá as caras Pois é, a real politik visita o presidente Bolsonaro, que imaginava governar longe da velha prática do "toma lá, dá cá". Os partidos que começam a formar a base governista mostram os dentes. Querem indicar seus quadros para cargos na estrutura de empresas e autarquias governamentais nos Estados. O governo fala em criar um "banco de talentos", forma ambígua para atender as indicações "técnicas" dos partidos. O que estes prometem ao presidente: uma atitude mais simpática em relação à reforma da Previdência e ao pacotão do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A Previdência O nome-chave para que a reforma consiga passar na Câmara, mesmo com forte bombardeio, é Rodrigo Maia. Experiente, com grande capacidade de articulação e mobilização, reeleito presidente da casa parlamentar com 334 votos, Rodrigo é a chave da porta. Na visão deste consultor, o Brasil de amanhã tem no filho de César Maia o grande fiador. O presidente da Câmara faz um alerta: Executivo deveria enxugar a proposta, concentrando-se na idade mínima e regras de transição. É um erro inserir mudanças polêmicas com capitalização, BPC - Benefício de Prestação Continuada e aposentadoria rural. BPC Nos moldes atuais, o BPC é pago para deficientes, sem limite de idade, e idosos, a partir de 65 anos, no valor de um salário mínimo. O benefício é concedido a quem é considerado em condição de miserabilidade, com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Pela proposta, a partir dos 60 anos, os idosos receberão R$ 400 de BPC, e somente a partir de 70 anos o valor sobe para um salário mínimo. "O importante é que a gente faça o debate daquilo que veio, mantenha o apoio daquilo que for majoritário e retire o que, do ponto de vista fiscal, não está ajudando, mas do ponto de vista político está contaminando", ressaltou após participar do debate. O custo de debater o BPC na reforma da Previdência é muito alto, acentua Rodrigo. Aposentadoria rural Pelas regras atuais para a aposentadoria rural, as mulheres se aposentam com 55 anos e os homens com 60 anos, com tempo mínimo de atividade rural de 15 anos. A proposta prevê idade mínima de 60 anos tanto para homens quanto para mulheres, com contribuição de 20 anos. O presidente da Câmara também indicou que a mudança poderia ser retirada da proposta. "O principal problema da aposentadoria é fraude. Se nós resolvermos essa distorção (fora da reforma), daqui para frente talvez esse déficit não cresça tanto". As mudanças nas regras do BPC e da aposentadoria rural geram resistências, especialmente do Nordeste. Hino nacional O Brasil tomaria um banho de civismo caso o alunato cantasse o hino nacional no início das aulas. O gesto propiciaria ao aluno comungar do espírito pátrio, que toma vulto com a homenagem aos símbolos nacionais, como a bandeira brasileira e o hino nacional. Agora, obrigar alunos a cantar o hino, fazer fila, filmar a turma cantando e, ainda, recitar o slogan da campanha do capitão Bolsonaro ("Brasil acima de tudo, Deus acima de Todos") e mandar as filmagens para a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto - isso mais parece estratégia persuasiva das ditaduras. La Giovinezza O jurista, professor, desembargador e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, e um dos maiores estudiosos do crime organizado, a partir da operação italiana Mãos Limpas, Wálter Maierovitch, lembra, a propósito, a canção La Giovinezza. Narra ele: "Nos vinte anos do fascismo italiano, Mussolini se apropriou da canção Giovinezza e a usou como hino do regime. E tudo começou com os jovens. Nas escolas, cantava-se a Giovinezza e era como se ter a imagem do "duce" e o louvor ao fascismo. No Brasil, sem dar a mínima para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o ministro da Educação recomendou fossem gravadas crianças a cantar o hino nacional, ocasião em que seria lida mensagem a se encerrar com o mote da campanha presidencial de Bolsonaro. Pano rápido: "o espetáculo fascistóide foi embalado, da Suíça, pela ministra da goiabeira". P.S. Vejam o primeiro verso da canção: Salve, ó Povo de Heróis Salve, ó Pátria imortal!Renasceram os filhos teuscom a fé em seu ideal.O valor dos teus guerreirosa virtude dos pioneiros,a visão de homens orgulhososhoje brilha nos corações de todos. Tempos de Hitler Lembro também os comícios de Hitler. Na primeira fila, jovens garbosos, grupos que imergiam nas técnicas de lavagem mental preparadas por Goebells. Será que o ministro da Educação, Ricardo Velez Rodrigues, não conhece os caminhos do nazifascismo? Que bola fora essa recomendação aos diretores de escolas públicas e privadas para que os alunos cantem o hino nacional. Ainda bem que é recomendação, não determinação. E ainda bem que ele reconhece o erro sobre o slogan de campanha. Seria escancarar o oportunismo político. Mas a ministra pastora Damares, lá da Suíça, como recorda Maierovitch, garante que é uma obrigação. Uma vez por semana Pode ser que a ministra tenha se enganado. Sabe-se que é obrigatório cantar o hino nacional uma vez por semana por imposição da lei 5.700, de 1971, art. 39. Em 2009, acrescentou-se um parágrafo único, obrigando o canto do hino uma vez por semana. Mas filmar crianças sem autorização dos pais é proibido. Tempos do nazismo Para ajudar a memória do ministro da Educação, pinço Sergei Tchakhotine descrevendo Hitler em Nuremberg, em 15 de setembro de 1938: "Sua entrada na sala do Congresso era precedida de uma manifestação sonora - antes que musical - fora do comum. Sobre o fundo de uma música wagneriana, ouvia-se um rufar assustador, pesado, lento, de tambores, e um passo duro, martelando o solo, não se sabe com que tinidos e com que respiração ofegante de corpos de tropa em marcha. Esse ruído ora aumentava, ora se afastava e devia provocar, nos milhões de ouvintes, com o coração angustiado pela espera da suprema catástrofe, um sentimento de fascinação e medo, desejado pelos encenadores". Para quê? Afinal, qual a serventia de eventuais filmes com meninos e meninas em fila cantando o hino nacional? O que iria fazer a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República com tais filmetes? Estocá-los? Fazer campanhas institucionais com a imagem das crianças? Clima de campanha Quem acessa as redes sociais logo se depara com o tiroteio entre bolsonaristas e oposições durante todo o dia. Mesmo se posts tentam reproduzir apenas o que a mídia expressa, o ribombar se faz ouvir. O baixo calão se faz presente todo tempo. O presidente Bolsonaro também tuíta. E dá muita corda aos seus seguidores. Desse jeito, a pacificação das bandas sociais fica sendo um exercício para o distante futuro. O clima de campanha acirra os ânimos. Sem guerrear Parece correta a decisão brasileira, mais precisamente da área militar, em não querer intervir com a força na Venezuela, contrariamente ao posicionamento dos EUA. Trump e sua mão militar querem derrubar Nicolás Maduro na marra. O grupo de Lima, formado por 14 países, descarta intervenção militar na Venezuela. O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, tem se pronunciado com bom senso. Maduro deve sair por força das pressões internas, a partir do afastamento da cúpula militar da administração do ditador. Poder militar Os militares começam a se inteirar sobre a complexidade da máquina administrativa Federal. São objetivos, práticos, conscientes da missão. E, como já escrevi, a cada dia se impregnam da ideia de vestirem o manto de "poder moderador". Os tipos Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da Medicina, pregava que a saúde do homem depende do equilíbrio de quatro humores: sangue, bílis amarela, bílis preta e fleuma. Cada um destes humores teria diferentes qualidades: o sangue seria quente e úmido; a fleuma, fria e úmida; a bílis amarela, quente e seca; e a bílis negra, fria e seca. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o popular sanguíneo, o sereno fleumático, o forte colérico e o soturno melancólico. P.S. Dos quatro tipos de sistema nervoso, os coléricos exibem certo desequilíbrio, porque, entre eles, a excitação prevalece sobre a faculdade de inibição. Quem é quem? Apliquei essa modelagem a alguns tipos de nossa cena institucional/política e meu humorômetro fez esta classificação: Presidente Bolsonaro - sanguíneo; Ciro Gomes - colérico; João Doria - fleumático; Sérgio Moro - fleumático; Gilmar Mendes - sanguíneo; Toffoli - melancólico; Lula - colérico; Fernando Henrique - melancólico e Rodrigo Maia - fleumático.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 609

Abro a coluna com uma historinha que vivi. Freyre com y 1963 chegava ao fim. Conclusão do Curso Científico no Colégio Americano Batista (CAB) na rua D. Bosco, 1308, Recife. O mestre Gilberto Freyre foi eleito paraninfo da nossa turma. Ele iniciara seus estudos frequentando, em 1908, o jardim da infância do Colégio Americano Batista Gilreath, que seu pai havia ajudado a fundar. E, aos 18 anos, com bolsa da Igreja Batista, foi estudar na Universidade Baylor no Texas, onde se formou bacharel em Artes Liberais. Gilberto Freyre foi o intelectual mais premiado da história do país. Escolhido orador da turma, organizei um pequeno grupo para ir à mansão do autor de Casa Grande & Senzala, no bairro de Apipucos, e fazer o convite. Por volta de 10h30 da manhã, subimos as escadarias da bela residência e fomos recebidos por dona Magdalena de Guedes Pereira Freyre, a esposa de Gilberto, que mandou nos servir um delicioso licor de jenipapo. Logo a seguir, entra o mestre abrindo grande sorriso. Tomei a palavra e dei conta do objetivo: convidá-lo para paraninfar nossa turma. Fiz a entrega da carta-convite. Ao recebê-la, olhou para a grafia do destinatário - Professor Gilberto Freire - e a devolveu imediatamente às minhas mãos. Lá veio a reprimenda: - Meu jovem, meu pai, Alfredo, quando recebia correspondência com seu sobrenome errado, não a lia. Devolvia ao remetente. Se a entrega fosse pessoal, ele dizia: meu Freyre é com Y. Faça a correção e venha me entregar novamente. Meus caros, terei o prazer de receber vocês na próxima semana com a grafia correta do meu sobrenome: Freyre com Y. A seguir, discorreu sobre o tempo em que estudou no Americano Batista, os professores da época, os rigores da Igreja Batista. Ouvíamos com atenção, amargando o desleixo por não termos feito a lição de casa. Deveríamos saber sobre o Y na grafia do mestre Gilberto. Corrigimos a carta. Uma semana depois, estávamos em Apipucos repetindo o roteiro. E, mais uma vez, degustando o licor de jenipapo. Valeu a pena. Nosso paraninfo fez uma belíssima peroração, depois de ter ouvido do orador da turma sua trajetória de sucesso. Conversas vazadas As três conversas entre o presidente Jair Bolsonaro e Gustavo Bebianno, que culminaram com a demissão do ex-secretário-Geral, ocorreram mesmo no dia 12, via WhatsApp, segundo os áudios divulgados ontem pela revista Veja. As falas mostram o tratamento ríspido e mercurial do presidente com seu ministro, e mais irritado ainda porque Bebianno recebeu um representante da Rede Globo no Palácio do Planalto. Bolsonaro, no áudio, diz claramente que a Globo é 'inimiga'. Como se percebe, os torpedos contra o governo saem de dentro do próprio governo, ou de seu principal protagonista. Há prenúncio de fortes tormentas no horizonte.  Trovoadas ameaçadoras As trovoadas que se ouvem, nesse ciclo de chuvas fortes que caem em todo o território, também ocorrem na seara política. O episódio Bebianno-Carlos Bolsonaro-presidente Jair tem sido motivo de trovões e relâmpagos: a demissão do ministro que ocupava a Secretaria-Geral do governo terá implicações? Declarações de Bebianno poderão atrapalhar a agenda do Executivo no Congresso? E a imagem do presidente da República ganhará respingos de lama? Impacto na agenda As respostas às perguntas acima ganham um SIM. Há implicações com a saída de Gustavo Bebianno. A demissão do ministro, na esteira da denúncia feita por Carlos Bolsonaro, o "pitbull" do presidente Jair (como o próprio pai o designa), deixa a classe política ressabiada. Cristaliza-se a sensação de que o filho tem mais força junto ao presidente do que qualquer outra figura do aparato governamental. E isso mexe com os brios do corpo ministerial. Haverá impacto na agenda. O fluxo planejado para análise e votação da reforma da Previdência e do pacote contra a corrupção e combate à criminalidade poderá sofrer atrasos. Impacto na imagem É razoável imaginar que o desenrolar dos acontecimentos não caiu bem no espírito da base aliada. É inadmissível que alguém, que nem faz parte da máquina governamental, tenha sobre ela tamanho poder. A imagem de um presidente preso ao universo sentimental da família poderia ser aceita se tal imersão não interferisse no plano da gestão. O presidente, ao que parece, não quer contrariar o filho Carlos, que já passou uma temporada no passado sem falar com ele. O fato é que a sombra familiar, ao que se infere, está interferindo no processo decisório. A emoção se superpõe à razão. O que vai dizer Bebianno O "laranjal da política" - a inserção de pessoas na planilha de candidatos apenas para fazer de conta e receber recursos que serão desviados para outros - faz parte de nossa cultura política. O repasse de R$ 400 mil a uma candidata "laranja", autorizado pelo Diretório Nacional do PSL, sob a presidência de Bebianno, é a origem da crise. O demitido diz que foi uma decisão que não coube a ele. A Executiva Nacional aprova e os Diretórios estaduais definem o receptor. Bebianno deve ter outros casos para apontar. E os recursos da campanha presidencial? Houve desvio? Recebeu ordens do então candidato Jair Bolsonaro para mandar recursos a algum "laranja"? Interrogações e especulações estão no ar. Flores para o coração Comenta-se que a saída do Bebianno foi negociada nesses termos: Bolsonaro despejaria palavras de elogio ao perfil do ministro da Secretaria-Geral em um vídeo e este devolveria as gentis palavras. Assim estaria selada a paz. Mas Bebianno até agora não falou. A moldura torta continua na parede. A reforma da Previdência Com o slogan "Nova Previdência: Justo para todos. Melhor para o Brasil", será apresentado pelo próprio presidente o projeto da Reforma do Sistema Previdenciário. O governo deve contar com 308 parlamentares para sua aprovação. Não de imediato. A passagem pelo Plenário vai depender de ajustes, entre os quais a definição do limite de idade para aposentadorias. Talvez tenha de baixar de 65 para 62 (homens) e de 62 para 57 (mulheres) com prazo maior de transição. Tática O governo vai usar a tática de encaminhar o pacotão de Sérgio Moro só depois que a reforma da Previdência ganhar intenso debate. Ou seja, vai fazer tramitar o projeto em ritmo mais lento que a proposta de reforma da Previdência. O objetivo é blindar a reforma previdenciária, que chega à Câmara dos Deputados nessa quarta-feira, evitando que as propostas do pacote de Moro "contaminem" a discussão. Comando do DEM A aprovação das duas encomendas - Previdência e Combate à Corrupção e à Criminalidade - se torna viável ainda pelo fato de que as duas Casas congressuais estão sob comando de quadros do DEM, partido em ascensão. Na Câmara, a capacidade de articulação de Rodrigo Maia, cuja vitória se deve a mérito próprio, será decisiva. O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), não via com bons olhos a candidatura do correligionário. Eleito com votação extraordinária, 334 votos, Maia poderia até vestir o manto de independência, mas sua formação liberal e o compromisso que tem expressado de levar a bom termo projetos fundamentais para o país sinalizam uma atuação firme em favor do Executivo. Base de apoio Lembre-se que ele usou com maestria sua capacidade de articulação para aprovar projetos de alto alcance no governo Temer, como o teto de gastos, a reforma trabalhista e a Lei da Terceirização. A formação de um bloco, com mais de 300 parlamentares, reunindo PSL, PP, PSD, MDB, PR, PRB, DEM, PSDB, PTB, PSC e PMN, confere alguma segurança ao governo. 49 votos Já no Senado, o comando está nas mãos do senador Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, um nome que emergiu de articulação feita com sucesso por Lorenzoni, da Casa Civil. Portanto, ali também o governo contará com sólida base de apoio. Ademais, a interlocução será mais fácil tendo em vista um colegiado de apenas 81 membros. A aprovação da PEC carece do voto de 49 senadores. Cortando a história da AL Esse ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é mesmo um destruidor de história. Mandou excluir da planilha de matérias do Instituto Rio Branco, que forma os nossos diplomatas, a disciplina sobre a História da América Latina. Não quer que a nossa diplomacia adquira conhecimentos sobre nosso continente. Passa um X na história latino-americana. O ministro, que não aceita a ideia da globalização, está atuando para queimar a identidade internacional do Brasil. Os nossos grandes nomes da diplomacia são jogados na cesta do lixo. Militares e o poder moderador Pasmem. Os militares tendem a ser um poder moderador. Assim, se prestariam a garantir o eixo da democracia. Estão se comportando como tal, a partir do vice-presidente, general Hamilton Mourão, que tem se expressado bem, defendendo moderação e até recriminando posições radicais ou abordagens fundamentalistas. O presidente Jair Bolsonaro, ao contrário, tem usado uma linguagem contundente em seus tuítes. Até parece que não desceu do palanque. PSL no bate-cabeça O PSL, bancada maior da Câmara (54), superando a do PT, hoje com 52, será o carro-chefe a puxar os votos do governo. Mas o partido chega ao poder central cheio de novatos, alguns muito ambiciosos, sem lastro doutrinário, correndo o perigo de ver seus integrantes disparando tiros uns contra outros. A liderança do PSL é frágil. O presidente da sigla, Luciano Bivar, não tem se destacado como líder. UDN ressuscitada A UDN está vivendo um processo de ressurreição. Mas a sigla não terá a grandeza do passado, quando era o abrigo de figuras renomadas e carismáticas. Falta um Carlos Lacerda para dar brilho a essa tentativa de renascimento. Eis alguns quadros da velha UDN, fundada em 7 de abril de 1945: José Sarney, Carlos Lacerda, Gilberto Freyre, Júlio Prestes, Eduardo Gomes, Juarez Távora, Ademar de Barros, Afonso Arinos, Tenório Cavalcanti, Antônio Carlos Magalhães e Arnon de Mello. Sistema S O Sistema S está sob suspeita. Objeto de investigação. Abriga todas as federações de indústria e comércio do país. E se for demonstrado que recursos do Sistema S foram desviados para a política, hein? Robson Andrade, o poderoso presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) foi preso. PF investiga esquema de corrupção envolvendo contratos entre empresas ligadas a uma mesma família, o Ministério do Turismo e o Sistema S no valor total de R$ 400 milhões.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 608

Abro a coluna com uma historinha das Alagoas. Jesus Cristo Era aniversário de um bravo coronel de polícia de Palmeira dos Índios. Contrataram dois cantores para animar a festa. Os homens chegaram, violas em punho: - Coronel, vamos cantar a sua vida. - Nada disso, cantador de verdade não prepara, improvisa. Vou dar um mote, vocês cantam. E nada de minha vida. Quem vai ser cantado, hoje, é Jesus Cristo. E o mote é: - "Jesus Cristo veio ao mundo nos livrar das injustiças". Um cantador olhou para o outro, cada qual mais branco. O coronel estava nervoso. O jeito era começar. Um tirou: - Jesus Cristo veio ao mundo nos livrá das injustiça. O outro respondeu: - Quando ele tinha 15 anos rezou a primeira missa. O primeiro engasgou. E foi em frente: - Quando completou 18, sentou praça na poliça. O coronel não gostou. Meteu os dois no xadrez. Um vácuo no jornalismo A morte de Ricardo Boechat abre um imenso vácuo no jornalismo. A frase é mais uma entre as milhares que circulam por ocasião do desaparecimento de celebridades, pessoas famosas. Mas, no caso de Boechat, a verdade do argumento está no fato de que ele era exceção na galeria dos âncoras de TV e comentaristas de rádio. Desenvolveu forte identidade. Inigualável. Discorria sobre temas que dominava de forma exemplar, informava, interpretava, opinava e até fazia humor, exercendo, assim, as quatro funções básicas do jornalismo: informar, interpretar, opinar e divertir. Qualidade Diferenciava-se pelo estilo inconfundível. Com seu vozeirão que entrava forte nos ouvidos da audiência (grande entre taxistas), era um crítico admirado. Batia forte nos agentes de erros e ilícitos. Formava opinião. Tinha como lastro a experiência das salas de jornais, onde foi chefe de redação, como no Jornal do Brasil. Buscava sempre o furo, a notícia em primeira mão, após conhecer panos de fundo para entender melhor os fatos de alcance social e político. Tragédias se cruzam Quantas tragédias nesse início de ano, hein? O lindo território das Minas Gerais é o palco central dos desastres. O de Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015, a maior tragédia ambiental brasileira, cruzou com a tragédia de Brumadinho, acentuando o capítulo da irresponsabilidade da gestão pública no Brasil. No Rio, o incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo, que vitimou 10 meninos em início de carreira futebolística, se somou às mortes perpetradas por gangues em disputa pelo mercado de drogas e as causadas por temporais. Impacto e mais impacto Sobre nossas cabeças, ainda está acesa a memória do acidente que matou a seleção de Chapecó/SC. Mais recentemente, a morte do jogador argentino Salas, no avião que caiu no canal da Mancha, também gerou forte comoção. O medo volta a se espalhar em Minas Gerais, onde falta controle nas muitas barragens da Vale. E para aumentar a tristeza, deparamo-nos com mais uma página no livro das tragédias, essa queda do helicóptero sobre um caminhão, matando Boechat e o piloto. 2019 se abre sob uma comoção generalizada, fazendo-nos crer que o imponderável está fazendo visitas com muita frequência ao nosso território. Moldura torta na parede A sequência de tragédias produz um sentimento generalizado de desconforto, angústia, medo, pavor de que algo ruim circula ao nosso redor. Benza-nos, Deus. Alguns procuram nos astros respostas para os incidentes. Outros apontam para a fatalidade: "quando algo tem de acontecer, ninguém impede, é porque chegou o dia da pessoa". Entre crenças e descrenças, a vida flui, desmanchando famílias, abrindo crateras de desespero, expandindo insegurança. O fato é que 2019 está se mostrando um ano muito letal. Mais que outros? Nos nossos sistemas cognitivos, a taxa de dissonância aumenta. Protagonistas do cenário Trata-se de um exercício sujeito a erros esse de tentar interpretar sentimentos e expectativas de protagonistas da cena social-institucional-política do país. Mesmo assim, este consultor se aventura a realizar a tarefa focando um pequeno grupo de agentes. Comecemos por segmentos que habitam os espaços das classes médias. Quais suas expectativas? Essa é a pergunta básica. Convém, primeiro, explicar a constituição das classes médias. As classes médias formam um contingente grande e heterogêneo, reunindo setores com acesso, por meio de renda e/ou por crédito e endividamento, à oferta material e de serviços proposta pelo sistema de produção e consumo. São classes consumidoras. Na América Latina, pela primeira vez em décadas, as classes médias, hoje, superam a população pobre. Mas há diferença entre os segmentos. Três segmentos Os economistas, a partir de dados da OCDE e do CEPAL, apontam para a existência de três agrupamentos: uma classe média baixa, encostada à classe C, reunindo pessoas com acesso aos serviços do Estado, e com salários ainda comprimidos; uma classe média B, a intermediária, abrigando profissionais liberais, professores, grupamento formador de opinião, onde se abriga a maior tuba de ressonância do país; e a classe média mais elevada, que reúne perfis dos setores produtivos, empresários, proprietários rurais, núcleos que dispõem de mais recursos e os aplicam no sistema financeiro. Classes médias: O que são Entre 2001 e 2015, a parcela da população da chamada classe média consolidada, (que ganhava por dia entre 10 e 50 dólares em valor real em 2005, e em paridade do poder de compra), passou de 21% para quase 35%. Um outro segmento, designado de classe média "vulnerável" - dispondo de soma bem mais modesta entre 1 e 4 dólares/dia - passou de 34%, em 2000, para 40% em 2015. Essa população saiu da pobreza formal nos últimos 15 anos, mas ainda é constituída, em grande parte, por pessoas que passaram a ter acesso parcial e precário ao consumo. E há a classe média alta, com ganhos maiores. O poder de irradiar As classes médias constituem o grupamento com maior capacidade de influenciar. Sua expressão corre tanto para baixo quanto para cima. Agem como pedras jogadas no meio da lagoa: criam marolas, ondas, que correm do centro para as margens da lagoa. Seu estado é de expectativas. Seu estado de espírito contamina outros espaços da pirâmide social. São detentores de um otimismo latente. Esperam que a economia melhore e produza as garantias para seu bem-estar. Confiam no novo governo, mas desconfiam que a inovação de costumes e práticas na política ainda não chegou. Defendem um programa progressista e liberal para o Estado. Desfraldam a bandeira da privatização. O perfil ideológico comporta uma tipologia variada. Há segmentos de direita e extrema direita, que comungam com o lema: bandido bom é bandido morto. Mas há setores que se postam na extrema esquerda do arco ideológico. Vejamos alguns protagonistas. 1. Meio acadêmico O meio acadêmico da Universidade pública forma um bloco duramente crítico ao status quo e, por extensão, ao governo Bolsonaro. A Universidade brasileira, como se sabe, foi intensamente politizada na era lulopetista. Há núcleos simpatizantes ao governo. Mas o meio acadêmico exerce crítica feroz ao escopo de direita, com um tiroteio expressivo focado no alinhamento entre o bolsonarismo e o fascismo. Os acadêmicos exercem influência, porquanto é da Universidade que se ouvem os sons mais estridentes da esquerda. Pessimistas quanto ao futuro, defendem um ideário utópico e vêem em qualquer programa do novo governo um exercício de autoritarismo. Na Universidade privada, o discurso é outro. Professores e alunos tendem a defender o ideário governista e o liberalismo. 2. Ruralistas No contraponto à Academia, emerge a força do agronegócio. Os ruralistas, que possuem uma das maiores bancadas no Congresso Nacional, pregam o endurecimento de ações com vistas à contenção das invasões de propriedade, subsídios ao setor, reforma agrária sob controle do Estado, liberação de armas para os proprietários rurais, entre outros projetos. 3. Servidores públicos Os servidores da Universidade pública, retratada acima, também ganharam força na era petista. Seus contingentes elegeram boa fatia de representantes. Os servidores públicos formam massa de manobra de movimentos e partidos políticos, atendendo às convocações feitas por PT, PSOL, Centrais Sindicais e organizações situadas na faixa esquerda do arco ideológico. São antigovernistas e organizam paredões de pressão contra as reformas, principalmente a reforma da Previdência e a reforma trabalhista, esta já realizada. 4. Empresariado Os setores produtivos constituem o núcleo que expressa maior confiança no amanhã. Aplaudem a equipe econômica, creditam sucesso na implantação de programas liberais, no ideário da competitividade e eficiência dos serviços públicos. Os médios e grandes empresários constituem a vanguarda de defesa do governo. Já o pequeno empresariado queixa-se da alta carga de tributos, passando a defender política de desoneração da folha. Uma de suas bandeiras mais vistosas é a da desburocratização. Por isso, tendem a ser críticos do governismo. 5. Polícias e Forças As polícias civil e militar e as Forças Armadas chegam ao ápice do prestígio institucional. Os quadros policiais elegeram uma grande bancada, se compararmos os resultados de outubro com os pleitos anteriores. E os militares chegam ao poder por meio do voto. Nome do votado: o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República. Sob a teia do voto, começam a descortinar o véu do prestígio e do poder e a esmaecer a imagem sombria da ditadura. Os militares, até por isso mesmo, já aceitam entrar na modelagem da reforma da Previdência. Não querem mais exclusividade. Exercerão suas tarefas no ciclo que se abre sob um horizonte de otimismo. Serão os novos participantes de um país que redefine rumos. Uma frente de muito apoio ao governo. E até começam a vestir a roupagem de poder moderador. 6. Estudantes O meio estudantil começa a se inserir na esfera da política. A massa que ainda atende aos apelos da UNE funciona como extensão dos braços das esquerdas, sob a égide de três partidos que exercem influência no meio estudantil: PC do B, PSOL e PT, embora este veja esmorecida sua força junto aos estudantes. No contraponto, a massa estudantil da área privada abre os olhos e começa a demonstrar interesse pela representação política. Alguns perfis, a partir de São Paulo, foram bem votados por esse segmento. Em suma, o bloco mais ativista é de esquerda; já a massa menos participativa identifica-se com o discurso da direita. A questão é: essa massa acorrerá aos apelos de movimentos de centro ou centro-direita? Ou continuarão amorfos? 7. Mulheres A organicidade no bloco dos gêneros é intensa. As mulheres, a cada eleição, participam com mais vigor do processo eleitoral. Algumas tiveram votação impressionante, como a deputada estadual Janaina Paschoal, e as Federais Carla Zambelli e Joice Hasselmann, todas do PSL-SP. Ganharam visibilidade e prestígio ao correr da campanha de Bolsonaro. Defendem uma pauta densa na área dos costumes e da renovação política. Prometem revolucionar o Parlamento. Lembremos que as mulheres constituem a maioria do eleitorado brasileiro (52%). Trata-se de um eleitorado ainda muito dividido quanto às preferências ideológicas. 8. As regiões NE, NO e CO Os habitantes das regiões menos desenvolvidas, que abrigam grandes parcelas sob a sombra do programa Bolsa Família, costumam ser pragmáticos. Defendem aqueles que propiciam melhorias em suas condições de vida. Tendem as ser mais conservadores e fiéis aos seus patrocinadores. Daí o prestígio que Lula ainda mantém no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A continuidade do Bolsa Família e uma rede social mais cheia poderão expandir a força do governismo nessas regiões. No Nordeste, o apelo maior, hoje, é pelas águas transportadas do rio São Francisco. Uma observação: as classes médias com habitat nas médias e grandes cidades são críticas e, no último pleito, se somaram aos eleitores de baixa renda para destronar velhos políticos.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Porandubas nº 607

Abro a coluna com uma historinha árabe que ensina: dizer as coisas de forma convincente é uma arte. A arte de dizer as coisas Um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse o sonho. - Que desgraça senhor, exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade. - Mentiroso, gritou o sultão enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui! Chamado outro adivinho, este disse assim: - Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes. Iluminou-se a fisionomia do sultão e mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. Quando saía do palácio, um dos cortesãos lhe cochichou: - Afinal, a interpretação que fizeste do sonho foi a mesma do teu colega... - Lembra-te, meu amigo, tornou o adivinho, que tudo depende da maneira de dizer. Começa o ano político O Brasil visto de dentro das cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional não se apresenta, infelizmente, como o espaço das grandes mudanças tão clamadas pela sociedade. O Senado, no sábado que passou, exibiu um espetáculo canhestro. Quem viu ali um embate entre a nova e a velha política se engana. O que aconteceu na Câmara Alta foi a vitória de um senador de 41 anos, do DEM do Amapá, com estampa de novo, mas tão arraigado aos velhos costumes quanto os caciques que ali habitam. Imagem corroída O que aconteceu foi a derrota do senador alagoano Renan Calheiros, comandante do MDB, ex-presidente do Senado, foco de um bombardeio incessante das redes sociais, cuja imagem foi danificada e corroída pelo serrote das novas técnicas de ataque desenvolvidas no país, concentradas nas redes sociais e em artilheiros de plantão. O que aconteceu foi o descumprimento da decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que teve de emitir um parecer no meio da madrugada de sábado em favor do voto fechado, como determina o regimento do Senado. O parecer transformou-se em avassalador bumerangue, voltando-se contra Renan e defensores do voto fechado. O regimento foi para o lixo. Catarse social O que se viu foi a derrota de uma norma até então adotada, a do voto secreto, desprezada pela maioria do corpo parlamentar, na esteira do estado de espírito da sociedade com foco na transparência, no rechaço à velha política e a todos aqueles que respiram o oxigênio acumulado nos pulmões combalidos dos guardiões da velha ordem. Assistiu-se ao extravasamento de uma expressão social nas redes, que chegou a balizar o voto dos senadores. A renúncia de Renan parecia dar vazão à catarse social. Mas o jogo foi o primeiro de uma série de partidas. E Toffoli, como fica? Uma dúvida persiste: como ficará a imagem do presidente do Supremo, após senadores terem jogado no lixo seu despacho determinando o voto fechado no Senado? Aliás, como ficará a imagem do STF nos próximos tempos? A Corte refluirá no ímpeto de alguns de seus ministros para ganhar fama e visibilidade midiática? Ou a judicialização da política continuará intensa? É triste para um país ver sua mais alta Corte no banco do desprestígio. É triste ler mensagens duras de juízes de primeira instância contra os ministros da Corte Suprema. Este consultor, consternado, leu palavras que maculam a imagem de Suas Excelências, os ministros do Supremo. Alcolumbre Davi Alcolumbre, o presidente eleito do Senado, não tem um traço sequer que represente renovação na paisagem política. A identificação com o novo aparece nas feições do político mais jovem, em uma visibilidade expandida por um perfil que sai dos fundos do salão para adentrar o centro da mesa principal. O Amapá foi o território onde o ex-senador José Sarney construiu grande parte da trajetória após deixar a presidência da República. Conserva sinais e emblemas dos currais eleitorais. O novo dirigente, de família ligada ao comércio e às telecomunicações, o terceiro da hierarquia da República, vai ter de remodelar seu figurino para desfraldar a bandeira da modernidade. Deverá ter ao redor o conselho de um grupo de "velhos senadores", que tentarão lhe mostrar o caminho do bom senso. Rodrigo Maia Já a vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara, por uma margem que bateu o recorde de apoios (334 votos) na história da Câmara Federal, confere a ele importância extraordinária na legislatura que se inicia. Rodrigo tem demonstrado ser exímio articulador. Sua capacidade de articulação mostra-se forte ao agregar o apoio de 16 partidos. Ganhou sem nenhum empurrão do governo Bolsonaro. Ao contrário, seu correligionário, ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS), chefe da Casa Civil, teria, no início das articulações, até estimulado outra candidatura. Rodrigo deverá usar a varinha mágica para fazer passar pelo plenário da Câmara a Reforma da Previdência. Prioridade número 1 do governo. Senado não pacificado A vitória de Alcolumbre não significa pacificação no Senado. Dos 21 partidos que tinham assento na Casa, agora são 16, significando menor fragmentação. Mas os grandes partidos, a partir do rachado MDB, não se aliarão automaticamente ao governo. A aliança do PSDB com o DEM pode se esgarçar mais adiante. Tasso Jereissati é o patrocinador desta aliança (frouxa). Renan ainda tem o apoio de 6 a 7 senadores do seu partido, podendo vir a canalizar o apoio de descontentes. Pauta densa Há importantes projetos na pauta, a partir do eixo do governo, a Previdência, a chegar ao Congresso nos meados do ano. Estão elencados ainda projetos importantes: licitações, independência do BC, Lei das Telecomunicações (PLC 79), segurança hídrica, demarcação de terras, Código Comercial, desvinculação de receitas, fim do foro privilegiado, agências reguladoras, sistema S, prisão em 2ª instância, lei de falências, combate à corrupção, Código do Processo Penal, etc. A questão é: Alcolumbre terá condições de liderar uma pauta tão densa como essa? Não será fácil. Lorenzoni Se o ministro Onyx Lorenzoni foi o principal artífice da candidatura de Davi Alcolumbre, tendo, por isso mesmo, diálogo estreito com o novo presidente do Congresso, não se poderá dizer o mesmo de sua relação com Rodrigo Maia, que deverá mostrar postura de certa independência em relação ao Executivo, mesmo dispondo-se a ajudar Paulo Guedes a atravessar a montanha da reforma das reformas. A começar com a complexa reforma da Previdência. Previdência É oportuno lembrar que o secretário da Previdência e do Trabalho, ex-deputado Rogério Marinho, mantém boa articulação com Maia, de quem recebeu pleno apoio por ocasião da reforma trabalhista, da qual foi relator. Ponto polêmico do projeto da Previdência: idade mínima de 65 anos para homem e mulher. (O vice Mourão afirma que o presidente Bolsonaro é contra igualar idade mínima de homem e mulher na Previdência. Já o ministro Onyx garante que a reforma da Previdência será muito diferente da minuta divulgada). R$ 1,3 trilhão A nova idade valeria depois de um período de transição que pode chegar a 19 anos. Em 10 anos, a economia a ser alcançada na Previdência seria de R$ 1,3 trilhão. Simone Tebet A senadora do PMDB do Mato Grosso do Sul foi vencida por 7 a 5 na bancada do MDB, deixando para Renan a candidatura à presidência do Senado. Votou e trabalhou por Alcolumbre, que deve prestigiar o corpo parlamentar que lhe deu apoio, fazendo vista grossa à tese de que as mais importantes comissões devem ser entregues aos partidos de maior bancada no Senado. O MDB deve, portanto, perder a direção da importante CCJ. E mesmo da CAE, Comissão de Assuntos Econômicos. A questão é saber se a senadora Simone, após o embate com Renan, se sente confortável em permanecer no partido. Tudo indica que sairá da sigla. Seu pai, Ramez Tebet, era o grande líder do PMDB no Mato Grosso do Sul. DEM no alto Chegando à direção das duas casas congressuais, o DEM sobe ao pico da montanha do poder. ACM Neto vibra. A tendência é a de o partido, se mantiver acesa a chamada da unidade, atrair novos figurantes. Rodrigo Maia, detendo fatia considerável do poder político, pode empurrar o DEM na direção do poder central. Este partido, que já foi PFL, teria condições de substituir o MDB como peso principal na balança da governabilidade. O PSL de Bolsonaro não teria estofo para cumprir essa missão. Os novatos precisam passar pelo exercício de acúmulo de experiência. Começarão atirando flechas uns nos outros. Canibalização recíproca. MDB na ladeira No contraponto, vemos o MDB começando a descer a ladeira. Não se afogará no poço do desprestígio, porquanto ainda é o partido com maior capilaridade no país, o que se constata pela presença em maior número de municípios e nas bancadas de vereadores e deputados estaduais, ainda entre as maiores. Mas o velho MDB monolítico é mera sombra do passado. Carecerá, como o PSDB, se refazer das cinzas das fogueiras em que se meteu. Jucá, que perdeu a eleição para senador em RR, continuará? De onde virá a nova força do partido? Renan seria o catalisador da insatisfação? Moro em ação O ministro da Justiça, Sérgio Moro, tomou a iniciativa, preparou um amplo projeto que, entre outros pontos, propõe a criminalização do caixa 2 e a prisão após condenação em 2ª instância. Abre, ainda, a possibilidade de isentar de pena policiais que matarem em ações de confronto. Chamou governadores e fez apresentação do pacote, que é simpático aos eleitores. Mas não passará no Plenário da Câmara do jeito que está formatado. Moro deve suar a camisa para convencer a base parlamentar. Se aprovar este projeto, Moro chegará aos píncaros da glória. Uma aberração Leio: 6 deputados do Rio foram presos, mas continuam recebendo todos seus salários e benefícios. Como é que pode? O cara é preso e continua a ganhar sem cumprir suas tarefas. A conta chegou aos R$ 6 milhões. A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa não pode permitir essa barbaridade. A decisão da Assembleia Legislativa de empossar ou não os presos foi adiada. Que fiquem sem salário. O novo senador potiguar Jean-Paul Prates, gravem esse nome, é o novo senador do PT do RN, que chega à Câmara Alta na vaga da senadora Fátima Bezerra, eleita governadora. Trata-se de um advogado e economista, com mestrado nos EUA em planejamento energético e ambiental, com mestrado na França na área de petróleo e motores, área em que aprofundou seus estudos. Consultor afamado. Trata-se de um dos quadros bem preparados do Senado. É a nova estrela na constelação potiguar. Chico Rodrigues Chico Rodrigues ganhou de maneira surpreendente a eleição em Roraima para o Senado. Veio a ter mais de 22% dos votos válidos, quando no início da campanha poucos apostavam em suas chances. Ele e Mecias de Jesus, o segundo eleito, acabaram desbancando o experiente senador Romero Jucá, atual presidente do PMDB. Chico, que já governou Roraima, é um político que sabe cultivar as bases. Tem um enorme círculo de amizades, principalmente junto ao segmento militar. Foi colega de turma do general Carlos Alberto Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, na escola preparatória de cadetes do Exército. Os novatos É engraçado vermos ou lermos as bravatas dos novatos. Alguns dizem que vão "botar pra quebrar", "passar por cima como trator", "aprovar projetos e aprová-los com urgência". Pensam que a liturgia é esta: chegando ao Congresso serão ouvidos atentamente por todos os colegas, prepararão projetos e conseguirão imediatamente sua aprovação. Cairão na real quando perceberem que, na Câmara, serão tragados pela massa de 513 parlamentares. E, no Senado, poderão até ter mais chances de serem ouvidos. Claro, se falarem coisa com coisa. E se evitarem o espalhafato, como se viu na deprimente sessão de sábado passado.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Porandubas nº 606

Abro a coluna com Minas Gerais vista pelo grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Em 1984, publicou no jornal Cometa Itabirano o poema "Lira Itabirana". O poema faz uma denúncia que, passados todos estes anos, permanece atual. Drummond já descrevia o conflito entre a mineradora e a vida do Rio Doce. "O Rio? É doce.A Vale? Amarga.Ai, antes fosseMais leve a carga.Entre estataisE multinacionais,Quantos ais!A dívida internaA dívida externaA dívida eternaQuantas toneladas exportamosDe ferro?Quantas lágrimas disfarçamosSem berro?" A poesia de Drummond foi, é e continuará sendo um grito pela salvação do ex-bucólico Estado de Minas Gerais. O vale da morte Tudo (ou quase) o que se disser aqui sobre uma das maiores tragédias ocorridas no país já foi objeto de comentários, análises ou mesmo locuções e interlocuções de desespero e desabafo. Portanto, traço essas linhas com a convicção de que não serei original. Apenas um a mais na soma das expressões que jorram de leigos e especialistas na análise da tragédia de Brumadinho. Começo com um título de jornal que considero apropriado para resumir o monumental acidente: O Vale da Morte. A Vale, que por anos a fio desfilou no ranking das empresas mais fortes e admiradas do Brasil, faz jus à manchete jornalística. A lama, nunca mais? O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que passou a dirigir o conglomerado após a tragédia de Mariana, até produziu o slogan que iria pavimentar seu caminho: "Mariana nunca mais". O mar de lama se repetiu, agora puxando uma fila bem maior de mortos. Óbvia conclusão: a gestão de risco foi subavaliada. O presidente Fábio foi pego por visão errática, excesso de otimismo ou simplesmente pela banalização de promessas que costumam embasar perorações grandiloquentes de gestores em início de suas administrações. A lama correu forte do empreendimento que estava simplesmente desativado. A atividade mineradora ali se fazia a seco. Estado mais presente Tragédias como essa de Brumadinho são previsíveis em um território que ainda faz aflorar sementes de barbárie. As lindas montanhas de Minas Gerais, um espaço rico de minérios, têm sido cortadas e recortadas pela lâmina da ganância, que devasta o meio ambiente, desnatura paisagens, carrega para longe as riquezas e planta nos vazios profundos raízes de miséria. No ciclo de chuvas, as tragédias são crônicas anunciadas de desolação e morte. Na região serrana do Rio de Janeiro, não é o que se presencia quando os temporais fazem desabar serras e morros? E por que isso ocorre? Pela ausência do Estado, que falha na prevenção. Que falha no controle. Que é leniente com as ambições desmesuradas dos conglomerados. Que zomba daqueles que enxergam a natureza assolada pela invasão da barbárie. O facilitador Aos fatos. O secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira, assinou em dezembro de 2017 norma que alterou os critérios de risco de algumas barragens, o que permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no Estado. A medida possibilitou à Vale acelerar o licenciamento para alterações na barragem da mina de Córrego do Feijão, que produziu a tragédia de Brumadinho. A norma permite rebaixar o potencial de risco das barragens. Zema explica? Apesar de ter sido nomeado pelo ex-governador petista Fernando Pimentel, Vieira foi o único secretário a se manter no cargo desde a posse de Romeu Zema (Novo). A manutenção no cargo foi celebrada por representantes da indústria pelo fato de Vieira ter dado mais agilidade ao processo de licenciamento ambiental. Acidente ou crime? Aos fatos. Quarenta milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro soterraram o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em Minas Gerais, e percorreram quilômetros até o mar. A tragédia, em novembro de 2015, matou 19 pessoas, contaminou o Rio Doce, mudando a vida de 500 mil habitantes das mais de 40 cidades mineiras e capixabas atingidas pelo vazamento no até então maior desastre ambiental da história do país. Dona da barragem, a Samarco e suas controladoras - a Vale e a BHP Billiton - trataram o rompimento como acidente. O Ministério Público, como crime. 68 multas, uma sendo paga Aos fatos. Três anos depois, ninguém foi preso. O processo envolve executivos da Samarco, Vale e BHP Billiton e tramita na vara Federal de Ponte Nova, ainda sem data para julgamento. Das 68 multas aplicadas por órgãos ambientais, apenas uma está sendo paga (em 59 parcelas). O impacto ambiental permanece, com a contaminação do Rio Doce. Embora tenham obtido na Justiça estadual benefícios como o aluguel de residência, auxílio financeiro mensal e assessoria técnica para começar a refazer a vida, as vítimas ainda lutam por indenização. A tragédia da boate Kiss Aos fatos. Outra das maiores tragédias do Brasil completou no domingo, dia 27, seis anos. Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, centenas de pessoas entre familiares e amigos lembraram as 242 pessoas que morreram no incêndio da boate Kiss. Júri popular? Aos fatos. Até o presente momento não se sabe se os quatro acusados pelas mortes - os ex-proprietários da boate Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann e os músicos Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos - irão a júri popular ou serão julgados por um juiz único. A decisão da Justiça de Santa Maria foi a de mandar os réus a júri popular. No entanto, a defesa dos réus recorreu e o Tribunal de Justiça do Estado determinou que eles sejam julgados por um magistrado. O pano de fundo No momento em que a imprensa do Brasil e do Exterior discute a responsabilidade da Vale, dos governos estadual e Federal e de políticos em mais essa tragédia de Brumadinho, convém lembrar a leniência da Justiça, a brandura das leis e os lentos corredores do Judiciário. A essa camada, são acrescidos ingredientes como corrupção, incompetência, ganância e safadeza política. A contagem de mortos e feridos acaba não passando de mais uma estatística da barbárie. Endurecimento x amaciamento Projeto de endurecimento na área de concessões para exploração de minério está abandonado no Senado. Nos últimos tempos, o discurso que se apregoava era de amaciamento da legislação sob o argumento da desburocratização. E agora, será que a tese da flexibilização continua a prevalecer? Cautela, autoridades. O Parlamento deverá se manifestar em fevereiro. Providências A prisão de engenheiros e funcionários da Vale sinaliza responsabilização pelo desastre de Brumadinho. É algo a se aplaudir. Veremos se a esfera criminal chegará ao cerne do problema, identificando outros protagonistas. A sombra da insensatez O novo governo está prestes a completar um mês de vida. Este consultor não perdeu as esperanças de ver o país destravando amarras que o ligam ao passado, mas confessa que teme as investidas que se anunciam em algumas frentes. Nas relações com o mundo, a visão que se prega é a de fechamento, não de abertura. Trocar o multilateralismo pelo unilateralismo é regredir. É buscar o isolamento do país. Nas relações internas, há se ter cuidado com a articulação com o Congresso Nacional, cujos integrantes devem ser parceiros e copartícipes das ações governamentais. O governo errará se agir com particularismos e visão estreita. E se não trouxer o corpo legislativo para o debate nacional. É na esfera parlamentar que o país é passado a limpo. O bom senso deve ser a régua da governabilidade. Tamanho adequado O Estado brasileiro tem de ganhar musculatura para promover o autodesenvolvimento do território. Significa modelar sua estrutura, fundir áreas e setores usando a engrenagem da racionalização, privatizar áreas que dispensam a sombra do Estado, sem exageros. Urge dar ao Estado o tamanho adequado, nem nanico nem paquidérmico. Significa atender as demandas sociais, mas sem concessões que possam romper a harmonia e o equilíbrio entre o Estado e a sociedade. Desburocratizar, sim, mas de forma condizente com as regiões e o meio ambiente. Flexibilizar as concessões ambientais sob o argumento de simplificação e desburocratização é falácia. Os três Poderes A era Bolsonaro se inicia sob a impressão de que a Tríade dos Poderes está capenga. Observa-se evidente descompasso/desarmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Este último tem assumido funções que extrapolam sua competência constitucional. O Executivo e o Legislativo passaram por momentos de alta tensão nos últimos tempos. Carecem maior entrosamento. Vamos acompanhar as tarefas do ministro Sérgio Moro, da Justiça, ele mesmo podendo se transformar em fiador de tempos de harmonia entre os Poderes. Minas Gerais Fecho a coluna com um tributo a Minas Gerais. Pela beleza de um trecho da descrição de seu grande filho, João Guimarães Rosa, o celebrado autor de "Grande Sertão: Veredas". Aí está Minas: a mineiridade "Minas é a montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região - que se escala. Atrás de muralhas, caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio de serenidade. Aguarda-nos amparada, dada em neblinas, coroada de frimas, aspada de epítetos: Alterosas, Estado montanhês, Estado mediterrâneo, Centro, Chave da Abóbada, Suíça brasileira, Coração do Brasil, Capitania do Ouro, a Heróica Província, Formosa Província. O quanto que envaidece e intranquiliza, entidade tão vasta, feita de celebridade e lucidez, de cordilheira e História. De que jeito dizê-la? MINAS: patriazinha. Minas - a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas - a gente não sabe. Sei, um pouco, seu facies, a natureza física - muros montes e ultramontes, vales escorregados, os andantes belos rios, as linhas de cumeeiras, a aeroplanície ou cimos profundamente altos, azuis que já estão nos sonhos - a teoria dessa paisagem......" P.S. SOS: Rasgando a Serra da Piedade A mineração está cortando também a Serra da Piedade aos pedaços. É uma das mais lindas a compor o horizonte que ainda chamam de belo, patrimônio da Humanidade enriquecido por obras de Aleijadinho. Patrimônio? Alguém respeita? Pois está virando minério de exportação ou simples rejeito em uma barragem que poderá romper e ocasionar mais um desastre. Tenham piedade.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Porandubas nº 605

Abro com duas historinhas, uma de Goiás, outra da Paraíba. Nada mudou Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil: - No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados. O coronel Miguel suspirou: - Então não mudou nada. Um gato Toninho Cabral era vereador em Campina Grande. Um opositor o acusou de não ser filho da cidade. Na tribuna, Cabral esgoelou: - Nasci em Cabaceiras, é verdade, mas vim abrir os olhos em Campina Grande. Um vereador lá dos fundos fez o aparte: - Vossa Excelência não é um homem, é um gato. Pois saiba Vossa Excelência que gato abre os olhos oito dias depois de nascer. Nuvens pesadas Nem bem o governo Bolsonaro completa um mês, os horizontes ficam turvos sob nuvens pesadas. O affaire envolvendo o filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro, tende a se esticar por bom tempo. O entorno do mandatário-mor já unificou a linguagem: não se trata de um caso de governo, mas uma questão do senador eleito, que significa: ele, que é foco, resolva o imbróglio. Por mais esforço que se faça para escudar o presidente e preservar sua boa imagem, danos começam a surgir. Os Bolsonaros constituem uma unidade. Os filhos são colados ao pai, formando uma barreira de "guardas" que o cercam em tempo integral. Respingos atingem a todos. Investigação Flávio já mostrou sua resposta: depósitos e volumes de dinheiro se devem às operações com imóveis (venda e compra). Um comprador admite ter pago em espécie a ele, o vendedor de um imóvel. Nessa direção, agirão os órgãos de investigação e controle. Sim, porque o processo não será sustado com as tentativas do agora senador em liquidar o assunto. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras constata. Não há o que refutar na planilha de movimentação. A solicitação que Flávio fez ao STF demonstra medo. Quer se valer do foro privilegiado que, tempos atrás, combatia. O ministro Marco Aurélio sinaliza o não acolhimento ao pedido, ancorado na tese: foro só vale para eventos praticados no mandato. A repercussão no Congresso O affaire entrará na agenda congressual. Não apenas por insistência e na esteira do tiroteio a ser desferido pelas oposições, mas pela pressão da sociedade. O caso chega aos segmentos do centro, o grande irradiador de pensamento, batendo inclusive nas margens, a par da sensação de "coisa errada". Na Câmara, as oposições encontrarão nas operações do senador motivo para abrir um tiroteio sobre o governo. No Senado, pode haver aqui e ali uma expressão enérgica, mas o novo senador tende a receber a solidariedade da maioria sob a teia de futuras recompensas. Primeira instância Fica claro que o Judiciário e o MP, a partir de suas estruturas no Rio de Janeiro, levarão adiante as investigações. E se for comprovada a suspeita de que a operação embutiu a prática do que se chama de "rachadinha", ou seja, a apropriação por parte do parlamentar de parte dos salários da equipe que trabalhou com ele na Assembleia Legislativa? Se foi isso o que ocorreu, a hipótese do impeachment do senador até pode entrar na agenda. O grupo militar que assessora o presidente parece compartilhar do ditado: vão-se os anéis e ficam os dedos. Se as investigações mostrarem a licitude dos atos de Flávio, ele cumprirá seu mandato sob a marca da inocência. Os filhos? Distante Se os filhos do presidente agem como leões de chácara em torno do pai, devem se conscientizar que a campanha eleitoral ficou para trás; o presidente governa para todos os brasileiros; devem compreender o papel da imprensa; não podem alimentar uma guerra de acusações contra aqueles que consideram adversários. Conselho útil: afastem-se da figura presidencial; façam bom desempenho nos mandatos; defendam valores e ideário na tribuna parlamentar. Imagem danificada Seja qual for o desfecho do redemoinho que sacode o perfil de Flávio Bolsonaro, a imagem do bolsonarismo - pai, filhos e ideário - ganhará rachaduras. Não serão danos capazes de inviabilizar a governabilidade, mas o estrago corroerá a força do governo, deixando-o mais aberto às demandas das bases de apoio nas casas congressuais. Lembre-se que Bolsonaro precisa aprovar o quanto antes a reforma da Previdência e, a seguir, a reforma tributária. Cultura antiga Os primeiros dias de governo deixam ver que a velha prática da política não foi de todo abandonada. Se o presidente faz questão de dizer que critérios técnicos balizaram a escolha de ministros, algumas nomeações mostram elos com o passado patrimonialista. A promoção do filho do general Mourão abriu intensa polêmica. A nomeação de amigos que ajudaram na campanha também exibe o selo da velha cultura. Os militares no governo Não se deve temer a presença do apreciável conjunto de militares na administração Federal. Os militares nomeados ou a serem nomeados já passam de 45 no governo. Estão espalhados por 21 áreas: da assessoria da presidência da Caixa Econômica ao gabinete do Ministério da Educação; da diretoria-Geral da hidrelétrica Itaipu à presidência do conselho de administração da Petrobras. O Exército, de onde vieram o presidente e o vice, Hamilton Mourão (PRTB), tem maioria entre os membros do governo: 18 generais e 11 coronéis da reserva até semana passada, número que tende a crescer. A lição democrática Ao contrário da insinuação das oposições, os quadros militares não cobrirão o governo com o manto da "militarização". Não haverá condição para se reinstalar os tempos de chumbo. A realidade é outra. Os militares que dirigiram o país de 1964 a meados da década de 80 foram sendo substituídos por perfis mais comprometidos com as normas do Estado Democrático de Direito. E estes trabalharam na caserna e cumpriram tarefas que a CF lhes atribuiu, sem acenos externos à rebeldia ou contrariedade aos governos eleitos e formados após a redemocratização. Muitos chegaram a expressar, de público, seus compromissos democráticos. Alguns radicais até chegaram a se posicionar contra investidas ideológicas das esquerdas, a partir do PT, mas não a ponto de ensaiar golpes. Poder moderador Se a farda chega, hoje, a comandos de importantes áreas da administração Federal, esse fato se deve à plenitude de nossa vida democrática. O presidente de índole militar foi eleito em pleito democrático, abrindo o governo para acolher quadros das Forças Armadas, generais, almirantes e outras patentes, figuras conhecidas por missões que desenvolveram e afeitos à disciplina, à hierarquia, ao cumprimento das tarefas sob sua responsabilidade. Sob essa cobertura, os militares agirão como administradores eficientes. E, sob o prisma da governabilidade, tendem a ser um "poder moderador" e não uma fortaleza para garantir o exercício governamental com o uso de canhões. Inserção natural Em tempos de escândalos, corrupção escorrendo nos vãos e desvãos da República, alguns valores encarnados pela caserna parecem desejados pela sociedade: zelo, disciplina, ordem, resultados, hierarquia, respeito. As oposições Os movimentos sociais e grupos de intelectuais, particularmente os alinhados com o lulismo, vão continuar a atirar bombas em Bolsonaro, que revidará com a espada do comandante-em-chefe do país. Alvo do tiroteio: ideologia de gêneros, armamento, demarcação de terras indígenas, direitos humanos, entre outros temas. No Congresso, partidos e lideranças entrarão na arena de lutas quando o governo se mostrar por inteiro. Ao PT interessa que o presidente entre na guerra expressiva que ele inventou: Nós e Eles. O apartheid social sempre foi o oxigênio petista. Na área externa A remarcação dos eixos nas nossas relações exteriores é um grande risco, a partir da reação negativa de países árabes e da esfera asiática, como a China, que, segundo Bolsonaro, "quer comprar o Brasil". Essa nova ordem certamente implicará novas decisões junto aos organismos internacionais que abrigam interesses das Nações, como ONU, UNESCO, OMC, OEA, MERCOSUL, entre outras. A estreia em Davos Bolsonaro fez sua estreia nesta terça no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Foram apenas seis minutos e não disse nada de novo. Mas suas palavras soam como música para aquele público: repetiu que tem condições políticas de implementar as reformas, diminuir a carga tributária, melhorar o ambiente de negócios para os empreendedores, abrir a economia ao mundo, preservar o meio ambiente, melhorar a educação, etc. E, ao final, o recado de sua política externa: "Não queremos uma América bolivariana. A esquerda não prevalecerá na América". Nota sete Uma chama de esperança: o aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF). Se chegar à casa 7 numa escala de 10, é possível abrirmos um ciclo de harmonia. Principalmente se for feita a equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando governo). No mais, Bolsonaro precisa se guiar pela régua do bom senso. Sem cometer deslizes programáticos e atirar petardos quase diários contra grupos que o atacaram na campanha. João Doria O governador de São Paulo está governando com olhos atentos à realidade: demandas prementes no combate à violência, privatização de penitenciárias, programa de privatização, entre outros aspectos. E mais: ele mesmo presta contas dos resultados obtidos a cada semana. Transparência. João é determinado. Sabe para onde caminhar. Está em Davos, na Suíça, onde fará duas palestras a convite do prof. Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial. João levou um vídeo muito bem produzido mostrando a investidores os potenciais do Estado. Os investimentos virão. A continuar no ritmo até agora demonstrado, o governador verá abertas as portas do futuro. O discurso Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político. Pois bem, o discurso político é uma composição entre a semântica e a estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende apenas 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Rechear o discurso com imagens populares é uma boa pista. Lula é exímio nesse drible. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. Mais: das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. Já o que não se diz, mas se vê tem muito maior importância. Portanto, senhoras e senhores que abrirão em fevereiro uma nova Legislatura, atentem para este fato. Bolsonaro tem bem acesa na cabeça das pessoas a estética que veste sua identidade: o gesto de atirar.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Porandubas nº 604

Abro a coluna com Vargas. Água no feijão Getúlio recebe o repórter no Palácio do Catete: - "Presidente, para vencer na política, o que é necessário?" - Vargas: "Muita coisa. Por exemplo, boa memória. A política é como água no feijão. O que não presta flutua. O que é bom repousa no fundo." Pequena reflexão. Quem é bom e quem não presta na política brasileira? Quem flutua na água e quem está no fundo? Um prêmio para quem acertar a resposta. A grande preocupação Pouca dúvida há sobre a estratégia do governo Bolsonaro na frente da economia. A visão do Estado adequado será o eixo dos programas, a partir da privatização dos braços da estrutura administrativa que fogem ao comando do corpo. Quer dizer, braços desnecessários ao controle estatal passarão para a iniciativa privada. A dúvida que ganha grande preocupação diz respeito à visão do chanceler Ernesto Araújo sobre política externa. Ao que se intui, por suas próprias palavras, o Brasil deve caminhar sozinho em algumas estradas sem compartilhar com a visão de outros países. Significa se afastar da posição multilateral que tem guiado nossa política externa desde tempos remotos. Brasil-EUA O pensamento do chanceler, que tem a aprovação do presidente Bolsonaro, é a de que cada Nação pode e deve trilhar o caminho que julgar mais adequado para atender ao ideário da soberania sem seguir as regras estabelecidas por outras Nações. Araújo diz em alto e bom som que a cultura ocidental enfrenta um ataque do "globalismo", que carrega em seu bojo o "marxismo cultural". Seu pensamento é praticamente o mesmo do presidente norte-americano Donald Trump, para quem o controle da imigração (e a defesa contra a invasão de fronteiras) é vital para defender o ideário nacional, proteger valores e características dos países. A interpenetração de fronteiras acaba descaracterizando as identidades nacionais. E os organismos das Nações? Dessa visão, decorre a interrogação: e o que fazer com os organismos que agregam as Nações? ONU, OTAN, UNESCO, OMC, OEA, UE, NAFTA, MERCOSUL, entre outras? São essas organizações que estabelecem políticas envolvendo os interesses comuns de países, práticas comerciais, acordos em torno do clima, enfim, as estratégias que redundam em equilíbrio, harmonia, convivência amistosa e limites que devem ser preservados para garantir os valores da soberania nacional. É sabido que muitos países, na esteira dos perfis de seus dirigentes, costumam até romper com as regras definidas. Veja-se o caso dos EUA. Bush e Trump No ciclo Bush, a nação norte-americana, mesmo procurando apoio da comunidade internacional, agia sozinha quando não ganhava endosso dos países sob a égide da ONU. O argumento dos EUA é o de que, para exercer seu direito de defesa, podem usar o instrumental que se fizer necessário, inclusive participar com suas forças armadas em conflitos da contemporaneidade. Têm sido comuns as queixas de aliados norte-americanos contra o excessivo unilateralismo da política externa dos EUA. O presidente Clinton também defendia que a América deve estar preparada para avançar sozinha quando não houver alternativa. Trump, agora, avança com ímpeto nessa direção. O muro de cerca de US$ 6 bilhões de dólares na fronteira com o México é resultado do seu voluntarismo, que paralisa a administração Federal, com sérios prejuízos à população. O multilateralismo São imensos os benefícios da visão multilateral, principalmente quando as políticas sob sua sombra dizem respeito às doenças infecciosas, à estabilidade dos mercados financeiros, ao sistema de comércio internacional, à proliferação de armas de destruição maciça, ao tráfico de drogas, aos sindicatos do crime organizado e ao terrorismo transnacional. O multilateralismo é um mecanismo que se destina a partilhar com os outros os custos que abrangem o fornecimento de bens públicos. O neopopulismo nacionalista Que as visões unilaterais sejam usadas, eventualmente, pelos países, principalmente em momentos de crise ou quando estão em jogo questões de soberania e defesa nacional, isso é compreensível. O problema é saber quando e como usar a abordagem. Sob pena de romper os elos que unem as nações sob a chancela das organizações que as abrigam. O que se distingue, nesse ciclo político por que passa o planeta, é o acender da chama de um neopopulismo que se espraia pelos continentes sob o desfraldar da bandeira nacionalista. Trump é o ícone dessa corrente ao tentar seduzir seu eleitorado com o discurso de fazer a América grande, outra vez. Por trás dessa promessa, estão programas voltados ao emprego, à defesa da cultura, ao combate à criminalidade e às drogas, em suma, "Make America great again". O caso brasileiro Essa tendência neopopulista bate em cheio na atual paisagem brasileira. Devastada por anos de corrupção, saindo do atoleiro que afundou o país na maior recessão econômica de sua trajetória republicana, vivendo uma campanha eleitoral muito polarizada, onde os extremos se combateram com a espada da expressão e vieses ideológicos - esquerda e direita - a paisagem viu a bandeira de um capitão reformado no Exército ser fincada no território. Junto a ela o ideário: expurgo do socialismo/comunismo, educação sem ideologia e sem viés em defesa de transgêneros, defesa da tradição e do culto à família, Estado sob a égide do liberalismo, entre outros aspectos. Dois pedestais Para compor essa moldura, o presidente Bolsonaro formou sua equipe com destaque para duas figuras que pairam acima de correntes ideológicas: o juiz Sérgio Moro, que saiu do pedestal da fama na operação Lava Jato, e emerge como destemido guerreiro no combate à corrupção e à violência que se espraia no território; e o economista Paulo Guedes que, por sua vez, formou um time de grande qualidade para a área da Economia. Três porta-vozes Mas, para efeito da imagem do conservadorismo que caracteriza seu governo, o presidente escolheu três figurantes: o embaixador Ernesto Araújo, que já deu as coordenadas que sustentarão as relações do Brasil com o mundo; um professor colombiano naturalizado brasileiro, Ricardo Vélez Rodriguez, que já traçou a linha conservadora que imprimirá à Educação; e uma pastora evangélica, Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Esses porta-vozes de identidades fortes no campo da extrema-direita traduzem a feição ideológica do governo. Voltando a Araújo Ernesto Araújo será o espelho a refletir a cara do Brasil para o mundo. Em seu entorno, a polêmica começou a brotar. Como o país vai explicar o afastamento de sua tradicional cultura na seara multilateral? Como os países árabes reagirão ante a promessa do presidente de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém? Espera-se que o Brasil, ao querer andar sozinho, o faça sob uma forte base conceitual, de modo que haja compreensão de nações amigas. O perigo é o do isolamento do país. Análise aguda e densa A análise mais aguda e densa que este consultor leu a respeito de Cesare Battisti foi feita pelo jurista e professor de Direito Penal, Wálter Maierovitch, também o maior especialista brasileiro em matéria de Itália, no Estadão de ontem. O professor desborda o caso, que teve "condenações reexaminadas e confirmadas por mais de 60 juízes", lembra a validação das condenações pela Corte de Direitos Humanos da União Europeia, pinça declaração do ideólogo do PAC - Proletariados Armados para o Comunismo (ao qual pertencia Battisti), Arrigo Cavallina, sobre o fato de que o condenado era "um ladrão comum que conheceu no cárcere e ingressou na organização terrorista". Recheada de informações e oportunas observações, a análise do que chama de "fraude ambulante" termina com a abordagem de que o "ministro Luís Roberto Barroso, como advogado de Battisti", "quis mudar a história dos autos do processos italianos e a própria história da Itália". Um primor de interpretação. A índole militar A identidade militar do presidente Bolsonaro puxa, a cada dia, mais quadros reformados das Forças Armadas para áreas do governo. Ultimamente, mais quatro foram chamados: o porta-voz do governo será o general Otávio Santana do Rego Barros, pernambucano, atual chefe de comunicação do Exército; o presidente do Conselho da Petrobras será o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, ex-comandante da Marinha; o presidente da Funai será o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que já dirigiu o órgão na época do governo Temer; o major Vitor Hugo, deputado do PSL de Goiás, será o líder do governo na Câmara. Risco A questão: o líder do governo é um deputado de primeiro mandato. O cargo exige domínio das estratégias e técnicas de articulação política, conhecimento das práticas congressuais e experiência no trato do balcão político. Vem aí o projeto de reforma da Previdência. Terá o deputado Vitor jogo de cintura para ampliar a base de apoio ao governo? Maia, favorito Rodrigo Maia continua favorito na disputa da presidência da Câmara Federal. Pode, até, não se reeleger em primeiro turno. E pode, também, ser vítima de traições. Mas é o perfil com melhor articulação na Câmara. Há outros candidatos - fala-se em 7 - que podem desistir. Renan sob tiroteio Já o senador Renan Calheiros é alvo de intenso tiroteio nas redes sociais. E entidades organizam um ato contra ele em São Paulo. Renan nunca foi tão bombardeado como no presente. Mas o senador conhece como poucos a alma do Senado. Por enquanto, também o favorito. Dez valores emergentes 1. A organização e o controle. 2. A autoridade. 3. A experiência bem-sucedida. 4. A assepsia política. 5. O equilíbrio/bom senso. 6. A objetividade e a clareza. 7. A coragem de enfrentar desafios. 8. O despojamento pessoal. 9. A disciplina para a luta. 10. Mais ação, menos discurso. (Do meu Livro Tratado de Comunicação Organizacional e Política) Será o Benedito? Fecho a coluna com a alma mineira. Às vésperas da escolha do interventor de Minas Gerais, em 1934, Benedito Valadares se encontrou no Rio de Janeiro com José Maria Alkmin: - Se você for o escolhido, me convida para secretário? - Você está louco, Benedito? Respondeu um divertido Alkmin. Dias depois, Getúlio Vargas anunciaria a escolha de Valadares, que logo recebeu um telegrama: - "Parabéns. Retiro a expressão. Ass: Zé Maria". Zé Maria Alkmin acabou nomeado secretário do Interior.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Porandubas nº 603

Abro a coluna com o atoleiro nessa época de chuvas. "O carro se atolou-se" Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica, como conta Ivanildo Sampaio, do Jornal do Commercio, de Pernambuco, e meu contemporâneo na faculdade. Um dia, dois eleitores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de expressar-se era falar que "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica: - Escutem aqui. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os da frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"... Caixas-pretas A denúncia não poderia ser mais taxativa: "A Caixa Econômica Federal foi vítima de saques, fraudes e assaltos de recursos públicos. Como vai ficar óbvio à frente, quando essas caixas-pretas começarem a ser examinadas". A expressão é do ministro da Economia, Paulo Guedes. Nos próximos dias, falcatruas e operações suspeitas virão à tona. No BNDES, espera-se que Joaquim Levy faça o mesmo, abrindo as comportas da instituição. Hora e vez de contar a verdade. A transparência ditará os rumos do novo governo. É o que ele promete. Veremos. Violência no Ceará O Ceará, um dos Estados mais charmosos do Nordeste, afamado por adotar uma política de promoção turística mais arrojada que a de outros Estados, começa a descer o despenhadeiro do medo. A violência sai da capital para o interior. E o impacto sobre o fluxo turístico é de monta. O ministro Sérgio Moro despachou a Força Nacional para a região. Mas o ímpeto das gangues organizadas é tão forte que os ataques aos patrimônios público e privado continuam. A ordem para as depredações sai das próprias prisões onde estão trancafiados os chefes. Só agora transferidos para prisões Federais que contam com maior controle. Paliativo Pelo andar da carruagem, vê-se que essas rápidas temporadas de policiais da Força Nacional em Estados da Federação, comuns de uns anos para cá, funcionam como um paliativo. Geram um refluxo (imediato) na onda de violência, com diminuição do número de ataques, porém mais parecem esparadrapo cobrindo a ferida. O plano correto passa pela operação de inteligência, com integração das polícias estaduais - civil e militar - , recursos para atualizar e expandir a frota de veículos e equipamentos de combate aos distúrbios, maior controle nas fronteiras do Brasil com os países vizinhos e uma estratégia de prevenção mais eficaz e permanente. 17 mil km de fronteiras O Brasil tem quase 17 mil quilômetros de fronteiras, mais precisamente 16.866 quilômetros. Não mais que 700 quilômetros são alcançados pelo Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), equivalente a 4% do total. Daí o buraco que se abre para o aumento da entrada de armas e drogas sob comando de traficantes, que abastecem os "exércitos" das facções. Os primeiros dias A primeira semana do novo governo mostrou certo descompasso na linguagem da equipe. O presidente Bolsonaro, que garantiu o aumento do IOF, acabou sendo desmentido por dois assessores. Coisa de desentrosamento inicial, não tão grave como parte da imprensa procurou expor em tom catastrófico. O fato é que a equipe econômica ainda tateia na escuridão, procurando arrumar a casa e formar os pacotes iniciais. Mas a confiança na recuperação da economia não arrefeceu. Os sinais são alentadores. Os setores produtivos ainda não festejam, mas estão em compasso de boas expectativas. Unificar a comunicação Um dos gargalos da nova administração está na política de comunicação. O presidente critica a comunicação via "intermediários", produzindo ele mesmo as mensagens para as redes sociais. Também nesse ponto identifica-se com Donald Trump, um usuário constante da rede eletrônica. Ocorre que a comunicação governamental é mais que transmissão de notícias, fatos significativos da seara administrativa. Requer, em alguns momentos, explicações, demonstrações, maiores detalhes, esclarecimentos a eventuais dúvidas que surgem. O presidente não pode se envolver com tais tarefas. A identidade do governo carece também de unidade, homogeneidade, evitando as dissonâncias que se formam com dispersão comunicativa - fontes variadas, abordagens específicas e conflitantes. As maiores dissonâncias O acervo de dissonâncias costuma ser formado pelas áreas que lidam com maior complexidade temática: economia, impostos, orçamentos, etc. Abriga, ainda, fontes que geram polêmica, principalmente aquelas que se postam no centro do debate ideológico. O governo será questionado todo tempo sobre coisas como o alinhamento automático com os Estados Unidos, a posição brasileira frente aos temas que unem as Nações - clima, meio ambiente, imigração, direitos humanos. Os quadros que se inserem na planilha ideológica, a partir do chanceler Ernesto Araújo, serão muito demandados e questionados. E a imagem do país, sob essa complexa teia, pode vir a ganhar manchas. Previdência tende a passar A reforma da Previdência vai sair do papel e obter o apoio da maioria parlamentar. Há poucas dúvidas sobre isso. O presidente Jair Bolsonaro agrega imensa força nesse início de jornada. E sua equipe técnica, chefiada pelo ministro Paulo Guedes, se esforçará para aparar arestas que podem inviabilizar a reforma. O próprio secretário da Previdência, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), usará todo o jogo de cintura que demonstrou ter, por ocasião da reforma trabalhista, e a grande capacidade de convencimento, para aprovar o pacote previdenciário. Regra de transição A diminuição da idade da aposentadoria - 62/63 para homens, 57 para mulheres - e a regra de transição são os pontos que causam maiores conflitos. "Se a idade mínima for menor que 65 anos, não pode haver regra de transição em reforma da Previdência", alerta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do alto do conhecimento que detém da alma parlamentar. Justiça trabalhista A peroração do presidente Bolsonaro contra a Justiça trabalhista - na verdade pregando sua extinção - recebeu rápida resposta das entidades representantes de juízes e do Ministério Público. O governante vocalizou uma ideia que há tempos viceja em núcleos do pensamento nacional. Mas a Justiça trabalhista registra recordes de atuação. Comporta exageros e desvios, a partir de quadros que parecem agir sob a tutela do petismo. Mas abriga juízes de alto calibre, que exprimem sabedoria e bom senso. O presidente cometeu o deslize de dizer que a Justiça trabalhista só existe no Brasil. Uma inverdade. Aqui, a Justiça do Trabalho é prevista no artigo 92 da Constituição da República e há mais de 70 anos cumpre sua função constitucional de assegurar a efetividade dos direitos dos trabalhadores. Em outros países A Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público), que congrega mais de 40 mil juízes e membros do Ministério Público, destacou em sua nota de resposta ao presidente da República: "Não é real a recorrente afirmação de que a Justiça do Trabalho existe somente no Brasil. A Justiça do Trabalho existe, com autonomia estrutural e corpos judiciais próprios, em países como Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. Na absoluta maioria dos países há jurisdição trabalhista, ora com autonomia orgânica, ora com autonomia procedimental, ora com ambas". Pátria amada Brasil O slogan do governo Bolsonaro foi escolhido: Pátria Amada Brasil. Omite a vírgula antes da palavra "Brasil", como ensina a gramática e como se lê no hino nacional. Antes de arrematar o slogan, ouve-se esta mensagem: "Em 2018, não fomos às urnas apenas para escolher um novo presidente. Fomos às urnas para escolher um novo Brasil, sem corrupção, sem impunidade, sem doutrinação nas escolas e sem a erotização de nossas crianças. Fomos às urnas para resgatar o Brasil. Pátria Amada Brasil - Governo Federal". Um excesso de palavras e promessas. O anterior O slogan tem parentesco com o do governo Temer, que coloca em destaque a esfera celeste da bandeira do Brasil com a frase Ordem e Progresso e ao fundo, em branco, a palavra Brasil, finalizando com a expressão Governo Federal. O mote, o mesmo da bandeira do Brasil, foi inspirado na teoria positivista do francês Auguste Comte, para quem o avanço da humanidade dependia exclusivamente do progresso e avanços científicos. A ideia de recuperar É interessante que o slogan de ambos apela para a ideia de resgatar o país da desordem e da desorganização da vida política, econômica e social. Mas o slogan de Bolsonaro exibe forte corte ideológico, ao puxar a vertente do ensino nas escolas (sem doutrinação) e até com a aguda observação sobre "a erotização de nossas crianças". Geralmente, os slogans se restringem a compromissos genéricos. Mas o slogan do governo Bolsonaro desce aos detalhes. Nele, está escancarada a identidade do Governo. Barão de Itararé Fecho a coluna com pérolas do barão de Itararé: - A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados. - Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai. - O advogado, segundo Brougham, é um cavalheiro que põe os nossos bens a salvo dos nossos inimigos e os guarda para si. - Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você. - Mulher moderna calça as botas e bota as calças. - A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana. - Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Porandubas nº 602

Uma leitura sobre a abertura de portas da era bolsonariana. A era bolsonariana A era Bolsonariana tem início sob uma teia de interrogações, a partir da observação de alguns comentaristas: o presidente não desceu do palanque eleitoral. Ora, como poderia ter descido se seu eleitorado põe fé no ideário que tanto propagou ao correr da campanha eleitoral? Não é possível uma distância enorme entre o candidato e o presidente eleito. Afinal, trata-se de confirmar uma identidade construída ao longo de anos de jornada política. É evidente que a realidade impõe freios ao tom contundente do discurso eleitoral, principalmente em frentes como a da articulação com o Congresso. Como se verá mais adiante, não será possível administrar sem ouvir as preces das bases parlamentares no Senado e Câmara. Os riscos Com seu discurso no Parlatório, o presidente confirmou sua marca e estilo, particularmente em relação ao combate ao vermelho petista e à simbologia que representa - socialismo/comunismo, Venezuela, Cuba, Nicarágua, etc. É o que seu eleitorado espera no primeiro momento. E é também o que o lulopetismo espera. Afinal de contas, o PT (e seus satélites) pretende agir sob a linha divisória que ele mesmo desenhou ao longo de três décadas: "Nós e Eles". Desvios na rota bolsonariana - insucesso na economia, estado crescente de violência, desemprego massacrante - seriam o passaporte para a ressurreição do petismo. Governar para todos Uma questão fica no ar: não há ainda um pensamento homogêneo na equipe governamental? A promessa de Bolsonaro de que "nossa bandeira jamais será vermelha" começou a ser contornada com discurso ameno do novo chefe da Casa Civil, Ônix Lorenzoni. Ele fez convite ao PT e ao PSOL para integrarem um "pacto político", sob a linha argumentativa de que o momento aconselha que partidos deixem de lado a batalha eleitoral para pensarem no país. O pacto seria um ato de elegância política, um abraço suprapartidário que está a exigir esforço coletivo. Uma trégua, portanto, faria bem a todos. Lorenzoni deve ter acertado essa abordagem com o presidente. De qualquer maneira, emerge a impressão de que os discursos do chefe do Governo e de seu subordinado não fazem parte da mesma trilha sonora. Economia puxando o trem A economia é a locomotiva que puxa os carros do trem. Sob essa simbologia, o ministro Paulo Guedes será a estrela ascendente do governo. Diz-se que quer anunciar medidas a rodo, algo como um pacote a cada dois dias, a começar por sete medidas baixadas pelo ex-presidente Michel Temer, que seriam revisadas. A Câmara de Comércio Exterior deve começar a abrir a economia com a redução de tributação para bens de capital, informática e telecomunicações. Assim, o animus animandi de setores produtivos ficaria aquecido, garantindo investimentos e resgatando a confiança. Sob um ritmo que tende a ser continuamente acelerado, a locomotiva puxaria a economia e, sob esse arranque, o discurso ideológico tende, até, a ser esmaecido. Com os eixos da engrenagem econômica encaixados, o pulmão nacional respiraria oxigênio novo. O tom social Comenta-se, ainda, que o presidente não se referiu à meta de reduzir as desigualdades. Ou teria deixado de dar ênfase ao cobertor social. Como se sabe, este manto cobriu toda a era do lulopetismo. Bolsonaro preferiu não entrar na semântica de proteção das margens; de um lado, para evitar comparações com a linguagem do petismo, de outro, para economizar palavras numa frente que tem servido ao palavrório populista, hoje desgastado. A impressão é a de que o novo governo quer mostrar ações, evitando a verborragia das promessas. Se foi esta a ideia, temos de convir que o presidente agiu corretamente. O dicionário político está locupletado de adjetivos sobre a desigualdade de classes, combate à pobreza, etc. Se o novo governo enfrentar para valer as carências sociais - saúde, educação, segurança - certamente estará respondendo com fatos aos anseios das bases da pirâmide. Bolsonaro se referiu a essas demandas. A base do equilíbrio Continua forte o tom, com certa dose crítica, à presença de muitos militares no governo. Mais uma vez, analistas parecem esquecer a fonte de onde Jair Bolsonaro tira a água para beber: o poço militar. Foi na vida militar que o capitão construiu sua identidade. Ao entrar na política, já estava moldado ao ideário militar, com seus valores, linguagem e modos de agir. É previsível que um militar, guindado à presidência, tenha a seu lado perfis e quadros de confiança. Inclusive, militares que viveram e compartilharam, juntos, da vida da caserna. Desse modo, explica-se a base militar que se posta ao lado do presidente, que traz princípios que poderão ser úteis ao país: o dever de cumprir a missão, a objetividade, o respeito, a hierarquia, a ordem. Em suma, os assessores militares conferem certa segurança ao novo governo, um aviso do tipo: o presidente está bem resguardado. Isolacionismo Aos aspectos que podem ser considerados positivos, apresentam-se ângulos com possibilidades de trazer ameaça à imagem do país. Entre eles, o alinhamento automático aos Estados Unidos, o que já se traduz na manifestação de transferência da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém; a ruptura do Brasil com o concerto das Nações comprometidas com a questão do clima e preservação ambiental; certo viés ultraconservador no desenho das relações internacionais do país, que pode nos cobrir com uma veste de viés "fundamentalista". Tal percepção pode não se confirmar, até porque o Brasil, no momento certo, poderá tomar decisões que se ajustem ao figurino internacional. Articulação política Na esfera interna, mais cedo ou mais tarde, a real politik acabará prevalecendo. O presidente está certo em desejar eliminar mazelas que circundam o presidencialismo de coalizão: feudalismo, grupismo, mandonismo, nepotismo, fisiologismo, frutos da árvore patrimonialista. Maneira de perfurar alguns tumores que afetam o corpo político seria a articulação com as bancadas temáticas. Evitar o toma lá, dá cá que faz parte do cotidiano da política. Em seu início, sob a grande força que o sustenta, o novo governo até pode se valer dessa modalidade de articulação. Mais adiante, porém, a realidade política se imporá. Nesse caso, ele pode perder um ou outro dedo para salvar as mãos: atender a pedidos de partidos para cargos no segundo e terceiro escalões. Deixaria de fora, porém, os quadros do primeiro escalão. O que já seria um avanço. Imagem simpática A primeira dama é um show de simpatia. Quebrou o protocolo, discursando antes de seu marido, para fazer um bem recebido discurso em favor dos deficientes auditivos e em defesa dos valores da família. De maneira inédita, apresentou sua mensagem na linguagem de Libras, tendo sua gesticulação sido traduzida. Michelle Bolsonaro abre uma porta de simpatia nos Palácios frios de Brasília. Corrupção e segurança A alta visibilidade do novo governo terá em Sérgio Moro, o ministro da Justiça, uma das luzes. Moro deve gerar impacto em duas áreas: combate à corrupção e segurança pública. Vai ser duro contra corruptos. Passará a limpo todos os cantos e recantos da administração pública. Já a segurança pública deverá ser outro pilar da imagem governamental. Prevê-se controle maior das fronteiras e políticas mais duras contra a bandidagem. O governo poderá ter bons resultados no médio prazo.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Porandubas nº 601

Abro a coluna com o verbo da Bahia. Cosme de Farias foi um grande advogado dos pobres da Bahia. Enveredou também pela política. Vereador e deputado estadual por muito tempo. Vejam a historinha. Um ladrão entrou na Igreja do Senhor do Bonfim e roubou as esmolas. Cosme de Farias foi para o júri: - Senhores jurados, não houve crime. Houve foi um milagre. Senhor do Bonfim, que não precisa de dinheiro, é que ficou com pena da miséria dele, com mulher e filhos em casa com fome e lhe deu o dinheiro, dizendo assim: - Meu filho, este dinheiro não é meu. Eu não preciso de dinheiro. Este dinheiro foi o povo que trouxe. É do povo com fome. Pode levar o dinheiro. E ele levou. Que crime ele cometeu? Se houve um criminoso, o criminoso é o Senhor do Bonfim, que distribuiu o dinheiro da Igreja. Então vão buscá-lo agora lá e o ponham aqui no banco dos réus. E ainda tem mais. Senhor do Bonfim é Deus, não é? Deus pode tudo. Se ele não quisesse que o acusado levasse o dinheiro, tinha impedido. Se não impediu, é porque deixou. Se deixou, não há crime. Cosme de Farias ganhou no verbo. O réu foi absolvido. A quebra de paradigmas I O ano chega ao final sob inacreditável queda de paradigmas na esfera da política e de processos em seu entorno. O mais evidente foi o rompimento das teias de vetores que sustentam (ou não mais) o marketing político. A visibilidade de candidatos, até então fruto da comunicação eleitoral - tempos de TV e rádio - garantida aos partidos, não foi elemento decisivo na campanha. Quem esperava alta visibilidade e, por conseguinte, melhor condição para convencer o eleitor a lhe dar o voto, quebrou a cara. Quem teve maior tempo de TV, entre os candidatos presidenciais, foi Geraldo Alckmin, que teve votação menor que a do cabo Daciolo. A quebra de paradigmas II O Fundo Partidário chegou a R$ 1,7 bilhão. A ideia dos caciques foi a de aumentar os recursos do Fundo como forma de fazer uma repartição que viesse a beneficiar os candidatos mais poderosos e tradicionais dos partidos. Ou seja, as cúpulas partidárias. E isso foi feito. Sem resultados. Pelo menos um grupo dos mais endinheirados acabou na rua da amargura. Perdeu feio. E candidatos que quase não puseram a mão no bolso ganharam assento no Parlamento e nos Executivos estaduais. Ou na cadeira principal do país, caso de Jair Bolsonaro. A quebra de paradigmas III Praticamente o eleitor deu costas aos costumes da velha política. Não se encantou com os abraços, apertos de mão, pedidos de voto, feitos de maneira tradicional. Muitos perfis nem tiveram tempo de burilar suas imagens. Foram surpreendidos com extraordinária votação, caso dos eleitos governadores Zema, de Minas Gerais, Witzel, do Rio de Janeiro e outros. Os ventos sopraram na direção de figuras que incorporaram as prementes demandas sociais. O eleitor deu um tchau ao déjà vu. Reconstrução Nos Estados, forma-se um novo batalhão de protagonistas da política que deverão fincar estacas para garantir suas posições. Os antigos vão acompanhar as operações dos novos com um olho no próximo pleito municipal, em 2020. Será a luta da vanguarda contra a retaguarda. Lição ficará As lições dadas pelo eleitor no pleito deste ano permanecerão nas páginas da história. É evidente que os velhos políticos tomaram susto. Muitos vão mudar, outros tentarão voltar ao cenário envergando a velha vestimenta. Mas o eleitor descobriu mesmo a força de sua vontade. A urna será sua arma letal doravante. O país abre um novo ciclo. Os partidos também levaram uma surra, com exceção de pequenas siglas - PSL, Novo - que apareceram bem na fita eleitoral. O PSL fez a segunda maior bancada na Câmara, 52 deputados. Se souber aproveitar seu cacife, será fortalecido. Mas sua direção precisa de oxigênio. O Novo tende a crescer. Fazendo a reforma A tão propalada reforma política continuará no rol de promessas. Verdade é que alguns passos já foram dados. Proibição de doação de recursos por parte de empresas, adoção da cláusula de barreira, proibição de coligações proporcionais integram o acervo de algumas decisões já tomadas. Mas há muito mais a fazer. A novidade é que o eleitor está fazendo a reforma, a seu modo. Se os políticos não querem fazê-la por completo, o eleitor continuará mudando aqui e ali, sob a égide de seu poder, o voto. Estilo O estilo bolsonaro se revela. Na gestão, força para a descentralização. Na estética, reforço à identidade militar. A continência, maneira de homenagear o interlocutor. Um ministério cheio de militares. Na semântica, frases incompletas, onomatopeias, certos cacoetes o aproximam do homem comum. Ênfases Ênfases ficam por conta de expressões em defesa da família e, em matéria de relações externas, alinhamento incondicional com os Estados Unidos; afastamento do Brasil de Nações comprometidas com o ideário dos direitos humanos, compreendendo, entre outras coisas, acolhimento sem restrições a imigrantes que vivem em estado de carências em seus países. Sinalização com a promessa do chanceler escolhido, Ernesto Araújo, de tirar o Brasil do Pacto Global de Migração, assinado por 164 países. Identidade conservadora nos costumes e nas relações internacionais vem sendo burilada com estridência. A fama e a lama Tenho lembrado que o patamar da fama fica a um milímetro do patamar da lama. João de Deus sai de um para outro. Ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado - diz nossa Constituição. O médium, que teria feito centenas de curas, padece agora no banco dos acusados. A Justiça tem de apurar as denúncias que se multiplicam contra ele. Já são mais de 400. E os relatos são muito contundentes. E plenos de fatos sequenciados. Seria tudo isso "armação", como ele alega? Contra um sujeito idolatrado? Trata-se de um caso emblemático. Uma personalidade glorificada cai no despenhadeiro da má fama. Cesare Battisti O italiano, que recebeu de Lula o passaporte da liberdade, no último dia de seu governo, está foragido depois de receber do presidente Michel a extradição para a Itália. Foi condenado na Itália por crimes perpetrados no passado. A PF está em seu encalço. Será que já escapuliu? Temos quase 17 mil km de fronteiras com dez países na América do Sul. A faca no sistema S O futuro ministro da Economia Paulo Guedes afirma ser necessário "meter a faca no Sistema S também. Estão achando que a CUT perde o sindicato, mas aqui fica tudo igual? Como vamos pedir sacrifício para os outros e não contribuir com o nosso"? CNI e FIESP deverão liderar as batalhas para manutenção do sistema. Promete que empresários parceiros sofrerão menos cortes. Reitera necessidade de formar um pacto federativo envolvendo políticos das esferas estaduais e municipais. Garante que "o toma lá dá cá" acabou. Onde está Skaf? Paulo Skaf, que mais uma vez perdeu as eleições, está recôndito. Não tem aparecido, como é seu feitio, no cenário político-institucional. Por onde andará? Até que seria um bom nome para disputar o pleito municipal de São Paulo em 2020. Skaf, não desista. Na política, a menor distância entre dois pontos nem sempre é uma reta como na geometria euclidiana. É uma curva. Lembrete: FHC perdeu um pleito para a prefeitura paulistana. Ganhou, mais adiante, as eleições presidenciais. Doria e seu ministério O governador eleito de São Paulo, João Doria, compõe um Secretariado de nível ministerial. Do governo Temer, traz 7 ministros. Um feito. Henrique Meirelles é o perfil de maior evidência. João começa a ler, hoje, as páginas do amanhã. É um obstinado. Vai adiante em sua meta. Afif Guilherme Afif é um dos mais qualificados homens públicos do país. Empresário, liderou por muito tempo a esfera dos micro e pequenos empresários. Foi presidente da Associação Comercial de São Paulo (duas vezes) e da Federação das Associações Comerciais; foi candidato à presidência da República e ao Senado Federal; foi vice governador de SP e deputado Federal constituinte. Acaba de deixar o comando do Conselho do SEBRAE nacional. Como se vê, Afif é um tocador de muitos instrumentos. Com essa imensa bagagem, dará suporte a Paulo Guedes no "board" que o ministro da Economia está criando. Ambos são velhos amigos, desde a campanha presidencial de Guilherme. Um gol de placa no campo liberal de Bolsonaro. A ambição pelo poder Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará, constantemente, os que os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder". E Hartung, hein? Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, é considerado um dos melhores quadros do país. Sua performance na administração capixaba é muito elogiada. Teria passaporte para integrar qualquer governo. E Arthur? E para onde irá o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio? Fundador do PSDB, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo de Fernando Henrique Cardoso e líder da oposição no Senado ao governo do ex-presidente Lula, o prefeito afirma que o resultado das eleições no primeiro turno pôs sua legenda num papel secundário e que está pouco esperançoso com o futuro do partido. Virgílio avalia abandoná-lo após quase 30 anos e pensa em formar um novo partido. Promotor Participando de uma solenidade na cidade de Jardim de Piranhas, no Seridó/CE, o senador Dinarte Mariz é ovacionado por dezenas de pessoas. Uma festa de popularidade. Integrando o evento, um jovem promotor público é apresentado ao "Velho Dida", apelido carinhoso dado ao senador. O cumprimento passa da formalidade. - Senador, eu soube que o senhor teve pouco estudo. Imagino se tivesse estudado, o que o senhor não seria, hein? - comenda o promotor, sem qualquer má-fé. Com seu jeito espontâneo e inteligência na produção de frases lapidares, instantaneamente Dinarte emenda: - Seria promotor em Jardim de Piranhas... (Carlos Santos - "Só Rindo 2")
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Porandubas nº 600

Abro a coluna com duas mineirinhas. Sou mineiro Tancredo Neves foi ex-tudo na política brasileira. Voltando à crista da onda, explica a um correligionário como conseguiu sobreviver após 64: - Aceitando o impossível, passando sem o indispensável e suportando o intolerável. Afinal, sou mineiro! Por merecimento José Maria Alkmin encontra-se com dona Lia Salgado, famosa soprano mineira: - Mas como a senhora está jovem, dona Lia. - Qual o quê, dr. Alkmin. Já sou até avó. - A senhora pode ser avó por merecimento. Jamais por antiguidade. Primeiros borrões O governo Bolsonaro, a se instalar em 1º de janeiro, começa a enfrentar os primeiros tropeços. Nos últimos dias, a família Bolsonaro foi pressionada para dar explicações sobre movimentação financeira de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, PM lotado no gabinete do deputado. A lebre foi levantada pela Coaf - Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que apontou uma "movimentação atípica" de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. O presidente eleito chegou a dizer que R$ 24 mil teriam sido para sua esposa, Michele, mas o assessor teria de explicar a origem desse dinheiro. Dano à imagem Bolsonaro pai disse ainda que se responsabiliza por eventual erro cometido junto ao Fisco. Ou seja, se não declarou essa quantia, que seria dele, por falta de tempo para ir ao banco, pagará multa, se for constatada irregularidade. De qualquer maneira, o dano à imagem já está feito. A mídia tem interesse em explorar o fato. E ante a atitude dos filhos - muito parecida com o modus operandi "bateu, levou" -, a imprensa tentará descobrir o tamanho da ilicitude. Já há até comparação com o Fiat Elba dos tempos de Collor. Curva à direita Os Bolsonaros parecem firmes na estratégia de fixar estacas na direita. O deputado Eduardo Bolsonaro quer abrir a Liga de Direita, um movimento com vistas a agrupar os perfis da direita e adensar o escopo desse espaço. A intenção teria sido feita por ocasião do evento que reuniu, há dias, os conservadores por ocasião da Cúpula das Américas em Foz de Iguaçu. Palavras do deputado Bolsonaro: "Nossa intenção é fazer com que esse movimento não acabe somente nessa eleição de outubro. É fazer algo permanente para que possamos ter um norte... não ao socialismo e não ao Foro de São Paulo." Os núcleos do governo Formada a bancada ministerial, é possível verificar os comandos temáticos do governo: 1) o núcleo da economia, sob o mando do super-ministro Paulo Guedes; 2) o núcleo da agricultura/agronegócio, sob a batuta da ministra deputada Teresa Cristina; 3) o núcleo evangélico, que tem na bancada evangélica seu poder de fogo (a ministra Damares Alves será instrumento desse poderio); 4) o núcleo militar, que terá o mando repartido entre os militares escolhidos para as Pastas, a partir do general Augusto Heleno, da Segurança Institucional, com relevância para o vice-presidente Mourão, que tem aberto forte locução; 5) o núcleo de combate à corrupção, sob a regência do ministro Sérgio Moro. Os técnicos Dos 22 ministros e secretários, 11 são considerados quadros técnicos: Paulo Guedes (Joaquim Levy - BNDES e Pedro Guimarães - CEF); Ricardo Vélez Rodrigues (Educação); Sérgio Moro (Justiça); André Luiz de Almeida Mendonça (AGU); Roberto Campos Neto (Banco Central); Ernesto Araújo (Relações Exteriores); Gustavo Henrique Canuto (Desenvolvimento Regional); Damares Alves (Mulheres, Família e Direitos Humanos); e Wagner de Campos Rosário (Transparência, Fiscalização e CGU). Os militares Militares somam 9: Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura); Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo); general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional); general Fernando Azevedo e Silva (Defesa); brigadeiro Raul Botelho (Estado Maior); general Edson Leal Pujol (Exército); almirante Ilques Barbosa Junior (Marinha); e tenente-brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica); almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque (Minas e Energia). Os políticos Políticos são 7: Luiz Henrique Mandetta (Saúde); Teresa Cristina (Agricultura); Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência); Ônyx Lorenzoni (Casa Civil); Marcelo Álvaro Antônio (Turismo); Osmar Terra (Cidadania) e Ricardo Aquino Salles (Meio Ambiente). Guedes, o czar da economia Paulo Guedes será o czar da economia. Se as coisas derem certo, será o responsável pela imagem positiva do governo; a recíproca é verdadeira. Ocorre que não fará milagres no curto prazo. A cobrança sobre ele será maior. A população quer o bolso cheio ou com recursos suficientes para suportar o dia a dia. O mercado quer ver juros e inflação sob controles. Os investidores querem voltar a apostar no país. As classes médias vão ficar de olho nas chances de melhoria dos serviços públicos e o resgate da força econômica do país. Guedes será o alvo de aplausos ou vaias. Sem caixa 11 governadores correm o risco de deixar seus Estados sem caixa para cobrir despesas realizadas na gestão. A prática é vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e criminalizada no Código Penal, sujeita a pena de um a quatro anos de reclusão, embora até hoje ninguém tenha sido responsabilizado formalmente. Os governadores precisam pagar todas as despesas feitas em seu mandato. Devem quitar todos os compromissos ou deixar dinheiro em caixa para honrar as parcelas que ficarem para seu sucessor. No entanto, muitos já admitem publicamente que não terão dinheiro, por exemplo, para pagar o 13º salário dos servidores. A fatura ficará para os governadores eleitos. Os onze Somadas as disponibilidades de caixa dos governos estaduais, a estimativa do rombo que deve ficar para os eleitos é de R$ 78,4 bilhões. Eis os 11 Estados por ordem de rombo: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Sergipe, Rio Grande do Norte, Maranhão e Mato Grosso do Sul. Segundo escalão O presidente eleito começa a cair na real. Sabe que tem projetos a aprovar, a partir da complexa reforma da Previdência. Por isso, fechada a fase de escolha dos ministros, começa a fase de preenchimento de cargos para o segundo e terceiro escalões. Os partidos se aproximam com faro apurado. Sabem onde estão os mais disputados cargos da estrutura. Portanto, já chegarão montados no cavalo mais corredor. Quem se apressa, sai na dianteira. A partir desta semana, terá início o loteamento. O Supremo é alvo O STF sofre um bombardeio de grupos, setores e cidadãos comuns. Quando se constata que a nossa mais elevada Corte já não figura como o sagrado altar da Pátria, respeitada pela sapiência de seus membros, reverenciada em tempos idos pela nobreza, dignidade e independência, virtudes inerentes à guardiã da Lei Maior, há de se concluir que graves distorções pairam sobre a vida institucional. As causas do tiroteio: o processo de escolha dos magistrados, onde se observa viés político; a ausência de regulamentação de dispositivos constitucionais, que obriga o Supremo a adentrar o território legislativo; e, nos últimos tempos, a própria índole da instituição, que ganhou a imagem de poderosa corte criminal. O manto criminal Desde o mensalão (Ação Penal 470), o Supremo cobriu-se com o manto de tribunal criminal por mais que sua ação tenha se estendido a outros importantes nichos temáticos. Mas o matiz político se adensou na esteira de ilações e inferências sobre condenações de figuras e partidos. A polarização política acabou respingando em alguns membros da Suprema Corte. A operação Lava Jato, em curso, ampliou o bombardeio crítico, e as decisões de altos magistrados têm sido inseridas em campos carimbados com as referências "simpatia" e "antipatia" em relação a alguns protagonistas. Ministros foram jogados em terrenos da política partidária. A judicialização da política Outro fio do novelo é puxado pelo Poder Legislativo. Ao deixar solto um conjunto de dispositivos da CF/88, sem legislação infraconstitucional, os congressistas abriram o espaço para a Suprema Corte agir. Não há vácuo no poder. Os ministros ocuparam os vazios que os parlamentares abriram. A acusação de politização do Judiciário tem no Parlamento, portanto, sua principal fonte. Se uma questão chega ao Supremo - e não está regulamentada - Suas Excelências acabam dando sua interpretação. E os exageros tendem a aparecer, como as incursões de ministros no terreno das privatizações ou do indulto a presos, prerrogativa do Poder Executivo. O STF não pode querer ser o protagonista central da cena institucional. Deveria se preservar. Pressões no trabalho e no campo Como o MST trabalhará na era Bolsonaro? E como o novo governo vai agir para conter o ímpeto das invasões de terra? As centrais sindicais, hoje em visível refluxo, continuarão a ter a mesma performance agressiva? São interrogações e expectativas sobre as pressões nessas esferas. Uma cidade no despenhadeiro João de Deus, o médium, não resistirá à avalanche de denúncias de mulheres que o acusam de abuso sexual. Abadiânia, em Goiás, sofrerá um esvaziamento. É previsível o despenhadeiro que espera essa cidade. Fecho a coluna com um conselho: O esterco A dona de casa, em um vilarejo, ouve alguém batendo palmas em sua porta... - Ó de casa, tô entrando! Ela se depara com um homem que vai entrando na casa e joga esterco de cavalo em seu tapete da sala. A mulher apavorada pergunta: - O senhor está maluco? O que pensa que está fazendo em meu tapete? Sem deixar a mulher falar, o vendedor deita o verbo: - Boa tarde! Eu estou oferecendo ao vivo o meu produto; e vou provar pra senhora que os nossos aspiradores são os melhores e mais eficientes do mercado, tanto que vou fazer um desafio: se eu não limpar este esterco em seu tapete, eu prometo que irei comê-lo! A mulher se retirou para a cozinha sem falar nada. O vendedor curioso, perguntou: - A senhora vai aonde? Não vai ver a eficiência do meu produto? A mulher responde: - Vou pegar uma colher, sal e pimenta e um guardanapo de papel. Também uma cachaça para te abrir o apetite, pois aqui em casa não tem energia elétrica! Moral da história: conheça o seu cliente antes de oferecer qualquer coisa!
quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Porandubas nº 599

Abro a coluna com uma historinha que revela uma faceta da malandragem em nossos Trópicos. Retrato do Brasil O advogado viajava de carro por uma BR quando um tatu atravessou na frente do carro. O motorista não teve dúvidas. Parou e pegou o bichinho, colocando-o no porta-malas. Adiante, defrontou-se com uma blitz da Polícia Federal. Pediram os documentos. Os policiais mandaram o advogado descer do carro e abrir o porta-malas. O policial viu o tatu. - Cara, você é louco? Esse é um animal selvagem; isso vai te dar cana. Você tá frito! O advogado entristeceu a cara: - Bem, amigo, esse tatu é meu. Meu bichinho de estimação. Tá comigo desde novinho. Se você soltá-lo, ele corre, mas volta ao ouvir o meu chamado. Dou dois assobios e ele vem correndo pro meu lado. É treinado. O policial: - ah, ah, ah, duvido! - Quer ver? Solta ele pra você ver que não estou mentindo, respondeu o advogado. O policial pegou o tatu, soltou-o no chão e o tatu correu pro mato. - Agora, chama o tatu de volta. E o advogado: - Que tatu? Panorama geral A direita no poder É fato. A direita ganhou as eleições e vai ocupar o centro do poder. Não se trata de observação que leva em conta apenas a índole militar do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que se mostra por inteiro na escolha dos generais reformados que estarão ao seu redor. Na verdade, desta feita houve uma clara narrativa de direita durante a campanha, mesmo que o capitão não tenha exposto todo o seu discurso em função do atentado que sofreu. Mas foi recorrente o escopo que abriga a defesa de valores tradicionais da nossa cultura, o culto à família, a Escola sem Partido, mudanças na lei do desarmamento (com a clara defesa de armas para os proprietários rurais), a visão polêmica sobre questões de gênero (incluindo a desigualdade que recai sobre a mulher), etc. A par do endurecimento no combate à violência. Esse discurso recebeu o endosso de quase 58 milhões de eleitores. Rodízio democrático Na verdade, o que estamos presenciando no país é a transferência do bastão de comando, de um grupo que, desde o princípio da redemocratização, dava as cartas, para outro, considerado retrógrado e, não raras vezes, associado aos tempos pesados da intervenção militar no país. Pois bem, esse grupo que recebe o selo de "conservador" (conceito infelizmente atrofiado em nosso meio, eis que é borrado com viés negativo), chega ao "centro do poder" para jogar uma partida que tende a ter uma vida não tão curta. "Centro do poder" Quando me refiro ao "centro do poder", claro que estou jogando as fichas na cadeira do Palácio do Planalto. Temos de entender que o poder ainda se distribui por muitos núcleos na sociedade, a partir dos Estados comandados pelo PT e estruturas (em todas as instâncias) que abrigam o petismo e seus satélites. Social-liberalismo? Quando se procura carimbar a identidade do futuro governo de "liberal", principalmente no que tange aos domínios da economia, algo permanece cercado de interrogações. Primeiro, porque os chamados "Chicago oldies" (como os ex-alunos brasileiros da escola monetarista fundada por Milton Friedman se refere o futuro superministro Paulo Guedes, que os convoca para sua assessoria), reciclaram suas ideias ao longo das últimas décadas. Contraponto à social-democracia Claro que continuam a defender a disciplina monetária e fiscal, mas entendem que os conceitos de liberdade econômica e liberdade política hão de se ancorar nas realidades de cada Estado, a par do reconhecimento de que uma forte faceta social - com foco na distribuição de riqueza, no combate à pobreza - passou a incorporar o acervo do próprio liberalismo. É assim que se chega a uma nova nomenclatura, como o "liberalismo social", uma espécie de alternativa à "democracia social", que, nos últimos anos, tem descido o despenhadeiro do prestígio. Intervenção do Estado O fato é que, por mais liberal que seja a face econômica da política de um governo, o Estado não poderá abdicar de sua tarefa de intervir, quando assim se fizer necessário, para ajustar os eixos da economia. Foi o que vimos nos Estados Unidos, matriz mais prestigiada do liberalismo econômico, por ocasião da crise de 2008. Obama recebeu uma economia em queda livre, perto de atingir uma depressão plena durante a crise. Os Estados Unidos O presidente norte-americano foi à frente de batalha. Implementou uma série de medidas orçamentárias importantes, nomeadamente a Lei de Recuperação e Reinvestimento de 2009. Ofereceu forte apoio moral à Reserva Federal (incluindo a renomeação de Ben Bernanke, que havia sido nomeado pelo presidente Bush). O governo ainda restaurou o setor financeiro mais rapidamente do que o esperado, operando um resgate bem-sucedido da indústria automobilística. O modelo brasileiro Portanto, o liberalismo à brasileira, que Paulo Guedes se esforçará para implantar, deverá abrigar um componente nacionalista, nos moldes que defendem os militares, significando certa precaução na política de privatizações das empresas estatais. A ideia é a do Estado se desfazer de ativos que não estejam no core business das empresas, principalmente aquelas que estejam na faixa do prejuízo. O nosso liberalismo haverá, ainda, de continuar e, alguns casos, até reforçar as frentes sociais, particularmente em regiões carentes, como o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste. O assistencialismo Programas como Bolsa Família, que serão passados pela lupa de rígidos controles, continuarão. Não há como deixar de reconhecer as desigualdades sociais. Ainda mais pelo fato de que a ascensão social das margens durante o ciclo Lula - com sua política de incremento ao consumo - foi torpedeada pelo governo Dilma. Milhões de brasileiros que chegaram ao meio da pirâmide voltaram ao seu habitat na base da pirâmide. Empobreceram. Problemas na área política Serão inevitáveis conflitos e tensões entre o novo governo e a área política. A estratégia do presidente eleito, de se ancorar nas estacas que estão sendo oferecidas pelas bancadas temáticas (bala-armamento, boi-agronegócio e bíblia-evangélica), não se sustentará no longo prazo. Nos primeiros instantes, a resistência será menor, na esteira da grande força que os governos iniciantes exibem. Mas o presidencialismo de coalizão não cederá a apelos para aprovar, mais adiante, projetos de interesse do Executivo. Delegar essa tarefa a algumas bancadas não funcionará. Infelizmente, esse "presidencialismo de delegação" não resistirá. O papel dos militares Não se vê na escolha de quatro generais reformados para compor o quadro ministerial como "a militarização do governo". Entendamos: a formação militar de Bolsonaro o empurra para o lado dos amigos de confiança que teve na caserna. Ele conhece a índole de seus pares. E certamente quer se cercar de pessoas de alta confiança. Com seus 28 anos de mandato, deve ter aprendido que o político age sob a mão do pragmatismo. É dando que se recebe. Bolsonaro gostaria de mudar essa moeda de troca. Não será fácil. Quanto aos militares, pelo que se percebe, são quadros que exibem uma base de altos conhecimentos, com alguns tendo exercido funções de relevância ao país. P.S. Cerca de 100 militares (incluindo quadros das polícias militares) tiveram o endosso das urnas para entrar na política. General Mourão O vice-presidente eleito, general Mourão, está se mostrando ser um quadro de muito bom senso. Ao contrário da primeira impressão que passou. Ponderado, alerta para eventuais brigas com a China, com os países árabes e com os vizinhos do MERCOSUL. Escola sem partido? Não será um mero decreto que imprimirá o selo "Escola sem Partido". Trata-se de uma questão que não pode ser resolvida por decisões de Justiça (STF) ou via Parlamento. A questão é cultural. Envolve um debate permanente com a sociedade organizada. Enquanto exércitos de ambos os lados azeitam seus armamentos, o foco das modalidades educacionais acaba sumindo na algaravia da Torre de Babel que se criou. Refinamento O presidente eleito dá mostras de estar mais contido. Cumpre a liturgia do poder. Visita autoridades. Anuncia, via Twitter, escolha de ministros. E tem escapado das "cascas de banana" que a mídia frequentemente joga com algumas perguntas mais polêmicas. Lula na pior fase Fernando Haddad visitou Lula nos últimos dias e anunciou: Lula está na pior fase de sua prisão. Isolado. Preocupado. O pior é que continua a ser alvo da Justiça. Denúncias aparecem quase todas as semanas. O PT está atravessando seu "corredor polonês". Rodrigo Maia Há alguns nomes que postulam a presidência da Câmara, inclusive deputados do PSL, partido de Bolsonaro. Mas Rodrigo Maia desponta como o mais forte. Trata-se de um grande articulador. Tem gente fazendo intriga contra ele. Para o governo Bolsonaro, seria a voz da experiência no comando da Câmara. No Senado No Senado, Renan Calheiros reúne uma boa bancada em torno de seu nome. Mas pode haver um acordo para guindar o senador Tasso Jereissati à presidência. Governadores do NE Os governadores do Nordeste fizeram mal em boicotar a reunião de governadores com o presidente eleito, Jair Bolsonaro. Dias depois, apareceram em Brasília, sem marcar audiência, e não foram recebidos pelo presidente eleito. Que falta de compostura. Estados falidos e os governadores oposicionistas querendo botar banca? Que coisa imperdoável. O que é tática? No futebol, quando o atacante joga a bola para trás, recuando-a para seu próprio campo de defesa, parece realizar um movimento covarde. Às vezes, é apupado. Muitos acham que a jogada não tem lógica. Mas essa bola recuada pode abrir espaços, deslocar o adversário, obrigá-lo a avançar de maneira descuidada e abrir a defesa. Pois bem, tal manobra pode gerar uma sequência de ações que culminarão com um gol. Essa é uma operação clássica. Um gol assim é uma tática de caráter terminal. E é construído por jogadas intermediárias. A tática é ferramenta de vitória.
quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Porandubas nº 598

Abro a coluna com a sabedoria do padre Elesbão. No confessionário Numa cidadezinha de Minas, Padre Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo: O vigário só confessará: 2ª feira - As casadas que namoram. 3ª feira - As viúvas desonestas. 4ª feira - As donzelas levianas. 5ª feira - As adúlteras. 6ª feira - As falsas virgens. Sábado - As "mulheres da vida". Domingo - As velhas mexeriqueiras. O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se: - Freguesia boa é a minha... mulher lá só se confessa na hora da morte! (Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre) Acertos Os primeiros movimentos do presidente eleito Jair Bolsonaro no tabuleiro do poder mostram alguns acertos e recuos. Há uma preocupação em escolher perfis com bom conhecimento dos objetos e ações que deverão cuidar. Mesmo polêmica, a escolha do juiz Sérgio Moro foi bem aceita pela sociedade. Os do andar mais alto da pirâmide - incluindo os pares - podem ter achado precipitada a aceitação. Mas, para o presidente, foi um gol de placa. A ideia de grupos de transição - com boa interlocução com equipes do atual governo - é a garantia de que a nova administração pisará na realidade dos números e situações, sem invenções. Cautela Bolsonaro tem sido mais cauteloso no uso da expressão. E garantindo cumprir rigorosamente o livrinho de nossa Lei Maior. O presidente recuou da ideia de fundir os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Está de ouvidos abertos. Guedes, precavido Depois que pediu a "prensa" sobre o Congresso, Paulo Guedes também tomou cautela. Os parlamentares são ciosos de suas funções e não gostam de ser censurados ou monitorados. Será difícil, portanto, passar a reforma da Previdência. Guedes, chamado à atenção pelo presidente eleito, ficou mais precavido. Previdência entrará em pauta este ano? A não ser que o presidente eleito, do alto de sua força, use a lábia para convencer deputados e senadores. Qualquer decisão - idade, regras de transição - poderia ajudar, aliviando o ônus a ser enfrentado pelo novo governo em 2019. Time de primeira Paulo Guedes está formando uma equipe de primeira para suprir as áreas-chave do Ministério da Fazenda. Mansueto deverá continuar no Tesouro; Ivan Monteiro continuará na presidência da Petrobras e Joaquim Levy deve vir do Banco Mundial para assumir o BNDES. Guedes deve escolher outros quadros importantes para comandar as áreas da Indústria e Comércio, do Trabalho e do Turismo, que ficarão em sua Pasta. Para o Turismo, há um forte lobby pela continuidade de Vinícius Lummertz, que teria o apoio do trade. Cícero "É preferível um remédio que cure as partes defeituosas da democracia do que um que as ampute". (Cartas a Ático, II, 1,7) Descentralização Pelo andar da carruagem e sabendo que a índole do capitão Bolsonaro sinaliza gosto por trabalho em equipe, é razoável apostar no conceito de descentralização da gestão, ou seja, os comandantes de áreas e setores deverão ter liberdade de gerir, claro, dentro da visão governamental, e serão cobrados por resultados. Aquele que não der respostas satisfatórias será expurgado. Desmonte da máquina Barreira imensa a ser escalada: o desmonte da máquina. Até hoje, o governo Temer não conseguiu afastar grupos de petistas que, ao longo de 13 anos, se imiscuíram nas malhas do poder. Houve muita sabotagem nos últimos tempos. Ordens que não foram cumpridas, desleixo, incúria, indisciplina são os resultados que se observam em algumas estruturas. Pois bem, o governo Bolsonaro deve fazer uma limpeza geral. Não será fácil. Os malabaristas se escondem, desaparecem, se fazem de mortos. Muitos continuarão na mamata. A conferir. Barbárie Montesquieu em "Meus pensamentos". A barbárie pertence a todas as épocas e a todos os países... Não sei como, aconteceu que um turco se encontrou um dia com um canibal. - Sois muito cruéis, disse o maometano, comeis os cativos que fazeis na guerra. -E o que fazeis dos vossos?, replicou o canibal. Ah! Nós os matamos. Mas, depois que estão mortos, não os comemos. "Parece-me que não há povo que não tenha sua crueldade particular". Mourão e Heleno Os generais Mourão e Heleno terão forte presença no governo. Mourão não é de ficar na moita. Fala abertamente, tem vontade de palpitar, quer ser um grande cogestor. Terá sala ao lado do presidente. Já o general Heleno, em vez da Defesa, assumirá o GSI, o Gabinete de Segurança Institucional. Assim, ficará no Palácio do Planalto, ao lado do presidente, formando o "núcleo duro". Parece perfil centrado, moderado. Será um conselheiro-mor do presidente. Os nomes-chave da administração passarão sob seus olhos. Os filhos Os filhos do presidente serão alvo da mídia, que buscarão sua expressão para abrir polêmica. Tudo que disserem abrirá espaço midiático. O pai já deve ter feito o alerta. Mas tanto o senador quanto o deputado, em Brasília, não resistirão a declarações polêmicas. Poderão causar dores de cabeça. Os bastiões do radicalismo têm neles duas grandes fontes. Centro radical Fernando Henrique, vez por outra, expressa tiradas que ganham força na mídia. Fala agora do "centro radical", que juntaria alguns protagonistas do tradicional centro, formando uma frente dura, crítica, forte, capaz de liderar o discurso político. Seria formado por quadros de boa visibilidade e influência, como Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Paulo Hartung, ele mesmo, FHC, e outros que poderiam sair do PSDB. Luciano Huck, o animador, também estaria nesse grupo. Esses nomes seriam o imã para a formação de um grande partido. A vitória de Doria, em São Paulo, praticamente lhe confere domínio do tucanato. Os tucanos antigos querem migrar de ninho. Fusão Dos 14 partidos que não conseguiram passar pelo teste da Cláusula de Barreira, cinco estudam a possibilidade de fusão ou incorporação a outros. Querem garantir recursos partidários e tempo de mídia a que os partidos têm direito. São eles: Rede, PC do B, Patriota, PPL e PHS. Mas PTC, PMN, PMB, PSTU, PCB pensam em ir adiante, apoiando-se apenas nas contribuições e doações de seus filiados, sob a esperança de obterem melhor desempenho em 2022. Doria, a boa costura Não se duvide de João Doria. Aplicado, determinado, lendo ainda os resultados das urnas, João começa a formar uma equipe de secretários de primeira grandeza. Puxa ministros do governo Temer (o da Educação e o da Cultura), traz o médico que já dirigiu os hospitais Einstein e Sírio-Libanês e ensaia um convite na direção de Henrique Meirelles para assumir a Secretaria da Fazenda. O governador eleito promete uma gestão inovadora. João tem reunido em São Paulo alguns governadores eleitos, antecipando a criação de um Fórum de governadores. Será importante protagonista no cenário político nos próximos tempos. A conferir. Juntando os cacos O PT está quebrando a cabeça para decidir o que fazer nos próximos tempos. Continuará ou não a defender o lema "Lula Livre"? Qual será o papel de Fernando Haddad no jogo petista? As alas do partido brigarão pela presidência? Lula continuará a centralizar todas as decisões do partido? E caso seja novamente condenado, o que fazer? São perguntas que atordoam a cuca dos dirigentes partidários. Villas Bôas O comandante do Exército, general Villas Bôas, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo do último domingo enfatizou que a eleição de Bolsonaro não quer significar a volta dos militares ao poder. Interessante é que no mesmo dia, no blog do Noblat, na Veja, defendi em meu artigo semanal ponto de vista contrário. Explico: a eleição do capitão reformado significa o fechamento do ciclo da redemocratização que teve início em meados dos anos 80. Nova era A eleição de um militar sinaliza novos ventos ao puxar para o cotidiano da política o maior grupo de militares que já participou de pleitos democráticos, a par da convocação inusitada de generais da reserva para formar o núcleo governamental. Um feito e tanto, quando se leva em consideração a índole militar: agir com discrição, cumprir o rito hierárquico, colaborar com governos em postos-chave de comando das Forças Armadas, enfim, evitar a intromissão exacerbada no dia a dia da política. Assim é a cultura militar. Pelo voto Os militares ascendem na política cotidiana não por intromissão indevida, mas em função do redesenho institucional, onde se contabilizam o desprestígio da classe política, a indignação social contra o modus operandi dos nossos representantes, a intensa vontade popular de dar um passo adiante. Entram nos salões do poder pela força do voto. Os quase 58 milhões de eleitores credenciam Bolsonaro como a expressão da vontade da maioria. Outros sinais Outros sinais de fim de ciclo aparecem na própria engenharia da campanha, em que paradigmas do chamado marketing político foram derrubados, como tempo de rádio e TV (duração maior não ajudando candidatos), dinheiro (não elegendo aqueles com maiores recursos), escolha de representantes na cola do candidato presidencial (PSL fazendo uma bancada de 52 nomes), entre outros aspectos. Sêneca "Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido". Fecho a coluna com mais humor. Zeca I Zeca Boca de Bacia fazia a alegria do povo em Campina Grande/PB. Personagem folclórico, amigo de políticos. Dava assessoria informal a Ronaldo Cunha Lima e a seu filho Cássio, prestes a ganhar o mandato de senador. Quando Zeca abria a boca, a galera caía na risada. Certa vez, numa de suas internações na clínica Santa Clara, em Campina Grande, a enfermeira foi logo perguntando: - Zeca, qual o seu plano (de saúde)? E ele: - Ficar bom! Zeca II Outra vez, Zeca pegou um táxi em Brasília para ir à casa de Ronaldo Cunha Lima. Em frente à casa do poeta, o taxista cobrou R$ 15. Zeca só tinha R$ 10. Sem acordo, disparou: - Então, amigo, dê cinco reais de ré!
quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Porandubas nº 597

Abro a coluna lembrando momentos cômicos de tempos pesados. Ditador de plantão Humberto Castelo Branco, presidente, encontra Carlos Castelo Branco, jornalista: - Você leu a notícia de um jornal do Uruguai dizendo que é filho do presidente do Brasil? - Não, presidente. Li uma notícia dizendo que sou filho do ditador de plantão. O anjo no alto Entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Carlos Castelo Branco pergunta ao presidente Humberto Castelo Branco: - Como V. Exa. se sentiu ao ler a declaração de Carlos Lacerda chamando-o de Anjo da Rua Conde Laje? - O anjo fica na parede, no alto, de onde contempla o desfile das prostitutas. (Da verve de Sebastião Nery) Primeiros movimentos Os primeiros movimentos do presidente eleito começam a mostrar seu estilo de jogo. Trata-se de um protagonista que joga avançado, no ataque, evitando a retaguarda. Sua ideia de enxugar a Esplanada dos Ministérios para 15 ou 16 Pastas ganha aplausos na opinião pública. E por escolha de pessoas com bom trânsito, a partir do juiz Sérgio Moro, o perfil mais admirado e elogiado na praça. A amplitude que deseja dar ao Ministério da Justiça significará que o foco no combate à corrupção continuará aceso. Moro na Justiça A aceitação do juiz Sérgio Moro, de aceitar o encargo do Ministério da Justiça, com escopo ampliado, foi um gol de placa de Bolsonaro, mesmo sob críticas de patamares da intelectualidade e da mídia. Moro sinaliza ímpeto em sua gestão moralizadora. O juiz, ao aceitar de pronto a missão, abandona a carreira. Para muitos, principalmente petistas e opositores ao novo governo, sua escolha sinaliza um viés antilulista, dando margem às especulações de que não teria sido justo e imparcial na condenação de Lula. Daí a onda que se forma, de que o juiz ajudou Bolsonaro a se eleger e, agora, é recompensado. A campanha de "Lula livre" ganhará força. STF na mira Especula-se que o juiz Moro, na verdade, está de olho no STF, para onde seria guindado dentro de dois anos, tempo em que a Corte abrirá vaga com a aposentadoria do decano Celso de Mello, que chegará aos 75 anos. Bolsonaro já sinalizou nessa direção. Tirar um juiz de 1ª instância e jogá-lo na Corte Suprema seria uma decisão de muita polêmica. Coisa diferente de puxar para a Corte um ministro da Justiça. A nomeação seria algo mais corriqueiro. Quanto à decisão de Moro, alguns acham que deveria passar um tempo antes de ingressar na política. Ele acaba de dizer que jamais concorrerá a cargo eletivo. O fato de ingressar no Poder Executivo, para alguns intérpretes, não significa ingresso na política. Juiz e política Juízes italianos, que trabalharam na Mani Pulite, a operação Lava Jato da Itália, até defendem a entrada de magistrados na política, mas não de maneira abrupta, durante o tempo em que ainda operam nas frentes de combate à corrupção. Lá, o juiz Giovanni Falcone, apontado por Sergio Moro como sua inspiração para deixar a toga e assumir cargo no governo, foi um dos responsáveis por deflagrar a operação Mãos Limpas no país, tendo, antes, trabalhado contra a máfia siciliana Cosa Nostra. Inspiração Diz Moro: "Lembrei-me do juiz Falcone, muito melhor do que eu, que depois dos sucessos em romper a impunidade da Cosa Nostra, decidiu trocar Palermo por Roma, deixou a toga e assumiu o cargo de Diretor de Assuntos Penais no Ministério da Justiça, onde fez grande diferença mesmo em pouco tempo. Se tiver sorte, poderei fazer algo também importante". Falcone no governo Falcone construiu sua trajetória em Palermo, na Sicília. Em 1991 aceitou um cargo no Ministério da Justiça no governo de Giulio Andreotti. Naquele momento, o governo italiano estava pressionado pela opinião pública a investigar a máfia na Sicília. A pressão foi causada, sobretudo, após a morte de Salvo Lima, político do partido Democracia Cristã e aliado de Andreotti. No Ministério da Justiça, o juiz assumiu o cargo de Diretor-Geral de Investigação Criminal, sendo bem-sucedido. Amigos de Falcone acreditavam que o convite era uma armadilha para afastá-lo das investigações locais. "Foi a decisão correta porque a luta contra a máfia começava em Palermo, mas só poderia ser vencida em Roma", disse seu amigo, o juiz Ignazio de Francisci. Foi morto após a Suprema Corte italiana confirmar as condenações de mafiosos feitas por ele em Palermo. O atentado Em 23 de maio de 1992, foi vítima de um atentado, uma carga de 400 quilos de TNT enterrados sob o asfalto da estrada para o aeroporto de Palermo. Além do juiz, morreram também a sua mulher e três guarda-costas. Seis meses depois, foi morto o procurador Paolo Borsellino, em um atentado com um carro bomba, carregado com 100 quilogramas de dinamite, numa autoestrada em Palermo. O astronauta O astronauta Marcos Pontes, escolhido para comandar o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, também é objeto de polêmica. Trata-se de uma pessoa simpática, sempre sorridente, mas pairam dúvidas sobre as condições que preenche para administrar uma área que exige conhecimento. Um leitor me lembra: ele é formado pelo ITA, uma exemplar escola de engenharia e está no métier há décadas. O Ministério poderá abrigar as universidades públicas. O astronauta está cheio de boas intenções, mas a comunidade acadêmica está com um pé atrás. Guedes, o arquiteto da economia Paulo Guedes, que dará forma à economia, compõe sua equipe, abre conversas a torto e a direito, ganha poder à medida que entra nos domínios do amplo ministério que comandará. Guedes está cercado de expectativas, com o mercado apostando forte em sua visão liberal-privatista. Gostaria ele de ver parte da reforma da Previdência aprovada ainda este ano, pelo menos a que abriga a questão da idade para aposentadoria. Não será fácil. O presidente eleito tem dúvidas sobre o modelo de capitalização que Guedes quer imprimir na Previdência Social. Lorenzoni Como deputado, Onyx Lorenzoni não era confinado, como dizem alguns comentaristas, no grupo menos qualificado da Câmara. Falou alto no microfone. Foi um dos mais destacados atacantes do petismo/lulismo, levando adiante a bandeira liberal do DEM. Liderou grupos e teve importante desempenho como relator das 10 Medidas contra a Corrupção. Graças a suas habilidades culinárias, aprovadas pelo pequeno grupo que frequentava seu apartamento em Brasília, liderou o projeto Bolsonaro. Assim atesta seu amigo, o eleito senador Major Olímpio. O pequeno grupo fez germinar a seara que acabou se alastrando pelo país. Major Olímpio O senador eleito será uma das extensões mais firmes do governo Bolsonaro no Congresso. Com mais de nove milhões de votos obtidos em São Paulo, deverá ser um perfil de forte expressão na Câmara Alta, com possibilidade de vir a ser líder do governo ou líder da bancada do PSL. Tem boa expressão e coordenou uma campanha bolsonarista bem-sucedida no maior colégio eleitoral do país, onde desbancou o candidato Eduardo Suplicy. Articulação direta Entremos, agora, no modus operandi do governo Bolsonaro. Lê-se que, ao invés de fazer uma ampla coligação partidária, o capitão teria inclinação para fazer uma articulação direta, olho no olho, palavra na palavra, com cada parlamentar. Ou seja, o presidencialismo de coalizão daria lugar ao bolsonarismo, expressão que mostra a nova modelagem a ser posta em prática. Para tanto, ele poderia contar com a simpatia dos integrantes da bancada da bala (segurança), da bíblia (evangélicos) e do boi (agronegócio). Essas bancadas somariam cerca de 250 parlamentares na Câmara. A ideia seria a de atender demandas setoriais das bancadas e, por conseguinte, cooptar seu apoio. Essa modelagem resistirá ao tempo? Pragmatismo Esse é o busílis. Os parlamentares são afeitos ao jogo de recompensas. E o jogo pressupõe não apenas atendimento de demandas temáticas, mas espaços na estrutura governamental. A justificativa é simples: a política visa a conquista do poder. E a conquista do poder, por sua vez, implica ganhos na máquina administrativa. Com esses espaços e nomeações, o parlamentar aumenta seu cacife e obtém mais prestígio nas bases. Essa corrente forma o presidencialismo de coalizão. É possível, até, fazer-se uma articulação direta, mão na mão; depois de algum tempo, o toma lá, dá cá vai aparecer. Em suma, a base de apoios do governo Bolsonaro retomaria, mais cedo ou mais tarde, o modelo tradicional. Passaria um tempinho na articulação direta até se deparar com a real politik. Mensalão Urge lembrar que o mensalão, composto nos tempos de Lula, começou com a "compra" isolada de parlamentares. Em vez de se firmar no apoio de grandes partidos, Luiz Inácio teria orientado o então ministro José Dirceu a cooptar isoladamente cada parlamentar. Deu no que deu. Afastamento O presidente eleito não deve desconsiderar os fundamentos da nossa tradição e posicionamento no cenário das relações internacionais. Tensões colocam o país em situação desconfortável com as declarações do presidente eleito sobre as relações com o Mercosul (Argentina, Paraguai, Uruguai), União Europeia, China (nosso principal parceiro comercial), países árabes e muçulmanos, desprezando três bilhões de consumidores, um quarto do mercado mundial. Acende-se sinal amarelo. Peça-chave O ministro das Relações Exteriores, a ser escolhido, será peça-chave para garantir portas abertas com os países que se surpreenderam com a sinalização diplomática feita pelo presidente Bolsonaro. A conferir. Estética simples As fotos não poderiam ser mais reveladoras. O presidente eleito falando atrás de uma mesa simples, sob um fundo onde se via uma bandeira do Brasil pregada na parede com durex. Ao lado, a tradutora de sinais. Noutra cena, o capitão toma café da manhã, cortando o pão e jogando nele leite condensado. A mesa está sem toalha. Tudo muito rústico. Simples. Natural. A produtora de campanha está numa garagem nos fundos da casa do empresário Paulo Marinho. Sem sofisticação tecnológica. Sem grandes equipamentos. Coisa rudimentar. O métier dos tradicionais marqueteiros virou de cabeça para baixo. Ufa! A expressão bolsonarista O presidente eleito não procura esconder cacoetes linguísticos. Ancora-se em uma linguagem coloquial, cheia de oks, "mandando ver", "botar pra quebrar", "cortar a cabeça", sem querer parecer alguém que escolhe o melhor termo para se expressar. É assim com todos, jornalistas ou assessores. Transmite impressão de ser sincero em suas convicções. Mas os exageros causam medo, mesmo sob desculpa de que, em certos casos, usa figuras de linguagem: "fuzilar a petralhada", por exemplo.
quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Porandubas nº 596

Abro com uma hilária historinha de Pernambuco. Quer saber mais que o doutor? O caso deu-se em São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos: - Este está morto. Examinava outro: - Este também está morto. O cabo eleitoral se empolgava: - Já está até frio. De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou: - Mais um morto. O morto gritou: - Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado. O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele: - Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio? Ufa! Vendaval passou O vendaval se foi. E com ele, o tumulto das redes sociais e a indignação entre as bandas em que se dividiu o Brasil tendem a amainar. Graças. O clímax agressivo incendiava a alma brasileira. E, depois da temporada emotiva, eis que o país reabre seus horizontes sob o evento que há muito prevíamos: a eleição do capitão reformado, o deputado Jair Messias Bolsonaro. Fará um bom governo? Conseguirá atravessar o mar de dúvidas que se apresenta à nossa frente? Se...se...se... A resposta implica uma série de condições. Se conseguir arrumar a economia, sustentar os eixos da inflação, atrair investimentos, reformar o sistema previdenciário, incluindo o dos Estados, aumentar os empregos, dar respostas imediatas às demandas sociais para as áreas da saúde e segurança, ter uma ampla base de apoio no Congresso, entre outras coisas, poderá desfraldar a bandeira dos aplausos. A recíproca é verdadeira. Se não conseguir, apupos virão. Mas há um meio termo. Bancadas especiais As bancadas dos três bês - boi, bala e bíblia - devem somar perto de 280 parlamentares. Se derem apoio ao novo governo, Bolsonaro entra com uma grande vantagem. A questão será: o que essas bancadas vão exigir em troca? O meio termo Nem aqui, nem lá. Como já insistimos nesse espaço, é incompatível adotar uma política rígida de contenção de gastos, diminuir o déficit fiscal, com ações populistas, principalmente aquelas que oneram o Tesouro. O país precisa de bilhões a mais de arrecadação e não bilhões a mais de gastos. Em suma, não é possível chupar cana e assoviar ao mesmo tempo. Paulo Guedes, novo guru da economia, está reunindo uma qualificada equipe e com ela discute as alternativas. Esperemos. Privatizar? Até onde? Mesmo com o grau de liberdade que deverá ganhar, Paulo Guedes será contido em sua ânsia privatista. Por ele, tudo seria privatizado. Mas, e a índole militarista, o nacionalismo exacerbado, o Estado forte, coisas que impregnam a alma militar, desde os tempos getulianos de criação da Petrobras, quando se incrustou na cultura nacional o lema "o petróleo é nosso?". Os militares conservam um imutável posicionamento a respeito da preservação dentro do Estado de empresas estratégicas nas áreas da energia, petróleo e gás. Por isso, há dúvidas sobre até onde Guedes poderá caminhar nessa trilha. Bolsonarismo Na frente política, o desafio será o de fundar o bolsonarismo junto aos partidos, a partir da bancada que o PSL acabará formando, provavelmente assumindo o primeiro lugar com a adesão de quadros que não se sentirão acomodados em suas siglas, principalmente aquelas que não passaram pela cláusula de barreira. O bolsonarismo há de garantir apoio aos programas governamentais, devendo ser um forte polo de forças no Congresso. Muitas siglas tiveram alteradas suas composições. O centrão, para sobreviver, haveria de juntar a bancada da bala, a evangélica e a ruralista, entre outras. Papel central terá Rodrigo Maia, eventual candidato à reeleição para o comando da Câmara. Centro-esquerda O PT lutará para ser o principal protagonista das oposições. Fará um esforço para atrair bancadas que ocuparão o espaço de centro-esquerda, a partir do PSB, PDT e outros. Ocorre que Ciro Gomes, desde já, avisa que não mais fará política com o PT. Ciro se habilita a ser o rival do PT no plano das esquerdas, preparando-se para futuros embates. Terá tempo livre para fazer palestras aqui e alhures. O PT deverá se conformar, inicialmente, com as adesões do PSOL e, possivelmente, do PC do B, da candidata a vice na chapa de Haddad, Manuel D'Ávila. O que será de Haddad? O que fará, doravante, Fernando Haddad? Será uma liderança forte depois de alcançar 47 milhões de votos? Lula o deixará livre para expandir sua liderança no partido? Ao que se diz, Lula teria dito ao deputado Emídio de Souza, que o visitou nesta segunda-feira, que Haddad se habilitou para ser o principal perfil petista na frente oposicionista. Poderá vir a presidir a Fundação Perseu Abramo. Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, toparia entregar a ele a chave do poder petista? PSDB, para onde irá? Mesmo com a vitória de João Doria em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, com 33 milhões de eleitores, o PSDB é um dos maiores perdedores da eleição. Alckmin teve desempenho pífio. A vitória de Doria, em São Paulo, não foi, necessariamente, uma vitória tucana. Trata-se de uma vitória mais da pessoa do que do partido. E o PSDB deverá passar por grande reordenação, com a eventual saída de tucanos antigos, como Alberto Goldman, que não rezam pela cartilha de João. O novo governador, por sua vez, vai passar a limpo a planilha do partido, verificar quem estará ou não com ele e abrir o ciclo doriano no tucanato. O estilo João João Doria é um obstinado. Acorda por volta de 4h da manhã, vai para a sala de ginástica, exercita-se, toma café, deixa os filhos na escola e, logo cedo, adentra seu gabinete. No Palácio dos Bandeirantes, deverá ser o primeiro a chegar. E o último a sair. Trata-se de um workaholic. Aprecia o trabalho. E vai além do conjunto das coisas para se deter nos detalhes. Solidário com os correligionários, João Doria tece o novelo da política sempre querendo aumentar a teia, não diminuí-la. Deve expandir o conceito de descentralização administrativa, aumentando o apoio aos municípios com a criação da Pasta do Interior. Abrirá o diálogo com a sociedade organizada e seguramente será um dos protagonistas principais do cenário do amanhã. Kassab no figurino O atual ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, conhecido por sua habilidade na interlocução, cabe no figurino da Secretaria do Interior a ser criada por João Doria. A conferir. E o MDB? Vê sua bancada na Câmara restringir-se a 34 deputados. Mesmo continuando com a maior bancada no Senado, passará o partido por uma fase de questionamento interno. Seu presidente, Romero Jucá, não foi reeleito. Obteve a menor votação de sua história recente. O partido passa por uma racha. E tende a estiolar-se mais ainda ante o clima pesado que reina em suas fileiras. Dissidência Como será a articulação do senador Renan Calheiros, reeleito, com o governo Bolsonaro? Ele e o filho, o governador reeleito, Renan Filho, apoiaram o candidato do PT, Fernando Haddad. O que fará doravante o derrotado senador Roberto Requião, que também apoiou Haddad? Aliás, qual será a postura dos dissidentes do MDB? Um deles goza de prestígio na comunidade política pela carreira estribada na conduta ética e na coerência em defesa dos valores da democracia: o senador eleito Jarbas Vasconcelos (MDB-PE), aliás, ex-presidente do MDB nos idos prestigiados do passado. Jarbas é um quadro de respeito. Uma agenda ambiciosa Em editorial, a Folha de S. Paulo expõe os desafios que se apresentam ao presidente eleito, Jair Bolsonaro. Eis o que chama de "agenda virtuosa":  Reequilibrar o Orçamento com controle dos gastos obrigatórios.  Conter a escalada de despesas com aposentadorias e pensões.  Eliminar privilégios de servidores; ajustar teto salarial.  Simplificar a tributação sobre bens; rever incentivos tributários.  Elevar a taxação direta sobre as vendas mais elevadas.  Vender estatais e ampliar concessões ao setor privado.  Abertura comercial, com redução de barreiras à importação.  Ampliar o crédito facilitando a recuperação de garantias.  Reduzir burocracia para abertura e fechamento de empresas.  Priorizar ensino básico, buscar outras receitas no ensino superior.  Implantar currículos nacionais para os níveis fundamental e médio.  Aprimorar a gestão do SUS, com cadastro nacional e parcerias.  Reforçar a Força Nacional de Segurança Pública.  Harmonizar produção agrícola e metas ambientais.  Instituir voto distrital misto e ajuste de bancadas na Câmara. PT nos fundões Jair Bolsonaro venceu em 97% dos municípios mais ricos e Fernando Haddad em 98% dos municípios mais pobres. A observação mostra onde o PT se refugiou. Entre os mil municípios com os maiores IDHs do país, Bolsonaro venceu em 967, enquanto Haddad conquistou 33. Já nas mil cidades menos desenvolvidas, Haddad ganhou em 975 e Bolsonaro em 25. Apesar de ter perdido a eleição, o candidato petista Fernando Haddad teve mais votos na maioria dos municípios brasileiros. O petista ganhou em 2.810 cidades, ante 2.760 de Bolsonaro. Ainda assim, a diferença de votos entre eles foi de 10,7 milhões. Não é pouca coisa. Os dados levantados pelo Estado de S. Paulo mostram ainda que, quanto menor o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município, maior foi a votação em Haddad - e quanto maior, mais votos para Bolsonaro. O indicador mede a qualidade de vida da população com métricas de acesso à educação, longevidade e renda. Lua de mel com Bolsonaro Um relatório da XP Investimentos prevê um bom cenário para o Brasil depois da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, do PSL. Um governo liberal e reformista ganhará o benefício da dúvida, o que poderá levar a Bolsa de São Paulo a índices que podem variar de 90 a 120 mil pontos entre 2019 e 2020, bem além dos níveis atuais. A Selic prevista pode chegar a 7,5% ou 8,5% em 2020 e o dólar pode voltar a R$ 3,50 ou 3,70. Os especialistas antevêem a partir de janeiro um ano de transformações no Brasil, com movimentações políticas importantes. E a reforma da Previdência? A maior dúvida do mercado hoje diz respeito à priorização ou não da reforma da Previdência, segundo o relatório da XP. O presidente eleito sinaliza com a vontade de votar parte da reforma da Previdência ainda este ano. Assim, o foco está na transição do candidato para o presidente eleito, e a consequente melhora da visibilidade em relação ao plano de governo. A transição será importante para saber de fato o que o governo eleito tentará implementar no Brasil a partir de janeiro, já que na campanha eleitoral a discussão de propostas não foi a tônica. A não priorização das reformas, ou propostas mais complexas de difícil aprovação, traria risco e volatilidade. Principal despesa O Brasil possui contas públicas pressionadas e pouca flexibilidade para corte de gastos. A Previdência é a principal despesa do governo, representando em torno de 60% do orçamento Federal, e é o gasto que mais cresce por causa do rápido envelhecimento populacional. Se nada for feito, em 2030 a despesa com Previdência chegará a 70% do orçamento Federal, o que é insustentável. Abater a dívida O presidente do Itaú, Cândido Bracher, defende a possibilidade de o país usar as reservas internacionais do país, que somam cerca de US$ 380 bilhões, para a redução da dívida. "Reservas internacionais são dólares que o país tem e que para comprá-los o país emitiu dívida. O que está se falando é usar a reserva para pagar a dívida que foi emitida. Ela custa 6,5% ao ano, e a reserva rende 1% a 1,5% ao ano, que é a taxa do dólar. Acho saudável usar uma parte das reservas para amortizar dívida".
quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Porandubas nº 595

Abro a coluna com uma historinha que exibe traços de nossa cultura. Eita, Brasil Um sujeito comprou uma geladeira nova e para se livrar da velha, colocou-a em frente da casa com o aviso: "De graça. Se quiser, pode levar". A geladeira ficou três dias sem receber um olhar dos passantes. Ele chegou à conclusão: ninguém acredita na oferta. Parecia bom demais pra ser verdade. Mudou o aviso: "geladeira à venda por R$ 50,00". No dia seguinte, a geladeira foi roubada! Paradigmas entortados O pleito deste ano quebrou ou entortou alguns paradigmas: 1. O marketing eleitoral ficou de pernas pro ar. A comunicação massiva de alguns candidatos não funcionou. 2. O dinheiro não elege candidatos - teve candidato que quase não gastou e foi eleito com grande votação. 3. As pesquisas não detectaram tendências. Detectar apenas intenção de voto é pouco. O sistema cognitivo do eleitor não foi mapeado de maneira mais profunda. 4. Foi a campanha na qual o eleitor demonstrou maior autonomia de decisão. Autogestão eleitoral. 5. Mesmo os bolsões tradicionais e os fundões do país não se submeteram às pressões dos caciques. 6. A articulação com a sociedade organizada - movimentos, entidades, associações - deu o tom maior da campanha. 7. Subestimou-se o antipetismo e o antilulismo. E o PT acabou saindo dos grandes centros para as margens do interior do Nordeste. 8. Os custos da campanha diminuíram substantivamente, em alguns casos, em até 100%. O caixa 2 praticamente desapareceu. 9. O eleitor votou em perfis mais identificados com suas demandas, rotinas e padrões. 10. Fake news, versões e meias verdades deram o tom das redes sociais, mas não puxaram votos. Apenas acenderam o ânimo das militâncias. Radicalização O clima está muito tenso. A radicalização é obra e graça das duas bandas em que se dividiu o país. Os Bolsonaros, pai e filho, capricharam na linguagem dura. A fala do filho Eduardo, mostrando a facilidade para fechar o STF (basta um cabo e um soldado) teve grande repercussão. Foi chamado de "golpista" pelo decano, ministro Celso de Mello, enquanto o ministro Alexandre de Moraes pediu para que a PGR averiguasse o caso e o presidente Toffoli proclamou que atacar a Corte é "atacar a democracia". No domingo, em fala transmitida por vídeo, o candidato Jair ameaçou banir todos os vermelhos e, ainda, sugeriu que eles fossem embora do país. Da parte do candidato do PT, restou a articulação para as instituições se rebelarem contra os Bolsonaros. Em tempo Ocorre que o deputado Wadih Damous (PT-RJ), em março passado, também defendeu, em vídeo que circula nas redes, o fechamento do STF. O mesmo ocorreu com o ex-ministro e deputado José Dirceu em entrevista amplamente veiculada. Populismo Haddad foi ao Nordeste, onde espera aumentar seus pontos para diminuir a vantagem de Bolsonaro em outras regiões. Prometeu aumentar o Bolsa Família e fixar em R$ 49,00 o preço do bujão de gás. Acena com o populismo para atrair votos nessa semana decisiva. Será difícil. O voto está consolidado, com mais de 90% dos dois grupos garantindo que votarão em seus candidatos. E mais: o candidato do PSL prometeu aos nordestinos conceder um 13º salário a quem recebe o Bolsa Família. Nem mesmo as diatribes do filho de Bolsonaro, pelo que se observa, são capazes de reverter votos a favor de Haddad. O PT parece conformado. PT, a derrota que fará bem Não há saída do imbróglio melhor para o PT do que perder as eleições com uma boa bacia de votos. É o que deve ocorrer. O imbróglio que seria o grande naufrágio do PT poderia ser uma vitória no longo prazo. Com o Brasil rachado ao meio, o partido não teria condições de cumprir as promessas de campanha. Seria um grande desastre. Não há condições de fazer garantir forte assistencialismo populista em tempos de combate duro à contenção de gastos. Já na oposição, com a maior bancada na Câmara Federal, o PT arrumará condições para se afirmar como principal protagonista da oposição. Renascerá no meio das cinzas da derrota. Um bom negócio, que revitalizará as forças do petismo e resgatará a força do lulismo mais adiante. O plano petista O Plano do PT é o de fincar estacas nas searas da oposição, e, daqui a dois anos, fazer o maior número de prefeitos e vereadores, adensando a base com a qual, em 2022, tentará novamente chegar à presidência da República, agora com um candidato capaz de integrar as chamadas "forças democráticas". Não seria necessariamente Lula o candidato. Tem sentido. Novos perfis Mas o PT, noutra linha de raciocínio, deverá escolher novos perfis para os comandos nacional e regionais. Velhas figuras foram despachadas pelo eleitor. O próprio Lula, dentro da prisão, deverá formular reflexão e apontar quem deverá pegar o lume petista e voltar a correr o país. Gleisi Hoffmann foi muito bombardeada, e não deve ter domínio do partido. Pimentel e outros amargarão tempos de esquecimento. Lua de mel mais rápida A lua de mel dos governantes costuma ser de seis meses, ou seja, no espaço de um ano o novo governo precisa dar respostas às demandas da sociedade, principalmente às camadas mais carentes. Depois de meio ano, as cobranças começam a aparecer e ganhar volume. No caso de Bolsonaro, a lua de mel com o eleitorado deve ser mais rápida. Se não aparecerem medidas, ações e programas que venham ao encontro das demandas mais prementes da população - principalmente aquelas que construíram o eixo do discurso bolsonarista - o clamor social se alevantará. Tais cobranças, a depender da habilidade/inabilidade da comunicação governamental, ameaçam fazer com que o caldeirão social entre em ebulição. Pontos polêmicos O novo governo, a ser comandado pelo capitão reformado (se não aparecer o Imponderável da Silva), abrirá logo de início grande polêmica: quais serão os limites para a privatização de empresas estatais? Se essa visão for exclusivamente a do futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, tudo poderá ser privatizado. Mas há uma forte vertente no pensamento militar que prega a necessidade de o Estado controlar áreas estratégicas, como as do gás e petróleo, energia, telecomunicações, entre outras. Haveria consenso em torno disso? Haveria queda de braço? Como a sociedade reagiria às decisões de um grupo ou de outro? Imagem das Forças Armadas Há um grupo forte de oficiais que teme o desprestígio das Forças Armadas ante as posições radicais do eventual futuro governante. Lembre-se que as Forças saíram com a imagem muito borrada após as duas décadas em que os militares comandaram o país. Nos últimos anos, na esteira de um profissionalismo crescente e de um afastamento tático da política, acumularam formidável respeito em todos os segmentos da sociedade, sendo admiradas e aplaudidas. Essa camada de boa imagem está ameaçada de despencar caso as Forças adentrem com muita força no governo e se forem arrastadas por eventual tufão a bater nas costas do capitão Bolsonaro. Juízes na política É legítima a participação de militares e juízes na política, após a vida ativa na caserna e nos tribunais. Em Política, Aristóteles ensina que o cidadão tem o dever de servir à polis, sua cidade-Estado, o que justifica cumprir missão política. Ocorre que os regimentos e estatutos que regulam certas atividades inerentes à defesa e proteção do Estado proíbem a participação de militares e juízes na política quando em plena atividade profissional. Aprendemos que "o juiz realmente não pode falar fora dos autos". A lição de Francis Bacon também não pode ser esquecida: "os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza". Militares na política Quanto aos militares, lembre-se que o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe militar de se manifestar publicamente a respeito de assuntos de natureza político-partidária, ao menos que seja autorizado. Aprovado por decreto de agosto de 2002, o regulamento especifica as transgressões disciplinares e prevê punições - estão listadas 113 ações que, em tese, não podem ser praticadas por quem faz parte do Exército. Direita da AL Jair Bolsonaro nem espera pelo resultado do 2º turno e já começa a falar com os chefes das Nações vizinhas. Telefonou domingo para Mário Abdo, presidente do Paraguai, a quem demonstrou interesse em fortalecer as relações do Brasil com o vizinho. Mas o trunfo do capitão será um encontro com Donald Trump, que, a esta altura, já deve fazer parte da lição de casa do seu núcleo duro, onde estão o general Heleno, o vice Mourão e o guru Paulo Guedes. Venezuela Deve ser traumática a relação do novo governo com a Venezuela. Pelo visto, o contencioso, hoje em estado de hibernação, ganhará intensidade. Não se deve descartar, por óbvio, esfriamento das relações e, conforme a reação de Nicolas Maduro, maior distância entre os dois países. Programa de Bolsonaro O programa do governo bolsonarista registrado no TSE é pouco aprofundado e o plano mais detalhado é o econômico. Uma das medidas é zerar o déficit primário em 2019 e convertê-lo em superávit no segundo ano de governo. A análise dessa promessa, segundo o jornal Valor, mostra que se trata de algo irrealista, a julgar pelas estimativas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 e pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O rombo A LDO prevê um déficit de R$ 132 bilhões, ou 1,8% do PIB, para o setor público consolidado, que reúne a União, Estados e municípios e estatais Federais, excluindo Petrobras e Eletrobrás. Para o governo Federal, o rombo projetado é de R$ 139 bilhões. O programa de Bolsonaro não detalha como seria possível zerar esse buraco. Segundo o documento, o candidato dará "especial atenção ao controle dos custos associados à folha de pagamento do governo" e "os cortes de despesas e redução das renúncias fiscais constituem peças fundamentais ao ajuste das contas públicas". 15 Ministérios Bolsonaro fala em reduzir o número de Ministérios para 15. Este consultor está curioso sobre a fórmula que usará para formar uma bancada de apoio com 200 deputados. A real politik será abandonada? Difícil, difícil. Ameaça à Folha O candidato Jair Bolsonaro, na esteira do destampatório expressivo dos últimos dias, diz que a Folha de S.Paulo é fábrica de fake news. E que, eleito presidente, cortará as verbas publicitárias do jornal. Ora, a Folha é o jornal mais lido do país. E deve ser tratado como tal. Vingar-se do jornal sob a alegação de que está falseando os fatos não é decisão de bom senso. Pode se defender com direito de resposta. A Folha costuma respeitar esse direito. TV Zimbo, do 8º ao 1º Willian Correa, ex-diretor de jornalismo da TV Cultura, faz sucesso em Angola, África. Correu para lá para tentar "salvar" a TV Zimbo, que foi sua criação, há anos, e que descia no ranking das emissoras de TV. Em seis meses, Willian conseguiu puxar a Zimbo do 8º para o 1º lugar. A fórmula do mago em suas palavras: "Criamos uma nova identidade visual e posicionamento da emissora. Lançamos um programa que se tornou campeão de audiência chamado Fala Angola (formato cidade alerta) e outro chamado vitrine (mostra os bastidores da TV), repaginamos outros programas com novos cenários e vinhetas. Entre eles, um programa musical chamado show da Zimbo. E melhoramos o clima laboral da emissora. Hoje há um empenho e envolvimento de todos os funcionários que passaram a acreditar no projeto e se sentiram parte dele. Estamos no começo ainda. Mas tenho que ser rápido para voltar para a terrinha".
quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Porandubas nº 594

Abro a coluna com uma historinha encaminhada pelo amigo jornalista Neimar Fernandes. Só queijo francês "Na longínqua quarta-feira santa do ano de 1969, o jornalista carioca Zózimo Barrozo do Amaral foi preso e levado para o Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca. No segundo dia na prisão, sua esposa, Márcia Barrozo do Amaral, conseguiu visitá-lo, levando uma cesta da Lidador, fina loja de importados. A cestinha estava repleta de queijos: camembert, brie, roquefort e outras estrelas da fromagerie francesa. Zózimo, morto de vergonha com a ostentação em pleno território dos que brigavam pela ascensão do proletariado faminto, colocou as iguarias no mesão socialista. Depois, cochichando, deu um toque em Márcia: "da próxima vez traz catupiry." Dois dias depois daquele banquete lá estava novamente Márcia com outra cestinha de delicadezas. Dessa vez elas falavam o melhor carioquês. Nada de importados. Tinha catupiry, queijo minas e mortadela. Tudo gostoso, e agora politicamente compatível com o cenário espartano do presídio. A turma comeu, agradeceu e foi dormir. Bezze, "chefe" dos presos, um dos organizadores da célebre Passeata dos Cem Mil pela avenida Rio Branco e membro do Centro Acadêmico Cândido Oliveira da Faculdade de Direito da UFRJ, percebeu a mudança de sotaque no cardápio. No dia seguinte, chamou Zózimo no canto: "olha aqui, meu prezado colunista, nós estamos presos, jogados neste fim de mundo, mas nem por isso perdemos a nossa dignidade, compreendeu?" Zózimo ficou paralisado. "O que houve? O que foi que eu fiz?" Bezze explicou: "da primeira vez a sua mulher trouxe camembert, brie, um banquete delicioso. Ontem foi catupiry. Antes que a coisa chegue ao Polenguinho, eu quero te dizer o seguinte: só queijo francês! Do bom! Nós somos socialistas, mas gostamos é de queijo francês, morou?!" Neimar, com ironia, arremata: Passados 49 anos desse episódio, nada mudou". A esquerda brasileira continua "caviar". E hipócrita. PS: O episódio consta da biografia de Zózimo Barrozo do Amaral. O pulso do nordeste Acabo de voltar do Nordeste, onde passei alguns dias tentando sentir o pulso. Não deu para chegar aos fundões, mesmo assim captei sensações. A onda Bolsonaro inundou capitais e grandes cidades, enquanto o andor do "pai Lula" foi bem conduzido por cidades médias e pequenas. Haddad ganhou aqui e perdeu lá. Há um sentimento generalizado que o petismo agoniza. Incidentes ocorrem aqui e ali, como esse, no Ceará, em que o senador eleito Cid Gomes pediu autocrítica ao PT e chamou petistas de "babacas". No RN, a senadora petista Fátima Bezerra, que disparava nas pesquisas, vê diminuir distância para o candidato ao governo Carlos Eduardo, do PDT. Cidade fantasma Impressiona o jeito de "cidade fantasma" que desenha a moldura da capital potiguar. Do aeroporto de Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante, até o centro, não se vê uma pessoa nas ruas. A violência é tanta que reduziu as andanças pelas ruas. Quem se aventura a fazer isso, corre alto risco de ser assaltado. Natal dá medo. Lula... Mas Não tem havido abandono a Lula ou ao lulismo. O nordestino é e será sempre agradecido pelo bem que recebeu. Emerge por toda a parte muito agradecimento pelo que ele fez. Principalmente nos fundões, onde se espera que seu candidato amplie os benefícios da era lulista. Ocorre que, em paralelo, chega em marolas a história do PT no meio dos túneis da corrupção. Dilma é apontada como a grande responsável por eventual derrocada do lulismo e da crise que o país atravessa. Duas vertentes Há, assim, duas vertentes: a do coração, que embala o "santo Lula", e o fenômeno Bolsonaro, que empolga o eleitor das capitais e grandes cidades. As circunstâncias, o ambiente tenso, a facada no capitão, a roubalheira que grassou (a) no país, a bandidagem assassina, enfim, a balbúrdia que gera insegurança, elevam o capitão às alturas. Onde desfruta a posição de "bola da vez". Nulos e brancos? Quem leva o eleitor às urnas é a enxurrada de candidatos a deputado estaduais e Federais. Portanto, o lógico seria esperar por uma debandada do eleitor no 2º turno, com abstenção e alto índice de votos brancos e nulos. Esta é a análise do abalizado observador da cena política, Lafaiete Coutinho, a partir de seu posto de observação em João Pessoa. Ele prevê que o eleitor comparecerá bem às urnas e não vai anular o voto. A campanha virou uma guerra entre duas bandas, dois exércitos, duas correntes. Um lado quer vencer o outro. Para tanto, precisa estar na praça de guerra. Grande vontade Lafaiete arremata: "O fato de quase todas as eleições nordestinas terem terminado no 1º turno poderia indicar abstenção maior no 2º turno. Dessa vez, não: os eleitores estão motivados e mesmo excitados para votar contra o PT, contra Bolsonaro e ou em nenhum dos dois. Mas é bem provável que Bolsonaro amplie sua vitória nas capitais; não acredito, porém, que a onda crescente chegue aos fundões". Conflitos Conflitos violentos, com relatos de agressões, têm ocorrido. Os comitês dos candidatos, principalmente o de Bolsonaro, continuam a agitar ruas e bairros. Multiplicam-se brigas entre eleitores. Há cidades que fazem questão de pontuar: quem não votar em Haddad, receberá um troco; e há recantos fechados com Bolsonaro. Capitais influenciam? O voto das capitais influencia o interior? O tema é polêmico. Tivéssemos uma campanha normal, sim. Haveria um processo de capilaridade com tendência de o "voto direcionado" sair do centro para as margens. Mas o ambiente de guerra acaba formando cinturões em torno das cidades, "queimando" o voto no adversário. A fidelização eleitoral tende a ser maior no Nordeste. Ademais, o sufrágio está consolidado. Cada ala bate no peito sua decidida intenção de apostar no escolhido há tempos. Cabos eleitorais Governadores eleitos no 1º turno, do PT ou simpáticos a Haddad, se esforçam para aumentar o voto no petista. Querem provar que farão barba, cabelo e bigode. Que são bons de voto. Vê-se esse esforço na Paraíba, no Ceará e no Piauí, com mais intensidade. No contraponto, as alas bolsonarianas reagem com furor, desfraldando suas bandeiras verde-amarelas. Redes sociais As redes sociais fazem a articulação das militâncias, mantendo o animus animandi, a agitação. Ciro Gomes foi para a Itália, evitando engajar-se na campanha petista. Apesar do "apoio crítico" a Haddad, persiste a dúvida: será que ele não gostaria de ver a débâcle do PT? A linguagem Bolsonaro conquista popularidade na esteira de uma linguagem debochada. Ao rés do chão. Impressiona como o eleitor o vê como um dos seus, comparável a Lula na imagem popular. Não passa a ideia de pessoa culta. Quanto mais rasteira a linguagem, mais parece agradar. O tal "mito" é: mistura de admiração ao militar, jeito simples e desbocado de ser, perfil de xerife que vai matar bandido, identificação da ordem contra a bagunça. Dizer, por exemplo, que os capitães "vão ter um dos seus em Brasília", como falou segunda ao visitar o Bope, no Rio, é coisa que coopta o coração da galera. Adeus comovido Tem-se, ainda, a impressão geral é a de que o voto em Haddad no Nordeste tem um jeitão de adeus comovido a Lula. Fraude Corre o sentimento de que as urnas eletrônicas são fraudadas por cabos eleitorais do PT em espaços com poucos controles. Ouvi diversas vezes essa denúncia em forma de lamúria. A teoria da conspiração inunda o território. Furor cívico Nunca vi e ouvi tanto furor cívico e interesse por eleições quanto presenciei nesses dias no Nordeste. Os nordestinos parecem ter descoberto o poder letal do voto. Fazem questão de recitar e acompanhar com os dedos os nomes dos perdedores da velha política. Sobram risadas após a contagem. O que se vê é um desfile de exclamações e interrogações sobre o amanhã. E ninguém quer comentar sobre eventual "reversão de expectativas", a possibilidade de um eventual governo Bolsonaro falhar. Mais forte Em suma, a onda bolsonariana é mais forte que a onda Haddad, com muita dificuldade para o PT resgatar seu peso eleitoral nesse 2º turno. A não ser que o capitão seja flagrado por monumental besteira, uma declaração contra as mulheres ou transgêneros, capaz de queimar sua imagem. Em política, não se pode excluir a possibilidade do Senhor Imponderável de Todas as Horas nos visitar. A guerra por cargos A campanha nem chegou ao final e já se vêem grupos e alas disputando espaços no futuro ministério dos dois candidatos. Haddad sinaliza simpatia pelo nome do professor Sérgio Cortella para o Ministério da Educação. Da parte de Bolsonaro, a disputa parece mais aguerrida com indicação de nomes para algumas Pastas. E poucos avançam nas hipóteses de insucesso de governos que terão de administrar a mais forte crise do país em sua contemporaneidade. Ou lá ou cá Poucos admitem alternativas como impopularidade do presidente em menos de três meses no cargo, autogolpe (como um general chegou a se referir), pautas retrógradas no Congresso, etc. O fato é que nenhum governo conseguirá o milagre de alcançar popularidade e, ao mesmo tempo, executar uma política de contenção de gastos públicos. E o Brasil não pode transitar mais na via da gastança. Uma coisa ou outra.
quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Porandubas nº 593

Renovação da política Nesses tempos de renovação partidária e, queira Deus, da purificação de alguns costumes, a coluna relembra essa história, como exemplo. Robaina, vereador do MDB de Bagé/RS, ficou no PMDB depois da extinção da Arena e do MDB. Vivo, pôs a mulher no PDS. O senador Pedro Simon estranhou: - Robaina, como é que você fica no MDB e sua mulher no PDS? - Pois é, presidente. Ainda tenho três filhos para a reforma partidária. O eleitor no furacão O pleito de 7 de outubro vai ficar marcado na história como o mais devastador da velha política nesses tempos de crises política, econômica e ética. O eleitor fez questão de dar um recado tão intenso, que nem mesmo as pesquisas detectaram seu impacto. A velha política foi jogada na cesta do lixo. Grandes figuras da política tradicional foram alijadas do processo. A renovação veio em cheio. Foi a eleição das surpresas. No contraponto, outsiders apareceram, entre os quais o empresário Romeu Zema, em Minas Gerais, e o juiz Wilson Witzel no Rio de Janeiro, que disputarão o segundo turno da campanha contra Antônio Anastasia e Eduardo Paes. Petismo e anti-petismo No plano presidencial, o pleito se caracterizou por ser uma disputa entre o petismo e o antipetismo, na esteira do clássico bordão tão ecoado pelos petistas: "Nós e Eles". O PT foi amplamente castigado pelo voto do Sudeste, maior reduto eleitoral do país (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) e, ainda, por enclaves do Sul, Centro-Oeste e Norte. O petismo deu boa resposta no Nordeste, onde, com exceção do Ceará (Ciro levou a melhor), Haddad bateu Bolsonaro. Quase 1º turno Com quase 50 milhões de votos, o capitão quase ganhou no 1º turno. Houve um empuxo na última semana, a formar uma onda bolsonariana que puxou classes médias, contingentes das margens, setores produtivos e engajamento de grupos identificados com as bancadas evangélica, agronegócio, profissionais liberais. O voto útil acabou não aparecendo na quantidade desejada e assim Ciro Gomes, que poderia ser o catalisador dessa modalidade, ficou para trás. Campanha inusitada Vimos uma campanha inusitada: mais curta, mais asséptica quanto à limpeza das ruas, mais contundente na área dos discursos, cheia de ódio entre os militantes. E mais: os dois mais rejeitados foram os dois mais desejados, a denotar que a polarização acaba jogando a questão da rejeição ao segundo plano. Também foi uma campanha onde o líder dos votos ficou praticamente afastado das ruas. O atentado que sofreu - uma facada na barriga em Juiz de Fora - obrigou-o a ficar em um hospital e em sua casa. Inversão Praticamente sem recursos, o capitão Bolsonaro inverteu a ordem dos eixos do marketing eleitoral: sem aparecer, teve a mais forte visibilidade em função do simbolismo que passou a representar e da forte inserção de seu nome nas redes sociais. Vídeos sobre ele correram nas redes. Tiradas picantes e algumas cheias de humor. Ganhou a batalha da comunicação de bico calado. A articulação social foi a perna do marketing mais desenvolvida nessa campanha: os movimentos organizados praticamente realizaram as tarefas dos cabos eleitorais. Radicalização Haddad foi empuxado de Lula, a partir da prisão na PF em Curitiba, onde praticamente montou o comitê central da campanha petista. O padrinho transferiu cerca de 40% dos votos do Nordeste para seu afilhado. Não passou mais pela onda bolsonariana que bateu na região na última fase da campanha, com eleitores cheios de vigor e dispostos a fazer carreatas. O bolsonarismo fez campanha com a tocha acesa, assumindo posições radicais. Foi mais forte que o PT na radicalização. O PT ficou refém da Lava Jato, escondendo os erros e malfeitos de dirigentes e ex-dirigentes envolvidos na operação. Dilma, a esquecida A ex-presidente Dilma Rousseff foi esquecida na campanha de Haddad. Ficou em Minas Gerais, onde esteve sempre na frente das pesquisas. Nunca o PT fez purgação de seus pecados, na tentativa de querer terceirizar as responsabilidades pelo mensalão e pelo petrolão. Dilma se consolava com a perspectiva de pode enfrentar no Senado seus acusadores e apoiadores do impeachment que sofreu. E eis que os mineiros lhe dão um novo castigo: sem votos para sua eleição. Será difícil para a ex-presidente voltar a ter importância na moldura política. Dirceu, o estraga festa José Dirceu, o maior estrategista do PT, cometeu o deslize de dizer que uma coisa é ganhar uma eleição e outra é tomar o poder. O que seria uma questão de tempo para o partido. O efeito foi o de dar medo, sob a ilação de que o PT poderia trilhar os caminhos de um golpe. Ruim para Haddad. Vamos acompanhar o 2º turno para captar a expressão de Dirceu. Mourão na contramão Da banda bolsonarana, a expressão que causou aborrecimentos foi a do vice, o general Mourão. Falou sobre o 13º de modo a dar lugar à especulação: Bolsonaro vai acabar com ele. Quis explicar os detalhes técnicos do 13º como se isso fosse o suficiente para melhorar a compreensão de sua fala. Pior. Deu ideia de que o assunto seria enfrentado em um governo do capitão, que acabou dando um puxão de orelha no general. Como o falador irá se comportar no 2º turno? Mudanças Que mudanças poderão ocorrer nos contingentes eleitorais? Vamos a algumas posições, a partir do reconhecimento de que os votos em campanha intensamente polarizada tendem a se manter. Mas é visível o esforço de Haddad para arrastar partidos e lideres do "centro democrático", como a ele se refere. Os votantes de Ciro Gomes e os setores intelectuais do PSDB tendem em grande parte a correr em direção a Haddad. Ma há tucanos que perfilarão ao lado de Bolsonaro, como o candidato ao governo de São Paulo, João Doria. Já FHC e seu entorno irão para a banda de Haddad. Ciro já declarou apoio ao petista. Isso importa? Autonomia do eleitor O que se constata nesse pleito é a autonomia do eleitor, sua disposição de não seguir os caminhos traçados por candidatos de quaisquer partidos. Uma parcela dos eleitores de Ciro até pode caminhar com Haddad, mas isso não significa que o pedetista transfira o voto de seus maiores redutos. Quem é contra o PT, não vai raciocinar sob o manto de conceitos de democracia, autoritarismo, liberalismo, social-democracia, etc. Há um ranço antipetista imune às doutrinas. PSL, o grande salto O PSL é o partido com a maior força vitoriosa. Com 52 deputados, vem logo depois do PT, ganha posição de 1ª bancada. E assim podemos descobrir que um nanico pode ser catapultado às alturas. Não se sabe o que ocorrerá com ele. Mas, ante a perspectiva de extinção de 14 siglas, em função das obrigações contidas na cláusula de barreira, a vingar já nesse pleito, pode ser que o PSL venha a ganhar uma leva de congressistas. A conferir. A cláusula da purificação A eleição de domingo, além de toda a varrição que provocou na política, ainda servirá para purificar a barafunda de partidos sem alma e quase sempre sem ideologia que infesta o panorama. Dos 35 existentes, 14 não conseguiram atingir um desempenho mínimo nas urnas e perderão instrumentos fundamentais para sua sobrevivência. Serão impedidos pela cláusula de barreira. A nova regra exige ao menos 1,5% dos votos válidos nacionais ou mínimo de nove deputados em pelo menos nove Estados. Esses partidos ficarão sem tempo de propaganda no rádio e na TV, sem os recursos do fundo partidário e sem estrutura no legislativo, como gabinete partidário, assessores, etc. Partidos sem verba. E seu futuro? Em princípio, deverão ficar de fora a Rede (de Marina Silva), o PC do B (vice na chapa do PT), o PRTB (aliado de Jair Bolsonaro), além de Patriota, PHS, PRP, PMN, PTC, PPL, DC, PMB, PCB, PSTU e PCO. Ainda não é uma lista definitiva, pois há pendências judiciais na contagem dos votos. Vai cair bem o número de partidos de mão estendida no toma lá, dá cá de nossa política. São Paulo As campanhas no Brasil mostraram surpresas, com o deslocamento dos competidores nas pesquisas de intenção de voto. Em São Paulo, o governador Márcio França, em terceiro, acabou desbancando Paulo Skaf, do MDB. França vai disputar com João Doria, do PSDB, cujo maior desafio é administrar a alta rejeição - 38% - pelo fato de não ter sido bem recebida pelo eleitor sua renúncia ao cargo de prefeito de São Paulo. França tem condições de aproveitar a maré crescente que o embala. João terá de bater forte no petismo. Para onde irá Alckmin? Mas seu apoio terá eficácia eleitoral? Em Minas Outro grande desafio do PSDB é o enfrentamento com Zema em Minas Gerais. Anastasia, até então, liderava com folga as pesquisas de intenção de voto. Até aparecer o fenômeno Zema, que vai de Bolsonaro. Um cultor do capitão. É possível que o 2º maior colégio eleitoral do país dê adeus ao tucanato. Mas o senador Anastasia é muito bem avaliado em sua administração anterior, a par de ser um político de alta expressão. E o nordeste? A região nordestina vai continuar sendo colorida pela tinta vermelha do petismo? É bem possível. Mas minha bola de cristal está envolvida por intensa névoa cinzenta, que não oferece condições para fazer prognósticos.
quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Porandubas nº 592

Abro a Coluna com um "causo" pernambucano Tá morto O caso deu-se em São Bento do Uma/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos: - Este está morto. Examinava outro: - Este também está morto. O cabo eleitoral se empolgava: - Já está até frio. De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, Dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou: - Mais um morto. O morto gritou: - Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado. O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele: - Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio? Chegando a hora Estas são as últimas Porandubas antes do pleito do domingo. Com o prognóstico fixado: Bolsonaro versus Haddad. Não vai dar tempo a dois candidatos - Ciro e Alckmin - passar Haddad para concorrer com o capitão no 2º turno. A única possibilidade que eles têm é um arranjo milagreiro: um acidente/incidente, até na área da expressão, algo que seja considerado uma aberração. Mas os dois que estão na frente vão se preservar. Tem um debate na quinta. O debate da TV Globo. Mas não creio que mude a moldura. Pode mudar o cenário Muito difícil haver mudança no cenário para o 2º turno. A não ser que o Imponderável dos Anjos nos faça uma visita na boca da eleição. (O imponderável apareceu por ocasião do acidente que vitimou o ex-governador Eduardo Campos, que seria forte candidato em 2014; e deu também as caras em Juiz de Fora, por ocasião da facada em Bolsonaro). O que se sente nessa reta final é a consolidação dos votos nos dois candidatos com viés de crescimento de Bolsonaro e viés de pequena baixa de Haddad. 2º turno A segunda rodada será um torneio muito aguerrido. É possível ocorrer tumulto de rua. Os militantes das duas bandas vão se engalfinhar. Há possibilidade de choque. Conflito. Murros recíprocos. As redes vão estourar com denúncias. Fakes news de todo lado. Contundência. Quem terá mais chance? Pela minha bolinha de cristal, Haddad perde fôlego ante a onda bolsonariana que cresce; Bolsonaro está subindo de patamar. Por quê? Pelo sentimento anti-PT, que nesses últimos dias ganha força. Ambos precisam administrar suas rejeições. A do capitão gira por volta de 44%; a do emissário de Lula, por volta de 38%. Diminuir rejeição? É possível? Sim. Dentro dessas hipóteses: a onda contra a volta do PT crescerá em termos geométricos; as falas inglórias de José Dirceu continuarão a corroer a imagem do petismo (ou será que Dirceu quer implodir cúpula do PT?); os ataques das militâncias eleitoras de Bolsonaro serão tão intensos contra o petismo, que conseguirão conter a onda de Haddad. E a rejeição de Haddad, que subiu para 38% segundo o Ibope, também poderá ser atenuada, caso o petismo convença indecisos de que seu candidato não é uma ameaça como Bolsonaro. (A rejeição a Haddad cresce e é maior do que a de Lula na última pesquisa como candidato do PT). O petismo trabalha com a ideia de medo da volta dos militares. Já o general Mourão produz falas devastadoras, mas Bolsonaro parece exibir o efeito teflon, nada de negativo cola nele. Denúncia de Palocci O juiz Sérgio Moro liberou partes da delação de Palocci. Traz um dado impactante: houve pagamento de propina para a inclusão de "emendas exóticas" em 900 das mil medidas provisórias editadas nos quatro governos do PT. Palocci também narra diversas formas de corrupção adotadas pela gestão petista em parceria com partidos aliados, associando diretamente o aparelhamento político da máquina pública à corrupção. Pega ou não? A denúncia conseguirá afetar a campanha de Haddad? Deverá consolidar votos de eleitores já decididos. É pouco provável que as margens tomem conhecimento dessas denúncias, de modo a compreendê-las e a torná-las fator de influência sobre sua motivação de voto. Nas classes médias, é possível que a denúncia demova algum eleitor ainda indeciso. Serão poucos a mudar na esteira da denúncia. Os votos de ambos estão consolidados. Apenas aumentarão a taxa de contundência dos discursos. São Paulo, eixo central São Paulo será decisivo na definição do vencedor. Aqui se concentra o voto racional, o voto de cabeça, o voto crítico, mais comparativo. Até 7 de outubro, é pouco provável que esse voto possa ser transferido a um perfil mais do centro. E depois do dia 7? Haddad poderia levar a melhor em SP? Há quem divise essa possibilidade, a partir da indicação de líderes do tucanato, como Fernando Henrique, que apontou Haddad como a opção de 2º turno. Mas FHC não está com essa bola toda. A polarização aguda deverá beneficiar Bolsonaro. Sob o lema: não deixar o PT voltar. Indecisão Um fenômeno a merecer registro: grande parcela das mulheres está indecisa a poucos dias da eleição. Índice atingiu 18%, ante 14% na mesma época da campanha de 2014. Alta de 4 pontos percentuais é inédita pelo menos desde 1994. Interessante: as mulheres protestaram contra Bolsonaro em movimentos por todo o país. Mas ele tem crescido junto às mulheres, pobres e ricos, segundo as últimas pesquisas. Dois planetas sangrando Não há como deixar de reconhecer: seja Haddad ou Bolsonaro o vitorioso, o Brasil, a partir de 1º de janeiro de 2019, será dividido em dois planetas: um, vermelho, outro, verde-amarelo, conforme se vestem os militantes dos dois candidatos. Esse ódio permeará as relações sociais por algum tempo. O Executivo terá grande dificuldade para dialogar com as forças congressuais. O que se vê é um PT desejando a peleja ideológica. Vai radicalizar mais ainda o discurso, sob a crença de que precisa "tomar o poder". Termos usados por José Dirceu. As bases parlamentares agirão sob a balança do pragmatismo. Quem der mais, ganha. O Judiciário será o palco elevado da briga política. A conferir. Tamanho das bancadas De acordo com pesquisas e análises dos potenciais partidários, damos, aqui, a última versão sobre as perspectivas da eleição de deputados federais (com os ajustes necessários para a somatória dar 513). PT-50; PP-50; PSDB-45; PSD-45; PR-45; MDB-40; DEM-36; PRB-36; PDT-29; PSB-25; PSL-18;PTB-17;SDD-1;PROS-10;PODEMOS-10;PCdoB-10;PSOL-10;PPS-8;PV-6;REDE-6; e NOVO-6. Cláusula de barreira Aproximadamente 18 partidos irão superar a cláusula de desempenho e poderão ter atuação plena no Congresso e nos Parlamentos Estaduais e Municipais. Também é importante ressaltar que apenas esses 18 terão acesso aos recursos do Fundo Partidário, para suas ações partidárias, assim como o acesso ao Fundo Eleitoral para as próximas eleições. Da mesma maneira, somente essas siglas terão direito ao uso gratuito dos meios de comunicação, seja em campanhas ou na apresentação de programas partidários. Por fim, vale registrar que acabaram as coligações nas eleições proporcionais (vereadores e deputados).Nas próximas eleições já não serão permitidas. A expectativa é a de que, por conta dessas mudanças, em 2023 tenhamos no máximo 10 Partidos. STF gera confusão Nossa mais alta Corte vive dias agitados. O último episódio que chamou a atenção foi o do pedido da Folha de S.Paulo para que o Supremo permitisse que Lula concedesse uma entrevista ao jornal. O ministro Lewandovski acatou o pedido. Mas o ministro Luiz Fux, vice-presidente da Corte, derrubou a autorização do colega. Lewandovski voltou a permitir, confrontando a decisão de Fux. Com o imbróglio tendendo a deixar o STF em maus lençóis, entrou em ação o presidente Dias Toffoli. Que acabou jogando a decisão para o Plenário, mas não agora. Uma entrevista de Lula nesse momento, reconhece a maioria dos ministros, influenciaria o processo eleitoral. Ficou a decisão para depois do 2º turno das eleições. Marketing capenga Um bom marketing ajuda a eleger, mas é o candidato quem se elege. Marketing mal feito, ao contrário, ajuda um candidato a perder as eleições. Não adianta um bom marketing se o candidato é um boneco sem alma. Candidato não é sabonete. Tem vida, sentimentos, emoção, choro e alegria. Portanto, muita coisa depende dele, de sua alma, de seu calor interno, de sua identidade. Marketing há de absorver essas condições para evitar transformar pessoas em produtos de gôndolas de supermercado. Em um primeiro momento, a inserção publicitária na TV até pode exibir o candidato de forma mais genérica, por falta de tempo para expor conteúdo. Mas o eleitor não se conformará com meros apelos emotivos e chavões-antigos, como os usados para embalar perfis saturados (candidatos beijando crianças e velhinhos, tomadas em câmera lenta mostrando o candidato no meio do povo, etc).
quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Porandubas nº 591

Abro a Coluna com o dr. Dantinhas, da Bahia. O vice-versa Dr. Dantinhas, deputado da Bahia, elo de todo um clã político do Estado (neto do barão de Jeremoabo), foi convidado para padrinho de casamento da filha de um coronel do sertão. No dia de viajar, recebeu telegrama: - Compadre, não precisa vir. Deu-se o vice-versa. Menina morreu. Reta final A 11 dias da eleição, os dois candidatos que estão na frente tentam consolidar seus índices, enquanto o núcleo que registra índices abaixo de 15% luta para aumentar os números de seus protagonistas. Bolsonaro, que agrega entre 30% a 35%, e Haddad, entre 23% a 26% (pesquisas diferentes), se esforçam para ganhar o passaporte do 2º turno. Ciro e Alckmin lutam para dar um salto triplo nessa reta final, mas se deparam com grandes dificuldades. Não conseguem atrair o "voto útil", que parece entrar na bacia dos dois primeiros, cada qual querendo se apresentar como a melhor opção para o Brasil. Entrada no segundo turno Desde a redemocratização, apenas duas vezes os líderes nas pesquisas de intenções de voto na reta final das campanhas não foram para o segundo turno - faltando duas semanas para a votação, os primeiros colocados das eleições de 1989 e de 2014 perderam fôlego e não terminaram o primeiro turno entre os dois primeiros colocados. Em 1989, Leonel Brizola, do PDT, esteve em segundo durante a maior parte da campanha, mas perdeu posição a menos de 15 dias da disputa para Luiz Inácio (PT), que viria a ser derrotado por Fernando Collor (PRN). Já em 2014, a candidata Marina Silva, na época disputando pelo PSB, perdeu fôlego na reta final da campanha, sendo superada por Aécio Neves (PSDB), que foi ao 2º turno e perdeu para Dilma Rousseff (PT). BTG/Pactual A rodada FS5, patrocinada pelo BTG/Pactual, e apresentada nesta segunda, traz esses resultados: na pesquisa espontânea, Bolsonaro tem 31%, Haddad, 17%, Ciro, 7% e Alckmin, 4%. Na estimulada, Bolsonaro tem 33%, Haddad sobe para 23%, Ciro, 10% e Alckmin, 8%. Em SP, maior colégio No maior colégio eleitoral do país, SP, com 33 milhões de eleitores, a situação hoje é esta de acordo com o Instituto Paraná Pesquisas: Fernando Haddad tem 14,7%, contra 14,4% de Geraldo Alckmin. Na liderança permanece Bolsonaro com 30,4% das preferências. No grupo abaixo, estão Ciro Gomes (7,9%), Marina Silva 5%. Temor a Bolsonaro - I Os eleitores que se postam na linha contrária a Bolsonaro temem que o Brasil volte a viver sob o tacão de uma ditadura, com supressão das liberdades, censura e a índole discriminatória do capitão: racismo, violação de direitos de minorias, de gêneros (mulheres), misoginia etc. As declarações de Bolsonaro, no passado, exibem um perfil extremamente conservador e agressivo. Por conveniência eleitoral, ele anuncia um manifesto onde tentará desfazer ditos do passado e proclamar seu respeito aos direitos individuais e coletivos. Persiste, porém, o receio de uma volta aos tempos da ditadura. Temor a Bolsonaro - II Teme-se que o candidato tenha dificuldades na articulação com o Congresso Nacional, ensejando, assim, condições para a repulsa/desaprovação a suas políticas e consequente erosão do tecido governativo. Eventual ruptura implicaria grave crise institucional, com participação, inclusive, do braço armado das forças. Temor a Haddad - I O temor que Fernando Haddad gera se liga ao revanchismo do PT, que, chegando ao poder, reinstalaria uma máquina burocrática locupletada de petistas. Que certamente vão querer "dar o troco" aos grupos que afastaram o partido do poder central. A questão: o PT continua se considerando o abrigo de vestais, gente pura, pessoas assépticas. O inferno, pensa, são os outros. Consideram-se os mocinhos, e os outros, os bandidos. São mestres na arte de mistificação e da simulação. Temor a Haddad - II Chegando ao poder, fincariam militantes e quadros de todos os espectros nas profundezas da administração, adotando a estratégia de tapar todos os buracos para coibir o ingresso de adversários. A partidarização da estrutura estatal é apenas um lado da moeda. O pacote de políticas públicas será embrulhado no celofane vermelho do partido. O desfazimento de projetos levados a cabo pelo governo anterior poderia, ainda, entornar o caldo e gerar tensões com o Poder Legislativo. Exemplo: a volta da velha CLT com revogação da Reforma Trabalhista. A rejeição Ocorre que a rejeição aos dois candidatos é alta, com cerca de 30% para Haddad e 40% para Bolsonaro. Ao candidato petista cobra-se aproximação com o mercado. Daí o esforço de Hadad para tentar se aproximar do centro, o que não agrada à presidente do PT, senadora Gleisi. Mas há um grupo mais moderado que defende esta postura. Já o candidato Bolsonaro ensaia passos na direção da moderação, com um manifesto onde proclamaria não ser radical, tentando convencer que suas palavras no passado faziam parte do teatro político. O capitão perde para os adversários na projeção para 2º turno. Ganharia apenas de Marina. Tucanos de MG Jair Bolsonaro acaba de dar apoio ao candidato mineiro ao Senado da coligação de Anastasia, Dinis Pinheiro. Significa que o capitão passa a capitalizar boa parte do eleitorado do PSDB em MG, que detém o segundo maior colégio eleitoral do país, com 16 milhões de eleitores. Rede ferroviária, zero Um dado que provoca susto: a rede ferroviária no Brasil tem praticamente a mesma extensão de 1922, quase um século depois: 30 mil kms, dos quais apenas 20 mil são usados. É de estarrecer. Lembre-se que nossa rede já foi a segunda mais extensa do mundo. Mais zeros: no passado, 80% dos deslocamentos de passageiros entre cidades do Sul/Sudeste eram feitos por ferrovia. Hoje, esse índice é de zero. Brasil sucateado Renato de Souza Meirelles, integrante da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária, comenta que a entidade preparou um documento com um diagnóstico assombroso sobre o setor e fez a entrega aos presidenciáveis. Os dados retratam o estado caótico das ferrovias: as fábricas de material rodante e sistemas ferroviários terão sua capacidade ociosa, hoje em torno de 75%, para 100%, pois "não há previsão de fabricação de trens para 2019", um dos piores momentos do setor. Como fazer? De 2010 a 2017, foram entregues em média 334 carros de passageiro por ano. Este ano, as entregas se reduzem a 298, chegando a zero no início do novo governo. De 10 mil postos de trabalho, o setor empregará apenas 2.500 em 2019, queda de 75%. A questão central levantada por Meirelles é: "como fazer para a volta dos investimentos? Como investir em Estados que estão no limite de seu endividamento?" Impugnação A candidatura de Dilma Rousseff foi aprovada pela Justiça Eleitoral de MG por 4 a 3. Mas há quem garanta, como o professor Adilson Dalari, que, se eleita, não tomará posse. Recorre ao pensamento de juristas como o Desembargador Rogério Medeiros, que emitiu parecer contrário à candidata ao Senado. O voto do desembargador examina detalhadamente a questão da perda dos direitos políticos em outras situações para chegar, finalmente, ao indeferimento do registro da candidatura dela ao Senado. Embora o TRE/MG tenha deferido o registro da candidatura da Dilma, Adilson não considera o assunto encerrado. Garante que sua posse será impugnada. Democracia em crise O cientista político americano Larry Diamond, da Universidade Stanford, ao passar pelo Brasil há dias, fez um alerta sobre o panorama da democracia e suas perspectivas no curto e médio prazos. Populismos e posições extremistas à direita e à esquerda têm ganhado força como resultado do descrédito dos regimes democráticos ao redor do mundo. Para ele, Putin, Trump, Maduro, Le Pen e Erdogan têm em comum uma verve autoritária e intolerante. A falta de fé na democracia, segundo o especialista, nasce e se dissemina somente quando há mau governo, abuso de poder ou instituições frágeis. Justiça social Diz ele: "as alternativas autoritárias têm vida curta porque não são capazes de atender aos anseios populares de mais liberdade e menos corrupção. O caminho passa pelo aprofundamento das instituições e pela criação de regimes democráticos que consigam ir além da transparência nas eleições e consigam, também, garantir justiça social e representatividade." Causos do juiz plínio Fecho a coluna com dois causos do juiz Plínio. De cócoras Plínio Gomes Barbosa era juiz de Direito em Monte Aprazível, São Paulo. Chegou um promotor novo: Edgar Magalhães Noronha. Na primeira audiência, o promotor estava todo cerimonioso: - Doutor juiz, devo requerer de pé ou sentado? - O senhor se formou há pouco? Onde? - Minha escola o MEC fechou. - Então requeira de cócoras. "Me retiro" Numa Vara da Fazenda, no interior de São Paulo, o perito era coronel do Exército e o juiz, Plínio Gomes Barbosa, não sabia. Houve discussão, o coronel começou a gritar, o juiz bateu a mão na mesa: - Se o senhor continuar nesse tom, ponho-o daqui para fora. - Não saio, não. Sou coronel do Exército. - Então quem se retira sou eu, que sou reservista da 3ª categoria. E deixou o coronel sozinho.
quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Porandubas nº 590

Abro a Coluna com um "causo" de Arandu, em São Paulo. Empregue o plural, Zé  Arandu, em São Paulo, começou sua história como pequeno povoado, no bairro do Barreiro, no município de Avaré. Em 1898, um pedaço de uma fazenda leiteira da região foi doado para a construção de uma capela. Elevado a distrito de Avaré - SP, em 1944, recebeu na ocasião a atual denominação. Em 1964, conquistou a emancipação política. No primeiro comício, os candidatos a prefeito foram fartos em promessas. Dentre eles, o agricultor José Ferezin. Subiu ao palanque e mandou brasa: "Povo de Arandu, vô botá agua encanada, asfaltá as rua, iluminá as praça, dá mantimento nas escola...". Ao lado, um assessor cochichou: "Zé, emprega o plural". O palanqueiro emendou: "E mais: Vô dá emprego pro prural, pro pai do prural e pra mãe do prural, pois no meu governo não terá desemprego". (Historinha enviada por Márcio Assis)   Primórdios   "Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma)  Afunilamento A campanha está afunilando. Depois de meses de nebulosidade, eis que os horizontes começam a clarear. Os nomes e cenários finais começam a surgir, mostrando a tendência do eleitorado composto por mais de 147 milhões de eleitores, dos quais 52% são mulheres. Jair Bolsonaro, no posto de candidato de extrema direita, consolida sua boa posição e tem ingresso praticamente certo no segundo turno. Fernando Haddad, ungido pelo eleitor de maior influência eleitoral no país, Luiz Inácio Lula da Silva, é o mais indicado para fazer companhia ao capitão. Mas pode haver, ainda, a onda do voto útil nos 15 dias finais de campanha. Voto útil Se a onda do voto útil aparecer - Aécio Neves se aproximou de Dilma em 2014 nos últimos dias ancorado nesse tipo de voto - é possível que Ciro Gomes ou Geraldo Alckmin ascendam ao posto que hoje é de Haddad. Para vencer Bolsonaro, as pesquisas apontam Ciro como o candidato com a maior diferença. O voto útil, se ocorrer, virá especialmente do Sudeste. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro somam mais de 60 milhões de votos. Nesses três Estados, que formam o Triângulo das Bermudas, onde navios perdem o rumo e acabam afundando, estão as mais esclarecidas classes médias, as maiores entidades de organização social, os maiores contingentes de profissionais liberais, enfim, os mais fortes polos de voto racional. A questão é... Ocorre que o eleitor é pragmático. Se perceber que Bolsonaro pode levar a melhor logo no dia 7 de outubro, pode despejar seu voto na direção do capitão. Por que Alckmin não se beneficiou desse voto? Porque errou muito ao bater em Bolsonaro em vez de bater no PT, alvo principal. Não conseguiu se formar como o antídoto contra o lulopetismo. Só agora começa a bater. Parece tarde. Já Ciro Gomes deveria ter fixado mais o pé no eixo São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde estão as maiores fatias do eleitorado. Brasil rachado O país que irá às urnas em 7 de outubro está rachado ao meio. Seja qual for o vencedor, vai enfrentar um eleitorado dividido, com cerca de metade da população distante de sua posição. O PT, se for o vencedor, vai reabrir feridas. Os petistas habitam um pedaço do território que consideram de sua exclusiva propriedade, são vingativos, loucos para voltar a ocupar a máquina do Estado e, dessa forma, continuarão a criar um mundo à parte, escancarando as fontes que derramam bílis e sangue sobre o tecido social. Para os petistas, não foi o ciclo lulopetista que abriu o lamaçal, a partir do mensalão, e quebrou o país. Dilma foi praticamente relegada ao esquecimento, não sendo responsável pela maior recessão econômica que o Brasil enfrentou na contemporaneidade. Quem ganhar As projeções apontam para uma margem mínima entre os dois candidatos que chegarão ao 2º turno. Quem ganhar, terá entre 2% a 3% de diferença do perdedor. Pau a pau. O Brasil sob Bolsonaro Se Jair Bolsonaro for o vencedor, governará um país rachado. E se, por acaso, puser em prática sua visão extremista - com a adoção de posições radicais - vai ter problemas sérios com a base parlamentar no Congresso. O mercado poderá esperar pelas medidas liberais de seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, mesmo assim, sob a lupa do mercado. Quanto à visão armamentista - e liberação de armas para a população, por exemplo - é razoável apostar em ampla discussão da matéria pelos canais da sociedade. Poderá costurar uma teia de acordos com o Parlamento, mas sob o signo da desconfiança. Há militares que defendem um "autogolpe" em "caso de caos". A recordação dos anos de chumbo será recorrente. O mito demoraria muito tempo na cabeça das pessoas? O Brasil sob Haddad Nesse caso, o Brasil ficará sob o império de Lula. Que mandará no governo, podendo assumir o que quiser, segundo acaba de garantir a senadora Gleisi Hofmann. Haddad já é um fantoche. E continuaria no papel caso seja o vitorioso. O Brasil do PT vai buscar medidas de caráter populista, acabando com o teto de gastos, fomentando o consumo, procurando ampliar o colchão social. Conseguirá? Os petistas vão ocupar as extensões da máquina, tentando recuperar antigos cargos e criando outros. Vai ser uma festança. As parcerias partidárias serão refeitas. Sob a teia da fisiologia. A divisão na sociedade será marcante. O ódio fluirá das destilarias fincadas no meio da pirâmide. 1º turno? Há análises apontando eventual vitória de Bolsonaro no 1º turno, empurrado pelo "voto útil" do centro e do centro-direita. Esse voto seria um esforço eleitoral para evitar a volta do PT. Não se sabe se o capitão venceria Haddad em um 2º turno. João Doria levou no 1º turno a prefeitura de São Paulo, na esteira do temor da volta de Haddad. Anastasia e Dilma O senador Antônio Anastasia distanciou-se bem de seu adversário, o governador Fernando Pimentel, na campanha para o governo de Minas Gerais. Interessante é o voto do mineiro. Enquanto tende a eleger um tucano para o comando do Estado, pode levar ao Senado a ex-presidente Dilma Rousseff, que naquela Casa deve passar os primeiros tempos sob a amargura do discurso "golpista", quando tentará repaginar sua identidade. Na verdade, vai conviver lado a lado com "os golpistas" que aprovaram seu impeachment. Será uma das boas histórias que viveremos em 2019. Afinal, poderia? A pergunta está na boca de juristas. Um presidente afastado perde os direitos políticos. O trambique combinado pelo ministro Ricardo Lewandovski e o então presidente do Senado, Renan Calheiros, teria sido uma afronta ao Direito. Garantem eminentes juristas. A norma? Ora, bolas Alguns candidatos continuam a usar os velhos métodos de propaganda eleitoral. Principalmente na parte da fala do povo. Muita fajutice. O PT, por exemplo, mostra no programa do Haddad uma senhora, Cleide da Rocha, que diz ter sido cortada do Bolsa Família. A mulher aparece chorosa. Só que recebeu R$ 269 em agosto. Deixará doravante de receber por ter renda de beneficiários superior ao limite. Um blefe. Mas a Justiça Eleitoral só age ante as denúncias sobre os malfeitos. Falso Circula no Facebook a imagem de um "levantamento" que teria sido feito pelo Instituto Paraná Pesquisas, dando a Jair Bolsonaro mais de 50% das intenções de voto nos Estados do Brasil, exceto Ceará e Alagoas. A imagem informa que pesquisa foi registrada no TSE. Usuários do Facebook solicitaram que o material fosse analisado. O site Lupa analisou. É falso. O último levantamento do Paraná Pesquisas foi em 12 de setembro, mostrando Bolsonaro com 26,6% das intenções de voto. Não há qualquer discriminação de percentuais por Estado nesse estudo. Os ciclos da política Um dos maiores pensadores belgas, o jornalista e cientista político David Van Reybrouck, em um livrinho intitulado Contra as Eleições, lembra os ciclos da política:  1- Antes de 1800 Do período feudal à época absolutista, comanda a aristocracia.O poder pertence ao soberano. Atribui-se sua autoridade à origem divina. Com conselheiros nobres (cavaleiros, membros da corte), ele dita as leis.Não há esfera pública.  2- 1800 A Revolução Norte-Americana e a Francesa limitam o poder da aristocracia e instauram eleições para dar voz à soberania popular. A autoridade não vem mais do alto, mas de baixo. O direito a voto é ainda restrito à elite. O debate público acontece, sobretudo, nos jornais.  3- 1870-1920 Duas evoluções cruciais por toda parte: surgimento de partidos políticos e instauração do sufrágio universal. As eleições tornam-se uma luta entre grupos com interesses divergentes que procuram representar a maior fatia da população possível.  4- 1920-1940 A crise econômica do período entre-guerras coloca a democracia representativa em alta-tensão. Caem disjuntores aqui e acolá. Experimentam-se novos modelos políticos: o fascismo e o comunismo sendo os principais deles.  5- 1950 A democracia representativa é surpreendentemente reestabelecida. O poder está nas mãos dos grandes partidos políticos. O contato com o cidadão é feito através de uma série de organismos intermediários (sindicatos, corporações, em alguns casos estabelecimentos de ensino e mídias privadas). Há grande fidelidade partidária e os resultados das urnas são previsíveis. A mídia (rádio e televisão) pertence ao Estado.  6- 1980-2000 Dois desenvolvimentos decisivos: desfazem-se os organismos intermediários e a mídia comercial ganha poder. O sistema eleitoral torna-se instável. À medida que a esfera pública se preenche com atores do setor privado (a mídia pública também adota a lógica do mercado), deteriora-se a fidelidade partidária. Os partidos políticos não são mais os principais representantes da sociedade civil, e sim meros órgãos da periferia do aparelho do Estado. As eleições transformam-se em uma disputa midiática para conquistar eleitores (indecisos). 7- 2000-2020 As redes sociais e a crise econômica colocam a democracia representativa novamente sob pressão. A nova tecnologia traz autonomia, mas coloca o jogo eleitoral sob ainda mais pressão: a campanha eleitoral tornou-se permanente. O exercício do poder sofre de febre eleitoral, sua credibilidade está sempre à prova. A partir de 2008, a crise financeira joga mais lenha na fogueira. Prosperam o populismo, a tecnocracia e o antiparlamentarismo.
quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Porandubas nº 589

Abro a coluna com uma historinha do padre Elesbão, das Minas Gerais. No confessionário Numa cidadezinha de Minas, Padre Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo: O Vigário só confessará: 2ª feira - As casadas que namoram. 3ª feira - As viúvas desonestas. 4ª feira - As donzelas levianas. 5ª feira - As adúlteras. 6ª feira - As falsas virgens. Sábado - As "mulheres da vida". Domingo - As velhas mexeriqueiras. O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se: - Freguesia boa é a minha... mulher lá só se confessa na hora da morte! (Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre) Bolsonaro anima plateias A campanha esquenta sob o calor da emoção gerada pelo atentado ao candidato Bolsonaro. O imponderável, mais uma vez, fez questão de nos visitar para adensar a fumaça no horizonte. A 25 dias do pleito, não se sabe o que vai acontecer. A militância bolsonariana está gritando seu nome nos bares, nas praças e, para agredir opositores, por ocasião de visita de outros candidatos a recantos das cidades. Militantes estão mostrando a cara. Nas redes sociais, desferem pauladas em quem se opõe ao capitão. A emoção A expressão cheia de bílis, que se ouve em todos os cantos do país, se alimenta de um composto político caracterizado pelo radicalismo que habita os extremos do arco ideológico, onde exércitos de Bolsonaro jogam sua artilharia pesada contra a militância petista, gerando recíproco tiroteio na arena das redes sociais. Sob essas duas fontes de conteúdo - a bandidagem e o lulopetismo - expandem-se os fluxos de emoção, provocando engajamento mais intenso em regiões menos desenvolvidas politicamente como o Nordeste (26,62% dos votos), o Norte (7,83%) e o Centro-Oeste (7,29%). A população eleitoral dessas regiões chega a mais de 61 milhões de eleitores. Trata-se de um eleitorado integrado ao território conservador, onde é forte o voto populista/cabresto, de teor emotivo. A razão Já o discurso da razão é mais intenso nos estratos médios da pirâmide social, particularmente nas regiões Sudeste (43,38% dos votos) e Sul (14,42%), com a observação de que os sulistas tendem a surfar na onda do voto de cunho nacionalista, enquanto os votos de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, onde habitam as mais poderosas classes médias e as maiores organizações sociais, estão mais próximos ao abrigo da racionalidade. Nesse caso, a opção de votar fica para os momentos finais, após uma varredura na moldura dos candidatos e análise de suas qualidades. Entre 20% a 30% Se Bolsonaro segurar seu índice de intenção de voto - 24%: subiu dois pontos segundo a última pesquisa Datafolha -, entrará no segundo turno. A dúvida é se conseguirá ou não sustentar sua posição. Pelo andar da carruagem, continuará fazendo campanha a partir do quarto do hospital Albert Einstein onde se recupera. De 8 segundos de TV, ganha visibilidade total na rede aberta. Seus filhos e adeptos continuarão a enviar fotos da convalescença. Pesquisa do BTG Pactual lhe deu 30%. Aliás, os bancos continuam a acompanhar a trajetória do candidato por meio de tracking - pesquisa telefônica. Esse tipo de pesquisa mostra que Bolsonaro cresceu mais que a oscilação de dois pontos para cima dentro da margem de erro. Sudeste Bolsonaro tem como ponto nevrálgico o Nordeste, onde se abrigam quase 27% dos votos. Lá, Ciro Gomes cresce. E no Sudeste, que tem 43,38% dos votos (63.902.486 votos), o capitão precisa evitar que eventual onda racional tire dele alguns votos. Só SP, com 22% do eleitorado (33 milhões de eleitores), foi o destino de 44% das visitas dos candidatos a presidente nessa primeira temporada de campanha. Essa é a região onde Alckmin espera crescer. Se não conseguir subir por aqui, Alckmin certamente não ganhará passaporte para o segundo turno. Ainda mais quando o Nordeste lhe fecha as portas. O fato é que da região mais esclarecida do país, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, poderá sair a vitória eleitoral. É aí onde o voto mais se esconde. No Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde o voto segue o coração, o sufrágio se repartirá em volumes maiores para Ciro, Haddad e Marina. Marina cai Ocorre que Marina Silva tomou uma queda nessa última pesquisa Datafolha. Este analista apontou essa possibilidade lá atrás. E a razão é sua pequena estrutura de campanha. Não tem apoio de grandes partidos e cabos eleitorais. Marina é a encarnação do perfil ético. Mas está difícil romper as velhas estruturas. Ciro cresce Já Ciro Gomes, com sua metralhadora falante, está crescendo. É quem melhor se expressa. Usa palavras fortes, faz duras críticas e está presente aqui e acolá. Ciro tem condições de lutar pelo segundo turno. Só nos últimos dias deverá ocorrer o processo de seleção final dos candidatos pelos eleitores. E é muito provável que Ciro seja o beneficiário do voto útil, aquele que não irá nem para o PT nem para Bolsonaro. Alckmin devagar Geraldo Alckmin caminha devagar. Seria o natural herdeiro do voto útil se tivesse encarnado o perfil do meio contra os extremos, Haddad e Bolsonaro. Mas o tucano anda a passos de tartaruga. Quase se arrastando. Se o eleitor enxergar nele condição de entrar no segundo turno, ainda seria possível destinar a ele o voto. Por enquanto, o ex-governador de São Paulo é uma incógnita. Hoje, está perdendo para Bolsonaro em São Paulo, Estado que governou por quatro mandatos. Haddad, Andrade, Andar Fernando Haddad ganhou ontem o status de candidato por obra e graça do "Salvador da Pátria", dom Luiz Inácio. De dentro de sua sala de despachos na PF de Curitiba, Lula entronizou o ex-prefeito de São Paulo, batizando-o com o slogan: "eu sou você". Sairá o "Lula dois", o intelectual Haddad, a andar pelo país pregando a metamorfose: "Lula sou eu". Dará tempo até 7 de outubro pregar a mentira e enfiá-la na cuca do eleitor? Andrade, como é chamado no Nordeste, não tem aparência como Lula. Não fala igual a ele, não pensa igual a ele, é um acadêmico - coisa que não combina com o perfil de Luiz Inácio - e também passa longe do feeling político do ex-presidente. Transferência de votos Mas se Lula conseguir usar seu bastão mágico e passar para Haddad uns 20% de votos, não se descarta a possibilidade do ex-prefeito paulistano adentrar a porta do segundo turno. Nesse caso, veremos a polarização entre perfis abrigados nas extremidades do arco ideológico. Nesse caso, teríamos o voto de exclusão. Parcela do eleitorado votando em Haddad para evitar Bolsonaro; e parcela do eleitorado votando em Bolsonaro para evitar Haddad. Ufa! Eleger alguém com um voto de exclusão - não por opção - é o retrato de um país rachado ao meio. Derrota de Bolsonaro Impressiona a rejeição a Bolsonaro: cerca de 40%. Um alto índice. Pela pesquisa Datafolha, perde para todos os candidatos, menos para Fernando Haddad. O fato é que ele carrega o facho de "candidato mais rejeitado". A parte que o rejeita estabelece o nexo entre ele e os militares, nesse caso, lembrando os tempos de chumbo, a ditadura. Já os eleitores de Bolsonaro o identificam com a "ordem contra a bagunça", o antídoto contra o PT. Essa é a visão geral do eleitorado. Pacote de macarrão Evitar ser flagrado em mentira ou dissonância: eis o calcanhar de Aquiles dos candidatos. E isso ocorre geralmente quando um candidato é instado a mudar de identidade ou esconder o que disse no passado. O eleitor percebe quando a pessoa torna-se artificial, um mero produto de marketing. E candidato não pode ser trabalhado como se trabalha um sabonete, um pacote de macarrão. Alckmin e a marca anti-pt Geraldo Alckmin vê distante a possibilidade de vestir o manto de "anti-PT número 1". Perde a condição para Bolsonaro. Passou muito tempo de campanha atacando o capitão. Só agora começa a atacar o PT. Tarde. Deveria ser considerado o antídoto contra o lulo-petismo. Mas seus marqueteiros, possivelmente induzidos por pesquisas mal interpretadas, vestiram nele o manto de anti-Bolsonaro, esquecendo Fernando Haddad, só agora lembrado. Um erro. Deveria, ao menos, fazer sério alerta contra os dois. E de maneira criativa. Este spot não apareceu. Pelo menos até o momento. Prisão de Richa A prisão do ex-governador e candidato a senador, Beto Richa, no Paraná, deve respingar na campanha de tucanos pelo Brasil afora. Pela proximidade, a campanha de Alckmin em São Paulo ganha uma tropeçada. Só agora Tem-se a impressão de que só agora o eleitor toma conhecimento da campanha. O Não Voto - abstenção, votos nulos e brancos - refluiu bastante nos últimos dias. Queda de 10 pontos. Hoje, situa-se em torno de 25% a 28%. Já foi de 40%, segundo pesquisas. Golpe? Não O Blog do Noblat pesquisou: "Você é a favor de um golpe militar em vez da realização de eleições livres"? Responderam assim 9.565 leitores: 22% - Sou a favor do golpe 72% - Sou contra o golpe 06% - Não sei Ambição desmesurada No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder". Campanha negativa A campanha negativa é a do ataque ao adversário, seja lembrando frentes abandonadas, seja tentando vincular propostas novas com situações escandalosas, como promessas mirabolantes de acabar com inclusão do eleitor no SPC. Os profissionais de marketing podem, até, se respaldar em pesquisas para decidir usar as armas de ataque em campanhas. Em casos específicos, principalmente quando fica consagrada uma gestão irresponsável em alguma área - como a da saúde - mostrar cenários devastados pode gerar efeitos. Contanto que essa estratégia seja comedida, usada de maneira tópica. Não deve significar o eixo de um programa. O eleitor quer ver coisas positivas. Nos Estados Unidos, os ataques ganham mais eficácia em função do embate histórico entre os partidos democrata e republicano.
quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Porandubas nº 588

Abro a coluna com uma historinha do Pará. Socorro, socorro! João Botelho, candidato a prefeito de Belém, passou o dia inteiro anunciando um comício, à noite, na praça Brasil. Chegou na praça, não havia ninguém. Será que estou no lugar errado? pensou. Será que não estou enganado? Perguntou ao assessor. - Não houve engano não, deputado, a praça é esta mesma. Foi ao bar mais perto, pediu dois caixotes de madeira, pôs no centro da praça, subiu e passou a berrar alucinado: - Socorro, Socooorro, Socoooooooro! Correu gente de todo lado para ver o que era. Plateia arrumada, Botelho começou o comício: - Socorro para um candidato... E fez o comício. Tragédia O incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio, o mais antigo do país e uma das mais importantes instituições científicas e antropológicas da América Latina, queimando cerca de 20 milhões de itens, é o mais evidente exemplo da incúria e do desleixo com que o poder público trata o patrimônio da Nação. Todos apontam: era a crônica de uma tragédia anunciada. Como uma instituição que completa 200 anos não tinha estrutura de prevenção de incêndios? Como o maior abrigo cultural do país foi tratado de maneira tão irresponsável por governos ao longo de sua história? E assim caminha o Brasil na rota do descalabro. A politização do incêndio Do Blog BR 18, de jornalistas do Estadão. "Além do presidenciável Guilherme Boulos, do PSOL, dirigentes do PT e de partidos aliados tentaram politizar de forma oportunista o incêndio do Museu Nacional com publicações nas redes sociais. Da turma do PT, fazem parte da lista a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e o senador Lindbergh Farias. Manuela d'Ávila, do PC do B, vice do vice de Lula, seguiu no mesmo caminho. Depois, ela apagou o post, mas ele já havia sido "printado" por internautas. Manuela e os petistas dizem que o incêndio foi resultado do teto dos gastos e do "austericídio", mas o Museu Nacional está sob responsabilidade da UFRJ, que tem autonomia financeira e administrativa para gerenciá-lo. O reitor da UFRJ, Roberto Leher, é filiado ao PSOL de Boulos. Também fazem parte do PSOL outros dirigentes da Universidade". O tiroteio começou A orquestra de comunicação da campanha começou a tocar hinos laudatórios de candidatos e brados de guerra contra adversários. Como se previa, cada candidato promete ser o melhor, aquele que possui as melhores propostas para o país. Concentram forças e desenvolvem esforços, nesse início de campanha, no Sudeste, particularmente em São Paulo, com seus 33 milhões de eleitores. Desta feita, vemos uma cobertura de imprensa mais intensa, com as agendas dos principais candidatos sendo diariamente expostas. Ou seja, o discurso chega ao eleitorado. Impacto Os filmetes de desconstrução de perfis chamam a atenção. Dois deles partem da equipe de campanha de Alckmin e tentam atingir Jair Bolsonaro. Um deles resgata diálogos agressivos do candidato com a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e com uma jornalista. Os episódios, com expressões ríspidas, procuram mostrar como Bolsonaro trata as mulheres. Donde vêm as perguntas: "você gostaria de ser tratada assim? Que sua mãe fosse tratada assim? Que sua filha fosse tratada dessa forma? Você gostaria de ter um presidente que trata as mulheres como Bolsonaro trata?" À bala A resposta dos Bolsonaro veio logo. "Sr. Geraldo Alckmin, vulgo 'merenda', essa é a mensagem que o Brasil precisa. Necessitamos de homens e mulheres para botar ordem nesta baderna que pessoas como o senhor insistem em perpetuar", respondeu Eduardo Bolsonaro, o deputado filho do candidato em tuíte acompanhado de um vídeo ironizando o filme de Alckmin. No vídeo, uma bala perfura vários objetos e estanca perto da cabeça de uma criança, com os dizeres "não é na bala que se resolve" - clara referência à proposta de Bolsonaro de liberar o porte e o uso de armas no país. "Vamos mudar o sistema corrupto, nem que seja na bala", completa Eduardo. Foco está errado? Geraldo Alckmin está certo em escolher como alvo, nesse momento, o candidato Bolsonaro? Ao que se sabe, essa estratégia deve ter sido testada por pesquisas com grupos. Ora, sabemos que tais pesquisas tomam o rumo que alguns "iluminados" querem, a partir de perguntas que invariavelmente conduzem às respostas desejadas. O fato é que Bolsonaro é mais fácil de ser derrotado em um segundo turno do que o candidato do PT, adversário histórico do PSDB. PT como alvo O PT é o responsável pelo desastre que abala o país desde o mensalão. A maior recessão econômica da história brasileira foi perpetrada pelo ciclo lulo-dilma-petista. Alckmin deveria assumir a posição de adversário número 1 do petismo. Para tanto, precisa deslocar Fernando Haddad, tirando sua chance de ser o opositor de Bolsonaro no segundo turno. Mais eficaz seria um ataque massivo ao petismo, pelo menos nesse momento. 5 horas de reunião O Comitê Político/Eleitoral do PT, sob comando de Fernando Haddad, teve uma reunião de horas, ontem, com Lula em seu escritório na prisão da PF em Curitiba. Acompanharam Haddad os advogados Cristiano Zanin, Valeska Zanin, Eugênio Aragão e Luiz Eduardo Greenhalgh. Impedida de ver Lula como advogada, Gleisi ficou do lado de fora da PF. Só mesmo no Brasil algo tão inusitado. Sinais claros: 15 de setembro Em meados deste mês, poderemos ter sinais mais claros da tendência eleitoral. Duas semanas de programa eleitoral devem nortear os rumos das candidaturas. Os nomes dos protagonistas serão conhecidos, seus discursos serão ouvidos e tudo indica que haverá movimento de ascensão e queda de posição. A dúvida que se apresenta mais forte, hoje, envolve as possibilidades do tucano Geraldo Alckmin, que dispõe do maior tempo de rádio e TV. A audiência dos programas, a partir do dia 15 de setembro, tende a refluir para voltar a subir nas duas últimas semanas, ou seja, a partir de 25 de setembro. Por enquanto... Os cenários continuam sendo praticamente os mesmos, com chances de Bolsonaro, Haddad, Ciro Gomes, Alckmin e Marina de conseguir ingressar no segundo turno. O fato é que Lula fora do páreo põe uma camada de nuvens sobre a possibilidade de Haddad. Vai depender da grande transferência de votos do lulismo para o ex-prefeito de São Paulo no Nordeste. Já Alckmin dispõe da arma da mídia eleitoral. Será o mais exposto. Marina se movimenta e pode, também, herdar votos de Lula no Nordeste. Ciro vive sob a ameaça da língua solta. Meirelles, esse parece sem chances. De todo esse quadro, emerge a posição de liderança de Bolsonaro sem Lula candidato. Mesmo assim, há quem o veja fora do segundo turno por conta do seu curto tempo na mídia eleitoral. Por enquanto, sustenta a posição. A raposa e o leão "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". Conselho do velho Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las". Pesquisa de banco Lula cai e empata com Bolsonaro em 21% no voto espontâneo, diz BTG Pactual. Em cenário com Haddad, militar tem 26%, Alckmin fica com 6% a 8%. O 1º levantamento de intenção de voto do banco BTG Pactual, realizado pela FSB Pesquisa, após o início da propaganda eleitoral na TV e no rádio indica uma queda acima da margem de erro no percentual de intenção de votos do ex-presidente Lula no cenário espontâneo, em que não são apresentados os nomes dos candidatos. Recurso no Supremo Ministro do STF que votou recurso de Lula no TSE não pode relatar pedido de liminar naquela Corte, o que deixará de fora os ministros Rosa Weber, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O regimento diz que quem participou do julgamento eleitoral será excluído da distribuição da relatoria de recurso no STF. Testando a Justiça O PT não tem jeito. É mesmo um partido de contestação. Mesmo proibido de inserir Lula na programação como candidato, decidiu testar a Justiça Eleitoral. Optou por não adaptar programas de rádio para ver a reação dos juízes. Mas com a multa imposta pelo ministro Luiz Felipe Salomão, de R$ 500 mil por reprodução em caso de descumprimento, o partido deve fazer as adaptações, fazendo com que Lula apareça com 25% de tempo permitidos pela lei eleitoral e Fernando Haddad, que deve assumir a candidatura, com 75% do tempo. Napoleão e Sherman É bom recordar as lições de Napoleão. Que dizia: faire som thème em deux façons (fazer as coisas de dois modos). O general William Sherman, que comandou a campanha de devastação durante a Guerra da Secessão norte-americana, também lembrava: "Ponha o inimigo nos cornos de um dilema". Nunca um político deve trabalhar com uma única hipótese. Um candidato precisa dispor de algumas alternativas. Dilma senadora Recebo do grande advogado Adilson Dallari esta mensagem a propósito da polêmica levantada pela candidatura de Dilma Rousseff ao Senado. Há analistas que dizem ter havido jogo combinado entre o presidente da nossa mais alta Corte e o presidente do Senado, Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros, na época do impeachment, para permitir à ex-presidente o exercício de seus direitos políticos. Dallari é enfático: "não houve mudança da lei, nem vai ficar por isso mesmo. Nos exatos termos do disposto no parágrafo único, do artigo 52 da Constituição Federal, a cassação do mandato do presidente da República implicará, automaticamente, na 'inabilitação', por oito anos, para o exercício de função pública". Registro dará problema Arremata o professor: "ao Senado compete apenas julgar se o presidente da República é culpado ou inocente da acusação de crime de responsabilidade, sem qualquer possibilidade de alterar a penalidade estabelecida pela CF. Aquela ação entre amigos serviu apenas para manter as mordomias da ex-presidente, mas vai dar problema, agora, quando do registro de sua candidatura ao Senado. Se o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais cumprir o seu dever, o registro da candidatura da Dilma deverá ser negado. A impugnação foi devidamente formalizada". Viabilidade Carlos Matus, cientista social chileno, em um magistral estudo sobre Estratégias Políticas, demonstra que a viabilidade de um ator na política tem a muito que ver com a estratégia e seus princípios fundamentais. Eis alguns princípios estratégicos: a) Avaliar a situação; b) Adequar a relação recurso/objetivo; c) Concentrar-se no foco; d) Planejar rodeios táticos e explorar a fraqueza do adversário; e) Economizar recursos; f) Escolher a trajetória de menor expectativa; g) Multiplicar os efeitos das decisões; h) Relacionar estratégias; i) Escolher diversas possibilidades; j) Evitar o pior; k) Não enfrentar o adversário quando ele estiver esperando; l) Não repetir, de imediato, uma operação fracassada; m) Não confundir "reduzir a incerteza" com "preferir a certeza"; n) Não se distrair com detalhes insignificantes; o) Minimizar a capacidade de retaliação do adversário.