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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Porandubas nº 647

Para abrir a coluna, duas historinhas de Churchill. Sou o chefe dele O General Montgomery estava sendo homenageado, pois venceu Rommel na batalha da África, na 2ª Guerra Mundial. Discurso do General Montgomery: - "Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói". Churchill ouviu o discurso e com ciúme, retrucou: - "Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele". Se houver... Telegramas trocados entre o dramaturgo Bernard Shaw e Churchill, seu desafeto. Convite de Bernard Shaw para Churchill: "Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação de minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver". Resposta de Churchill: "Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver". América Latina sob tensão A AL abrange 20 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. A região vive um ciclo de tensões. A sensação é a de que, após anos e anos de mesmice, com as demandas populares desatendidas, as populações decidiram reagir. É verdade que a situação do continente deixa ver uma crise crônica. Mas esta parece chegar ao ponto de quebra. Há uma vontade latente de passar uma borracha nos velhos costumes, tirar perfis carcomidos da moldura e pintar a paisagem de novas cores. Essa percepção tem sido comum na radiografia de diversos territórios. México e Nicarágua Países experimentaram mudanças, mas estas não foram suficientes para preencher as lacunas. Vejamos alguns países. O México vive em estado de tensão com os EUA: a questão migratória e a questão das drogas. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, alerta os Estados Unidos que não permitirá que estrangeiros armados atuem em seu território. O anúncio responde à declaração do presidente Donald Trump de que passaria a considerar os cartéis mexicanos como "terroristas". A Nicarágua vive sua pior crise em décadas. Os conflitos de rua são permanentes. Bolívia e Chile A Bolívia, que trouxe Evo Morales para o centro da cena, passa por um processo de mudança. O descendente de índio comandou um período de conquistas, com PIB crescendo, inflação sob controle, populações indígenas inseridas na mesa do consumo. Mas a temporada de Morales foi longa: 13 anos. Chegou à saturação. Um quarto mandato, com eleições sob suspeita, acabou minando seu prestígio. Foi induzido a renunciar. O Chile, desde 1990, alterna o poder entre Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, centro-esquerda e centro-direita. O último curto circuito foi fruto de um aumento de 3,7% nas tarifas de metrô. Os jovens acorreram às ruas. O governo de Piñera estava distante dos sentimentos populares. A mobilização popular pede mudanças. Colômbia, Equador e Argentina Acumulam-se frustrações aqui e alhures. A Venezuela é um caos sob a ditadura de Maduro. Na Colômbia, a tensão atravessou as últimas duas décadas. O último governo de esquerda foi o de César Gaviria, entre 90 e 94. Hoje, Iván Duque, de direita, tenta arrumar a administração, enfrentando greves, protestos, sob uma teia crescente de violência. O Equador viu crescer os movimentos populares contra as medidas de ajuste. Na Argentina, o presidente Mauricio Macri não conseguiu fazer reformas, enquanto a fisionomia econômica do país se desmancha. A eleição de Fernández e Cristina Kirchner sinalizam a volta de fundamentos macroeconômicos que não deram certo. Lembre-se que Nestor e Cristina desmantelaram a economia. Para piorar, as perspectivas de assinatura do acordo entre UE e o Mercosul não são muito otimistas. Os Parlamentos de todos os países membros terão de ratificar o acordo. O bloco europeu tem 28 membros. E alguns Parlamentos têm duas casas congressuais. O caso do Brasil Podemos dizer que o ciclo contemporâneo do Brasil moderno começa com o Plano Real, nos idos de Itamar e FHC, que fechou a torneira da alta inflação e de juros na estratosfera. O poder aquisitivo da população passou a somar ganhos. O programa de privatização reforçou a economia. Já a política econômica ortodoxa do primeiro governo Lula foi bem-sucedida em reduzir a inflação e em retomar o crescimento econômico, nos dizeres de Paulo Hartung, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, em denso artigo - "O populismo está solto" - no caderno Ilustríssima(FSP. 1/12/2019). Mas nos anos seguintes foi um desastre. Semelhança com o regime militar Os três economistas são enfáticos: "A gestão Lula, nos anos seguintes, (acabou) revelando semelhança entre as políticas econômicas da direita e da esquerda. Ambas acreditaram que a disseminação de estímulos à produção local conduziria ao crescimento econômico sustentado. Ambos legaram um país com contas públicas desorganizadas e uma crise econômica anunciada. Todos os grandes projetos iniciados pelo 2º governo Lula fracassaram. Ele passou o bastão para Dilma, deixando como herança obras de infraestrutura caras, muitas vezes inoperantes, e empresas ineficientes, em meio a impressionante desperdício de recursos públicos. Nada diferente do que ocorrera com os delírios do período militar". Resultado: o populismo foi o que resultou no fortalecimento da extrema-direita. Fortalecimento que vingou em todo o ciclo Dilma. Direita envergonhada Hoje, o país registra a feição de uma direita cada vez disposta a defender seu ideário. Lembremos como isso se deu. A partir do golpe de 1964, o ciclo da direita contemporânea ganha força. Podemos dizer que ela deu as caras até a abertura do período da redemocratização, nos meados dos anos 80. Assume sua fisionomia conservadora nos costumes, formando sua identidade no combate ao comunismo (tempos de CCC - Comando de Caça aos Comunistas, Marcha da Família com Deus pela Liberdade), na censura à liberdade de expressão e às artes, na repressão e até na violência. O medo grassava em todos os ambientes. Ao se abrir o universo da locução, a direita começa a fechar a cara, encolhendo-se, usando máscaras, arquivando o velho manto, tentando disfarçar antigas posturas. A direita tornou-se envergonhada. A redemocratização No governo Sarney (15 de março de 1985 a 15 de março de 1990), o país reencontra-se com o ideário da liberdade. Registra-se um crescimento de 22,72% do PIB (média de 4,54%) e 12,51% da renda per capita, iniciando o governo com uma inflação em 242,24% e, ao fim, deixando o absurdo índice de 1972,91%. Abre-se o universo da locução. Em 1º de fevereiro de 1987 tomou posse a Assembleia Constituinte, responsável por formar a nova Constituição, sob o comando de Ulysses Guimarães (PMDB-SP). A CF de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos. O texto refletia as pressões dos diversos grupos da sociedade, interessados na definição de normas que os beneficiassem. Collor e FHC O sucessor de José Sarney, Fernando Collor de Mello, deu passos avançados na abertura da economia. Mas seu governo surpreendeu o país com grandes sustos, a começar pelo sequestro das poupanças privadas. A linguagem barroca da ministra Zélia Cardoso de Mello gerou imensas babéis na sociedade. Collor acabou renunciando para não receber o impeachment. O governo seguinte, de Itamar Franco, pode ser colocado no ciclo do resgate de valores fundamentais ao país. A moralidade foi um deles. O Plano Real Mas o tom maior foi dado pelo Plano Real. Fernando Henrique Cardoso, convocado para chefiar a área da Fazenda, pilotou o plano. Escolhido candidato a presidente, fez a mais exuberante campanha eleitoral dos últimos tempos, com recursos avançados de cinematografia. Ganhou bem. Era o mais preparado contra o metalúrgico Lula da Silva. Ousadia "Desde o condutor dos transportes e o tocador de tambor até o general, a ousadia é a mais a nobre das virtudes, o aço verdadeiro que dá à arma o seu gume e brilho". (Clausewitz, em Da Guerra) Lula e Dilma FHC partiu para o segundo mandato, sob os auspícios do sucesso do plano de estabilidade da moeda. Ganhou novamente. Inseriu o país em uma rígida estrutura monetarista e de sólidos vínculos com o Fundo Monetário Internacional, enfraquecendo o setor social, deixando de dar a ele programas para a satisfação da população. Então, surgiu Lula, com tudo que o brasileiro queria em termos de simbologia: pobre, esforçado, perdedor de várias batalhas, determinado, perseverante, o mais completo perfil embalado com o selo da esperança. Lula ganharia de qualquer maneira, sendo o mais popular dirigente das últimas décadas. Lula escolheu Dilma como candidata, que, eleita, concluiu a partidarização do Estado, iniciada sob a sombra do tutor. O populismo foi escancarado. Direita assume a cara O ressentimento de contingentes com a esfera política, a volta da classe C à base da pirâmide, a violência expandida, as metrópoles congestionadas, aumentos de tarifas e alta carga de tributos formaram uma densa camada de indignação, que teve um desfecho em outubro de 2018. Tivemos uma eleição de quebra de paradigmas. Dinheiro, visibilidade na mídia, apoio de grandes partidos, nada disso funcionou. O resultado foi a eleição de um ex-capitão do exército, deputado por 27 anos, considerado um parlamentar do baixo clero, com linguagem desabrida e mal educada, defensor dos tempos de chumbo. Jair Messias Bolsonaro. (Para muitos dos seus apoiadores, ele é mesmo o "Messias"). E mais a facada A ampla rede de apoios que ganhou, em 2018, foi reforçada com uma facada que levou durante uma manifestação de rua em Juiz de Fora. Tornou-se vítima. Em torno dele, agrupa-se toda a direita, agora com a face totalmente descoberta e vibrando com sua expressão militarista e extremamente conservadora. Quem é direita? A direita pode ser dividida em dois núcleos: a) a extrema - direita radical, com posicionamentos duros sobre armas, políticas de cotas, aborto, valores cristãos, diversidade de gêneros etc.; b) a direita mais central, com defesa de padrões e valores conservadores, sem exageros e até com críticas a posturas de figurantes do seu núcleo. Esses agrupamentos são formados por proprietários rurais, grandes e médios empresários de setores diversos, evangélicos, grupos de profissionais liberais (uma parcela decepcionada com a esfera política), grupos ligados a movimentos messiânicos, entre outros. A tendência aponta para a expansão de alguns compartimentos, principalmente se o governo Bolsonaro for bem-sucedido. E esse perfil? Como classificar, por exemplo, esse perfil? O maestro Dante Mantovani, recém-anunciado como o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), afirma que o fascismo é de esquerda, fake news é um conceito globalista para impor a vontade da imprensa, Unesco é "máquina de propaganda em favor da pedofilia". E mais: "vieram os Beatles, para combater o capitalismo e implantar a maravilhosa sociedade comunista". E esse, então? O nome do novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional é Rafael Alves da Silva, mas se apresenta como Rafael Nogueira. Olavista de carteirinha, diz ser "professor de filosofia, história, teoria política e literatura, aspirante a filósofo e a polímata", a pessoa que tem conhecimento em muitas ciências. O mais ilustre polímata da Humanidade foi Leonardo da Vinci. Simpatizante da monarquia, Alves da Silva (ou Nogueira) escreveu no dia 15 de novembro: "A Proclamação da República foi um golpe militar improvisado e injustificável. O Brasil nunca mais se encontrou. Nada a comemorar". Um espanto A nova ordem cultural brasileira, sob o comando do secretário Roberto Alvim, inclui também o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo, um negro, para a Fundação Cultural Palmares, órgão de promoção da cultura afro-brasileira. Um espanto. Antes de ser nomeado, ele classificou o racismo no Brasil como "nutella": "A escravidão foi benéfica para os descendentes". Outra: "Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda". Em redes sociais, afirmou que "sente vergonha e asco da negrada militante. Às vezes, pena. Se acham revolucionários, mas não passam de escravos da esquerda". Seu chefe Alvim foi o que classificou a atriz Fernanda Montenegro de "intocável" e "mentirosa". Um espanto.
quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Porandubas nº 646

Abro a coluna com uma historinha da coleção de Sebastião Nery. D'água, d'água Pernambucano audaz, Newton Coumbre passava em frente ao quartel de Obuzes de Olinda, logo depois do golpe de 64. Carregava uma bomba d'água enrolada em jornal. Dois guardas, fuzis em punho, avançaram sobre ele, aos pontapés: - O que é isso? - D'água! D'água! Mandaram jogar o embrulho no chão e levaram-no até o coronel: - O que é que tem no embrulho? - Uma bomba d'água. - Por que não disse logo e ficou dizendo "d'água"? - Coronel, eu dizendo só "d'água" eles me bateram tanto; se dissesse "bomba" teriam me fuzilado. Parte I Para compreender o que se passa. À guisa de introdução Desde que iniciei minha trajetória no campo do jornalismo de interpretação, há mais de três décadas, tenho tentado desvendar os contornos do nosso país. Para tanto, valho-me de valores e características que formam o ethos nacional, as circunstâncias que balizam os acontecimentos da vida social e política, os fenômenos cíclicos que costumam aparecer por nossas plagas - como o pleito de outubro de 2018, com sua quebra de paradigmas -, enfim, o modus operandi do homo brasiliensis e das instituições. O objetivo desse exercício é o de procurar respostas para as questões do tipo: "onde estamos, para onde vamos, o que pode acontecer"? A coluna de hoje vai nessa direção. 1. A política Estudar a política no Brasil é percorrer um labirinto plasmado por um desenho institucional que junta no mesmo balaio arranjo federativo, presidencialismo, bicameralismo, representação proporcional e pluripartidarismo. Situações que criam efeitos nem sempre congruentes com os princípios da democracia. O presidencialismo de coalizão, por exemplo, gera consequências danosas, como o toma lá dá cá que se instala no entorno do Palácio do Planalto. E romper com a tradição fisiológica abre crises. Combinar o sistema majoritário, que favorece o bipartidarismo, com o sistema proporcional, que impulsiona o pluripartidarismo, é uma química que acaba produzindo desvios. 2. Três formatos O cientista social Otávio Soares Dulci lembra: "a trajetória instável dos sistemas partidários brasileiros obedeceu na realidade a três formatos, ligados a etapas bem definidas na história do Brasil: o regime monárquico, a descentralização fomentada pelo regime republicano e a posterior nacionalização do processo político-partidário, que se desdobrou no quadro atual". A mescla desses sistemas escancara o cipoal da política no Brasil. 3. Copo transbordando O fato é que a política, da maneira como é praticada, mais se assemelha à imagem do copo transbordando. A corrupção atinge a esfera dos Poderes da República. As demandas da política pouco são atendidas. Os representantes enfrentam dissabores do eleitorado, que para eles vira as costas. O quadro ideológico não passa de uma sopa de palavras ocas. Um grupo radical quer ressuscitar o passado, resgatando a velha luta de classes. A polarização está no ar, dividindo o país em duas bandas. Coisa que seria lógica em moldura bipartidária. Não há projeto de longo prazo. O casuísmo e o populismo inspiram os perfis que tentam ganhar competitividade. Aos avanços alcançados, contabiliza-se um acervo de atrasos. 4. O cidadão-comum A desigualdade se alarga. Há cidadãos de primeira, segunda, terceira e quarta classes. A base da pirâmide, que havia se estreitado em razão da elevação de contingentes ao meio da pirâmide, expandindo as classes médias, volta a se adensar. As massas tendem a se voltar para aqueles que acenam com a bandeira da esperança, hoje apontando principalmente para Bolsonaro, Lula e Moro. As demandas das massas convergem para a micropolítica: alimento e transporte baratos, segurança, educação de qualidade. Contingentes das margens são acalmados com o Bolsa Família. Parcela ponderável dos votos é dada a quem mais se identifica com soluções rasteiras. O pragmatismo dá o tom. 5. Outros tipos Há, claro, outros tipos que se somam aos pragmáticos. Os indignados se revoltam com as promessas não cumpridas. O grau de indignação atormenta massas exasperadas com as carências que se avolumam. Daí a explicação para a emergência de outro grupo de cidadãos, os engajados, que perfilam ao lado de ídolos e ícones, brandindo palavras-chave, slogans, refrãos, à direita e à esquerda. O bom senso dá adeus. Nas margens urbanas e nos fundões aglomeram-se ainda os figurantes tradicionais, com foco na politiquice paroquial, base comandada por neocaciques e chefetes da obsoleta política de benesses. 6. As instituições - O Poder Judiciário Sempre houve tensões entre os três Poderes da República. Mas o ciclo democrático hoje vivido pelo país exibe o clímax do tensionamento institucional. O Poder Judiciário, o mais identificado com a virtude da moral, representando o altar mais elevado da verdade e da Justiça, está na mira da sociedade. Acusações atingindo ministros acabam maculando a imagem da instituição. E a imagem de um Judiciário apequenado constitui um dano à alma nacional. Nunca se viu tanto impropério contra magistrados de nossa mais alta Corte, sendo alguns marcados com a pecha de parciais. Há nove recursos no Senado solicitando impeachment de ministros. 7. As instituições - O Poder Legislativo No Poder Legislativo, mesmo renovado no último pleito em 53%, é notória a pasteurização partidária, com seus integrantes, salvo raras exceções, dando um voto calcado no interesse de cada um, defendendo espaços de poder, não em função de bandeiras doutrinárias. Até se percebe esforço do presidente da Câmara para avançar em pautas sensíveis, como o pacote social, que patrocina com um grupo de deputados, mas o representante acaba se encastelando em seus exclusivos interesses. Só a pressão da sociedade consegue apressar a agenda de avanços. 8. As instituições - O Poder Executivo O Poder Executivo, cujo chefe foi escolhido na eleição mais emblemática da contemporaneidade, prometeu mudança radical na fisionomia administrativa e na relação com a política. Dispõe de competente equipe na área econômica, mas os avanços que consegue têm sido ofuscados por uma névoa que junta discurso ultraconservador, militarista e agressivo em relação aos adversários, baboseiras de ministros, falta de articulação política, sobrando tiros em ambientalistas e grupamentos defensores dos direitos humanos. Mais parece que uma turma do cabo de guerra quer levar o país de volta ao passado de medo e opressão. A imagem do Brasil no mundo sofre rachaduras. 9. A regionalidade A fisionomia regional não é contemplada com programas específicos, de modo a suprir as carências e características de cada parte do território. Basta anotar a transposição de águas do rio São Francisco, projeto que se arrasta nos ciclos governamentais, uma obra sem fim. A Amazônia, mesmo sob a ajuda das forças para lá deslocadas para combater a devastação, exibe números que superam os do passado. Os representantes no Congresso se revoltam com o congelamento de recursos. As margens têm prazo para ganhar respostas satisfatórias. Parte II Para onde vamos? 10. Os signos novos Há na paisagem um novo vocabulário a preencher os vazios que a política abriu no meio do universo social. Esse novo repertório contém conceitos como virada de mesa, indignação, renovação/inovação, experimentalismo, compromisso, olho no olho, assepsia, vida limpa, passado decente, novas maneiras de fazer política, distritalização, eficiência e eficácia, melhoria de qualidade, voto subindo do coração para a cabeça, racionalidade, pertinência. A pertinência joga no sistema cognitivo do cidadão o sentimento de que ele é o fator primordial e preponderante da política. Por isso, precisa dela participar ativamente. Como? Cobrando, exigindo, dando apoio ou rejeitando os atores políticos. 11. Novos horizontes E para onde nos levará tal onda crítica? Para um habitat mais condizente com a realidade social. Ou seja, um território coberto por programas de envergadura, estruturantes, duradouros. Remédios para curar a dor de cabeça serão substituídos por receitas mais adequadas a uma vida saudável. O cabo de guerra não será vencido pela turma do atraso. O desfecho pode até demorar. Mas a racionalidade deve puxar o Brasil para adiante. Apesar do bolso com grana ainda se constituir no principal argumento das massas para escolher os mandatários. 12. Limites É muito complexa a tarefa de definir limites para esses novos horizontes. Mas é possível prever mudanças nas fronteiras dos impostos, do próprio modus faciendi na política, o que significaria mudanças no sistema de votação, no estatuto dos partidos, e até na forma do regime. Não se deve eliminar a hipótese de plebiscito ou referendo para questões como o parlamentarismo (bem mais adiante). Um pacto federativo com redesenho de deveres e direitos dos entes federativos se encaixa bem na moldura. E a hipótese de volta do obscurantismo mesmo sobre a mesa, vai ficando para trás. Em tempo: os ministros do governo deviam se livrar de uma linguagem obtusa, que parece querer justificar os tempos sombrios do passado. Guedes, por exemplo, deveria se fixar na matéria econômica, sob seu domínio. Fecho a coluna com a matreirice mineira. Deus e o homem O mineiro comprou um pedaço de terra no cerrado, um cascalhão duro, seco, terrível. Passou 20 anos arando, irrigando, plantando. Um dia, estava tudo lindo, o capim alto, verde, o feijão viçoso, uma beleza, o mineiro chamou o padre para rezar uma missa em ação de graças. O padre fez o sermão: - Vejam, meus irmãos, o que Deus e o Homem podem fazer juntos. Depois da missa, lá de trás o mineiro chamou o padre, deu uma baforada no cigarro de palha e tascou: - Senhor padre, o senhor precisava era ter visto isso aqui quando Deus estava sozinho.
quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Porandubas nº 645

Abro a coluna com a verve mineira. JK? Anos de chumbo. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino era pecado mortal. Tempo de mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao Contran solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O Contran não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa: - Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon. (Historinha de Zé Abelha) Domando as feras Chegando a quase um ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que poderá respirar com mais tranquilidade nos próximos tempos. Para tanto, algumas hipóteses estão na mesa: o resgate paulatino da condição econômica do país dá sinais, mesmo leves, de recuperação; a melhoria da articulação na esfera parlamentar, pavimentando os passos do programa de reformas; e o fechamento de acordos com os parceiros comerciais do Brasil, a partir da poderosa China. O fato é que as feras precisam ser domadas. O clima natalino do presidente sinaliza o slogan: "Jair amor e paz". Contenção da linguagem Constata-se que o presidente contém sua linguagem rude e tosca. Deixou de dar entrevistas polêmicas na porta do Palácio da Alvorada, que acirra os ânimos dos opositores e gera indignação junto a movimentos organizados. Claro, a peroração desbocada mobiliza suas bases. Mas enfrenta o risco de afastar parcela ponderável de seu eleitorado, principalmente setores do meio da pirâmide. Esse visível arrefecimento, deduz-se, é consequência da soltura de Lula, que passou 580 dias na prisão. Lula saiu com a boca aberta. E pronto para tirar o atraso de meses em silêncio. Jair entendeu que acirrar a linguagem agora seria alimentar o Lula palanqueiro. Lula em palanque Lula, mais azedo e provocativo, já iniciou sua perambulação pelo Brasil, fazendo os primeiros chamamentos ao pleito de 2020. Foi a Salvador e ao Recife para ser homenageado e começar a costurar acordos. O Nordeste é sua praia por excelência. Até demonstra vontade de vir a morar em São Paulo ou até em Recife, voltando ao Pernambuco natal. A campanha de 2020 está começando sob a crença de que a eleição de uma imensa bacia de prefeitos será fundamental para o sucesso da campanha presidencial e de governadores em 2020. O PT quer voltar ao centro do poder. Sem autocrítica, diz Lula. O que significa que o Partido não reconhece que errou. Não haverá, portanto, confessionário. Veremos, assim, ataques em massa aos adversários. "Lula guerra e fogo" sabe: a melhor defesa é o ataque. Capitais e grandes cidades A campanha será balizada pela estratégia de eleger o maior número de prefeitos no maior número de capitais e cidades-polo que concentram cerca de 75% dos votos, ou seja, mais de 100 dos 150 milhões de eleitores. O gargalo mor será o Sudeste. Mais racional do que emocional. O voto paulista, por exemplo, obedece mais à lógica ditada pela cabeça do que ao fervor que jorra do coração. É evidente que os polos emotivos ainda dão o tom aqui e ali. Mas o voto está saindo do coração para subir à cabeça. Foi o que se viu em outubro de 2018, a eleição de quebra frontal de paradigmas. São Paulo Em São Paulo, travar-se-á uma das mais renhidas campanhas. Lula até gostaria de ter um candidato competitivo para disputar o voto de nove milhões de eleitores da capital. E resgatar o cinturão vermelho que abrange o ABC e cidades da grande São Paulo, onde a cor vermelha deu lugar a outros tons. De seu coração, Fernando Haddad seria o candidato do PT a prefeito. Este recusa. Por isso Lula remete sinais de reaproximação com a ex-prefeita Mara Suplicy, que, por sua vez, gostaria de ser apoiada por uma frente de oposição. Ela está no PDT. A mulher de Haddad, Ana Estela, pode até vir a compor como vice a chapa apoiada pelo PT. Pleito disputado A eleição paulistana será uma guerra. Se Bruno Covas se recuperar da doença que o acomete, será forte candidato, ainda mais quando dá exemplo de enfrentamento e coragem: passou mais de 20 dias no hospital, despachando com o secretariado. O PSD de Kassab deve vir com Andrea Matarazzo, que conhece bem a capital por ter sido secretário das administrações regionais. O PT, se não surgir com Haddad nem com Marta, tem outros nomes: o vereador Eduardo Suplicy, os deputados Federais Alexandre Padilha, Carlos Zarattini e Jilmar Tatto. O PSL pode vir com a deputada Joice Hasselmann caso não feche acordo com o PSDB de Covas. Hasselmann poderia ser a vice. O Novo já escolheu seu pré-candidato: o empresário Filipe Sabará. Há outros nomes: Celso Russomanno (PRB), Márcio França, ex-governador (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL) ou deputada Federal Sâmia Bomfim. A campanha paulistana será uma bússola para projeção da campanha de 2022. BH MG tem o 2º maior eleitorado do país e a eleição em Belo Horizonte será também emblemática. O prefeito Alexandre Kalil está bem na fita para a reeleição. Mas outros nomes estão na lista: o ex-prefeito Márcio Lacerda, João Vitor Xavier, Leonardo Quintão, Marcelo Álvaro Antônio (o ministro acusado de plantar um "laranjal" no pleito de outubro de 2018), Reginaldo Lopes e Eros Biondini. RJ O Rio de Janeiro terá também uma campanha nervosa. O prefeito Marcelo Crivella (PRB) buscará a reeleição, contando com as máquinas pública e evangélica. Deve se ancorar em discurso ideológico. Pela esquerda, o deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL) tentará chegar ao Executivo carioca pela 3ª vez. O PDT pretende lançar a deputada estadual Martha Rocha. O PSB tende a fechar com o deputado Federal Alessandro Molon. Ao centro, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) é perfil forte. Paes pode adotar um discurso de combate à polarização, jogando Crivella para um lado ultraconservador e pintando Freixo como um esquerdista radical. Quem será apoiado por Wilson Witzel, o governador? Salvador João Isidório, do Avante, é um forte candidato. Foi o deputado estadual mais votado, com 110 mil votos, no rastro do prestígio do pai, o Sargento Isidório, deputado Federal mais votado da Bahia. João acaba de ser ungido como pastor. Outros nomes: a deputada Federal Lídice da Mata (PSB), o médico Fábio Vilas-Boas, o ex-deputado Walter Pinheiro e Bruno Reis, vice-prefeito, do DEM. Fortaleza Na capital do Ceará, o embate será entre nomes como o deputado estadual Heitor Ferrer (Solidariedade), a deputada Federal Luizianne Lins (PT), que já foi prefeita de Fortaleza; os deputados estaduais André Fernandes (PSL) e Silvana Oliveira (PR), o deputado Federal Capitão Wagner (Pros) e o empresário Geraldo Luciano (Novo). Postulantes pelo PDT como o presidente da AL, José Sarto, e o ex-presidente da Câmara e hoje deputado Salmito Filho; no PSDB, os nomes ventilados são o da médica Mayra Pinheiro, atual secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (STGES) do governo Bolsonaro; e o médico Carlos Roberto Martins Rodrigues, o Cabeto, que comanda a Secretaria da Saúde do governador Camilo Santana (PT). Curitiba Na capital do Paraná, são cotados para integrar a lista: o atual prefeito Rafael Greca (DEM). Greca poderá ter apoio do PSDB. Tem feito gestão bem avaliada. O deputado estadual Delegado Francischini (PSL) já teria oficializado sua pré-candidatura à prefeitura em evento nacional de filiação do partido. Seu sucesso dependerá do duvidoso fortalecimento do PSL. Ney Leprevost (PSD), nome forte ligado ao governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). O deputado Federal Gustavo Fruet (PDT), que, em maio, deu mais um passo no sentido de oficializar seu nome como um dos postulantes à prefeitura de Curitiba. O PT deverá ter um nome na disputa. Dr. Rosinha, diretor estadual do partido, cita nomes prováveis como Tadeu Veneri e Mirian Gonçalves, vice-prefeita na gestão de Fruet. O próprio Dr. Rosinha é uma possibilidade. João Arruda (MDB) deve entrar no embate, ex-deputado e candidato ao governo em 2018. Pelo PTC, possivelmente Zé Boni. O Partido Novo está em processo de escolha de um nome. Há, ainda, nomes como o do ex-prefeito Luciano Ducci (PSB), do deputado Federal Paulo Martins (PSL) e da deputada estadual Maria Victoria (PP). Porto Alegre Any Ortiz deverá ser lançada pelo Cidadania (antigo PPS). Além de Any, são ventilados nomes como Juliana Brizola (PDT), Luciana Genro (PSOL), Manuela d'Ávila (PCdoB), Maria do Rosário (PT) e Mônica Leal (PP). Se todos os nomes se confirmarem, seria o recorde de candidaturas femininas em Porto Alegre, que já conta com 12 pré-candidatos, distribuídos entre seis partidos, a mais de um ano do pleito. O DEM lançou o ex-vereador de Porto Alegre e atual deputado estadual Thiago Duarte. Além dele, outros dois deputados estaduais têm a intenção de concorrer. Rodrigo Maroni quer disputar o Paço pelo Podemos. O MDB é o partido com mais pré-candidatos. Querem concorrer os vereadores André Carús e Valter Nagelstein; o ex secretário de Segurança Pública no governo José Ivo Sartori, (MDB) Cezar Schirmer; o deputado estadual Sebastião Melo e a secretária de Habitação, comandante Nádia. Além dos já citados, dois são da bancada do PP: Mônica Leal, presidente do Legislativo, e Ricardo Gomes. Além deles, o vice-prefeito Gustavo Paim fecha o quadro de possíveis concorrentes pela sigla. Natal A eleição na capital do RN abrigará o atual prefeito Álvaro Dias (MDB), que assumiu a prefeitura com a renúncia de Carlos Eduardo Alves, candidato derrotado ao governo do Estado. Contra ele, poderão disputar o cargo o deputado estadual Kelps Lima (Solidariedade) e a deputada Federal Natália Benevides (PT), que deve ganhar o apoio da governadora Fátima Bezerra. A governadora, mesmo com escassez de recursos, faz uma administração com foco na racionalidade e em resultados. É bem avaliada. O prefeito Dias também tem passado pelo teste. O legado bolsonarista poderá ter também seu peso na campanha. A conferir. Maceió Para substituir o prefeito Rui Palmeira, disputarão JHC, João Henrique Holanda Calas, deputado Federal mais votado no pleito de 2018, com 170 mil votos. Alfredo Gaspar de Mendonça Neto pelo MDB. O Cabo Bebeto, grande surpresa eleitoral; Ronaldo Lessa é outro nome que aparece bem nas pesquisas e que pode ser o candidato de setores órfãos, hoje, os chamados "progressistas", entre o centro e a esquerda. Davi Davino ou Marcelo Palmeira; Ricardo Barbosa, a defender o legado do PT - ainda que o primeiro demonstre mais fôlego eleitoral que o lulista; e o PSOL, que deve lançar Basile Christopoulos, alternativa mais à esquerda. Fecho com o Pará. Como vão os meninos? O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral: - Como vai? E senhora sua esposa? E as crianças? - Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo? - E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos?  
quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Porandubas nº 644

Abro a coluna relembrando um "causo" de Pernambuco. Só expectorante Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um podia falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra: - E você, amigo, não tem nada a dizer? O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu: - Não, doutor, tou apenas expectorante. Gargalhada geral. ("Causo" do Marco Maciel com relato de Geraldo Alckmin.) Ganha-ganha Abre-se a temporada do jogo do ganha-ganha. Lula ganha, Bolsonaro ganha. A saída de Lula da prisão insere o país na arena das contendas de 2020 e 2022. Reforça as posições dos extremos. Acirra o ânimo das alas que já estão armadas e prontas a desembainhar as espadas. As estocadas entre lulopetistas/oposicionistas e bolsonaristas pipocam todos os dias nas redes, e tendem a engrossar com os rompantes das expressões dos comandantes Luiz Inácio e Jair Bolsonaro. Claro, com o reforço dos assessores, do tipo Gleisi Hoffmann e José Dirceu, de um lado, Sérgio Moro e os filhos do presidente, de outro. Nova caravana Lula já reabriu o palanque no discurso da soltura em Curitiba, e no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ambos com toques de virulência. Aliás, ele prometeu sair da prisão mais à esquerda. Dirceu complementou: cabe ao PT retomar o poder. Portanto, o jogo está traçado. Lula surpreendeu pela contundência. Voltou mais feroz. E José Dirceu volta a pregar o ideário socialista (Que modelagem, Zé?). Não se espere recuo desses exércitos em prontidão. Nordeste abre jornada Lula vai inaugurar uma nova corrida ao país, começando por Recife, no próximo dia 17. O Nordeste é onde ele tem maior popularidade. Região que espera dominar eleitoralmente, a partir de seu Estado, Pernambuco. O NE vive momento calamitoso com as praias inundadas de óleo. Lula vai tocar no assunto? P.S. Bolsonaro até hoje não foi ver a tragédia. Margens para o centro A estratégia de Luiz Inácio é clara: comer pelas bordas, ou seja, das margens para o centro. É uma estratégia adequada, principalmente em face da situação de miséria em que vive grande parcela da população. O IBGE acaba de mostrar os dados da desigualdade que aumenta. Claro, culpa de recessão da economia provocada pelo governo Dilma. Mas Lula, esperto, já manjou: o ataque é melhor que a defesa. E joga a culpa no atual governo. A economia anda de maneira lenta. O desemprego cede pouco. A informalidade é geral. Já o desemprego expande índices de carência e violência. Sudeste racional Lula começará a mobilizar seus exércitos pelo Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Deixará o Sudeste para mais tarde. São Paulo é, por excelência, o polo mais contrário ao lulopetismo. Agrega as maiores classes médias, os maiores contingentes de formação de opinião e os maiores conglomerados do trabalho. A capital é um nicho onde o lulismo é bastante rechaçado. Já no Rio de Janeiro, o oposicionismo tende a aceitar melhor a volta de Lula ao cenário. Já o Sul é intensamente conservador. Tende a rejeitar o lulismo. Instintivo e certeiro Luiz Inácio sabe de tudo isso. É o mais instintivo político brasileiro. E o melhor de palanque no uso de uma linguagem popular. Mexe bem com metáforas e sofismas. Adota linguagem simples e direta. Motiva as massas. Diante de uma multidão, vira estrela incandescente. Sua capacidade de sacudir o país, claro, dependerá bastante do desempenho da economia. Aliás, é esse o eixo que ele vai empregar para desarmar o palanque de Bolsonaro. Este consultor tende a opinar que o discurso mais feroz de Lula é pior para o lulopetismo. Setores médios que poderiam a ele se juntar permanecerão distantes. Mas o ex-presidente poderá amainar a expressão. A conferir. União da oposição Lula pode tentar um acordo com as oposições, formando uma ampla frente. É viável a hipótese? Haverá dificuldades, a partir, por exemplo, de Ciro Gomes, que deseja ser o candidato presidencial do PDT em 2022. Ciro atirou muito em Lula. E ontem voltou a atacar a "natureza de escorpião" do petismo. Ataca para matar. Será tarefa inglória a de alcançar unidade nos interesses de núcleos e grupos em que se repartem as oposições. Conchavo Premido pelos casuísmos, Tancredo Neves foi obrigado a fundir o seu PP com o MDB de Itamar. Alguns pepistas pularam do barco e protestaram alegando conchavo. Tancredo foi curto e seco: "Conchavo é a identificação de ideias divergentes formando ideias convergentes". Tinha razão. Há curvas que desembocam em retas. A radicalização de Bolsonaro Analisemos, agora, a retórica bolsonariana. Estará recheada de apelos ao medo de eventual volta do PT ao poder. Bolsonaro precisa mobilizar sua militância e fazer maioria, agregando outros núcleos. O medo do PT poderá sustar a desagregação que vem se observando nas alas de apoio ao bolsonarismo. É patente o distanciamento que setores do meio passaram a se afastar do governo, distanciamento que ocorre na esteira de uma expressão radical sob a sombra dos tempos de chumbo. Muitos eleitores de Bolsonaro se afastaram. Por isso, o presidente precisa que Lula radicalize o discurso para ter de volta grupos que dele se afastaram. É um jogo de conveniências. Quem puxa pelo meio? Ora, parcela ponderável da população, principalmente os núcleos mais racionais, gostaria de ver um líder com um forte e brilhante discurso de centro. Quem? Até o momento, esse perfil não apareceu. O centro está disperso, difuso. Luciano Huck não possui densidade, escopo para encarnar a identidade de um presidente da República. Mas as massas o conhecem da TV. João Doria não chega às margens. É um perfil centralizador. Ele, ele e ele. Rodrigo Maia tem feito bom trabalho de articulação política, mas compõe melhor a posição de vice. Ciro Gomes é preparado, mas desbocado. Geralmente perde a estribeira e cai do cavalo no meio da campanha. Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tem bom lastro, mas não atrai apoios. Imagem pouco conhecida. As metades Numa noite, às vésperas de 24 de agosto de 1954, quando se matou, Getúlio Vargas conversava, desalentado, desencantado, com José Américo de Almeida, seu ministro da Viação. Confessa: - Impossível governar este país. Os homens de verdadeiro espírito público vão escasseando cada vez mais. - Presidente, o que é que o senhor acha dos homens de seu governo? - A metade não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo. Sudeste-nordeste Há muita água a correr por baixo da ponte. Mas, sob a perspectiva teórica, a construção de uma chapa reunindo o Sudeste e o Nordeste seria a ideal tanto para um lado quanto para outro. Bolsonaro terá mais dificuldades. Afinal, o que fazer do vice Mourão? Essa lógica pode ser derrubada por fatores imponderáveis como aqueles que ocorreram em 2018, a partir da facada dada por Adélio Bispo no candidato Bolsonaro em Juiz de Fora/MG. Paradigmas Outras questões se apresentarão: haverá tanta quebra de paradigma quanto o que vimos em 2018? Tempo de TV, apoio de grandes partidos, a força de recursos financeiros, a situação de perfis tradicionais, a atração por perfis novos etc.? A "meninada" eleita sob o manto do PSL continuará a ter prestígio no pleito municipal de 2020 e conseguirá segurar seus índices eleitorais até 2022? Que partidos liderarão os pleitos? Qual o papel do PT? Do Novo? Do PSOL? Do MDB? Do PSD de Kassab? Do PP de Ciro Nogueira? Do PDT de Carlos Lupi? Do PRB dos evangélicos? Do DEM de ACM Neto, Rodrigo Maia e Alcolumbre? E a disputa pelo Fundo Partidário? Novo partido Bolsonaro reúne os deputados do PSL para dizer que sairá do partido e criará outro. Possível nome: Aliança Pelo Brasil. Pretende reunir rapidamente 100 deputados na nova sigla. (Em tempo: quem se lembra da velha ARENA - Aliança Renovadora Nacional, sustentáculo do regime militar?). Bolsonaro terá de correr contra o tempo. Para fazer campanha de prefeito, a sigla terá de registrar seu estatuto no TSE seis meses antes do pleito, ou seja, até maio. Quiçá e cuíca Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção: - Não caio mais nessa não. Isto é quiçá! (Historinha enviada por J. Geraldo). Judiciário é alvo A decisão do STF, por 6 a 5, de acabar com a prisão após condenação em 2ª instância, acirra a polarização política. Os "moristas" engrossam as críticas à Suprema Corte. Nunca se viu um tiroteio tão forte contra o altar ex-sagrado do Judiciário. Nunca se leram tantos adjetivos e imprecações contra ministros de nossa mais alta Corte. Nova frente de lutas se abre, tendo de um lado os simpatizantes da ideia de voltar a prisão após condenação em 2ª instância, com mudança no texto constitucional e os contrários. O tema estará em pauta, mas a proposta encontrará muitas curvas antes de chegar à reta final. Tensões entre Poderes O fato é que o país vive um ciclo de contundente locução. O debate abre, a cada dia, novos compartimentos. As tensões entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, mesmo sob a preocupação dos presidentes em administrar a crise, tendem a aumentar. O Poder Executivo, por seu lado, é um polo de irradiação de conflitos e que carece de simpatia dos outros Poderes sob pena de ver naufragar as pautas que sugere. Toffoli quer agradar a Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado. Está sob o fio da navalha. A crítica social sobre seu comportamento atinge os píncaros. O fato é que tirou do colo do STF o fardo da prisão após condenação em 2ª instância. Tensão na região A renúncia de Evo Morales, na Bolívia, a mobilização social no Chile, a vitória de Fernandez/Cristina Kirchner na Argentina, o rebuliço no Equador, a instabilidade no Peru, o clima de extremas carências na Venezuela e a polarização no Brasil formam, entre outros, fatores de desconfiança e desmotivação de investidores, que se retraem e passam a olhar com receio esses espaços para alocação de seus investimentos. Teria havido golpe na Bolívia? As opiniões se dividem. A esquerda, em uníssono, diz sim. Os analistas mais rigorosos falam em fraude. Evo renunciou face ao laudo da própria OEA comprovando falsificação de resultados. Esquerda/direita e vice-versa As economias do Chile e da Bolívia vinham sendo muito elogiadas por outros países por sua macroeconomia. Crescimento vigoroso, PIB ascendente, diminuição da pobreza, mercado financeiro satisfeito e investimentos externos. De repente, uma explosão social, guerra nas ruas. Parece que os governos do chileno Sebastián Piñera e do boliviano Evo Morales, enquanto governavam para o mercado, esqueciam as carências de sua população. As reclamações do povo são quase idênticas contra os governos de direita e de esquerda dos dois países. Os dados sobre a pobreza eram mesmo confiáveis? Farta feição José Aparecido chegou à sua Conceição do Mato Dentro/MG, começou a romaria dos amigos. Entrou um coronel, mansos passos e chapéu na mão: - Bom dia, doutor. Boa viagem? - Boa. Como vão as coisas? - Tudo correndo como de costume. Novidade aqui nunca tem e lá pra fora não sei, porque minha televisão está defeituada. - O que é que aconteceu com ela? - Não sei não. Às vez farta prosa, às vez farta feição.
quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Porandubas nº 643

Abro a coluna com a verve paraibana. Amigo do papa Rui Carneiro, raposa da política paraibana, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha: - Paraibanos, estive em Roma com o Papa. Ele me cochichou: - Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você. Ganhou a eleição. (Dos imperdíveis relatos de Sebastião Nery) Cenários bolsonarianos I Há uma crise no entorno do governo. Seus vetores, entre outros, são os seguintes: 1) a acirrada expressão do presidente, com ataques à imprensa, e sempre sinalizando a existência de uma conspiração para derrubá-lo; 2) as entrevistas e ações que envolvem seus filhos que militam na política, com ênfase para a fala do 03, o deputado Eduardo, avisando que se "a esquerda radicalizar", pode vir um novo AI-5; 3) a fumaça que não se dispersa em torno das "ligações" entre Bolsonaros, milícias e assassinato de Marielle Franco; 4) as dificuldades crescentes do governo na relação com o Congresso. Cenários bolsonarianos II Os horizontes que se projetam sobre o pacotão do ministro Paulo Guedes no Congresso ainda carregam pesadas nuvens. A proposta, segundo o roteiro do ótimo relatório semanal da jornalista Helena Chagas, inclui: a) a PEC Mais Brasil, com previsão de distribuição de maior fatia dos royalties do petróleo a Estados e municípios; b) a PEC da Emergência Fiscal; c) a PEC para extinção dos Fundos setoriais, com exceção dos constitucionais; d) Reforma Administrativa e e) Reforma Tributária. É pouco provável que essa imensa mala de propostas atravesse sem dificuldades os corredores congressuais. A reforma tributária, então, carrega muita polêmica. Coisa para o próximo ano. A reforma administrativa encontrará intensa oposição dos servidores públicos. Cenários bolsonarianos III De 0 a 10, a probabilidade de que esta carga seja aprovada pelas casas congressuais no médio prazo (incluindo os primeiros meses de 2020) é de 4 pontos. O atraso no calendário da tramitação e aprovação é um chega prá lá na boa avaliação do governo. Guedes tem o apoio de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Mas o fator de risco tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. O presidente deveria pôr a mão na consciência e ponderar sobre a necessidade de administrar sua índole guerreira. E pedir comportamentos e expressões menos virulentas de sua equipe. A continuar pisando no calo de gregos e troianos, será muito difícil ao governo navegar até o porto de 2022. Cenários bolsonarianos IV Se a economia botar mais grana no bolso das margens e classes médias, até meados do próximo ano, teremos um panorama eleitoral menos turbulento. A equação BO+BA+CO+CA - Bolso, Barriga, Coração, Cabeça será um anestésico para o corpo governamental. O presidente, nesse cenário, será um grande eleitor. Terá um problema com o novo partido sob sua égide. Não haverá tempo para ser criado e estruturado de forma a ter boa performance na eleição municipal. A querela com Luciano Bivar deve continuar. A não ser que o pernambucano entregue o PSL aos domínios dos Bolsonaros. Governo eleva previsão O governo vai elevar a previsão para o crescimento da economia em 2020. Atualmente em 2,17%, o novo número deve ficar próximo de 2,5%, mas a equipe econômica ainda não fechou a estimativa. Estudos apontam que, no final do segundo trimestre, o investimento privado cresceu 7,02%, enquanto o investimento público caiu 14,30% ante o mesmo período de 2018. Corrosão de imagem É clara a tendência de desengajamento de alas simpáticas e votantes no presidente Jair. Nas pesquisas, o índice de afastamento de eleitores aumenta. Nas conversas do cotidiano, expande-se a perplexidade com as barbaridades da família. Mas o bolsonarismo, por enquanto, tem ainda 1/3 dos eleitores. E é para essa comunidade mais fechada que se dirige o discurso presidencial. O presidente procura animar, mobilizar, cutucar sua tradicional base. E consegue. Por isso, seu animus animandi se inspira em coisa pensada, maturada, planejada. Atacar sempre para instrumentalizar seu exército. Slim de olho na Globo O Grupo Globo está enfrentando intensa crise. A situação geral da economia retraiu uma leva de grandes patrocinadores. As verbas publicitárias do governo sumiram. O presidente chega a ameaçar a concessão pública da TV Globo em 2022. Os altos salários do Grupo foram reduzidos depois de negociações. As versões dão conta de que o grupo de Carlos Slim estaria conversando com a Globo. Aliás, o interesse do grupo mexicano na Globo é antigo. Slim, de 79 anos, é o dono do Grupo que inclui a empresa de telecomunicações América Móvil - com presença em 25 países -, a financeira Inbursa e o Grupo Carso. É o homem mais rico da América Latina, com uma fortuna estimada em 61,6 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes. No Brasil, Slim é dono da Claro-Net. General Heleno O general Heleno, ministro do GSI, era o mais aplaudido general quando entrou no governo. Hoje, é considerado um militar alinhado com os radicais que orbitam em torno do presidente Bolsonaro, a partir do escritor desbocado Olavo de Carvalho. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acaba de dizer que ele é uma tuba de ressonância do chamado guru dos Bolsonaros. Animação de fim de ano Há um grupo de empresários que se anima ante as expectativas de recuperação da economia. São pequenos empreendedores dos setores de alimentação, logística e comércio. Mas há um setor que se engaja na animação: a construção civil. Impressiona o número de novos lançamentos de prédios residenciais e comerciais. São sinais positivos no meio de maré de dúvidas. Qual é a dos EUA? Afinal, o que querem os EUA com o Brasil? Após mostrar preferência pela Argentina na OCDE, pelo menos no que diz respeito a prioridades, o país de Trump acaba de vetar a carne bovina in natura do Brasil. Mais uma derrota do nosso país. E o que o amigo do peito de Bolsonaro, Donald Trump, vai dizer ao seu querido capitão? Que os órgãos de controle americanos vetaram a carne brasileira. E talvez recorra ao ditado: amigos, amigos, negócios à parte. Trump na corda bamba Se Donald Trump levar a melhor em novembro do próximo ano, Bolsonaro poderá surfar na onda da vitória dos conservadores republicanos. Mas todas as pesquisas de hoje dão vantagem aos democratas, com maior vantagem para o ex-vice de Obama, Joe Biden. Mas não será impossível nova vitória de Trump no colégio dos delegados, apesar de eventual derrota no voto popular. No partido democrata, protagonistas já se posicionam como esquerda. Esse matiz ideológico, na maior Nação liberal do planeta, provocará polêmica. A gangorra ideológica Afinal, para onde vão a esquerda e a direita na AL? Mauricio Macri perde na Argentina. Evo Morales, na Bolívia, leva a melhor, apesar da pequena diferença para o opositor. No Uruguai, uma Frente Ampla de esquerda continua como a maior força política.O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, mais conhecido como Pepe Mujica, acaba de se eleger senador, após ter renunciado ao cargo no Senado ano passado, quando justificou que "estava cansado da longa viagem" e se afastaria "antes de morrer de velho". Seu partido, Movimiento de Participación Popular (MPP), que faz parte da coalizão de esquerda Frente Ampla, vai disputar a presidência em 2º turno tendo a frente o candidato Daniel Martínez, que enfrentará Luis Lacalle Pou, candidato de direita pelo Partido Nacional. Zigue-zague - I Na Colômbia, o presidente Ivan Duque está em queda livre, após ser eleito em agosto de 2018. Enfrenta problemas com guerrilhas, Congresso, Venezuela e até com aliados. Eleito com 54% dos votos, Duque é o mandatário colombiano com imagem mais impopular nesse período da gestão dos últimos 20 anos. Ernesto Samper (1994-1998), Álvaro Uribe Vélez (2002-2010) e Juan Manuel Santos (em 2010) tinham mais de 60%. A esquerda de Lopez Obrador governa no México. Zigue-zague-II Em 2013, o Chile, sob o comando de Sebastián Piñera, era o único mais à direita dos 12 países da América do Sul. Em 2018, além do próprio Chile, Argentina, Peru, Colômbia e Paraguai eram governados por presidentes de direita. Mas a cor do mapa político da região sofre mudanças. Piñera começa a enfrentar a oposição das ruas. Seu futuro é incerto. Zigue-zague - III Em agosto de 2015, Mario Abdo Benítez, filho do secretário pessoal de Alfredo Stroessner, que comandou o governo militar paraguaio, tomou posse como presidente. No Peru, Ollanta Humala foi substituído inicialmente pelo economista liberal Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou. O país passou a ser presidido por Martín Vizcarra, de direita, que anunciou semanas atrás a dissolução do Congresso, dominado pela oposição fujimorista, após um dia que refletiu mais do que nunca o choque entre os poderes Executivo e Legislativo. Zigue-zague - IV A Argentina, antes comandada pelos Kirchner, viu o empresário Mauricio Macri assumir o poder em dezembro de 2015. E agora volta aos Kirchner, com Cristina, a ex-presidente na vice de Alberto Fernández. No Equador, Lenín Moreno rompeu com o ex-presidente Rafael Correa, de esquerda, de quem foi vice, e contou com seu apoio na eleição. Agora, conta com apoio de partidos de direita. Na Venezuela, Bolívia e na Nicarágua, os governos de esquerda continuam no comando. Zigue-zague - V Por nossas plagas, o governo de direita abre muita polêmica, mas não tem havido grandes manifestações de protesto. A expressão governamental é de muito açodamento. Gera questionamentos. O governo tem perdido apoios e mostra muita desarticulação na frente política. O grande teste será a eleição municipal de 2020. Tudo vai depender do sucesso do pacote econômico do governo. E o óleo vazado, hein? A linguagem está desencontrada. O presidente diz que o pior ainda está por vir. O ministro da Defesa diz que não sabe se o pior ainda virá. O fato é que o óleo cru, anunciado como de origem venezuelana, continua a bater nas praias do Nordeste. Todas as demonstrações apontam para um navio grego, o Bouboulina, de propriedade da petroleira grega Delta Tankers. Esta empresa diz que 'não há provas' de que o Bouboulina vazou petróleo na costa do Brasil. No comunicado, afirma que o navio não parou nem fez qualquer tipo transferência de óleo; e que não foi procurada por autoridades brasileiras e a carga chegou à Malásia 'sem qualquer falta'. A Interpol foi convocada a entrar no caso, que deverá ter imensa repercussão nos foros internacionais.
quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Porandubas nº 642

Abro a coluna com uma historinha do RN. O sabiá do senador Quando senador pelo Rio Grande do Norte, Agenor Maria (sindicalista rural, falecido em 1997), visitando o município de Grossos, foi interpelado pelo prefeito Raimundo Pereira. - Estamos precisando de uma escola para a comunidade de Pernambuquinho. De pronto, Agenor garantiu-lhe apoio à proposição. Semanas depois, um telegrama traz a boa-nova ao prefeito. - Escola está assegurada. Mande-me o croqui. Tomado pelo espírito de gratidão, Raimundo visita Agenor para agradecer o empenho, carregando uma gaiola à mão. Diante do senador, que estranha o acessório, Raimundo vai logo se explicando. -Eu não peguei um concriz como o senhor pediu, mas trouxe esse sabiá. O bichinho canta que é uma beleza. (Historinha narrada em Só Rindo 2, de Carlos Santos) Uma cutucada aqui, outra ali O jogo parece combinado. Vez ou outra, o Twitter do presidente Bolsonaro aparece com adjetivos e verbos ácidos na direção de instituições e protagonistas da política. Desta feita, o ataque pegou meio mundo: OAB, CNBB, o próprio partido - PSL -, movimento feminista, Greenpeace, Lei Rouanet, CUT, partidos de oposição ao governo (PT, PC do B), órgãos de imprensa e, pasmem, até a ONU e o STF. Todas essas instituições são hienas e ele, um leão, cercado. Mais que cutucar a onça com vara curta, o destempero do presidente é um atentado ao bom senso. Ganhou dura resposta do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, que considerou a postagem "um atrevimento sem limites". Passado o impacto, a desastrada mensagem foi apagada. E o presidente pediu desculpas. Mais uma dos filhos? Jogo combinado? Com o príncipe Antes de se reunir com o mandatário da Arábia Saudita, o presidente Jair Bolsonaro disse que possui "certa afinidade" com o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman. Segundo ele, "todo mundo" gostaria de passar uma tarde com um príncipe, "principalmente as mulheres". O mancômetro de sua Excelência está com defeito. Cada fatia com 1/3 Até quando veremos o país dividido e polarizado? Não há previsão de harmonia, convergência, integração de propósitos no curto prazo. As razões são por demais conhecidas: interesse do presidente Jair Bolsonaro em manter acesa a fogueira da polarização; interesse do PT e seus satélites em cutucar o bolsonarismo, usando-o como alvo até as eleições de 2022; incertezas e dúvidas das áreas centrais sobre o amanhã do país. Bolsonaro governa para 1/3 da população; 1/3 habita o território da oposição e um pouco mais de 1/3 fixa-se, por enquanto, no centro, um olho olhando para a esquerda, outro para a direita. Maquiavel É dele o conceito: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas". Os fogueteiros Ao contrário do que se pode supor, amainar a ferocidade dos exércitos em luta tem sido tarefa impraticável. Porque as estocadas de ambos os lados crescem, não diminuem. Para complicar, os batalhões bolsonaristas contam com fogueteiros que têm prazer em expandir as chamas. Entre esses, destacam-se o chanceler Ernesto Araújo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. São ácidos no combate. Conservadorismo radical. Os três mosqueteiros Já os filhos Flávio, Eduardo e Carlos formam a tríade de defesa do presidente. A contenda sobre eles e em torno deles não tem prazo para terminar. Pois o novelo continua sendo puxado, envolvendo os três. O ex-assessor Queiroz acaba de sinalizar um "cometa" do MP que querem "enterrar na gente". E abre mais polêmica. É áudio vazado quase todos os dias. O presidente responde: cada qual vive suas vidas. Não é responsável pela vida dos outros. Esse ambiente de querelas, fofocas, disputas no PSL vai continuar a poluir a esfera política. As eleições de 2020 O vestibular para 2022 tem uma escala em 2020 com a eleição de 5.570 prefeitos. O bolsonarismo, na hipótese de continuidade da polarização, deve formar uma base em torno de 1.800 prefeitos, com números aproximados para a esquerda e um pouco mais para os espaços centrais, ocupados por grandes estruturas e partidos. A incógnita que poderá empurrar os polos ideológicos contrários para maior ou menor quantidade será o desempenho da economia. Se registrarmos até meados do próximo ano melhoria no bolso e maior conforto familiar, certamente a extrema direita contará com esse formidável cacife. A recíproca é verdadeira. Regiões e circunstâncias No balcão das oportunidades, a região Nordeste, com seus quase 30% de eleitores, terá papel decisivo na composição da base política que impulsionará o pleito de 2022. O Nordeste padece o maior desastre ambiental do país em todos os tempos. O governo chegou atrasado para cuidar dessa crise que começou há meses com os primeiros volumes de óleo inundando as praias. O tal ministro desbocado Ricardo Salles passou alguns minutos em visita a algumas praias. Para falar lorotas. Providências mesmo só apareceram quando o general Mourão, o vice-presidente no cargo de presidente, disponibilizou contingente das Forças Armadas. Mas o presidente Bolsonaro até o momento não visitou as praias invadidas pelo óleo. O que poderá ocorrer Certamente vai haver cobrança ao presidente pelo fato de não ter ido ao Nordeste ver o tamanho da tragédia. E isso abre polêmica e desperta animosidade. Não há dúvidas que a ausência do presidente esquentará o discurso eleitoral. O sentimento de rejeição ao Nordeste pode ser respondido com o sentimento de rejeição aos candidatos bolsonaristas. Atenção: uso, aqui, a possibilidade. Pode ou não ocorrer. A depender, mais uma vez, da questão econômica e das circunstâncias que se formarão ao longo dos próximos meses. Muita água correrá ainda pelas margens litorâneas até outubro de 2020. A conferir. Duverger Maurice Duverger, o renomado estudioso francês dos sistemas políticos, lembra: "o Brasil só será uma grande potência no dia em que for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado". O peso de SP e Minas São Paulo e Minas lideram o eleitorado brasileiro, o primeiro com cerca de 35 milhões de votos, o segundo com mais de 16 milhões. O voto mineiro é uma síntese do voto nacional. MG é um Estado que reúne brasileiros de todos os recantos. E São Paulo é, por excelência, o território do voto racional. O voto da capital é mutante. O eleitor vota de acordo com suas demandas e respostas dos protagonistas da política. Esses dois Estados são os polos que vão funcionar como a pedra jogada no meio da lagoa: as marolas formadas pela direção dos votos paulistas e mineiros chegarão até as margens longínquas. Convivência ou litigiosidade? Como o Brasil vai se relacionar com a Argentina comandada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner? O gesto do presidente eleito - o L do Lula solto - não caiu bem. Falta de envergadura litúrgica. Ou seja, as relações entre Brasil e Argentina começam sob a sombra de Lula preso. E da resposta dura de Bolsonaro: os argentinos escolheram mal. E mais, disse ele: o gesto pedindo a soltura de Lula é "afronta à democracia brasileira e ao sistema judiciário brasileiro. Uma pessoa condenada em duas instâncias. Outras condenações a caminho. Ele está afrontando o Brasil de graça". Toffoli, a grande jogada O presidente do STF, Dias Toffoli, prepara uma jogada de mestre. O adiamento da votação da Corte no capítulo da prisão após a 2ª instância faz parte da estratégia do magistrado para deixar as águas correrem e verificar a direção dos ventos soprados pela opinião pública. In médium virtus - a virtude está no meio. Como há um sentimento de repulsa a eventual decisão do Supremo no sentido de mudar mais uma vez o instrumento, Toffoli deve optar por um meio termo. Ou seja, a condenação na 3ª instância, no STJ, já abriria a possibilidade de detenção do acusado. Seria um meio termo. O voto do presidente, portanto, mesmo sujeito a críticas, estaria atendendo aos anseios das duas bandas em querela. Sólon Ao ser perguntado sobre as leis que outorgara aos atenienses, Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, disse: "Dei-lhes as melhores que eles podiam aguentar". Lula vai às ruas O PT se prepara para voltar à liça, ou mais precisamente, ao centro do poder. Contando com sua liberdade, Luiz Inácio quer fazer uma baciada de prefeitos. Daí a recomendação para que seu partido apresente candidatos no maior número de cidades. Quando argumentam que o PT deve integrar uma frente de oposição, ele, Lula, insiste: contanto que a cabeça de chapa seja do partido. Lula espera novamente incendiar o país. O eterno retorno? Para tanto, promete resgatar a tal Caravana da Cidadania, que correu o país antes de sua eleição em 2002. Em suma, a síndrome de Sísifo pode baixar, mais uma vez, por nossas plagas. P.S. Sísifo, o condenado pelos deuses a levar uma pedra nos ombros e depositá-la no topo da montanha. Quando está prestes a conseguir o feito, a pedra rola ao sopé da montanha. Sísifo vai tentar mais uma vez. Jamais conseguirá. Fará isso por toda a eternidade. Brasil do eterno retorno. Um conto com Zé Zé caiu num poço profundo. Desesperado, tentava, por horas seguidas, escalar as paredes. Quando conseguia subir alguns metros, caía novamente. Obcecado pela ideia de se salvar, não percebia a corda lançada por um desconhecido que por ali passava. Zé não conseguia nem ouvir o apelo: - Pegue a corda, pegue a corda. Surdo, a atenção voltada para a tarefa, só reagiu quando sentiu a dor de uma pedra jogada nas costas. Furioso, olhou para o alto, viu o desconhecido e gritou: - O que você deseja? Não vê que estou ocupado? Não tenho tempo para preocupar-me com sua corda. E recomeçou o trabalho. Depois de pedradas insistentes nos costados e um intenso clamor cívico, Zé felizmente começou a despertar do estado catatônico em que se encontrava, saindo do poço profundo. Esse pequeno conto cai bem nesse instante em que o Brasil abre as cortinas de um novo ciclo político. Zé é a imagem de uma sociedade que sai de seu torpor e busca os próprios caminhos. Evitando a mistificação de populistas e demagogos.
quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Porandubas nº 641

As três pessoas No confessionário, Monsenhor era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: - As três pessoas são o senhor, o dr. Didico e o dr. Zé Augusto. (Historinha contada por José Abelha em A Mineirice). Previsão inquietante O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, de 78 anos, está no Brasil para lançar "O fim do império cognitivo" (Editora Autêntica, 2019), em que critica "um conhecimento que é todo produzido na Europa, EUA e Canadá, e reproduzido por autores do Sul". Faz previsão: as políticas neoliberais adotadas pelo governo Bolsonaro fazem o Brasil se aproximar de uma "convulsão social" como acontece no Chile e no Equador. Será? De onde viria a rebeldia? Classes médias? Jovens? Movimentos organizados? Tema inquietante. Chile, mau exemplo O ministro da Economia Paulo Guedes esperava coroar a reforma da Previdência no Brasil com o regime de capitalização e sempre citou o Chile como bom exemplo desse regime. Difícil sustentar sua tese: um dos motivos da atual revolta chilena é exatamente a capitalização, que achatou as aposentadorias. A média das aposentadorias pagas em agosto foi de US$ 200, pouco mais da metade do salário mínimo, de US$ 422. O movimento pendular... O sobe e desce na política é um fenômeno comum. Aqui e alhures. Vejam o que está acontecendo no Reino Unido. O Brexit é um sobe e desce. O primeiro ministro Boris Johnson garante que a saída do UK da Europa se dará, faça chuva ou faça sol, dia 31 deste mês. O Parlamento o obrigou a pedir adiamento do Brexit. E no ar cresce a bolha da interrogação: até quando vai essa novela? Se a velha democracia inglesa é assim, o que dizer das democracias incipientes? ... Na política Aqui, o delegado Waldir comemorou intensamente a vitória no PSL, que garantiu até sexta sua posição de líder do partido na Câmara. Segunda, o líder do governo, o major Vitor, apresentou à Secretaria da Câmara outra lista, desta feita com 29 parlamentares, sacramentando como líder do PSL o nome do 03, Eduardo Bolsonaro. Significa que essa crise no partido vai longe. A ala perdedora, do presidente Luciano Bivar, naturalmente rejeita a escolha do 03. Resta saber como vai se comportar no Congresso daqui para frente em relação às propostas do governo. P.S. Os bivaristas até gostariam de indicar mais um delegado para a liderança do PSL: Marcelo Freitas, do PSL-MG. O fim do "mistério 03" A história soava estranha: indicar o filho Eduardo para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, comprar briga feia para ele assumir a liderança do partido na Câmara dos Deputados. O próprio presidente Bolsonaro começa a levantar a ponta do véu: disse no Japão que o filho 03 é quem vai decidir se vai para Nova York ou se fica no Brasil para "pacificar o partido e catar os cacos" deixados pela crise interna. Supõe-se, portanto, que as chances do filho ganhar a aprovação do Senado para a embaixada eram bem pequenas. Evita-se assim mais uma derrota no Congresso. Mais um olavista O indicado para os Estados Unidos será mesmo Nestor Foster, diplomata de carreira, amigo do chanceler Ernesto Araújo e olavista de carteirinha. Crise na representação Esse movimento pendular apenas reforça o que temos vivido: a crise crônica da democracia representativa. Crise essa que aponta para um conjunto de fatores, dentre outros: o declínio das ideologias/arrefecimento doutrinário; o declínio dos partidos; o declínio dos Parlamentos; a desmotivação das bases; a perda de força das oposições; as promessas não cumpridas pela democracia (a educação para a Cidadania, o combate ao poder invisível, o combate às oligarquias, a transparência dos governos), enfim, o descrédito na política. A tinta na caneta Para complicar, temos, aqui e por aí, um presidencialismo de cunho imperial. Herança ibérica - Portugal e Espanha. O poder quase insuperável dos soberanos foi passado aos donos do poder no início da colonização. Temos, ainda, a herança do império inca, com a incomensurável força dos caciques. Hoje tudo isso se resume ao poder da caneta. Que nomeia, desnomeia, atrai, coopta, compra, enfim, estabelece a dependência dos representantes ao mandatário com sua caneta cheia de tinta. Nosso presidencialismo é soberano. Os ismos Junte-se a isso a coleção de nossas mazelas, fruto da árvore do patrimonialismo, que fixou raízes lá atrás, em 1534, por exemplo, com D. João III criando 15 capitanias hereditárias e escolhendo amigos para delas tomar conta. O negócio privado começou a adentrar o terreno do Estado. Ismos: caciquismo, grupismo, mandonismo, nepotismo, familismo, fisiologismo - galhos podres da árvore patrimonialista. É difícil expurgar esses tumores que vão e voltam nas ondas dos ciclos políticos. Mas é possível distinguir uma luz no fim do túnel? Sim. Quando fizermos a maior revolução que uma Nação pode fazer a luz será incandescente: a revolução da Educação. Só mudando as cabeças pensantes se muda um país. A renovação Diz-se que a última eleição, a do Bolsonaro, foi a abertura de uma nova era. É verdade? Em termos. Vimos a renovação da Câmara em 53%. Mas não significa que os novos surgidos representam necessariamente renovação. Muitos são jovens e, sem querer machucar ninguém, muitos têm pensamento dinossáurico. Obsoleto. A mudança de mentalidade não ocorre por decreto. Demanda o tempo de gerações. Observamos mentalidade renovadora, sim, em alguns estratos, mas ainda não dispomos de força no Congresso para dar ao país o que ele precisa. O primeiro passo está sendo dado. A organicidade social Tenho lembrado sempre: a sociedade brasileira está se organizando bem. Temos cerca de 400 mil organizações não governamentais, todas constituídas legalmente. Acrescente-se a esse conglomerado cerca de mais um tanto de entidades informais. O Brasil novo é este, o das organizações horizontais, de categorias profissionais, gêneros, minorias étnicas e raciais, etc. As mulheres, graças, estão se empoderando. Os conceitos de direitos, igualdade e liberdade se expandem. Por isso, temos muitas lutas pela frente. Contra quem? Os fundamentalistas Há, infelizmente, em nosso habitat uma população vocacionada para defender o atraso. Samuel Huntington, o prestigiado professor de Harvard, já descreveu as proporções da grande ameaça da Humanidade: o paradigma do caos, formado pela quebra no mundo inteiro da lei e da ordem; pelas ondas de criminalidade, o declínio da confiança na política, a desagregação dos valores da família, os cartéis de droga. E apontava o fundamentalismo islâmico como ameaça ao ideário das sociedades democráticas. Conflitos étnicos e de origem religiosa banham grande parte do nosso planeta. E por aqui, estamos começando a temer uma escalada fundamentalista. Uma corrente que quer puxar o Brasil ao passado. A política é missão O declínio dos fenômenos da política, acima descritos, se dá ainda pelo fato de termos substituído o conceito de missão para profissão. Os eleitores começam a execrar os representantes, passando a eleger perfis que expressem inovação, mudança, virada de mesa. O desinteresse pela política se explica pelos baixos níveis de escolaridade e ignorância sobre o papel das instituições e pelo relaxamento dos políticos em relação às causas sociais. Este fenômeno - a distância entre a esfera pública e a vida privada - se expande de maneira geométrica. Na Grécia Na Grécia antiga, a existência do cidadão se escudava na esfera pública. Esta era sua segunda natureza. A polis era espaço contra a futilidade da vida individual, o território da segurança e da permanência. Até o fim da Idade Média, a esfera pública se imbricava com a esfera privada. Nesse momento, os produtores de mercadorias (os capitalistas) invadiram o espaço público. É quando começa a decadência. Na primeira década do século 20, acentua-se com o declínio moral da classe governante. Assim, o conceito aristotélico de política - a serviço do bem comum - passou a abrigar o desentendimento. A bagunça Por aqui, o estado de não cumprimento da lei se espraia. O nome disso é anomia. A ruptura no império da ordem assume proporções fantásticas. Alguém pode argumentar que somos bem diferentes do Oriente Médio, onde os conflitos ocorrem diariamente, e estamos bem distantes de tsunamis e terremotos que afligem populações do sudeste asiático. Peca-se por excesso de confiança ou por ausência de informação? Sabem por quê? Morrem, no Brasil, 56 mil pessoas por ano vítimas de arma de fogo. Uma leva de crianças sucumbe de inanição, desnutrição e doenças tropicais. Dados mostram mais de 50 milhões de brasileiros vivendo sob um apartheid social. Quando se pensava que doenças, como dengue e o sarampo, teriam sido banidas por ações preventivas, eis que ressuscitam. E até em Estados avançados como São Paulo. E a solidariedade? Somos um povo solidário ou já fomos mais solidários no passado? Há quem diga que estamos vivendo na selva dos conflitos. Cada um por si. O humanismo tem diminuído na esteira da competitividade. Será que estamos vendo leões atracando gazelas? A historinha é emblemática: "Toda manhã, na África, uma gazela desperta. Sabe que deverá correr mais depressa do que o leão para não ser devorada. Toda manhã, na África, um leão desperta. Sabe que deverá correr mais que a gazela para não morrer de fome. Quando o sol surge, não importa se você é um leão ou uma gazela: é melhor que comece a correr". Barbárie Infelizmente, esse relato de Domenico De Masi ainda é exibido em ambientes de trabalho como profissão de fé de executivos e dirigentes empresariais. À primeira vista, parece um bom conselho para quem quer vencer na vida. Trata-se, porém, de uma exaltação à barbárie. Basta intuir que, pelo conselho, "leões humanos" (aspas nossas) são autorizados a agarrar "gazelas humanas" (aspas nossas), que, apavoradas, devem se desdobrar para realizar suas tarefas ou a se esconder para fugir das intempéries do trabalho (ou dos ataques dos leões). É evidente a estimulação ao instinto da violência, ao cultivo dos perfis agressivos, às lutas por espaço e poder, às táticas aéticas e aos golpes traiçoeiros, tudo justificado pela necessidade da competitividade. Doenças da política Por fim, temos de combater as doenças mais recentes do nosso corpo político. Pinço, aqui, algumas mais destacáveis: a) O familismo no Executivo - A influência dos três filhos do presidente da República chamusca a ideia de lisura, zelo e ética no Governo. b) O partidarismo no Judiciário - Por mais que os ministros do STF digam que seu compromisso é com Carta Magna, eleva-se a impressão que alguns agem como integrantes de partido político. c) O fisiologismo no Parlamento - O balcão de trocas tem diminuído, mas o fisiologismo ainda carimba a feição de grande parcela de nossa representação. d) O assistencialismo ao setor produtivo - Também é possível anotar certo avanço da produção na direção da competitividade. Mas o assistencialismo a alguns setores atravanca os passos do país na direção do amanhã. e) O exclusivismo nos partidos - Regra geral, os partidos continuam atrelados às velhas formulações. Seus integrantes lutam por interesses pessoais. Deixam os interesses nacionais ao lado, se suas ambições não forem contempladas. f) A improvisação na gestão pública - Governos de todas as instâncias deveriam profissionalizar ao máximo as estruturas, visando a consecução de serviços públicos melhores e eficazes. Notinhas de pé de página - Denúncia a ser apurada: a ex-líder Joice Hasselmann garante que assessores e filhos de Bolsonaro usam as redes sociais com perfis falsos. - Lula se prepara para ser a estrela mais brilhante da campanha de 2020. Correndo o Brasil e aparecendo na TV. Volta do PT está na moldura dele. - A linguagem de baixo calão usada por alguns parlamentares do PSL - em acusações uns contra outros - envergonha qualquer cidadão. - O óleo vazado que inunda as praias do Nordeste é mais uma vergonha que mancha a frente de controles do Governo. Como é possível não se descobrir a origem do óleo? - Alckmin sinaliza interesse em se candidatar ao governo de SP em 2022. Um puxão de orelhas no governador João Doria, considerado até por amigos como "protótipo da ingratidão".
quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Porandubas nº 640

Abro a coluna com as pernas da corrupção... Quando a burocracia ganha pernas O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve do chefinho do departamento: "ah, meu senhor, tem muitos outros na frente do seu. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas". Agastado, o interlocutor reage: "e quanto o senhor quer para por dois pés nesse papel?". Tirou do bolso um maço de dinheiro (que já tinha separado em casa para não dar na vista e, de maneira disfarçada, entregou ao sorridente chefete). Tiro e queda. O adjutório fez o papel correr rapidinho com seus dois pés. A corrupção sabe como dar pernas aos papéis... Mesmices O que há de novo na cena institucional para aplaudir, comentar, criticar, ou, simplesmente, registrar? Nada. O capítulo das reformas vai virando a página sem surpresas. Tudo dentro do previsível: o governo anunciando a passagem da reforma da Previdência em segundo turno, no Senado; o debate sobre reforma tributária com previsão de que a matéria não se esgotará tão cedo; a reforma sindical, sendo engendrada às escuras, sem deixarem que o olho crítico da sociedade organizada dê uma espiada nas confabulações. É a velha política inspirando os passos de hoje e do amanhã. Direita avança Alguns movimentos deixam rastros mais fortes, aqui e ali, mas de modo a não garantir que marcarão a índole de nossa gente. Essa onda da direita, por exemplo. O filho nº 3 do capitão-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, capitaneou em São Paulo um evento da direita conservadora, reunindo os mais lustrosos membros da corrente e seus líderes norte-americanos. Mitinho? O deputado, aplaudido como "mitinho", enrolou-se na bandeira brasileira, substituiu as letras LGBT por Liberdade (Liberty, termo ilustrado pela estátua da Liberdade), Armas (Guns, com a imagem de um revólver), Bolsonaro e Trump. Até essa pobre ironia foi uma homenagem aos EUA. Aonde chegamos, hein? O arco ideológico A questão suscita polêmica: essa direita tem condição de crescer e gerar frutos? Ora, não é novidade a divisão do nosso arco ideológico entre uma direita conservadora, dura, tradicional; uma direita menos radical, que faz defesa de valores da família e da propriedade; uma área de centro-direita, que apresenta maior flexibilidade e evita caminhar nas veredas extremas; um núcleo central, reunindo os quadros de partidos médios e grandes do centro; um território de centro-esquerda, que absorve parcela forte de antigos simpatizantes da social-democracia e setores de profissionais liberais e da "intelligentzia"; nichos da esquerda clássica, aí inseridos grupos e militantes de partidos de esquerda (ex-PPS, que está virando Cidadania; PDT, PSB, etc.); e a esquerda radical, com toques "revolucionários" e apelo à "obsoleta" luta de classes. A direita ganha corpo Portanto, na configuração ideológica, a direita sempre se fez presente. Mas não exercia com força funções na frente da mobilização política. Com Bolsonaro, sai dos seus recantos e passa a desfilar no palanque da organicidade social. Grandes proprietários rurais, saudosistas dos tempos pesados de chumbo, correntes amarradas aos eixos do tradicionalismo (com emblemas e bandeiras que voltam às ruas), pequena parcela dos militares (grande parcela evoluiu e caminha por veredas mais centrais), conservadores do universo religioso - particularmente das igrejas evangélicas - e outros grupos se integram ao bolsonarismo, enxergando nele a salvação da pátria. E tudo se deve a que? As águas do lulopetismo É fato que o país viu florescer, nas últimas décadas, uma semente esquerdista, fruto da conquista do poder pelo lulopetismo. Em 13 anos, o PT inundou a vasta estrutura governamental com levas e levas de quadros petistas. A inundação foi particularmente danosa no território das universidades. Gente sem experiência, quadros despreparados, grupos imaturos foram postos na liderança de imensas áreas. O plano petista era tornar perene o poder do partido. Sem volta. E o que aconteceu? O lulopetismo afogou-se na maré da corrupção, que veio de lá de trás desde o mensalão. Lula, o mito Lula foi e ainda é um mito. Graças ao carisma e à observação de que não surgiu, em seu tempo de mando, nenhuma liderança de expressão, conseguiu ser reeleito mesmo sob o pântano do mensalão. E até elegeu o "poste" de carisma zero, Dilma Rousseff. O PT entrou nos dutos da corrupção. Mas não morreu. Como a sigla mais vertical do país, montada sob um regime de dura hierarquia, com militantes pagando um "óbulo" para sustentar o partido, elegendo bancadas que lhe deram muito dinheiro dos recursos partidários, o PT acabou acendendo a fogueira do bolsonarismo. E o capitão quebrou paradigmas da velha política, abrindo um novo ciclo. Extremos se cultuam Nesse ponto, cabe inferir: o PT fez e faz bem a Bolsonaro e este fez e faz bem ao PT. Essa é a realidade. Os extremos se esforçam para alimentar a polarização, o enfrentamento diário nas redes sociais, a aspereza recíproca nas acusações, o tiroteio. Lula vive momentos extraordinários. Tem o melhor palanque que poderia armar: a hospedagem na sede da PF em Curitiba. O grande palanque De lá, sua voz ganha força aqui e alhures. Dentro e fora do país. Não conseguiria tanto destaque se estivesse em regime semiaberto, em São Bernardo do Campo. A direita se adensa sob o medo do lulopetismo voltar a comandar o país. A esquerda lulopetista ganha força a partir das expressões estapafúrdias que o capitão e os seus filhos disparam. Atitude de diplomata? Voltemos ao deputado Eduardo Bolsonaro, eleito por São Paulo. (Aliás, o deputado conhece pouco da vida política paulista). Azucrina opositores nas redes sociais, usa linguagem destemperada para tratar os desafetos, assume gestos incompatíveis com o manto de quem quer ser embaixador. E logo agora que deve ser sabatinado pelo Senado. Tem tudo para não ganhar a aprovação dos senadores. Pelo que faz e diz. Mas o fato é que, mesmo com o fiasco da OCDE (o Brasil esperava um ingresso mais imediato na Organização), para o qual o deputado se empenhara intensamente, deve acabar levando a melhor. Na última visita que fez aos EUA, Trump não o recebeu. Assim, a direita caminhará Nessas curvas tortuosas, a direita caminhará. Abrirá espaços com sua estratégia de desconstruir os adversários com acusações e linguagem extravagante. O interesse de Bolsonaro é puxar a polarização até a campanha de 2022. O discurso: o PT é corrupto; o PT é a ameaça de comunismo; o PT é a Venezuela; o PT é Cuba. Já para este, Bolsonaro é a ditadura; é retrocesso; é o descrédito do Brasil no mundo; é ameaça ao meio ambiente. Esses são os eixos da polarização. E as forças centrais, até quando agirão para quebrar a espinha dorsal dos extremos? Eis a questão. As forças do centro As forças do centro ainda não se integraram. O centro, como se sabe, é muito difuso. Abriga múltiplos nichos. Mas é no centro que se produz o maior volume de racionalidade. Os formadores de opinião, os influenciadores, as áreas mais progressistas habitam os espaços centrais. Os interesses se repartem em blocos. Não há uma liderança forte capaz de aglutinar visões e tendências. Mas esse universo não deixará de colocar o seu dedo na ferida aberta pelos digladiadores das duas margens, esquerda e direita. Até ocorrer a junção de interesses em torno de algo ou alguém em comum, muita água correrá por baixo da ponte. Mãos limpas Juca de Oliveira continua com a verve pontuando sobre a realidade brasileira. Mãos Limpas, sua nova comédia, no teatro Renaissance, São Paulo, mostra os bastidores da corrupção no país, a índole dos nossos políticos, a vida desregrada de protagonistas da paisagem institucional. Corajoso, e pinçando fatos escancarados pela mídia, Juca não se acanha em trazer à baila nomes como os de Gilmar Mendes, Sérgio Moro, Lula, Gleisi, Toffoli, em cenas que ganham risos e aplausos da plateia. O nosso Molière Mãos Limpas, como outras peças de Juca, é uma comédia de costumes. Ali se veem a "magnanimidade" dos nossos políticos, a teia que envolve seus "sentimentos" (cívicos?), os cordões que amarram protagonistas da política. Enfim, o nosso Molière levanta o véu dos nossos "padrões de decência". Qualquer verossimilhança com a realidade dos atuais dias não é mera coincidência. Texto primoroso sobre a República corrupta. A turma de Juca no palco se completa com a antológica participação de Fúlvio Stefanini, Taumaturgo Ferreira, Bruna Miglioranza, Claudia Mello e Nilton Bicudo. Os astutos Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, com as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade. (Esopo) Popularidade para de cair A última pesquisa sobre a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, feita pela XP Investimentos em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), mostra que 46% da população esperam um governo "ótimo" ou "bom" até o fim do mandato. Os pessimistas são 31%. Há um mês, a expectativa positiva era de 43%, uma oscilação de três pontos. A proporção de entrevistados que esperam uma administração "ruim" ou "péssima" caiu de 33% para 31% no período. No início do ano, a expectativa positiva para o mandato correspondia a 63% dos entrevistados, e 15% deles eram pessimistas. A gangorra da pesquisa A avaliação do governo melhorou um pouco: o porcentual de entrevistados que consideram a administração "boa" ou "ótima" foi de 30% para 33% em relação a setembro. A desaprovação a Bolsonaro oscilou de 41% a 38%, e a porcentagem de entrevistados que consideram o governo "regular" se manteve estável em 27%. Entre julho e setembro, a proporção de quem considerava a administração de Bolsonaro "ruim" ou "péssima" foi de 35% a 41% na pesquisa, enquanto a aprovação caiu de 34% a 30%. Imagem ruim do Congresso A avaliação do Congresso, também medida na pesquisa, oscilou no sentido contrário. A proporção de entrevistados que consideram o desempenho dos parlamentares "ruim" ou "péssimo" foi de 39% a 42%, e a avaliação positiva foi de 16% a 14%. O bom uso do plástico A Unilever, presente há 90 anos no Brasil e dona de marcas como Dove, Omo, Seda e Mãe Terra, vai reduzir pela metade o uso de plástico virgem nas embalagens de seus produtos até 2025. Até lá, tudo deverá ser reutilizável, reciclável ou compostável. O compromisso foi assumido globalmente pela companhia, que quer também incentivar a economia circular por meio da coleta e processamento de cerca de 600 mil toneladas de plástico por ano até 2025. Esse total é maior do que a quantidade de material comercializado pela Unilever no mundo.
quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Porandubas nº 639

Abro a coluna com um "causo" de Goiás. Não mudou nada Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil: - No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados. O coronel Miguel suspirou: - Então não mudou nada. Gilmar no drible O ministro Gilmar Mendes tentou driblar as perguntas duras da boa bancada que o entrevistou no Roda Viva. Como se esperava, não teve papas na língua para atacar procuradores da Lava Jato, sobrando para o juiz Sérgio Moro. A operação, segundo ele, tem mais publicistas que juízes. Em certos momentos, parecia se esgrimir para fugir de contradições. Mas não chegou a se exaltar. E não perdoou o braço da imprensa como apoio aos exageros da Lava Jato. Na batalha verbal, não houve morto. Mas algumas feridas se abriram. Chamou a atenção deste consultor uma sacada rápida em direção ao jornalista Josias de Souza, ao comentar sobre um caso "que estava com seu amigo Barroso". Estocada de leve em ambos? O Brasil das lealdades Estes últimos dias têm sido dedicados por alguns protagonistas da cena institucional às lealdades. Pelo menos no campo da expressão. Veja-se a tentativa do ministro Sérgio Moro de mostrar sua lealdade ao presidente Jair Bolsonaro. Em amplas entrevistas e, ainda, nas redes sociais, faz questão de dizer que não será candidato à presidência da República em 2022. Que seu candidato é o chefe Bolsonaro. E que, em sua visão, não está no meio do laranjal que compromete a figura do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. A informação é da Folha de S.Paulo, jornal que, segundo o capitão presidente, "desceu às profundezas do esgoto". PF apura O ministro Sérgio Moro parece comprimido entre a cruz e a caldeirinha. Pois a própria Polícia Federal sinaliza uso de Caixa 2 nas campanhas do ministro e do próprio presidente. Candidatas laranja teriam sido utilizadas para esse fim. Moro nega irregularidades. O que é estranho, pois a PF continua a apurar. E como o comandante geral da PF, ele mesmo, Moro, antecipa-se para dizer que não há irregularidades? Aliás, o inquérito não é sigiloso, exigindo que ninguém se pronuncie? Tempos de lealdade ou tempos de inverdade? Tempos de agrado ao chefe ou tempos de hipocrisia? Bolsonaro em casório Também nesses últimos tempos, o presidente Bolsonaro tem demonstrado particular interesse com o tema do casamento. Só para lembrar: em relação ao novo procurador-Geral, Augusto Aras, confessou que foi "um amor à primeira vista". Sua escolha como PGR selou o casamento. Com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente também garante que eles estão quase indo para a cerimônia. Ipsis verbis: "Eu estou quase me casando com o Rodrigo Maia". E com Alcolumbre Já em relação ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a expressão, mesmo com jeito de gafe, em evento de comemoração dos 200 dias de Governo, foi na mesma direção: "Apesar da gravata cor de rosa, eu gosto dele. É meu amigo". A ministra da Agricultura ainda tentou consertar a estocada machista: "Obrigada, Davi, pela gravata em minha homenagem". Força ao Guedes Em sua entrevista ao Estadão, o presidente volta a fazer loas ao seu "posto Ipiranga", Paulo Guedes, em quem confia e delega força total. E a quem enche de observações que colhe nas redes sociais, não mais nas ruas, por motivos de segurança, segundo se intui. Revela que é um insone. Nas madrugadas, sai da cama com cuidado para não acordar a esposa, vai para um computador e começa a ver o que se passa ou o que a população sente. Imprime um montão de coisas, que encaminha aos ministros, sendo a maior quantidade destinada a Paulo Guedes. Não deixa de ser interessante a revelação de que ele, Bolsonaro, toma o pulso do povo. A demissão de Cintra Marcos Cintra, professor e economista, entusiasta da CPMF, mesmo com outro nome, teria sido demitido pelo seu chefe Paulo Guedes e não pelo presidente. Ora, está na cara que Bolsonaro, ao detestar as famigeradas quatro letrinhas, influiu na conduta de seu ministro da Fazenda. Mesmo que, como se sabe, demonstrara simpatia com a ideia de um diminuto tributo que iria expandir em muito a receita. Guedes preferiu se vacinar. E usar a caneta na direção do competente professor Cintra. Um conselho de Sun Tzu Lembremos deste conselho de Sun Tzu: "Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas". Huck liberado A mulher Angélica concedeu o salvo-conduto e liberou o apresentador Luciano Huck para entrar na arena presidencial de 2022. Disse ela em entrevista à revista Marie Claire que o marido recebeu "uma espécie de chamado" para a presidência da República. E complementa: "No Brasil, em vez de a política ser algo do qual as pessoas se orgulham, dá medo. Mesmo sem ser candidato, Luciano já apanha de todos os lados. Estamos acostumados com fake news, mas de um jeito menos sujo. Por outro lado vejo isso, digamos, como um 'chamado', que ele não buscou. É uma coisa tão especial que, se ele decidisse se candidatar, o apoiaria". Com tiros do presidente Só pelo fato de sinalizar uma possível candidatura, o apresentador da TV Globo já começou a ser alvo do tiroteio do capitão. Ele garantiu que o povo não vai votar em "pau mandado da Globo". E voltou a mencionar o empréstimo feito pelo apresentador com o BNDES para a compra de um jatinho. Esse mesmo aviso foi feito em relação ao empréstimo também tomado junto ao BNDES pelo governador de São Paulo, João Doria. Dinheiro que comprou um jato. A grande Fernanda "Nenhum sistema vai nos calar". Voz da nossa maior dama do Teatro, Fernanda Montenegro em São Paulo. Atriz protestou contra a censura e a corrupção no lançamento de seu livro de memórias no Theatro Municipal. Racha na sociedade Mais uma sinalização do profundo racha social: a eleição realizada domingo passado para os Conselhos Tutelares. O "efeito Bolsonaro" impregnou a eleição. Mesmo sem divulgação na mídia tradicional, a eleição ganhou visibilidade nas redes sociais. Os credos evangélicos se mobilizaram para focar seus candidatos sob a sombra do conservadorismo. Os progressistas também foram às urnas em número menor. Racha II Mas em SP, a esquerda já garantiu metade dos votos segundo a Folha. Os Conselhos Tutelares são responsáveis por zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Os conselheiros terão mandato de quatro anos. Só no RJ, a eleição teve mais de 300 denúncias. Em algumas cidades, como Curitiba, a eleição foi cancelada por problemas com urnas e irregularidades, como compra de votos. Vem reforma aí A ideia está amadurecendo na cabeça do presidente e em seu entorno. Urge fazer a reforma ministerial. A essa altura, já se sabe quem é capaz de mostrar resultados e quem está abaixo das expectativas. As alas conversam a portas fechadas. Uma queda de braços entre olavistas/conservadores e grupos mais moderados. Espera-se que antes do fim do ano algumas peças da máquina sejam trocadas. A conferir. Moldura ministerial I Que avaliação pode-se fazer do conjunto ministerial? Eis uma rápida avaliação de sua performance, a partir de uma leitura midiática: 1) Economia - Paulo Guedes Criou muitas expectativas. Até o momento, o superministro não mostrou grandes resultados. A reforma da Previdência, um pouco desidratada, tem sido sua bandeira mais elevada. Com méritos do Secretário Rogério Marinho. 2) Casa Civil - Onyx Lorenzoni O deputado perdeu parcela do poder, com a retirada de suas mãos da articulação política. Era um poderoso ministro no início. Moldura ministerial II 3) Justiça e Segurança Pública - Sérgio Moro É o ministro mais admirado do governo. Mas sua imagem já não consegue ser totalmente limpa. As conversas com os procuradores da operação Lava Jato borram sua imagem. 4) Gabinete de Segurança Institucional - Augusto Heleno Para o presidente, é o "posto Ipiranga" das Forças Armadas. Mas não tem o poder que tinha ao tomar posse. Ultimamente, deu um sumiço da imprensa. E dá estocadas em jornalistas. Moldura ministerial III 5) Defesa - Fernando Azevedo e Silva Atuação profissional. Tem conseguido se sobressair. Melhor do que se esperava. 6) Secretaria-Geral da Presidência -Jorge Oliveira O advogado e major da reserva da PM do Distrito Federal faz serviços burocráticos. Moldura ministerial IV 7) Relações Exteriores - Ernesto Araújo O chanceler, conservador e afinado com a linha dura, é um marco de polêmica dentro do governo. 8) Saúde - Luiz Henrique Mandetta O médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta (DEM) não tem ação de evidência ou que mereça destaque. 9) Secretaria de Governo - General Luiz Eduardo Ramos Diz-se que é o maior amigo do presidente. Ganhou a articulação política. Mas ainda não tem mostrado grandes resultados. Moldura ministerial V 10) Ciência e Tecnologia - Marcos Pontes Tenente-coronel da Aeronáutica e primeiro astronauta brasileiro, esperava-se dele atuação mais forte. Os setores da ciência não o vêem com bons olhos. 11) Agricultura - Tereza Cristina Deputada Federal (DEM) e produtora rural, tem sido boa surpresa. Elogiada pela bancada ruralista, despachada e atuante. 12) Controladoria Geral da União - Wagner Rosário Técnico de carreira, Wagner Rosário tem atuação discreta. Moldura ministerial VI 13) Educação - Abraham Weintraub Adepto de Olavo de Carvalho, um dos ideólogos do bolsonarismo, o ministro da Educação tem figurado no mapa da polêmica. Questionado, mas prestigiado pelo presidente. 14) Infraestrutura - Tarcísio Gomes de Freitas Um dos melhores ministros, senão o melhor. Densa ficha técnica. Respeitado. 15) Cidadania e Ação Social - Osmar Terra O deputado tem atuação forte, mas recebe muitas críticas de setores artísticos. Moldura ministerial VII 16) Turismo - Marcelo Álvaro Antônio Imagem comprometida pelo laranjal da campanha de 2018 em MG. Segura-se no Ministério, mas está capenga. 17) Minas e Energia - Bento Costa Lima Leite Atuação discreta. Interrogação sobre a privatização da Eletrobrás. Ministro quer aprovar projeto de privatização da Eletrobrás ainda este ano. 18) Desenvolvimento Regional - Gustavo Canuto Sem ênfases. Regiões queixosas de abandono. Muitas demandas. Faltam recursos. Moldura ministerial VIII 19) Mulher, Família e Direitos Humanos - Damares Alves Uma das principais figuras da bancada evangélica, não tinha boa fama no início do governo. Hoje apresenta-se com perfil forte e destemido. Sem papas na língua. Questionada por setores, mas respeitada por credos e conservadores. 20) Meio Ambiente - Ricardo Salles Atuação polêmica na esteira das queimadas na Amazônia. Alvo de críticas de dentro e fora do país. 21) AGU - André Luiz de Almeida Mendonça Atuação discreta. 22) Banco Central - Roberto Campos Neto Prestigiado no mercado. Atuação profissional. Funcionários protestam modelo de venda de ações do Banco do Brasil com a intermediação do BNDES, na posição de agente de privatização. Moldura ministerial IX 23) Secretaria de Desestatização - José Salim Mattar O Secretário Especial de Desestatização promete reduzir o tamanho do Estado-Empresário, que tem fatias em 637 companhias entre controladas pela União, subsidiárias, coligadas e participações. Muita promessa, pouca ação.
quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Porandubas nº 638

Abro com uma historinha de Jaguaribe, no Ceará. Quatro chinelas O médico Francisco Ibiapina, do Jaguaribe/CE, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. O clínico fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaída. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa, silenciosa e atenta aos conselhos do médico. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha: - Seu doutô: fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede? (Causo contado pelo historiador Leonardo Mota no livro Sertão Alegre) O presidente na ONU O presidente Jair Bolsonaro foi fiel ao seu estilo e às suas convicções no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. De tom desafiador, chamou de 'falácia' a afirmação de que Amazônia é patrimônio da humanidade. Sem citar nomes, disse que países europeus agem com 'espírito colonialista' visando riquezas do Brasil. Afirmou que a Amazônia é maior do que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada: "Meu governo tem o compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil". Atribuiu às "mentiras da imprensa", especialmente jornais e tevês, pela imagem "distorcida" do Brasil em todo o mundo. Foi a fala mais dura e acusatória de um presidente do Brasil na ONU. Ataques ao socialismo Bolsonaro fez um balanço de seu governo (preocupado com o combate à criminalidade e à corrupção), atacou a ideologia de esquerda que invadiu todos os setores da vida brasileira, criticou indiretamente a França e diretamente Cuba e Venezuela, que hoje "experimenta a crueldade do socialismo". E emendou: "Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade, ataques ininterruptos dos valores religiosos que marcam nossa tradição". O combate ao socialismo recebeu, também, duras palavras de Donald Trump. Os dois tocaram a mesma tecla. Vivas e apupos Este consultor fez um apanhado nas redes sociais. E ouviu amigos e formadores de opinião. Conclusão: o presidente recebe vivas e aplausos de adeptos do bolsonarismo, orgulhosos da performance presidencial. Mas ganhou apupos dos contrários, alguns usando a expressão "vergonha". Muitos acham que os efeitos deletérios prejudicarão os negócios. Cada ala com seus exércitos em prontidão. A polarização Como se pode aduzir, Bolsonaro tentará puxar o novelo da polarização até as margens eleitorais de 2022. Para ele, interessa a luta intensa entre os polos extremos do arco ideológico. Luiz Inácio Lula da Silva e seus seguidores também gostariam de esticar a onda do discurso extremado, pois ali está a chance de o PT divisar luz no fim do túnel. Seria conveniente ao petismo levantar barreiras ideológicas contra o bolsonarismo direitista, principalmente se a economia não der resultados e continuar a frustrar as expectativas das massas. A ida para o centro O refúgio das classes médias, nos próximos tempos, será o centro. O discurso polarizado começa a cansar. Classes médias, categorias profissionais, profissionais liberais, enfim, os setores racionais, não contaminados pelos dribles da emoção ou do engajamento doutrinário, tendem a habitar o meio do território das ideologias. Esta possibilidade pode se manifestar já nas urnas de 2020, quando será renovada a base do edifício político, 5.570 prefeitos e quase 58 mil vereadores. O Brasil não aguenta muito tempo ficar pendurado num dos cantos do arco. Racha na centro-esquerda A centro-esquerda está rachada. PSB, PDT e PC do B estão descontentes com o PT. O deputado Orlando Silva, do PC do B, atesta: "muitos partidos cansaram de serem tratados como satélites do PT". Em vez de uma candidatura única em 2022, a tendência aponta para o lançamento de candidatos de cada partido da centro-esquerda: Ciro Gomes, pelo PDT; Flávio Dino, governador do Maranhão, pelo PC do B; Guilherme Boulos, coordenador do MTST pelo Psol; Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, pelo PSB; Fernando Haddad ou o governador da Bahia, Rui Costa, pelo PT. Huck se prepara É de Luciano Huck o passo mais avançado para ocupar o centro e ser o candidato mais forte das classes médias. Começa a se preparar organizando um time de grandes profissionais em seu torno. O mais brilhante do grupo é Armínio Fraga, um expert em matéria de finanças. O ex-presidente do Banco Central imprime respeito e credibilidade em seus domínios. Huck tem ainda um grande conselheiro: Fernando Henrique Cardoso. O apresentador tem boa ligação com as massas. Seu "Caldeirão" esquenta o coração das massas. PSL, difícil de se manter O partido do presidente Bolsonaro tende a rachar. As querelas internas geram divisões e ameaças de fuga de quadros. Luciano Bivar, o pernambucano que o preside, é contestado por boa parte da sigla. O major Olímpio luta contra o domínio do deputado Eduardo Bolsonaro, em São Paulo. Espera que ele seja apeado da presidência do partido, caso seja nomeado embaixador nos EUA. O PSL rachado abre a porta da migração partidária. Reforma ministerial As conversas sobre reforma ministerial se multiplicam. Diz-se que o presidente não está satisfeito com algumas áreas. A economia demora a produzir resultados. Paulo Guedes é cobrado sobre isso. Bolsonaro está ansioso para ver a economia aquecida. Já em relação a Moro cresce a insatisfação da área política contra sua atuação. A morte da menina Ágatha, por uma bala perdida atirada por policiais, é mais um empecilho para aprovação de seu pacote anticrime. Generais perdem poder? Avoluma-se a impressão de que os generais no entorno do presidente perdem poder. Sua influência sobre o presidente é aquém do que se esperava. Mesmo o general Luiz Eduardo, o maior amigo do presidente e que chefia a Casa Civil, ainda não conseguiu dar peso à articulação política. O Congresso carece cada vez mais dos presidentes das duas Casas Legislativas para fechar o círculo da articulação e operar a agenda das reformas. Witzel, o polêmico O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, vestiu mesmo a camisa do tiro ao alvo, aliás, do tiro ao bandido. É visto como um defensor da violência policial. Sob esse figurino, quer desfraldar a bandeira da segurança pública. Mas a violência no Rio, sob sua égide, só aumenta. O polêmico dirigente já avisou que entrará no páreo de 2022. Sem chance. Sua índole retocada de sangue gera medo, ao contrário de segurança. CPMF? Marcos Cintra foi despedido, mas a CPMF continua na cabeça de Paulo Guedes, que considera o tributo "feio", mas adequado para baixar outras alíquotas, não sendo ainda "crue" com os encargos trabalhistas. Bolsonaro garantiu que a CPMF não vingará. E agora Guedes? Conseguirá dobrar a decisão de seu chefe? Quem consegue acreditar em quem? Derrotas de Macri e Trump Hoje, Maurício Macri e Donald Trump perderiam na Argentina e nos Estados Unidos. Essas derrotas teriam impacto sobre a reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. Aliás, a moldura direitista no mundo pode ser alterada nos próximos tempos. Um alerta para o presidente brasileiro. Na Argentina, a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner é favorita para vencer as eleições de outubro próximo. E, nos Estados Unidos, Trump tem muito tempo para se recuperar até 3 de novembro de 2020. Hoje, perderia para o ex-vice de Barack Obama, o moderado Joe Biden, ou mesmo para os senadores democratas progressistas Bernie Sanders e Elizabeth Warren. Descompasso Apesar do esforço dos presidentes dos três Poderes para mostrar harmonia e equilíbrio entre eles, o fato é que a balança pende para um dos lados. O desequilíbrio é grande. O STF tem adentrado com intensidade e frequência no território da política. Pode-se até dizer que tem entrado no vácuo aberto pelo Legislativo. Por falta de legislação infraconstitucional, o Supremo, sob o argumento da necessidade de interpretação da CF, acaba legislando. Parcela do estranhamento entre políticos e o Judiciário a isso se deve. O Executivo, por sua vez, vê com reservas certas decisões do Judiciário. MP contido O Ministério Público passou esses anos imperando e reinando. Seus membros queriam e conseguiram formar um Poder ao lado dos três Poderes. Firmaram um pacto com uma camada de juízes de 1ª instância. Lutam por recursos da Lava Jato. E começam a ver seus pleitos derrotados. Mas não desistem da luta por recursos para seus cofres. Juízes como Fábio Prieto, desembargador do TRF-3, têm sido um empecilho para que o MPF alcance seu intento. Uma fome de R$ 2,5 bilhões Agora, disputa judicial envolve o Ministério Público Federal (MPF), que pretende liberar todos os recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, de R$ 2,5 bilhões, cuja aplicação está suspensa. O ministro da Justiça deseja usar esses mesmos recursos para financiar projetos de sua gestão. Já o ministro da Economia, por sua vez, quer o dinheiro para ajudar no equilíbrio fiscal do governo. A disputa está sendo examinada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região. O conflito de interesses Para o desembargador Fábio Prieto, a pretensão do Ministério Público de gerir este fundo não se justifica. Além disso, considera inconstitucional que cidadãos, empresas e governos possam ser condenados a pagar vultosas somas em uma ponta, a partir da iniciativa do Ministério Público, quando na outra ponta a mesma instituição quer garantir a condição de gestora e alocadora da verba a terceiros: "O conflito de interesses com outras entidades e órgãos públicos também atraídos pelos recursos salta aos olhos". 3,4º c até 2100 A média da temperatura do planeta, segundo o site Agência do Rádio, poderá aumentar em até 3,4º C até o final deste século. A informação foi divulgada em um relatório das Nações Unidas (ONU), que reúne estudos científicos da Organização Meteorológica Mundial e de outros órgãos especializados. Fora do conselho de segurança? O chanceler Ernesto Araújo já anunciou: não é prioridade do atual governo do Brasil lutar por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, o mais prestigiado e poderoso braço da entidade. A eleição será em 2021. Para ter apoio, o país precisa fazer intensa campanha, a partir dos vizinhos da AL. Dilma não se preocupou com isso. E o Brasil perdeu a chance de vir a ocupar no curto prazo. Ficou para 2033. O governo Temer conseguiu antecipar esse prazo em 10 anos, ao negociar com Honduras. Mas o Brasil sofre hoje fortes resistências da Europa e do mundo árabe. Não é mais prioridade, segundo Araújo. O Brasil acabará perdendo o trem da história.
quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Porandubas nº 637

Abro a coluna com um "coroné" das Minas Gerais. Eclipses? Aqui não O coronel Zé Azul, chefe político de São Gonçalo do Abaeté, em Minas, era candidato a prefeito pela UDN, às vésperas de um eclipse do sol que a imprensa vinha prevendo para começo do ano seguinte, como o mais forte já visto no Brasil. O medo generalizou-se. Espraiavam-se relatos de crianças que iam nascer defeituosas, galinhas que deixariam de pôr ovos, cabritos que não mais berrariam e a cachaça que ficaria envenenada. No dia 1º de outubro, o coronel Zé Azul fez o último comício da campanha e acabou com um juramento sagrado: - Pode ser que, na prefeitura, a partir de janeiro, eu não consiga fazer tudo que pretendo por esta terra. Mas juro para vocês que meu primeiro decreto será proibir definitivamente eclipses em São Gonçalo do Abaeté. Ganhou a campanha. Um projeto indecente Um dos grandes absurdos de nosso tempo foi aprovado a toque de caixa pela Câmara dos Deputados e está para ser votado no Senado. Trata-se do projeto de lei 5.029/2019, que propõe mudanças no sistema partidário e nas regras eleitorais a partir do ano que vem. Começa pelo preço: os políticos querem elevar o Fundo Eleitoral de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões, no momento em que o governo está precisando raspar o tacho para manter o país em funcionamento. O Ministério da Saúde, por exemplo, quer cortar R$ 393,7 milhões do previsto com compra e distribuição de vacinas em 2020, em meio a um surto de sarampo e outras doenças que infernizam a população. A favor do caixa 2 Mas não é só. Pelo projeto, os políticos ficam imunes a qualquer punição de malfeitos e praticamente retiram da Justiça Eleitoral o poder de investigar desvios dos malfeitores. Além de indecoroso, todo o texto é favorável à prática de corrupção. Entre outras aberrações, o projeto permite que advogados e contadores que prestam serviços para filiados - inclusive aqueles acusados de corrupção - sejam pagos com verba partidária, o que abre margem para prática de caixa dois e lavagem de dinheiro, segundo a Transparência Partidária e a Transparência Brasil. No fundo, é o dinheiro do contribuinte sendo usado para garantir a impunidade. Vale tudo, menos prestar conta Enfim, aqueles que se reuniram para aprovar o PL na Câmara querem que o dinheiro gasto em campanha seja liberado sem prestação de contas. Outros absurdos do texto: permite que o Fundo Partidário seja utilizado para pagar passagens aéreas para qualquer pessoa e custear ações judiciais de controle de constitucionalidade; retira as contas bancárias de partidos dos controles de PEP (pessoas politicamente expostas); isenta legendas de obrigações trabalhistas em relação a seus funcionários. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se disse contra a elevação dos recursos este ano para o Fundo Eleitoral. Fora de pauta Davi Alcolumbre, presidente do Senado, retirou da pauta o projeto de lei que afrouxa regras eleitorais para partidos, abre brecha para o caixa dois e dá margem ao aumento da quantidade de dinheiro público destinado às legendas. O texto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Bolsonaro na ONU O presidente Jair Bolsonaro vai à Assembleia Geral das Nações Unidas. E como cabe ao Brasil o discurso de abertura, chegará a NY com a arma engatilhada. Dirá: a região amazônica, no que toca à parte brasileira, é uma questão de soberania nacional; as queimadas desse ano fazem parte do ciclo de fogo na região. Não dará muita importância à expansão da devastação quando comparada a anos anteriores. Valores conservadores serão lembrados com recados a alguns países devidamente embalados em linguagem direta. Aliás, o chanceler Ernesto Araújo está tratando com Steve Bannon as linhas do discurso de Bolsonaro na ONU. Esse Bannon é o ultra ultraconservador que já assessorou Trump. O que pode ocorrer? Alguma agitação no plenário com a saída de participantes da sessão. A imagem do Brasil O fato é que a imagem do Brasil está muito chamuscada. O presidente não é de fazer média. Por isso, é previsível que mantenha as linhas básicas de um discurso conservador, sob o alinhamento automático e incondicional aos EUA. Bolsonaro, como Trump, deseja imprimir identidade direitista a seu governo. Leva em consideração a crise das esquerdas que consome a imagem de muitos protagonistas. A dúvida se expande Por todos os lados, a pergunta é a mesma: Bolsonaro terá longa vida política? Temos tentado cercar essa questão sob diversos ângulos. Mas a abordagem da economia se firma como a mais forte. Se a economia se recuperar no médio prazo, a ponto de gerar resultados já em 2020, é razoável prever a eleição de uma miríade de prefeitos sob as asas do bolsonarismo. A prefeitada de outubro de 2020 formará os pilares da base de onde decolarão as naves rumo a 2022. Serão 5.570 prefeitos. Milhares de vereadores completarão os alicerces do edifício político. O poder da caneta Digamos que a economia não mostre grandes resultados, a ponto de não entusiasmar as margens, suscetíveis à equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Ocorre que o presidente é o protagonista com o maior poder de usar a caneta. Trata-se da prerrogativa insubstituível do presidencialismo. Portanto, Bolsonaro continuará a usufruir grande parcela de mando e influência. Será um grande eleitor nas eleições municipais. Terá contra ele a força das oposições que tentarão se unir. Não será fácil. A união das esquerdas Ciro Gomes tem sido um crítico ácido do petismo. Prepara-se, mais uma vez, para o embate presidencial de 2022. Mas terá de atravessar as águas turbulentas de 2020. Será difícil contar com ele na bacia das oposições, incluindo PSOL, PT, PSB e outros. O PDT de Ciro quer caminhar em faixa própria. Lula seria o artífice de uma nova união das esquerdas? As hipóteses abrigam sua saída da prisão de Curitiba. Há, ainda, um forte grupo que deseja vê-lo distante do pleito. Não aceita que o "Lula Livre" continue a ser a bandeira oposicionista. "Adereço? Não aceito" Lula tem dito que só aceita a liberdade se ela vier com o figurino completo, ou seja, sem adereços para incomodá-lo, caso de tornozeleira eletrônica. Ademais, há dúvidas se ele, solto, continuaria a usufruir direitos políticos. A interpretação vigente é a de que o ex-presidente, mesmo libertado, só poderia ser candidato ao completar 89 anos. Mas teria condição legal para liderar uma frente oposicionista? Saturação das classes médias A polarização entre direita e esquerda, particularmente puxando os polos extremos do arco ideológico, interessaria a Bolsonaro e ao PT, que gostariam de se ver digladiando na arena presidencial de 2022. Este consultor, porém, enxerga certo cansaço com o bolorento discurso polarizado. Poucos suportam ouvir lengalenga entre bolsominions e seus contrários. Circunstâncias A política, como água, caminha sinuosa entre as reentrâncias das pedras. Não depende apenas da vontade de seus comandantes. Depende de fatores como satisfação social, segurança coletiva, sensação de que as coisas estão melhorando. E, que fique claro, a política navega ao sabor das circunstâncias. Sob essa hipótese, podemos projetar a continuidade do discurso polarizado entre direita e esquerda, o bolsonarismo e seus contrários. Aduz-se que amplos segmentos do meio da pirâmide não suportarão conviver por muito tempo com a verborragia raivosa, um cabo de guerra puxado por duas alas litigiosas. Não à mesmice Essa sensação de mesmice é particularmente rejeitada nos estratos medidos, motivados a refazer caminhos e a sair das veredas erráticas da velha política. Daí a sinalização que já começa a tomar vulto de um corredor central, onde desfilarão as classes médias-médias, ansiosas para respirar oxigênio novo. Em suma, sairemos do apartheid social para ingressar num espaço de convivência e ouvir um discurso menos conflituoso. A imagem é utópica? É possível. Mas nossa índole não se acostuma com a beligerância que consome energias e dispersa esforços. Quem ocupará o meio? Há consenso de que os opostos extremos do arco ideológico deixam ver alguns protagonistas: Bolsonaro, um perfil petista ou do PSOL, Ciro pela esquerda mais central. A dúvida maior é sobre a ocupação do centro. Os mais prováveis precisam mostrar a que vieram: Witzel, no Rio, é uma figura muito polêmica; o caixeiro-viajante João Doria, que corre o mundo para "vender" oportunidades do Estado de São Paulo, tem viés "oportunista" e há até quem o veja como "carreirista"; Romeu Zema, do Novo, está cercado de dificuldades. Rodrigo Maia é um grande perfil para compor uma chapa majoritária, mas teria de "popularizar" a imagem. Por enquanto, o meio acolhe uma enorme interrogação. Reversão de expectativas Devemos contar, em 2022, com o voto bem embalado no celofane da "reversão de expectativas". Os escolhidos não atenderam aos compromissos e promessas. Aliás, esse voto com a marca de frustração já se fará presente em 2020 na eleição da bacia de prefeitos. O balão da OP Mais cedo ou mais tarde, o presidente da República cairá na real. Não fará uma boa imagem sem considerar a imensa tuba de ressonância da mídia massiva. Só com redes sociais, não fará subir o balão da imagem. Como é sabido, a formação da opinião pública é um processo que leva em conta o nível de conhecimento das pessoas, que acabam registrando em seus sistemas cognitivos parte dos conteúdos que lhes chega por meio das mídias eletrônicas (rádio, televisão, redes sociais) e impressas (jornais e revistas). Dois tipos de receptores aparecem: os que recebem mensagens dos telejornais/rádios e os que têm acesso aos meios impressos, além dos eletrônicos. Bombardeio midiático É difícil resistir ao bombardeio midiático de um poderoso telejornal, com imagens de dutos enferrujados jorrando dinheiro, sob a voz de tenor de William Bonner e dos agudos de Renata Vasconcelos. Os índices de audiência bruta (que a publicidade designa como GRP - Gross Rating Points) - são cavalares, somando mais que pesadas campanhas publicitárias juntas de grandes grupos. Os telespectadores acabam "comprando" o cenário negativo que cerca os personagens do tiroteio televisivo. O estrago sobre sua imagem é fatal. Efeito destrutivo O poder destrutivo é tanto mais letal quanto mais forte seja o calibre da arma. Maior a dose, maior o efeito. O mais visto dos telejornais dedica a maior parte de seu horário à política. E mais: a cobertura da operação Lava Jato é farta de imagens repetidas. Logo, imagem com malas de dinheiro acaba colando nos personagens do noticiário. Os personagens descritos no roteiro da cobertura noticiosa acabam todos com a marca de malfeitores. Repetição Eventuais respostas ao bombardeio midiático por parte dos atores políticos ganham pouco espaço, sobrando, sempre, para os "donos do poder informativo" a sua "verdade". Em Minha Luta, Hitler diz: "o êxito de um anúncio, seja ele comercial ou político, se deve a persistência e assiduidade (periodicidade) usadas". Goebbels chegou a alinhar princípios da propaganda, entre eles, os da orquestração e da repetição. Amanhã Se o tom televisivo continuar sendo crítico ao governo, a má avaliação do bolsonarismo terá longa vida. A recíproca é verdadeira. Rebuliço no PSL O partido do presidente é uma fonte de querelas e quedas de braço. Há quem duvide da sobrevivência da sigla. Luciano Bivar, o presidente, pode perder o cargo. DEM em crescimento Já o DEM tende a se fortalecer na esteira do prestígio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. PSDB, ampla convocação Bruno Araújo, presidente do PSDB, informa que mandou uma carta ao partido, convocando 1,4 milhão de filiados a se posicionarem sobre temas como Estabilidade do funcionalismo público; Redução da maioridade penal; Mensalidade nas universidades públicas para alunos de alta renda; Descriminalização de drogas leves; Liberação da posse e porte de armas; Foro privilegiado das autoridades públicas; Cotas sociais e/ou cotas raciais; Exploração sustentável de riquezas naturais em áreas de preservação ou indígenas; Voto facultativo e Liberalismo social como sistema econômico. O Congresso tucano será nos dias 6 e 7 de março do próximo ano. Quem se encaixa? Há um protagonista de nossa política que cabe por inteiro na frase deste cientista político. Você é capaz de dizer quem é? No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder".
quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Porandubas nº 636

A coluna abre com a verve dos Albuquerque. "Xecape" do Carlucho Despachado, bom de lábia, ar brejeiro, dono de fazendas, Carlucho Albuquerque aproveitou a viagem ao Recife para matar saudades. Assistiria ao desfile de maracatus e visitaria o velho museu para apreciar a decoreba que os meninos de Olinda fazem sobre a saga de sua família, os Albuquerque, aberta por Matias de Albuquerque, 1595/1647. Depois do lazer, Carlucho foi ao médico fazer um exame geral. O médico começa: - O senhor está em muito boa forma para 40 anos. - E eu disse ter 40 anos? - Quantos anos o senhor tem? - Fiz 58 em maio que passou. - Puxa! E quantos anos tinha seu pai quando morreu? - E eu disse que meu pai morreu? - Oh, desculpe! Quantos anos tem seu pai? - O veio tem 82. - 82? Que bom! E quantos anos tinha seu avô quando morreu? - E eu disse que ele morreu? - Sinto muito. E quantos anos ele tem? - 103, e anda de bicicleta até hoje. - Fico feliz em saber. E seu bisavô? Morreu de quê? - E eu disse que ele tinha morrido? Ele está com 124 e vai casar na semana que vem. - Agora já é demais! Por que um homem de 124 anos iria querer casar? - E eu disse que ele queria se casar? Queria nada, mas ele engravidou a moça, coitada. (Historinha que dá conta da tradição dos Albuquerque de Pernambuco). O dicionário do governo Bolsonaro A coluna de hoje é um exercício de decifração do governo Bolsonaro. O pequeno dicionário pode ajudar a entender o modus operandi do presidente. Boa leitura. A Arrogância - Sentimento de autossuficiência, onipotência, domínio completo do poder. Ainda na primeira letra do alfabeto, estão ainda: Apartheid social - A conhecida divisão da sociedade, entre nós e eles, originada na era do lulopetismo, recebe novo impulso, com o bolsonarismo, por meio de discurso e ações, restabelecendo a divisão entre classes e grupos sociais. Adélio Bispo de Oliveira - O criminoso que esfaqueou o presidente em Juiz de Fora, considerado pelos médicos como inimputável por ter uma doença mental. Laudos anexados ao processo atestaram que o autor do atentado tem Transtorno Delirante Persistente e o crime teria sido cometido em função desta condição. Amazônia - A região amazônica passou a figurar como centro do discurso em defesa de uma política ambientalista. Os focos de incêndio na região ganharam foro mundial. Aborto - A interrupção de uma gravidez resultante da remoção de um feto ou embrião antes de este ter a capacidade de sobreviver figura como uma prática condenada pelo bolsonarismo, atendendo a uma visão de grupamentos sociais. B Bolsominions - A expressão, de cunho pejorativo, designa pessoas politicamente alinhadas com os ideais do presidente Jair Bolsonaro. BBB- Bancada da Bala, do Boi e da Bíblia - Três áreas que se posicionam como eixos de apoio e defesa do governo Bolsonaro, indicando clara tendência da extrema direita no arco ideológico. C Conservadorismo - A postura conservadora do governo Bolsonaro abriga a defesa de valores na frente dos costumes. Capitão - O posto no Exército em que o presidente foi reformado quando exercia atividades militares. O termo ainda é usado para designar o presidente Bolsonaro. Caneladas - Modo ríspido com que trata alguns membros de sua equipe - de ministros a funcionários do terceiro escalão. Demite assessores segundo o humor do dia. Carlos Bolsonaro - O filho mais aguerrido do presidente, a quem se atribui grande influência sobre o pai. Foi o responsável pela estratégia da campanha eleitoral no uso das redes sociais. Atira contra elementos da equipe governamental, que considera desafinados com o discurso presidencial. Comércio exterior - Ameaças de fechamento de alguns mercados importantes como o europeu, o árabe e o asiático em razão da aspereza com que trata personalidades internacionais. Pano de fundo: a devastação da Amazônia, a intenção de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e o alinhamento automático com os EUA. CPMF - O governo tenta ressuscitar a famigerada CPMF, agora sob o carimbo de "Nova". Para zerar contribuição sobre folha, o imposto teria de arrecadar R$ 200 bilhões. D Democracia - Mensagem no Twitter do terceiro filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro: "Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos". Pelo que se sabe, onde não vigora democracia, impera a ditadura. O segundo filho, Eduardo, indicado embaixador do Brasil nos Estados Unidos, visitou o pai ontem no hospital e posou com um revólver na cintura. Ditadura - Regime implantado em 1964 pelos militares, que perdurou até meados de 80 e que recebe loas rotineiras do presidente Bolsonaro. Um dos mais conhecidos repressores, o coronel Brilhante Ustra, é um ícone de admiração do presidente. Donald Trump - O presidente dos EUA é o exemplo seguido por Bolsonaro, por seu posicionamento na direita conservadora e por defender teses de cunho nacionalista. Damares - A ministra da Mulher, da Família, e dos Direitos Humanos, Damares Alves, é referência da posição conservadora no Ministério. E Escola sem Partido - É uma das bandeiras mais fortes e presentes do discurso bolsonarista. Evangélicos - Os credos evangélicos formam o bastião mais fechado na defesa do atual governo. Exército - As Forças Armadas, principalmente a área do Exército, voltam ao centro do poder por meio de um conjunto de militares, a partir de generais que habitam a Esplanada dos Ministérios. Eduardo Bolsonaro - O deputado filho do presidente ocupa o centro da polêmica, estabelecida pela indicação do pai para ser o embaixador do Brasil nos EUA. Caberá ao Senado aprovar a indicação. F Facada - A facada desferida contra Jair Bolsonaro em Juiz de Fora é considerada por muitos como o fator que contribuiu, de forma decisiva, para a eleição do presidente. Flávio Bolsonaro - O senador, filho do presidente, é protagonista de um imbróglio em que está envolvido Fabrício Queiroz, suspeito de "rachadinha" (apropriação de parte do dinheiro de funcionários do então deputado estadual Flávio, no Rio de Janeiro). Fogo - Nunca foi tão intenso o fogo que devasta a região amazônica. Muitos atribuem a devastação à política ambientalista do governo Bolsonaro. G Gêneros - O conceito de gêneros ganha amplitude no governo Bolsonaro, que se posiciona contra a Ideologia de Gêneros. Generais - Generais do Exército e outras patentes das Forças Armadas entraram em grande número na administração Federal. H Heleno - O chefe do Gabinete de Segurança Institucional, uma espécie de braço direito do presidente, é o general Augusto Heleno, mais conhecido como Heleno. Homofobia - Aversão irreprimível, repugnância, medo, ódio, preconceito que algumas pessoas ou grupos nutrem contra os homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais, é crime. Mas, na atual conjuntura, esse crime passou a ocorrer com muita frequência. I Indígenas - A política indigenista brasileira na atualidade é muito criticada. Por defender a invasão das terras indígenas para exploração mineral e outras atividades. Ideologia de gênero - Ver acima Gêneros. J Juventude - O segmento jovem é um dos focos de interesse do bolsonarismo, que intenta diminuir a força da ideologia de esquerda no vasto campo da educação. A carteira de estudante emitida pelo governo Federal é um golpe na União Nacional dos Estudantes, dominada pelo PC do B. K Ketchup - Condimento muito familiar ao deputado Eduardo Bolsonaro, que justifica sua nomeação como embaixador brasileiro nos EUA por "falar inglês e espanhol" e, ainda, saber fritar hambúrguer. O molho de tomate deve ter sido muito usado pelo deputado em seu périplo pelo Estado do Maine, como ele próprio recorda. L Lula - É o maior adversário do bolsonarismo. Há indicações de que ele ou um perfil escolhido por ele seja o adversário de Bolsonaro em 2022. Liberalismo - Trata-se do figurino vestido pelo governo Bolsonaro para a área da Economia. Abrigo de amplo programa de privatizações. M Michelle - Brigitte, a mulher do presidente francês, Emmanuel Macron, e Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile e alta comissária da ONU, foram alvo de ataques do presidente. Enquanto isso, outra Michelle, a Bolsonaro, esposa do capitão Jair, ganha simpatia pela defesa de deficientes e uso da linguagem de libras. Mourão - O vice-presidente da República não é bem visto pelo entorno do presidente. Considerado um falastrão. Mas tem o apoio do empresariado. N Nazismo - Primeiro, foi o chanceler Ernesto Araújo que disse: o nazismo é de esquerda. Depois Bolsonaro falou não ter "dúvidas" de que o nazismo era de esquerda. Para historiadores, tratar nazismo como de esquerda é 'fraude'; embaixador alemão também já disse que é 'besteira'. E os israelenses também explicitaram: nazismo é de direita. O Olavismo - Olavo Carvalho, guru de extrema-direita do bolsonarismo, dá as cartas em parcela importante do governo. Oquei? (às vezes, precedida por um tá - Tá oquei?) - Interrogação recorrente do presidente quando termina suas entrevistas improvisadas. Com sotaque bem carioca. P PSL - O partido deixou de ser micro para se transformar em grande sigla: 54 deputados. Mas o partido do presidente está rachado. E muitos acreditam que haverá uma debandada se o governo entrar em parafuso. Paulo Guedes - O Todo Poderoso ministro da Economia luta para ver sua agenda econômica aprovada pelo Congresso. Quer privatizar todas as estatais. Presidencialismo de coalizão - Governar com partidos em troca de apoio não é do gosto do capitão, que começa a abrir o portão da velha política. Na marra. Q Quilombola - O presidente não é muito simpático aos quilombolas. Ainda deputado, chegou a dizer: "Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais". Queiroz - Fabrício Queiroz, o procurado ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual no RJ, pode abrir a caixa-preta da "rachadinha" e gerar impacto negativo sobre os bolsonaros. V. nota acima do Flávio Bolsonaro. R Redes sociais - O presidente se vale das redes sociais e de seus simpatizantes para mandar seus discursos. Suas mensagens animam sua base. Despreza os grandes veículos de comunicação de massa, os quais recrimina por "não trazer notícias positivas ao governo". Rodrigo Maia - O presidente da Câmara é alvo de farpas do presidente, mas é o principal fiador da agenda de reformas. Sem ele, o país não avança em direção ao futuro. S Sérgio Moro - O ministro mais popular do governo tem sido objeto de ciúmes e críticas por parte do entorno presidencial. Veem nele um eventual concorrente de Bolsonaro em 2022. Também não é bem visto pela frente política. Moro padece de um processo de desgaste. Mais recentemente, foi brindado pelo presidente com o adjetivo "inocente". T Trumpismo - Ideologia encarnada pelo presidente dos EUA inspira o presidente brasileiro. U União das esquerdas - Até o momento, as esquerdas não encontraram o fio do novelo para agregar suas forças, deixando o bolsonarismo navegar por águas ainda calmas. V Vexame - O destampatório do presidente tem dado vexame aqui e alhures. Palavras ferinas, degradantes, humilhantes e até de baixo calão são proferidas. Mas o mandatário número 1 diz que não vai mudar. X Xingamento - Bolsonaro passa a ser o centro das conversas em todos os ambientes. Parte o elogia e parcela o critica até com xingamentos. A bílis social escoa pelas veias sociais. Xucro - Adjetivo usado pelo capitão ao carimbar a índole do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, um animal ainda não domado. Z Zebra - Pode dar zebra em 2022? Alguém que não frequenta o manual dos presidenciáveis? Pode, sim. O Senhor Imponderável dos Anjos costuma nos visitar com frequência. A reeleição de Bolsonaro, apesar dos horizontes distantes, é a coisa mais previsível. E até a volta do PT. A zebra que pode aparecer vai depender do sucesso ou do fracasso do governo Bolsonaro.
quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Porandubas nº 635

Abro a coluna com uma historinha das Alagoas. Povo do bola Gervásio Raimundo, fazendeiro, candidato a deputado estadual por Palmeira dos Índios/AL, foi fazer comício em Estrela, que antigamente se chamava Bola: - Povo do Bola! Atrás dele, Waldemar Sousa Lima, escritor, biógrafo de Graciliano Ramos, conserta ao ouvido: - Gervásio, eles não gostam de ser chamados de povo do Bola. - Meus queridos amigos bolivianos! Waldemar ficou aflito: - Gervásio, boliviano é quem nasce na Bolívia. - Ó xente, e não é tudo Brasil? Acabou o comício. 16% do mandato O crescimento da reprovação do presidente Bolsonaro, de 33% para 38%, em pouco mais de um mês, exibe uma tendência de rápida deterioração da imagem do governo. O índice de ruim ou péssimo é de 9 pontos a mais do índice de bom ou ótimo, aferida em 29%. O retrato é da pesquisa Datafolha, feita em 29 e 30 de agosto junto a 2.878 pessoas em 175 cidades brasileiras. Hoje, o capitão perderia para Haddad. O resultado mostra que os brasileiros, a cada rodada de pesquisa, aumentam sua desaprovação ao estilo Bolsonaro de governar. Aprovado apenas por sua base de apoio, hoje em torno de 30%. O governo já consumiu 16% do mandato. Muita água É evidente que muitas avalanches correrão por baixo da ponte até outubro de 2022. Mas a continuar a trilhar um caminho atirando a torto e a direito, instigando as bases e ferindo os opositores, incentivando ações que ferem princípios ambientalistas, pousando na extrema direita do arco ideológico, mostrando-se como uma pessoa mercurial, raivosa contra a imprensa, as ONGs e dirigentes europeus, recusando recursos oferecidos para proteger a região amazônica, o presidente Jair tende a ver o distanciamento de seus próprios simpatizantes. O pior cego é aquele que não quer ver. É o caso do mandatário mor. O buraco no meio O arco ideológico deixa ver um grande espaço a ser ocupado no meio. Os extremos, à direita e à esquerda, estão ocupados. Quem imaginaria que teríamos uma direita populista no país? Quem imaginaria que, após os traumáticos anos do lulopetismo, as bandeiras vermelhas do PT, CUT, MST, MTST e outros entes congêneres poderão novamente ser desfraldadas na paisagem? A polarização que o presidente Jair luta para consolidar abre esta alternativa. A não ser que as forças do centro ideológico se reúnam e se dêem as mãos para formar um núcleo central capaz de atrair as maiorias das margens e das classes médias. Essa é a condição para evitar o fortalecimento da polarização ideológica. Os habitantes do meio O que querem ver e o que pregam os habitantes do meio do centro do arco ideológico? Um país menos tensionado, mais harmônico, menos agressivo, menos inseguro; com economia voltando aos eixos, com menos invasões de propriedades, com garantia dos direitos de cidadania (igualdade de gêneros); sem guerras no entorno de temas como escolas sem ideologia, com as instituições exercendo seus papéis e cumprindo rigorosamente preceitos constitucionais. Ou seja, sem interpenetração de funções e tarefas, sem usurpação do poder ou espetacularização dos atos da Justiça. As margens As margens anseiam por melhores condições de vida: um dinheirinho no bolso que possa lhes propiciar casa, comida, transporte, educação para os filhos, segurança em seu entorno. Esse leque de necessidades, que pressupõe aperfeiçoamento dos programas assistenciais, parece abandonado. Os governantes não o elegem como foco. E assim a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça acaba castigando os governantes que a desprezam. O bolso cheio enche a barriga, deixando o coração agradecido e a cabeça disposta a aprovar o governante. A recíproca é verdadeira. A lição de Lincoln "Não criarás a prosperidade se desestimulares a poupança. Não fortalecerás os fracos, por enfraquecer os fortes. Não ajudarás o assalariado, se arruinares aquele que paga. Não estimularás a fraternidade humana, se alimentares o ódio de classes. Não ajudarás os pobres, se eliminares os ricos. Não poderás criar estabilidade permanente, baseada em dinheiro emprestado". (Lincoln) Regiões A aprovação e desaprovação de dirigentes têm, ainda, uma conexão com o fator regional. Cada região possui uma índole própria, carências e necessidades mais específicas, horizontes vistos a partir de sua configuração geográfica. Veja-se, por exemplo, a questão amazônica, que é um dos focos do debate nacional. Veja-se o caso da transposição das águas do rio São Francisco, que estampa os espaços da mídia com a abordagem do desleixo, da incúria, do abandono: obras deterioradas, paralisadas, seca em lugar da água. Em época de eleições, certamente essas águas que não correm nos dutos da transposição darão muito o que falar. Perfil para o amanhã Que perfil se enquadra na moldura política do amanhã? Tendo em vista tsunami que vimos em outubro de 2018 e a quebra de paradigmas que desmontou os eixos da velha política, podemos apontar algumas (cinco) inferências. a. Limpeza/ assepsia - Um perfil não contaminado pela velha política se encaixa bem no sistema cognitivo das massas. Passado limpo, vida decente. b. Visibilidade - Embora esta condição possa ser adquirida no espaço de uma campanha, o fato de se ter um candidato com boa visibilidade certamente alavancará o perfil. Nesse sentido, protagonistas com vivência na mídia televisiva agregariam essa posição. c. Jovialidade - Um protagonista nem muito novo nem muito velho, a denotar disposição para enfrentar desafios imensos, coragem para subir a montanha, de fácil comunicação com as massas, boa estampa - valores que convergem para o conceito de jovialidade. d. Densidade eleitoral - Os maiores colégios eleitorais do país dariam certa vantagem a perfis que a eles pertençam. O Sudeste, por exemplo, com as maiores densidades eleitorais, lideram esse posicionamento. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os três principais polos. e. Carisma - Uma virtude nata. Carisma é o brilho pessoal, o magnetismo que o protagonista exerce para atrair as massas, a maneira de ser, de se expressar, de se apresentar, qualidades que integram a identidade do personagem. Pão e circo "Os povos gostam do espetáculo; através dele, dominamos seu espírito e seu coração". Luís XIV. Influenciadores Expande-se no país a teia de influenciadores. Trata-se do núcleo que funciona como a pedra jogada no meio da lagoa, formando ondas e marolas que correm até as margens. Esses agentes da persuasão atuam em diversos espaços e níveis: nas redes sociais, que passaram a formar gigantesca tuba de ressonância do pensamento social; os difusores de opinião no rádio e na televisão (jornalismo e entretenimento); os analistas e colunistas políticos das mídias impressas; as lideranças institucionais - dirigentes de entidades de todos os naipes; as grandes referências de setores das profissões liberais (médicos, advogados, engenheiros, etc.). Todos esses influenciadores exercem papel de destaque na construção e/ou desconstrução de protagonistas políticos. Nomes em crescimento 1. Luciano Huck - Empresário, animador e apresentador do "Caldeirão do Huck" na TV Globo; alta visibilidade; amplia linhas do discurso político; começa a formar um círculo de especialistas, a partir de Armínio Fraga; impregna valores da nova política; posiciona-se como anti-Bolsonaro. Um dos nomes para o pleito presidencial de 2022. 2. Luiz Datena - Apresentador do "Cidade Alerta" na TV Bandeirantes, alta visibilidade, encarna perfil do novo na política, ensaia candidatura à prefeitura de SP em 2020. 3. Rodrigo Maia - Fiador do programa reformista, o presidente da Câmara dos Deputados (DEM-RJ) é peça decisiva no tabuleiro das reformas. Pode ser um dos nomes a compor a chapa majoritária em 2022. Boa ligação com João Doria (PSDB-SP), governador de São Paulo. 4. ACM Neto - Sobressai como um quadro do DEM, em uma eventual chapa juntando um nome do Sudeste com um nome da região nordestina. 5. João Amoêdo - O presidente do Novo tem escalada crescente como líder do processo de renovação política. 6. Baleia Rossi - O líder do PMDB na Câmara cresce na esteira do seu projeto (Bernard Appy) de Reforma Tributária. Nomes descendo a escada Alguns nomes estão descendo degraus da escada da fama. Vejamos alguns: 1. Presidente Jair Bolsonaro - Pesquisas mostram queda de nove pontos na avaliação ótimo/bom. O estilo de governar é desaprovado. 2. João Doria - O governador paulista perdeu de 30 a 4 na tentativa de expulsar Aécio Neves do PSDB. A bancada tucana de MG está contra a bancada tucana de SP. 3. Onyx Lorenzoni - O ministro perdeu parte das funções na Casa Civil. Mesmo ganhando algumas tarefas na área das parcerias público-privadas. 4. Bruno Covas - Não tem boa avaliação como prefeito de São Paulo. 5. Abraham Weintraub - O ministro da Educação, com suas manifestações polêmicas, recebe o repúdio da intelligentzia nacional. 6. Ernesto Araújo - O chanceler continua sem prestígio. Focos temáticos Ganharão destaque ou continuarão abrindo o leque de prioridades alguns focos temáticos: - Resgate da economia - Base do conforto social - Segurança Pública - Base da segurança social - Educação - Base do futuro de uma grande Nação - Ambientalismo - Proteção da natureza e do nosso habitat - Igualdade de Direitos - Elevação dos padrões de Cidadania - Combate à Corrupção - Conquista de padrões éticos e morais Pérolas do Enem Fechando o capítulo, a coluna registra inúmeras pérolas do Enem, enviadas por seus leitores: - A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos. - Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia. - O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas. - A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva. - O Ateísmo é uma religião anônima. - A respiração anaeróbica é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos. - O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo. - Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto. - Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais. - Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio. - A harpa é uma asa que toca. - O vento é uma imensa quantidade de ar. - O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas. - Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor. - Péricles foi o principal ditador da democracia grega. - A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário.
quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Porandubas nº 634

Abro com o Joãozinho analisando a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Tinha uma pedra no meio do caminho A verdade de hoje é bem diferente da realidade de ontem. Hoje, até a poesia se depara com outras pedras no caminho. Na sala de aula o professor analisa com seus alunos aquele famoso poema do Carlos Drummond de Andrade: "No meio do caminho tinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminho.E eu nunca me esquecerei...no meio do caminho tinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminho". O professor pergunta: - Joãozinho, qual a característica do Carlos Drummond de Andrade que você pode perceber neste poema? - Se não era traficante, era usuário... Desrespeito O presidente Bolsonaro continua desafinado. Compartilhou em seu Twitter comentário desrespeitoso à primeira dama da França, feito por um seguidor seu nas redes de que o presidente francês, Emmanuel Macron, tem inveja porque sua mulher não é bonita como a primeira dama brasileira, Michelle. Isso é comentário que se endosse, mais ainda saindo da lavra do chefe de uma Nação? Macron reagiu: em coletiva ao lado do presidente do Chile, Sebastián Piñera, disse que o comentário sobre Brigitte foi "triste" para os brasileiros, uma vergonha para as mulheres brasileiras e "extremamente desrespeitoso". E espera que "eles tenham muito rapidamente um presidente que se comporte a altura" do cargo. Sinal de boa vontade Mas o G7 (grupo formado pelas sete maiores economias do mundo) acabou decidindo desbloquear uma ajuda de emergência de US$ 20 milhões (cerca de R$ 83 milhões) para a Amazônia. Foi o que anunciou o presidente francês. Os recursos serão destinados principalmente para o envio de aviões Canadair de combate a incêndios. Além desta frota, o G7 concordou com uma assistência de médio prazo para o reflorestamento da Amazônia, a ser apresentado na Assembleia Geral da ONU, a ocorrer no final de setembro. Para receber essa ajuda, o Brasil terá que concordar em trabalhar com ONGs e populações locais. Ainda bem que o bom senso prevaleceu. Insulto x dinheiro Mas nada avança naturalmente nesse desencontro internacional: Bolsonaro diz que só vai aceitar os U$ 20 milhões do G7 se Macron "retirar os insultos" contra ele e contra o Brasil. O insulto: o francês chamou Bolsonaro de mentiroso por ter assumido compromissos com o meio ambiente em recente reunião do G20, no Japão. Para Macron, esse compromisso não existe. Depois, segundo Bolsonaro, ele insultou o país ao falar sobre a definição de um "status internacional" para a Amazônia. Ecologista de ocasião Mas o escritor e jornalista Gilles Lapouge, que escreve de Paris para o Estadão há décadas, dá o tom exato desta diplomacia quixotesca: "Os holofotes se fixaram nesse presidente tão jovem, polido e especialista em golpes baixos, caminhos escabrosos e meias verdades. Macron não se contenta em ser uma pessoa formidável quando se trata de manobrar, mas é também corajoso. A verdade é que ele é ecologista apenas em intervalos: de preferência, às vésperas de eleições, em razão do voto dos agricultores. Depois, passadas as eleições, ele volta a ser indiferente". O palanque que faltava No campo da ecologia, segundo Lapouge, Macron foi o inspirado porta-voz em Biarritz: "Temos de responder ao apelo do oceano e da floresta que queima". Mas o balanço do seu reinado nessa área é medíocre... Há alguns meses Macron assumiu brilhantemente a defesa do acordo de livre-comércio com o Mercosul, que deve suprimir taxas alfandegárias de inúmeros produtos, ameaçando a agricultura francesa com a carne da América Latina. Porém, pressionado pelos agricultores franceses, não sabia como voltar atrás. Então, Jair Bolsonaro lhe prestou um serviço, permitindo que ele recusasse o acordo por nobres razões, resume Lapouge. E assim, com destempero e uma errática política ambiental, Bolsonaro forneceu o palanque de que Macron precisava. É a ópera bufa da diplomacia. Imagem do Brasil I A imagem do Brasil no mundo está chamuscada. Mesmo que os índices de queimadas e desmatamento não sejam tão elevados como se propaga, o fato é que o país, por meio de seu dirigente máximo, fez péssima performance no palco internacional. Sabe-se que existe um ciclo anual do fogo. Mas o modo provocador e deselegante que Bolsonaro usou para fustigar mandatários de países que colaboram com o Fundo da Amazônia foi, em parte, responsável pela "queimada" na imagem do Brasil. Depois, seria muito bom para o país se o presidente parasse de brigar com números: incêndios na floresta tiveram alta de 84% em relação ao mesmo período de 2018. Só falta Bolsonaro pedir ao "amigo Trump" a demissão de um diretor da Nasa. Imagem do Brasil II Dizer que não precisamos do dinheiro da Noruega ou da Alemanha e, pior, dizer que a grana norueguesa destinada à Amazônia deveria ser mandada para que a primeira ministra alemã, Angela Merkel, usasse no reflorestamento de seu país, é uma tremenda falta de educação política. Só resta, agora, aguardar o pronunciamento de Jair Bolsonaro na abertura dos trabalhos da ONU em final de setembro. Cabe ao Brasil fazer o discurso inicial. Um empurrão? É evidente que a política de defesa ambiental de Bolsonaro dá um empurrão no desmatamento. Ele defende de maneira categórica a exploração mineral na Amazônia, inclusive em terras indígenas. Ora, muito oportunista, grileiro, pecuarista ilegal e outros, aproveitam os sinais emitidos pelo presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para tocar fogo na floresta. Mais ainda: ao formarem um escudo de expressões em defesa do presidente, sob o argumento de defesa do nacionalismo e da soberania, os militares também acabam motivando a devastação. O bom senso dá adeus nessa enrascada em que se meteu o Brasil. Um erro de todos O fato é que todos erraram nesse episódio. Macron e Bolsonaro acabaram enviesando o affaire. Faltaram bom senso e inteligência. Queda de prestígio Mais uma pesquisa - CNT/MDA - mostra a queda de prestígio do presidente Bolsonaro. Mais da metade da população desaprova o desempenho pessoal do presidente. O índice de desaprovação aumentou para 53,7%, ante 28,2% de fevereiro. No início do ano, 57,5% diziam aprovar o desempenho do presidente, mas esse índice caiu agora para 41%. Não quiseram ou não souberam responder 5,3% dos entrevistados. Em relação ao governo, também aumentou a reprovação em 20 pontos porcentuais. Reprovação aumenta A avaliação negativa passou de 19% em fevereiro para 39,5% em agosto. A avaliação positiva diminuiu, passando de 38,9% em fevereiro para 29,4% agora. A avaliação regular é de 29,1% e 2% não souberam responder. 39,1% dos ouvidos consideram que o decreto sobre armas é a pior ação do governo em oito meses. E sete em cada dez pessoas afirmam que a indicação do filho do presidente, deputado Federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o posto de embaixador em Washington é inadequada. Às lágrimas Lê-se que Bolsonaro teria chorado ao falar com um senador sobre a indicação de seu filho Eduardo para a embaixada brasileira nos EUA. Teria dito que ele precisa ir porque está ameaçado de morte aqui no país. Mas não entrou em detalhes. Tucanos em briga A derrota de João Doria na Executiva Nacional do PSDB, ao pedir a expulsão do deputado Federal Aécio Neves, abre um racha no partido. João perdeu de 30 a 4. Não é tranquila a liderança do governador de São Paulo entre os tucanos. É muito contestado. O PGR A escolha do procurador-Geral da República virou competitiva disputa. A essa altura, não se sabe quem é favorito. O presidente Bolsonaro pode adiar a escolha para final de setembro. Dará tempo ao tempo. E esperar a acomodação das placas tectônicas. Lava Jato nas queimadas A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, defendeu o uso de R$ 1,2 bilhão dos recursos do Fundo da Lava Jato para o combate às queimadas na região amazônica. O destino dos R$ 2,5 bilhões do Fundo da Lava Jato parou na Suprema Corte em março, depois de a PGR questionar o acordo fechado entre a Petrobras e a força-tarefa da Lava Jato no Paraná que estabeleceu, entre outros pontos, a criação de uma fundação para gerir parte da multa. O caso foi para Alexandre de Moraes, que resolveu suspender o acordo entre a estatal e o Ministério Público paranaense. EUA: Economia elegerá A querela entre EUA e China na frente do comércio e tendo a sobretaxa de produtos de ambos os países pode conduzir a economia mundial a um ciclo de depressão. E uma recessão econômica dá sinais no horizonte. O que será péssimo para Donald Trump se esse panorama voltar aos EUA nos próximos meses, no pleito de 2020. Ele tem enfrentado dificuldade nos momentos em que precisa transitar pelos corredores do Congresso. Mas os democratas recuperaram o comando da Câmara. Na área de saúde pública, ele não conseguiu cumprir a promessa de extinguir o chamado Obamacare, que auxiliou mais de 20 milhões de americanos a obterem cobertura de saúde. Tributos O principal sucesso de Trump foi a aprovação de uma extensa reforma tributária, na qual os impostos sobre empresas caiu de 35% para 21%. Outro êxito de Trump foi a aprovação de dois nomes para a Suprema Corte, incluindo Brett Kavanaugh, que enfrentou acusações de assédio sexual - as quais negou - durante o processo de confirmação de seu nome no Congresso.
quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Porandubas nº 633

Abro com hilária historinha envolvendo o folclórico ex-governador Newton Cardoso, das Minas Gerais. Não mais heliocóptero Assumiu o governo de Minas e, no dia seguinte, foi ao aeroporto para viajar no helicóptero da administração estadual. Ao tomar conhecimento de que aquele "trem" tinha o nome de seu adversário, foi logo dando bronca no piloto: - Não entro de jeito nenhum nesse trem com o nome do Hélio (Hélio Garcia era o governador anterior). O piloto, constrangido, respondeu: - Mas governador, esse helicóptero é do governo do Estado e não do ex-governador Hélio. Newtão não quis saber: - Esse trem agora vai se chamar Newtoncóptero. Falei e tá falado. Nuvens pesadas Grande interrogação nos mercados mundiais. Tensão entre EUA e China. Economia norte-americana dá sinais de descida do patamar onde está. Muitos países registram desaceleração das economias. E em nossas plagas, ameaças se acumulam: devastação ambiental é motivo de retaliação de tradicionais países que colaboram com o Fundo da Amazônia; agronegócio brasileiro pode ver portas fechadas; falas do presidente causam perplexidade aqui e alhures. Classe política começa a tomar distância do governo. Nuvens plúmbeas escurecem os horizontes. O cinto mais apertado Já discorremos aqui sobre a viabilidade de um governo. Resgato o conceito de Carlos Matus, cientista político chileno: a viabilidade depende de quatro cinturões que afrouxam ou apertam o corpo do Executivo: o cinturão econômico, o cinturão político, o cinturão social e o cinturão organizativo, cada qual com os seus buracos. E mais, cada um influenciando o outro. A economia saudável, com dinheiro no bolso do consumidor e acesso pleno ao consumo, acaba desaguando na política, facilitando a articulação do governante com a classe. A recíproca é verdadeira. O caldo entorna se a economia não proporcionar bem-estar coletivo. Efeitos concêntricos O cinturão político, por sua vez, carece de ótimos articuladores para abrir espaços aos planos dos governantes na esfera legislativa. Se não há essas figuras de proa ou se há, mas não são de primeira qualidade, o fator político pode atrapalhar o fluxograma do Executivo. E, claro, dispara tensões e conflitos que irão bater no oceano social, onde os grupos organizados, os centros de referência de grupos e contingentes exercem o poder de fazer barulho. As ondas, em círculos concêntricos, correm do meio da pirâmide para a base, ou do meio da sociedade para as margens. Altas ondas As ondas vão aumentando de tamanho à medida que crescem a indignação, a revolta, a contrariedade, o clima pesado do meio ambiente. Saindo da teoria para a prática. Chegando aos oito meses de governo Bolsonaro, o apurado é menor do que se esperava. Imaginava-se uma somatória de coisas que acabariam melhorando o clima social, animando plateias, abrindo sorrisos de satisfação. Não é o que se vê. A economia ainda não chegou ao cotidiano das massas. A política vive tensões. A passagem da reforma da Previdência pela Câmara foi um grande feito, é oportuno dizer, mas o processo não está terminado. Tem ainda um bom percurso no Senado. E os efeitos só vão aparecer no longo prazo. São previsíveis ondas mais altas. Mais que pororoca As ondas estão aumentando. E não serão ondas de pororoca, geralmente baixas e que não causam grandes inundações. E onde estão essas ondas? Em formação nas águas da PF, da Receita Federal e do Coaf. A decisão do presidente de trocar superintendentes da Receita e da Polícia Federal em postos-chave deixa os quadros dos setores em polvorosa. Na Receita, Marcos Cintra se adiantou e já fez trocas. No ar, ameaças de rebeldia ou pedidos de demissão em massa. Se isso se concretizar, o governo Bolsonaro entrará em parafuso. Veremos águas inundando espaços vitais. "Sou eu que mando" Feridas serão abertas. O vale-tudo pode acontecer. A PF luta para se afirmar como órgão de Estado, como reza a cartilha da CF, e não de governo. A Receita viveria, também, sua mais profunda crise da contemporaneidade. No Coaf, a mudança para o BC está sendo administrada sem maiores conflitos, mas fica sempre no ar a voz do capitão: "sou eu que mando". O embaixador No meio da confusão que tende a se espraiar - a não ser que o presidente recue e não exiba tanta intransigência -, o Senado analisará a escolha do deputado Eduardo Bolsonaro para a mais importante embaixada do Brasil, a dos Estados Unidos. O deputado (PSL-SP) já visitou os integrantes da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado. Mas ainda não está seguro dos votos. A comissão tem 19 integrantes. Nove estão indecisos ou não revelaram ainda seus votos. O pai, o presidente Bolsonaro, sinaliza prudência. Se concluir que será vetado, pode desistir da indicação. É a mais recente referência ao caso. O veto seria um lance que colocaria o governo na beira do precipício: como reagiria o presidente? Como seria a articulação com o Congresso? Bolsonaro, que lembra a toda hora ser ele o dono da caneta Bic, espera pelos números. A melhor alternativa A alternativa melhor para o presidente seria retirar a indicação de seu filho. Evitaria mais desgaste. E a imagem do país no mundo sairia menos arranhada. Ocorre que esta saída só irá ocorrer ante a ameaça de falta de votos para aprovar a escolha do deputado Eduardo Bolsonaro no Senado. Fala-se, ainda, da não aprovação do nome do deputado pela diplomacia dos EUA, que não estaria aprovando a decisão de Trump de acolher o filho do presidente como embaixador. Moro vai aguentar? Outra questão que se coloca é a posição do ministro da Segurança e da Justiça, Sérgio Moro. Ele vai aguentar o restante do tiroteio a que está sendo submetido? Seu pacote anticrime está em banho-maria. E sob ameaça de forte desidratação. Será enxugado. Seu posto no STF, ante as renovadas promessas do presidente de que a vaga de Celso de Mello será preenchida por alguém "terrivelmente evangélico", supõe-se que já foi "rifado". Terá um dono. Sobra a candidatura à presidência, que propicia um "chega pra lá" do presidente. Daí a manobra do distanciamento já percebido por alguns analistas. Moro aguentará o tranco? Perfil em alta Rodrigo Maia continua subindo a escada da fama. Ocupa vastos espaços do centro da sociedade. Witzel em baixa Já o governador Witzel, do Rio de Janeiro, continua descendo a escada da glória. Mostra-se vaidoso e com muita ambição. Aproveita as oportunidades para posar de herói. A morte do sequestrador, abatido ontem por um sniper na ponte Rio-Niterói, foi comemorada por um governador sorridente e saltitante dando socos no ar. Mas o RJ quer mesmo é recuperar a condição de mais bonito cartão postal do Brasil. Sacolejo nas frentes do Direito O momento é de mobilização de grandes fatias da operação do Direito, principalmente os agentes do Judiciário e do Ministério Público. A Lei do Abuso de Autoridade mexe com as duas frentes. E, por tabela, laça os campos de advogados, que terão instrumentos para usar na lei que deve receber vetos do presidente. Faz tempo que não se veem tantos ecos. Os políticos, ao que se infere, querem atenuar a força de parcela dos operadores do Direito. As associações que congregam os corpos especializados fazem pressão sobre o Palácio do Planalto. Raquel Dodge, a PGR, avisa: "o remédio pode se transformar em veneno". A mulher na política O Nordeste, abrigo dos tradicionais coronéis e grupos políticos familiares, esteve na vanguarda da valorização política da mulher. A professora norteriograndense Nísia Floresta Brasileira Augusta foi a precursora do movimento feminista no Brasil, tendo traduzido, em 1832, a obra feminista da inglesa Mary Wollstonecraft. Também uma potiguar, Alzira Soriano de Souza, de Lajes/RN, foi a primeira prefeita brasileira a ser eleita, em 1928, mesmo tendo sido impedida de tomar posse por decisão do Senado, que anulou os votos das mulheres. Isso ocorreu quatro anos antes do decreto de Getúlio Vargas, em 1932, autorizando o voto feminino, confirmado na Constituição de 34. E foi também outra nordestina, a maranhense Joana da Rocha Santos, de São João dos Patos, a primeira prefeita a cumprir um mandato. Covas mal avaliado O prefeito Bruno Covas é mal avaliado pelas pesquisas. Parece perdido no tumulto que é São Paulo. Não tem aparecido. E é candidato à reeleição. Joice Hasselmann Jornalista paranaense e a mulher mais votada para a Câmara dos Deputados, eleita em São Paulo, Joice Hasselmann, deve também se candidatar à prefeitura. Pode ter boa votação, na esteira da "cara nova", boa fluência e capacidade de persuasão. Seria candidata do PSL, o partido do presidente? E como estará a imagem de Bolsonaro nas margens do pleito de 2020? Andrea Matarazzo Andrea Matarazzo, que conhece bem São Paulo, por ter sido secretário das Administrações Regionais, é outro possível candidato. Este consultor ouviu dele a disposição de ir à liça pelo PSD. Andrea também tem boa fluência e sabe onde é o Capão Redondo ou a Capela do Socorro. Para ele, São Paulo precisa de um prefeito "que queira apenas ser prefeito". Márcio França O ex-governador será também candidato. O PSB já o tem praticamente certo para a disputa. Márcio teve votação maior em São Paulo, capital, que o adversário, João Doria. E será oposição dura ao governo Bolsonaro. Tem chances. Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, ante as falcatruas e a situação de deterioração da cidade, eventual candidatura de Marcelo Freixo pode cair bem. É aí que o PSOL teria seu melhor desempenho entre as capitais. A base de 2020 A eleição da prefeitada em 2020 será a base do edifício eleitoral de 2022. Pelo andar da carruagem e, ainda usando a leitura de uma varrida na sujeira da política, infere-se que o eleitorado irá às urnas com a mesma têmpera de outubro de 2018. Quer mudar. Virar a mesa em muitas cidades. E dar a centenas de prefeitos o passaporte para voltar às suas casas. É razoável apostar numa votação de renovação de mandatos em torno de 60% a 70%, ficando a reeleição na margem entre 40% a 30%. Perfil apropriado Qual seria o perfil mais indicado para vestir o figurino de 2020? Este consultor se arrisca a apontar algumas posições e valores: vida limpa, passado sem máculas, idade entre 30 a 40 anos, experiência em qualquer setor produtivo, cara nova na política, programa de compromissos com o eleitor, sem demagogia, de fácil trato, simplicidade na vida cotidiana, boa comunicação, sem extremismos ideológicos (pode haver exceções nesta área). O vendaval que varre a política indica a tendência de um voto mais racional e consciente. Cara de babaca Em 2020, Gonzaguinha será lembrado com seu açoite na consciência das elites: "a gente não tem cara de babaca; a gente quer é ter pleno direito, a gente quer é ter muito respeito, a gente quer é ser um cidadão". A disputa nos maiores colégios Em 2020, teremos eleição para os 5.570 municípios brasileiros. São 26 Estados federados. Só no DF não haverá eleição de prefeito. Vejam o número de municípios e o de habitantes dos maiores colégios eleitorais: Minas Gerais, 853 municípios e 20.989.259 habitantes; São Paulo, 645 municípios e 44.744.199 habitantes; Rio de Janeiro, 92 municípios e 16.636.666 habitantes; Espírito Santo, 78 municípios e 3.966.360 habitantes; Rio Grande do Sul, 497 municípios e 11.290.773 habitantes; Paraná, 399 municípios e 11.241.665 habitantes; Santa Catarina, 295 municípios e 6.882.793 habitantes; Bahia, 417 municípios e 15.271.073 habitantes; Piauí, 224 municípios e 3.212.374 habitantes; Paraíba, 223 municípios e 3.995.541 habitantes; Maranhão, 217 municípios e 6.945.547 habitantes; Pernambuco, 185 municípios e 9.405.159 habitantes; Ceará, 184 municípios e 8.964.526 habitantes. Duas espécies John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo, dizia: "Há duas espécies de cidadãos - os ativos e os passivos. Os governantes preferem os segundos - pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes - mas a democracia necessita dos primeiros".
quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Porandubas nº 632

Abro a coluna com a política baiana. O frio aperto de mão O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. Irritado, um dos filhos retribuiu: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005". O deputado recebeu a resposta. Até hoje espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão. Os três terços O país tem atravessado momentos de efervescência expressiva. E o presidente Jair Bolsonaro tem sido o principal artífice da maratona de falas ácidas dirigidas a desafetos, pessoas, grupos e até outros países. Essa situação, ao contrário do necessário equilíbrio para o Brasil reencontrar rumos de paz e harmonia, só provoca a divisão da sociedade. Há, hoje, visivelmente três terços, todos separados: um terço que simpatiza e apoia o presidente; um terço que o detesta; e um terço, que olha de um lado para outro, decisivo para mudar a direção dos pratos da balança. Para onde pender, lá estará a maioria. Hora da ponderação O momento sugere ponderação. O presidente deveria ser menos cáustico. Diz que não vai mudar. Supõe-se que continuará a governar atirando com verve mortífera. Mas onde estão o equilíbrio, a postura litúrgica que cabe ao mandatário-mor de uma Nação, o bom senso dos generais e assessores de seu entorno? Bolsonaro não pode e não deve falar para agradar somente sua base. Paira acima de interesses de grupos e facções. O Brasil carece de harmonia. E fechar as cicatrizes que ainda estão abertas desde a campanha eleitoral. O resgate do Legislativo A "guerra" entre alas favoráveis e contrárias ao governo gera efeitos na frente institucional. Bate, por exemplo, nas conchas côncava e convexa do Congresso Nacional que parece se voltar para resgatar suas funções legislativas e de acompanhamento e cobrança do Poder Executivo. Na Câmara, Rodrigo Maia tem dado sinais de independência e de definição de uma pauta de alta relevância para o país. Não se exime de fazer críticas quando o presidente se afasta da linha do bom senso. Esta parece ser também a tendência a inspirar Davi Alcolumbre na condução do Senado. Tasso e a previdência O relator da reforma da Previdência no Senado, senador Tasso Jereissati, acerta quando pede que o presidente fale menos para não prejudicar o andamento do projeto já aprovado pela Câmara. E dá sinais de que seu relatório será positivo. Assegurará a participação de municípios e Estados por meio de uma PEC paralela. Esse encaminhamento estaria acertado com Alcolumbre. Com isso, o texto principal da reforma (PEC 6/2019) poderá ser aprovado pelos senadores até final de setembro sem alterações. A nova PEC caminhará ao mesmo tempo da PEC 6, permitindo que o grosso da reforma da Previdência seja promulgado mais cedo. Se não efetuar mudanças sobre ela, a conclusão dependerá apenas dos prazos regimentais. Eduardo passará? O deputado Eduardo Bolsonaro passará pela sabatina a ser feita pelos senadores para ganhar a Embaixada do Brasil nos EUA? Tudo indica que sim. Uma derrota bateria também na imagem do pai, o presidente. Mesmo que este tenha dito: se não for aprovado, fica na Câmara. A passagem pela sabatina envolve a boa vontade do presidente do Senado, que teria sido agraciado com indicação de cargos para o Cade e outras áreas. Na Comissão que o examinará, não terá os votos de alguns. Mas a maioria deve aprová-lo. A conferir. A performance As tarefas que o eventual embaixador terá de desempenhar não se restringem a contatos com a Casa Branca e a uma interlocução estreita com o presidente Donald Trump. Abarca um amplo relacionamento com os universos políticos e institucionais, com a esfera empresarial, com o mercado, enfim, com todos os protagonistas mundiais que atuam nos Estados Unidos, incluindo, claro, as relações com Nações. O sucesso de um bom trabalho na diplomacia depende também da qualidade do conjunto de assessores de um embaixador. Daí porque, ao confirmar sua indicação, Eduardo Bolsonaro deve se debruçar sobre quadros de excelência técnica para ajudá-lo na tarefa de dar conta da principal embaixada do Brasil no planeta. A Justiça bem aplicada Emmanoel Pereira, do Tribunal Superior do Trabalho, foi o ministro que mais julgou processos sem interposição de recursos pelas partes entre janeiro e junho deste ano. Os dados foram coletados e compilados pela Coordenadoria de Estatística e Pesquisa. O levantamento mostrou que o ministro Emmanoel julgou 7.493 ações no período, liderando essa categoria. Rapidez e bom senso O ministro destaca que os julgamentos resultaram em um atendimento célere aos jurisdicionados, resolvendo dezenas de conflitos trabalhistas. No primeiro semestre do ano, o TST recebeu 199.582 processos, 30,5% a mais do que o mesmo período do ano passado. Lula não quer sair Lula reluta em sair da prisão na PF de Curitiba para entrar no regime semi-aberto. Não admite usar tornozeleira eletrônica. Só sai se receber absolvição. Uma questão de imagem. Prefere a condição de preso, e de ser considerado um perseguido, do que poder trabalhar de dia com um artefato eletrônico na sua canela. Preso, continuará a movimentar as galeras que o idolatram. Lula quer, inclusive, recuperar seus direitos políticos. Sinaliza a candidatura presidencial em 2022. O PT joga todo incenso em sua direção. Centrais de olho A reforma sindical vem aí. Começa a mobilizar núcleos no Congresso Nacional. Paulinho da Força abre a bateria de debates, pregando relações sindicais sem a presença do Estado e novas regras para os sindicatos. Sugere um conselho de representantes com seis membros representando as Centrais e seis membros saindo das Confederações empresariais. A reforma vai gerar muita polêmica. Mas o Parlamento está com um pé atrás, desconfiando que os sindicalistas querem mesmo é recuperar a força perdida. Novos núcleos de poder Nos últimos tempos, os grupos corporativos passaram a ter uma presença mais frequente e forte no Parlamento. As bancadas corporativas - agronegócio, serviços especializados, setor financeiro, construção civil, mobilidade urbana, entre outros - expandiram sua ação, com projetos, emendas de projetos, etc. Significa a ação social organizada, ou seja, novos polos de poder. As Federações de Indústria perdem força, a ponto de ensejar a ideia de criação de uma grande Central empresarial no país, nos moldes da Kendaren, no Japão. Lava Jato Fato: a Lava Jato perde força na esteira dos vazamentos contendo a interlocução entre procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro. Fato: o procurador Dellagnol tem apoios, de um lado, e adversários, de outro. O Supremo está de olho nele. O CNMP reabriu um recurso interposto contra ele. Fato: Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, perde prestígio junto ao presidente, que quer vê-lo sem muita força política. Afinal, ele poderá ser candidato em 2022 à presidência. Fato: se Lula for condenado pela 2ª instância no caso do sítio de Atibaia, ainda poderá contar com eventual decisão do STF a respeito da "combinação" de posturas entre Moro e Dellagnol para julgá-lo. Dúvida: será que o STF se pronunciará, mais cedo ou mais tarde, sobre o caso "Moro e Dellagnol?" Toffoli e o golpe Até o momento, não há explicações convincentes a respeito de um "golpe", que envolveria políticos, empresariado e Forças Armadas, com vistas ao impedimento do presidente Jair Bolsonaro. A surpreendente entrevista do presidente do STF à revista Veja provocou surpresa em alguns importantes interlocutores, dentre eles, ministros e generais. Dias Toffoli teria "administrado/acalmado" as partes em abril/maio passado. P.S. O presidente Bolsonaro não deu nenhuma atenção a este affaire (?). A crise nos Estados A crise nos Estados abarca toda a coleção de governadores. Não escapará nenhum. Por isso, eventuais candidaturas em 2022 saindo dessa trincheira terão muitos obstáculos a transpor. Estados quebrados, populações sofridas, climas negativos. A crise nos municípios Com exceção de muito poucos, os prefeitos terão pouco a comemorar nos próximos tempos. A reeleição para eles é algo muito distante. O munícipe está cheio de promessas não cumpridas. A indignação impera. Três coisas para cativar No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea". O que é tática? No futebol, quando o atacante joga a bola para trás, recuando-a para seu próprio campo de defesa, parece realizar um movimento covarde. Às vezes, é apupado. Muitos acham que a jogada não tem lógica. Mas essa bola recuada pode abrir espaços, deslocar o adversário, obrigá-lo a avançar de maneira descuidada e abrir a defesa. Pois bem, tal manobra pode gerar uma sequência de ações que culminarão com um gol. Essa é uma operação inteligente. O gol é a meta, que é alcançada por jogadas intermediárias. A tática é ferramenta de vitória. 10 linguagens dos próximos tempos 1. A linguagem da afirmação. 2. A linguagem da factibilidade/credibilidade. 3. A linguagem das pequenas coisas. 4. A linguagem da participação - o NÓS versus o EU. 5. A linguagem da verificação - exemplificação - como fazer. 6. A linguagem da coerência. 7. A linguagem da transparência. 8. A linguagem da simplificação. 9. A linguagem das causas sociais - abrigando as demandas do eleitorado. 10. A linguagem da tempestividade - instantaneidade/proximidade. (Adaptado do meu livro Tratado de Comunicação Organizacional e Política)
quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Porandubas nº 631

Abro a coluna com a sagacidade mineira. Quer ir à lua? Meu apoio Um correligionário da raposa mineira José Maria Alkmin fica meio "lelé da cuca" e surge, sem eira nem beira, no gabinete do ministro, ainda no Rio de Janeiro. Vai pedir inusitada colaboração. - Dr. Zé Maria, eu quero ir à lua e preciso da ajuda do senhor, diz o visitante. - Isto não é problema, diz Alkmin, dando asas à imaginação do conterrâneo. Dou-lhe o apoio, de ministro e correligionário. Existe um pequeno e contornável problema, que é de definição, e só depende do amigo. E Alkmin continua: - Você sabe que há quatro luas: nova, crescente, minguante e cheia. Agora, compete a você escolher qual das luas o nobre amigo deseja visitar, pois o apoio está dado. Diante de um atônito conterrâneo, o ministro levanta-se da poltrona, estende a mão para a despedida e afirma, olhando no fundo dos olhos do eleitor: - Me procure, novamente, quando definir! Mês do cachorro louco Primeira semana de agosto, visto como problemático, também conhecido como "mês do cachorro louco". Getúlio suicidou-se, em 1954, Jânio renunciou em 1961, Juscelino morreu num acidente na via Dutra, em 1976, Collor pediu ao povo para sair às ruas com as cores da bandeira, Eduardo Campos morreu em acidente aéreo em Santos. Tudo em agosto. Também em agosto setores radicais tentaram impedir a posse de Jango. Agosto é um mês de receios. Com o término do recesso, teremos a votação do segundo turno da reforma da Previdência. O esforço é para aprová-la ainda esta semana, com votação de medida para sustar as oito sessões necessárias para que possa ser colocada em plenário. Depois teremos o início do debate sobre ela no Senado. Mas os congressistas voltam a Brasília desconfiados da figura do presidente. Medindo distância Nas últimas semanas, o destempero presidencial subiu ao pico da montanha. Os deputados e senadores começam a criar uma linha divisória entre eles e o capitão, que garantiu não mudar de índole, logo, o verbo ácido deve se expandir. Os congressistas tomarão alguma decisão drástica, como maior desidratação da reforma da Previdência? Não. Darão ainda apoio ao governo, porque veem a caneta do presidente cheia de tinta. E ele parece ser duro nas posições. Não cederá às ameaças. Mas algum recado será dado. Há nomes para serem indicados para o COAF e agências reguladoras. Há demandas de policiais na Previdência. Questões que os líderes do governo não conseguem resolver. Maia e Alcolumbre A chave do grande portão está com Rodrigo Maia. As coisas só passam pelo crivo da Câmara sob sua égide. A seguir, será a vez de Alcolumbre, no Senado, que deve ter demandas, inclusive na indicação de nomes para órgãos governamentais. Ele já sinalizou ao presidente na direção do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Bolsonaro estaria propenso a afagar o presidente do Senado. Na verdade, quem deve dar as coordenadas no tocante aos próximos passos é o ministro Paulo Guedes, o maestro da orquestra econômica. Ele e os dois presidentes do Legislativo estão acertando os passos. E se esforçam para que as pautas não sejam contaminadas pela expressão tosca e radical do presidente. Torcem para que ele se mantenha a verborragia na área dos costumes, não em matéria econômica. A imagem do Brasil I Nos últimos tempos, a imagem do Brasil no mundo desceu alguns andares do edifício da respeitabilidade. O gesto de escanteio de Bolsonaro ao chanceler francês, possivelmente por este ter se reunido com ONGs ambientalistas, repercutiu no mundo. E até ganhou um chiste do próprio ministro francês: "deve ter havido alguma emergência capilar. Eu não tenho esse problema". A imagem do Brasil II No horário que deveria receber o chanceler careca (sem problema capilar), Bolsonaro preferiu cortar o cabelo. No meio da tarde. Os dados do INPE e a demissão de seu diretor contribuíram para um bombardeio midiático mundial contra o Brasil. O "Brasil pode salvar ou destruir a Amazônia", escreveu a revista The Economist em reportagem de capa. Que completou: "o mundo deveria deixar claro que não tolerará seu vandalismo". É fato: o presidente que se vê e se ouve é o mesmo de ontem, como deputado Federal. Como ele diz, não mudou. Alinhamento incondicional O alinhamento incondicional - como parece - do Brasil aos EUA está sendo observado com muita acuidade pelos governos europeus, a partir do governo francês, que ameaça parar o processo em torno do acordo entre os países do Mercosul e a UE. A desfeita com o chanceler foi a gota d'água. Não se descarta a possibilidade de países europeus fecharem as portas ao mercado brasileiro de carnes e aves sob o argumento de que os rebanhos são criados em áreas devastadas do país. No contraponto, Trump promete incrementar o acordo comercial com o Brasil. Urge esperar para saber qual será a contrapartida. O Brasil, convém lembrar, poderia se beneficiar da restrição ao mercado chinês, com as sobretarifas que o presidente norte-americano está impondo a um grande número de produtos chineses. O cálculo tarifário chega a US$ 300 bilhões. Governos nordestinos O Nordeste tem mais de 50 milhões de habitantes e cerca de 40 milhões de eleitores. E é ainda a região com maiores índices de pobreza. É governada por seis mandatários de partidos de oposição: quatro do PT (Bahia, Ceará, Piauí e RN), dois do PSB (Paraíba e Pernambuco), enquanto o governador de AL, Renan Filho, mesmo sendo do MDB, se posta na posição do pai, Renan Calheiros, ou seja, com forte restrição ao presidente. Os governadores acabam de formar o "Consórcio Nordeste: o Brasil que cresce unido", forma de retrucar o presidente, que teria se referido a eles como "governadores paraíba". O fato é que o NE pode expandir o oposicionismo ao governo do capitão se a economia não melhorar o bolso da população. P.S. O presidente acusa a maioria dos governadores do NE de torcer pelo divisionismo. O Judiciário na mira A imagem do Poder Judiciário já esteve no alto da montanha, nos tempos em que o bordão era repetido em todos os quadrantes: "juiz só fala nos autos". Mas a Constituição de 88 abriu o universo da locução: o país ganhou expressões de praticamente todos os setores. E o juiz passou a falar dentro e fora dos autos. A partir da instância máxima, o Supremo Tribunal Federal. Ademais, essa expressão passou a ser rotineira na esteira da visibilidade ganha pelas Cortes com a TV Justiça. O país entrou em ebulição política. O vácuo e a judicialização O STF abriu espaço com forte inserção no campo da política, sob o argumento de que temas polêmicos lá chegavam em demandas feitas por partidos e outras instituições. No vácuo criado pela ausência de legislação infraconstitucional, o STF passou a preenchê-lo. Formou-se a ideia de "judicialização da política". Do pico da montanha, a imagem do Judiciário desceu muitos níveis, abrindo intensa polêmica. Jogo combinado? Nos últimos tempos, as manifestações dos agentes da operação do Direito - juízes, procuradores, promotores, advogados - se intensificaram. Não há um dia sequer que a imprensa não registre uma declaração de um operador do Direito. E as tensões se expandiram com a operação Lava Jato, particularmente a partir das interlocuções gravadas por hackers entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dellagnol. Manifestações que ganharam apoio ou repulsa por parte de autoridades das frentes institucionais. No fundo, a suspeição: teria ocorrido um jogo combinado entre juiz e procurador. A imagem do Judiciário recebeu respingos de lama. Visão política Ademais, recai sobre alguns membros da Corte maior a suspeição de que fazem parte de grupos simpatizantes a partidos ou suas lideranças. Portanto, certos julgamentos estariam marcados com o selo político. E essa suspeição também contribui para o rebaixamento da imagem das Cortes. O fato é que o Brasil político, que ganha densidade a partir de 88, puxa a imagem do Judiciário para baixo. A proibição É fato. A Lei Orgânica da Magistratura diz que ao magistrado é vedado "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais", art. 36, III. Já a CF de 88 veda ao magistrado "dedicar-se à atividade político-partidária", art. 95, parágrafo único, inciso III". Ou seja, o julgador deve desvincular-se dessa atividade, porque pode atrapalhar sua função principal, além de diminuir seu conceito junto ao jurisdicionado. Mas...E a cidadania? Mas o velho Aristóteles ensinava que o cidadão tem o dever de exercer seu direito de servir à polis. Como cidadão, tem mais que direitos. Tem o dever de fazer o bem à sociedade em que vive. Portanto, nessa lição embute-se sua condição de se manifestar como cidadão sobre assuntos de relevância social. O cuidado é para evitar que se pronuncie sobre temas que estão a esperar por uma decisão sua. O Legislativo O Poder Legislativo, por sua vez, acresce alguns pontinhos em sua imagem. Os políticos estão no fundo de poço em matéria de imagem. Nos últimos tempos, porém, levados a decidir sobre temas de vital importância, alguns originados no Executivo, passaram a decidir de modo mais independente. Começam a resgatar as funções legislativas e a mudar a imagem de Poder que apenas convalida as matérias vindas do Palácio do Planalto. Rodrigo Maia tem sido condutor dessa nova jornada do Legislativo. Classes médias De Rakesh Kochhar, pesquisador sênior do Pew Research Center, em Washington: "Os países asiáticos, sobretudo a China, estão tirando rapidamente milhões de pessoas da pobreza extrema e, ao contrário do que ocorre no Ocidente, têm ampliado suas classes médias. Quais as perspectivas futuras desse processo? Consideramos a distribuição das pessoas em cinco grupos. Começamos no nível de pobreza e vamos para os grupos de baixa renda, renda média, renda média alta e renda alta. A renda média engloba pessoas que ganham entre US$ 10 a US$ 20 ao dia. Globalmente, o número de pessoas com essa faixa de rendimentos médios dobrou a partir de 2000. Grande parte desse crescimento veio apenas da China, responsável por mais da metade desse aumento". No Brasil Brasil é o segundo pior em mobilidade social em ranking de 30 países. Nos países que fazem parte da OCDE, mais de um em cada cinco lares de classe média gasta mais do que ganha, o que gera um risco altíssimo de endividamento excessivo. Esse nível varia de 10% em países como a Estônia e a Polônia a mais de 50% no Chile e na Grécia. No Brasil, o índice chega a 27 % dos lares de classe média. Quase 40% dos lares de classe média em 18 países europeus da OCDE estão financeiramente vulneráveis - índice que varia de 12% na Noruega a 70% na Grécia. E metade dos lares nesses países tem dificuldade em pagar suas despesas recorrentes. Razões O economista Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV, explica que há mais um fator-chave para esse endividamento, especialmente no Brasil. "Com mais dificuldade de acesso a renda, as pessoas acabam recorrendo ao mercado de crédito. E quando deixam de pagar, a inadimplência aumenta o endividamento. Muitos lares acabam comprometendo uma parcela significativa da renda para pagar juros." Isso acaba tendo um efeito de desaceleração do consumo e da economia, o que faz com que a renda cresça menos ainda e gera um círculo vicioso. Pedra no meio da lagoa As classes médias podem ser comparadas à pedra jogada no meio da lagoa, formando marolas que, em círculos concêntricos, correm até as margens. Classes médias raivosas e com perda de poder financeiro influenciam as margens. E lideram o índice de satisfação/insatisfação. Ameaça aos governantes. Se a economia melhorar, as classes médias formarão ondas de satisfação, que correrão para baixo e para cima da pirâmide. 
quarta-feira, 31 de julho de 2019

Porandubas nº 630

Abro a coluna com Tancredo Neves. São Geraldo Geraldo Rezende, editor político de O Diário, sábio e santo, conversava com Tancredo no final da campanha para o governo de Minas, em 1960, contra Magalhães Pinto: - Tancredo, você precisa ter fé. Dê uma passada no Santuário de São Geraldo, em Curvelo, que São Geraldo não esquece seus devotos. Tancredo foi lá. Perdeu as eleições para Magalhães. Telegrafou a Geraldo: - Geraldo, São Geraldo esquece seus devotos. Meses depois, Jânio renuncia, assume Jango. Tancredo é primeiro-ministro. Geraldo telegrafa a Tancredo: - Tancredo. São Geraldo não esquece seus devotos. Do topo ao rés do chão A política é uma gangorra. Um dia, o protagonista está no pico da montanha. Noutro, empurrado pelas circunstâncias, desce ao rés do chão. A imagem vai para Sérgio Moro, o juiz que desfraldava a bandeira da moralidade e da Justiça. Deixou o Judiciário pela política. Sim, porque o cargo de ministro da Segurança Pública e da Justiça insere-se na seara da política. Pode-se, até, dizer: ele não bateu ainda no sopé da montanha. É razoável. Mas perdeu prestígio, sim, com a revelação de conversas entre ele e o procurador Deltan Dallagnol captadas por hackers e reveladas pelo site The Intercept Brasil. Bernardes I Lições do Padre Bernardes "Perante Filipe, Rei da Macedônia, requeria Machetas sua justiça. O Rei dormitou e depois sentenciou pouco conforme a razão. "Apelo", clamou Machetas. Indignado, o Rei perguntou: "para quem"? Respondeu de pronto: "De El-Rei dormindo para El-Rei acordado". Moro é alvo I Sérgio Moro não tem a simpatia do corpo parlamentar, que enxerga nele o justiceiro da classe política. E agora, com a revelação de que teria havido uma interlocução aética entre operadores do Direito, há muitos que desejam vê-lo na cadeira de réu. Não é improvável que se instale uma CPI para investigar o caso das interlocuções gravadas. Moro é alvo II Agora, sob a pressão para se ir a fundo na questão dos hackers que invadiram a rede Telegram de centenas de autoridades e, ao que se diz, também de jornalistas. Para piorar sua situação, Moro, pelo que se leu, teve acesso às conversas e prometeu para alguns interlocutores sua destruição. Como uma figura do Judiciário pode prometer destruir provas quando se está investigando o assunto? Ficou no centro do tiroteio. Pressa O ministro pode ter sido atropelado pela pressa. No afã de acalmar os interlocutores, disse que os diálogos seriam destruídos. Uma insanidade. Foi desmentido pela própria PF, que faz a investigação dos hackers. A balbúrdia está no ar. Moro desce do alto patamar onde se encontrava. Ao presidente Jair ficou a defesa do ministro, ao dizer que ele não faz nada fora da lei. No íntimo... No íntimo, porém, Bolsonaro deve estar confortado. Afinal, o juiz aparece como eventual candidato à presidência em 2022. Mesmo estando longe, poderia ser embalado pelo eventual sucesso em seu pacote de segurança, a ser votado pelo Congresso. Hoje, já não se garante um trâmite rápido e com alta possibilidade de ser aprovado. Se tudo certo, o que ele ainda pode almejar é um cargo de ministro no STF. Porém... Mas há um porém. O presidente tem dito que falta no Supremo um ministro evangélico. Como se na Corte o importante não fosse sabedoria e o preparo, mas a vinculação no cordão religioso. Daí a promessa de nomear alguém "terrivelmente evangélico", expressão estranha para designar um ministro de um credo religioso. Afinal, o advérbio "terrivelmente" está mais próximo ao fogo do inferno do que à temperatura celestial. A vaga a se abrir é a do decano Celso de Mello, que deverá se aposentar em novembro do próximo ano. Além dele, outra vaga será aberta mais adiante, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio. Bernardes II Andava Dom João II, de Portugal, espairecendo pelas ribeiras do Tejo quando disse aos ministros de Justiça que o acompanhavam a cavalo: "corram, corram". Respondeu um em nome de todos: "Nós não corremos, a não ser atrás de ladrões". Ao que o Rei gracejou: "então correi atrás uns dos outros". Surpreendente: tom eleitoral Para quem dizia não querer reeleição, surpreende o tom eleitoral usado pelo presidente Jair passados apenas sete meses de governo. O capitão gosta mesmo de palanque. Nesse capítulo, parece com Lula, que corria o país agitando as galeras com suas imagens populares e ditos marcantes. Bolsonaro fala para suas bases radicais, contingentes que habitam o território da extrema direita. Expressão radical Enquanto o discurso de preservação ambiental forma uma ampla corrente no planeta, o presidente Jair bota lenha da floresta na fogueira. Não vê desmatamento, apesar das fotos reais dos satélites. Atira com palavras provocativas. "Se o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, quiser saber como meu seu pai morreu, eu conto". Ele desapareceu nos tempos de chumbo. "Não há indícios de assassinato de líder indígena no Amapá". É possível até que não tenha sido um crime. Mas a FUNAI, órgão do governo, admitiu. A PF está apurando. "Não há fome no país". Os jornais abrem imensos espaços para mostrar os pratos vazios ou com um punhado de farinha. Onde vamos parar? O capitão não se contém. Quando lhe asseveram que a Comissão da Verdade atestou a morte de prisioneiros pelos grilhões da ditadura, retruca: "é uma balela. Você acredita em Comissão da Verdade"? Documentos desmentem versão de Bolsonaro sobre a morte de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB. O atestado de óbito dado por um órgão do Ministério dos Direitos Humanos, semana passada, afirma que a morte do estudante foi "causada pelo Estado brasileiro". Mas o presidente não aceita isso. Suspende audiência com o chanceler da França e vai cortar o cabelo. Desrespeito. O ministro do Supremo Marco Aurélio não se contém: "tempos estranhos. Onde vamos parar"? O advogado Miguel Reale Junior levanta a voz: "é caso de interdição". Santa Cruz vai ao STF Pois bem, o presidente da OAB não deixou por menos. Vai interpelar Bolsonaro no STF sobre as declarações sobre a morte de seu pai em 1974. Já constituiu advogado, César Brito. O presidente precisa impor limites às suas expressões. Bernardes III Perguntou uma pessoa a Aristóteles por que razão as coisas formosas se amavam? Respondeu: "essa pergunta é de cego". Corrida ao centro O posicionamento cada vez mais radical do presidente Bolsonaro começa a gerar efeitos. Alimenta e realinha suas bases; começa a criar desconfiança em parcela do corpo político; inicia um processo de alargamento do perfil de outros protagonistas sinalizando seu ingresso na arena presidencial de 2022. Entre estes, o mais forte é o governador de São Paulo, João Doria. É o maior beneficiado pela expressão radical e cheia de veneno do presidente. Doria está sabendo se conduzir muito bem nesse momento. Estilo João Doria I O governador de São Paulo tem um estilo incomparável. A começar pela jornada de trabalho. Não dorme mais do que três horas. Faz exercícios. Chega cedinho ao Palácio, de onde sai, às vezes, por volta de meia noite. É uma pessoa onipresente. No mesmo dia, aparece numa distante cidade do interior do Estado, numa grande cidade da Grande São Paulo ou dirigindo eventos no Palácio dos Bandeirantes. Estilo João Doria II Em seu périplo cotidiano, lança programas em diversas frentes, faz pronunciamentos, apresenta dados de redução da violência no Estado, recebe caravanas de empresários brasileiros e estrangeiros, cumprimenta militares por suas ações, mostra o volume de investimentos em diversas áreas, enfim, parecendo uma locomotiva puxando os carros do trem paulista. E mais: coloca todo esse menu à disposição de uma ampla teia de formadores de opinião. Trabalha com transparência. Sob forte apoio das classes médias. São Paulo, o maior colégio São Paulo tem cerca de 35 milhões de eleitores. Um candidato de São Paulo, com uma boa aprovação do eleitorado, já sai com fortes passos na frente. Afinal, são mais de 23% do eleitorado brasileiro. 2022 está muito longe. Mas a continuar o clima de polarização entre esquerda e direita, como se apresenta hoje, haverá uma grande tendência de migração de eleitores em direção ao centro do arco ideológico. O apartheid do "nós e eles" que o PT criou lá atrás reaparece hoje de maneira invertida. São os bolsonarianos que pregam a divisão. Bernardes IV São Francisco de Borja, antes de se alistar na Companhia de Jesus, foi duque de Gândia. Uma vez levou um porco às costas para a cozinha. Alguns fizeram reparos. Ao que ele disse: "será que é muito um porco levar outro?". Guedes satisfeito Quem conversa com o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai encontrar uma pessoa mais flexível e até satisfeita. Tomou consciência de que é difícil passar algum projeto de reforma no Congresso sem o dedo do parlamentar. Principalmente nesse ciclo em que o Parlamento demonstra grande vontade em resgatar suas funções e manter certa independência do Poder Executivo. Assim, a reforma da Previdência, sob a ótica de Guedes, está de bom tamanho. Claro, não pode ser mais desidratada. Marinho Quem está se saindo melhor que o figurino é o Secretário da Previdência e Emprego, Rogério Marinho. Ex-deputado pelo PSDB do RN, foi o relator da reforma trabalhista. Respeitado pelos pares, educado, fino no trato com interlocutores de quaisquer esferas, Rogério tem tido um papel preponderante na articulação dos programas sob sua coordenação. Tem sido convidado para prosseguir sua carreira política, após sua missão no governo, em outras plagas. Mas conserva o RN em seu coração. Bernardes V Estava Santo Efrém em uma pousada cozinhando suas pobres viandas. Logo uma mulher, curiosa, meteu os olhos pela janelinha que ficava fronteira. E que perguntou sem graça: "falta alguma coisa"? Ao que responde o Santo: "três ladrilhos e um pouco de lama para entaipar esta janela".  
quarta-feira, 24 de julho de 2019

Porandubas nº 629

O selo, coronel, o selo Nos Inquéritos Policiais Militares (IPM), abertos nos anos de chumbo, Jânio é chamado ao Rio para depor em um deles. Mas o ex-presidente não vai. E diz por que não vai: - Só falo no meu chão, na minha jurisdição. O coronel vai a São Paulo ouvi-lo. À máquina, o sargento escrevente e, ao lado de Jânio, seu amigo Vicente Almeida. O coronel começa: - Dr. Jânio Quadros, em que dia e ano o senhor nasceu? Jânio arregala os olhos, entorta-os e volta-se para o lado: - Vicente, meu bem, será que ele não sabe? Não pode ser. O coronel não entende: - Não sabe o quê? - Que perguntas têm que ser por escrito. Está na lei, coronel. Na lei. O depoimento prossegue por escrito. O coronel tira um maço de cigarros, oferece. Jânio pega-o na ponta dos dedos, passa de uma mão à outra: - Vicente, meu bem, que coisa. O que é isto? Que estranho, Vicente! Nunca havia visto. O coronel irrita-se: - Por que o espanto, Dr. Jânio? É um cigarro americano Marlboro. Sim, sim, meu caro coronel, sei-o, sei-o muito bem. Mas, onde está o selo? O selo, coronel? O selo? O IPM acabou. (Historinha contada por Jô Soares). O capitão não se contém Os últimos dias foram férteis na produção de frases polêmicas por parte do capitão-presidente. As expressões presidenciais funcionam como fios desencapados de curtos-circuitos. "Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira". "A economia vai às mil maravilhas". Os governadores "Paraíba" do Nordeste governam com ideologia, Miriam Leitão não foi torturada, não existe devastação da mata amazônica, o Brasil é exemplo de conservação ambiental e, pasmem, o general Luiz Rocha Paiva, integrante da Comissão de Anistia, é "melancia". Verde por fora e vermelho por dentro. O presidente descobriu que ele é um "defensor da guerrilha do Araguaia". Bala para todos os lados. Repercussão As declarações bombásticas de Bolsonaro soaram mal em alguns setores. Os ambientalistas, a partir do diretor do INPE, Ricardo Magnus Osório Galvão, reagiram de maneira contundente à observação do capitão de que ele (Galvão) está agindo "a serviço de alguma ONG". O diretor, que garantiu não renunciar ao cargo, qualificou a fala do presidente de "conversa de botequim". Nordeste reage Já os governadores nordestinos reagiram em carta aberta contra o que viram como discriminação ao Nordeste. As redes sociais se encheram de indignação. Ontem, na Bahia, ao inaugurar o aeroporto de Vitória da Conquista, o presidente tentou atenuar o atrito: "Eu amo o Nordeste. A minha filha tem em suas veias sangue de cabra da peste. Cabra da peste de Crateús, no nosso Estado mais lá para cima, o nosso Ceará. Não estou em Vitória da Conquista, não estou na Bahia, e nem no Nordeste. Estou no Brasil". O general e a jornalista Carimbar o nome de um general, mesmo aposentado, de "melancia", convenhamos, deve ter tido forte repercussão negativa no Exército. Os jornalistas, solidários a Miriam Leitão, jorraram palavras duras sobre o capitão. Vai aguentar? A continuarem as diatribes linguísticas contra grupos, setores, políticos e governantes, o capitão-presidente aguentará o tranco de reações em cadeia? É uma pergunta que suscita dúvidas. Os bolsonarianos mais radicais devem apreciar o palavrório sem limites éticos do presidente. Querem, aliás, que ele endureça o discurso. Mas amplos contingentes que nele votaram, mais para evitar a volta do PT e menos por identificação ideológica, já iniciaram um ensaio de retirada de apoio. Pesquisas mostram que o prestígio do presidente se esfacela. Ele cai no ranking da aprovação positiva. Vai ser difícil segurar uma onda continuista caso o mandatário-mor cumpra sua trajetória sem conter a língua. Pontos de atrito Quem acompanha a cena político-institucional ainda não conseguiu entender os posicionamentos e as decisões extravagantes de Bolsonaro. Como é possível abrir uma polêmica sobre a nomeação de seu filho ("Lógico que é filho meu. Pretendo beneficiar o filho meu sim. Pretendo, tá certo? Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho eu dou") Eduardo Bolsonaro, no momento em que o Congresso debate a controvertida reforma da Previdência? A abertura de pontos de conflito certamente indispõe a figura presidencial junto a parlamentares. "Ah, mas ele diz o que pensa, é sincero", respondem bolsonaristas. Ora, mas há uma liturgia do poder que recomenda cautela, bom senso, uso adequado de conceitos e expressões, principalmente em ciclos de intenso debate político. Eduardo embaixador O nome do deputado deverá ser aprovado no Senado, onde a maioria governista é mais expressiva. Os senadores tendem a aceitar nomes de indicados pelo Executivo para assumir cargos. Principalmente em início de governo, quando a caneta presidencial está cheia de tinta. Mas as dúvidas não serão dissipadas: como agirá o embaixador filho do presidente? Que características terá sua missão? Como será avaliado pelo corpo do Itamaraty, pela mídia e pelos políticos? Julho em contração I Julho tem sido um mês de sístoles. Sístole e diástole são dois estágios do ciclo cardíaco nas pessoas. Por sístole, entende-se a fase de contração do coração, em que o sangue é bombeado para os vasos sanguíneos, já a diástole é a fase de relaxamento, fazendo com que o sangue entre no coração. O general Golbery do Couto e Silva, no ano de 1980, usou os dois conceitos para tratar do país sob a visão da política. Pregava que os militares, após o ciclo da contração, se retirariam da política de forma organizada e tutelando a transição democrática. Viria a diástole. Julho em contração II O Brasil atravessa julho sob muita sístole, ao contrário do tempo de descontração, esperado no sétimo mês do ano. As tensões envolvem os três Poderes, órgãos como Ministério Público, Receita Federal, Coaf, OAB, entre outros. O Executivo e a esfera política atuam sob alta tensão. O presidente conserva "certo desprezo" sobre o presidencialismo de coalizão. Não aceita as demandas de parlamentares. (Bolsonaro nesse aspecto se parece com a ex-presidente Dilma). Contra a Lava Jato? Há tensão entre o STF e o Ministério Público por causa de decisão do ministro Dias Toffoli de condicionar todas as investigações à autorização judicial. Elas partem de informações principalmente do Coaf e da Receita, que apuram movimentações suspeitas. Para o MP, pode ser um golpe de morte contra a Lava Jato. Há tensão entre o Executivo, o Legislativo e o MP por causa da Lava Jato. Políticos querem minar a operação, o MP defende sua plena continuidade e o Executivo tenta manter acesa a chama com apoio ao ministro Sérgio Moro. Aécio fora do PSDB O senador Aécio Neves é a bola da vez no jogo do PSDB. O prefeito Bruno Covas quer vê-lo fora do partido. A jogada de Covas tem pano de fundo eleitoral. Acha que a expulsão do mineiro ajudará a construir seu discurso de moral no pleito de 2020. O governador João Doria, geralmente muito falante, cala-se nessa questão. FHC não defende a saída de Aécio. O novo presidente do PSDB, o ex-deputado e ex-ministro Bruno Araújo, analisa as tendências. Os senadores tucanos estão do lado de Aécio. O jogo, por enquanto, dá empate. PSL rachado O PSL, partido do presidente, é uma casa de marimbondos. Ferroada por todos os lados. Até outubro, é provável a migração de um grupo de parlamentares para outros partidos. A não ser que o próprio presidente Bolsonaro entre em campo para intermediar interesses e segurar sua principal base. Em São Paulo, por exemplo, com a eventual saída do deputado Eduardo Bolsonaro, vai haver disputa para a presidência do partido. Maquiavel "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". Conselho do velho Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las". Gocil e Prosegur Domingo, Lauro Jardim, em sua coluna em O Globo, noticiou a negociação para a compra da Gocil, de Washington Cinel, pela Prosegur, uma grande companhia espanhola do setor de segurança privada. Cinel garante que não existe essa negociação. Não é verdade a informação veiculada. Dados do desmatamento A polêmica sobre desmatamento não está encerrada. Dados extraídos dos mapeamentos de satélites vão mostrar a realidade. E se forem um contundente desmentido à palavra do presidente quando garante não haver o descalabro? Bolsonaro tem três alternativas: a) divulgar a verdade com foto tirada pelo satélite; b) manipular as informações e c) censurar os dados. Nessa direção, a emenda será pior que o soneto. E os generais, hein? Como estão os ânimos dos generais no entorno do presidente? Ligeiras impressões: o general Heleno parece mais retraído, o mesmo podendo se dizer do vice-presidente, general Mourão, que de muito falante, está de boca quase fechada. O general Villas Bôas, assessor do general Heleno, também não tem aparecido na mídia. O general Rêgo Barros, o porta-voz do governo, passou a ser alvo de críticas dos bolsonaristas radicais, a partir do filho do presidente, o vereador Carlos. O silêncio dos generais diz muita coisa. A viabilidade na política Carlos Matus, cientista social chileno, em um magistral estudo sobre Estratégias Políticas, demonstra que a viabilidade de um ator na política tem muito a ver com a estratégia e seus princípios fundamentais. Eis alguns princípios estratégicos: a) Avaliar a situação; b) Adequar a relação recurso/objetivo; c) Concentrar-se no foco; d) Planejar rodeios táticos e explorar a fraqueza do adversário; e) Economizar recursos; f) Escolher a trajetória de menor expectativa; g) Multiplicar os efeitos das decisões; h) Relacionar estratégias; i) Escolher diversas possibilidades; j) Evitar o pior; k) Não enfrentar o adversário quando ele estiver esperando; l) Não repetir, de imediato, uma operação fracassada; m) Não confundir "reduzir a incerteza" com "preferir a certeza"; n) Não se distrair com detalhes insignificantes; o) Minimizar a capacidade de retaliação do adversário.
quarta-feira, 17 de julho de 2019

Porandubas nº 628

Abro a coluna com uma historinha de BH. Cômputo? Pachequinho e Chico Fulô eram muito populares e vereadores do PTB em Belo Horizonte. Disputavam as mesmas áreas e viviam brigando. Na tribuna, Waldomiro falava de tuberculose e tuberculosos, seu assunto predileto: - A cidade está cheia de tuberculosos. Não sei ao certo quantos são, mas eu computo... Pachequinho aparteou: - Não é computo não, ilustre vereador. É cômputo. - Eu sei que é cômputo. Mas, falando com Vossa Excelência, eu falo computo. Foram às vias de fato. (Quem conta é o impagável amigo Sebastião Nery) Sístole e diástole Julho deveria ser na política o mês da diástole, da descontração, eis que é o período de férias escolares, recesso parlamentar, enfim, um tempo dedicado ao relaxamento. Mas não tem sido assim. Os tempos se apresentam bicudos ou, no contraponto à diástole, vivemos momentos de sístole. Uso aqui os conhecidos conceitos da medicina. Sístole e diástole são dois estágios do ciclo cardíaco. Por sístole, entende-se a fase de contração do coração, em que o sangue é bombeado para os vasos sanguíneos, já a diástole é a fase de relaxamento, fazendo com que o sangue entre no coração. Em um adulto normal, a média da pressão sistólica é de 120 milímetros de mercúrio (mmHg), enquanto a diastólica é de 80 mmHg. Golbery Em 1980, o general Golbery do Couto e Silva formulava a estratégia de abertura política do governo Geisel usando a imagem de sístole e diástole, explicando que os militares, após o ciclo da contração, se retirariam da política de forma organizada e tutelando a transição democrática. Aliás, o país tem experimentado ciclos sistólicos e diastólicos. As Constituições retratam períodos de centralização e descentralização políticas. Pedro I A primeira sístole foi protagonizada por Dom Pedro I, que dissolveu a Constituinte de 1823 e outorgou a nossa primeira Carta Magna, a Constituição de 1824. A grande inovação liberal foi o direito à propriedade privada, transformado num entrave legal a abolição. Toda vez que se falava em acabar com a escravidão, se invocava a dogma liberal. O "Poder Moderador" do imperador estava acima do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. E assim por diante tivemos constituições liberais (como as de 46 e a última, de 88) e autoritárias, como no Estado Novo. As tensões Convém explicar, desde já, que empregamos aqui a "terminologia envolvendo coração" não para acentuar o caráter do governo Bolsonaro, mas para realçar o ciclo de tensões vivido por protagonistas da esfera institucional. Há tensão no espaço parlamentar, com os participantes envolvidos na aprovação da reforma da Previdência, há tensão entre o Legislativo e o Executivo, particularmente entre os presidentes Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia, tendo como eixo a reforma; há certa tensão entre a esfera política e o ministro Paulo Guedes, que não vê com bons olhos as mudanças que desidratam a Previdência; há tensão sobre a reforma tributária; há muita contrariedade entre Bolsonaro e a classe política, desta feita envolvendo a eventual nomeação do filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Nomeação esdrúxula O fato é que o presidente estica a corda para ver se ela se rompe. A nomeação do deputado Bolsonaro para a principal embaixada do país no exterior contraria todas (repetindo) todas as boas normas que regem os estatutos da diplomacia. E do bom senso. Sem experiência no trato da diplomacia, Eduardo teve destacadas pelo pai qualidades que, pasmem, estão mais para arremedo de comédia: fala inglês fluente, fala espanhol, já fritou hambúrgueres no frio do Maine, conhece o trato que os EUA concedem aos imigrantes e é amigo de um filho do presidente. É risível? É. Mas é a pura verdade. Adequado? Para piorar esse concerto de notas desafinadas, o presidente arremata com a maior seriedade: se há tantas críticas sobre meu filho, é ele mesmo o nome mais adequado. Novamente risível? É. Mas é a pura verdade. Ou Jair Bolsonaro acha que o governo é "algo para chamar de seu" ou foi levado pela corte de bajuladores ao "mundo da lua". Agenda própria O Congresso resgata suas funções. O esforço do presidente Rodrigo Maia, de fazer uma agenda própria na Câmara tem o endosso de Davi Alcolumbre para ser adotada igualmente no Senado. Será a "salvação" no momento em que o presidente Bolsonaro continua a mostrar indisposição para negociar com a classe política. Ocorre que as emendas parlamentares que libera, que se ancoram em polpudos recursos do Orçamento, mostram que a "velha política", que ele tanto vitupera, continua sendo exercida a plena força. Lava Jato sob pressão A divulgação de conversas mantidas pelo procurador Deltan Dellagnol com diversos parceiros, incluindo o ex-juiz Sérgio Moro, tem sido um golpe na operação Lava Jato, que perde o ímpeto moralizador. Dellagnol, pelo que se infere, queria juntar recursos com palestras. Vai ter de se explicar. O fato é que a esfera política espera o momento para dar mais tiros na operação. Esse é mais um ponto de tensão. Mais sístole. Reforma tributária I Vem aí um longo debate sobre a reforma tributária. Que projeto vai andar? Lembremos: A primeira proposta, a PEC 293/2004, do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, contempla a criação de dois tributos: IBS (Imposto com Operações sobre Bens e Serviços) e um imposto seletivo monofásico sobre petróleo, derivados combustíveis, lubrificantes, cigarros, energia elétrica, telecomunicações, bebidas e veículos automotores. Extingue IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, COFINS, salário-educação, ICMS, Cide-combustíveis e ISS. Incorporaria a CSLL ao IRPJ. Embora possua aspectos positivos como o creditamento amplo, eliminação de tributos cumulativos, simplificação e transparência, a tramitação da iniciativa encontra-se parada desde o ano passado na Câmara dos Deputados. Reforma tributária II Já a PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), aprovada pela CCJ na Câmara dos Deputados no dia 22 de junho, tem como texto-base o projeto elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e pelo seu diretor, o economista Bernard Appy. A ementa da proposta deixa claro que o objetivo é tão somente a "alteração do sistema tributário" através da substituição de cinco tributos (PIS/COFINS, IPI, ICMS, Pasep e ISS) por um único imposto - IBS. Reforma tributária III Quanto à terceira proposta, é patrocinada pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em combinação com o ministro Paulo Guedes. Prevê a criação de um imposto sobre movimentação financeira (IMF) para substituir alguns tributos Federais reduzindo o custo trabalhista, o que aumentaria a geração de empregos. A adoção deste modelo poderia gerar algumas vantagens como: i) redução do custo de conformidade; ii) facilidade de fiscalização e arrecadação; e iii) diminuição dos custos relativos às contribuições acessórias. II parte "Indicação de filho para embaixada é o maior erro de Bolsonaro até agora". (presidente da CCJ, senadora Simone Tebet) (O entrevero Eduardo Bolsonaro é um convite para fazermos ligeiro passeio pelo mundo da nossa diplomacia) Ou será que esses nomes não valem nada? Alexandre de Gusmão Alexandre de Gusmão (1695 - 1753), o estadista que melhor interpretou a conveniência das regras do uti possidetis (o território pertence a quem tem o controle efetivo sobre ele) e das fronteiras naturais do Brasil. José Bonifácio de Andrada José Bonifácio de Andrada e Silva (1763 - 1838), o "Patriarca da Independência" e o "Primeiro Chanceler do Brasil". Entre suas ideias centrais, encontram-se a defesa da abolição dos escravos, a integração das comunidades indígenas e africanas, a reforma do ensino e do uso da terra e a autonomia de atuação externa do país. Visconde do Rio Branco José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (1819 - 1880), "o mais brilhante diplomata do Império". Além de seu talento para a diplomacia, o Visconde foi também o presidente do Conselho de Ministros mais duradouro do período imperial. Barão do Rio Branco José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco (1845 - 1912), filho de José Maria da Silva Paranhos, acompanhou o pai em missões diplomáticas desde muito jovem. Assim, pôde desenvolver as habilidades que um dia iriam consagrá-lo como herói nacional. Antes de tornar-se o chanceler que permaneceu o maior tempo ininterrupto no comando do Itamaraty, o Barão já servira ao Brasil na Alemanha e em Liverpool, além de ter sido protagonista na resolução da Questão de Palmas, em que Brasil e Argentina disputavam o território que hoje compõe boa parte dos estados de Santa Catarina e Paraná. Rui Barbosa Rui Barbosa de Oliveira (1849 - 1923), o nome mais importante do primeiro período republicano brasileiro. Bacharel em Direito, ele atuou como jornalista, advogado, senador, ministro de Estado e diplomata, além de ter sido candidato à presidência em duas ocasiões. Foi um liberal convicto, defensor das liberdades individuais, do modelo federativo e da cidadania, segundo o modelo norte-americano, que lhe serviu de inspiração nos trabalhos de redação da Constituição Republicana de 1891. Oswaldo Aranha Oswaldo Euclides de Souza Aranha (1894 - 1960), essencial no processo de transição entre a velha República e a era Vargas, também foi fundamental na história da nossa política externa; representante brasileiro junto à recém-criada Organização das Nações Unidas, Aranha volta, em 1947, a uma posição de prestígio nas relações internacionais do Brasil. O ex-chanceler, além de participar do Conselho de Segurança, que presidiu em fevereiro, chefiou a delegação à I Sessão Extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em abril, da qual foi eleito presidente. Na Segunda Assembleia Geral da ONU, em 1947, Aranha enfrentou a complexa questão da Palestina. San Tiago Dantas Francisco Clementino de San Tiago Dantas (1911 - 1964), nome gravado no panteão diplomático brasileiro em razão de um grande feito: contribuir para a renovação e universalização da política externa nacional, até então presa ao paradigma americanista inaugurado pelo Barão, o qual não se adequava mais aos novos tempos e às novas necessidades e potencialidades do Brasil. San Tiago vislumbrou o que ficou conhecido posteriormente como Política Externa Independente, um novo conjunto de princípios de atuação diplomática responsável por ampliar e aprofundar a presença brasileira no mundo. Araújo Castro João Augusto de Araújo Castro (1919 - 1975), que desempenhou toda a sua carreira na vida pública como diplomata. Idealista em seus objetivos, mas pragmático em seus métodos, tornou-se um dos expoentes da Política Externa Independente - tradição diplomática que havia sido inaugurada por Afonso Arinos de Melo Franco, quando Jânio Quadros chega à presidência. À frente do Itamaraty a partir de 21 de agosto de 1963, Araújo Castro foi deposto do cargo após o golpe civil-militar de 1964. Em 19 de setembro de 1963, Araújo proferiu, na XVIII Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, o seu famoso discurso dos "Três D's", no qual pugnava pelo desarmamento, pelo desenvolvimento e pela descolonização. Azeredo da Silveira Antônio Francisco Azeredo da Silveira (1917 - 1990), competente e inovador o suficiente para deixar sua marca indelével na história da política externa brasileira. Enquanto chanceler durante o governo Geisel, Silveira foi responsável pela execução de uma estratégia de aprofundamento da inserção internacional brasileira que ficou conhecida como Pragmatismo Responsável e Ecumênico, que correspondeu à crescente abertura política no âmbito doméstico.
quarta-feira, 3 de julho de 2019

Porandubas nº 627

Abro a coluna com uma historinha do cozinheiro Belarmino, de Fortaleza, Ceará. Pulé roti O negro Belarmino era um cozinheiro cheio de pompa e orgulho. Trabalhava no antigo "Hotel de France", em Fortaleza. Quem o azucrinava com sua cor, ele não deixava por menos: "roupa preta é que é roupa de gala". E arrematava: "penico também é branco". Chegava um cliente, esnobava no francês: "Que tal um puassom (poisson, peixe) com petipuá (petit pois, ervilha)"? Mas nunca conseguiu entender que poulet rôti é frango assado e não simplesmente frango. Transferido para a Pensão do Bitu, reclamou ao patrão, logo no primeiro dia, ao passar diante do galinheiro: "seu Bitu, me dê a chave da despensa para eu tirar o mio, pois inté essa hora, os pulê roti estão tudo em jejum". (Historinha narrada pelo bem humorado Leonardo Mota em Sertão Alegre.) O escudo de Moro O ex-juiz Sérgio Moro continua a ganhar aplausos da sociedade. A movimentação de rua, domingo passado, é demonstração inconteste de que goza de prestígio de camadas de classe média, essas que habitam o meio da pirâmide. É visto como o xerife que manda prender gente importante. Mas Luiz Inácio é seu principal alvo. Por isso, o ministro da Justiça e da Segurança Pública começa a tomar o lugar de principal ícone da direita no Brasil. Seus admiradores são principalmente os adversários do lulopetismo. Sinuca de bico Ocorre que essas mobilizações de apoio a Moro funcionam como uma faca de dois gumes: de um lado, eleva seu prestígio na Esplanada dos Ministérios; de outro, dá coceira no capitão, que já admite ser candidato à reeleição. E, como tal, não admite que um de seus ministros venha a ser candidato ao mesmo cargo que ele novamente disputará. Por essa razão, Sérgio Moro deve conter o animus animandi de suas galeras, desmotivando insinuações e sinalizações na direção do Palácio do Planalto. Não será fácil. Fora da Esplanada A política é uma cachaça, reconhecem os velhos e os novos integrantes de sua esfera. Hoje, Moro tem mais prestígio que Bolsonaro. Se essa condição for a mesma em 2022, certamente ele a enfrentará com muito gosto. Por isso, ganha força a hipótese de Sérgio Moro apear-se da Esplanada dos Ministérios. Ou por decisão presidencial ou por vontade própria. É muito cedo para entrarmos na trilha de candidaturas. Mas a rota parece mesmo ser essa, a via que leva ao Palácio do Planalto. Eventual ingresso no STF vai depender de uma aprovação pelo Senado, que hoje não simpatiza com essa alternativa. Vamos esperar que a torrente passe por baixo de muitas pontes. Banalização A banalização de eventos em apoio ou repúdio a pessoas e situações tem um efeito: massas diminuem de tamanho. A última movimentação, de apoio ao ministro Sérgio Moro, teve menos gente que a mobilização anterior. Acordo Mercosul-UE O acordo entre a União Europeia é um empreendimento desenvolvido ao longo dos últimos 20 anos. Mas seu arremate com o fechamento das condições gerais, não se pode negar, é obra do atual governo. E o diplomata Marcos Troyo, que comanda a área de relações internacionais do Ministério da Fazenda, é peça central no esforço para se fechar o acordo. Trata-se de um dos mais preparados quadros de nossa estrutura diplomática. É ele professor da Universidade de Colúmbia (EUA). Desmatamento Um ponto de polêmica no Acordo é o que prevê a proibição de entrada de produtos que vierem de zonas desmatadas recentemente. Não ganhariam privilégios e reduções de tarifas. Cláusula: "o aumento de comércio não deve vir às custas do meio ambiente e condições trabalhistas". A política ambientalista do Brasil será uma espada sobre nossa cabeça. P.S. O desmatamento na Amazônia aumentou em junho quase 60% em comparação ao mesmo período de 2018. A floresta perdeu 762,3 km de mata nativa, contra 488,4 km de junho do ano passado. Heleno em palanque Uma surpresa por ocasião da movimentação de domingo passado: o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que mais parece um militar que age de modo silencioso, sobe ao palanque para elogiar o ministro Sérgio Moro e desancar os adversários, com foco no petismo esquerdizante. Mandou ver com uma adjetivação acima do tom. Não seria mais condizente com o cargo que exerce a permanência nas sombras do aconselhamento, uma postura mais reservada? Flechadas A nova flechada do vereador Carlos Bolsonaro atingiu em cheio o general Heleno, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Abriga a sinalização de que a sargento portador de drogas teria passado ao largo dos controles do general. Mas o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, integrante da Comissão de Anistia do governo Federal, respondeu com uma estocada: "pau-mandado de Olavo (de Carvalho). Se o pai chama os estudantes vermelhinhos de idiotas úteis, e eu concordo, para mim, o filhinho dele é idiota inútil, ou útil para os esquerdistas". E acrescentou: "pode repassar". Mourão O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, continua abrindo frentes de simpatia nas esferas políticas e empresariais. Abre a agenda para receber todos que o procuram. Suspeição sobre rede O sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues, 38, que carregava 38 kg de cocaína num avião da comitiva presidencial, preso em Sevilha, na Espanha, pode desvendar a teia de drogas que saem do Brasil para o exterior e que tem uma conexão no eixo militar. Deverá receber severa punição. O presidente Bolsonaro disse ser "uma pena" que o caso não tivesse ocorrido na Indonésia, onde o brasileiro Marco Archer foi condenado à morte por tráfico de drogas. O sargento era um sujeito pacato, segundo seus vizinhos em Brasília. Estranho Coisa para estranhar: o sargento Rodrigues já não vive no apartamento funcional há pelo menos um ano e meio. No imóvel, permanecem a ex-mulher e os filhos pequenos. Marcelo seguro? O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, está só com um pé no governo, dizem. Mas o presidente Bolsonaro garante que precisa haver uma "acusação grave" contra o ministro do Turismo para que ele tome alguma medida. Estados fora da previdência? Estados e municípios devem ficar de fora da reforma da Previdência. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, faz um último esforço para inseri-los na proposta. Mas falta acordo. O relatório final a ser apresentado na comissão especial não trata de governos regionais. É possível que por conta do Maranhão, Bahia e Pernambuco, todos os Estados deverão ficar de fora da reforma. Governadores dizem que a reforma, nos moldes atuais, não sana os problemas financeiros dos Estados. Os deputados temem incluir Estados e municípios na reforma por receio de serem condenados pelos eleitores nas eleições de 2020 e 2022. Emenda aglutinativa Técnicos avaliam que se Estados e municípios não forem incluídos na proposta ainda na comissão especial, as chances de isso acontecer no plenário da Câmara, via votação de uma emenda aglutinativa, serão remotas. Seriam necessários 308 votos para aprovar a mudança no texto principal da proposta. Alterações O relator, deputado Samuel Moreira, suavizou as regras para aposentadoria das professoras. O parecer deve permitir que elas tenham direito a se aposentar com o último salário (integralidade) e ter reajustes iguais aos da ativa (paridade) aos 57 anos. Pela primeira versão do relatório, a exigência para ter direito a esses dois pontos era de 60 anos. Outro ponto em negociação é a redução para 25 anos do tempo de contribuição exigido para que as professoras possam se aposentar. Hoje, a proposta da reforma prevê contribuição de 30 anos para professores e professoras, além da idade mínima de 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens). Terras indígenas O STF julga em 1º de agosto, na 1ª sessão na volta do recesso do Judiciário, a questão da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas. Ou seja, os ministros vão decidir se mantêm ou revogam a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu liminar e suspendeu os efeitos da MP 886 editada por Bolsonaro, que transfere da Funai para o Ministério da Agricultura a competência. Há quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizadas por PDT, PT e Rede contestando a mudança por ser uma reedição da MP 870 no mesmo ano, o que é proibido pela CF. Couro duro O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, diz que a pressão popular para manter o ex-presidente Lula na cadeia não influencia o trabalho dos ministros. "Quem vem para o STF, quem se torna ministro do STF... todos aqui têm couro suficiente para aguentar qualquer tipo de crítica e de pressão". O fato é que a voz das ruas nunca foi tão forte contra a atuação de ministros de nossa mais alta Corte. Prisão em 2ª instância O STF pode incluir na pauta do 2º semestre (ou no próximo ano, conforme sinalizou Toffoli) a questão da prisão após a 2ª instância. O placar hoje seria de 7 a 4. Contrários: ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Dias Toffoli. Do outro lado, estariam Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia. A decisão favoreceria, além de Lula, cerca de 100 mil presos, ou seja, ¼ da população carcerária, hoje de 600 mil presos. Fim do e-Social? A MP nº 881, que trata da Liberdade Econômica, inclui o fim do e-Social, sistema digital que obrigou empregadores a prestar informações referentes a seus funcionários. OIT A Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou na segunda quinzena de junho, na Suíça, a reunião para comemorar seu centenário, com lideranças dos setores laborais e empresariais. A Confederação Nacional do Emprego (WEC) alinhou propostas para colocar o setor de serviços a par das transformações que ocorrem rapidamente em todo o mundo no mercado de trabalho. Vander Morales, presidente da Fenaserhtt e do Sindeprestem, participou do encontro, ao lado do vice-presidente do sindicato Fernando Calvet, representando a WEC na América Latina. Mudanças Morales destacou a moldura de mudanças: "O mercado de trabalho está em plena transformação de modo rápido e constante. Surgem novos modelos de contratação, maneiras diferentes de realizar tarefas e conceitos inovadores sobre produtividade. A adaptação a esses novos preceitos é uma preocupação da classe empresarial no mundo todo". Reconhecimento No Brasil, as empresas de Terceirização e de Trabalho Temporário cumprem essa missão de qualificar o trabalhador, abrir espaço para o primeiro emprego dos jovens e os mais velhos, ampliando assim o leque do mercado de trabalho. A confederação mundial reconheceu os avanços brasileiros no processo regulatório, com a Lei da Terceirização, a modernização do Trabalho Temporário e com a reforma trabalhista. Mas ainda há muitos obstáculos para que a atividade se desenvolva plenamente. Um exemplo é a injusta carga tributária, acompanhada de normas anacrônicas, como a do aprendiz ou da cota para deficiente e outras regulações.
quarta-feira, 26 de junho de 2019

Porandubas nº 626

Abro a coluna com uma historinha Estado do Rio de Janeiro. Idôneo Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado: - Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo. O coronel relaxou e gritou para a galera que o ouvia: - Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo. (Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre) Rainha da Inglaterra? Bolsonaro se queixa amargamente da Câmara, agora por causa do projeto que institui o marco legal das agências reguladoras e determina que as indicações do presidente sejam confirmadas pelo Senado. "Querem me transformar em rainha da Inglaterra - que reina e não governa". O presidente da Câmara acentua que o presidente não leu o projeto, eis que "a composição e forma de proceder da Comissão (Comissão de Seleção dos nomes escolhidos pelo presidente) estarão submetidas à regulamentação pelo Executivo". Ou seja, a decisão continuará com o Executivo, a quem caberá regulamentar a Comissão. PL vira lei Ignorando o conselho de Maia, Bolsonaro sancionou, com vetos, a lei 13.848/19, que dispõe sobre a gestão, organização, processo decisório e o controle social das agências reguladoras. O trecho que determinava a elaboração de uma lista tríplice a ser escolhida pelo presidente da República e posteriormente submetida à aprovação do Senado foi vetado. Aplainar arestas O fato é que o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso vivem às turras. O mandatário não aceita que o corpo parlamentar cumpra suas funções na plenitude. Ora, a Câmara e o Senado, pelo comportamento que exercem, apenas resgatam suas constitucionais tarefas de legislar e exercer poder crítico sobre o Executivo, sem mais ficar refém do Palácio do Planalto. Por isso, aguarda-se com muita expectativa a posse do general Luiz Eduardo Ramos na Secretaria do Governo. Será o articulador-mor da administração. É considerado o melhor "Relações Públicas" das Forças Armadas. Dá-se bem até com partidos da oposição. O momento é de aparar arestas, que puxam nuvens pesadas entre o Palácio do Planalto e as cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional. Estilo Bolsonaro Até quando assistiremos a queda de braço entre Bolsonaro e a esfera política? O presidente coleciona derrotas em série na Câmara. Os deputados tendem a seguir a cartilha do presidente da Casa, Rodrigo Maia. Este e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, farão uma agenda congressual de reformas, a partir da Previdência e da Tributária. O problema reside na insistência do presidente Bolsonaro de não querer aceitar decisões das casas congressuais contra seus decretos. Governar para as bases Bolsonaro continua se expressando para suas bases de apoiadores. Insiste em manter acesa a chama da campanha. As redes sociais se dividem em aplausos e apupos. O apartheid social da era petista está se expandindo. A divisão "Nós e Eles" esquenta o vocabulário das redes. A família Bolsonaro é responsável em parte pela bílis que escorre pelas veias sociais. O guru Olavo de Carvalho, um pouco mais recolhido, não desiste de fustigar adversários com expressões de baixo calão. Economia se apagando A vela da economia, que parecia bem acesa há três meses, está se apagando. As expectativas se arrefecem. O crescimento do PIB para a casa de 1% ou menos. Fala-se em continuidade do processo recessivo. Mas as esperanças de que a reforma da Previdência seja aprovada mantêm o ânimo dos setores produtivos. O desemprego não dá sinais de refluxo. O Bolsa Família ainda consegue segurar o Brasil Profundo. Não fosse isso, as margens já estariam desengatando seus carros da locomotiva Bolsonaro. Cassado ou preso O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi curto e grosso sobre as gravações atribuídas a Sérgio Moro: "ultrapassou o limite ético". E concluiu: "Em sendo verdade, são muito graves. Se fosse um deputado ou um senador (no lugar de Moro), ele já estava cassado, preso e nem precisava provar se tinha hacker ou não". Com muita sede ao pote Falar do pleito de 2022 só mesmo se houver algo muito forte para revelar. Temos três anos e meio pela frente. Mas a conversa sobre o pleito começa a ser aberta pelo presidente Jair, que anunciou ser candidato à reeleição. E que lembrou que João Doria é também candidato. Os anúncios são extemporâneos. Falta muito tempo. E bastante água correrá por baixo de pontes e viadutos. Doria tem dito que não concorrerá à reeleição. Sobra, no caso, uma candidatura presidencial ou ao Senado. O feitio dele, a índole, está para o Executivo, não para o Legislativo. João é aplicado. Mas comete erro quando sinaliza candidatura presidencial. Não diz abertamente, mas os sinais se escancararam. E Lula? Luiz Inácio não deverá ser candidato, eis que recuperará sua condição de cidadania política apenas em 2028. Mas será um grande eleitor. Se o Brasil for bem sob a administração Bolsonaro, o petismo e oposições não terão vez. A recíproca é verdadeira. Lula correrá o país com suas caravanas. Ou se recolhe de uma vez por todas ao limbo político. P.S. O PT é ainda um partido muito organizado. E que, segundo se comenta, tem muita grana para jogar no roçado da política. Bolsonaro irá até o fim? Bolsonaro chegará ao final do governo? A pergunta se insere no contexto de divergências profundas com o Parlamento. Collor e Dilma viraram as costas para o Congresso. Foram derrubados. Com Bolsonaro, há uma diferença: ele atiça, fomenta a rivalidade. E se essa desavença prosperar, um processo de rompimento se instala. Com prejuízos institucionais. Pergunta que se ouve por todos os lados: e esse general Mourão? Está se saindo melhor que o figurino. Flexível, cordato, bem-humorado, conversador, atende bem quem o procura (políticos, empresários e jornalistas) e a farda pouco pesa em sua imagem. Mourão surpreende. Não é à toa que o entorno do presidente Bolsonaro não o vê com bons olhos. Bolsonaro no TSE O Tribunal Superior Eleitoral, após o recesso, julgará duas ações contra a chapa Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Tratam de abusos que teriam desequilibrado a disputa em 2018. Uma das ações trata da entrevista que Bolsonaro deu à Rede Record no mesmo horário de um debate entre os candidatos. Bolsonaro alegou razões médicas para não comparecer ao debate. Recuperava-se da facada. A Record teria dado "tratamento privilegiado" ao candidato em sua plataforma. Mas é difícil acreditar no acolhimento da denúncia. O Ministério Público Eleitoral se manifestou pela improcedência da ação. O imponderável versus BO+BA+CO+CA Temos de lembrar que o Senhor Imponderável dos Anjos sempre costuma nos visitar. Às vezes, veste-se de demônio. E faz das suas. Que não apareça tão cedo para não atrapalhar a vida do presidente Jair Messias. Ele precisa dos cobertores das reformas para dormir em paz. Caso contrário, o caos prosperará. Mas se tudo ocorrer como manda o bom figurino, o presidente poderá escrever com perfeição a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Bolso cheio (geladeira cheia), Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governo. Zema caindo na real O governador mineiro, Romeu Zema, do partido Novo, tinha intenção de inaugurar nova maneira de administrar o Estado. Com mínima interferência dos políticos. Caiu a ficha. Sem aprovar matérias de interesse do Executivo, o governo não andará. Começa a ceder aos políticos. Governar com a política O fato é: não se governa neste país sem o apoio da política e de seus agentes. Corrida de Jesus x Parada gay Retrato do Brasil. Marcha para Jesus. Falam em um milhão de pessoas. Pela primeira vez um presidente e sua esposa compareceram ao evento. Bolsonaro, em cima de um palanque, simulou executar alguém caído. Uma imagem nada cristã. O evento chegou ao Brasil em 1993 por iniciativa do Apóstolo Estevam Hernandes, líder da Igreja Renascer em Cristo. Naquele ano, os fiéis saíram da avenida Paulista, cruzaram a avenida Brigadeiro Luís Antônio e chegaram ao Vale do Anhangabaú para a grande concentração. Mais de 200 mil pessoas participaram da manifestação. Parada do orgulho LGBT. Falam em três milhões de pessoas. O evento acontece desde 1997 na avenida Paulista, em SP. Na época, reuniu cerca de duas mil pessoas. Maneira de dizer Fecho a coluna com uma historinha árabe. Um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse o sonho. - Que desgraça, senhor, exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade. - Mentiroso, gritou o sultão enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui. Chamado outro adivinho, este falou: - Excelso senhor. Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes! Iluminou-se a fisionomia do sultão e mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. Quando saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse: - Afinal, a interpretação que fizeste do sonho foi a mesma do teu colega... - Lembra-te, meu amigo, tornou o adivinho, que tudo depende da maneira de dizer.  
quarta-feira, 19 de junho de 2019

Porandubas nº 625

Abro a Coluna com um "causo" de Macaíba/RN. 5 minutos de silêncio O pedido do minuto de silêncio faz parte da liturgia do poder. Surfam nessa onda políticos de todos os espectros. Até vereador faz uso do momento. Este caso ocorreu na Vila São José, bairro de Macaíba/RN. O ex-vereador e candidato Moacir Gomes inicia a oração rogando aos assistentes do comício um minuto de silêncio pelo falecimento de um morador. Seu assessor e cabo eleitoral, ao lado, pensando no tamanho da família do falecido, sopra no ouvido de Moacir: - Um minuto é pouco. Peça cinco. Tem muito voto lá! (Historinha de Valério Mesquita) A demissão de Levy Joaquim Levy foi surpreendido com a observação de Bolsonaro: "já estou com ele por aqui. Falei para ele: Demita esse cara na segunda-feira ou demito você sem passar pelo Paulo Guedes". Com esta mal educada declaração, o presidente acabou dispensando a colaboração de um grande técnico. Levy estava num casamento na região serrana do RJ, de difícil comunicação. Voltou ao Rio e, no domingo, escreveu a carta de demissão combinada com Paulo Guedes. Ex-ministro de Dilma, tinha dificuldade em abrir "a caixa preta" do BNDES, mais exatamente, os recursos do banco destinados a governos amigos do PT, em Cuba, na Venezuela e na África. De crise em crise Na verdade, o Joaquim Levy, sabedor das promessas de campanha de Bolsonaro, dentre elas a abertura da "caixa preta do BNDES", não deveria ter aceitado o convite para presidir o banco. Só aceitou por insistência de Guedes. O fato é que foi humilhado publicamente pelo presidente, que não mede palavras e gestos. Guedes, por sua vez, fez coro a Bolsonaro, endossando críticas. O que pode acontecer? Mais dificuldades em acessar nomes respeitáveis do mercado e convidá-los para integrar o governo. O fato é que as crises na administração bolsonariana estão se sucedendo. E pelo andar da carruagem, veremos mais algumas. O comportamento mercurial do presidente sugere tensões permanentes. General Ramos O general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, um dos maiores amigos de Bolsonaro nas Forças Armadas, foi direto: "soldado não escolhe missão; ele cumpre". E assim deixa o maior comando militar do país, o do Sudeste, para integrar o governo. Um general quatro estrelas da ativa. Poderoso. Ministro da Secretaria de Governo, que, entre outras coisas, será responsável pela articulação política. Vai dividir tarefas com Onyx Lorenzoni. Há muita curiosidade em saber como o general desempenhará seu papel. Criará ciúmes? Terá palavra mais forte do que a do general Heleno? P. S. A demissão do general Santos Cruz deixou o Congresso de boca aberta. Mas ante a força do perfil do substituto, qualquer reação negativa - se houve - foi logo abafada. Moro sob controle O ministro Sérgio Moro está sob total controle do presidente Jair. Mais concretamente: se tinha alguma pretensão em entrar na liça presidencial de 2022, arrefeceu o ânimo. O affaire do vazamento de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol o torna prisioneiro das circunstâncias. Bolsonaro vai segurá-lo, sendo bem provável sua nomeação para o STF no lugar de Celso de Mello em novembro do próximo ano. (Mas o Senado o aprovaria? Hoje, ao que se comenta, não). Ícone das massas A única condição para deixá-lo com o manto de presidenciável seria uma saída do governo, situação que pode se agravar com a divulgação de conversas comprometedoras. Moro, porém, ainda é o ícone das massas. Por essa razão, nada se descarta da planilha de hipóteses sobre seus caminhos e curvas. Pode, sim, vir a ser candidato a presidente, até enfrentando Bolsonaro. Fakes e versões Lorotas? Hacker russo, bilionário russo, pagamento em bitcoins; Gleen Greenwald, articulador das manobras hackeado; disseminação de hashtags, compra do mandato de Jean Wyllys para renunciar e dar lugar ao deputado David Miranda (PSOL) e daí por diante - quanta massa disforme. O russo da história seria Pavel Durov, 35 anos, criador do Telegram, que só se veste de preto e muda de casa com frequência com temor do manda-chuvas do Kremlin. Mais inputs: ao lado do irmão Nikolai, ele desenvolveu a plataforma para poderem conversar sem risco de serem espionados pelo governo de seu país. A ideia surgiu quando ainda eram donos da maior rede social da Rússia, a Vkontakte (VK), criada em 2006. P. S. Um alerta sobre estas informações. Juro dizer a verdade I "Juro dizer a verdade, nada mais que a verdade. O Brasil é a terra da ética, do respeito aos valores morais que dignificam o homem e do cumprimento exemplar das leis. O caráter de seu povo é reto e imaculado, fruto de uma herança cultural profundamente alicerçada no civismo, na solidariedade, no culto às tradições, na religiosidade, no respeito aos mais velhos, no carinho e proteção às crianças e na repartição justa dos bens produzidos. Neste país, atingir a honra de um cidadão equivale a ferir a alma da pátria. Aqui, preserva-se e cumpre-se o abençoado lema "todos por um e um por todos"." Juro dizer a verdade II "Os nossos políticos são exemplo de civilidade, magnanimidade, correção e desinteresse pessoal. Graças a eles, o sistema federativo vive em harmonia e equilíbrio. Os recursos se distribuem igualitariamente, provendo as necessidades fundamentais da população, dentro de um rigoroso plano de prioridades. Os potenciais das regiões se somam e a racionalidade administrativa gera bolsões de riquezas, que se repartem pelas populações. O excedente é exportado e acarreta bilhões de divisas que, da mesma forma, são distribuídos pelas regiões exportadoras." Cuidado Cuidado, muito cuidado, com fraudes, versões e invencionices. Sob as asas de um tal pavão misterioso. Tempos de pós-mentiras. Diálogos? Afinal, os diálogos vazados entre Moro e Dallagnol foram editados, pinçados fora do contexto, ou são verdadeiros? O papel do Congresso Ante a escalada de "falas estabanadas" do presidente, demissões em série de ministros e desencontros na frente da articulação política, emerge o papel da Câmara e do Senado na construção de uma agenda própria, sem interferência do Executivo. Por isso, a Bolsa e o dólar estão praticamente no patamar da estabilidade. O mercado passou a acreditar na aprovação da reforma da Previdência, mesmo com os gols contra que o Executivo comete. Estrela ascendente Estrela ascendente no governo é o secretário Rogério Marinho, que toca a reforma da Previdência e o setor do Trabalho. Tem ótima articulação com os congressistas. Foi um deputado muito admirado pelos pares. Relator da reforma trabalhista, conhece bem o espírito parlamentar. Economia devagar A recuperação da economia caminha a passos de tartaruga. Até o momento o governo tateia na escuridão. Tem como foco a aprovação da reforma da Previdência. As medidas de estímulo ao consumo praticamente inexistem. Os programas sociais, como o Bolsa Família, ainda sustentam o humor das margens. A baixa inflação garante certa harmonia. Mas dinheiro no bolso continua escasso. Mais um tempinho sem folga de recursos e a paciência começa a esgotar. Odebrecht Quem diria, hein? O ex-portentoso conglomerado empresarial Odebrecht abre o maior processo de recuperação judicial da história brasileira. Na lista de credores, mais de 188 escritórios de advocacia. As dívidas somam cerca de R$ 83 bilhões. P.S. A recuperação da Oi, em 2016, exibia o débito de R$ 64 bilhões. Gasparetto Renato Gasparetto, experimentado executivo de comunicação e relações institucionais, com passagem por grandes grupos, deixa a Gerdau para assumir a vice-presidência de Relações Institucionais da Vivo/Telefônica. Gasparetto tem um histórico de peso na história da comunicação organizacional no país. Montezano Gustavo Montezano, engenheiro com mestrado em finanças, 38 anos, é o novo presidente do BNDES. Era o número dois da Secretaria Especial de Desestatização e Desinvestimento comandada pelo empresário Salim Mattar. E assim o processo de privatização será acelerado. O pai de Gustavo já trabalhou com Guedes. O mercado ganha mais um perfil qualificado na estrutura governamental. PT vai à china O governador do Piauí, o petista Wellington Dias, age como pragmático. Deixa de lado os xingamentos que acendem o discurso petista e decide ir à China por ocasião do evento em que o presidente Bolsonaro tentará atrair investidores, entre 5 e 9/8. Faz bem Wellington Dias ao não dar ouvidos à verborragia irada do petismo. Armar o povo No Rio Grande do Sul, Bolsonaro voltou a explicar a razão porque deseja ver a população armada: "para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta". Ou seja, sugestão para o povo armado combater os golpes. Como essa indicação entra no cenário do golpe de 1964? Ou não teria havido golpe? Os governantes da época não assumiram o poder de forma absoluta? II parte A arte da política - Maomé levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. E que, do cume, faria preces a favor dos observantes da sua lei. O povo reuniu-se; Maomé chamou pela montanha, várias vezes; e como a montanha ficasse quieta, não se deu por vencido, e disse: "Se a montanha não quer vir ter com Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Assim esses homens que prometeram grandes prodígios e falharam sem vergonha (porque nisso está a perfeição da audácia), passam por cima de tudo, dão meia-volta, e realizam o seu feito. (Ensaios - Fancis Bacon) Teoria do herói - Mais ou menos em toda parte, o herói reina e prospera. Como para confirmar as teses dos pensadores políticos, que lhe abrem alas desde a Antiguidade. Xenofonte já fazia a apologia do chefe e o elogio do herói. Daquele que impõe o respeito. Por sua ascendência. Por sua superioridade, perceptível até para o comum dos mortais. Em A Política, Aristóteles reconhece a situação excepcional do gênio. Para certo indivíduo supereminente que se impõe sem contestações como senhor absoluto. Como um "deus entre os homens". O ditador - Em seus Discursos sobre Tito Lívio, Maquiavel também admite o homem excepcional levado por circunstâncias excepcionais. É o "Legislador" - ou "Fundador" - o homem só, que estabelece um regime. Como Licurgo ou Solon. É o "ditador", investido, como em Roma, de uma magistratura legal e temporária. Quando o Estado deve "defender-se contra acontecimentos extraordinários". Rousseau acompanha bem de perto Maquiavel. Também ele tolera o "homem extraordinário" em dois casos excepcionais: o "Legislador" para fundar o Estado e lhe fornecer suas leis, o "Ditador" para garantir sua sobrevivência. (O Estado-Espetáculo - Roger-Gérard Scwartzenberg)  
quarta-feira, 12 de junho de 2019

Porandubas nº 624

Abro a coluna com uma historinha mineira sobre o burro. Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada: - Esta estrada vai até onde? - Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras. - Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição? - Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando. - E quando não tem burro? - Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo. O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia. Vazamentos A prática de vazamentos chegou nos roçados do hoje ministro Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol. A operação Lava Jato é objeto de mais um episódio com cheiro de escândalo: as conversas entre o então juiz Moro e o procurador, com o primeiro orientando a conduta do segundo, coisa proibida tanto pelas normas do Judiciário quanto pelo código do Ministério Público. De onde teriam partido os vazamentos? Alas em querela das corporações envolvidas na operação do Direito? CPP O Código do Processo Penal, em seu artigo 254, diz que o juiz deve declarar-se suspeito ou pode ser recusado pelos envolvidos no processo "se tiver aconselhado qualquer das partes" - defesa ou acusação. Mais adiante, o artigo 564 do CPP aponta os casos em que ocorrerá a nulidade, entre eles "por incompetência, suspeição ou suborno do juiz". Os especialistas pontuam: "Juiz não pode investigar, não pode orientar os órgãos de acusação em suas iniciativas de apuração e não pode discutir estratégia de investigação com o MP". Anormalidade A observação de juristas é a de que o vazamento não demonstra inocência de Lula, objeto da conversa, mas sinaliza anormalidade na conduta dos dois protagonistas da Lava Jato, o juiz e o procurador. Luiz Inácio volta ao centro da cena, desta vez sob a sombra de suspeição do acusador e do julgador. O PT retoma o discurso da vítima perseguida, da parcialidade e injustiça no julgamento. O caso reabre a discussão da condenação de Lula nas três instâncias. É possível que o STF receba denúncia e paute o tema. The Intercept O vazamento bateu no site "The Intercept", fundado pelo jornalista norte-americano Glenn Greenwald, também conhecido por ter ajudado o ex-analista de sistemas Edward Snowden a revelar informações secretas da Agência de Segurança Nacional dos EUA. O exército bolsonariano vai explorar a união entre Glenn e o deputado do PSOL, David Miranda, que assumiu com a renúncia de Jean Wyllys. Não vai colar. Não é com discriminação que Moro e Dallagnol serão protegidos. Agenda do Executivo O affaire abre mais polêmica sobre a Lava Jato, com a esfera política atacando a operação. O fato é que nesse momento em que se debate a reforma da Previdência o anúncio da "combinação" entre Moro e Dallagnol gera forte impacto e atrapalha a agenda do Executivo. Nada de mais O ministro Moro não enxerga ilicitude na conversa. Para ele, não há nada de mais, não há "nenhuma orientação naquelas mensagens". Mas o conteúdo se confirma. A frente política vai querer ir fundo na tentativa de descobrir erro ou falta de ética na conduta dos dois interlocutores. Com a suspeição sobre suas costas, o ministro da Justiça Moro perde prestígio junto ao corpo parlamentar. Seu pacote anticrime tende a não avançar. Moro desce do pedestal onde se encontra. No ar, o apelo para sua saída do governo. Alternativas de Moro O desenrolar das apurações ditará a trajetória do ministro Moro, abrindo uma das alternativas: a) comprovação de atitudes antiéticas e consequente saída do Ministério; b) comprovação de comportamento antiético, mas permanência no Ministério sob "confiança irrestrita do presidente Bolsonaro"; c) comprovação de que não houve ilícito e arquivamento do caso e d) anulação das decisões do juiz pelo STF, caso a Corte acolha a denúncia e paute o tema. Seja qual for o desfecho, a imagem de Sérgio Moro estará arranhada. A chance de ser nomeado mais adiante para ocupar o lugar de Celso de Mello no STF perde força. Mas a tendência de que poderá habitar o planeta político em 2020 é viável. Não se deve esquecer que o ex-juiz já entrou no sistema cognitivo nacional. Bater nele significa torná-lo vítima sob a hipótese de ganhar mais relevo. E Bolsonaro, hein? Há quem aposte na ideia de que, no íntimo, o presidente Bolsonaro vibra de satisfação. Mancha sobre a imagem do até então "ícone da moral" o afastaria do páreo presidencial de 2020, deixando Bolsonaro mais à vontade. Há muito chão pela frente. Moro pode se recuperar e ganhar seu vetor de força. Se não for nomeado para o Supremo, pode, sim, vir a ser potencial candidato contra o próprio Bolsonaro. Rixa nas redes Nas redes sociais, veremos o exército de admiradores de Sérgio Moro fazendo contundente defesa de sua atuação, enquanto o exército de opositores, sob o comando do PT, trombeteará sua parcialidade e comportamento vexatório na primeira instância de Curitiba. Alternativas do procurador Quanto ao procurador, as alternativas que se apresentam são: a) apuração de sua conduta pelo Ministério Público Federal; b) afastamento do procurador da operação Lava Jato, caso seja punido. No caso de absolvição, tanto o juiz quanto o procurador se respaldarão no argumento de que as interlocuções mantidas - mesmo verdadeiras - não apontam para combinações. Ademais, frases teriam sido apartadas de seu contexto. OAB pede afastamento O Conselho Federal da OAB pede que Moro e Dallagnol se afastem de seus atuais cargos. A exaltação de Lula O maior ganho de todo o imbróglio será de Lula, cuja condição de vítima de injustiças e perseguição por parte de Moro e dos procuradores de Curitiba será propagada pelas trombetas do PT. Com a vitimização de Lula tomando os espaços da expressão petista, não se descarta a mobilização da galera das ruas. O comandante petista veria reforçada a pressão por sua liberdade. Se não for condenado em segunda instância no caso do sítio de Atibaia até setembro deste ano, ganha o direito de prisão em regime semi-aberto ou domiciliar. O PT se motiva a recomeçar a algazarra das ruas. O vazamento nos jornais O Manchetômetro, site de acompanhamento da grande mídia sobre temas de economia e política, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisou a cobertura dos três maiores jornais brasileiros na segunda e terça-feira sobre o vazamento das conversas na Lava Jato. Conduzido pelos professores Eduardo Barbarela e João Feres Junior, o estudo mostrou que a Folha de S. Paulo foi o que mais abriu espaço para o escândalo, com 33 textos: 9 críticos à Intercept, 14 críticos a Moro e 14 neutros/ambivalentes. O Estado de S. Paulo foi o mais econômico, com onze textos: três de críticas à Intercept, três críticos a Moro e cinco neutros/ambivalentes. O Globo ficou no meio, com 21 matérias: seis criticam a Intercept, dois criticam Moro e 13 são neutros/ambivalentes. Sem base O tempo corre. Já estamos quase em meados do sexto mês e o governo ainda não dispõe de uma base sólida de apoio parlamentar. O próprio líder do governo na Câmara, major Victor Hugo, reconhece que o governo poderá desistir dessa base. Teria condições de tocar sua agenda de reformas sem contar com o necessário apoio de uma grande bancada de deputados e senadores? Difícil. Para tanto, o presidente deverá insuflar sua base de simpatizantes, que fará pressão sobre o Congresso. Tarefa desafiadora e perigosa. Laércio no top Estrela ascendente no Congresso é o deputado Laércio Oliveira, empresário, presidente da Federação do Comércio de Sergipe, relator do projeto de Terceirização e um dos mais articulados parlamentares. Acaba de ingressar, mais uma vez, no prestigiado ranking da Assessoria Parlamentar (DIAP) como um dos 100 deputados mais influentes no Congresso. Previdência Este consultor não tem dúvidas: a reforma da Previdência será aprovada. Pode haver atraso na aprovação, na esteira do vaivém congressual, que escancara a desorganização do sistema de articulação do governo. Ao final, porém, veremos o bom senso prevalecer. O mercado começa a aceitar tal hipótese. O Brasil será inviável sem reforma da Previdência. E mais: veremos também ainda este ano boa fatia da reforma tributária ser aprovada. A conferir. Dupla de pilotos Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se dão as mãos pelo avanço do país. Fizeram um pacto com o fito de levar adiante o programa reformista, sem ficar aguardando os passos de caranguejo do governo. Agirão como os dois grandes pilotos das reformas. II parte Teoria e prática da política Canibalização Entende-se por canibalização o esmaecimento de um perfil de baixa visibilidade perante outros, de alta visibilidade. Canibalizar - comer, devorar, superpor, ultrapassar, esmaecer. Esse é um princípio consagrado da comunicação. O mais forte massacra o menor. O sistema cognitivo das massas acaba substituindo nomes e perfis menos visíveis por nomes e perfis mais visíveis. O discurso político Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político, uma composição entre semântica e estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. E vejam só: das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. O que não se diz, mas se vê, tem muito maior importância. Atenção para a cultura do país Na campanha presidencial da Argentina de 1999, uma peça produzida por um marqueteiro brasileiro mostrava o candidato governista, Eduardo Duhalde, cabisbaixo, e um locutor dizendo: "Você acha justo o que estão fazendo com ele"? Para a machista sociedade argentina, um candidato que se apresenta como perdedor é o retrato de uma tragédia. A peça provocou a ira implacável da mulher do candidato, Hilda. A cultura argentina não cultiva tanto a emoção quanto a brasileira. O trabalho, considerado desastroso, provocou a queda de Duhalde nas pesquisas. Foram torrados US$ 25 milhões em dois meses. A cor vermelha (curiosidade) Fatores visuais empregados, bandeiras e estandartes, são frequentemente de cor vermelha nos movimentos de caráter revolucionário. Isso se explica pela ação fisiológica excitante dessa cor que atua mesmo sobre certos animais, os touros, por exemplo. De Felice cita um caso ocorrido em uma fábrica de produtos fotográficos, onde os operários que trabalhavam constantemente com luz vermelha eram excitados, facilmente irritadiços; mudou-se a luz para verde e a irritação desapareceu. É também possível que "a visão do sangue seja evocada em alguns pela cor vermelha intensa e desperte neles impulsos bestiais que a censura social tinha recalcado e que os predispõem a entregar-se a atos de violência". (Thackhotine em Mistificação das Massas pela Propaganda Política) A rede de Cícero O estadista romano Cícero era da nobreza inferior e tinha poucas chances de poder, a não ser que conseguisse abrir espaço entre os aristocratas que controlavam a cidade. Ele fez isso com brilhantismo, identificando todas as pessoas influentes e descobrindo as conexões entre elas. Ele se misturava por toda parte, conhecia todo mundo, e tinha uma rede de conexões tão vasta que um inimigo aqui poderia facilmente ser contrabalançado por um aliado ali.  
quarta-feira, 5 de junho de 2019

Porandubas nº 623

Abro a coluna com Arandu, cidade do Estado de São Paulo, que começou sua história como pequeno povoado no bairro do Barreiro, no município de Avaré. Emprego pro plural Em 1898, um pedaço de uma fazenda leiteira da região foi doado para a construção de uma capela. Elevado a distrito de Avaré/SP, em 1944, Arandu ganhou a atual denominação. Em 1964, conquistou a emancipação política. No primeiro comício, os candidatos a prefeito exibiam seus verbos. Dentre eles, o simplório José Ferezin. Subiu ao palanque e mandou brasa: - "Povo de Arandu, vô botá água encanada, asfaltá as rua, iluminá as praça, dá mantimento nas escola...". Ao lado, um assessor cochichou: - "Zé, emprega o plural". O palanqueiro emendou na lata: - "Vô dá emprego pro prural, pro pai do prural e pra mãe do prural, pois no meu governo não terá desemprego". (Historinha enviada por Marcio Assis) Escolha pelo credo O Supremo Tribunal Federal é nossa mais alta Corte Judiciária. Deve ser ocupada por nomes de grande relevo, juízes com renomada sabedoria, conhecimento do Direito, conduta ilibada, sentido de imparcialidade/independência, entre outros atributos. Ser escolhido para integrar essa Corte por ser evangélico, sob o argumento de que a pauta que ali se julga fere interesses de credos e religiões, é desconsiderar a grandeza dos que ali trabalham e, ainda, nivelar por baixo a Casa que interpreta a Constituição. A meritocracia, que deve inspirar as escolhas, é desprezada. Um evangélico para o STF Ao chamar a atenção, em mais de uma oportunidade, para a nomeação de um evangélico para o Supremo, o presidente Jair Bolsonaro exibe por inteiro a índole de um governante que não se deu conta da liturgia do cargo, da expressão equilibrada que deve guiar as falas presidenciais e, ainda, a crítica que dispara contra o atual corpo da Casa. Bolsonaro quer um evangélico para cobrar seu voto sobre a pauta da homofobia e outros temas de fundo conservador. É uma visão muito capenga para quem exerce o cargo mais alto da Nação. O Estado laico Mais: ao sugerir que falta um evangélico no STF, o presidente da República insere o credo religioso no rol de virtudes que devem balizar o comportamento de magistrados. Ora, o Estado é laico. As coisas da Igreja não devem se misturar às coisas do Estado. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus. É evidente que um evangélico pode fazer parte de qualquer instituição, incluindo a presidência de um país. Mas essa condição não pode e não deve se impor a outros valores. A sapiência do magistrado, sua honradez, sua moral, estão acima de qualquer outra virtude. Voo curto Os governos do Brasil, faz tempo, têm administrado o território à base das circunstâncias e dos momentos. Economia capengando, busca-se o remédio apropriado para vitalizá-la; bolso vazio, procura-se usar fontes de recursos, jogando dinheiro para suprir as demandas mais elementares das populações - alimento, transporte, vestiário, mobilidade, saúde, educação, etc. É o que se está vendo, por exemplo, nesse uso prometido do FGTS e do PIS/PASEP para alavancar o consumo e reanimar a economia. Esses fundos, isolados, dariam apenas um sobrefôlego passageiro aos consumidores. Para usar a imagem da galinha: o voo seria curto. Alguns metros. Outras medidas se fazem essenciais. Projeto para o país Os governos têm pecado em não produzir planos de longo prazo. O governo JK tinha um plano quinquenal. E propagou o lema: 50 anos em 5. Depois de JK, os projetos de longo alcance não apareceram. Jânio nem chegou a pensar no tema. Renunciou. Jango governou de maneira casuística. Os anos de ditadura tentaram criar uma doutrina desenvolvimentista, com ênfase nas telecomunicações, setores químico/petroquímico, energia etc. O Brasil ganhou sua infraestrutura. Já o governo Sarney foi um ciclo experimentalista na área da moeda. Collor apareceu com ímpeto para a abertura comercial. Mas a era tucana FHC e o período petista viram planos pontuais. Pacto dos poderes? Sob essa realidade - o Brasil governado ponto a ponto, com remédios aplicados às intempéries dos momentos -, chegamos aos nossos dias. E nos defrontamos com esse pacote mal embrulhado de Pacto do Brasil, envolvendo os Três Poderes. Trata-se de improviso para tampar as feridas que hoje escancaram as relações tempestuosas entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O que é isso? Pacto como compromisso de cada ente ajudar a tirar o país do buraco? O que a mais alta Corte, o STF, pode oferecer, se ali batem os enfrentamentos entre Executivo e Legislativo, tendo também funções de poder moderador? Por falta de um planejamento de longo prazo, o Executivo chama o Legislativo para formar o Pacto. Oferecendo o que? O Legislativo, por seu lado, não vai endossar as pautas provindas do Executivo. Então, como se assegura esse Pacto? Ouvimos um discurso etéreo feito dentro de um castelo de areia. Hobbes A máxima de Hobbes: "Os pactos sem a espada não passam de palavras". Pactos pela governabilidade sem o apoio de partidos não passam de intenções. Nova CNH O presidente Bolsonaro enviou à Câmara projeto de lei que altera pontos no Código de Trânsito. Dobra o número de pontos para a suspensão da CNH de 20 para 40. E duplica a validade do documento, passando para dez anos. "Enquanto estamos num Seminário sobre Reforma da Previdência, o presidente vem à Câmara apresentar PL que trata de aumentar pontos na carteira de maus motoristas", queixou-se Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial da reforma da Previdência. A organicidade social A organicidade no Brasil é um fenômeno que merece ser estudado. Nos últimos anos, criou-se uma miríade de organizações - associações, núcleos, movimentos de gêneros, etnias, raças - que se somaram a sindicatos, federações, confederações, etc. E assim as categorias profissionais viram, ao seu lado, o aparecimento de outras alavancas de movimentação social. Essa moldura de organização passou a ser, então, povoada por novos polos de poder. Um grande movimento Esses polos de poder, por sua vez, passam a ser prestigiados pela sociedade, que se mostra indignada e descrente da representação política. Essa é a nova feição da sociedade brasileira, que, mais cedo ou mais tarde, tende a agrupar setores e movimentos em torno de uma poderosíssima entidade, que será a locomotiva a puxar os carros do trem. Cada carro cheio de turmas, grupos e formações profissionais. Nova governança Os entes federativos perderam força e fôlego para suportar as intempéries que têm caído no território. Daí buscarem uma modelagem de governança, que inclui, por exemplo, os consórcios. Trata-se de uma maneira de expandirem força e capacidade de articulação junto aos Poderes, a partir de pressão sobre o Executivo. A parceria ocupa lugar central na gestão pública. Consórcios Estão criados os seguintes consórcios - Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central: Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins. Consórcio Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Consórcio Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e Consórcio de Integração Sul Sudeste: Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. II parte Ciência política A democracia A democracia surge em Atenas por volta de 510 a. C. através de Clístenes, o "Pai da Democracia", que liderou uma revolta contra o último tirano grego, Hípias, que governou entre 527 a.C. e 510 a.C. Atenas foi dividida em 10 unidades denominadas chamadas "demos", que era o elemento principal dessa reforma e, por esse motivo, o novo regime passou a se chamar "demokratia". A cidade possuía uma democracia direta, onde todos os cidadãos atenienses participavam diretamente das questões políticas da polis. O ostracismo Clístenes iniciou reformas de ordem política e social que resultariam na consolidação da democracia ateniense. Como forma de garantir o processo democrático na cidade, adotou o "ostracismo". Explicando: quando os cidadãos fizessem ameaças ao regime democrático sofreriam um exílio de 10 anos, o que impediu a proliferação de tiranos no governo grego. A pior gestão Carlos Matus, cientista político chileno, ensina: "A pior gestão política é aquela que consome o capital político do governante sem alcançar os resultados anunciados e perseguidos, e isso pode ocorrer por um mau manejo técnico. A pior gestão técnica ocorre porque não se medem os custos políticos. Além de certos limites, o desgaste do vetor de força do ator acaba com a possibilidade de completar o projeto técnico. O plano fica na metade do caminho. Nesse momento, o ator deve retroceder depois de ter consumido, inabilmente, o capital político que dava apoio ao projeto técnico". Três barbáries Não alcança o objetivo técnico e perde sua força política. Esses erros infantis cometidos por adultos têm três causas: a) a barbárie política; b) a barbárie tecnocrática; e c) a barbárie gerencial. A barbárie política, típica do populismo vulgar, consiste em desprezar a eficácia política e ignorar os problemas econômicos e gerenciais para dar benefícios econômicos e favores políticos imediatos, e que amanhã criarão uma crise política por esgotamento da base econômica e organizacional da gestão política. A barbárie tecnocrática, própria da incultura das especialidades, consiste em ignorar a eficácia econômica ou a eficácia tecnogerencial, ignorar o problema político e incorrer hoje em custos políticos que amanhã levarão a uma crise econômica por esgotamento da base política da gestão econômica. A barbárie gerencial, associada aos dois vícios anteriores, consiste em ignorar a eficiência e a eficácia organizacional como elementos complementares básicos do manejo político e econômico.  
quarta-feira, 29 de maio de 2019

Porandubas nº 622

Abro a coluna com um "causo" de Minas Gerais. Pleonasmo Político esperto e simplório, Benedito Valadares era governador de Minas Gerais quando encontrou na ante-sala de Getúlio Vargas, no Rio, o ministro da Educação, Gustavo Capanema, que estranhou seus óculos escuros. - É uma conjuntivite nos olhos - explicou Valadares. - Benedito, isso é um pleonasmo! - reagiu o ministro, professoral. Valadares ignorou a observação e entrou para falar com Vargas. O presidente também estranhou os óculos escuros. Ele reagiu: - Presidente, o médico lá em Minas disse que era uma conjuntivite nos olhos, mas o Capanema, que quer ser mais sabido que os médicos, me disse que é um pleonasmo! Getúlio gargalha e diz: - Em minha modesta interpretação penso que Valadares está certo, existe outro lugar para dar conjuntivite, a não ser nos olhos? O jogo político As manifestações do dia 26 mostraram que o presidente Jair Bolsonaro dispõe de razoável arsenal para lutar na arena política. Foram significativas. Não do tamanho das manifestações do dia 15, em defesa de recursos para a Educação, mas na proporção adequada para inferir que o capitão dispõe de forte vetor de peso. A questão é: fica claro que Bolsonaro continua a fustigar a classe política, onde se exercem "velhas práticas". Terá condições de viabilizar suas intenções - afastar a velha política, evitar o toma lá dá cá, o fisiologismo, enfim, os costumes consolidados pelo nosso presidencialismo de coalizão? Atenção, governantes: concentrem-se no que é importante Quatro tipos de viabilidade Por viabilidade, entenda-se a propriedade de existir, sobreviver, ser possível e preencher condições de se realizar uma ação, um plano, uma política ou a maneira de governar. Pergunta-se: o presidente tem condições de "construir viabilidade", tornando possível a prática de seu pensamento? A teoria política aponta quatro causas que podem inviabilizar uma operação: a) viabilidade política; b) viabilidade econômica; c) viabilidade cognitiva e d) viabilidade organizativa. Expliquemos. Conceitos No caso do governo Bolsonaro, a viabilidade política deve ser entendida como a capacidade de agregar uma quantidade de parlamentares que se comprometam a aceitar e decidir sobre a matéria em pauta na agenda, por exemplo, a reforma da Previdência. Por viabilidade econômica, entenda-se a possibilidade de mostrar/demonstrar a necessidade de o país fazer a reforma previdenciária por motivos econômicos - demonstração de números e contas. Por viabilidade cognitiva, entenda-se o conhecimento e a acessibilidade a todos os pontos e questões relativas à reforma. Enquanto a viabilidade organizativa diz respeito ao conjunto de meios e instrumentos - ministros, articulação política, ou seja, a força colaborativa que pode influir para fazer tramitar a ideia de maneira rápida, criativa e eficaz ou lenta e dispersa. Essas viabilidades devem ser trabalhadas de maneira ajustada, evitando dispersão de esforços. Atenção: "Não abandonem o objetivo exceto quando o objetivo é deixar de vigorar. O entorno militar O presidente reúne ao seu redor apreciável conjunto de generais e outras patentes, todos com conhecimento avançado de teoria de guerra, que pode ser transportada para a política. Portanto, conceitos como estratégia, tática, metas e objetivos, meios e instrumentos, análise de viabilidades - tudo isso é do conhecimento do entorno presidencial. Mas, por que há tanta dispersão, tanta desorganização? Pela índole do capitão, que diz e desdiz, avança e recua, dá uma no cravo e outra na ferradura, desestabilizando os agentes da política e seus próprios assessores. Atenção: "Mantenham a direcionalidade do objetivo, ainda que seja necessário adaptá-lo às circunstâncias". Risco O risco que ameaça o presidente Bolsonaro é o de constatar que sua decisão de governar sem o efetivo engajamento do corpo parlamentar é inviável na prática. Pagará o custo da inviabilidade, aumentando a fricção de seu governo e expandindo as taxas de polarização social. As ruas, mais cedo ou mais tarde, querem ver resultados. Sem estes, tendem a escassear apoio. O presidente precisa não apenas ter boas cartas no baralho. Precisa, sobretudo, saber jogar bem. Urge descobrir o máximo que pode ser feito para alcançar a eficácia. Atenção: "Pensem com a cabeça e arremetam com o coração, evitando a síndrome do touro, que faz exatamente o contrário". Até onde irá? Outra pergunta circula insistente: até onde Jair Bolsonaro irá em sua fricção quase cotidiana com a esfera política? Lembrem-se de Jânio. Renunciou e esperou que as massas nas ruas pedissem sua volta. Dançou. Olhem para Collor. Esnobou o Congresso. Dançou. Olhem para Dilma. Desprezou os políticos. Foi mandada embora. Que Bolsonaro não pense que poderá contar, todo tempo, com os gritos entusiásticos de simpatizantes. Já se observam rachas entre eles. O prestígio presidencial será sempre elevado em início de gestão, mas se o governo não apresentar bons resultados, os bolsos dos consumidores esvaziados ditarão o afastamento gradativo das correntes governistas. Atenção: "Escolham, entre as estratégias consistentes com o objetivo, a que implique em menor esforço". A essencialidade de Maia Rodrigo Maia foi um dos protagonistas atacados nas manifestações de domingo passado. Ora, Maia é essencial para que o país avance no caminho das reformas. Sem ele, a agenda da Câmara não andará. O presidente joga loas em sua direção, mas acaba tecendo críticas a ele. Hoje, tem-se a informação de que Rodrigo e Guedes estão juntos na canoa das reformas. Isso parece desgostar os Bolsonaros, pai e filhos. Ciumeira besta. A reforma da Previdência caminhará mesmo com as insanidades e observações negativas expressas pelo mandatário-mor. Atenção: "Vejam-se com os olhos do adversário, para descobrir a trajetória de menor expectativa a partir da perspectiva situacional dele". Polarização extremada Todos perdem com a polarização extremada que racha a sociedade. São claras as divisões sociais, demonstrando que o apartheid social, tão impulsionado na era lulopetista, continua vivo e, mais que isso, jorrando bílis. O destempero linguístico chega ao clímax. As redes sociais se transformam em fortalezas de ataque e defesa. O presidente dá corda aos seus exércitos, recriminando posturas de grupos, alimentando a discórdia. A mídia, para ele, é mentirosa. E ao incentivar nas redes as tubas de ressonância que lhe são favoráveis, renova os arsenais com um grito de guerra permanente. Assim, o país deixa escorrer pelo ralo parcela de sua energia cívica. Atenção: "Não superutilizem o poder, nem angariem adversários desnecessariamente, façam uso racional dos recursos econômicos, protejam todos os recursos escassos". Mais um pacto Pacto é algo desgastado por essas bandas. Por isso, qualquer tentativa nessa área é vista com desconfiança. Mas o Executivo decidiu firmar um pacto com o Legislativo e com o Judiciário (STF) sob o compromisso de "entendimento e metas". O argumento é o que o Pacto é uma resposta aos anseios da sociedade. Uma resposta aos protestos. Se é mais uma boa intenção de seguir com as reformas - Previdência, Tributária, Segurança Pública etc. -, tudo bem. Uma espécie de abraço amigo entre os presidentes dos Três Poderes. Mas as idas e vindas de Bolsonaro podem atrapalhar. Acarinha Rodrigo Maia, em um dia, e no outro, dá uma estocada. P.S. Maia diz que só assinará 'pacto' com aval dos líderes da Câmara Reformas passarão Não há dúvida: as reformas passarão, cada uma a seu tempo. O que pode ocorrer, na esteira das provocações presidenciais, é um prazo mais alongado para sua aprovação. É provável que a Previdência chegue à decisão parlamentar em agosto. E é também razoável a hipótese de contarmos com uma reforma tributária lá para os meados do segundo semestre. Atenção: "Cada plano de campanha deve ter vários ramos e alternativas e deve ser tão bem concebido que pelo menos um deles não deixe de ter êxito". PIB curto A sensação de idas e vindas, avanços e recuos tem contribuído para desanimar o empresariado. No início do ano, os sentimentos eram bem mais positivos. O governo, porém, não tem conseguido injetar ânimo. A economia não dá sinais de revitalização. O PIB estimado para este ano gira em torno de 1,23%. O desemprego já atinge 13,4 milhões de brasileiros, e os subempregados chegam a 29 milhões. Duas palavras que começam a aparecer com insistência: estagnação e depressão. É possível que a animação volte aos setores produtivos com a aprovação mais adiante de reformas? Atenção: "Não esqueçam o óbvio, embora seja coisa simples, como Colombo fez ao pôr um ovo em posição vertical". Eficiência e eficácia No time da Feira do Pau, 11 jogadores pernas de pau (incluindo o goleiro). Jogadas estrambóticas, falta de entrosamento, jogadores correndo de um lado para outro, sem coordenação ou visão de campo. De repente, Batistão, de quase dois metros de altura, entra como um furacão na grande área e, de cabeça, faz gol do escanteio batido por Careca. No time adversário do vizinho Imbé, 11 craques. Jogadas bonitas, dribles sensacionais, meio de campo dando um show e armando grandes lances. Mas ninguém consegue fazer gol. A diferença entre um time e outro é a que existe entre eficácia e eficiência. Feira do Pau foi eficaz, Imbé, eficiente. Alexandre e o nó górdio O oráculo prognosticou: aquele que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram e fracassaram. Desafiaram Alexandre Magno. Que tinha duas opções: desfazer o nó, e cortá-lo com a espada. Não teve dúvidas. Optou pela via mais criativa e segura: cortá-lo. Até porque fez uma avaliação e pensou que poderia falhar se escolhesse a opção de desatar o nó. O estrategista é capaz de imaginar diversas possibilidades além da que parece obvia por ser a mais transparente. (Carlos Matus)  
quarta-feira, 22 de maio de 2019

Porandubas nº 621

Nesses tempos em que o nome de Deus é invocado em vão, abro a coluna com o senhor dos Céus. Eu e Deus O "causo" ocorreu em Conchas/SP. Era a audiência de um processo - requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso para um senhor alto, velho, magro, negro, humilde e muito simpático, tipo folclórico da cidade. Antes da audiência, o advogado lembrou ao seu cliente para afirmar perante o juiz morar sozinho e não ter renda para manter a subsistência. Nisso residiria o sucesso da causa. Na audiência, veio a pergunta: - O senhor mora sozinho? - Não! Respondeu ele (o advogado sentiu que a coisa ia degringolar). - Hum, não? Então, com quem o senhor mora? - Eu e Deus, respondeu o matreiro velhinho. O advogado tomou um baita susto. Mas a causa foi ganha. O juiz considerou procedente a ação. (Historinha enviada por Éder Caram e contada pelo pai dele). O Deus de Franco Pois é. Os governantes de todos os quadrantes não raro costumam escolher Deus como escudo. A história está pontilhada de referências a Deus. Em seus 40 anos de reinado, o ditador general Franco, "Caudillo da Espanha pela Graça de Deus" referia-se frequentemente à Providência Divina, conforme passagens de seus discursos, como esta de 1937: "Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos". Os estatutos da Falange Espanhola o declaram "responsável perante Deus e perante a história". Lembrete: a Falange Espanhola, criada em 1933 por José Antônio Primo de Rivera, foi um movimento e um partido político inspirado no fascismo. Reis e o Direito Divino As ideias que justificam a autoridade e a legitimidade de um monarca se originam no direito divino. A doutrina do direito divino sustenta que um rei deriva seu direito de governar da vontade divina, e não de qualquer autoridade temporal, nem mesmo da vontade de seus súditos. Hassan II, no Marrocos, se declarava descendente do profeta Maomé. Dizia: "não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro de uma dinastia, a uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé". Da mesma forma, o rei Khaled da Árábia Saudita se apresenta como defensor da lei e da tradição, fundamentando seu poder no direito divino. Hirohito Hirohito, imperador do Japão de 1926 até sua morte, também era visto como uma divindade pelos japoneses. Criou esta fama, não só por ter uma realidade distante da população que viveu guerras e mortes, mas também por construir uma aura divina. Ele nunca aparecia com roupas normais, sempre estava vestido com vestimentas dignas de um "imperador divino e perfeito", como um deus que os japoneses acreditavam ser descendente da deusa do sol, Amaterasu. Idi Amin O marechal Idi Amin Dada, ditador de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus, em sonhos, uma espécie de aval concedido a seus atos. Certo dia, um esperto jornalista joga a pergunta: "o senhor conversa com frequência com Deus"? O cara de pau marechal: "só quando necessário". Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: "o infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal". Deus na moeda Os americanos têm gravado em sua moeda o lema: In God We Trust (Em Deus Confiamos). Foi designado por um ato do Congresso em 1956. Já no Brasil, no início dos anos 80, a população era de cerca de 120 milhões de pessoas. Dessas, 89% pertenciam à religião católica. Apenas 1,6% das pessoas se diziam sem religião, 6,6% eram evangélicas e 3,1% se identificavam com outras crenças. O país tinha acabado de adotar o cruzado, e o então presidente da República, José Sarney, solicitou ao Banco Central imprimir a expressão na nova moeda. Sarney tomou como base outros modelos, como o dos EUA, e ordenou que nossas cédulas passassem a conter: "Deus seja louvado". Bolsonaro, o enviado E agora surge nos céus da divindade Jair Bolsonaro. O nosso Messias, que viu a fala de um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda: "Na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo quando falam do imperador da pérsia Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: 'Eu escolho meu sérvio Ciro'. E senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil. Você querendo ou não". Assim o pastor congolês falou em vídeo. E o que faz o nosso presidente? Insere o vídeo nas redes sociais. Arrematando: "não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na política e quem deve ditar os rumos do país é o povo. Assim são as democracias". O dono do lema coroa a ideia: "Brasil acima de tudo; Deus acima de todos". Deus, Jesus, Cristo Em 2019, de cada 100 tuítes postados com a palavra Bolsonaro, quatro traziam citações a Deus, Jesus ou Cristo. Entre os mais citados também apareceu Satanás, como fez questão de mencionar, em sua postagem de 13 de março, o usuário do Twitter Beto Silva. "Satanás e seus asseclas amam a mentira. O problema é que a mentira nunca prevalece sobre a verdade. Resumindo: eles continuarão fracassando e Bolsonaro continuará cavalgando no lombo deles". Macedo apela O bispo da Igreja Universal, Edir Macedo, pede que Deus 'remova' quem se opõe a Bolsonaro. E acusou políticos de tentarem "impedir o presidente de fazer um excelente governo". Disse ainda que Marcelo Crivella enfrenta "impeachment do inferno". O próprio culto O fato é que os governantes em países atrasados culturalmente (e até em mais desenvolvidos) costumam organizar seu próprio culto. E agem para que a imprensa cultive uma imagem que geralmente é a combinação de facetas: herói, salvador da pátria, guerreiro, super-homem, pai dos pobres e até Enviado dos Céus. Nietzsche já alertava contra essa esperteza: Dizia ele: "o super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus". Símbolo de veneração O duce Mussolini e o führer Hitler tentavam criar uma divindade substituta. O culto à personalidade fazia parte da liturgia. Lênin continua exposto à veneração pública em seu esquife de vidro. Já Stalin ganhou, por ocasião de sua morte, uma "canção" que realçava grandeza super-humana: ó tu, Stalin, grande chefe dos povos, que fizeste nascer o homem, que fecundas a terra, que rejuvenesces os séculos, que teces a primavera, que fazes cantar a lira...Sem esquecer o "camarada" Mao. (Badalação sem tamanho). A onda direitista Essa tendência de se ver como "o iluminado" tem sido mais forte na paisagem direitista que, nos últimos anos, cobre importantes espaços do planeta, inclusive Nações culturalmente avançadas. Emerge em muitos países uma retórica direitista, com viés populista, que tende a jogar a imprensa no canto do ringue. Listemos alguns países onde essa retórica se apresenta: Hungria, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, Filipinas, Turquia e, claro, os Estados Unidos de Donald Trump. O papel da imprensa Diante dos atores que vestem "o manto de protetor da Nação", (acima descritos), como se enxerga a imprensa? Qual seu papel? Ora, a imprensa é o esteio da liberdade de expressão. Liberdade que pertence ao povo, não aos governantes. Se a imprensa faz críticas, cobranças, apontamentos, conforme seu traçado nos sistemas democráticos, ela é vista como "a voz do demônio", a porta-voz de adversários políticos, a tribuna dos perdedores. Freios e contrapesos No Brasil, podemos analisar o papel da imprensa sob a ótica da crise em que o país vive. Crise que desmantela até o sistema de freios e contrapesos (check and balance system), o mecanismo arquitetado pelo barão de Montesquieu para conter os abusos de um poder sobre outro - Executivo, Legislativo e Judiciário. A crise que corrói o sistema político estiola a força dos Poderes e instituições, desnivelando a estrutura de poder. Vemos o Executivo perdendo força e não conseguindo levar adiante seus programas. Vemos um Judiciário perdendo credibilidade, a ponto de alguns de seus protagonistas passarem a frequentar o dicionário de imprecações das ruas. Já o Poder Legislativo, por falta de habilidade do Executivo, reforça poderio com a criação de uma agenda própria. Ganha força. Sucursais do inferno As críticas da imprensa aos Poderes constitucionais acionam mecanismos de defesa por parte de seus protagonistas, cada qual passando a enxergar a mídia como adversária. Esse posicionamento é mais crítico por parte do Poder Executivo. Os governantes não aceitam que jornais, revistas, rádio e TV exerçam as funções clássicas de promover a integração social por meio de sua carga informativa, não aceitam que sejam vigilantes dos governos e poderes públicos, não aceitam que façam cobranças. E menos ainda que abram espaços para os movimentos sociais. A crise da imprensa É verdade que a imprensa também perdeu poder nas últimas décadas, na esteira da crise que assola as democracias representativas. Essa crise abriga o declínio das ideologias, a desmontagem dos partidos, o arrefecimento das bases, o declínio das oposições, a perda de força dos Parlamentos, entre outros fatores. A imprensa sofre os efeitos da crise econômica que solapa grandes grupos de mídia, em função dos impactos causados pelas novas tecnologias - as redes sociais - e pela remodelagem dos modelos de comunicação. Fontes e canais Como é sabido, os governantes passaram a ser fontes de comunicação e eles mesmos assumem a condição de distribuidores de mensagens, com canais próprios nas redes. Os consumidores se veem, agora, sendo alvo de um bombardeio informativo e, ainda, de notícias falsas, que as mídias tradicionais não conseguem substituir. Menos recursos Os volumosos investimentos publicitários deixaram de ser distribuídos aos grupos de comunicação. A crise financeira derruba pilastras importantes do edifício da comunicação. Milhares de empregos deixam de existir. A massificação informativa via internet cria novas levas de consumidores, eles mesmos sendo receptores e fontes de comunicação. Interessante é observar que o funil da comunicação passa a ter sua entrada quase com a mesma largura da saída. Ou seja, as portas de entrada e de saída das mensagens passam a abrigar quantidades quase idênticas de transmissores e receptores de informação. O jornalismo de opinião Assiste-se a uma monumental expansão do juízo de valor sobre os fatos do cotidiano. O "achismo" inunda o mercado. Expande-se a rede de influenciadores, colunistas, intérpretes e quadros de opinião em detrimento da informação socialmente significativa. Os grupos de imprensa tornam-se alvos da crítica social. Parcela ponderável do poderio da imprensa clássica entra nas mãos de grupos financeiros/investidores do mercado. A comunicação institucional A sociedade atravessa um ciclo de densa organicidade. Multiplica-se a teia de associações, movimentos, núcleos, grupos e organizações de toda espécie, que criam sistemas e estruturas próprias de comunicação - assessorias, consultorias, agências e grupos independentes. A par dessa visão compartimentada da sociedade, os Poderes constituídos - Executivo, Legislativo e Judiciário - também organizam, há muito tempo, operações próprias de comunicação (com sistemas de rádio e TV, equipes profissionalizadas, etc.) Assim, a carga informativo-analítica da mídia tradicional torna-se menor. Amplia-se consideravelmente o universo de receptores de mensagens institucionais, originadas nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em todas as três esferas: Federal, estadual e municipal. Parcela dos profissionais da grande imprensa migra para as estruturas de comunicação institucional. Impactos e efeitos Os impactos dessa realidade começam a ser medidos, a partir da cultura de absorção de informação por parte de nossa sociedade virtual. Entre os efeitos, podemos anotar: - perda de credibilidade na informação (abundancia de fake news) - perda de qualidade informativa - ingresso de "exércitos" dispostos a integrar a "guerra da informação e da contra-informação" - formação e expansão do apartheid social por meio da guerra expressiva; polarização discursiva - Enfraquecimento financeiro dos grupos tradicionais de comunicação - Desemprego em massa de jornalistas -Incremento de mensagens falsas que chegam aos grupamentos sociais - Reformulação do modelo clássico de comunicação - Fortalecimento da "individualidade" - Expansão do Estado-Espetáculo: olimpianos da cultura de massa; criação de mitos - Negação dos "perfis tradicionais" da velha política. Controle No meio desse turbilhão, o brasileiro que se acha escolhido de Deus investe contra a imprensa e tenta criar a sua própria realidade. Talvez não perceba que só os seus mais fanáticos seguidores acreditam que ele é emissário dos Céus. P.S. Luiz Inácio, em 2005, até que tentou criar um Conselho Federal de Jornalismo. Objetivo: "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão e a atividade do jornalismo".  
quarta-feira, 15 de maio de 2019

Porandubas nº 620

Abro a coluna com duas historinhas do Paraná contadas por Sebastião Nery. Na latitude Pedro Liberty, vendedor de loteria, elegeu-se deputado estadual pelo PTB. Foi à tribuna fazer um discurso contra o prefeito de Curitiba: - As ruas estão esburacadas, sem luz, e, à noite, os cachorros soltos, numa latitude que não deixa ninguém dormir. Xaxixo Antônio Constâncio de Souza, deputado pelo PSP, pediu um aparte a Armando de Queiroz, líder de Ney Braga na Assembleia. - Não dou o aparte, não. V. Exa. não está à altura de participar dos debates. V. Exa. não é capaz de citar uma palavra com 3 x. - Sou, sim. Xaxixo. Queria dizer salsicha. Nuvens pesadas Os tempos estão sob nuvens plúmbeas, pesadas. Sinais de povo nas ruas começam a surgir aqui e ali. Hoje, quarta, é o Dia D. Vamos observar adensamento ou estreiteza da movimentação. O governo tem sido inábil em tratar da matéria educacional. Mais uma pisada de bola O anúncio do presidente Bolsonaro de que Sérgio Moro será indicado para o STF quando abrir a vaga de Celso de Mello, o decano da Corte, é mais um tiro no pé. Certamente Bolsonaro comete um gesto de deferência ao ministro da Justiça, tentando animá-lo e segurá-lo no governo no momento em que Moro viu a passagem do COAF para a Economia, saindo de sua Pasta. A derrota na Comissão que analisa a reforma administrativa foi algo que desagradou profundamente o ministro. Mas haverá votação pelo plenário da Câmara. É possível que ele mantenha o COAF sob sua égide. Fritura O anúncio foi ultra precipitado. Afinal, a aposentadoria de Celso de Mello se dará em novembro, quando completará 75 anos. Passar esse tempo todo sob a guarida de uma promessa é algo inconveniente. A fritura vem naturalmente. Ainda mais quando a indicação deve passar pelo crivo do Senado. Mas o migalhas.com.br lembra: "Mas o veto do Senado não é tradição: dos quase 300 ministros que ocuparam cadeiras na mais alta Corte do país, apenas cinco foram vetados pelo Legislativo - e isso faz mais de século. Os vetos a Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demósthenes da Silveira Lobo se deram todos durante o governo Floriano Peixoto (1891 a 1894)". Alvo O ministro poderá colher novas derrotas. E se desgastar. Mas é possível que seja blindado pela bancada do PSL e outros apoios. Ocorre que o aviso muito antecipado da nomeação deixa Sérgio Moro ao relento, sofrendo chuvas e trovoadas. Será que o presidente Bolsonaro não pensou nisso? Quem o teria aconselhado a jogar Moro na fogueira? Sabe-se que a esfera política não vai muito com a cara dele. "Não estabeleci nenhuma condição para assumir o Ministério", garante Moro. Estagnada A economia está estagnada. As análises do mercado financeiro apontam para um crescimento em torno de 1%. O desemprego tende a ficar nos mesmos altos índices ou até a aumentar. A desconfiança dos setores produtivos corre como faísca nas roças da economia. Esperava-se um surto de esperança e de novas energias com a eleição do capitão. Passados quatro meses de governo, o país continua travado. Bolsonaro alimentou a crise que cerca a administração. As querelas internas, a interferência dos filhos na administração, a influência do horoscopista da Virgínia (EUA) sobre o governo, a improvisação que toma conta do governo, o evidente despreparo de ministros - formam o caldo insosso oferecido à sociedade. A lua de mel terminou. Nova recessão? "Cheiro de recessão"? É o que sente a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Ou "possível recessão técnica", segundo o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. Zeina enxerga sinais mais preocupantes vindos da indústria, cuja produção recuou 2,2% no primeiro trimestre deste ano. "A indústria geralmente é o abre-alas da crise. Em 2011, já dava sinais da recessão que estava por vir (em 2015 e 2016). Se ela estiver estagnada mesmo, vai puxar o setor de serviços, que é muito dependente dela". Dia das Mães O Dia das Mães deste ano contou com mais consumidores nas lojas do que o do ano passado. O volume de vendas, porém, deixou a desejar, aponta a FX Retail Analytics, empresa de monitoramento de fluxo para o varejo. Entre 22 de abril e 5 de maio, o fluxo de consumidores foi 2,2% maior em relação à quinzena semelhante de 2018. O valor faturado pelas lojas caiu 8,1%. Só 1% O Itaú prevê que a economia brasileira crescerá apenas 1% em 2019, menos que o avanço de 1,1% registrado em 2018. Na semana passada, o Bradesco já havia cortado sua estimativa para 1,1%, consolidando a expectativa de que a economia terá mais um ano perdido. A projeção anterior, divulgada há um mês pelo Itaú, era de avanço de 1,3%. Além disso, o banco cortou a projeção para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2020 de 2,5% para 2%. O ciclo de protestos O governo oferece a razão para a volta dos ciclos de protestos. O desastrado ministro da Educação, conhecido por atuar no mercado financeiro, cometeu uma coleção de impropriedades. Para não dizer besteiras. Pois foi isso que disse ao se referir às universidades públicas e aos "distúrbios" que promovem, ao avisar sobre o corte de recursos, ao atestar a inocuidade de cursos de Filosofia e Sociologia. Recebeu, em troca, uma saraivada de críticas. Bolsonaro dá apoio às bobagens repetidas. 30% por 3,5% E até comeu chocolate por ocasião da presepada que o ministro aprontou, quando espalhou 100 chocolates sobre a mesa, separou três e cortou um ao meio (deu a metade ao presidente, que o degustou), terminando com a prosaica analogia: ele iria tirar apenas 3,5 chocolates do total de 100, ou seja, 3,5% dos recursos da Educação. Para serem restituídos no final do ano. Erro crasso: 30% é a cifra exata dos recursos contingenciados e não 3,5%. Apupos gerais. Os protestos começam ao redor dele. Governo menor E assim, de erro a erro, o governo tem aumentado seu ICE - Índice de Coisas Estabanadas, como essa fala da ministra dos Direitos Humanos: "a FUNAI tem de ficar com mamãe Damares, não com papai Moro". Trata-se da "infantilização" da linguagem. A sensação de um governo menor deriva do fato de coisas erráticas: passagem da COAF da Justiça para a Economia, FUNAI em negociação; política industrial saindo da Economia para Ministério da Tecnologia, renascimento de ministérios. Percepção Cresce a percepção de que a identidade do governo é baixa em relação à altura do Brasil. É como se o país medisse um metro de altura e a administração Bolsonaro apenas uns poucos centímetros. Falta muito governo para cobrir o real tamanho do nosso território continental. Sobra improvisação. O capitão não está efetivamente preparado para entender a complexidade do país. Os generais em seu entorno agem como "poder moderador". São preparados. Estão sob tiroteio do horoscopista da Virgínia (EUA) e dos filhos do presidente. A bola de neve Os apoiadores de Bolsonaro continuam atirando contra adversários nas redes sociais. Mas sua força decresce. Muitos estão recolhendo os apetrechos de guerra. Uma bola de neve se forma, a partir do centro social, expandindo-se à medida que o governo não apresenta resultados positivos sob a economia estagnada, e tende a chegar até às margens. Rincões intensamente bolsonaristas começam a sinalizar contrariedade. O que impressiona é a rapidez do desgaste da imagem governamental. Os furos e coisas estabanadas de alguns gestores são em parte responsáveis pelo rombo no costado. A China como parceira A China é o destino de governantes brasileiros. Ante o escudo que Trump coloca nos Estados Unidos, protegendo-o de investidas comerciais, a China, com seu gigantesco poder econômico, se apresenta como a alternativa mais promissora para diversos países. O Brasil é um deles. Governadores de Estado começam a circular pelas grandes cidades chinesas à procura de parceiros de investimentos. Governantes com olhos na China: Ratinho Junior (PR), Rui Costa (BA), Waldez Goes (AP), Renan Filho (AL), João Doria SP), Helder Barbalho (PA), Paulo Câmara (PE), Ronaldo Caiado (GO), Mauro Mendes (Mato Grosso) e João Azevedo (PB). Há outros abrindo caminho. A boa comunicação O governador de São Paulo, João Dória, é um aficionado no trabalho. Entra cedinho no Palácio dos Bandeirantes, circula por eventos na capital e no interior, envia uma média de 7 a 8 vídeos por dia - dando conta de seus passos, programas e ações - para uma extensa rede de influenciadores, estando atento a tudo que diga respeito ao governo. É seguramente quem melhor usa as redes para propagar o escopo governamental. Correção A coluna recebe de Marília Rosado Maia uma correção feita por João Agripino Neto, filho do ex-governador João Agripino, ao causo contado por Arael Menezes. Um resumo. O governador admirava João da Costa e Silva, vulgo Mocidade, a quem deu abrigo. Nos idos de 68, na moldura das manifestações estudantis, uma delas ocorreu no Ponto Cem Réis contra o regime militar. Havia ordem de Agripino para não prender Mocidade em nenhuma hipótese. No comício, Mocidade desceu o pau no governo. Secretário liga para o governador e faz o relato. Ordem: 'pode prender'. Mocidade se escafedeu. Governador foi pra casa. Pouco depois, chega Mocidade. Agripino: Soube que você estava esculhambando o Governo no Ponto de Cem Réis. -É verdade, governador! - Quem paga a comida que você come? -O senhor! - Eu não, o governo. Quem paga a casa que você mora? -É o senhor! - Eu, não, é o Governo. - Quem paga a roupa que você veste e o transporte que anda? -É o senhor! - Eu não, é o governo. - Está certo, governador. Tudo quem paga é o Governo! - Então, Mocidade, como é que você vai pra rua esculhambar o Govern? - Ora, governador, Governo foi feito pra sofrer.  
quarta-feira, 8 de maio de 2019

Porandubas nº 619

Abro a coluna com um "causo" da Paraíba, tendo como personagens o governador João Agripino (1966/1971) e um "doido". Historinha narrada por Arael Menezes. Político é para sofrer "No panorama político da Paraíba governadores tinham o hábito de cultivar uma espécie de bobos da corte, conhecidos como "doidos", pessoas inofensivas, e que cumpriam algumas missões. João Agripino foi o iniciador dessa prática. Dentre seus "doidos", tinha um conhecido pela alcunha de Mocidade, que se julgava intelectual e tribuno de valor. No meio do mandato, Agripino sofreu forte campanha oposicionista. Comícios críticos ocorriam, dentre os quais o mais concorrido foi no Ponto de Cem Réis, área central da capital. Uma boa oportunidade para Mocidade. Municiado por boas lapadas de aguardente, mandou bala com um ácido discurso. O governador não gostou. Interpelou o "doido", ouvindo dele a resposta: - "Ora, João, é assim mesmo... Político é para sofrer". Mocidade era famoso também pela abertura de seus discursos. Como esta: "Senhores políticos corruptos e venais desta República...". Os ataques de Olavo Os insultos do escritor Olavo de Carvalho aos militares da administração Bolsonaro chegaram às raias do absurdo, especialmente contra o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo, e o vice-presidente Hamilton Mourão. Depois de chamar os militares de "pústulas", na sexta-feira ele voltou ao ataque, denominando os militares de "mão de obra ociosa" e que não são os "santos heróis da pátria que eles mesmos pintam". Do general Santos Cruz, disse que "fofoca e difama pelas costas", além de chamá-lo "merda". Cruz, credo A expressão popular é de repugnância. Nojo. A interjeição cai bem sobre a linguagem chula usada pelo escritor Olavo ao continuar a atacar o general Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria do Governo: "bosta engomada". Nunca se viu um destampatório tão de mau gosto. Trata-se de uma autoridade que merece respeito. Desse militar ouvem-se elogios pela carreira brilhante no Exército. Santos Cruz Carlos Alberto dos Santos Cruz é graduado pelas Academias de Excelência do Exército (Agulhas Negras, Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e Escola de Comando e Estado-Maior do Exército). Engenheiro pela PUC-Campinas, com especializações, graduado ainda em Política e Estratégia no United States Army War College, foi conselheiro do Banco Mundial e adido militar em Moscou. Comandou batalhões e brigadas, tropas da ONU no Haiti e no Congo. Foi Secretário Nacional de Segurança Pública. O contra-ataque dos generais O general Santos Cruz postou: "Não leio Olavo de Carvalho. Acho ele um desocupado esquizofrênico". Não vai ficar nisso. Os militares que ocupam cargos no governo resolveram reagir. Na segunda-feira, o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que despacha no Planalto como assessor especial do ministro Augusto Heleno, divulgou um texto no Twitter em que chama Olavo de Carvalho de "verdadeiro Trótski de direita", que "age no sentido de acentuar as divergências nacionais". Apanhar calado, não mais Homem forte das Forças Armadas e respeitado pelos pares, Villas Bôas quis deixar claro que os militares não vão apanhar calados e que tentarão reforçar a imagem de que eles, sim, atuam com a missão de ajudar o país a se reestruturar. Sobre Olavo, diz o general: "Ele passou do ponto, agindo com total desrespeito aos militares e às Forças Armadas. Às vezes, ele me dá a impressão de ser uma pessoa doente". A palavra de Villas Bôas funcionou como bala de canhão. Disse-me um general. A defesa na trincheira Outro militar de alta patente disse a um jornal que é preciso parar de "dar destaque a esse energúmeno" e lamentou a condecoração concedida semana passada pelo presidente a Olavo. Segundo essa fonte, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas como instituição irão se unir e deveriam demonstrar repúdio às declarações de Olavo, que ataca os generais: "É um apátrida que faz mal ao Brasil". Ao nível da lama Para responder ao general Villas Bôas, o horoscopista publicou ontem cedo no Facebook e no Twitter algumas afirmações que deixam o episódio abaixo do lamaçal. Afirma que "os militares, sem argumentos para rebater suas críticas, se escondem atrás de um doente preso a uma cadeira de rodas", referindo-se à condição do general de portador de uma doença degenerativa. O "ícone" da guerra insana Apesar da guerra de baixo nível promovida por seu guru contra os militares, o presidente Jair Bolsonaro postou ontem no Twitter que chegou à Câmara em 1991 e a encontrou tomada pela esquerda, "num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristãs. Aos poucos, outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho. Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone. Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e reiterou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim. Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder. Sempre o terei nesse conceito". Insensibilidade? O presidente parece não perceber o que se passa à sua volta, o racha e muito menos o alto risco que ele representa para o futuro de seu governo. Ou seja, o horoscopista continuará a ditar, do fundo do poço e com vocabulário de botequim, algumas das principais orientações ao governo de sua ovelha, aos seus filhos e fiéis seguidores. Afinal, Bolsonaro está de que lado? Como o presidente da República confere a Olavo o mais alto galardão do Itamaraty? O incenso jogado a Olavo de Carvalho depois dos impropérios lançados por ele contra os generais não caiu bem na caserna. Basta ou guerra... Se os ataques aos generais continuarem, sob o clima de complacência do presidente (que quer agradar os dois lados), não se descarta um jogo mais pesado dos agredidos. A hipótese é muito remota, mas uma renúncia coletiva dos generais aparece bem ao fundo da paisagem. Refém do Congresso A esfera política continua tecendo críticas ao governo Bolsonaro. Queixam-se os políticos do "pouco caso" a que são relegados pelo presidente e seu entorno. A exceção é o vice, o general Mourão, a quem sobram elogios. A reforma da Previdência vai passar, mas não no figurino traçado pelo governo. Sofrerá um processo de enxugamento. A não ser que o presidente se empenhe intensamente para sua aprovação, tornando-se ele mesmo o articulador-mor da reforma. Partidos mutantes Os partidos estão com o olho nas ruas. A descrença nos partidos e nos políticos é grande. A palavra de ordem é: mudar. Como? A maior fatia pensa em trocar o nome da sigla. Resolve? Bulhufas. Nada. A questão é de conteúdo. Que doutrina, programas, ações serão empreendidas? O que defender? O que atacar? Os partidos só melhorarão sua taxa de credibilidade se o eleitor perceber e internalizar sua doutrina. Governos em contraponto Os governos estaduais estão se unindo para defender propostas comuns junto ao governo Bolsonaro e ao Congresso. Um ou outro governador tenta aparecer como o mobilizador-mor. Mas Doria é francamente um aliado de Bolsonaro, segundo se comenta. Como pretende encaminhar propostas que sejam antipáticas ao governo? Um mandatário de importante Estado do Nordeste identificou em João Doria, governador de São Paulo, a ambição de comandar o núcleo de governadores brasileiros. A sinalização de João para se aproximar da direita, inclusive a mais retrógrada, começa a gerar rejeição a ele. Bruno Araújo João Doria está dando as cartas no PSDB. Elegeu o presidente do partido em São Paulo, o deputado Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional. E vai eleger Bruno Araújo, ex-deputado tucano de PE e ex-ministro das Cidades do governo Temer como presidente do PSDB nacional. Bruno tomará o lugar de Alckmin. Trata-se de um jovem com boa formação política, antenado à realidade, disposto a inovar e de caráter forjado na lealdade. Um bom nome. TV Pública Uma emissora televisiva de caráter público tem compromisso com a comunidade. Não pode querer competir com grupos comerciais. A TV Cultura de São Paulo tem alguns dos melhores programas do país. Urge defender seu escopo. Recado ao Congresso O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) revela: o Brasil é o país que mais gasta com aposentadoria na América Latina e Caribe, segundo O Globo. Em 2015, a presidência consumiu 12,5% do PIB, no que chama de "trajetória explosiva de despesas". E mais: se não houver mudança no sistema, o gasto será quatro vezes maior (50,1%) em 2065, volume maior do que o governo arrecada. O estudo do BID revela também que o Brasil destina aos idosos sete vezes o valor que despende com as crianças. A correção deste desvio está no Congresso, com a reforma da Previdência. Percepções... - O governo Bolsonaro ainda não achou o rumo. Tateia na escuridão. - O governador João Doria é bom comunicador, mas não se aproxima das massas. - O governador Wilson Witzel, do RJ, está entre a cruz e a caldeirinha. Ordena a polícia mandar bala na bandidagem, mas tenta ter boa imagem junto às entidades sociais. Seu flagrante em um helicóptero da Polícia em operação contra bandidos mostra que ele veste mesmo a camisa do "justiceiro". - O governo de Romeu Zema, em MG, foi acusado de permitir que seu vice-governador fizesse uso de helicóptero em estância de lazer. - Governadores de alguns Estados enfrentam o desafio: pagar salários atrasados e os atuais. No RN, a governadora Fátima Bezerra pagará o 13º de 2018 e a folha do mês. Um sufoco. - Grande dúvida: qual o futuro de Geraldo Alckmin? - Os governadores elegem a questão da segurança pública como eixo-mor de sua gestão. Caso do RJ e de SP, por exemplo. - O governo Bolsonaro ameaça despertar a estudantada e levá-la às ruas. O barulho será contra o corte de verbas na Universidade pública. - Outro setor que fará barulho nos próximos tempos será o da Cultura (artistas). - Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ganha, a cada dia, musculatura de um primeiro-ministro. - Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo, tem uma pauta cheia de políticos. Trata-se de um grande articulador. Mais adiante, conta a possibilidade de vir a assumir o governo do Estado. Com a saída de Doria para tentar galgar a escada presidencial.  
quinta-feira, 2 de maio de 2019

Porandubas nº 618

Abro a coluna com a Semana Santa na PB. Fura ele, Jesus O caso ocorreu na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na sexta-feira santa. Elenco escolhido. Dentre os moradores e no papel de Cristo, o cara mais gato da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que 'Jesus' estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do 'centurião'. - Como? Você não ensaiou! - Não é preciso ensaiar, porque centurião não fala! O elenco teve que aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz ... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas. - Oxente, cabra, tá machucando! Reclamou Jesus, em voz baixa. - É pra dar mais veracidade à cena, devolveu o centurião. E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião: - Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso! O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando: - É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura, que aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não! Torquato barômetro Este analista político entra na onda dos barômetros que medem os climas na política, as imagens de governos, as variações e tendências, enfim, a moldura ambiental, nos moldes do Latinobarómetro, especializado na análise do território latino-americano, com seus indicadores políticos, econômicos e sociais. A base de análise será meu posto de observação, não dispondo, assim, do instrumental de pesquisas dos institutos especializados. Bolsonaro na ladeira Vamos lá. Em 120 dias, o governo Bolsonaro está à procura de uma bússola. É um governo sem rumos. Tem, sim, grandes desafios pela frente, a partir da reforma da Previdência, a reforma Tributária, o pacto federativo, a par das tarefas rotineiras da administração. Constatações: o governo não arrumou uma articulação eficaz com o Congresso; usa uma comunicação trôpega; o presidente desmente constantemente quadros do governo; continua desacreditando na hipótese de governar com a classe política; usa ainda o tom de campanha, a mostrar dificuldade de mudar os parafusos da engrenagem. Por isso, o governo começa a ser questionado. Desce a ladeira da boa avaliação. Políticos tomam distância O desejo de beber na fonte do Planalto já não anima tanto a esfera política. Com as primeiras observações sobre queda na avaliação da imagem, políticos começam a tomar distância. Veja-se o apoio à reforma da Previdência. Em janeiro/fevereiro, enorme apoio; hoje, os congressistas fazem restrições. Fortes. O presidente, por seu lado, tem sido inábil. A conta que a Previdência poderá gerar chegou a R$ 1,2 trilhões. Bolsonaro anunciou, alto e bom som, que se conforma com R$ 800 bilhões. De pronto, ele deu o abatimento, minando o esforço da equipe econômica e já determinando o número que quer atingir. Pitos constantes O presidente aprecia puxar a orelha de assessores. Em Marcos Cintra, abalizado estudioso de contas e impostos, a orelha foi puxada com o desmentido de que iria tributar igrejas. A Rubens Novaes, presidente do BB, pediu redução dos juros do setor agropecuário. As ações caíram. A Roberto Castelo Branco, presidente da Petrobras, mandou suspender aumento do óleo diesel. As ações da empresa despencaram. Paulo Guedes, o maestro da equipe, deve estar de cabeça quente. O cérebro esquerdo Tentemos desvendar algumas partes do corpo governamental, a começar pelo cérebro. A esfera esquerda do cérebro é a da razão. Aí estão os vetores que amparam a lógica da administração. Os generais no entorno exercem a função de poder moderador. Tentam segurar o cavalo bravo. A área econômica, sob o comando de Guedes, tem um time de grande qualidade. Na infraestrutura, o ministro Tarcísio Freitas é uma ilha de excelência. E o programa de privatizações poderá puxar os investidores internacionais. Os programas sociais, mesmo diminuídos, completam a parte esquerda do cérebro. O cérebro direito Esta esfera é a da emoção. Junta uma coleção de vetores que dão sustentação à base emotiva do governo, a começar pelos filhos do presidente, com suas tiradas, ataques e flechadas contra os quadros de bom senso, dentre eles o vice-presidente Hamilton Mourão. Os valores conservadores - a ideologia de gêneros, a escola sem partido, a questão do aborto, a ministra Damares e o ministro Ernesto Araújo, o chanceler - formam o polêmico pacote emotivo. A disposição de armar a população e evitar a criminalização de proprietário rural que atire em invasores completam a cadeia emotiva. Portanto, parcela vital do cérebro é governada sob a égide das emoções, que se distribuem em outros órgãos do corpo, adiante. O coração O coração da administração bombeia o sangue de algumas fontes: o grupo familiar, radical, conservador e emotivo; a identidade militar do capitão, que forma sua expressão e puxa temas pertinentes aos tempos de chumbo; as bancadas temáticas - BBB, Boi, Bíblia e Bala - que, mesmo afinadas ao espírito governamental, começam a retirar o incondicional apoio; e a influência do guru, o senhor Olavo Carvalho, um polemista escritor que vive nos Estados Unidos e ganha dinheiro com cursos dados à distância via redes sociais. O fígado É donde escorre a bílis que irriga o sangue do presidente. Deste órgão, nasce a "guerra fria" de Bolsonaro. Contra o comunismo, contra o socialismo, coisas que, segundo o guru Olavo, dominam o Brasil. Do fígado é que se expele a ideia de que o nazismo é praticado pela esquerda. O autor da "pérola"? O chanceler Araújo. O petismo/lulismo também é alvo da "guerra" travada por Bolsonaro, filhos e seguidores. Pode-se incluir também entre os alvos a área artística. A bílis é farta. O estômago O estômago recebe alimentos de três grandes roças: a corporação militar, que veste o presidente com uma armadura inquebrantável, com a qual atira expressões mortíferas contra desafetos; o habitat dos simpatizantes, que frequentam redes sociais e batem forte em adversários; e o corpo de parlamentares do PSL, um partido estreito que se tornou largo, hoje com 55 parlamentares. Trata-se de uma agremiação em querelas internas e cheio de perfis que disputam as luzes da fosforescência midiática. O pulmão Este órgão bombeia o ar que o governo respira. E é responsável por uma forte alteração no fluxo das comunicações governamentais. Como se sabe, o processo de comunicação é composto por fontes, que expressam mensagens, transportadas por meios e que chegam até os receptores. No governo Bolsonaro, ele, o presidente, é fonte e usa os seus próprios meios para fazer chegar suas ideias aos receptores. Em vez de usar a mídia tradicional - jornal, revista, rádio e TV - Bolsonaro adota o Twitter para avisar sobre quadros que escolheu ou demitiu, para atirar contra desafetos ou elogiar aqueles que frequentam seu coração. As redes sociais, portanto, exercem importante operação de bombeamento do oxigênio governamental. Braços e pernas Constituem os eixos da estrutura governamental, propiciando a locomoção do governo e as ações de movimento. São ministérios, empresas, autarquias, associações e conselhos. Estes últimos integram o esforço de uma incipiente democracia participativa, eis que são entidades que contam(vam) com a participação de membros da sociedade civil. Pois bem, o governo, com um só golpe, aliás, uma só canetada, cortou centenas desses braços da sociedade. A estrutura governamental mostra-se sem conjunto, desequilibrada, sem metas e rumos. Nesse cenário, o braço social que transparece é o de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, que determina a agenda parlamentar e exibe força de primeiro ministro de um presidencialismo desengonçado. Coluna vertebral Por último, a coluna vertebral, que se traduz como a identidade do Governo. Integram a coluna estes eixos: o liberalismo que puxa a área econômico-financeira; a área da segurança pública e a identidade militar, caracterizada não apenas pelo posto de capitão reformado do presidente, mas pelo conjunto de generais e coronéis que atuam na administração. E, claro, ainda compõem a coluna vertebral os valores conservadores (a direita). O presidente vem da classe média-média, posicionando-se como um antielitista. Chegará ao final Essa anatomia tem condições de atravessar o deserto e chegar à terra prometida? Depende de três fatores: 1. Uma boa articulação com a esfera política; 2. Uma boa articulação com o universo social; 3. Essa segunda hipótese dependerá da equação que este analista construiu e costuma pinçar para demonstrar a viabilidade de governos- a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Explicando: Bolso farto, Barriga cheia, Coração agradecido, Cabeça aprova o governo que propiciou a felicidade.