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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 1 de abril de 2020

Porandubas nº 660

Abro a coluna com algumas questões que estarão no ar nos próximos tempos: 1. Quais são as grandes lições trazidas pela pandemia do covid-19? 2. Como serão as relações internacionais nos tempos do amanhã? 3. A globalização tende a ceder espaços ao nacionalismo e fechamento de fronteiras? 4. Como serão tratados os refugiados? 5. Que ferramentas da democracia serão aperfeiçoadas? 6. A família, como célula mater, ganhará destaque na nova paisagem? 7. Quanto tempo o mundo terá para recuperar perdas nos PIBs das Nações? 8. O mundo do trabalho será bem diferente do que temos hoje? 9. A China tomará o lugar dos EUA como primeira potência econômica? 10. E quais as áreas das ciências e da tecnologia ganharão grandes avanços? Diego e o mar "Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava frente a seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! (Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços) Crise dentro da crise Alastra-se uma crise dentro da crise da pandemia. E o presidente da República é o fator gerador. Ele defende o isolamento vertical - apenas dos idosos - e volta às atividades das pessoas abaixo de 60 anos. Seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, seguindo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), defende o isolamento social, afastamento de todos das ruas, forma que tem sido adotada pelas Nações mais poderosas do mundo. Como um ministro tem visão diferente? Por usar critérios científicos e racionais. Como um presidente vai na onda contrária? Por temer, diz ele, uma convulsão social, com saques a supermercados e lojas, se houver desabastecimento do mercado. Moro e Guedes E o que pensam os dois ministros mais afamados (antes do Mandetta), Sergio Moro, da Justiça e Segurança, e Paulo Guedes, da Economia? Mostram-se favoráveis ao isolamento social, na linha divergente da defendida por Bolsonaro. Já o entorno militar, conforme se pode depreender da nota feita pelo assessor do GSI, general Vilas Bôas, ex-comandante do Exército, apoia a abordagem de Bolsonaro. O empresariado está dividido. As redes sociais, idem, mas o teor crítico ao presidente tem se mostrado mais forte. As bases bolsonaristas se agitam para responder à onda negativa. Uma questão levantada: se até o ídolo Donald Trump teve que recuar e estender o isolamento social até 30 de abril, porque seu pupilo, Jair, não faz o mesmo? Birra. Encurralado O fato é que o presidente parece um animal acuado. E como é previsível numa fera cercada por outros animais, tende a atacar. Agirá com a síndrome do touro: pensa com o coração e ataca com a cabeça. Quem levará a melhor? Ele tem a arma capaz de matar: a caneta. Pode simplesmente dizer: "quem manda sou eu. Vocês estão fora". Fácil, não? Difícil. Muito difícil. Tirar um ou dois ministros nesse momento seria jogar um tonel de pólvora na fogueira. Mesmo sem clima para impeachment, o tema agitaria a esfera congressual. O país, já tenso, veria o fogo aumentar. E não espere Bolsonaro que as massas acorrerão para salvá-lo. Movimentos pequenos, certamente. Para onde vamos? Eis o X do problema. Uma linha com o mínimo consenso tem de ser encontrada. Bolsonaro pode simplesmente lavar as mãos se continuar com as perdas que seu governo registra no Judiciário, onde o STF tende a dar ganho de causa a governadores e prefeitos, entendendo que cabe a essas esferas o poder de decidir sobre isolamento, a partir da área técnica federal, concentrada no Ministério da Saúde. Temos duas, no máximo, três semanas para vermos o desfecho dessa pendenga. O pano de fundo para a vitória dessas linhas de ação será o próprio cenário nacional e internacional da pandemia. Bolsonaro, a essa altura, surge na paisagem das Nações como o governante mais destrambelhado da atualidade. Não será fácil redecorar sua imagem. E a economia? Há uma parcela ponderável de pensadores - empresários, economistas, comerciantes - que sinalizam a necessidade de se cuidar da economia. Não deixar que o remédio se transforme em veneno. Daí a urgência em amparar os setores mais frágeis, os trabalhadores informais, o pequeno comércio, os prestadores de serviços. Sem produtos essenciais no mercado, os consumidores poderão criar uma rebelião. Uma catástrofe dentro da catástrofe. Daí a necessidade de adotar o bom senso. As duas vertentes - saúde do povo e saúde da economia - podem ser trabalhadas simultaneamente. Não são excludentes. O importante é que o STF e o Congresso já deram sinal verde para se gastar o que for necessário, saindo da Lei da Responsabilidade Fiscal. São Paulo O governador João Doria, de São Paulo, está praticamente voltado para administrar a pandemia no Estado. Todos os dias, em regime de mutirão permanente, faz reuniões, libera recursos, inspeciona hospitais de campanha que estão sendo instalados sob a ordem de urgência, dá entrevistas coletivas, em total transparência. Tem sido bastante elogiado por sua agilidade e conjunto de medidas adotadas. Trabalha em consonância com o prefeito Bruno Covas, que já transferiu sua cama para o próprio gabinete na prefeitura. O que provoca por parte dos adversários ataques com a sordidez das emboscadas. Cenas ocorridas há muitos, do tempo em que Doria dirigia a Embratur, mentiras e versões maldosas. A fábrica de destruição de reputações, alimentada por figuras plantadas no centro do poder, trabalha as 24 horas do dia. Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel também lidera o exército de combate à epidemia. Inclusive, mostra-se disposto a estender a quarentena. Vê-se ali uma clara divergência entre o prefeito Marcelo Crivella e o governador. O prefeito alia-se ao presidente Bolsonaro e a seus filhos. Minas Gerais Uma dúvida é sobre o que pensa o governador de MG, Romeu Zema. Foi o único do Sudeste que não assinou um documento encaminhado ao governo Federal. Nos últimos dias, deu sinais de recuo e tende a concordar com o isolamento social. Nordeste Já os governadores do Nordeste estão unidos nas estratégias e ações. Fecharam posição a favor do isolamento social e pleiteiam recursos do governo Federal. A poderosa bancada nordestina oferece respaldo ao conjunto de governadores. Bruno, sensível aos empregos O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decidiu manter os serviços de limpeza na cidade, por entender que eles propiciam enorme contribuição ao combate à disseminação da pandemia do novo coronavírus, além de manter a empregabilidade e a renda de milhares de pessoas das classes sociais menos favorecidas. Por isso, o SEAC (Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo), ao lembrar que o setor é o maior fomentador de emprego e renda do país, encaminhou um documento com os agradecimentos à sensibilidade do chefe da municipalidade. Fantasma do desemprego Diz o texto, assinado por Rui Monteiro e Carlos Guimarães, respectivamente presidente e vice-presidente do sindicato: "a atividade tem enfrentado dificuldades severas para a manutenção do emprego e renda de seus colaboradores em decorrência da decretação de confinamento da população, que vive um isolamento social jamais presenciado. Reconhece que esse isolamento é indispensável para o combate à pandemia e causa danos severos à população paulista, não apenas pela contaminação e suas consequências à saúde, mas também pelo fantasma do desemprego e ausência de renda para o sustento das famílias". Ressalta que o prefeito determinou a manutenção regular dos pagamentos dos contratos, como medida a contribuir para a manutenção do maior volume de empregos, evitando demissões em larga escala.
quarta-feira, 18 de março de 2020

Porandubas nº 659

Abro a coluna com Confúcio. Governantes Quando Confúcio visitou a montanha sagrada de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. Perguntou: - Por que não se muda daqui para um lugar onde haja mais governo? - Porque os governantes são mais ferozes que os tigres. Estado de pânico O Brasil começa a adentrar o território do pânico. Pode até haver certa dose de exagero nas medidas tomadas por governantes. Pode até estar superdimensionada a extensão da crise deflagrada por esse Convid-19. Mas o fato é que o mundo todo se desdobra na análise e decisão sobre o que fazer para atenuar os efeitos da pandemia. A China está provando que medidas drásticas dão certo. Confinou toda a região de Wuhan, o epicentro do novo coronavírus. O pico passou. A situação por lá mostra declínio. O dano psicológico? Qual o efeito da epidemia sobre a psique dos humanos? O que o medo provoca? Que estados d'alma se desenvolvem a partir do pânico? Eis uma hercúlea tarefa para analistas - psicólogos, psiquiatras, cientistas sociais/sociólogos/antropólogos. Quebra-se algum elo na corrente da confiança, da autoestima, da imagem dos governantes? Recriam-se novas formas de poder? Trilhões na economia A Itália torna-se centro da pandemia no mundo. Cerca de 400 mortes por dia. Cidades fechadas. Ruas desertas. Índices alarmantes. Os EUA baixam juros. O FED despeja 700 bilhões de dólares, pequena parte dos trilhões de dólares que somam as perdas em bolsas e em negócios prejudicados. Exportações e importações paralisadas. Trabalhadores faltam ao trabalho. Mas passam a realizar tarefas administrativas em suas casas. Epílogo "Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto". (Jorge Luis Borges) O mundo é outro O mundo hoje é bem diferente do planeta que tínhamos até um mês atrás. Costumes tradicionais são mudados. Eventos sociais, praças, parques, cinemas, teatros, escolas públicas e privadas integram a cadeia de fechamento. Perdas no organograma escolar. Até crianças morrendo. Isso mesmo, crianças. Futuro de milhões passa a ser reprojetado. Viagens marcadas são suspensas. Cruzeiros marítimos procuram portos para atracar. Mais parecem prisões em alto mar. Governantes e seus quadros são contaminados. A escala de contaminação aritmética vira escala geométrica, mais densa. A gigantesca tribo global vai se tornando um arquipélago de centenas de ilhas. Uma nova ordem mundial O fato é que se desenha um novo mapa-múndi, cujos traços certamente serão registrados pela história. Mesmo que, com o tempo, se desenvolva forte esquecimento dos efeitos da pandemia, marcas profundas serão deixadas em cada território. Entre esses traços, podem ser apontadas mudanças no eixo geopolítico, com redefinição de relações entre países, particularmente no campo da migração, exportação/importação, bens culturais, sob a égide de maiores controles. Advirá um surto nacionalista, que já embasa a política em algumas Nações, como os EUA e o Reino Unido. Os sistemas de saúde, com ênfase na política de prevenção, deverão receber reforço. A competitividade animará a indústria farmacêutica. Idas e vindas de pessoas e grupos entre países receberão maior atenção. Os aparatos do terrorismo poderão se utilizar dos ciclos endêmicos para desenvolver ações terroristas. A globalização e o que representa passarão por intenso debate. Uma barreira - ideológico/cultural/ideias/pensamento- provocará danos sobre o concerto das Nações. Trump nas cordas Depois de ter subdimensionado o efeito da pandemia, o mais poderoso líder do mundo ocidental se corrige ante as evidências e convoca o mundo político dos EUA para se dar as mãos nas estratégias de combate ao Covid-19. De imediato, saca do Tesouro 50 bilhões de dólares para as primeiras providências. Ao fundo, sua reeleição no pleito de novembro. A depender de como enfrentará a questão, poderá voltar à Casa Branca ou aos seus resorts. Para piorar, membros de sua equipe e de políticos republicanos são contaminados por... quem? Ora. Pela comitiva do seu amigo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. (Deve estar furioso... que amigo da onça...). P.S. Ou a comitiva foi infectada por americanos? Bolsonaro e seus cavalos de Tróia A equipe de Jair Bolsonaro, que já teria dito "I love you, Trump", teria levado a pandemia para a Casa Branca? A confraternização foi plena naquele belo resort do bilionário presidente dos EUA. Um "presente de grego" de Bolsonaro para Trump? Lembremos a Ilíada de Homero. O cavalo de Tróia, feito de madeira e oco por dentro, ideia do soldado grego Odisseu, levava centenas de soldados em seu interior. Os troianos aceitaram o presente e o levaram para dentro das muralhas de Tróia. Enquanto os troianos se refestelavam de bebida comemorando a rendição do inimigo, os gregos saíram do cavalo e atacaram a cidade. Tróia foi totalmente destruída. Bolsonaro e seus "gregos" teriam deixado membros da equipe do amigo Trump carimbados com a pandemia que assombra o mundo? Quem diria, hein? Mas o pior aconteceu Quem com ferro fere, com ferro será ferido. O ditado baixou como praga pelo Planalto de Brasília. Pois não é que o Covid-19 também entrou no corpo de parte das equipes que acompanharam Bolsonaro aos EUA? O secretário da comunicação, Fábio Wajngarten, foi o primeiro. Até um senador, Nelsinho Trad (PSD-MS) também foi contaminado. E o que diz o presidente? Exageros da mídia, fantasia, histeria. Pressionado, chegou a aconselhar a desmobilização de um movimento em seu favor, domingo, 15. Conselhos às favas E o que aconteceu? O presidente manda às favas os conselhos que recebeu para se precaver e vai às ruas de Brasília confraternizar e cumprimentar o povo. Afinal, ele passará por nova bateria de testes. "Eu sou do povo", justifica. E se for contaminado, ele será o responsável. Claro, cada qual seu bornal. E mandou bala nos presidentes da Câmara e do Senado. "Agora, prezado Davi Alcolumbre, prezado Rodrigo Maia, querem sair às ruas? Saiam às ruas e vejam como vocês são recebidos". Bolsonaro está na contramão do bom senso. Até quando poderá defender essa postura de enfrentamento? A querela política O que há, no fundo, é uma querela política. O presidente quer que as casas parlamentares, Câmara e Senado, aprovem in totum os projetos e medidas que o Executivo encaminha. E joga na cesta do lixo o chamado "presidencialismo de coalizão". O Parlamento, de troco, derruba seus vetos. O general Augusto Heleno chegou a chamar os parlamentares de "chantagistas". E assim as tensões sobem ao pico. Onde isso vai dar? Há quem comece a falar em impeachment. Por ora, hipótese completamente afastada. Mas o distanciamento entre o presidente e o conjunto parlamentar tende a se agravar. Paulo Guedes já não é tão aclamado. Parece cansado. Coronavírus, a balança Nesse ponto, volta ao tabuleiro do jogo a pandemia do coronavírus. Se for bem administrada, sob o comando do competente ministro da Saúde, ex-deputado Luiz Henrique Mandetta, o Executivo recuperará seus vetores de força. Dizem, porém, que Bolsonaro está incomodado com a boa imagem do ministro da Saúde. Se o governo for bem sucedido no combate à pandemia, tenderá a consolidar sua força, empurrando as massas para fazer pressão sobre Congresso. A recíproca é verdadeira. Se a pandemia der sinais de descontrole e subir de maneira avassaladora o número de mortos e suspeitos de contaminação, será um deus nos acuda. O buraco negro a se formar pode engolir gregos e troianos, com um formidável choque eleitoral nas eleições municipais de outubro. Nunca uma eleição agrega tantos componentes. Teoria conspiratória De Tales Faria, colunista do UOL: "Oficialmente não deve sair nenhuma manifestação nesse sentido. Mas nas suas conversas reservadas com assessores e até com políticos mais próximos, o presidente Jair Bolsonaro associa a pandemia do novo coronavírus a um plano de recuperação econômica do governo chinês. A teoria conspiratória corre solta entre os bolsonaristas e é compartilhada pelo presidente e seus filhos. Basicamente diz o seguinte: toda vez que a China tem problemas econômicos aparece uma grande doença que se espalha pelo mundo causando crise nos mercados globais e diminuição no valor dos produtos importados pelos chineses". SP: 460 mil casos Mesmo com as medidas que estão sendo tomadas em São Paulo, o infectologista David Uip, que coordena o Grupo de Trabalho criado para administrar a pandemia do Covid-19, faz uma projeção de 460 mil casos no Estado. Esse número equivale a 1% da população. O prefeito Bruno Covas decretou estado de emergência na capital com a finalidade de diminuir a circulação de pessoas. O jumento e o sal "Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade". (Esopo) Fecho a coluna com Napoleão. A derrota A derrota de Napoleão costuma ser atribuída ao inverno russo. Aliás, esse sempre foi o argumento usado pelo próprio. Mas o exército napoleônico estava arrasado bem antes de o inverno chegar. Napoleão deixou Moscou com cerca de cem mil homens. Em 12 de novembro de 1812, primeiro dia em que a temperatura caiu abaixo de zero, haviam sobrado apenas quarenta e um mil. Não foi apenas o frio do inverno que matou os soldados. Foram as doenças. O clima enfraqueceu os homens de Napoleão, mas a temperatura não estava fria o suficiente para matá-los. O exército de George Washington, décadas antes, sobreviveu a clima muito pior. A descoberta mais interessante dos historiadores é que o exército napoleônico provavelmente sofreu tanto com o calor como com o frio. O verão russo de 1812 foi tão quente que dezenas de milhares de seus soldados morreram de insolação e desidratação.
quarta-feira, 11 de março de 2020

Porandubas nº 658

Antes das notas sobre a gravidade do nosso momento, um pouco de humor. Ô jardineira... Na cidadezinha do norte do Rio de Janeiro, a procissão de Senhor Morto caminhava lenta e piedosa, na sexta-feira da Paixão, com o povo cantando, de maneira compungida, os hinos sacros. O velho padre na frente, o sacristão ao lado e os fiéis atrás, cantando as músicas que o vigário puxava. De repente um pequeno ônibus, que na região chamam de "jardineira", passou perto e começou a subir a íngreme ladeira da igreja, bem em frente da procissão. No meio da ladeira, a "jardineira" afogou, encrencou, parou, deu aceleradas fortes e inúteis e começou a dar marcha-ré. Os fiéis não viram, mas o padre, atento, ficou apavorado. A "jardineira" já despencava numa grande velocidade. O padre gritou: - Olha a jardineira! E os fiéis começaram a cantar, em ritmo de samba: - Ô jardineira, por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu. A "jardineira" descambou ladeira abaixo, até que parou. Não atropelou ninguém. Sob o olhar do Senhor Morto! Mas os fiéis não aguentavam de tanto rir. Chegando ao pico da gravidade A situação é mais grave do que os fatos aparentes indicam. Os fatos: uma denúncia feita pelo presidente Jair Bolsonaro em sua viagem última aos Estados Unidos. Disse de maneira clara, sem meios termos, que foi eleito no primeiro turno das eleições de outubro de 2018. Portanto, o pleito foi fraudado. Antes de sair do Brasil, em Boa Vista, Roraima, convocou o povo a ir às ruas em 15 de março. Intenção: mobilizar suas bases. E mais: a pandemia do coronavírus é mais uma fantasia. A crise das bolsas? Ah, para ele é coisa normal. P.S. Vejam a normalidade: entre 23 de janeiro e o pregão de segunda-feira, as companhias listadas no Ibovespa perderam R$ 1 trilhão em valor de mercado. Militares incentivando Os círculos militares, ao que se parece, incentivam o acirramento. Ontem, terça, o presidente do Clube Militar, general da reserva Eduardo José Barbosa criticou o que designou de "parlamentarismo branco", afirmando que o Congresso está tentando desempenhar uma função atribuída ao Executivo. Na segunda-feira, a associação divulgara um comunicado de "solidariedade" aos atos convocados para o dia 15 de março em apoio ao governo do presidente. General Heleno O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, aparecia na abertura do governo como o conselheiro-mor, a voz do bom senso, a balança da moderação. Depois da desastrada fala em que disse que os parlamentares "chantageiam", o general passou a ser visto de maneira atravessada pela esfera congressual. Os fatos estão a mostrar que interessa ao Executivo, a partir de seu núcleo duro, o acirramento da polarização, o que abre algumas linhas de pensamento. A economia na ladeira O primeiro argumento que se põe sobre a régua da análise é o fator econômico. Se a economia continuar a não dar os resultados tão esperados, e a falta de dinheiro no bolso apertar os estômagos, seria do interesse do Executivo pôr a culpa no Congresso. As bases bolsonaristas tomariam as ruas e a campanha de 2022, com o prelúdio de outubro deste ano, seria antecipada. Especula-se, até, com a saída de Paulo Guedes, que resultaria em caos político. O coronavírus Ao dizer que o coronavírus é mais fantasia, Bolsonaro aposta na administração da pandemia, com efeitos positivos no curto prazo. Uma aposta e tanto. E se recrudescer em nível internacional, poderá fazer a comparação com o Brasil. Se recrudescer por aqui, apontará novamente culpados na área política. Pelo visto e revisto, o capitão segue rigidamente a cartilha militar, com olhos no endurecimento, combate às esquerdas, eliminação das oposições. O quadro é tétrico. Quando se imagina que o mandatário-mor da Nação vai expressar uma palavra de paz, harmonia, equilíbrio, lá vem ele com mensagem de guerra. TSE refuta, mas e daí? O Tribunal Superior Eleitoral rebate a declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que a eleição de 2018 foi fraudada e reafirma que o sistema de urnas eletrônicas é confiável e auditável. "Ante a recente notícia, replicada em diversas mídias e plataformas digitais, quanto a suspeitas sobre a lisura das eleições 2018, em particular o resultado da votação no 1º turno, o Tribunal Superior Eleitoral reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização", afirma o TSE, presidido pela ministra Rosa Weber. O texto tem também a autoria do ministro Luís Roberto Barroso, que assume o posto em maio. Os dois defenderam pessoalmente a segurança do sistema eleitoral brasileiro. Mas isso adianta alguma coisa? Onde estão as provas? E o que dizem as entidades de renome da sociedade civil? Para onde vamos? A repetição de expressões que provocam polêmica e geram tensões não vai parar. A índole presidencial não é de paz. E o capitão parece disposto a prosseguir nessa rota de tensões e rompimento de barreiras diplomáticas entre os três Poderes. Se o Congresso não avançar no capítulo das reformas, ficará com a pecha de ser contra o Brasil. Bolsonaro entraria de vez na vestimenta do embate, iria às ruas comandando suas tropas e algum impasse institucional ficaria à vista no horizonte. Onde está o bom senso das tropas? O parlamento Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, pisam em ovos. Qualquer votação que possa ser considerada derrota do governo será fatalmente usada como argumento de que o Congresso atrapalha, dando vazão a essa última acusação feita pelo presidente do Clube Militar. Paulo Guedes perdeu força junto aos parlamentares. O general Luiz Eduardo Ramos, da articulação política, ainda não tomou rumo. O general Walter Braga Netto, que assumiu a função de coordenação dos ministérios, toma pé no terreno espinhoso. O trunfo é paus A frase mete medo, mas é necessária. Thomas Hobbes dizia: "Quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus". Maquiavel "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". Conselho do velho Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las." Efeitos no meio da pirâmide Que efeitos a estratégia de Bolsonaro e seu entorno terá junto a alguns estratos sociais? Vejamos. Quem acompanha de maneira mais atenta os fluxos e refluxos da política são os grupamentos que integram o meio da pirâmide. Aí estão as classes médias. O núcleo mais expressivo é formado pela intelligentzia, professores, acadêmicos, comunicadores, profissionais liberais, estes repartidos em uma miríade de constelações. As mais progressistas circulam no campo da produção e disseminação de ideias. Núcleos mais contrários ao governo de direita conservadora, que tendem a expandir sua indignação. Setores conservadores Mas há um forte nicho conservador no meio da pirâmide, particularmente representado por proprietários rurais, pequenos e médios comerciantes, empresários do setor urbano, redutos tradicionais que anseiam por ordem e disciplina, entre outros. É evidente que exercem influência em seu entorno. Tendem a reforçar o discurso autoritário do capitão. E, claro, há os ativistas e militantes que voltaram a circular no roçado da política. As pesquisas mostram que cerca de 30% do eleitorado estão na órbita do bolsonarismo. Mas contingentes que nele votaram se afastaram. O mandatário perdeu parcela de seu núcleo. As margens As margens periféricas são pragmáticas. Se o bolso puder arcar - e bem -com as despesas, Bolsonaro será prestigiado, com amplas possibilidades de vir a ser contemplado com o voto mais adiante. A recíproca é verdadeira. Fatores de influência: desemprego, economia na ladeira, fila do Bolsa Família, fila do INSS, renovação do Fundeb, endemias e pandemias. O governo e os políticos tendem a ser o alvo das coisas ruins que ocorrem no terreno das massas. Coisas ruins? Fantasia Em suma, o presidente Jair Bolsonaro acha que tudo vai às mil maravilhas; que seu governo é o melhor de todos os tempos (Lula também dizia a mesma coisa de seu governo); que o Congresso e o Judiciário atrapalham; que a imprensa é mentirosa; que os jornalistas são uns pândegos; enfim, que as coisas ruins não passam de ficção. Guerra do petróleo? Besteira. Coronavírus? Fantasia. Baque das bolsas? Exagero. E tome fala desembestada. Fecho com uma pequena lição. Esmagando o passarinho Inflamado, o candidato eleva a fala no palanque. Argumentava que o povo livre sabe escolher seus governantes. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso. No momento certo, tirou o pássaro e com ele, na mão direita, tascou: "a liberdade do homem é o sonho, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência. Deus (citar Deus é sempre bom) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal da liberdade. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir a soltura desse passarinho, que vai ganhar os céus". Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. A frustração por ter matado o bichinho foi um anticlímax. Vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. Assim é o fim de candidatos que não controlam a emoção.
quarta-feira, 4 de março de 2020

Porandubas nº 657

Abro a coluna com o RN, nosso querido Estado. "Aposentem o homem " Dinarte Mariz governava o Rio Grande do Norte. Em uma de suas visitas à Caicó, visitou a feira da cidade, acompanhado da sempre presente Dona Nani, secretária de absoluta confiança. Dá de cara com um amigo de infância e logo pergunta: - "Como vai, Zé Pequeno?" O amigo, tristonho e cerimonioso, responde: - "Governador, o negócio não tá fácil; são oito filhos mais a mulher... tá difícil alimentar essa tropa vivendo de biscate. Mas vou levando até Deus permitir". Dinarte o interrompe de pronto: - "Zé, que é isso, homem, deixe essa história de governador de lado. Sou seu amigo de infância, sou o Didi"! Vira-se para Dona Nani e ordena: - "Anote o nome do Zé Pequeno e o nomeie para o cargo de professor do Estado". Na segunda-feira, logo no início do expediente, Dona Nani entra na sala de Dinarte e informa: - "Governador, temos um problema, o Zé Pequeno, seu amigo, é analfabeto; como podemos nomear...". Antes que concluísse a fala, o governador atalha: - "Virge Maria, Dona Nani! O Rio Grande do Norte não pode ter um professor analfabeto. Aposente o homem imediatamente". E assim foi feito! (Historinha enviada por Lindolfo Sales). A trama Nunca se viu uma campanha tão infame contra o Congresso Nacional e, em escala um pouco menor contra o STF, como esta que aparece nas mídias sociais, onde se identifica o dedo claro do bolsonarismo radical. Nessa segunda, um vídeo com um trecho do filme Os Vingadores faz a dublagem com os atores ouvindo de um comparsa a trama, com os "10 mandamentos da maldade", onde o mocinho é o presidente Jair Bolsonaro e o vilão é Rodrigo Maia, apresentado como o golpista que pretende instalar o parlamentarismo no país, e ele mesmo, presidente da Câmara, assumindo o cargo de primeiro-ministro. A propósito de RM Aliás, um dos alvos dos petardos palacianos e das hordas radicais, Rodrigo Maia, tem sido o principal artífice do avanço das pautas reformistas no Parlamento. Por isso mesmo, tem recebido tanta pancada do bolsonarismo, que não quer vê-lo como o grande articulador na Câmara dos Deputados, onde exerce liderança junto a todos os grupamentos da Casa. Tornou-se fiador dos avanços desde os tempos do governo Michel Temer. Ganhou respeito dos pares, o que provoca ciúmes e indignação dos extremados da claque bolsonarista. O que está por trás O vídeo tem um claro objetivo: dar forças às manifestações de rua, convocadas pelo bolsonarismo para o dia 15 de março, e apelar para que o povo entre na guerra contra o Congresso, que segundo a trama narrada e referendada por um locutor de rádio, de nome Fábio, tem por trás a aprovação de recursos do orçamento impositivo, a derrota de matérias de interesse do governo, e o consequente impeachment do presidente da República. O locutor arremata com a ideia de "destituir" Rodrigo Maia do posto de presidente da Câmara. Uma aberração. O dedo do palácio Como tem sido veiculado, é notório o interesse do Palácio do Planalto em adensar a onda contra os Poderes Legislativo e Judiciário. O próprio Bolsonaro tem dado guarida à trama, fazendo circular junto "aos amigos", que o acompanham nas redes sociais, vídeos e convocações para o dia 15. Nos últimos dias, a massa crítica que se formou contra a estratégia bolsonarista arrefeceu os ânimos, mas parcela ponderável da militância radical continuou a alimentar o circuito social. A extremidade O fato é que a estratégia dos radicais é de extrema gravidade, eis que apela para que as massas abram guerra contra as instituições de nossa democracia, a partir do Legislativo e do Judiciário, sob o argumento de que o presidente da República carece de condições para governar. De maneira descarada, os radicais intensificam seu discurso, agem como a campanha de 2022 já estivesse nas ruas, formam uma corrente em torno do presidente, execram a representação política e magistrados da Suprema Corte, enfim, parecem querer resgatar os tempos de chumbo. 13 mil? Comenta-se que o general Luiz Eduardo Ramos, que faz articulação política, tem uma pasta com uma lista de 13 mil cargos do governo de Bolsonaro ocupados por afilhados de políticos dos partidos. E que, portanto, a rixa entre Executivo e Legislativo não é para valer. Com a palavra, o ministro. O que pode acontecer? Imaginem, agora, o que pode acontecer se o Congresso vier a desaprovar os vetos, emendas e projetos do Executivo? As ruas tendem a ganhar movimentações barulhentas das galeras que formam as divisões do exército bolsonarista, mas grupos contrários se sentirão motivados a dar o troco. Não se pense que a maré bolsonarista está cheia. Pelo andar da carruagem, os segmentos contrários ao presidente - não ao governo, de forma ampla - formam boa maioria. Juntam-se, nesse caso, parcelas fortes dos blocos centrais aos de oposição. A polarização aumentará. O efeito coronavírus Os próximos tempos elevarão as inquietações. E se o coronavírus se expandir pelo território? O pânico terá efeitos sobre a cadeia econômica. E se a economia não apresentar crescimento - mesmo tênue - o foco da contrariedade recairá sobre o Executivo. Ainda bem que o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, age com cautela, seriedade e didatismo. Tem se mostrado capacitado a enfrentar o medo que a pandemia provoca. Corre a versão de que o calor dos Trópicos será barreira à propagação acelerada do vírus. Mas, e se o meado do ano, no inverno, for propício à sua expansão? Tempos difíceis. Rememorando: o coronavírus, presente em todos os continentes, já infectou quase 90 mil pessoas, matando 3.046 pessoas. Na Europa, os países relatam aumento constante do número de casos e as autoridades alertam a população para se preparar para grandes surtos. Impacto na economia A tensão provocada pelo avanço do coronavírus fez com que o mercado financeiro cortasse mais uma vez a projeção para o crescimento da economia brasileira em 2020. A expectativa é que o Produto Interno Bruto (PIB) avance 2,17% neste ano. Antes, a previsão de crescimento era de 2,2%. É a terceira semana consecutiva que analistas financeiros consultados pelo Banco Central apostam em lentidão maior para a economia. Brasil preparado Sônia Racy, do Estadão, perguntou, e o médico Drauzio Varella respondeu: O Brasil está mesmo preparado para combater o coronavírus? Está. Acho que o mundo, de um modo geral, está mais preparado. E o SUS tem condições de atender. Só vai depender da quantidade de casos. Agora, a repercussão do coronavírus está em dissintonia com a realidade dos dados. Não há essa calamidade. Todo mundo que espirra vai para o pronto-socorro. Aliás, se você estiver tossindo e correr para o pronto socorro, lá é o melhor lugar pra pegar coronavírus. O que se sabe de mais novo para enfrentar isso? Estão tentando desenvolver antivirais que possam reduzir a patogenicidade do vírus. A taxa de mortalidade não é alta. Dados da China mostram que não há mortes de crianças de 10 anos pra baixo. Acima dos 80, o índice de morte é 4,8%. É parecido com índice de infecções respiratórias. E 90% das pessoas que venham a pegar esse vírus, transformarão isso num resfriado comum. Acordo Mesmo sob tensão, Poderes Executivo e Legislativo encontram pontos de acordo em torno do chamado orçamento impositivo das emendas parlamentares na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Governo e Congresso sinalizam concordância sobre o controle de cerca de R$ 30,1 bilhões do Orçamento deste ano. Proposta mantém nas mãos do Congresso os R$ 15 bilhões realocados de outras pastas e devolve ao Planalto a execução do restante. O governo encaminhou projeto regulamentando como os recursos previstos para 2020 serão executados. Ideia é que texto feche acordo com Câmara e Senado e os vetos de Bolsonaro sejam mantidos. Lembrando: Bolsonaro barrou o dispositivo que dava prazo de 90 dias para o Executivo liberar emendas ao Orçamento sugeridas pelos parlamentares. (Até o fechamento da coluna, nada se votou). A competência de Guedes Em meio às conversações sobre o veto ao Orçamento impositivo, o presidente Bolsonaro suspendeu "por tempo indeterminado" os poderes do ministro da Economia, Paulo Guedes, de abrir créditos orçamentários e remanejar gastos entre as áreas do Orçamento de 2020. O despacho foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) de ontem. Mas a explicação não demorou: sem segurança jurídica sobre o que pode e não pode na gestão do Orçamento impositivo, o governo foi obrigado a retirar, por prazo indeterminado, a competência delegada ao ministro da Economia. Portanto, a coisa estava combinada com Guedes. Linha Moro Diretor da Força Nacional, o coronel da PM-CE, Antônio Aginaldo de Oliveira chamou os policiais militares amotinados no Ceará de "gigantes" e "corajosos" pelo movimento salarial e melhores condições de trabalho. A Constituição Federal proíbe greve desses profissionais. Esse coronel da PM no Ceará se casou no mês passado com a deputada Federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das parlamentares mais próximas ao presidente Jair Bolsonaro. O ministro da Justiça Sergio Moro foi um dos convidados da cerimônia. A linha Moro em plena ação. Mas, e a Constituição? Proteína extraterrestre? Pelo ineditismo, faço o registro. Usando nova técnica de análise, cientistas afirmam ter encontrado pela primeira vez na história uma proteína de origem extraterrestre. O material analisado pertencia a um meteorito que atingiu a Terra há cerca de 30 anos. Segundo um artigo publicado no site de coletas de pesquisas científicas ArXiv, a Hemolithin é uma proteína que contém ferro e lítio. O texto também afirma que o agrupamento das moléculas do meteorito é capaz de absorver fótons e dividir água em porções de hidroxila e hidrogênio. Fechando com um pouco de humor. De cócoras Plínio Gomes Barbosa era juiz de Direito em Monte Aprazível, São Paulo. Chegou um promotor novo: Edgar Magalhães Noronha. Na primeira audiência, o promotor estava todo cerimonioso: - Doutor juiz, devo requerer de pé ou sentado? - O senhor se formou há pouco? Onde? - Minha escola o MEC fechou. - Então requeira de cócoras. Eu me retiro Numa Vara da Fazenda, no interior de São Paulo, o perito era coronel do Exército e o juiz, Plínio Gomes Barbosa, não sabia. Houve discussão, o coronel começou a gritar, o juiz bateu a mão na mesa: - Se o senhor continuar nesse tom, ponho-o daqui para fora. - Não saio, não. Sou coronel do Exército. - Então quem se retira sou eu, que sou reservista da 3ª categoria. E deixou o coronel sozinho.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Porandubas nº 656

Abro a coluna com uma historinha do meu RN. Barbeirinho de uma figa Djalma Marinho, deputado estadual de 1947 a 1950 e Federal de 1951 a 1981, (avô do hoje ministro Rogério Marinho, da Integração), era compadre do barbeiro de Nova Cruz, sua cidade natal. Um dia, cortando o cabelo, ouviu o apelo: - Compadre, vi nos jornais que você vai para Roma visitar o papa. Ele é meu ídolo. Olhe aqui a foto dele. Vou lhe fazer um pedido: peça para ele autografar essa foto e escrever uma dedicatória à minha família. Não esqueça. Você é meu maior amigo e não vai me decepcionar. (Foto do Papa com dedicatória era, outrora, a maior honra que uma família nordestina poderia exibir na parede da sala de visitas.) O deputado viajou e encaixou o pedido tresloucado na mala do esquecimento. O tempo passou. Dois meses depois, ao voltar a Nova Cruz e ao sentar na cadeira da barbearia, recebeu a cobrança: - E aí, compadre, o senhor foi a Roma? Viu o Papa? E minha foto com a assinatura dele? E a dedicatória? - Pois é, compadre. Vi o Papa. Só me lembrei de você. Falei de sua família, de seu trabalho, da admiração que você tem por Sua Santidade. E ele me olhava com aquele olhar de santo. Quando ia pedir a assinatura dele na foto, ele olhou para minha cabeça exatamente no momento em que me curvei para beijar o anel e, compadre, me deixou sem ação. Pois me perguntou muito contrariado: - Senhor deputado, que barbeirinho filho de uma figa fez esse estrago em sua cabeça? - Você há de compreender, não tive nenhuma condição de fazer o pedido. Não queria comprometer o compadre. Desta vez, olhe bem, compadre, muito cuidado no corte, viu? Brasil na folia O carnaval é uma festa esticada no Brasil. Pelo menos, o espírito carnavalesco está na índole nacional. Faz-se presente na antecipação da folia e na continuidade após a quarta-feira de cinzas. Tem muita gente que emenda os feriados, esticando folga e folguedos até o final da semana carnavalesca. Mesmo assim, o nível político ganha certa musculatura com a chama acesa dos grupos que maquinam entendimentos sobre candidatos e seus vices. Quem será o quê? Esse é o eixo das conversas. Inclusive no carnaval. São Paulo de momo Sem querer puxar a sardinha para a metrópole, São Paulo ganha volume no ranking carnavalesco. Blocos já estão nas ruas. SP já não é o túmulo do samba, como se dizia. Nesses dias pré-folia, a região do Ibirapuera junta multidões. Outras regiões entram na algazarra. O carnaval de rua está animado. Sob o som, aqui e ali, de refrãos e slogans contra e a favor dos principais protagonistas da política. Para não perder a tradição. Bruno, cauteloso Quem está sob cautela é o prefeito Bruno Covas. Subiu em um palco para falar a 500 convidados, sem ninguém ao lado. Precaução. Evita contaminação. Está com as reservas baixas por causa do tratamento do câncer. Mas conversa em particular. A última conversa foi com o apresentador Datena, que está conversando com gente de muitos partidos. A mosca azul está baixando na cabeça de midiáticos. Luciano Huck, então, é um todo ouvidos. Conversa muito. Bolsonaro e suas bananas Bolsonaro não tem jeito, pelo menos no que diz respeito à relação com a imprensa. Manda banana para os jornalistas naquele gesto que, antigamente, era desrespeitoso. E ainda é. Mas a galera está se acostumando. Faz parte da índole. E se houver alguma resposta de algum repórter mais desembestado? O que poderá ocorrer? Nesse caso, o ditado "olho por olho, dente por dente" não será aceito. O "pobre" do mal-educado deverá ser proibido de frequentar os minicomícios diários do presidente. O Brasil sob nuvens Não dá para fazer grandes projeções sobre o país. Nunca os horizontes foram tão fechados. Nuvens grossas impedem visão de enxergar distâncias maiores. E nem mesmo as curtas. Um maluco - com ideias estapafúrdias - pode se eleger prefeito ou, mais adiante, deputado. A campanha municipal será um oceano de surpresas. Daqui a pouco a direita pode tomar o lugar da esquerda em algumas matérias e vice-versa. Este analista confessa que nunca viu horizontes tão obnubilados. Zema Romeu Zema, o governador de MG, o maior ícone do Novo, partido em crescimento, deu um big aumento aos policiais militares. Imaginem a confusão. As pedrinhas do dominó começam a cair em muitos Estados, onde as polícias querem o mesmo aumento - mais de 40% - concedido por Zema. MG é um Estado-síntese do Brasil. Perfil ideal Pergunta recorrente a este consultor. Qual o perfil ideal para ser candidato este ano? Na ponta da língua: - símbolo da renovação - vida bem-sucedida no campo profissional - passado limpo, vida decente - boa expressão - capacidade de comunicação - eficiente articulação - apresentação de propostas que entrem na cachola do eleitor - condições para fazer uma boa campanha Cabral na real Sérgio Cabral teve aprovada sua delação premiada à PF. E na maior ligeireza "entregou" a mulher Adriana Ancelmo, dizendo que ela sabia de todas as falcatruas que cometia. "O homem é o lobo do homem", já ensinava Thomas Hobbes, o autor do clássico Leviatã. A frase original, traduzida para o latim como "homo homini lupus", pertence ao dramaturgo romano Plautus (254-184 a.C.). O homem é a ameaça contra a própria espécie. O continuísta Candidato à reeleição na prefeitura, máquina a serviço da candidatura, cabos eleitorais multiplicados, o continuísta tem grandes vantagens sobre outros. Principalmente se construiu forte identidade junto à comunidade. Pontos fortes: ações e obras a mostrar. Pontos fracos: mesmice, esgotamento do perfil e eventuais denúncias de corrupção/nepotismo, etc. O oposicionista Deve encarnar situação de mudança, troca de peças velhas na máquina administrativa. Para ter sucesso, precisa captar o espírito da comunidade, auscultar demandas, mostrar-se ao eleitor, ganhar confiança. Pontos fortes: alternativa à velha ordem; encarnação do espírito do novo. Se for um perfil já conhecido, impregná-lo com o verniz da renovação. Pontos fracos: pequena visibilidade (hoje, pode usar bem as redes sociais); estruturas de apoio mais tênues. A terceira via O candidato da terceira via apresenta-se como perfil para quebrar a polarização entre situação e oposição. Para angariar apoio de todos os lados, carece organizar um discurso moderado, ouvindo todos os segmentos, buscando uma linha intermediária. Demonstrar que tem melhor programa do que os dois candidatos. Pontos fortes: bom-senso, alternativa à polarização acirrada entre grupos, inovação. Pontos fracos: falta de apoios das estruturas. Disfarce O ministro Abraham Weintraub, da Educação, entra na história como o maior trapalhão da Pasta em todos os tempos. Seus erros de português ganharam manchetes. Suas provocações caíram no vazio. Continuará ministro, garante Bolsonaro. Pois bem, ontem, o ministro produziu mais uma de suas aberrações. Desta feita, uma mensagem de Twitter com erros de português seguidos. Claro, foi proposital. Mas o recurso é infantil. Quis tirar sarro da mídia que o critica pelos erros. Mas o recurso exibe o disfarce. Quis dizer, estou errando de propósito para vocês se divertirem. Ninguém engoliu a manobra. O ministro contribui para manchar a imagem do governo. Humanas em ascensão Nos últimos tempos, o Brasil passou a ser passado a limpo nas conversas, palestras e interlocuções. Quem se beneficia com isso é a área de Ciências Humanas. Política é discutida ao lado de comportamentos, gestos, atitudes. Claro, economia tem sempre seu lugar de destaque. Uma observação: a área de Filosofia ganhou notas mais elevadas no ENEM. Mais procura, mais gente engajada no debate. PS: os filósofos estão em destaque. Cito três: Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé e Mário Sérgio Cortella. Califon em Pau dos Ferros Aliás, esse último amigo, Cortella, me conta uma boa recordação. Nos tempos do Paulo Freire, foi até Pau dos Ferros, onde aprendeu que sutiã ali é chamado de califon. Quando soube que nasci numa cidadezinha da Tromba do Elefante (Luis Gomes), me contou a história do califon. Para quem não sabe, o RN tem o formato de um elefante. Nasci na ponta da tromba, na serra que faz muito frio no mês de julho. Falsidades Nem bem o general Braga Netto toma posse na Casa Civil e os desembestados radicais já enchem as redes sociais com fake news. Um vídeo mostra o general falando em linguagem que, na visão de um colega dele, não corresponde ao "linguajar castrense". Na falsidade, tentam colocar o general Braga contra os 20 governadores que assinaram uma carta discordando do presidente Jair Bolsonaro. Mais um insulto O presidente continua a expressar linguagem incongruente com o alto cargo que desempenha. Ontem, voltou a cometer o gesto deselegante de insultar a repórter da Folha de S.Paulo, Patrícia Campos Mello. Manchete do jornal: "Bolsonaro insulta repórter da Folha com insinuação sexual". Nunca se viu tão baixo nível. O primeiro manual O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Três coisas Naquele Manual, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".  
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Porandubas nº 655

Abro a coluna com a malandragem mineira. 31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte: - Alkmin, para onde você vai? - Para Brasília. - Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília. Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond: - O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília. Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. Essa é uma historinha que expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações. O primeiro relato foi assim: "Perguntei para o senhor onde iria. Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Ora, acontece que o senhor vai mesmo a Minsk". Bomba em Bruno O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, até estava com seus índices de aprovação em franco crescimento. Enfrenta o câncer com coragem e disposição. O fator emocional impulsiona o apoio da população. Mas essa chuvarada que inundou a cidade vai ser uma bomba de efeito retardado sobre o prefeito. A mídia mostra que deixaram de ser gastos com obras de prevenção de enchentes algo em torno de R$ 2,7 bilhões. A aflição das comunidades periféricas se expande. A indignação ganha imprecações. Não adianta culpar o céu ou S. Pedro, o abridor das torneiras. O eleitor, em outubro, vai lembrar que faltou, bem antes, um bombeiro para evitar a tragédia. PIBINF Produto Interno Bruto da Infelicidade (PIBINF): esse é o nome do destruidor de candidatos. Claro, há outros como a gestão do administrador público, a má avaliação, o oportunismo de candidatos que só aparecem em tempo de eleição. Mas as tragédias são grandes eleitoras. Derrubam candidatos de todos os espectros: gordos e magros, feios e bonitos, jovens e velhos, bons e ruins de voto. São Paulo foi travada pela chuvarada que continua a cair na região. O PIBINF aumenta em escala geométrica. Esse eleitor vai correr o país e sujar candidaturas. A geografia das tragédias As tragédias produzem impactos horizontais e verticais. Horizontais, porque correm pela geografia do território, geralmente do berço onde nascem - capitais ou regiões sujeitas a abalos, como Brumadinho, em Minas Gerais -, correndo por regiões vizinhas. Verticais, na medida em que castigam grupos e classes da pirâmide social. Os mais necessitados têm suas casas inundadas. Carros das classes médias e inundações das ruas onde moram somam perdas e geram indignação. Os que habitam o alto da pirâmide acabam tendo suas rotinas alteradas sob o fluxo de tumultos nas regiões afetadas. O ano de 2020 não será simpático a milhares de candidatos. Vem muita renovação por aí. Muita ambição No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder". Políticos, bons A fama (boa ou má) de um perfil político, em ano eleitoral, corre em círculos. Cada um possui uma imagem, que resulta do conhecimento que dele tem o povo. Esse conhecimento, por sua vez, decorre dos atos que o político realizou, dos serviços prestados à comunidade, da ajuda e das promessas cumpridas, enfim, da história da pessoa. Essa imagem pode povoar o território do bem ou do mal. As imagens são associadas aos sentimentos do ser humano, de prosperidade e felicidade, de generosidade e de bons feitos, de boa saúde e de bons negócios. Políticos, maus E, de outro lado, as imagens são associadas às coisas ruins, de perdas e empobrecimento, de dor e angústia, de infelicidade e tragédias. Cada cidadão (ã) guarda certa imagem do político que conhece. Aquele que ajuda as pessoas em sua luta é "bom"; o que não o faz é "mau". Em tempos de crise, é preto no branco, pró ou contra, "quem não está conosco, está contra nós". A fama em círculos Ocorre que esta imagem corre em círculos, saindo de uma fonte (uma pessoa), chegando a um grupo, que já funciona como pequena tuba de ressonância, até se espraiar pelas massas dispersas. A fama (boa ou má) se difunde, ganha novos trombones, vai correndo pela geografia dos espaços e pelas classes sociais. O destaque é o poder das classes médias para difusão em massa da imagem. Como estão no meio da pirâmide, as classes médias sopram ideias para cima e para baixo, atingindo ricos e pobres. Esta é a pedra jogada no meio da lagoa. O conteúdo expresso pelas classes médias forma ondas que chegam às margens de cima e de baixo. Daí a importância de avaliar o pensamento das correntes que habitam o meio da pirâmide, a partir do poderoso segmento de profissionais liberais. Se um político começa a ser mal avaliado pela classe média, esta avaliação sai do meio para as margens. Democracia participativa Faz anos que o Brasil tenta alavancar o conceito de democracia participativa. Como se sabe, esta é a democracia semeada na Ágora, a praça central de Atenas, onde os cidadãos convocados expressavam aos senadores o que queriam em matéria de obras e tributos. As Diretas Já, no Brasil de ontem, já sinalizavam a vontade do povo de se fazer presente na vida política. O poder centrípeto Mais recentemente, tivemos as jornadas de junho de 2013, que integraram a onda mundial de manifestações explodidas nos quadrantes do planeta. Tudo isso está por trás da revitalização da democracia, que hoje é firmada sobre poderes centrais (poder centrífugo). Mas começa a ecoar pelo mundo afora gritos do poder centrípeto (das margens para o centro), sinalizando que a sociedade quer revigorar a democracia participativa. A base organizada Há cerca de meio milhão de ONGs no Brasil. Essas Organizações Não Governamentais reúnem entidades de intermediação social e tentam fazer o que os partidos políticos e seus integrantes não conseguem: ampliar e defender a faixa de direitos e garantir os preceitos constitucionais. Antes, essas entidades se formavam nos núcleos das classes médias; hoje, há centenas de entidades estabelecidas nas periferias. Esse é o novo e extraordinário poder das bases no Brasil. Não somos mais o país do "Maria vai com as outras", que significava subordinação, um bando de ovelhas pastoradas no campo. Hoje, as mulheres como os homens agem sob os princípios da autonomia, harmonia e igualdade. Quem não enxerga esse fenômeno estará fora do processo político. Os credos Força política crescente, os credos religiosos constituem outro fenômeno que deve ser inserido no tabuleiro do poder no país. No Brasil governado por Bolsonaro, tendem a ganhar força. Mais um pouco, os evangélicos superarão os católicos. Eles não estão nem um pouco incomodados com essa história de que o Estado brasileiro é laico. Sob as cúpulas dos credos, germina a estratégia de infiltração evangélica nas veias do corpo nacional, a partir das periferias e dos cárceres. A bancada religiosa cresce sob a força do dízimo e, também, sob o refrão de Luiz Gonzaga, nosso cancioneiro maior: "Uma pra mim, uma pra mim; uma pra tu, outra pra mim; uma pra mim, outra prá tu; uma pra mim, outra pra mim". Protagonistas na paisagem # Governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro: acendendo polêmicas e procurando compor perfil para 2022. # Sérgio Cabral - Um tonel de bombas, sua delação. Incluindo a mulher. # Paulo Guedes - Começa a acender um fósforo contra a fogueira que o cerca. Chamar servidores públicos de "parasitas" pegou mal. # João Doria - Mídia começa a empacotar sua imagem em celofane multicolor. Identidade ainda não firmada. # Paulo Skaf - Mais uma tentativa de entrar na política pelas portas partidárias, desta vez com a chave do Aliança pelo Brasil, partido de Bolsonaro. Parece receoso de enfrentar as urnas mais uma vez. # Gilberto Kassab -Anda adormecido. O que está articulando? # Luiz Inácio - Quer fazer imensa bacia de prefeitos com água requentada. Ele, primeiro e único. Não admite renovação. # Tarso Genro - Afastando-se do PT, à procura de um novo caminho. # Amoedo, do Novo - Endinheirado, pode fazer um bom número de prefeitos. Parece organizado. # Luciano Huck -Um ator à procura de coadjuvantes. E de um palco. Tem muito a comprovar. # Flávio Dino - Esquentando as baterias para decolar. Quer subir na política. # Rodrigo Maia - Muito poder este ano. Fundamental na articulação. # Davi Alcolumbre - Cheio de dúvidas. Tomou gosto pelo poder. # Romeu Zema - Dá-se conta de que não é fácil governar um Estado como MG sem cair na realidade. # Rui Costa - Ansioso para estar entre os presidenciáveis do PT. # Ciro Gomes - Os mesmos índices de ontem e antes de ontem. Parece não sair do lugar. # Bolsonaro - Os generais tentam amaciar sua expressão. Mas continua duro na queda. Inflexível. Fecho com pequeno conselho. Campanha eleitoral Ancorado em vivência, chamo a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga metas como estas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Porandubas nº 654

Abro a coluna com hilária discussão em Paulista/PE. E verbo não 'vareia' A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens". - Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa. - Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia". (Historinha contada por Ivanildo Sampaio) Abre-se o ano político O ano político começou com o fim do recesso parlamentar. De volta à Brasília, deputados e senadores captaram o "estado d'alma" de suas bases. E pelo que se conhece da índole de brasileiras e brasileiros, ênfases foram anotadas: as mulheres mostram mais indignação que os homens, principalmente nas áreas mais carentes; a população reclama do abandono de espaços urbanos muito deteriorados; reclama que políticos só voltam a querer conversa com o povo em ano eleitoral; constata-se sentimento de que a reeleição de prefeitos e vereadores será mais difícil que em pleitos anteriores. Clima político A temperatura no território da política será mais quente que a do ano passado. O corpo parlamentar dividirá sua agenda entre contatos frequentes com as bases e as tarefas congressuais. O governo deverá enfrentar um paredão mais exigente, crítico e pragmático. A cobrança dos congressistas ao governo será dura. Não aceitarão conversa mole. Desejarão o troco, com juros e correção monetária, sob pena de faltar votos para que o governo aprove suas pautas. De pronto, o governo tentará aprovar a lei do saneamento. Grande debate haverá sobre as reformas tributária e administrativa, do alto interesse do ministro Paulo Guedes. O clamor das bases Parte do tempo parlamentar, principalmente a partir do segundo semestre, será dedicada ao giro nas bases, que terão uma cesta de pedidos, demandas velhas e novas, reivindicações que integram a micropolítica. Candidatos à prefeitura e à Câmara de Vereadores farão enorme pressão sobre governadores, deputados estaduais, Federais e senadores. O confessionário será longo e a fila que quer indulgências atravessará quarteirões. Afinal, a base a ser escolhida é quem sustentará o edifício político de 2022. Bolsonaro diz que não vai se intrometer na campanha. Balela. E como vai... Trata-se de construir a fortaleza que o resguardará para a campanha da reeleição. Federalização da campanha Como se infere facilmente, o Brasil polarizado levará esse contexto para a campanha municipal. O verbo e a verba, portanto, deverão ser reforçados com o empuxo da máquina federal. O PT e oposições se preparam para articular o discurso. Pinçarão as coisas ruins, desastres e eventos negativos que bateram nas portas do Palácio do Planalto, a partir da desastrada atuação do ministro da Educação. O governo puxará o Bolsa Família, com o 13º, o aumento do salário mínimo acima da inflação, o resgate (mesmo lento) do emprego, a moralização (??) da administração, dados que mostrem avanços. E a linha central? Os dois lados da polarização, portanto, preparam estratégias, táticas, programas, projetos, pacotes embrulhados com os celofanes do céu. Claro, sob a perspectiva das duas bandas. Mas as cores do inferno serão exibidas. E a linha da moderação, do bom senso, da harmonia, racionalidade? Poderá ser engolida (canibalizada, como se diz em marketing) pela estridência das duas grandes tubas de ressonância que tocarão nas extremidades do arco ideológico. São Paulo, pleito emblemático No arquipélago eleitoral, São Paulo será uma ilha muito observada. Na metrópole, vivem os maiores conjuntos de trabalhadores braçais, as maiores classes médias (A, B e C), as massas mais carentes, as mais fortes organizações sociais, os maiores redutos de profissionais liberais etc. Tudo é grande em São Paulo, a começar por sua densidade eleitoral, cerca de nove milhões de votos. Portanto, a tendência eleitoral no epicentro das mídias tradicionais e das redes tecnológicas deverá ter algum efeito sobre outros centros. Efeito da pedra jogada no meio do lago. Batalha contundente Bruno Covas, o prefeito tucano, deverá defender o continuísmo de sua administração. Um político em franco combate à doença que o aflige. Do lado do PT, a tentativa de escolher um perfil com chances. Fernando Haddad ou mesmo Marta Suplicy, que já foi do PT. Haddad não quer. Prefere se preservar para o pleito presidencial de 2022. Marta é rejeitada por alas do PT. Mas Lula é simpático à candidatura da ex-prefeita. Os outros pré-candidatos petistas não têm grandes balaios de votos. Celso Russomanno, deputado e populista, do partido Republicanos, é cobiçado pelos tucanos, que querem vê-lo na chapa de Bruno Covas. Salvador, também emblemática Outra campanha emblemática será a de Salvador. De um lado, o candidato (ou candidata) do governador Rui Costa, do PT, de outro, o candidato do prefeito ACM Neto. Rui parece simpatizar com a candidatura de uma mulher, Denice Santiago, negra e major da Polícia Militar da Bahia. Grande apelo popular. ACM Neto, presidente nacional do Democratas, quer eleger o vice-prefeito Bruno Reis como candidato da legenda. A campanha medirá forças entre as duas maiores lideranças políticas da Bahia. E será acompanhada com atenção especial. Bolsonaro mais flexível Como se comportará o presidente Jair neste 2º ano político? Mais flexível, sem dúvida, sob pena de ver aumentada a oposição ao governo no Congresso. Mas não se espere dele mudanças na "arte" de produzir peripécias: falas polêmicas, recados diretos e indiretos, frituras de ministros. Uma no cravo, outra na ferradura. O capitão tem um foco: a base radical que se engaja de coração em sua defesa. Fala todo tempo para ela. E, apesar de ter havido alguma contração nesse núcleo, as pesquisas ainda o mostram como favorito ou perto do favorito, sendo Moro candidato. Este ministro tem um índice de avaliação melhor que o de Bolsonaro. Neste 2º ano, a articulação do governo junto ao Congresso tende a melhorar. Até porque se não melhorar, mudanças virão. Até se encontrar o perfil adequado para a tarefa. Moro no STF A nomeação do ministro Sérgio Moro para o STF entra na casa de 85, entre 0 e 100. O ideal dos ideais para Bolsonaro? Moro como vice. Mas quem garantiria que, não sendo indicado para o STF, ele continuaria no governo? Até poderia ficar mais um tempo. Mas, na política, há uma mosca de olho azul. A quarentena O Governo decidiu trazer os brasileiros que estão em Wuhan, na China, epicentro do coronavírus. Ponto para o Governo. Eles serão isolados numa quarentena de 18 dias. Um desafio. Há infectologistas como David Uip, que questiona a eficácia da quarentena sanitária prevista pelo Ministério da Saúde. Diz que há pouca informação sobre o tempo de incubação do novo coronavírus, não existindo de que o período de transmissão seria coberto. PT e seu retrofit O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, sugere uma ampla aliança entre as oposições. E pede ao PT que tente mudar sua cara, a partir da mudança de nome. O que se chama de "retrofit", termo surgido na Europa e Estados Unidos, que significa "colocar o antigo em forma" (retro do latim "movimentar-se para trás" e fit do inglês, significando adaptação, ajuste). Na arquitetura, abriga um conjunto de ações de modernização e readequação de instalações. O objetivo é preservar o que há de bom na velha construção e adequá-la às exigências atuais. Dará certo? Ora, colocar uma embalagem nova num produto desgastado mais parece um drible para enrolar eleitor. Mudar nome de partido sem mudar as pessoas ou reinserir um programa ideológico é querer dar uma solução perfunctória, inútil. Como se diz no vulgo: tapar o sol com peneira. Convém lembrar o conceito de identidade e de imagem. Identidade é a soma do escopo programático, tradição, lutas, história de sucesso e insucesso, quadros, enfim, tudo que lembre a grandeza do partido. Imagem, por sua vez, é a projeção da identidade, a percepção sensitiva captada pelos cidadãos, a ideia que se tem da agremiação. Mudar a imagem sem resgatar a identidade é coisa inútil. A persistência Fecho a coluna com um valor apreciado na política: a persistência. E lembro: na política, nem sempre a menor distância entre dois pontos é uma reta como na geometria euclidiana. É uma curva. Por exemplo: Fernando Henrique só chegou à presidência da República depois de ter perdido a eleição de prefeito para Jânio Quadros, em São Paulo. Uma curva em sua vida. Colombo A persistência é uma das principais virtudes dos grandes homens. Cristóvão Colombo aferrava-se à obsessão de que poderia chegar ao Oriente pelo caminho do Ocidente. O pensamento não lhe dava trégua. Esta foi a diferença entre Colombo e os seus contemporâneos. Estava convencido. Queria partir. Mas seria forçado a esperar muito. Enquanto aguardava, falava do sonho. D. João II, rei de Portugal, interessou-se pelo assunto e submeteu o projeto de Colombo a uma junta de sábios. Estes condenaram a ideia. Quando morreu a esposa, Colombo gastou a maior parte de suas economias com o enterro. E foi para a Espanha. Fernando e Isabel Fernando e Isabel, empenhados em dispendiosa guerra com os mouros, deram apenas meio ouvido à proposta do genovês. A rainha, entretanto, foi simpática a ele. Concedeu-lhe uma pensão, enquanto a junta de notáveis do Reino estudava o assunto. Depois de dois anos, a pensão foi suspensa. Obrigado a se manter sem ajuda, durante os oito anos seguintes vendeu livros e mapas que confeccionava. Seus cabelos ficaram brancos. Foi atacado pelo artritismo. Mas nunca desesperou. E, um dia, realizou seu sonho.
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Porandubas nº 653

Abro a coluna com o folclórico paraibano, Zeca Boca de Bacia. Zeca I Zeca Boca de Bacia fazia a alegria do povo em Campina Grande/PB. Personagem folclórico, amigo de políticos. Dava assessoria informal a Ronaldo Cunha Lima e a seu filho Cássio, prestes a ganhar o mandato de senador. Quando Zeca abria a boca, a galera caía na risada. Certa vez, numa de suas internações na clínica Santa Clara, em Campina Grande, a enfermeira foi logo perguntando: - Zeca, qual o seu plano (de saúde)? E ele: - Ficar bom! Outra vez, Zeca pegou um táxi em Brasília para ir à casa de Ronaldo Cunha Lima. Em frente à casa do poeta, o taxista cobrou R$ 15. Zeca só tinha R$ 10. Sem acordo, disparou: - Então, amigo, dê cinco reais de ré! Mais Zeca Em João Pessoa, num restaurante chique, Zeca pediu um bode assado. O garçom retrucou: - Desculpe-me, senhor, aqui só servimos frutos do mar. Zeca emendou sem dar tempo: - Então me traz uma água de coco. Muita gente matada O Estado de Minas Gerais anda pagando um preço alto demais por um pecado que não se sabe qual. Em parte, talvez, pela riqueza de seu solo, que não deveria ser pecado, mas virtude, se tratada com respeito. O fato é que nenhum povo merece tal castigo, como a sequência de tragédias a que o Estado vem sendo submetido desde o rompimento da barragem de Mariana, em 2015. Morreram 19 pessoas. Depois, Brumadinho, com 270 mortos e onze pessoas ainda desaparecidas. Neste começo de ano, o maior índice de chuvas em toda a história da Grande BH. São contados até agora 56 mortes e milhares de desalojados e desabrigados. "Minas não há mais", dizia Carlos Drummond de Andrade. Não para de morrer gente E até a cerveja entrou na lista macabra dos mineiros: quatro pessoas morreram e 21 estão infectadas pela substância dietilenoglicol, encontrada em amostras da cerveja Belorizontina e outros produtos da cervejaria Backer, que se diz artesanal. Como desgraça pouca é bobagem, a doença que hoje ameaça o mundo, o coronavírus, parece ter entrado no Brasil pela porta de Minas, com uma estudante de 22 anos de Belo Horizonte que veio da China, exatamente da cidade de Wuhan, de onde o vírus se espalhou. Há mais dois casos suspeitos no Brasil, em Curitiba e Porto Alegre. E então, no meio de tanta tragédia, cabe a frase do mineiro Guimarães Rosa em seu "Grande Sertão: Veredas": "Um dia ainda entra em desuso matar gente". O inferno de Bolsonaro Depois de atacar adversários, de levar ao extremo a polarização política, de esbravejar contra a imprensa e a todos os de bom senso que não elevam seu governo ao pedestal - e sem nenhuma elegância ou respeito à liturgia do cargo -, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta agora seus próprios fantasmas. Caso 1: Enem Ainda é um mistério o que ocorreu com o Enem. O fato é que houve erro, e grave. Tanto que, em razão das falhas na correção das provas, a Justiça mandou suspender e depois liberou a divulgação do resultado do Sisu, sistema em que o estudante concorre a vagas em universidades públicas com a nota do Enem. Bolsonaro disse que o governo vai apurar se houve um erro de gestão, falha humana ou sabotagem na correção da prova: "Tenho que conversar com ele [ministro da Educação, Abraham Weintraub] para ver o que está acontecendo. Se realmente foi uma falha nossa, se tem alguma falha humana, sabotagem... Seja lá o que for. Temos que chegar no final da linha e apurar isso daí". Quando as provas do Enem 2019 se encerraram, o ministro Abraham Weintraub declarou em rede nacional: "Foi o melhor Enem de todos os tempos". Caso 2: BNDES O governo anterior havia tentado abrir a tão falada caixa-preta do BNDES ao contratar uma auditoria ao custo de R$ 16 milhões. Não deu em muito. Bolsonaro insistiu no assunto. Nova auditoria e o custo passou a R$ 48 milhões por causa de dois aditivos, um deles assinado pelo atual presidente do banco, Gustavo Montezano, 39 anos, amigo dos filhos do presidente. Comentário de Bolsonaro: "Tem coisa esquisita aí. Parece que alguém quis raspar o tacho... É o garoto lá, foi o garoto, porque, conheço por coincidência desde pequeno, o presidente do BNDES é um jovem bem intencionado... A ordem é não passar a mão na cabeça de ninguém". O fato é que a caixa-preta do BNDES parece virar caixa-preta do governo Bolsonaro. Caso 3: Mordomia em casa Dessa vez o presidente agiu rápido e demitiu Vicente Santini, ministro interino da Casa Civil da Presidência. O titular Onyx Lorenzoni está de férias. Mas mandou dizer que o subordinado usou legalmente portaria regulamentando viagens. Santini usou um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) sem o consentimento da Presidência da República para ir à Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial, e depois para a Índia, onde integrou comitiva do presidente. Custo aproximado de R$ 740 mil. Bolsonaro criticou Santini e classificou sua atitude como "imoral" e "inadmissível". Na condição de chefe interino da Casa Civil, o subordinado foi o único a viajar em aeronave oficial. As demais autoridades utilizaram companhias aéreas comerciais. Santini também é da turma dos filhos do presidente. Caso 4: A mão na cabeça "Não passar a mão na cabeça de ninguém" foi a frase do presidente ao analisar o caso BNDES. O jeito de tirar a caixa-preta ou o bode dali é afastar o "garoto" amigo da família. Mas, por mais que Bolsonaro pareça intransigente com traquinagens de integrantes de seu governo - como na demissão do secretário da Cultura, Roberto Alvim, patético imitador de Joseph Goebbels -, o presidente tem sido bastante leniente com alguns dos seus. Caso 5: Os bichos desiguais Por exemplo, com Abraham Weintraub, o arrogante ministro da Educação, área em que o governo tem sido considerado um desastre, fora o Enem. E com o ministro do Turismo, Álvaro Ângelo Antônio, indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais sob acusação de comandar o laranjal mineiro. Como se percebe, "os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais que outros", como dizia George Orwell em seu "A Revolução dos Bichos". Guedes, altos e baixos Paulo Guedes, do alto suas qualidades como economista, professor e comandante de uma boa equipe técnica no Ministério da Economia, comete pecadilhos, só explicáveis à luz da afobação. A declaração que deu em Davos, ao jogar a devastação na floresta como necessidade de sobrevivência dos pobres, em vez de convencer, mexeu negativamente na cabeça dos investidores. Quem lá esteve cochichou no ouvido deste consultor: "foi um zum-zum geral nos corredores e momentos de descontração. Todos balançando a cabeça em gesto de desaprovação". Campanha antecipada Incrível, porém verdadeiro. A campanha de 2022 ganha mais conversa do que o pleito de outubro próximo. Na mesa, o assunto de sempre: quem Bolsonaro vai enfrentar? Moro? Ou este acabará indo para o STF? Se não for indicado, será candidato. (Nove entre dez apostam nessa alternativa). Bolsonaro teria essa saída, para escapar de um confronto com o mais admirado ministro, ou, ainda, escolher o ex-juiz como vice em sua chapa. Essa segunda alternativa amedronta todos os campos, ou seja, os outros pré-candidatos rezam para que isso não ocorra. Por isso, a fofocagem tende a aumentar para azedar as relações entre chefe e subordinado. Bruno sobe O brasileiro é solidário, sim, com quem enfrenta grandes dissabores, principalmente aqueles com marca de doenças que ameaçam a vida. Bruno Covas era um até pouco tempo e virou outro. Pois bem, a disposição do neto de Covas de enfrentar o câncer deu a ele uma nova face. Sorridente, enfrenta a doença com disposição e garra. Não dá ideia de abatimento, recuo, medo, sofrimento. Bruno passou a ganhar solidariedade do paulistano. Pesquisas mostram uma boa subida nos índices. É franco favorito como candidato à reeleição. Efeito cascata Pois é, confirma-se, a cada dia, a hipótese: um espirro na China tem reflexos em todo o mundo. O tal coronavírus já chegou em quase 20 países. O mundo não tem fronteiras para sustar o efeito cascata de vírus, bactérias, gripes e fenômenos que assolam, periodicamente, a Humanidade. Há quem jogue esses males que matam milhões na conta do equilíbrio do planeta. Arre....há cada teoria estapafúrdia... Decalagem? Perguntinha marota: o que é um governo que dá resultados? Resposta: é aquele com aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Usa a técnica da "decalagem" (avanço), a capacidade do atirador de calcular a distância e a trajetória do alvo móvel, acertando-o em cheio ao disparar um pouco a frente do ponto escolhido. Mas a ausência de planejamento se faz ver em toda a parte. Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. Um eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço. Convite ao leitor: faça uma análise de alguns governos: estão avançando ou em retrocesso? Alavancas do discurso Nesse ano eleitoral, muitas perguntas ficarão no ar. Uma delas: como ajustar o discurso para atender ao espírito do tempo? A ciência política sugere mexer com quatro alavancas. Ou seja, existem alguns símbolos detonadores e indutores do entusiasmo das massas em, pelo menos, quatro categorias. Adesão Discurso voltado para fazer com que a população aceite os programas, associando-se a valores considerados bons. Nesse caso, o candidato precisa demonstrar a relação custo-benefício da proposta ou da promessa. Rejeição Discurso voltado para o combate a coisas ruins (administrações passadas, por exemplo). Aqui, o candidato passa a combater as mazelas de seus adversários, os pontos fracos das administrações, utilizando, para tanto, as denúncias dos meios de comunicação que funcionam como elemento de comprovação do discurso. Autoridade Abordagem em que o candidato usa a voz da experiência, do conhecimento, da autoridade, para procurar convencer. Sob essa abordagem, entram em questão os valores inerentes à personalidade do ator, suas qualidades pessoais. Quando se trata de figura de alta respeitabilidade, o discurso consegue muita eficácia. Conformizãção Abordagem orientada para ganhar as massas e que usa, basicamente, os símbolos da unidade, do ideal coletivo, do apelo à solidariedade. É quando o político apela para o sentimento de integração das massas, a solidariedade grupal, o companheirismo, as demandas sociais homogêneas. Fecho a coluna com Einstein. A minha beleza Certa vez, Einstein recebeu uma carta da Miss New Orleans onde dizia a ele: "Prof. Einstein, gostaria de ter um filho com o senhor. A minha justificativa se baseia no fato de que eu, como modelo de beleza, teria um filho com o senhor e, certamente, o garoto teria a minha beleza e a sua inteligência". Einstein respondeu: "Querida miss New Orleans, o meu receio é que o nosso filho tenha a sua inteligência e a minha beleza".
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Porandubas nº 652

Abro a coluna com um "causo" que presenciei Um jumento bêbado no Piauí 1986. Comício de encerramento da campanha de Freitas Neto (PFL) ao governo do Piauí. Desde cedo, carros de som anunciavam monumental comício. Um showmício da grande Elba Ramalho. Carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, 10 dias antes da data. Fortes chuvas atrapalharam o transporte, atrasando a chegada. O som chegou quase na hora do comício na Praça do Marquês. Coordenador da campanha, cheguei ao local um pouco antes para ver o ambiente. Técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos. 18 horas. Um toró (como se diz no Nordeste) começa a cair. A chuva torrencial faz a festa. Praça lotada. Três mil piauienses gritando sob a água que caía. Garrafas de cachaça corriam de mão a mão. De repente, um estrondo. Fogo e fumaça nos cabos. Corre- corre dos técnicos. Um aviso: "Acabou o som. Não há condição para o showmício." Elba Ramalho atirou: - Está aqui meu contrato. Sem som, não canto. Muita conversa. Até que admite: - Cantarei uma música e me arranjem um acompanhamento. Saiu não sei de onde um cara com um banjo. O povão pedia: - Elba, Elba, Elba, cadê a Elba? Que começou a cantar: - Bate, bate, bate, coração... Nem bem terminou a estrofe, parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa: - Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas? O que era aquilo? Por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi a cena: - Um sujeito abrindo a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina respirava um ar de gozação. O showmício de Freitas Neto foi um desastre. Senti o ar pesado. Pesquisas nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre virou o clima. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me pergunta: - Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral? Respondo: - Um jumento bêbado no Piauí. P.S. O Imponderável nos visitou na campanha de Bolsonaro O espírito do tempo Vivemos tempos de intensa expectativa. Há gente esperançosa por todos os lados. Uns, acreditando que virão coisas boas pela frente. Outros, imaginando que, mesmo sem ganhar na loteria, avançarão um pouco no caminho das coisas boas. Mas há também gente pessimista. Por isso mesmo, a expressão crítica não tira férias. O brasileiro, regra geral, aprecia a linguagem do esculacho. Da ironia e do chiste. Os whatsapps se enchem de brincadeiras e vídeos engraçados. Funcionam como o vapor da panela de pressão. Servem como contraponto ao azedume. Esse é o espírito do nosso tempo. Rir e chorar, debochar e falar sério. Política esquenta A essa altura, nem bem janeiro termina, chama atenção o fato de que 2022 abre os primeiros horizontes. Nunca se viu, nos últimos tempos, uma campanha tão antecipada. A ponto de se concluir que este ano começa antes do carnaval. Já começou pra valer. A expressão política está na boca de muitos. Já se fala em candidatos a presidente em 2022, enquanto milhares de pré-candidatos se preparam para o pleito de outubro deste ano. A aurora eleitoral Por que estamos vivendo a aurora eleitoral de 2022, sem nem termos passado, ainda, pelo corredor de 2020? Porque a eleição de Bolsonaro quebrou paradigmas e, agora, expande a cobiça que penetra nos corações de mil e um protagonistas. Se uma figura que habitava o território do baixo clero foi eleita, por que eu não posso me eleger? Esta é a interrogação feita por gente plantada na roça da política. O ethos nacional é mutante, vai de A a Z, podendo eleger perfis dos mais extravagantes aos mais simples. Dinheiro, já se sabe, não é fator condicionante para uma eleição. Bolsonaro, foco em 2022 O presidente Jair lapida, a cada dia, sua identidade. Um composto de gestos, atitudes, expressões obtusas, rituais que colam no gosto popular. O presidente é o principal porta-voz do governo. E inventou uma bizarra liturgia para entrar nos espaços midiáticos: o papo solto na saída do Palácio da Alvorada, onde responde o que quer, foge de perguntas, massacra a imprensa com adjetivos pouco educados, dando recados a torto e a direito. Anuncia, em discursos oficiais, que seu governo pode ter 4 ou 8 anos. Ou seja, pensa em se reeleger. O que não será difícil caso consiga fechar a equação que temos apresentado: BO+BA+CO+CA= Bolso Cheio, Barriga Satisfeita, Coração Agradecido, Cabeça Votando em quem proporciona essa felicidade. Sérgio Moro Será uma incógnita até as margens eleitorais, lá pelos idos de abril/maio de 2022. Quem viu o ministro da Justiça no Roda Viva desta semana, pode concluir que ele é candidatíssimo. Saiu pela tangente. Uma enguia ensaboada. Wilson Witzel O governador do Rio tem sido generoso com seu Ego. Acredita piamente que será viável em 2022. Ora, o Rio de Janeiro vive um estado de grande deterioração. E a cada dia a situação parece degringolar. Não será fácil limpar os entulhos que se amontoam sobre o mapa do Estado. Nem para a reeleição - a considerar a moldura de hoje - ele teria condições. Mas política é cheia de imprevistos. Mesmo assim, não dá para acreditar nele. O juiz Witzel parece ter perdido o bom senso, ante a espetacularização de sua imagem. (A imagem desastrada do governador saltando de um carro na ponte Rio-Niterói, dando pulinhos de alegria com a morte do sequestrador). Luciano Huck É o nome que agrada próceres do centrão político, a partir do ex-governador Paulo Hartung, do ex-presidente Fernando Henrique, do economista Armínio Fraga. Huck, em seu Caldeirão, programa na TV Globo, tem uma expressão popularesca. Rico, pode se dar ao luxo de migrar para a política. Agrega alta visibilidade e pode usufruir do esgotamento entre os polos ideológicos de esquerda e direita; conta com apoio midiático, envolvimento de parcela do empresariado e, claro, o apelo emotivo das margens que, todos os sábados, pregam os olhos no seu Caldeirão. Mas a principal barreira é o gap entre sua identidade e os desafios de um país gigante como o Brasil. Explicarei. À altura do Brasil? De pronto, podemos lembrar que astros de rádio e TV estão migrando do espaço do entretenimento para a arena política. Na Europa, temos visto isso em alguns países como Itália. Entre nós, essa migração também ocorre, bastando ver nomes que pularam da mídia para a política. Mas a dúvida persiste: a identidade de Huck - domínio da temática brasileira, conhecimento do país, experiência na administração, discernimento, enfim, estofo - preenche as necessidades nacionais? Teria ele condições de governar um país do tamanho de um continente? Ele pode até responder: serei líder de uma equipe. Mesmo assim, nuvens pesadas se projetam sobre ele. João Doria O governador de São Paulo já demonstrou que é competitivo. Ganhou uma eleição para a maior metrópole do país e, a seguir, o pleito no Estado-líder. Mas a renúncia à Prefeitura deixou sequelas. Ganhou por pouco a eleição no Estado. Doria sabe lidar com marketing, conservando interlocução com influentes intermediadores sociais. Mas não chega à base da pirâmide. Não se trata de um perfil a circular no meio do povão. Cumpre bem as obrigações oficiais, faz inaugurações, é uma locomotiva que todos os dias se desloca em muitas direções. Onipresente. Noutras regiões, é um desconhecido. E precisa arrumar a união entre os tucanos. O Lulo-Petismo Para começar, o PT continua desalinhado. As alas estão em disputa, apesar do esforço da deputada Gleisi Hoffman para costurar a unidade. Fernando Haddad ainda é o perfil que obtém maior conhecimento, claro, depois de Lula e Dilma. Não quer se candidatar este ano à Prefeitura paulistana, preservando-se para 2022. Lula continua a ser a carta do baralho que decide o jogo do partido. Se seu caso nos tribunais descer para a primeira instância, o PT vai tentar anular condenações já impostas, essas que tiram sua viabilidade. Difícil. Mais provável é que sua função seja de puxador de votos. Tasso e Rodrigo Começa a ganhar volume nos meios empresariais e de formação de opinião a chapa Tasso Jereissati e Rodrigo Maia. Há um núcleo nos dois partidos - PSDB e DEM - que começa a trabalhar com essa composição. É evidente que se travará uma luta sangrenta entre a ala de João Doria e a de Tasso e Aécio Neves. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está muito bem na fita, pelo trabalho de boa articulação e resultados que vem apresentando no Parlamento. Aliás, seja qual for o candidato a presidente, Rodrigo tem boa chance de compor como vice. Polarização Como esta Coluna já disse em outras ocasiões, a campanha municipal deste ano ocorrerá na esteira da polarização aberta na campanha de 2018. Teremos um pleito federalizado. O papel das mídias sociais será forte. Mas os controles deverão colocar uma lupa nos exageros- calúnias, difamação, versões mirabolantes, fake news de todos os tamanhos. A base a ser eleita este ano criará a imensa estrutura municipal para a decolagem de 2022. Chances Agora, as chances de cada um. 1. Bolsonaro - O presidente será o principal protagonista de 2022. Portanto, teoricamente sai na frente. O que não é muito confortável como se pensa. Pois, quem vem bem atrás pode encarnar o espírito do tempo e crescer. Quem tem uma pontuação pequena, algo como 7% ou 8%, ao chegar a 14% ou 16%¨, ganha o destaque da mídia: subiu 100%. E esta onda crescente pode empurrar um candidato que começou em baixo para a beira do pódio. Bolsonaro precisa contar com ambiente econômico favorável e nível de críticas menor do que o de hoje. Polêmicas empanarão seus horizontes. Administrar a linguagem será um grande desafio. 2. Moro - Pode vir a disputar a eleição. Fidelidade em política é coisa relativa. Mais adiante, ele teria condições de alegar: infelizmente, não recebi os instrumentos para cumprir minhas tarefas de acordo com o que planejei. E aceitei minha candidatura como uma imposição do povo. Entro na arena. Moro agregaria o discurso do combate à corrupção com o discurso de combate à bandidagem. Com grande viabilidade eleitoral. 3. Witzel- Sem possibilidades de ascender à moldura presidencial. Os problemas do Rio tenderão a permanecer como estão. E engolfarão o governador. 4. Huck - Tem chances de crescer e ser a alternativa contra a polarização. Pesará sobre ele a pecha de ser "o candidato da Rede Globo". O cenário econômico em queda o ajudaria a acender a tocha da esperança. Economia garantindo ambiente de estabilidade tira dele parcela do protagonismo. 5. Doria - Terá problemas no PSDB e em outros partidos grandes. O DEM, por exemplo, tende hoje a apostar em Tasso Jereissati. Mas o governador paulista é um bom negociador. Para entrar no páreo, precisaria ser bem avaliado pelos 35 milhões eleitores de São Paulo. Com a candidatura do Huck, João Doria perde muito. Fossem apenas candidatos Bolsonaro, um petista ou um candidato apoiado pelo PT, e João, ele teria boas chances. Claro, se emplacar a candidatura dele. 6. Tasso - Disputará com Doria a candidatura. Se ganhar, teria condições de vir a ser o perfil de centro e uma opção ao extremismo das margens. 7. O candidato de oposição - Do PT ou outro apoiado pelo PT- Só tem chances ante uma débâcle da economia. O Brasil no despenhadeiro. Nesse caso, quem for o contraponto a Bolsonaro poderia conquistar as massas. O imponderável O Brasil tem sido visitado, nos últimos tempos, pelo Senhor Imponderável dos Anjos. 2022 está tão distante que não permite afirmações categóricas. Um desastre, um acidente ou incidente no percurso, uma jogada de mestre, enfim, um evento imprevisível é capaz de mudar o panorama. Lembrete: muito cuidado com um Jumento bêbado no Piauí.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Porandubas nº 651

Abro a coluna com um "causo" engraçado nas terras da Bahia Bucéfalo Maetinga, no centro-sul da Bahia, a 609 quilômetros de Salvador, tinha, em 2000, segundo o IBGE, 13.686 habitantes. Já o censo de 2010 apurou 7.038 moradores, redução de 48,58%. O caso abriu imensa polêmica entre os vereadores. Mané de Zacarias dissera que os pesquisadores do IBGE erraram na contagem. Chicão gostava de pronunciar palavras difíceis para deixar o interlocutor em maus lençóis. E pede um aparte. Chicão pede a palavra: - Vossa excelência me dá um aparte? - Pois não, mas seja rapidinho. Não venha enrolar. Chicão: - Ninguém pode negar a sabedoria irreprochável do pesquisador do IBGE. Vossa Excelência é um bucéfalo. Pego de surpresa, Mané retrucou: - Queria saber de Vossa Excelência que diabo significa isso? Se o termo for adulativo, muito obrigado a Vossa Excelência, meus cumprimentos à sua mãe e aos irmãos; agora, se for atacativo, vá para a p.... seu fdp...... O barulho tomou conta do plenário. Interrompendo a sessão, o presidente mandou buscar um dicionário. Lá estava: "Bucéfalo - indivíduo ignorante, rude, pouco inteligente, malcriado, agressivo, estúpido". Era atacativo. Os dois se atracaram no plenário. Quase saiu tiro. A palavra bucéfalo foi eliminada do dicionário de Maetinga. O ano eleitoral Comecemos com a observação de que o país caminhará este ano na trilha eleitoral, com desfecho no pleito que terá o 1º turno em 4 de outubro e o 2º turno em 25 de outubro. Será, portanto, um ano de intensa sensibilidade. Significa que: - a esfera política será instada a votar no Congresso de maneira alinhada com as demandas do povo; - o presidente terá mais cuidado em sua peroração diária, na porta do Palácio da Alvorada, evitando expressões que possam desagradar núcleos eleitorais; - reformas de alta complexidade, como a reforma administrativa, que, no fundo, será a reforma do Estado brasileiro, não passarão facilmente pelo crivo parlamentar. A reforma tributária, de alto impacto, estará também na linha de fogo; - as eleições municipais, ante o clima de polarização que impregna o país, tenderão a ser federalizadas, ou seja, o tom nacional baixará sobre os territórios municipais. A reforma administrativa Querem ver quão complexa será a reforma administrativa? Vejamos. Há, na órbita da administração pública, cerca de 11,4 milhões de pessoas com vínculo formal. Desse contingente, 57,3% estão nas prefeituras, 32,3% na administração dos Estados e 10,4% na área federal. Urge implantar critérios que redundem em maior igualdade entre funções e salários. A disparidade é enorme. Urge concentrar setores, com processos racionais, evitando dispersão e improdutividade. Estado pesado Veja-se, por exemplo, o tamanho da máquina. Só na área da Saúde há 1.358 organismos com poderes na execução da política setorial. Só no sistema de Transportes, 1.024 instâncias; no território da Educação, 1.036 instâncias, enquanto na Segurança Pública esse número vai para 2.375 segmentos operacionais. Vocês, leitores, já pensaram nas pressões de servidores das três esferas administrativas para evitar o dedo racional em seus domínios? Um servidor público ganha, em média, 36% a mais do que um assalariado do setor privado. Os parlamentares aguentarão o rolo compressor dos servidores públicos? Só vendo para crer. Mas o ministro Paulo Guedes é muito otimista. Prometeu que em fevereiro mandará ao Congresso as propostas de reforma administrativa e reforma partidária. 2º ano de Bolsonaro O presidente Jair Bolsonaro dá constantes sinais de que tentará a reeleição em 2022. Pois bem, o pleito municipal, com a escolha de 5.570 prefeitos e cerca de 57 mil vereadores, é a base do edifício político. O jogo do dominó, portanto, começa com o time de vereadores, que custam ao Estado cerca de R$ 10 bilhões anuais. O vereador empurra o prefeito, que empurra os deputados estaduais, federais e senadores, que empurram o governador e cada um destes também dá seu empurrão para a eleição do presidente da República e seu vice. Assim, o capitão terá de se esforçar muito para puxar o apoio de governadores, senadores, deputados e prefeitos. Quanto maior sua fonte, mais água eleitoral entrará nas urnas. A questão O maior empreendimento e legado que Bolsonaro deixaria ao país seria uma reforma administrativa. Mas o vereador, o prefeito, os deputados, os senadores e os governadores, mesmo sob o convencimento de que essa reforma se faz absolutamente necessária, certamente estarão com os ouvidos acesos para a pressão dos servidores. Que até poderá ganhar um contraponto com o clamor social a favor das reformas. A questão é que em ano eleitoral é muito difícil contornar as pressões contrárias. Mais dificuldades Outras dificuldades deverão surgir: o partido que o presidente quer criar para chamar de seu, o Aliança pelo Brasil, será criado até maio? Muito difícil. A economia crescerá em ritmo mais acelerado de forma a chegar em outubro em ótimas condições e, deste modo, produzir aplausos para o presidente? Os parlamentares estarão satisfeitos com o atendimento de suas demandas e, nesse caso, dispostos a sacramentar a agenda do Executivo? O ano do executivo 2020 será um ano decisivo para o governo. Até este momento, a impressão que se tem é que o governo tateia na escuridão. Está à procura de um rumo. Navega com o piloto automático. Mas é oportuno esclarecer que um sentimento de moralidade permeia a administração federal. E que a equipe econômica, muito bem avaliada pelo mercado, trabalha para colocar a locomotiva nos eixos. Se o Executivo, por meio de alguns perfis, incluindo o do próprio presidente, tivesse evitado metade da polêmica criada por expressões e estocadas dadas em adversários e antipatizantes, a polarização seria menor. Sob um clima de harmonia, o país estaria melhor posicionado para avançar. O ano do legislativo Na esfera do Legislativo, 2020, como já sinalizamos nas notas anteriores, deverá ser um ano de cobranças. As demandas parlamentares não foram plenamente atendidas ou não foram implementadas no devido tempo. E essa situação deixa o Parlamento mais recuado, desconfiado, atento ao jogo de cena. A pauta do Executivo junto ao Legislativo fica ainda na dependência dos próximos presidentes das casas congressuais. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre até poderiam encarar mais um pleito se houver mudanças no regimento da Câmara e do Senado. Rodrigo faz objeções, mas a decisão fica sob o clima - positivo ou negativo -, dentro de pouco mais de duas semanas. O ano do Judiciário 2020 será um ano de mudanças no Judiciário. Na Suprema Corte, o ministro Luiz Fux entrará no lugar de Dias Toffoli e, em novembro, o ministro Celso de Mello se aposentará. Toffoli está bem desgastado com críticas que ainda o vinculam ao seu passado na advocacia. Tem sido alvo de bombardeio, ele e o ministro Gilmar Mendes, nas redes sociais. Fux, por sua vez, tem dado no STF um voto contrário ao voto de Toffoli. Nos termos da entrevista dada pelo ministro Gilmar Mendes ao Poder 360, comandado pelo jornalista Fernando Rodrigues, neste ano o STF se dedicará a temas ligados à economia, direito tributário e direito processual penal. No ar, expande-se a polêmica sobre a constitucionalidade do juiz de garantias, a par da crítica de que não há recursos para bancar essa figura. Mesmo em São Paulo, tomado como exemplo de sucesso, a situação do juiz de garantias, por falta de orçamento, é precária. A frente partidária No arquipélago partidário, a contenda se voltará este ano para o pleito municipal, sob a hipótese de que cada ente se esforçará para fazer uma grande bancada de prefeitos e vereadores. A solidez de um partido começa com as estacas fincadas no território municipal. Fazer apenas uma forte bancada federal nem sempre gera resultados no médio e longo prazo. Veja-se a bancada de 54 parlamentares eleitos pelo PSL, ex-partido de Bolsonaro. Hoje, o PSL está rachado. O PT quer aumentar a sua cota de prefeitos. E, para tanto, tentará se aproximar dos evangélicos. O MDB, por muitos anos, tem a maior bancada de prefeitos e vereadores, lutará para continuar forte nas bases. Terá dificuldades. O DEM também objetiva crescer na base municipal. União de partidos O pleito deste ano poderá abrir campo para uma fusão de partidos. O clima de polarização, que puxará as correntes bolsonaristas e oposicionistas (PT, PSOL, PDT, PC do B), será fator de alavancagem entre siglas que estarão nessas duas bandas. Mas é possível que outras tentem se agregar, após os resultados do pleito, visando, sobretudo, um bom desempenho em 2022. O DEM, por exemplo, é a noiva com quem o PSDB gostaria de casar. Para onde irão siglas como PP, PRB, Solidariedade, Cidadania, Podemos e outras? Todas essas perguntas permanecerão no ar até se saber quem serão os protagonistas presidenciais de 2022. Temáticas de 2020 Quais são os eixos do discurso neste ano eleitoral? Alinhemos alguns: - Demandas da micropolítica municipal (saúde, educação, transportes/infraestrutura urbana, alimentação, habitação, bolsas/subsídios, etc). Cuidado com a mesmice, a de recitar soluções genéricas para as demandas da população. Urge trabalhar com pontos concretos. - Grandes cidades e metrópoles - A par das demandas da micropolítica, meio ambiente, limpeza urbana/lixo, segurança, emprego, lazer, cultura, esportes. Fatores de credibilidade A análise sobre as razões que jogam políticos no poço da descrença é a chave para reencontrar o tempo perdido. As situações descritas podem aumentar a credibilidade dos políticos: Promessas - Não se deve prometer o que não se poderá cumprir. Identidade - Um político deve ter identidade, personalidade, eixo. Uma coluna vertebral torta gera desconfiança. Coluna vertebral reta incorpora as costelas da lealdade, da coerência, da sinceridade, da honestidade pessoal e do senso do dever. Representação - Representar o povo significa escolher as melhores alternativas para seu bem-estar. Político sério se preocupa com rumos permanentes. Organização e controle - O cidadão quer ver para onde vão os recursos dos orçamentos. Autoridade -As pessoas querem ordem, disciplina, o atendimento a seus direitos fundamentais. Essa demanda converge para o perfil da autoridade, presente na figura do pai protetor da família. Experiência - Para se contrapor ao improviso, ao imprevisível e ao inusitado, exige-se experiência, estilo bem sucedido. Inovação - Há grande espaço para novatos, principalmente perfis com posturas não comprometidas com a velha política. Perfis novos, com discursos claros e objetivos. Equilíbrio - Pessoas destemperadas, que ameaçam virar a mesa, amedrontam. Despojamento - Valor desse ciclo de grandes carências. Objetividade, clareza - Nada de embromação, enrolação, promessas mirabolantes. Jovialidade - O eleitorado quer ser atraído pela jovialidade, disposição para enfrentar os desafios. Coragem - Os desafios estão a exigir posturas corajosas, fortes, determinadas, capazes de vencer as intempéries. Brilho - O carisma é um dom escasso. Mas quem tem brilho carismático aumentará o cacife. Sapiência - Sapiência não significa vivacidade. Sabedoria é mistura de aprendizagem, compromisso, equilíbrio, administração de conflitos, busca de conhecimentos, capacidade de convivência e decisão racional. Junto ao povo - Estar junto ao povo para apurar suas demandas mais urgentes. O povo sabe quem está ao seu lado. Discurso - O discurso que vinga é um conjunto de propostas concretas, viáveis, simples e de metas temporais. Simplicidade e modéstia - Um homem público não precisa se vestir com a roupagem divina. Simplicidade é o ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas e maquiagens. O marketing da atualidade se inspira na verdade.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Porandubas nº 650

Abro a primeira coluna do ano com Cabralzinho. Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província: - Ladrões! A praça, apinhada de gente, levou o maior susto. - Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração! Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso: - Ladrões! Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total. - Cambada de ladrões! Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava: - Espera que eu explico. Deixe eu terminar. Espera que eu explico. Explicou. Ao médico, no hospital. Projeção para 2020 Já dissemos nesta coluna que fazer previsão no Brasil é um exercício que requer muitos cuidados. Até porque nossa índole abarca alguns valores que prejudicam esforços de interpretação. Somos, por exemplo, uma gente que aprecia improvisar, inventar, mudar de posição. Nossa cultura política não se alimenta dos eixos que formam a identidade de populações de países com sólidas instituições. Os anglo-saxões, a título de comparação, respondem sim ou não diante de questões que exigem uma das duas opções. Nós preferimos o talvez. Sob essa condição, farei hoje uma tentativa de interpretar 2020, a partir da análise do comportamento de 13 protagonistas. 1. O Poder Executivo - o presidente O presidente Jair Bolsonaro até será orientado a mudar de postura, aliviando suas declarações e ataques, como este último que fez à imprensa: "vocês, jornalistas, são uma raça em extinção. Ler jornais envenena". Mas a índole de escorpião de Bolsonaro não permitirá mudanças. Continuará a "picar" adversários que encontre no meio do caminho. Daí a inferência: momentos de tensão continuarão a cercar os Palácios da Alvorada e do Planalto. A depender de quem seja o alvo (o Congresso, por exemplo), poderá haver retaliação. 2. O Poder Executivo - ministros e assessores Há de distinguir ministros de perfil essencialmente técnico, com bom nível de desempenho, como o ministro da Infraestrutura, Tarcisio Gomes de Freitas, e ministros de perfil polêmico, como o da Educação, Abraham Weintraub. A elevação do deboche, se for o caso, expandirá as tensões, sendo bastante prováveis mudanças na Esplanada dos Ministérios. Alguns perdem muito tempo com a produção de falas polêmicas e que acabam impactando sua própria imagem. A tendência aponta para o arrefecimento dos conflitos e maior foco no trabalho. Ademais, o presidente deverá cobrar resultados. 3. O Poder Executivo - os militares A ala do entorno presidencial, particularmente os generais, já foi mais forte no início do governo. O general Augusto Heleno, que responde pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, parecia o perfil mais forte do entorno presidencial. Ostentava a flâmula de poder moderador. Hoje, alinha-se completamente à linguagem do presidente, inclusive nos ataques a certas figuras da imprensa. Militares que saíram passaram a ser críticos. Ou seja, transparece certa divisão na frente de apoios. 4. Congresso Os parlamentares, já afeitos ao estilo rompante do presidente, cobrarão com mais força as demandas feitas junto ao articulador, ministro Luís Eduardo Ramos, e mesmo ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O orçamento impositivo será, nesse sentido, uma ferramenta de pressão. O que está dentro do Orçamento terá de ser cumprido. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mexerão no regimento para tentar se reeleger? Alcolumbre topa, Maia é mais precavido. Em caso de novos dirigentes, a perspectiva é de que estejam mais alinhados ao discurso de autonomia e independência do Parlamento. Tempos de valorizar os conjuntos parlamentares e evitar que o Judiciário invada a esfera parlamentar. 5. Poder Judiciário Continuará sendo alvo da mídia e de parcela da esfera política, não conformada com suas decisões no âmbito da Lava Jato. Expande-se a sensação de que alguns ministros agem de maneira parcial e sob viés político. A substituição no final do ano do ministro Celso de Mello, decano do STF, abrirá o leque de especulações. Quem seria o perfil "terrivelmente evangélico" para entrar em seu lugar, conforme há tempos ao substituto se referiu o capitão presidente? O atual advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça? 6. Mídia massiva Os meios de comunicação deverão fazer cobranças mais duras do Executivo, ante a insistência do presidente Bolsonaro de fustigá-los. O teor crítico deverá se expandir não apenas no que concerne ao Poder Executivo, nas três instâncias da Federação, mas em relação aos Poderes Legislativo e Judiciário. O espírito eleitoral de 2020 abrirá os espaços de investigação da mídia, que deverá aumentar o teor de denúncias. O TSE será muito demandado. Partidos em formação farão pressão por seus interesses junto ao Tribunal Eleitoral. 7. Mídias sociais Na arena das redes sociais, deverão acontecer batalhas sangrentas. De todos os lados, o embate será ferrenho, com denúncias, fake news, especulações, pesquisas encomendadas, processos acusatórios. As lutas deverão ser travadas no campo Federal, com aliados e simpatizantes de Bolsonaro e adversários; no campo estadual, onde se repetirá o destampatório; e na área municipal, onde as contendas locais ganharão um tom Federal. As mídias sociais puxarão para os municípios os cenários desenhados no plano Federal. 8. O povo Difícil inferir sobre o comportamento do povo, pela complexidade do conceito. Afinal, povo abarca as massas carentes e periféricas, que habitam na base da pirâmide; os setores médios, incluindo o expressivo contingente de profissionais liberais, as camadas e níveis gerenciais do comércio e da indústria, pequenos e médios proprietários e outros segmentos de vulto. Os setores médios farão o papel de pedra jogada no meio do lago: as marolas formadas correrão até as margens. O fato é que as massas das margens avançam em suas posturas, não mais sendo engolfadas pela mistificação política. O voto sai do coração para subir à cabeça. Por isso mesmo, é forte a possibilidade de vermos o povo, em suas diversas roupagens, engrossando as mobilizações de rua. Sinal de tempos de democracia participativa. 9. Igrejas, credos Nos últimos tempos, as igrejas e credos religiosos têm frequentado com mais disposição os palcos e espaços da política. Há igrejas evangélicas, como a Universal do Reino de Deus, que explicita publicamente seu interesse na política. Até um bispo da IURD, Marcelo Crivella, dirige uma importante prefeitura, a do Rio de Janeiro. E há quem aponte nela interesse maior: eleger um dos seus para governar o país. Os católicos, por sua vez, estão de olho nesse processo. Por tudo isso, pode-se aferir que os credos agirão como cabos eleitorais. O Estado laico, aos poucos, cede espaço ao Estado religioso. 10. As organizações sociais Um dos mais significativos fenômenos da atualidade brasileira é a organicidade social. Dando as costas aos políticos, que não têm dado respostas satisfatórias às suas demandas, cidadãos e cidadãs recolhem-se em entidades intermediárias - associações, sindicatos, federações, grupos, núcleos, movimentos. Há cerca de 500 mil ONGs formais no Brasil e outro tanto de entidades informais. O povo vê essas entidades como a ferramenta para abrir portas e oferecer resultados. Esse imenso arquipélago tende a movimentar as ruas e praças. E a servir de suporte de candidaturas nesse ano eleitoral. 11. Os partidos políticos São 33 os partidos políticos em condições de operar no Brasil. E há mais 70 em estágio de organização. Servem, hoje, apenas como abrigo formal de candidatos. Cedem a legenda para candidatos e os grandes partidos ajudarão alguns nomes com recursos do Fundo Partidário, que deve ser de R$ 2 bilhões. A meta de algumas siglas é fazer uma grande floresta de prefeitos. PT, PSL, MDB, PSDB, DEM, PPB, PP, PTB, Solidariedade, Cidadania, Podemos, PSOL estão no rol dos mais competitivos. 12. Governadores Os governadores agirão, este ano, como os maiores cabos eleitorais. Afinal, a eleição municipal é o campo de decolagem do pleito de 2022. Daí a meta de eleger um grande número de prefeitos. Ocorre que os Estados estão de cofres vazios. Alguns em situação pré-falimentar. Mas o esforço dos governadores deve incluir uma bacia de promessas. Muitos desejarão se reeleger em 2022. Não se pode esquecer que, por estas plagas, há muito respeito e consideração para quem tem o poder da caneta. Claro, caneta com muita tinta atrai mais apoios. 13. Prefeitos Por último, a prefeitada. Este ano serão eleitos 5.570 prefeitos. Este será o maior exército de cabos eleitorais de 2022. Haja mão de obra. Prefeitos farão gigantesco esforço para se reeleger ou eleger um correligionário. As prefeituras estão praticamente quebradas, mas há sempre por parte do eleitor a expectativa de poder, de um dia ganhar um bom cargo ou bom "adjutório". Quem apitou bem na orquestra formada em 2016 tem condições de continuar a ser maestro. Quem saiu do tom e não cumpriu suas promessas se candidata a receber um passaporte para suas casas. Sucesso Este consultor político deseja muito sucesso a todos os protagonistas alinhados nesta coluna. Pequena ajuda Notas para ajudar o planejamento de campanhas Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse é um resumido escopo de planejamento. Marketing: os 5 eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral:1) pesquisa; 2) formação do discurso (propostas), 3) comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos), mídias sociais; 4) articulação política e social e 5) mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. Já a articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Porandubas nº 649

Perspectivas Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em 2020? As minhas, ufa, são positivas. Mas a de Luís Pereira, infelizmente, é negativa. Veja o que ele pensava anos atrás. Pintor de parede, Luís Pereira dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho, da revista Manchete, melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta feita de maneira abrupta: - Deputado, como vai a situação? Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, escolheu as duas palavras que considerava muito difíceis, mas à altura de um deputado que tenta impressionar o interlocutor: - As perspectivas são piores do que as características. ??????? Nesse momento, há muito Luís Pereira perorando por aí... Luz no fim do túnel 2019 chega ao final sob a impressão de que começamos a divisar uma tocha acesa no fim do túnel. O ano começou com muita turbulência. De um lado, a luta desvairada entre simpatizantes do presidente Jair e seus opositores, incluindo contingentes dos partidos de oposição, como o PT e PSOL, e de núcleos que não simpatizam com o lulopetismo. 2020 mais otimista De outro lado, a incerteza sobre a conduta do presidente, que mostrou ao correr dos meses uma identidade embalada por muita polêmica, com expressões que fustigam adversários e elevam valores conservadores. No final do seu primeiro ano, a impressão é de que o governo, mesmo sob solavancos, sinaliza 2020 mais otimista. As projeções incluem um crescimento de até 2,5% no PIB. Índice muito positivo que aceleraria a volta dos investidores internacionais. A economia, o destaque A economia pode ser considerada a porta da esperança do governo. Inflação sob controle, não passando de 4% ao ano, taxa Selic chegando aos 4,5%; projetos que objetivam resgatar a empregabilidade em pleno andamento; sinais muito positivos na frente do agronegócio; boas perspectivas para o comércio nesse final de ano (aumento de 10% sobre vendas do ano passado); construção civil recuperando seu vetor de força; serviços e indústria com ligeiros índices positivos; bolsa subindo; acenos aos investidores, a partir dos leilões do pré-sal etc. O crédito ao ministro da Economia, Paulo Guedes, é alto. A política, tropeços O calcanhar de Aquiles do governo é a articulação política. Nessa frente, viu-se muita falta de traquejo. As mudanças na Casa Civil apontam para o experimentalismo que o governo tem tentado para aprovar sua agenda no Congresso. Depois de fraquejar na articulação, o ministro Onyx Lorenzoni viu suas funções políticas passarem para a área de articulação, hoje comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos. Mesmo assim, tropeços continuam. Liberação de recursos A base política cobra liberação de recursos de suas emendas. A faixa de manobra do governo é estreita. O cabresto do cavalo é curto. Matérias importantes acabam sendo desidratadas por deputados e senadores. Afinal, a esfera política, acostumada com os tempos do presidencialismo de coalizão, não tem visto com bons olhos a atitude do governo, de exigir votos sem a devida compensação. Justiça e segurança O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, é o mais popular da Esplanada dos Ministérios, ou, em outros termos, é quem tem mais prestígio junto ao público. Moro substituiu a linguagem de juiz pela linguagem política. Não tem conseguido aprovar tudo o que quer, com seus pacotes encaminhados ao Legislativo, mas pouco a pouco avança na construção de uma agenda de combate à corrupção e à insegurança pública. Moro na chapa? O ministro começa a tomar gosto pela política, a ponto de se tornar, ao final do primeiro ano do governo, no nome mais viável para vice na chapa de Bolsonaro em 2022. A indicação para o STF vai se tornando inviável, não apenas pelo "jeitão" político que começa a assumir como pela promessa do presidente de nomear para a Alta Corte um "ministro terrivelmente evangélico". Este nome seria o de André Luiz de Almeida Mendonça, advogado e pastor presbiteriano brasileiro, hoje advogado-Geral da União do Brasil. Infraestrutura A melhor avaliação da performance administrativa é do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, que encarna o perfil do administrador comprometido com resultados. Sua meta para 2020 é a de realizar 44 leilões em 2020: 22 aeroportos, 9 terminais portuários, 7 rodovias e 6 ferrovias. A estimativa é alcançar R$ 101 bilhões em investimentos. Imagem externa negativa Pela defesa de uma posição de extrema-direita, o chanceler Ernesto Araújo contribui para a imagem negativa do Brasil. Mesmo considerando que a direita vem ganhando eleições nos continentes, a visão do ministro de Relações Exteriores suscita controvérsia. Ele diz que o Ocidente está em decadência e que só os EUA podem salvá-lo, sob a liderança de Trump. Acusa a ordem internacional como adversa à soberania brasileira. Elege como governos nacionalistas, além dos EUA, Israel, Itália, Polônia e Hungria, regimes onde, segundo o ex-embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, a democracia está sendo substituída por duras autocracias. Processo de retração Para Abdenur, o Brasil de Bolsonaro se transforma em uma espécie de "Internacional" da extrema-direita. "Com o ideário apresentado pelo chanceler, a política externa sofrerá processo de retração, de encolhimento. Importantes postulados dessa política serão erodidos ou abandonados: o multilateralismo, os direitos humanos, a sustentabilidade, o apoio às Nações Unidas e aos organismos a ela vinculados". Algumas decisões podem, até, afetar os negócios do país. A mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, terá o condão de desagradar o mundo árabe, considerado um grande mercado para produtos brasileiros, a partir da carne. Direitos Humanos Outra área que formou muita polêmica ao correr do ano abriga o Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos. Mesmo com a defesa de posições muito conservadoras, a ministra Damares Alves até aliviou a carga negativa que pesava sobre ela, nos primeiros meses de sua gestão. Ela se faz presente em muitos eventos e denota sinceridade em suas convicções. Um ponto que gera tensão é o da Comissão de Anistia, que indeferiu 85% dos 2.717 pedidos de indenização, reconhecendo apenas 388 deles. A comissão mudou de perfil sob comando da ministra e endureceu critérios. Os filhos Parcela ponderável das tensões e nervosismo que impregnaram a locução do governo com a sociedade se deve ao comportamento dos três filhos do presidente que militam na política: Flávio, o senador; Eduardo, o deputado Federal e Carlos, o vereador no Rio de Janeiro. Este último, segundo se diz, gerencia a conta do pai nas redes sociais. E abriu muita polêmica com suas mensagens, com tiros nos adversários. Flávio enfrenta o dissabor gerado pela "rachadinha", repartição de salários dos funcionários do gabinete do então deputado estadual. Caso que mexe com o ex-assessor de Flávio, o policial militar aposentado Fabrício Queiroz. Já o deputado Eduardo é fonte de atritos com parte da bancada do PSL, partido que ameaça expulsá-lo. Depois de ter sido desbancado como líder, acaba de voltar à liderança do PSL na Câmara, derrotando Joice Hasselmann na luta esganiçada entre as duas alas. Ambientalismo O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é uma fonte inesgotável de polêmica. Ao correr do ano, viu-se o ministro negando aumento de queimadas na Amazônia e respondendo com certa virulência às denúncias sobre as ações lesivas ao meio ambiente no Brasil. O ministro acaba de voltar da 25ª Conferência do Clima (COP 25) da Organização das Nações Unidas, na Espanha, reunindo representantes de cerca de quase 200 países, totalizando 29 mil pessoas, em debates e articulações. O principal desafio da COP 25 é acelerar o combate às mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos no mundo inteiro, como enchentes e queimadas, estão ligados ao aquecimento global causado pelo ser humano. O Brasil se ateve a um pedido de recursos para a preservação ambiental. O que o ministro disse sobre a COP 25? "Não deu em nada". Área cultural Na área da Cultura, registra-se um monumental retrocesso na esfera do pensamento. O secretário da Cultura, Roberto Alvim, chegou a postar contra a respeitada dama das artes cênicas no país: "A 'intocável' Fernanda Montenegro faz uma foto pra capa de uma revista esquerdista vestida de bruxa". Um outro assessor, dublê de maestro e youtuber, Danton Mantovani, nomeado para dirigir a Funarte, prega que a terra é plana. E associa Elvis Presley, Beatles, drogas, sexo, satanismo e até a CIA em um conluio contra a moralidade dos jovens. Um terceiro, indicado para a Fundação Palmares, Sérgio de Camargo, disse que a escravidão fez bem aos descendentes dos escravos. Por enquanto Camargo está impedido de assumir pela Justiça, mas Bolsonaro diz que vai insistir na sua nomeação. Um rol de falas estúpidas. A área da cultura, perplexa e chocada, nunca viu tanto disparate. Deseducação Por último, mais um polo de tensões: o ministro Abraham Weintraub, que atira, desagrada, comete erros, brinca de palhaço, entra em matéria que não é sua. E acaba sob apupos. O ministro está de férias. É possível que não volte. Mas o presidente garante que ele é "excelente". Em que área, presidente? Na educação, ele mais deseduca. Os militares Os militares que atuam no entorno do presidente estão se saindo bem. O vice-presidente Hamilton Mourão surpreende pela disposição de falar à imprensa. Tem adquirido prestígio no meio empresarial. Os outros ministros agem como civis sem demonstrar sentimento de tutela e proteção ao governo. Abrem-se aos meios de comunicação. Transparentes. O teste de 2019 Como se percebe, 2019 foi um ano cheio de tumultos e tensões. O país recrudesceu o embate entre duas alas, a ala que o petismo criou - "Nós e Eles" - e a ala que o bolsonarismo faz questão de inserir no foro da discussão nacional - "Eles e Nós". O verbo foi ácido. As redes sociais expuseram uma guerra com intenso tiroteio. Persiste a denúncia de que os tiros são realizados por uma bateria de robôs. Os canhões atiram com mentiras, falsidades de todos os tamanhos, injúria, calúnia, difamação. Sob nuvens pesadas, o brasileiro não perde a esperança, que começa a aparecer com alguns reais a mais que entram no seu bolso. A torcida Há uma enorme torcida para que o presidente Jair amenize sua expressão cheia de contundência. Torcida também para que seus filhos falem menos e contribuam para desarmar (e não armar) os espíritos. Se o objetivo é agradar apenas aos torcedores, então não teremos saída: a guerra será total até 2022. É isso que os oposicionistas ao governo estão desejando. Ou seja, os extremos querem clima de embate todo tempo. Isso será um perigo. O Brasil precisa de harmonia, paz social, um pouco de consenso. O caos poderá nos levar ao abismo. Fecho a coluna com uma historinha das Minas Gerais. Suavemente.... José Maria Alkmin foi advogado de um crime bárbaro. No júri, conseguiu oito anos para o réu. Recorreu. Novo júri, 30 anos. O réu ficou desesperado: - A culpa foi do senhor, dr. Alkmin. Eu pedi para não recorrer. Agora vou passar 30 anos na cadeia. - Calma, meu filho, não é bem assim. Nada é como a gente pensa da primeira vez. Primeiro, não são 30, são 15. Se você se comportar bem, cumpre só 15. Depois, esses 15 são feitos de dias e noites. Quando a gente está dormindo tanto faz estar solto como preso. Então, não são 15 anos, são 7 e meio. E, por último, meu filho, você não vai cumprir esses 7 anos e meio de uma vez só. Vai ser dia a dia. Suavemente.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Porandubas nº 648

Abro a coluna com um truque do Padre Vieira. O Padre Antônio Vieira, o célebre pregador, escritor, político e diplomata jesuíta, subindo certa vez ao púlpito, iniciou estranhamente o seu sermão exclamando: - Maldito seja o Pai!... Maldito seja o Filho!... Maldito seja o Espírito Santo!... E quando a assistência, horrorizada, pensava que o grande orador houvesse enlouquecido, ele tranquilamente prosseguiu: - Essas, meus irmãos, são as palavras e as frases que se ouvem com mais frequência nas profundezas do inferno. Houve um suspiro de alívio no templo, mas com esse recurso teve Vieira despertada e presa a atenção dos fiéis como poucas vezes, por outra via, houvera conseguido. Impasses aos avanços A palavra da moda no ciclo de transformações vividas pelo país é REFORMA. Fala-se todo tempo em reformas: política, econômica, trabalhista, administrativa. Os impasses se acumulam. Não tem havido razoável consenso em algumas áreas. Em parte, porque ninguém quer perder. Reforma, como se sabe, abriga mudança de valores e padrões de comportamento tradicionais, substituição de critérios políticos por desempenho, mérito e distribuição mais equitativa de recursos materiais e simbólicos. Maquiavel e Richelieu Maquiavel já alertava: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. Na verdade, o reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem". Nessa mesma linha, o cardeal Richelieu, primeiro-ministro e braço direito de Luis XIII, lembrava em seu testamento político: "O que é apresentado de súbito em geral espanta de tal maneira que priva a pessoa dos meios de fazer oposição, ao passo que quando a execução de um plano é empreendida lentamente, a revelação gradual do mesmo pode criar a impressão de que está sendo apenas projetado e não será necessariamente executado". Nem lá, nem cá Entre as trilhas abertas por esses dois grandes formuladores da ciência política caminha o Brasil. Quem garante que o país não se tem esforçado para abrir uma nova ordem de coisas pode estar acometido de cegueira partidária, essa que confere aos adversários dos governos a capacidade de enxergar apenas por um olho, o da oposição. E quem defende a tese de que o edifício das reformas já está construído - e que tudo anda às mil maravilhas - é um habitante passional do condomínio governamental. Por sua lupa de lentes grossas, os feitos batem nas alturas. Nem uma coisa nem outra. Caminhando devagar O país faz consertos nas estruturas, mas o trabalho é devagar. Os avanços não seguem o modelo "arrombar a porta" da blitzkrieg. Por aqui, a estratégia mais lembra a do general Quintus Fabius (275 a.C.-203 a.C.), conhecido por fustigar o cartaginês Aníbal Barca nas guerras do sul da Itália, nunca recorrendo ao confronto direto, mas "comendo pelas bordas". Faz mais o nosso estilo. Os políticos, para caminharem mais depressa, só mesmo com empuxo e pressão da sociedade. Agora, é oportuno reconhecer. O Congresso assumiu o protagonismo à frente das reformas, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O Executivo, com articulação política capenga, não tem papel de liderança nessa área. Na política I: doutrina O fato é que esbarramos na muralha dos impasses. Na esfera política, por exemplo, as situações ocorrem à maneira de conta-gotas, uma gotinha por vez. Se os partidos carregassem substância doutrinária, poderíamos até ter as 32 siglas registradas no TSE. Mas elas não possuem. Mais parecem geleia geral. E atenção: há 75 pedidos no TSE para formação de novas siglas. Em outros países, a moldura também é cheia de partidos. Na Argentina, há 37, na França, o número é de 14 e, nos Estados Unidos, são mais de 30. Mas nesse país, o sistema é praticamente bipartidário, com os partidos Democrata e Republicano fazendo rodízio. E, claro, com programas que todo norte-americano conhece. Portanto, a reforma política deve prover os partidos de doutrina. Na política II: voto, direito ou dever? O voto é um dever ou um direito? Pela Constituição o voto é um dever, exceção feita aos jovens entre 16 e 18 anos, eleitores com mais de 70 anos e analfabetos. Quem deixar de votar e não apresentar justificativa plausível estará sujeito a sanções. Ora, o voto, apesar de obrigatório, queima considerável parcela da votação, por conta do índice de não comparecimento às urnas. Na política III: voto facultativo Já o voto facultativo, significando a liberdade de escolha, o direito de ir e vir, de participar ou não do processo eleitoral, abriga a decisão da consciência, calibrada pelo amadurecimento. É falaciosa a tese de que a obrigatoriedade do voto fortalece a instituição política. Fosse assim, os EUA ou os países europeus, considerados territórios que cultivam com vigor as sementes da democracia, adotariam o voto compulsório. Na política IV: minoria ativa Na Grã-Bretanha, que adota o sufrágio facultativo, a participação eleitoral pode chegar a 70% nos pleitos para a Câmara dos Comuns, enquanto na França a votação para renovação da Assembleia Nacional alcança cerca de 80% dos eleitores. Portanto, não é o voto por obrigação que melhorará os padrões políticos. O que é melhor para a democracia? Uma minoria ativa ou a maioria passiva? A liberdade para votar ou não causaria um choque de mobilização, levando lideranças e partidos a conduzir um processo de motivação das bases. Na política V: candidatos avulsos Partido é parte, parcela, fatia. O partido político é um canal de representação de parcela do pensamento social. Mas que parcela de pensamento é essa quando as siglas são uma gelatina, sem cheiro, cor ou sabor? Ou seja, são desprovidas de doutrina. Diz-se, ainda, que a política gira em torno de partidos. E quando estes perdem sua identidade? Os países democráticos, a partir da maior democracia no mundo, os EUA, abrem espaços para as candidaturas avulsas, pessoas não engajadas na vida partidária, que podem ser candidatos se conseguirem obedecer a determinadas regras do pleito, como número de assinaturas proporcionais ao total dos votos para governador em Estados. Por aqui, o debate se abre. O relator da questão é o ministro Luís Roberto Barroso. Em tempo: legislar sobre isso não é tarefa do Legislativo? Por que o Judiciário entra nesse tema? Na política VI: voto e suplente Há outros temas de relevo, entre eles, o sistema de voto. Já está na hora de definir que tipo de voto é o mais adequado ao país, aquele que mais atende ao espírito cívico: o voto distrital misto (com parcela dos candidatos sendo eleita pelo voto majoritário e parcela pelo voto proporcional) ou o atual modelo? Essa figura de suplente de senador não pode ser objeto de extinção? O suplente não é votado. E muitos suplentes acabam chegando à Câmara Alta, geralmente os financiadores das campanhas. Por que não escolher o segundo mais votado para tomar o assento caso o eleito saia do posto para ocupar cargos nos Executivos estaduais ou em casos de morte e pedidos de licença? (Pequeno respiro entre notas monótonas) Pra caçar rato Seu Lunga andava com sua bota com par de esporas. Um amigo joga a pergunta: - Lunga, para quê essas esporas? O velho responde: - É pra caçar rato! O rapaz pergunta: - Como o senhor caça rato? Seu Lunga na ponta da língua: - Primeiro, você põe um queijo amarrado na sua parte traseira. Quando o rato vier, você chuta de calcanhar o rato com as esporas. Na economia I: tributos O Brasil possui uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Já está mais do que madura a ideia de o país avançar no caminho de uma reforma tributária em profundidade. No Senado, tramita a PEC 110, baseada em texto de um grande estudioso do tema, o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que corre o país discorrendo sobre o tema, e que tem como relator o senador Roberto Rocha, do Maranhão. Na Câmara, tramita o projeto do deputado Baleia Rossi, já aprovado na CCJ e que tem como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro, da Paraíba. Os dois projetos têm em comum a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços, com a unificação de diversos tributos. O país precisa desenrolar esse nó. Na administração: racionalidade O Estado brasileiro carece de profundas reformas para ganhar eficiência, agilidade, transparência. Precisa de reformas sob a égide da racionalidade. Daí a importância de organizar a composição dos espaços e cargos de acordo com critérios da meritocracia. A política do mérito, a nomeação de especialistas, o fator técnico predominando sobre o fator político. Urge enxugar a máquina administrativa, diminuir os excessos burocráticos que emperram os processos. Na área trabalhista I: avanços O Brasil avançou bem na linha trabalhista, com a reforma trabalhista ocorrida em 2018. Fez importante mudança na estrada da contratação de trabalhadores, por meio da Lei da Terceirização. A reforma do trabalho contou com o esforço magistral do então deputado Rogério Marinho, relator do projeto. E com a costura bem feita do deputado Laércio Oliveira, que foi relator da Terceirização. Mudanças continuam sendo feitas, agora sob a égide da Secretaria da Previdência e do Trabalho, sob o comando de Marinho. Na área trabalhista II: o mundo do trabalho Ocorre que o pensamento reformista ainda não baixou nas frentes do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho. O primeiro continua multando empresas, sem considerar as mudanças feitas pela reforma trabalhista, onde se configura uma nova modelagem do emprego. Já o TST também começa a desconsiderar a nova composição do trabalho, alinhada pela Lei da Terceirização. Recentemente, decidiu que terceirizados de uma empresa de entregas devem ser contratados pela TST, o que deve repercutir em todo o universo do trabalho no país. Nota Final - o desemprego em alguns países Estados Unidos - 3,5% - só em novembro foram abertas 266 mil vagas. Em 2009, a taxa era de 10%. Reino Unido- 3,8% França - 8,4% Alemanha -3,1% Portugal - 6,6% Espanha - 14,2% Grécia - 16,9% Brasil - 11% (12,5 milhões de desempregados) Fecho a coluna com o ditador. O ditador vai ao médico: - E a pressão, doutor? - O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Porandubas nº 647

Para abrir a coluna, duas historinhas de Churchill. Sou o chefe dele O General Montgomery estava sendo homenageado, pois venceu Rommel na batalha da África, na 2ª Guerra Mundial. Discurso do General Montgomery: - "Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói". Churchill ouviu o discurso e com ciúme, retrucou: - "Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele". Se houver... Telegramas trocados entre o dramaturgo Bernard Shaw e Churchill, seu desafeto. Convite de Bernard Shaw para Churchill: "Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação de minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver". Resposta de Churchill: "Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver". América Latina sob tensão A AL abrange 20 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. A região vive um ciclo de tensões. A sensação é a de que, após anos e anos de mesmice, com as demandas populares desatendidas, as populações decidiram reagir. É verdade que a situação do continente deixa ver uma crise crônica. Mas esta parece chegar ao ponto de quebra. Há uma vontade latente de passar uma borracha nos velhos costumes, tirar perfis carcomidos da moldura e pintar a paisagem de novas cores. Essa percepção tem sido comum na radiografia de diversos territórios. México e Nicarágua Países experimentaram mudanças, mas estas não foram suficientes para preencher as lacunas. Vejamos alguns países. O México vive em estado de tensão com os EUA: a questão migratória e a questão das drogas. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, alerta os Estados Unidos que não permitirá que estrangeiros armados atuem em seu território. O anúncio responde à declaração do presidente Donald Trump de que passaria a considerar os cartéis mexicanos como "terroristas". A Nicarágua vive sua pior crise em décadas. Os conflitos de rua são permanentes. Bolívia e Chile A Bolívia, que trouxe Evo Morales para o centro da cena, passa por um processo de mudança. O descendente de índio comandou um período de conquistas, com PIB crescendo, inflação sob controle, populações indígenas inseridas na mesa do consumo. Mas a temporada de Morales foi longa: 13 anos. Chegou à saturação. Um quarto mandato, com eleições sob suspeita, acabou minando seu prestígio. Foi induzido a renunciar. O Chile, desde 1990, alterna o poder entre Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, centro-esquerda e centro-direita. O último curto circuito foi fruto de um aumento de 3,7% nas tarifas de metrô. Os jovens acorreram às ruas. O governo de Piñera estava distante dos sentimentos populares. A mobilização popular pede mudanças. Colômbia, Equador e Argentina Acumulam-se frustrações aqui e alhures. A Venezuela é um caos sob a ditadura de Maduro. Na Colômbia, a tensão atravessou as últimas duas décadas. O último governo de esquerda foi o de César Gaviria, entre 90 e 94. Hoje, Iván Duque, de direita, tenta arrumar a administração, enfrentando greves, protestos, sob uma teia crescente de violência. O Equador viu crescer os movimentos populares contra as medidas de ajuste. Na Argentina, o presidente Mauricio Macri não conseguiu fazer reformas, enquanto a fisionomia econômica do país se desmancha. A eleição de Fernández e Cristina Kirchner sinalizam a volta de fundamentos macroeconômicos que não deram certo. Lembre-se que Nestor e Cristina desmantelaram a economia. Para piorar, as perspectivas de assinatura do acordo entre UE e o Mercosul não são muito otimistas. Os Parlamentos de todos os países membros terão de ratificar o acordo. O bloco europeu tem 28 membros. E alguns Parlamentos têm duas casas congressuais. O caso do Brasil Podemos dizer que o ciclo contemporâneo do Brasil moderno começa com o Plano Real, nos idos de Itamar e FHC, que fechou a torneira da alta inflação e de juros na estratosfera. O poder aquisitivo da população passou a somar ganhos. O programa de privatização reforçou a economia. Já a política econômica ortodoxa do primeiro governo Lula foi bem-sucedida em reduzir a inflação e em retomar o crescimento econômico, nos dizeres de Paulo Hartung, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, em denso artigo - "O populismo está solto" - no caderno Ilustríssima(FSP. 1/12/2019). Mas nos anos seguintes foi um desastre. Semelhança com o regime militar Os três economistas são enfáticos: "A gestão Lula, nos anos seguintes, (acabou) revelando semelhança entre as políticas econômicas da direita e da esquerda. Ambas acreditaram que a disseminação de estímulos à produção local conduziria ao crescimento econômico sustentado. Ambos legaram um país com contas públicas desorganizadas e uma crise econômica anunciada. Todos os grandes projetos iniciados pelo 2º governo Lula fracassaram. Ele passou o bastão para Dilma, deixando como herança obras de infraestrutura caras, muitas vezes inoperantes, e empresas ineficientes, em meio a impressionante desperdício de recursos públicos. Nada diferente do que ocorrera com os delírios do período militar". Resultado: o populismo foi o que resultou no fortalecimento da extrema-direita. Fortalecimento que vingou em todo o ciclo Dilma. Direita envergonhada Hoje, o país registra a feição de uma direita cada vez disposta a defender seu ideário. Lembremos como isso se deu. A partir do golpe de 1964, o ciclo da direita contemporânea ganha força. Podemos dizer que ela deu as caras até a abertura do período da redemocratização, nos meados dos anos 80. Assume sua fisionomia conservadora nos costumes, formando sua identidade no combate ao comunismo (tempos de CCC - Comando de Caça aos Comunistas, Marcha da Família com Deus pela Liberdade), na censura à liberdade de expressão e às artes, na repressão e até na violência. O medo grassava em todos os ambientes. Ao se abrir o universo da locução, a direita começa a fechar a cara, encolhendo-se, usando máscaras, arquivando o velho manto, tentando disfarçar antigas posturas. A direita tornou-se envergonhada. A redemocratização No governo Sarney (15 de março de 1985 a 15 de março de 1990), o país reencontra-se com o ideário da liberdade. Registra-se um crescimento de 22,72% do PIB (média de 4,54%) e 12,51% da renda per capita, iniciando o governo com uma inflação em 242,24% e, ao fim, deixando o absurdo índice de 1972,91%. Abre-se o universo da locução. Em 1º de fevereiro de 1987 tomou posse a Assembleia Constituinte, responsável por formar a nova Constituição, sob o comando de Ulysses Guimarães (PMDB-SP). A CF de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos. O texto refletia as pressões dos diversos grupos da sociedade, interessados na definição de normas que os beneficiassem. Collor e FHC O sucessor de José Sarney, Fernando Collor de Mello, deu passos avançados na abertura da economia. Mas seu governo surpreendeu o país com grandes sustos, a começar pelo sequestro das poupanças privadas. A linguagem barroca da ministra Zélia Cardoso de Mello gerou imensas babéis na sociedade. Collor acabou renunciando para não receber o impeachment. O governo seguinte, de Itamar Franco, pode ser colocado no ciclo do resgate de valores fundamentais ao país. A moralidade foi um deles. O Plano Real Mas o tom maior foi dado pelo Plano Real. Fernando Henrique Cardoso, convocado para chefiar a área da Fazenda, pilotou o plano. Escolhido candidato a presidente, fez a mais exuberante campanha eleitoral dos últimos tempos, com recursos avançados de cinematografia. Ganhou bem. Era o mais preparado contra o metalúrgico Lula da Silva. Ousadia "Desde o condutor dos transportes e o tocador de tambor até o general, a ousadia é a mais a nobre das virtudes, o aço verdadeiro que dá à arma o seu gume e brilho". (Clausewitz, em Da Guerra) Lula e Dilma FHC partiu para o segundo mandato, sob os auspícios do sucesso do plano de estabilidade da moeda. Ganhou novamente. Inseriu o país em uma rígida estrutura monetarista e de sólidos vínculos com o Fundo Monetário Internacional, enfraquecendo o setor social, deixando de dar a ele programas para a satisfação da população. Então, surgiu Lula, com tudo que o brasileiro queria em termos de simbologia: pobre, esforçado, perdedor de várias batalhas, determinado, perseverante, o mais completo perfil embalado com o selo da esperança. Lula ganharia de qualquer maneira, sendo o mais popular dirigente das últimas décadas. Lula escolheu Dilma como candidata, que, eleita, concluiu a partidarização do Estado, iniciada sob a sombra do tutor. O populismo foi escancarado. Direita assume a cara O ressentimento de contingentes com a esfera política, a volta da classe C à base da pirâmide, a violência expandida, as metrópoles congestionadas, aumentos de tarifas e alta carga de tributos formaram uma densa camada de indignação, que teve um desfecho em outubro de 2018. Tivemos uma eleição de quebra de paradigmas. Dinheiro, visibilidade na mídia, apoio de grandes partidos, nada disso funcionou. O resultado foi a eleição de um ex-capitão do exército, deputado por 27 anos, considerado um parlamentar do baixo clero, com linguagem desabrida e mal educada, defensor dos tempos de chumbo. Jair Messias Bolsonaro. (Para muitos dos seus apoiadores, ele é mesmo o "Messias"). E mais a facada A ampla rede de apoios que ganhou, em 2018, foi reforçada com uma facada que levou durante uma manifestação de rua em Juiz de Fora. Tornou-se vítima. Em torno dele, agrupa-se toda a direita, agora com a face totalmente descoberta e vibrando com sua expressão militarista e extremamente conservadora. Quem é direita? A direita pode ser dividida em dois núcleos: a) a extrema - direita radical, com posicionamentos duros sobre armas, políticas de cotas, aborto, valores cristãos, diversidade de gêneros etc.; b) a direita mais central, com defesa de padrões e valores conservadores, sem exageros e até com críticas a posturas de figurantes do seu núcleo. Esses agrupamentos são formados por proprietários rurais, grandes e médios empresários de setores diversos, evangélicos, grupos de profissionais liberais (uma parcela decepcionada com a esfera política), grupos ligados a movimentos messiânicos, entre outros. A tendência aponta para a expansão de alguns compartimentos, principalmente se o governo Bolsonaro for bem-sucedido. E esse perfil? Como classificar, por exemplo, esse perfil? O maestro Dante Mantovani, recém-anunciado como o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), afirma que o fascismo é de esquerda, fake news é um conceito globalista para impor a vontade da imprensa, Unesco é "máquina de propaganda em favor da pedofilia". E mais: "vieram os Beatles, para combater o capitalismo e implantar a maravilhosa sociedade comunista". E esse, então? O nome do novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional é Rafael Alves da Silva, mas se apresenta como Rafael Nogueira. Olavista de carteirinha, diz ser "professor de filosofia, história, teoria política e literatura, aspirante a filósofo e a polímata", a pessoa que tem conhecimento em muitas ciências. O mais ilustre polímata da Humanidade foi Leonardo da Vinci. Simpatizante da monarquia, Alves da Silva (ou Nogueira) escreveu no dia 15 de novembro: "A Proclamação da República foi um golpe militar improvisado e injustificável. O Brasil nunca mais se encontrou. Nada a comemorar". Um espanto A nova ordem cultural brasileira, sob o comando do secretário Roberto Alvim, inclui também o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo, um negro, para a Fundação Cultural Palmares, órgão de promoção da cultura afro-brasileira. Um espanto. Antes de ser nomeado, ele classificou o racismo no Brasil como "nutella": "A escravidão foi benéfica para os descendentes". Outra: "Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda". Em redes sociais, afirmou que "sente vergonha e asco da negrada militante. Às vezes, pena. Se acham revolucionários, mas não passam de escravos da esquerda". Seu chefe Alvim foi o que classificou a atriz Fernanda Montenegro de "intocável" e "mentirosa". Um espanto.
quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Porandubas nº 646

Abro a coluna com uma historinha da coleção de Sebastião Nery. D'água, d'água Pernambucano audaz, Newton Coumbre passava em frente ao quartel de Obuzes de Olinda, logo depois do golpe de 64. Carregava uma bomba d'água enrolada em jornal. Dois guardas, fuzis em punho, avançaram sobre ele, aos pontapés: - O que é isso? - D'água! D'água! Mandaram jogar o embrulho no chão e levaram-no até o coronel: - O que é que tem no embrulho? - Uma bomba d'água. - Por que não disse logo e ficou dizendo "d'água"? - Coronel, eu dizendo só "d'água" eles me bateram tanto; se dissesse "bomba" teriam me fuzilado. Parte I Para compreender o que se passa. À guisa de introdução Desde que iniciei minha trajetória no campo do jornalismo de interpretação, há mais de três décadas, tenho tentado desvendar os contornos do nosso país. Para tanto, valho-me de valores e características que formam o ethos nacional, as circunstâncias que balizam os acontecimentos da vida social e política, os fenômenos cíclicos que costumam aparecer por nossas plagas - como o pleito de outubro de 2018, com sua quebra de paradigmas -, enfim, o modus operandi do homo brasiliensis e das instituições. O objetivo desse exercício é o de procurar respostas para as questões do tipo: "onde estamos, para onde vamos, o que pode acontecer"? A coluna de hoje vai nessa direção. 1. A política Estudar a política no Brasil é percorrer um labirinto plasmado por um desenho institucional que junta no mesmo balaio arranjo federativo, presidencialismo, bicameralismo, representação proporcional e pluripartidarismo. Situações que criam efeitos nem sempre congruentes com os princípios da democracia. O presidencialismo de coalizão, por exemplo, gera consequências danosas, como o toma lá dá cá que se instala no entorno do Palácio do Planalto. E romper com a tradição fisiológica abre crises. Combinar o sistema majoritário, que favorece o bipartidarismo, com o sistema proporcional, que impulsiona o pluripartidarismo, é uma química que acaba produzindo desvios. 2. Três formatos O cientista social Otávio Soares Dulci lembra: "a trajetória instável dos sistemas partidários brasileiros obedeceu na realidade a três formatos, ligados a etapas bem definidas na história do Brasil: o regime monárquico, a descentralização fomentada pelo regime republicano e a posterior nacionalização do processo político-partidário, que se desdobrou no quadro atual". A mescla desses sistemas escancara o cipoal da política no Brasil. 3. Copo transbordando O fato é que a política, da maneira como é praticada, mais se assemelha à imagem do copo transbordando. A corrupção atinge a esfera dos Poderes da República. As demandas da política pouco são atendidas. Os representantes enfrentam dissabores do eleitorado, que para eles vira as costas. O quadro ideológico não passa de uma sopa de palavras ocas. Um grupo radical quer ressuscitar o passado, resgatando a velha luta de classes. A polarização está no ar, dividindo o país em duas bandas. Coisa que seria lógica em moldura bipartidária. Não há projeto de longo prazo. O casuísmo e o populismo inspiram os perfis que tentam ganhar competitividade. Aos avanços alcançados, contabiliza-se um acervo de atrasos. 4. O cidadão-comum A desigualdade se alarga. Há cidadãos de primeira, segunda, terceira e quarta classes. A base da pirâmide, que havia se estreitado em razão da elevação de contingentes ao meio da pirâmide, expandindo as classes médias, volta a se adensar. As massas tendem a se voltar para aqueles que acenam com a bandeira da esperança, hoje apontando principalmente para Bolsonaro, Lula e Moro. As demandas das massas convergem para a micropolítica: alimento e transporte baratos, segurança, educação de qualidade. Contingentes das margens são acalmados com o Bolsa Família. Parcela ponderável dos votos é dada a quem mais se identifica com soluções rasteiras. O pragmatismo dá o tom. 5. Outros tipos Há, claro, outros tipos que se somam aos pragmáticos. Os indignados se revoltam com as promessas não cumpridas. O grau de indignação atormenta massas exasperadas com as carências que se avolumam. Daí a explicação para a emergência de outro grupo de cidadãos, os engajados, que perfilam ao lado de ídolos e ícones, brandindo palavras-chave, slogans, refrãos, à direita e à esquerda. O bom senso dá adeus. Nas margens urbanas e nos fundões aglomeram-se ainda os figurantes tradicionais, com foco na politiquice paroquial, base comandada por neocaciques e chefetes da obsoleta política de benesses. 6. As instituições - O Poder Judiciário Sempre houve tensões entre os três Poderes da República. Mas o ciclo democrático hoje vivido pelo país exibe o clímax do tensionamento institucional. O Poder Judiciário, o mais identificado com a virtude da moral, representando o altar mais elevado da verdade e da Justiça, está na mira da sociedade. Acusações atingindo ministros acabam maculando a imagem da instituição. E a imagem de um Judiciário apequenado constitui um dano à alma nacional. Nunca se viu tanto impropério contra magistrados de nossa mais alta Corte, sendo alguns marcados com a pecha de parciais. Há nove recursos no Senado solicitando impeachment de ministros. 7. As instituições - O Poder Legislativo No Poder Legislativo, mesmo renovado no último pleito em 53%, é notória a pasteurização partidária, com seus integrantes, salvo raras exceções, dando um voto calcado no interesse de cada um, defendendo espaços de poder, não em função de bandeiras doutrinárias. Até se percebe esforço do presidente da Câmara para avançar em pautas sensíveis, como o pacote social, que patrocina com um grupo de deputados, mas o representante acaba se encastelando em seus exclusivos interesses. Só a pressão da sociedade consegue apressar a agenda de avanços. 8. As instituições - O Poder Executivo O Poder Executivo, cujo chefe foi escolhido na eleição mais emblemática da contemporaneidade, prometeu mudança radical na fisionomia administrativa e na relação com a política. Dispõe de competente equipe na área econômica, mas os avanços que consegue têm sido ofuscados por uma névoa que junta discurso ultraconservador, militarista e agressivo em relação aos adversários, baboseiras de ministros, falta de articulação política, sobrando tiros em ambientalistas e grupamentos defensores dos direitos humanos. Mais parece que uma turma do cabo de guerra quer levar o país de volta ao passado de medo e opressão. A imagem do Brasil no mundo sofre rachaduras. 9. A regionalidade A fisionomia regional não é contemplada com programas específicos, de modo a suprir as carências e características de cada parte do território. Basta anotar a transposição de águas do rio São Francisco, projeto que se arrasta nos ciclos governamentais, uma obra sem fim. A Amazônia, mesmo sob a ajuda das forças para lá deslocadas para combater a devastação, exibe números que superam os do passado. Os representantes no Congresso se revoltam com o congelamento de recursos. As margens têm prazo para ganhar respostas satisfatórias. Parte II Para onde vamos? 10. Os signos novos Há na paisagem um novo vocabulário a preencher os vazios que a política abriu no meio do universo social. Esse novo repertório contém conceitos como virada de mesa, indignação, renovação/inovação, experimentalismo, compromisso, olho no olho, assepsia, vida limpa, passado decente, novas maneiras de fazer política, distritalização, eficiência e eficácia, melhoria de qualidade, voto subindo do coração para a cabeça, racionalidade, pertinência. A pertinência joga no sistema cognitivo do cidadão o sentimento de que ele é o fator primordial e preponderante da política. Por isso, precisa dela participar ativamente. Como? Cobrando, exigindo, dando apoio ou rejeitando os atores políticos. 11. Novos horizontes E para onde nos levará tal onda crítica? Para um habitat mais condizente com a realidade social. Ou seja, um território coberto por programas de envergadura, estruturantes, duradouros. Remédios para curar a dor de cabeça serão substituídos por receitas mais adequadas a uma vida saudável. O cabo de guerra não será vencido pela turma do atraso. O desfecho pode até demorar. Mas a racionalidade deve puxar o Brasil para adiante. Apesar do bolso com grana ainda se constituir no principal argumento das massas para escolher os mandatários. 12. Limites É muito complexa a tarefa de definir limites para esses novos horizontes. Mas é possível prever mudanças nas fronteiras dos impostos, do próprio modus faciendi na política, o que significaria mudanças no sistema de votação, no estatuto dos partidos, e até na forma do regime. Não se deve eliminar a hipótese de plebiscito ou referendo para questões como o parlamentarismo (bem mais adiante). Um pacto federativo com redesenho de deveres e direitos dos entes federativos se encaixa bem na moldura. E a hipótese de volta do obscurantismo mesmo sobre a mesa, vai ficando para trás. Em tempo: os ministros do governo deviam se livrar de uma linguagem obtusa, que parece querer justificar os tempos sombrios do passado. Guedes, por exemplo, deveria se fixar na matéria econômica, sob seu domínio. Fecho a coluna com a matreirice mineira. Deus e o homem O mineiro comprou um pedaço de terra no cerrado, um cascalhão duro, seco, terrível. Passou 20 anos arando, irrigando, plantando. Um dia, estava tudo lindo, o capim alto, verde, o feijão viçoso, uma beleza, o mineiro chamou o padre para rezar uma missa em ação de graças. O padre fez o sermão: - Vejam, meus irmãos, o que Deus e o Homem podem fazer juntos. Depois da missa, lá de trás o mineiro chamou o padre, deu uma baforada no cigarro de palha e tascou: - Senhor padre, o senhor precisava era ter visto isso aqui quando Deus estava sozinho.
quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Porandubas nº 645

Abro a coluna com a verve mineira. JK? Anos de chumbo. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino era pecado mortal. Tempo de mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao Contran solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O Contran não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa: - Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon. (Historinha de Zé Abelha) Domando as feras Chegando a quase um ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que poderá respirar com mais tranquilidade nos próximos tempos. Para tanto, algumas hipóteses estão na mesa: o resgate paulatino da condição econômica do país dá sinais, mesmo leves, de recuperação; a melhoria da articulação na esfera parlamentar, pavimentando os passos do programa de reformas; e o fechamento de acordos com os parceiros comerciais do Brasil, a partir da poderosa China. O fato é que as feras precisam ser domadas. O clima natalino do presidente sinaliza o slogan: "Jair amor e paz". Contenção da linguagem Constata-se que o presidente contém sua linguagem rude e tosca. Deixou de dar entrevistas polêmicas na porta do Palácio da Alvorada, que acirra os ânimos dos opositores e gera indignação junto a movimentos organizados. Claro, a peroração desbocada mobiliza suas bases. Mas enfrenta o risco de afastar parcela ponderável de seu eleitorado, principalmente setores do meio da pirâmide. Esse visível arrefecimento, deduz-se, é consequência da soltura de Lula, que passou 580 dias na prisão. Lula saiu com a boca aberta. E pronto para tirar o atraso de meses em silêncio. Jair entendeu que acirrar a linguagem agora seria alimentar o Lula palanqueiro. Lula em palanque Lula, mais azedo e provocativo, já iniciou sua perambulação pelo Brasil, fazendo os primeiros chamamentos ao pleito de 2020. Foi a Salvador e ao Recife para ser homenageado e começar a costurar acordos. O Nordeste é sua praia por excelência. Até demonstra vontade de vir a morar em São Paulo ou até em Recife, voltando ao Pernambuco natal. A campanha de 2020 está começando sob a crença de que a eleição de uma imensa bacia de prefeitos será fundamental para o sucesso da campanha presidencial e de governadores em 2020. O PT quer voltar ao centro do poder. Sem autocrítica, diz Lula. O que significa que o Partido não reconhece que errou. Não haverá, portanto, confessionário. Veremos, assim, ataques em massa aos adversários. "Lula guerra e fogo" sabe: a melhor defesa é o ataque. Capitais e grandes cidades A campanha será balizada pela estratégia de eleger o maior número de prefeitos no maior número de capitais e cidades-polo que concentram cerca de 75% dos votos, ou seja, mais de 100 dos 150 milhões de eleitores. O gargalo mor será o Sudeste. Mais racional do que emocional. O voto paulista, por exemplo, obedece mais à lógica ditada pela cabeça do que ao fervor que jorra do coração. É evidente que os polos emotivos ainda dão o tom aqui e ali. Mas o voto está saindo do coração para subir à cabeça. Foi o que se viu em outubro de 2018, a eleição de quebra frontal de paradigmas. São Paulo Em São Paulo, travar-se-á uma das mais renhidas campanhas. Lula até gostaria de ter um candidato competitivo para disputar o voto de nove milhões de eleitores da capital. E resgatar o cinturão vermelho que abrange o ABC e cidades da grande São Paulo, onde a cor vermelha deu lugar a outros tons. De seu coração, Fernando Haddad seria o candidato do PT a prefeito. Este recusa. Por isso Lula remete sinais de reaproximação com a ex-prefeita Mara Suplicy, que, por sua vez, gostaria de ser apoiada por uma frente de oposição. Ela está no PDT. A mulher de Haddad, Ana Estela, pode até vir a compor como vice a chapa apoiada pelo PT. Pleito disputado A eleição paulistana será uma guerra. Se Bruno Covas se recuperar da doença que o acomete, será forte candidato, ainda mais quando dá exemplo de enfrentamento e coragem: passou mais de 20 dias no hospital, despachando com o secretariado. O PSD de Kassab deve vir com Andrea Matarazzo, que conhece bem a capital por ter sido secretário das administrações regionais. O PT, se não surgir com Haddad nem com Marta, tem outros nomes: o vereador Eduardo Suplicy, os deputados Federais Alexandre Padilha, Carlos Zarattini e Jilmar Tatto. O PSL pode vir com a deputada Joice Hasselmann caso não feche acordo com o PSDB de Covas. Hasselmann poderia ser a vice. O Novo já escolheu seu pré-candidato: o empresário Filipe Sabará. Há outros nomes: Celso Russomanno (PRB), Márcio França, ex-governador (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL) ou deputada Federal Sâmia Bomfim. A campanha paulistana será uma bússola para projeção da campanha de 2022. BH MG tem o 2º maior eleitorado do país e a eleição em Belo Horizonte será também emblemática. O prefeito Alexandre Kalil está bem na fita para a reeleição. Mas outros nomes estão na lista: o ex-prefeito Márcio Lacerda, João Vitor Xavier, Leonardo Quintão, Marcelo Álvaro Antônio (o ministro acusado de plantar um "laranjal" no pleito de outubro de 2018), Reginaldo Lopes e Eros Biondini. RJ O Rio de Janeiro terá também uma campanha nervosa. O prefeito Marcelo Crivella (PRB) buscará a reeleição, contando com as máquinas pública e evangélica. Deve se ancorar em discurso ideológico. Pela esquerda, o deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL) tentará chegar ao Executivo carioca pela 3ª vez. O PDT pretende lançar a deputada estadual Martha Rocha. O PSB tende a fechar com o deputado Federal Alessandro Molon. Ao centro, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) é perfil forte. Paes pode adotar um discurso de combate à polarização, jogando Crivella para um lado ultraconservador e pintando Freixo como um esquerdista radical. Quem será apoiado por Wilson Witzel, o governador? Salvador João Isidório, do Avante, é um forte candidato. Foi o deputado estadual mais votado, com 110 mil votos, no rastro do prestígio do pai, o Sargento Isidório, deputado Federal mais votado da Bahia. João acaba de ser ungido como pastor. Outros nomes: a deputada Federal Lídice da Mata (PSB), o médico Fábio Vilas-Boas, o ex-deputado Walter Pinheiro e Bruno Reis, vice-prefeito, do DEM. Fortaleza Na capital do Ceará, o embate será entre nomes como o deputado estadual Heitor Ferrer (Solidariedade), a deputada Federal Luizianne Lins (PT), que já foi prefeita de Fortaleza; os deputados estaduais André Fernandes (PSL) e Silvana Oliveira (PR), o deputado Federal Capitão Wagner (Pros) e o empresário Geraldo Luciano (Novo). Postulantes pelo PDT como o presidente da AL, José Sarto, e o ex-presidente da Câmara e hoje deputado Salmito Filho; no PSDB, os nomes ventilados são o da médica Mayra Pinheiro, atual secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (STGES) do governo Bolsonaro; e o médico Carlos Roberto Martins Rodrigues, o Cabeto, que comanda a Secretaria da Saúde do governador Camilo Santana (PT). Curitiba Na capital do Paraná, são cotados para integrar a lista: o atual prefeito Rafael Greca (DEM). Greca poderá ter apoio do PSDB. Tem feito gestão bem avaliada. O deputado estadual Delegado Francischini (PSL) já teria oficializado sua pré-candidatura à prefeitura em evento nacional de filiação do partido. Seu sucesso dependerá do duvidoso fortalecimento do PSL. Ney Leprevost (PSD), nome forte ligado ao governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). O deputado Federal Gustavo Fruet (PDT), que, em maio, deu mais um passo no sentido de oficializar seu nome como um dos postulantes à prefeitura de Curitiba. O PT deverá ter um nome na disputa. Dr. Rosinha, diretor estadual do partido, cita nomes prováveis como Tadeu Veneri e Mirian Gonçalves, vice-prefeita na gestão de Fruet. O próprio Dr. Rosinha é uma possibilidade. João Arruda (MDB) deve entrar no embate, ex-deputado e candidato ao governo em 2018. Pelo PTC, possivelmente Zé Boni. O Partido Novo está em processo de escolha de um nome. Há, ainda, nomes como o do ex-prefeito Luciano Ducci (PSB), do deputado Federal Paulo Martins (PSL) e da deputada estadual Maria Victoria (PP). Porto Alegre Any Ortiz deverá ser lançada pelo Cidadania (antigo PPS). Além de Any, são ventilados nomes como Juliana Brizola (PDT), Luciana Genro (PSOL), Manuela d'Ávila (PCdoB), Maria do Rosário (PT) e Mônica Leal (PP). Se todos os nomes se confirmarem, seria o recorde de candidaturas femininas em Porto Alegre, que já conta com 12 pré-candidatos, distribuídos entre seis partidos, a mais de um ano do pleito. O DEM lançou o ex-vereador de Porto Alegre e atual deputado estadual Thiago Duarte. Além dele, outros dois deputados estaduais têm a intenção de concorrer. Rodrigo Maroni quer disputar o Paço pelo Podemos. O MDB é o partido com mais pré-candidatos. Querem concorrer os vereadores André Carús e Valter Nagelstein; o ex secretário de Segurança Pública no governo José Ivo Sartori, (MDB) Cezar Schirmer; o deputado estadual Sebastião Melo e a secretária de Habitação, comandante Nádia. Além dos já citados, dois são da bancada do PP: Mônica Leal, presidente do Legislativo, e Ricardo Gomes. Além deles, o vice-prefeito Gustavo Paim fecha o quadro de possíveis concorrentes pela sigla. Natal A eleição na capital do RN abrigará o atual prefeito Álvaro Dias (MDB), que assumiu a prefeitura com a renúncia de Carlos Eduardo Alves, candidato derrotado ao governo do Estado. Contra ele, poderão disputar o cargo o deputado estadual Kelps Lima (Solidariedade) e a deputada Federal Natália Benevides (PT), que deve ganhar o apoio da governadora Fátima Bezerra. A governadora, mesmo com escassez de recursos, faz uma administração com foco na racionalidade e em resultados. É bem avaliada. O prefeito Dias também tem passado pelo teste. O legado bolsonarista poderá ter também seu peso na campanha. A conferir. Maceió Para substituir o prefeito Rui Palmeira, disputarão JHC, João Henrique Holanda Calas, deputado Federal mais votado no pleito de 2018, com 170 mil votos. Alfredo Gaspar de Mendonça Neto pelo MDB. O Cabo Bebeto, grande surpresa eleitoral; Ronaldo Lessa é outro nome que aparece bem nas pesquisas e que pode ser o candidato de setores órfãos, hoje, os chamados "progressistas", entre o centro e a esquerda. Davi Davino ou Marcelo Palmeira; Ricardo Barbosa, a defender o legado do PT - ainda que o primeiro demonstre mais fôlego eleitoral que o lulista; e o PSOL, que deve lançar Basile Christopoulos, alternativa mais à esquerda. Fecho com o Pará. Como vão os meninos? O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral: - Como vai? E senhora sua esposa? E as crianças? - Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo? - E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos?  
quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Porandubas nº 644

Abro a coluna relembrando um "causo" de Pernambuco. Só expectorante Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um podia falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra: - E você, amigo, não tem nada a dizer? O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu: - Não, doutor, tou apenas expectorante. Gargalhada geral. ("Causo" do Marco Maciel com relato de Geraldo Alckmin.) Ganha-ganha Abre-se a temporada do jogo do ganha-ganha. Lula ganha, Bolsonaro ganha. A saída de Lula da prisão insere o país na arena das contendas de 2020 e 2022. Reforça as posições dos extremos. Acirra o ânimo das alas que já estão armadas e prontas a desembainhar as espadas. As estocadas entre lulopetistas/oposicionistas e bolsonaristas pipocam todos os dias nas redes, e tendem a engrossar com os rompantes das expressões dos comandantes Luiz Inácio e Jair Bolsonaro. Claro, com o reforço dos assessores, do tipo Gleisi Hoffmann e José Dirceu, de um lado, Sérgio Moro e os filhos do presidente, de outro. Nova caravana Lula já reabriu o palanque no discurso da soltura em Curitiba, e no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ambos com toques de virulência. Aliás, ele prometeu sair da prisão mais à esquerda. Dirceu complementou: cabe ao PT retomar o poder. Portanto, o jogo está traçado. Lula surpreendeu pela contundência. Voltou mais feroz. E José Dirceu volta a pregar o ideário socialista (Que modelagem, Zé?). Não se espere recuo desses exércitos em prontidão. Nordeste abre jornada Lula vai inaugurar uma nova corrida ao país, começando por Recife, no próximo dia 17. O Nordeste é onde ele tem maior popularidade. Região que espera dominar eleitoralmente, a partir de seu Estado, Pernambuco. O NE vive momento calamitoso com as praias inundadas de óleo. Lula vai tocar no assunto? P.S. Bolsonaro até hoje não foi ver a tragédia. Margens para o centro A estratégia de Luiz Inácio é clara: comer pelas bordas, ou seja, das margens para o centro. É uma estratégia adequada, principalmente em face da situação de miséria em que vive grande parcela da população. O IBGE acaba de mostrar os dados da desigualdade que aumenta. Claro, culpa de recessão da economia provocada pelo governo Dilma. Mas Lula, esperto, já manjou: o ataque é melhor que a defesa. E joga a culpa no atual governo. A economia anda de maneira lenta. O desemprego cede pouco. A informalidade é geral. Já o desemprego expande índices de carência e violência. Sudeste racional Lula começará a mobilizar seus exércitos pelo Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Deixará o Sudeste para mais tarde. São Paulo é, por excelência, o polo mais contrário ao lulopetismo. Agrega as maiores classes médias, os maiores contingentes de formação de opinião e os maiores conglomerados do trabalho. A capital é um nicho onde o lulismo é bastante rechaçado. Já no Rio de Janeiro, o oposicionismo tende a aceitar melhor a volta de Lula ao cenário. Já o Sul é intensamente conservador. Tende a rejeitar o lulismo. Instintivo e certeiro Luiz Inácio sabe de tudo isso. É o mais instintivo político brasileiro. E o melhor de palanque no uso de uma linguagem popular. Mexe bem com metáforas e sofismas. Adota linguagem simples e direta. Motiva as massas. Diante de uma multidão, vira estrela incandescente. Sua capacidade de sacudir o país, claro, dependerá bastante do desempenho da economia. Aliás, é esse o eixo que ele vai empregar para desarmar o palanque de Bolsonaro. Este consultor tende a opinar que o discurso mais feroz de Lula é pior para o lulopetismo. Setores médios que poderiam a ele se juntar permanecerão distantes. Mas o ex-presidente poderá amainar a expressão. A conferir. União da oposição Lula pode tentar um acordo com as oposições, formando uma ampla frente. É viável a hipótese? Haverá dificuldades, a partir, por exemplo, de Ciro Gomes, que deseja ser o candidato presidencial do PDT em 2022. Ciro atirou muito em Lula. E ontem voltou a atacar a "natureza de escorpião" do petismo. Ataca para matar. Será tarefa inglória a de alcançar unidade nos interesses de núcleos e grupos em que se repartem as oposições. Conchavo Premido pelos casuísmos, Tancredo Neves foi obrigado a fundir o seu PP com o MDB de Itamar. Alguns pepistas pularam do barco e protestaram alegando conchavo. Tancredo foi curto e seco: "Conchavo é a identificação de ideias divergentes formando ideias convergentes". Tinha razão. Há curvas que desembocam em retas. A radicalização de Bolsonaro Analisemos, agora, a retórica bolsonariana. Estará recheada de apelos ao medo de eventual volta do PT ao poder. Bolsonaro precisa mobilizar sua militância e fazer maioria, agregando outros núcleos. O medo do PT poderá sustar a desagregação que vem se observando nas alas de apoio ao bolsonarismo. É patente o distanciamento que setores do meio passaram a se afastar do governo, distanciamento que ocorre na esteira de uma expressão radical sob a sombra dos tempos de chumbo. Muitos eleitores de Bolsonaro se afastaram. Por isso, o presidente precisa que Lula radicalize o discurso para ter de volta grupos que dele se afastaram. É um jogo de conveniências. Quem puxa pelo meio? Ora, parcela ponderável da população, principalmente os núcleos mais racionais, gostaria de ver um líder com um forte e brilhante discurso de centro. Quem? Até o momento, esse perfil não apareceu. O centro está disperso, difuso. Luciano Huck não possui densidade, escopo para encarnar a identidade de um presidente da República. Mas as massas o conhecem da TV. João Doria não chega às margens. É um perfil centralizador. Ele, ele e ele. Rodrigo Maia tem feito bom trabalho de articulação política, mas compõe melhor a posição de vice. Ciro Gomes é preparado, mas desbocado. Geralmente perde a estribeira e cai do cavalo no meio da campanha. Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tem bom lastro, mas não atrai apoios. Imagem pouco conhecida. As metades Numa noite, às vésperas de 24 de agosto de 1954, quando se matou, Getúlio Vargas conversava, desalentado, desencantado, com José Américo de Almeida, seu ministro da Viação. Confessa: - Impossível governar este país. Os homens de verdadeiro espírito público vão escasseando cada vez mais. - Presidente, o que é que o senhor acha dos homens de seu governo? - A metade não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo. Sudeste-nordeste Há muita água a correr por baixo da ponte. Mas, sob a perspectiva teórica, a construção de uma chapa reunindo o Sudeste e o Nordeste seria a ideal tanto para um lado quanto para outro. Bolsonaro terá mais dificuldades. Afinal, o que fazer do vice Mourão? Essa lógica pode ser derrubada por fatores imponderáveis como aqueles que ocorreram em 2018, a partir da facada dada por Adélio Bispo no candidato Bolsonaro em Juiz de Fora/MG. Paradigmas Outras questões se apresentarão: haverá tanta quebra de paradigma quanto o que vimos em 2018? Tempo de TV, apoio de grandes partidos, a força de recursos financeiros, a situação de perfis tradicionais, a atração por perfis novos etc.? A "meninada" eleita sob o manto do PSL continuará a ter prestígio no pleito municipal de 2020 e conseguirá segurar seus índices eleitorais até 2022? Que partidos liderarão os pleitos? Qual o papel do PT? Do Novo? Do PSOL? Do MDB? Do PSD de Kassab? Do PP de Ciro Nogueira? Do PDT de Carlos Lupi? Do PRB dos evangélicos? Do DEM de ACM Neto, Rodrigo Maia e Alcolumbre? E a disputa pelo Fundo Partidário? Novo partido Bolsonaro reúne os deputados do PSL para dizer que sairá do partido e criará outro. Possível nome: Aliança Pelo Brasil. Pretende reunir rapidamente 100 deputados na nova sigla. (Em tempo: quem se lembra da velha ARENA - Aliança Renovadora Nacional, sustentáculo do regime militar?). Bolsonaro terá de correr contra o tempo. Para fazer campanha de prefeito, a sigla terá de registrar seu estatuto no TSE seis meses antes do pleito, ou seja, até maio. Quiçá e cuíca Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção: - Não caio mais nessa não. Isto é quiçá! (Historinha enviada por J. Geraldo). Judiciário é alvo A decisão do STF, por 6 a 5, de acabar com a prisão após condenação em 2ª instância, acirra a polarização política. Os "moristas" engrossam as críticas à Suprema Corte. Nunca se viu um tiroteio tão forte contra o altar ex-sagrado do Judiciário. Nunca se leram tantos adjetivos e imprecações contra ministros de nossa mais alta Corte. Nova frente de lutas se abre, tendo de um lado os simpatizantes da ideia de voltar a prisão após condenação em 2ª instância, com mudança no texto constitucional e os contrários. O tema estará em pauta, mas a proposta encontrará muitas curvas antes de chegar à reta final. Tensões entre Poderes O fato é que o país vive um ciclo de contundente locução. O debate abre, a cada dia, novos compartimentos. As tensões entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, mesmo sob a preocupação dos presidentes em administrar a crise, tendem a aumentar. O Poder Executivo, por seu lado, é um polo de irradiação de conflitos e que carece de simpatia dos outros Poderes sob pena de ver naufragar as pautas que sugere. Toffoli quer agradar a Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado. Está sob o fio da navalha. A crítica social sobre seu comportamento atinge os píncaros. O fato é que tirou do colo do STF o fardo da prisão após condenação em 2ª instância. Tensão na região A renúncia de Evo Morales, na Bolívia, a mobilização social no Chile, a vitória de Fernandez/Cristina Kirchner na Argentina, o rebuliço no Equador, a instabilidade no Peru, o clima de extremas carências na Venezuela e a polarização no Brasil formam, entre outros, fatores de desconfiança e desmotivação de investidores, que se retraem e passam a olhar com receio esses espaços para alocação de seus investimentos. Teria havido golpe na Bolívia? As opiniões se dividem. A esquerda, em uníssono, diz sim. Os analistas mais rigorosos falam em fraude. Evo renunciou face ao laudo da própria OEA comprovando falsificação de resultados. Esquerda/direita e vice-versa As economias do Chile e da Bolívia vinham sendo muito elogiadas por outros países por sua macroeconomia. Crescimento vigoroso, PIB ascendente, diminuição da pobreza, mercado financeiro satisfeito e investimentos externos. De repente, uma explosão social, guerra nas ruas. Parece que os governos do chileno Sebastián Piñera e do boliviano Evo Morales, enquanto governavam para o mercado, esqueciam as carências de sua população. As reclamações do povo são quase idênticas contra os governos de direita e de esquerda dos dois países. Os dados sobre a pobreza eram mesmo confiáveis? Farta feição José Aparecido chegou à sua Conceição do Mato Dentro/MG, começou a romaria dos amigos. Entrou um coronel, mansos passos e chapéu na mão: - Bom dia, doutor. Boa viagem? - Boa. Como vão as coisas? - Tudo correndo como de costume. Novidade aqui nunca tem e lá pra fora não sei, porque minha televisão está defeituada. - O que é que aconteceu com ela? - Não sei não. Às vez farta prosa, às vez farta feição.
quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Porandubas nº 643

Abro a coluna com a verve paraibana. Amigo do papa Rui Carneiro, raposa da política paraibana, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha: - Paraibanos, estive em Roma com o Papa. Ele me cochichou: - Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você. Ganhou a eleição. (Dos imperdíveis relatos de Sebastião Nery) Cenários bolsonarianos I Há uma crise no entorno do governo. Seus vetores, entre outros, são os seguintes: 1) a acirrada expressão do presidente, com ataques à imprensa, e sempre sinalizando a existência de uma conspiração para derrubá-lo; 2) as entrevistas e ações que envolvem seus filhos que militam na política, com ênfase para a fala do 03, o deputado Eduardo, avisando que se "a esquerda radicalizar", pode vir um novo AI-5; 3) a fumaça que não se dispersa em torno das "ligações" entre Bolsonaros, milícias e assassinato de Marielle Franco; 4) as dificuldades crescentes do governo na relação com o Congresso. Cenários bolsonarianos II Os horizontes que se projetam sobre o pacotão do ministro Paulo Guedes no Congresso ainda carregam pesadas nuvens. A proposta, segundo o roteiro do ótimo relatório semanal da jornalista Helena Chagas, inclui: a) a PEC Mais Brasil, com previsão de distribuição de maior fatia dos royalties do petróleo a Estados e municípios; b) a PEC da Emergência Fiscal; c) a PEC para extinção dos Fundos setoriais, com exceção dos constitucionais; d) Reforma Administrativa e e) Reforma Tributária. É pouco provável que essa imensa mala de propostas atravesse sem dificuldades os corredores congressuais. A reforma tributária, então, carrega muita polêmica. Coisa para o próximo ano. A reforma administrativa encontrará intensa oposição dos servidores públicos. Cenários bolsonarianos III De 0 a 10, a probabilidade de que esta carga seja aprovada pelas casas congressuais no médio prazo (incluindo os primeiros meses de 2020) é de 4 pontos. O atraso no calendário da tramitação e aprovação é um chega prá lá na boa avaliação do governo. Guedes tem o apoio de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Mas o fator de risco tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. O presidente deveria pôr a mão na consciência e ponderar sobre a necessidade de administrar sua índole guerreira. E pedir comportamentos e expressões menos virulentas de sua equipe. A continuar pisando no calo de gregos e troianos, será muito difícil ao governo navegar até o porto de 2022. Cenários bolsonarianos IV Se a economia botar mais grana no bolso das margens e classes médias, até meados do próximo ano, teremos um panorama eleitoral menos turbulento. A equação BO+BA+CO+CA - Bolso, Barriga, Coração, Cabeça será um anestésico para o corpo governamental. O presidente, nesse cenário, será um grande eleitor. Terá um problema com o novo partido sob sua égide. Não haverá tempo para ser criado e estruturado de forma a ter boa performance na eleição municipal. A querela com Luciano Bivar deve continuar. A não ser que o pernambucano entregue o PSL aos domínios dos Bolsonaros. Governo eleva previsão O governo vai elevar a previsão para o crescimento da economia em 2020. Atualmente em 2,17%, o novo número deve ficar próximo de 2,5%, mas a equipe econômica ainda não fechou a estimativa. Estudos apontam que, no final do segundo trimestre, o investimento privado cresceu 7,02%, enquanto o investimento público caiu 14,30% ante o mesmo período de 2018. Corrosão de imagem É clara a tendência de desengajamento de alas simpáticas e votantes no presidente Jair. Nas pesquisas, o índice de afastamento de eleitores aumenta. Nas conversas do cotidiano, expande-se a perplexidade com as barbaridades da família. Mas o bolsonarismo, por enquanto, tem ainda 1/3 dos eleitores. E é para essa comunidade mais fechada que se dirige o discurso presidencial. O presidente procura animar, mobilizar, cutucar sua tradicional base. E consegue. Por isso, seu animus animandi se inspira em coisa pensada, maturada, planejada. Atacar sempre para instrumentalizar seu exército. Slim de olho na Globo O Grupo Globo está enfrentando intensa crise. A situação geral da economia retraiu uma leva de grandes patrocinadores. As verbas publicitárias do governo sumiram. O presidente chega a ameaçar a concessão pública da TV Globo em 2022. Os altos salários do Grupo foram reduzidos depois de negociações. As versões dão conta de que o grupo de Carlos Slim estaria conversando com a Globo. Aliás, o interesse do grupo mexicano na Globo é antigo. Slim, de 79 anos, é o dono do Grupo que inclui a empresa de telecomunicações América Móvil - com presença em 25 países -, a financeira Inbursa e o Grupo Carso. É o homem mais rico da América Latina, com uma fortuna estimada em 61,6 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes. No Brasil, Slim é dono da Claro-Net. General Heleno O general Heleno, ministro do GSI, era o mais aplaudido general quando entrou no governo. Hoje, é considerado um militar alinhado com os radicais que orbitam em torno do presidente Bolsonaro, a partir do escritor desbocado Olavo de Carvalho. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acaba de dizer que ele é uma tuba de ressonância do chamado guru dos Bolsonaros. Animação de fim de ano Há um grupo de empresários que se anima ante as expectativas de recuperação da economia. São pequenos empreendedores dos setores de alimentação, logística e comércio. Mas há um setor que se engaja na animação: a construção civil. Impressiona o número de novos lançamentos de prédios residenciais e comerciais. São sinais positivos no meio de maré de dúvidas. Qual é a dos EUA? Afinal, o que querem os EUA com o Brasil? Após mostrar preferência pela Argentina na OCDE, pelo menos no que diz respeito a prioridades, o país de Trump acaba de vetar a carne bovina in natura do Brasil. Mais uma derrota do nosso país. E o que o amigo do peito de Bolsonaro, Donald Trump, vai dizer ao seu querido capitão? Que os órgãos de controle americanos vetaram a carne brasileira. E talvez recorra ao ditado: amigos, amigos, negócios à parte. Trump na corda bamba Se Donald Trump levar a melhor em novembro do próximo ano, Bolsonaro poderá surfar na onda da vitória dos conservadores republicanos. Mas todas as pesquisas de hoje dão vantagem aos democratas, com maior vantagem para o ex-vice de Obama, Joe Biden. Mas não será impossível nova vitória de Trump no colégio dos delegados, apesar de eventual derrota no voto popular. No partido democrata, protagonistas já se posicionam como esquerda. Esse matiz ideológico, na maior Nação liberal do planeta, provocará polêmica. A gangorra ideológica Afinal, para onde vão a esquerda e a direita na AL? Mauricio Macri perde na Argentina. Evo Morales, na Bolívia, leva a melhor, apesar da pequena diferença para o opositor. No Uruguai, uma Frente Ampla de esquerda continua como a maior força política.O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, mais conhecido como Pepe Mujica, acaba de se eleger senador, após ter renunciado ao cargo no Senado ano passado, quando justificou que "estava cansado da longa viagem" e se afastaria "antes de morrer de velho". Seu partido, Movimiento de Participación Popular (MPP), que faz parte da coalizão de esquerda Frente Ampla, vai disputar a presidência em 2º turno tendo a frente o candidato Daniel Martínez, que enfrentará Luis Lacalle Pou, candidato de direita pelo Partido Nacional. Zigue-zague - I Na Colômbia, o presidente Ivan Duque está em queda livre, após ser eleito em agosto de 2018. Enfrenta problemas com guerrilhas, Congresso, Venezuela e até com aliados. Eleito com 54% dos votos, Duque é o mandatário colombiano com imagem mais impopular nesse período da gestão dos últimos 20 anos. Ernesto Samper (1994-1998), Álvaro Uribe Vélez (2002-2010) e Juan Manuel Santos (em 2010) tinham mais de 60%. A esquerda de Lopez Obrador governa no México. Zigue-zague-II Em 2013, o Chile, sob o comando de Sebastián Piñera, era o único mais à direita dos 12 países da América do Sul. Em 2018, além do próprio Chile, Argentina, Peru, Colômbia e Paraguai eram governados por presidentes de direita. Mas a cor do mapa político da região sofre mudanças. Piñera começa a enfrentar a oposição das ruas. Seu futuro é incerto. Zigue-zague - III Em agosto de 2015, Mario Abdo Benítez, filho do secretário pessoal de Alfredo Stroessner, que comandou o governo militar paraguaio, tomou posse como presidente. No Peru, Ollanta Humala foi substituído inicialmente pelo economista liberal Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou. O país passou a ser presidido por Martín Vizcarra, de direita, que anunciou semanas atrás a dissolução do Congresso, dominado pela oposição fujimorista, após um dia que refletiu mais do que nunca o choque entre os poderes Executivo e Legislativo. Zigue-zague - IV A Argentina, antes comandada pelos Kirchner, viu o empresário Mauricio Macri assumir o poder em dezembro de 2015. E agora volta aos Kirchner, com Cristina, a ex-presidente na vice de Alberto Fernández. No Equador, Lenín Moreno rompeu com o ex-presidente Rafael Correa, de esquerda, de quem foi vice, e contou com seu apoio na eleição. Agora, conta com apoio de partidos de direita. Na Venezuela, Bolívia e na Nicarágua, os governos de esquerda continuam no comando. Zigue-zague - V Por nossas plagas, o governo de direita abre muita polêmica, mas não tem havido grandes manifestações de protesto. A expressão governamental é de muito açodamento. Gera questionamentos. O governo tem perdido apoios e mostra muita desarticulação na frente política. O grande teste será a eleição municipal de 2020. Tudo vai depender do sucesso do pacote econômico do governo. E o óleo vazado, hein? A linguagem está desencontrada. O presidente diz que o pior ainda está por vir. O ministro da Defesa diz que não sabe se o pior ainda virá. O fato é que o óleo cru, anunciado como de origem venezuelana, continua a bater nas praias do Nordeste. Todas as demonstrações apontam para um navio grego, o Bouboulina, de propriedade da petroleira grega Delta Tankers. Esta empresa diz que 'não há provas' de que o Bouboulina vazou petróleo na costa do Brasil. No comunicado, afirma que o navio não parou nem fez qualquer tipo transferência de óleo; e que não foi procurada por autoridades brasileiras e a carga chegou à Malásia 'sem qualquer falta'. A Interpol foi convocada a entrar no caso, que deverá ter imensa repercussão nos foros internacionais.
quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Porandubas nº 642

Abro a coluna com uma historinha do RN. O sabiá do senador Quando senador pelo Rio Grande do Norte, Agenor Maria (sindicalista rural, falecido em 1997), visitando o município de Grossos, foi interpelado pelo prefeito Raimundo Pereira. - Estamos precisando de uma escola para a comunidade de Pernambuquinho. De pronto, Agenor garantiu-lhe apoio à proposição. Semanas depois, um telegrama traz a boa-nova ao prefeito. - Escola está assegurada. Mande-me o croqui. Tomado pelo espírito de gratidão, Raimundo visita Agenor para agradecer o empenho, carregando uma gaiola à mão. Diante do senador, que estranha o acessório, Raimundo vai logo se explicando. -Eu não peguei um concriz como o senhor pediu, mas trouxe esse sabiá. O bichinho canta que é uma beleza. (Historinha narrada em Só Rindo 2, de Carlos Santos) Uma cutucada aqui, outra ali O jogo parece combinado. Vez ou outra, o Twitter do presidente Bolsonaro aparece com adjetivos e verbos ácidos na direção de instituições e protagonistas da política. Desta feita, o ataque pegou meio mundo: OAB, CNBB, o próprio partido - PSL -, movimento feminista, Greenpeace, Lei Rouanet, CUT, partidos de oposição ao governo (PT, PC do B), órgãos de imprensa e, pasmem, até a ONU e o STF. Todas essas instituições são hienas e ele, um leão, cercado. Mais que cutucar a onça com vara curta, o destempero do presidente é um atentado ao bom senso. Ganhou dura resposta do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, que considerou a postagem "um atrevimento sem limites". Passado o impacto, a desastrada mensagem foi apagada. E o presidente pediu desculpas. Mais uma dos filhos? Jogo combinado? Com o príncipe Antes de se reunir com o mandatário da Arábia Saudita, o presidente Jair Bolsonaro disse que possui "certa afinidade" com o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman. Segundo ele, "todo mundo" gostaria de passar uma tarde com um príncipe, "principalmente as mulheres". O mancômetro de sua Excelência está com defeito. Cada fatia com 1/3 Até quando veremos o país dividido e polarizado? Não há previsão de harmonia, convergência, integração de propósitos no curto prazo. As razões são por demais conhecidas: interesse do presidente Jair Bolsonaro em manter acesa a fogueira da polarização; interesse do PT e seus satélites em cutucar o bolsonarismo, usando-o como alvo até as eleições de 2022; incertezas e dúvidas das áreas centrais sobre o amanhã do país. Bolsonaro governa para 1/3 da população; 1/3 habita o território da oposição e um pouco mais de 1/3 fixa-se, por enquanto, no centro, um olho olhando para a esquerda, outro para a direita. Maquiavel É dele o conceito: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas". Os fogueteiros Ao contrário do que se pode supor, amainar a ferocidade dos exércitos em luta tem sido tarefa impraticável. Porque as estocadas de ambos os lados crescem, não diminuem. Para complicar, os batalhões bolsonaristas contam com fogueteiros que têm prazer em expandir as chamas. Entre esses, destacam-se o chanceler Ernesto Araújo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. São ácidos no combate. Conservadorismo radical. Os três mosqueteiros Já os filhos Flávio, Eduardo e Carlos formam a tríade de defesa do presidente. A contenda sobre eles e em torno deles não tem prazo para terminar. Pois o novelo continua sendo puxado, envolvendo os três. O ex-assessor Queiroz acaba de sinalizar um "cometa" do MP que querem "enterrar na gente". E abre mais polêmica. É áudio vazado quase todos os dias. O presidente responde: cada qual vive suas vidas. Não é responsável pela vida dos outros. Esse ambiente de querelas, fofocas, disputas no PSL vai continuar a poluir a esfera política. As eleições de 2020 O vestibular para 2022 tem uma escala em 2020 com a eleição de 5.570 prefeitos. O bolsonarismo, na hipótese de continuidade da polarização, deve formar uma base em torno de 1.800 prefeitos, com números aproximados para a esquerda e um pouco mais para os espaços centrais, ocupados por grandes estruturas e partidos. A incógnita que poderá empurrar os polos ideológicos contrários para maior ou menor quantidade será o desempenho da economia. Se registrarmos até meados do próximo ano melhoria no bolso e maior conforto familiar, certamente a extrema direita contará com esse formidável cacife. A recíproca é verdadeira. Regiões e circunstâncias No balcão das oportunidades, a região Nordeste, com seus quase 30% de eleitores, terá papel decisivo na composição da base política que impulsionará o pleito de 2022. O Nordeste padece o maior desastre ambiental do país em todos os tempos. O governo chegou atrasado para cuidar dessa crise que começou há meses com os primeiros volumes de óleo inundando as praias. O tal ministro desbocado Ricardo Salles passou alguns minutos em visita a algumas praias. Para falar lorotas. Providências mesmo só apareceram quando o general Mourão, o vice-presidente no cargo de presidente, disponibilizou contingente das Forças Armadas. Mas o presidente Bolsonaro até o momento não visitou as praias invadidas pelo óleo. O que poderá ocorrer Certamente vai haver cobrança ao presidente pelo fato de não ter ido ao Nordeste ver o tamanho da tragédia. E isso abre polêmica e desperta animosidade. Não há dúvidas que a ausência do presidente esquentará o discurso eleitoral. O sentimento de rejeição ao Nordeste pode ser respondido com o sentimento de rejeição aos candidatos bolsonaristas. Atenção: uso, aqui, a possibilidade. Pode ou não ocorrer. A depender, mais uma vez, da questão econômica e das circunstâncias que se formarão ao longo dos próximos meses. Muita água correrá ainda pelas margens litorâneas até outubro de 2020. A conferir. Duverger Maurice Duverger, o renomado estudioso francês dos sistemas políticos, lembra: "o Brasil só será uma grande potência no dia em que for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado". O peso de SP e Minas São Paulo e Minas lideram o eleitorado brasileiro, o primeiro com cerca de 35 milhões de votos, o segundo com mais de 16 milhões. O voto mineiro é uma síntese do voto nacional. MG é um Estado que reúne brasileiros de todos os recantos. E São Paulo é, por excelência, o território do voto racional. O voto da capital é mutante. O eleitor vota de acordo com suas demandas e respostas dos protagonistas da política. Esses dois Estados são os polos que vão funcionar como a pedra jogada no meio da lagoa: as marolas formadas pela direção dos votos paulistas e mineiros chegarão até as margens longínquas. Convivência ou litigiosidade? Como o Brasil vai se relacionar com a Argentina comandada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner? O gesto do presidente eleito - o L do Lula solto - não caiu bem. Falta de envergadura litúrgica. Ou seja, as relações entre Brasil e Argentina começam sob a sombra de Lula preso. E da resposta dura de Bolsonaro: os argentinos escolheram mal. E mais, disse ele: o gesto pedindo a soltura de Lula é "afronta à democracia brasileira e ao sistema judiciário brasileiro. Uma pessoa condenada em duas instâncias. Outras condenações a caminho. Ele está afrontando o Brasil de graça". Toffoli, a grande jogada O presidente do STF, Dias Toffoli, prepara uma jogada de mestre. O adiamento da votação da Corte no capítulo da prisão após a 2ª instância faz parte da estratégia do magistrado para deixar as águas correrem e verificar a direção dos ventos soprados pela opinião pública. In médium virtus - a virtude está no meio. Como há um sentimento de repulsa a eventual decisão do Supremo no sentido de mudar mais uma vez o instrumento, Toffoli deve optar por um meio termo. Ou seja, a condenação na 3ª instância, no STJ, já abriria a possibilidade de detenção do acusado. Seria um meio termo. O voto do presidente, portanto, mesmo sujeito a críticas, estaria atendendo aos anseios das duas bandas em querela. Sólon Ao ser perguntado sobre as leis que outorgara aos atenienses, Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, disse: "Dei-lhes as melhores que eles podiam aguentar". Lula vai às ruas O PT se prepara para voltar à liça, ou mais precisamente, ao centro do poder. Contando com sua liberdade, Luiz Inácio quer fazer uma baciada de prefeitos. Daí a recomendação para que seu partido apresente candidatos no maior número de cidades. Quando argumentam que o PT deve integrar uma frente de oposição, ele, Lula, insiste: contanto que a cabeça de chapa seja do partido. Lula espera novamente incendiar o país. O eterno retorno? Para tanto, promete resgatar a tal Caravana da Cidadania, que correu o país antes de sua eleição em 2002. Em suma, a síndrome de Sísifo pode baixar, mais uma vez, por nossas plagas. P.S. Sísifo, o condenado pelos deuses a levar uma pedra nos ombros e depositá-la no topo da montanha. Quando está prestes a conseguir o feito, a pedra rola ao sopé da montanha. Sísifo vai tentar mais uma vez. Jamais conseguirá. Fará isso por toda a eternidade. Brasil do eterno retorno. Um conto com Zé Zé caiu num poço profundo. Desesperado, tentava, por horas seguidas, escalar as paredes. Quando conseguia subir alguns metros, caía novamente. Obcecado pela ideia de se salvar, não percebia a corda lançada por um desconhecido que por ali passava. Zé não conseguia nem ouvir o apelo: - Pegue a corda, pegue a corda. Surdo, a atenção voltada para a tarefa, só reagiu quando sentiu a dor de uma pedra jogada nas costas. Furioso, olhou para o alto, viu o desconhecido e gritou: - O que você deseja? Não vê que estou ocupado? Não tenho tempo para preocupar-me com sua corda. E recomeçou o trabalho. Depois de pedradas insistentes nos costados e um intenso clamor cívico, Zé felizmente começou a despertar do estado catatônico em que se encontrava, saindo do poço profundo. Esse pequeno conto cai bem nesse instante em que o Brasil abre as cortinas de um novo ciclo político. Zé é a imagem de uma sociedade que sai de seu torpor e busca os próprios caminhos. Evitando a mistificação de populistas e demagogos.
quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Porandubas nº 641

As três pessoas No confessionário, Monsenhor era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: - As três pessoas são o senhor, o dr. Didico e o dr. Zé Augusto. (Historinha contada por José Abelha em A Mineirice). Previsão inquietante O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, de 78 anos, está no Brasil para lançar "O fim do império cognitivo" (Editora Autêntica, 2019), em que critica "um conhecimento que é todo produzido na Europa, EUA e Canadá, e reproduzido por autores do Sul". Faz previsão: as políticas neoliberais adotadas pelo governo Bolsonaro fazem o Brasil se aproximar de uma "convulsão social" como acontece no Chile e no Equador. Será? De onde viria a rebeldia? Classes médias? Jovens? Movimentos organizados? Tema inquietante. Chile, mau exemplo O ministro da Economia Paulo Guedes esperava coroar a reforma da Previdência no Brasil com o regime de capitalização e sempre citou o Chile como bom exemplo desse regime. Difícil sustentar sua tese: um dos motivos da atual revolta chilena é exatamente a capitalização, que achatou as aposentadorias. A média das aposentadorias pagas em agosto foi de US$ 200, pouco mais da metade do salário mínimo, de US$ 422. O movimento pendular... O sobe e desce na política é um fenômeno comum. Aqui e alhures. Vejam o que está acontecendo no Reino Unido. O Brexit é um sobe e desce. O primeiro ministro Boris Johnson garante que a saída do UK da Europa se dará, faça chuva ou faça sol, dia 31 deste mês. O Parlamento o obrigou a pedir adiamento do Brexit. E no ar cresce a bolha da interrogação: até quando vai essa novela? Se a velha democracia inglesa é assim, o que dizer das democracias incipientes? ... Na política Aqui, o delegado Waldir comemorou intensamente a vitória no PSL, que garantiu até sexta sua posição de líder do partido na Câmara. Segunda, o líder do governo, o major Vitor, apresentou à Secretaria da Câmara outra lista, desta feita com 29 parlamentares, sacramentando como líder do PSL o nome do 03, Eduardo Bolsonaro. Significa que essa crise no partido vai longe. A ala perdedora, do presidente Luciano Bivar, naturalmente rejeita a escolha do 03. Resta saber como vai se comportar no Congresso daqui para frente em relação às propostas do governo. P.S. Os bivaristas até gostariam de indicar mais um delegado para a liderança do PSL: Marcelo Freitas, do PSL-MG. O fim do "mistério 03" A história soava estranha: indicar o filho Eduardo para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, comprar briga feia para ele assumir a liderança do partido na Câmara dos Deputados. O próprio presidente Bolsonaro começa a levantar a ponta do véu: disse no Japão que o filho 03 é quem vai decidir se vai para Nova York ou se fica no Brasil para "pacificar o partido e catar os cacos" deixados pela crise interna. Supõe-se, portanto, que as chances do filho ganhar a aprovação do Senado para a embaixada eram bem pequenas. Evita-se assim mais uma derrota no Congresso. Mais um olavista O indicado para os Estados Unidos será mesmo Nestor Foster, diplomata de carreira, amigo do chanceler Ernesto Araújo e olavista de carteirinha. Crise na representação Esse movimento pendular apenas reforça o que temos vivido: a crise crônica da democracia representativa. Crise essa que aponta para um conjunto de fatores, dentre outros: o declínio das ideologias/arrefecimento doutrinário; o declínio dos partidos; o declínio dos Parlamentos; a desmotivação das bases; a perda de força das oposições; as promessas não cumpridas pela democracia (a educação para a Cidadania, o combate ao poder invisível, o combate às oligarquias, a transparência dos governos), enfim, o descrédito na política. A tinta na caneta Para complicar, temos, aqui e por aí, um presidencialismo de cunho imperial. Herança ibérica - Portugal e Espanha. O poder quase insuperável dos soberanos foi passado aos donos do poder no início da colonização. Temos, ainda, a herança do império inca, com a incomensurável força dos caciques. Hoje tudo isso se resume ao poder da caneta. Que nomeia, desnomeia, atrai, coopta, compra, enfim, estabelece a dependência dos representantes ao mandatário com sua caneta cheia de tinta. Nosso presidencialismo é soberano. Os ismos Junte-se a isso a coleção de nossas mazelas, fruto da árvore do patrimonialismo, que fixou raízes lá atrás, em 1534, por exemplo, com D. João III criando 15 capitanias hereditárias e escolhendo amigos para delas tomar conta. O negócio privado começou a adentrar o terreno do Estado. Ismos: caciquismo, grupismo, mandonismo, nepotismo, familismo, fisiologismo - galhos podres da árvore patrimonialista. É difícil expurgar esses tumores que vão e voltam nas ondas dos ciclos políticos. Mas é possível distinguir uma luz no fim do túnel? Sim. Quando fizermos a maior revolução que uma Nação pode fazer a luz será incandescente: a revolução da Educação. Só mudando as cabeças pensantes se muda um país. A renovação Diz-se que a última eleição, a do Bolsonaro, foi a abertura de uma nova era. É verdade? Em termos. Vimos a renovação da Câmara em 53%. Mas não significa que os novos surgidos representam necessariamente renovação. Muitos são jovens e, sem querer machucar ninguém, muitos têm pensamento dinossáurico. Obsoleto. A mudança de mentalidade não ocorre por decreto. Demanda o tempo de gerações. Observamos mentalidade renovadora, sim, em alguns estratos, mas ainda não dispomos de força no Congresso para dar ao país o que ele precisa. O primeiro passo está sendo dado. A organicidade social Tenho lembrado sempre: a sociedade brasileira está se organizando bem. Temos cerca de 400 mil organizações não governamentais, todas constituídas legalmente. Acrescente-se a esse conglomerado cerca de mais um tanto de entidades informais. O Brasil novo é este, o das organizações horizontais, de categorias profissionais, gêneros, minorias étnicas e raciais, etc. As mulheres, graças, estão se empoderando. Os conceitos de direitos, igualdade e liberdade se expandem. Por isso, temos muitas lutas pela frente. Contra quem? Os fundamentalistas Há, infelizmente, em nosso habitat uma população vocacionada para defender o atraso. Samuel Huntington, o prestigiado professor de Harvard, já descreveu as proporções da grande ameaça da Humanidade: o paradigma do caos, formado pela quebra no mundo inteiro da lei e da ordem; pelas ondas de criminalidade, o declínio da confiança na política, a desagregação dos valores da família, os cartéis de droga. E apontava o fundamentalismo islâmico como ameaça ao ideário das sociedades democráticas. Conflitos étnicos e de origem religiosa banham grande parte do nosso planeta. E por aqui, estamos começando a temer uma escalada fundamentalista. Uma corrente que quer puxar o Brasil ao passado. A política é missão O declínio dos fenômenos da política, acima descritos, se dá ainda pelo fato de termos substituído o conceito de missão para profissão. Os eleitores começam a execrar os representantes, passando a eleger perfis que expressem inovação, mudança, virada de mesa. O desinteresse pela política se explica pelos baixos níveis de escolaridade e ignorância sobre o papel das instituições e pelo relaxamento dos políticos em relação às causas sociais. Este fenômeno - a distância entre a esfera pública e a vida privada - se expande de maneira geométrica. Na Grécia Na Grécia antiga, a existência do cidadão se escudava na esfera pública. Esta era sua segunda natureza. A polis era espaço contra a futilidade da vida individual, o território da segurança e da permanência. Até o fim da Idade Média, a esfera pública se imbricava com a esfera privada. Nesse momento, os produtores de mercadorias (os capitalistas) invadiram o espaço público. É quando começa a decadência. Na primeira década do século 20, acentua-se com o declínio moral da classe governante. Assim, o conceito aristotélico de política - a serviço do bem comum - passou a abrigar o desentendimento. A bagunça Por aqui, o estado de não cumprimento da lei se espraia. O nome disso é anomia. A ruptura no império da ordem assume proporções fantásticas. Alguém pode argumentar que somos bem diferentes do Oriente Médio, onde os conflitos ocorrem diariamente, e estamos bem distantes de tsunamis e terremotos que afligem populações do sudeste asiático. Peca-se por excesso de confiança ou por ausência de informação? Sabem por quê? Morrem, no Brasil, 56 mil pessoas por ano vítimas de arma de fogo. Uma leva de crianças sucumbe de inanição, desnutrição e doenças tropicais. Dados mostram mais de 50 milhões de brasileiros vivendo sob um apartheid social. Quando se pensava que doenças, como dengue e o sarampo, teriam sido banidas por ações preventivas, eis que ressuscitam. E até em Estados avançados como São Paulo. E a solidariedade? Somos um povo solidário ou já fomos mais solidários no passado? Há quem diga que estamos vivendo na selva dos conflitos. Cada um por si. O humanismo tem diminuído na esteira da competitividade. Será que estamos vendo leões atracando gazelas? A historinha é emblemática: "Toda manhã, na África, uma gazela desperta. Sabe que deverá correr mais depressa do que o leão para não ser devorada. Toda manhã, na África, um leão desperta. Sabe que deverá correr mais que a gazela para não morrer de fome. Quando o sol surge, não importa se você é um leão ou uma gazela: é melhor que comece a correr". Barbárie Infelizmente, esse relato de Domenico De Masi ainda é exibido em ambientes de trabalho como profissão de fé de executivos e dirigentes empresariais. À primeira vista, parece um bom conselho para quem quer vencer na vida. Trata-se, porém, de uma exaltação à barbárie. Basta intuir que, pelo conselho, "leões humanos" (aspas nossas) são autorizados a agarrar "gazelas humanas" (aspas nossas), que, apavoradas, devem se desdobrar para realizar suas tarefas ou a se esconder para fugir das intempéries do trabalho (ou dos ataques dos leões). É evidente a estimulação ao instinto da violência, ao cultivo dos perfis agressivos, às lutas por espaço e poder, às táticas aéticas e aos golpes traiçoeiros, tudo justificado pela necessidade da competitividade. Doenças da política Por fim, temos de combater as doenças mais recentes do nosso corpo político. Pinço, aqui, algumas mais destacáveis: a) O familismo no Executivo - A influência dos três filhos do presidente da República chamusca a ideia de lisura, zelo e ética no Governo. b) O partidarismo no Judiciário - Por mais que os ministros do STF digam que seu compromisso é com Carta Magna, eleva-se a impressão que alguns agem como integrantes de partido político. c) O fisiologismo no Parlamento - O balcão de trocas tem diminuído, mas o fisiologismo ainda carimba a feição de grande parcela de nossa representação. d) O assistencialismo ao setor produtivo - Também é possível anotar certo avanço da produção na direção da competitividade. Mas o assistencialismo a alguns setores atravanca os passos do país na direção do amanhã. e) O exclusivismo nos partidos - Regra geral, os partidos continuam atrelados às velhas formulações. Seus integrantes lutam por interesses pessoais. Deixam os interesses nacionais ao lado, se suas ambições não forem contempladas. f) A improvisação na gestão pública - Governos de todas as instâncias deveriam profissionalizar ao máximo as estruturas, visando a consecução de serviços públicos melhores e eficazes. Notinhas de pé de página - Denúncia a ser apurada: a ex-líder Joice Hasselmann garante que assessores e filhos de Bolsonaro usam as redes sociais com perfis falsos. - Lula se prepara para ser a estrela mais brilhante da campanha de 2020. Correndo o Brasil e aparecendo na TV. Volta do PT está na moldura dele. - A linguagem de baixo calão usada por alguns parlamentares do PSL - em acusações uns contra outros - envergonha qualquer cidadão. - O óleo vazado que inunda as praias do Nordeste é mais uma vergonha que mancha a frente de controles do Governo. Como é possível não se descobrir a origem do óleo? - Alckmin sinaliza interesse em se candidatar ao governo de SP em 2022. Um puxão de orelhas no governador João Doria, considerado até por amigos como "protótipo da ingratidão".
quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Porandubas nº 640

Abro a coluna com as pernas da corrupção... Quando a burocracia ganha pernas O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve do chefinho do departamento: "ah, meu senhor, tem muitos outros na frente do seu. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas". Agastado, o interlocutor reage: "e quanto o senhor quer para por dois pés nesse papel?". Tirou do bolso um maço de dinheiro (que já tinha separado em casa para não dar na vista e, de maneira disfarçada, entregou ao sorridente chefete). Tiro e queda. O adjutório fez o papel correr rapidinho com seus dois pés. A corrupção sabe como dar pernas aos papéis... Mesmices O que há de novo na cena institucional para aplaudir, comentar, criticar, ou, simplesmente, registrar? Nada. O capítulo das reformas vai virando a página sem surpresas. Tudo dentro do previsível: o governo anunciando a passagem da reforma da Previdência em segundo turno, no Senado; o debate sobre reforma tributária com previsão de que a matéria não se esgotará tão cedo; a reforma sindical, sendo engendrada às escuras, sem deixarem que o olho crítico da sociedade organizada dê uma espiada nas confabulações. É a velha política inspirando os passos de hoje e do amanhã. Direita avança Alguns movimentos deixam rastros mais fortes, aqui e ali, mas de modo a não garantir que marcarão a índole de nossa gente. Essa onda da direita, por exemplo. O filho nº 3 do capitão-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, capitaneou em São Paulo um evento da direita conservadora, reunindo os mais lustrosos membros da corrente e seus líderes norte-americanos. Mitinho? O deputado, aplaudido como "mitinho", enrolou-se na bandeira brasileira, substituiu as letras LGBT por Liberdade (Liberty, termo ilustrado pela estátua da Liberdade), Armas (Guns, com a imagem de um revólver), Bolsonaro e Trump. Até essa pobre ironia foi uma homenagem aos EUA. Aonde chegamos, hein? O arco ideológico A questão suscita polêmica: essa direita tem condição de crescer e gerar frutos? Ora, não é novidade a divisão do nosso arco ideológico entre uma direita conservadora, dura, tradicional; uma direita menos radical, que faz defesa de valores da família e da propriedade; uma área de centro-direita, que apresenta maior flexibilidade e evita caminhar nas veredas extremas; um núcleo central, reunindo os quadros de partidos médios e grandes do centro; um território de centro-esquerda, que absorve parcela forte de antigos simpatizantes da social-democracia e setores de profissionais liberais e da "intelligentzia"; nichos da esquerda clássica, aí inseridos grupos e militantes de partidos de esquerda (ex-PPS, que está virando Cidadania; PDT, PSB, etc.); e a esquerda radical, com toques "revolucionários" e apelo à "obsoleta" luta de classes. A direita ganha corpo Portanto, na configuração ideológica, a direita sempre se fez presente. Mas não exercia com força funções na frente da mobilização política. Com Bolsonaro, sai dos seus recantos e passa a desfilar no palanque da organicidade social. Grandes proprietários rurais, saudosistas dos tempos pesados de chumbo, correntes amarradas aos eixos do tradicionalismo (com emblemas e bandeiras que voltam às ruas), pequena parcela dos militares (grande parcela evoluiu e caminha por veredas mais centrais), conservadores do universo religioso - particularmente das igrejas evangélicas - e outros grupos se integram ao bolsonarismo, enxergando nele a salvação da pátria. E tudo se deve a que? As águas do lulopetismo É fato que o país viu florescer, nas últimas décadas, uma semente esquerdista, fruto da conquista do poder pelo lulopetismo. Em 13 anos, o PT inundou a vasta estrutura governamental com levas e levas de quadros petistas. A inundação foi particularmente danosa no território das universidades. Gente sem experiência, quadros despreparados, grupos imaturos foram postos na liderança de imensas áreas. O plano petista era tornar perene o poder do partido. Sem volta. E o que aconteceu? O lulopetismo afogou-se na maré da corrupção, que veio de lá de trás desde o mensalão. Lula, o mito Lula foi e ainda é um mito. Graças ao carisma e à observação de que não surgiu, em seu tempo de mando, nenhuma liderança de expressão, conseguiu ser reeleito mesmo sob o pântano do mensalão. E até elegeu o "poste" de carisma zero, Dilma Rousseff. O PT entrou nos dutos da corrupção. Mas não morreu. Como a sigla mais vertical do país, montada sob um regime de dura hierarquia, com militantes pagando um "óbulo" para sustentar o partido, elegendo bancadas que lhe deram muito dinheiro dos recursos partidários, o PT acabou acendendo a fogueira do bolsonarismo. E o capitão quebrou paradigmas da velha política, abrindo um novo ciclo. Extremos se cultuam Nesse ponto, cabe inferir: o PT fez e faz bem a Bolsonaro e este fez e faz bem ao PT. Essa é a realidade. Os extremos se esforçam para alimentar a polarização, o enfrentamento diário nas redes sociais, a aspereza recíproca nas acusações, o tiroteio. Lula vive momentos extraordinários. Tem o melhor palanque que poderia armar: a hospedagem na sede da PF em Curitiba. O grande palanque De lá, sua voz ganha força aqui e alhures. Dentro e fora do país. Não conseguiria tanto destaque se estivesse em regime semiaberto, em São Bernardo do Campo. A direita se adensa sob o medo do lulopetismo voltar a comandar o país. A esquerda lulopetista ganha força a partir das expressões estapafúrdias que o capitão e os seus filhos disparam. Atitude de diplomata? Voltemos ao deputado Eduardo Bolsonaro, eleito por São Paulo. (Aliás, o deputado conhece pouco da vida política paulista). Azucrina opositores nas redes sociais, usa linguagem destemperada para tratar os desafetos, assume gestos incompatíveis com o manto de quem quer ser embaixador. E logo agora que deve ser sabatinado pelo Senado. Tem tudo para não ganhar a aprovação dos senadores. Pelo que faz e diz. Mas o fato é que, mesmo com o fiasco da OCDE (o Brasil esperava um ingresso mais imediato na Organização), para o qual o deputado se empenhara intensamente, deve acabar levando a melhor. Na última visita que fez aos EUA, Trump não o recebeu. Assim, a direita caminhará Nessas curvas tortuosas, a direita caminhará. Abrirá espaços com sua estratégia de desconstruir os adversários com acusações e linguagem extravagante. O interesse de Bolsonaro é puxar a polarização até a campanha de 2022. O discurso: o PT é corrupto; o PT é a ameaça de comunismo; o PT é a Venezuela; o PT é Cuba. Já para este, Bolsonaro é a ditadura; é retrocesso; é o descrédito do Brasil no mundo; é ameaça ao meio ambiente. Esses são os eixos da polarização. E as forças centrais, até quando agirão para quebrar a espinha dorsal dos extremos? Eis a questão. As forças do centro As forças do centro ainda não se integraram. O centro, como se sabe, é muito difuso. Abriga múltiplos nichos. Mas é no centro que se produz o maior volume de racionalidade. Os formadores de opinião, os influenciadores, as áreas mais progressistas habitam os espaços centrais. Os interesses se repartem em blocos. Não há uma liderança forte capaz de aglutinar visões e tendências. Mas esse universo não deixará de colocar o seu dedo na ferida aberta pelos digladiadores das duas margens, esquerda e direita. Até ocorrer a junção de interesses em torno de algo ou alguém em comum, muita água correrá por baixo da ponte. Mãos limpas Juca de Oliveira continua com a verve pontuando sobre a realidade brasileira. Mãos Limpas, sua nova comédia, no teatro Renaissance, São Paulo, mostra os bastidores da corrupção no país, a índole dos nossos políticos, a vida desregrada de protagonistas da paisagem institucional. Corajoso, e pinçando fatos escancarados pela mídia, Juca não se acanha em trazer à baila nomes como os de Gilmar Mendes, Sérgio Moro, Lula, Gleisi, Toffoli, em cenas que ganham risos e aplausos da plateia. O nosso Molière Mãos Limpas, como outras peças de Juca, é uma comédia de costumes. Ali se veem a "magnanimidade" dos nossos políticos, a teia que envolve seus "sentimentos" (cívicos?), os cordões que amarram protagonistas da política. Enfim, o nosso Molière levanta o véu dos nossos "padrões de decência". Qualquer verossimilhança com a realidade dos atuais dias não é mera coincidência. Texto primoroso sobre a República corrupta. A turma de Juca no palco se completa com a antológica participação de Fúlvio Stefanini, Taumaturgo Ferreira, Bruna Miglioranza, Claudia Mello e Nilton Bicudo. Os astutos Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, com as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade. (Esopo) Popularidade para de cair A última pesquisa sobre a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, feita pela XP Investimentos em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), mostra que 46% da população esperam um governo "ótimo" ou "bom" até o fim do mandato. Os pessimistas são 31%. Há um mês, a expectativa positiva era de 43%, uma oscilação de três pontos. A proporção de entrevistados que esperam uma administração "ruim" ou "péssima" caiu de 33% para 31% no período. No início do ano, a expectativa positiva para o mandato correspondia a 63% dos entrevistados, e 15% deles eram pessimistas. A gangorra da pesquisa A avaliação do governo melhorou um pouco: o porcentual de entrevistados que consideram a administração "boa" ou "ótima" foi de 30% para 33% em relação a setembro. A desaprovação a Bolsonaro oscilou de 41% a 38%, e a porcentagem de entrevistados que consideram o governo "regular" se manteve estável em 27%. Entre julho e setembro, a proporção de quem considerava a administração de Bolsonaro "ruim" ou "péssima" foi de 35% a 41% na pesquisa, enquanto a aprovação caiu de 34% a 30%. Imagem ruim do Congresso A avaliação do Congresso, também medida na pesquisa, oscilou no sentido contrário. A proporção de entrevistados que consideram o desempenho dos parlamentares "ruim" ou "péssimo" foi de 39% a 42%, e a avaliação positiva foi de 16% a 14%. O bom uso do plástico A Unilever, presente há 90 anos no Brasil e dona de marcas como Dove, Omo, Seda e Mãe Terra, vai reduzir pela metade o uso de plástico virgem nas embalagens de seus produtos até 2025. Até lá, tudo deverá ser reutilizável, reciclável ou compostável. O compromisso foi assumido globalmente pela companhia, que quer também incentivar a economia circular por meio da coleta e processamento de cerca de 600 mil toneladas de plástico por ano até 2025. Esse total é maior do que a quantidade de material comercializado pela Unilever no mundo.
quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Porandubas nº 639

Abro a coluna com um "causo" de Goiás. Não mudou nada Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil: - No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados. O coronel Miguel suspirou: - Então não mudou nada. Gilmar no drible O ministro Gilmar Mendes tentou driblar as perguntas duras da boa bancada que o entrevistou no Roda Viva. Como se esperava, não teve papas na língua para atacar procuradores da Lava Jato, sobrando para o juiz Sérgio Moro. A operação, segundo ele, tem mais publicistas que juízes. Em certos momentos, parecia se esgrimir para fugir de contradições. Mas não chegou a se exaltar. E não perdoou o braço da imprensa como apoio aos exageros da Lava Jato. Na batalha verbal, não houve morto. Mas algumas feridas se abriram. Chamou a atenção deste consultor uma sacada rápida em direção ao jornalista Josias de Souza, ao comentar sobre um caso "que estava com seu amigo Barroso". Estocada de leve em ambos? O Brasil das lealdades Estes últimos dias têm sido dedicados por alguns protagonistas da cena institucional às lealdades. Pelo menos no campo da expressão. Veja-se a tentativa do ministro Sérgio Moro de mostrar sua lealdade ao presidente Jair Bolsonaro. Em amplas entrevistas e, ainda, nas redes sociais, faz questão de dizer que não será candidato à presidência da República em 2022. Que seu candidato é o chefe Bolsonaro. E que, em sua visão, não está no meio do laranjal que compromete a figura do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. A informação é da Folha de S.Paulo, jornal que, segundo o capitão presidente, "desceu às profundezas do esgoto". PF apura O ministro Sérgio Moro parece comprimido entre a cruz e a caldeirinha. Pois a própria Polícia Federal sinaliza uso de Caixa 2 nas campanhas do ministro e do próprio presidente. Candidatas laranja teriam sido utilizadas para esse fim. Moro nega irregularidades. O que é estranho, pois a PF continua a apurar. E como o comandante geral da PF, ele mesmo, Moro, antecipa-se para dizer que não há irregularidades? Aliás, o inquérito não é sigiloso, exigindo que ninguém se pronuncie? Tempos de lealdade ou tempos de inverdade? Tempos de agrado ao chefe ou tempos de hipocrisia? Bolsonaro em casório Também nesses últimos tempos, o presidente Bolsonaro tem demonstrado particular interesse com o tema do casamento. Só para lembrar: em relação ao novo procurador-Geral, Augusto Aras, confessou que foi "um amor à primeira vista". Sua escolha como PGR selou o casamento. Com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente também garante que eles estão quase indo para a cerimônia. Ipsis verbis: "Eu estou quase me casando com o Rodrigo Maia". E com Alcolumbre Já em relação ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a expressão, mesmo com jeito de gafe, em evento de comemoração dos 200 dias de Governo, foi na mesma direção: "Apesar da gravata cor de rosa, eu gosto dele. É meu amigo". A ministra da Agricultura ainda tentou consertar a estocada machista: "Obrigada, Davi, pela gravata em minha homenagem". Força ao Guedes Em sua entrevista ao Estadão, o presidente volta a fazer loas ao seu "posto Ipiranga", Paulo Guedes, em quem confia e delega força total. E a quem enche de observações que colhe nas redes sociais, não mais nas ruas, por motivos de segurança, segundo se intui. Revela que é um insone. Nas madrugadas, sai da cama com cuidado para não acordar a esposa, vai para um computador e começa a ver o que se passa ou o que a população sente. Imprime um montão de coisas, que encaminha aos ministros, sendo a maior quantidade destinada a Paulo Guedes. Não deixa de ser interessante a revelação de que ele, Bolsonaro, toma o pulso do povo. A demissão de Cintra Marcos Cintra, professor e economista, entusiasta da CPMF, mesmo com outro nome, teria sido demitido pelo seu chefe Paulo Guedes e não pelo presidente. Ora, está na cara que Bolsonaro, ao detestar as famigeradas quatro letrinhas, influiu na conduta de seu ministro da Fazenda. Mesmo que, como se sabe, demonstrara simpatia com a ideia de um diminuto tributo que iria expandir em muito a receita. Guedes preferiu se vacinar. E usar a caneta na direção do competente professor Cintra. Um conselho de Sun Tzu Lembremos deste conselho de Sun Tzu: "Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas". Huck liberado A mulher Angélica concedeu o salvo-conduto e liberou o apresentador Luciano Huck para entrar na arena presidencial de 2022. Disse ela em entrevista à revista Marie Claire que o marido recebeu "uma espécie de chamado" para a presidência da República. E complementa: "No Brasil, em vez de a política ser algo do qual as pessoas se orgulham, dá medo. Mesmo sem ser candidato, Luciano já apanha de todos os lados. Estamos acostumados com fake news, mas de um jeito menos sujo. Por outro lado vejo isso, digamos, como um 'chamado', que ele não buscou. É uma coisa tão especial que, se ele decidisse se candidatar, o apoiaria". Com tiros do presidente Só pelo fato de sinalizar uma possível candidatura, o apresentador da TV Globo já começou a ser alvo do tiroteio do capitão. Ele garantiu que o povo não vai votar em "pau mandado da Globo". E voltou a mencionar o empréstimo feito pelo apresentador com o BNDES para a compra de um jatinho. Esse mesmo aviso foi feito em relação ao empréstimo também tomado junto ao BNDES pelo governador de São Paulo, João Doria. Dinheiro que comprou um jato. A grande Fernanda "Nenhum sistema vai nos calar". Voz da nossa maior dama do Teatro, Fernanda Montenegro em São Paulo. Atriz protestou contra a censura e a corrupção no lançamento de seu livro de memórias no Theatro Municipal. Racha na sociedade Mais uma sinalização do profundo racha social: a eleição realizada domingo passado para os Conselhos Tutelares. O "efeito Bolsonaro" impregnou a eleição. Mesmo sem divulgação na mídia tradicional, a eleição ganhou visibilidade nas redes sociais. Os credos evangélicos se mobilizaram para focar seus candidatos sob a sombra do conservadorismo. Os progressistas também foram às urnas em número menor. Racha II Mas em SP, a esquerda já garantiu metade dos votos segundo a Folha. Os Conselhos Tutelares são responsáveis por zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Os conselheiros terão mandato de quatro anos. Só no RJ, a eleição teve mais de 300 denúncias. Em algumas cidades, como Curitiba, a eleição foi cancelada por problemas com urnas e irregularidades, como compra de votos. Vem reforma aí A ideia está amadurecendo na cabeça do presidente e em seu entorno. Urge fazer a reforma ministerial. A essa altura, já se sabe quem é capaz de mostrar resultados e quem está abaixo das expectativas. As alas conversam a portas fechadas. Uma queda de braços entre olavistas/conservadores e grupos mais moderados. Espera-se que antes do fim do ano algumas peças da máquina sejam trocadas. A conferir. Moldura ministerial I Que avaliação pode-se fazer do conjunto ministerial? Eis uma rápida avaliação de sua performance, a partir de uma leitura midiática: 1) Economia - Paulo Guedes Criou muitas expectativas. Até o momento, o superministro não mostrou grandes resultados. A reforma da Previdência, um pouco desidratada, tem sido sua bandeira mais elevada. Com méritos do Secretário Rogério Marinho. 2) Casa Civil - Onyx Lorenzoni O deputado perdeu parcela do poder, com a retirada de suas mãos da articulação política. Era um poderoso ministro no início. Moldura ministerial II 3) Justiça e Segurança Pública - Sérgio Moro É o ministro mais admirado do governo. Mas sua imagem já não consegue ser totalmente limpa. As conversas com os procuradores da operação Lava Jato borram sua imagem. 4) Gabinete de Segurança Institucional - Augusto Heleno Para o presidente, é o "posto Ipiranga" das Forças Armadas. Mas não tem o poder que tinha ao tomar posse. Ultimamente, deu um sumiço da imprensa. E dá estocadas em jornalistas. Moldura ministerial III 5) Defesa - Fernando Azevedo e Silva Atuação profissional. Tem conseguido se sobressair. Melhor do que se esperava. 6) Secretaria-Geral da Presidência -Jorge Oliveira O advogado e major da reserva da PM do Distrito Federal faz serviços burocráticos. Moldura ministerial IV 7) Relações Exteriores - Ernesto Araújo O chanceler, conservador e afinado com a linha dura, é um marco de polêmica dentro do governo. 8) Saúde - Luiz Henrique Mandetta O médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta (DEM) não tem ação de evidência ou que mereça destaque. 9) Secretaria de Governo - General Luiz Eduardo Ramos Diz-se que é o maior amigo do presidente. Ganhou a articulação política. Mas ainda não tem mostrado grandes resultados. Moldura ministerial V 10) Ciência e Tecnologia - Marcos Pontes Tenente-coronel da Aeronáutica e primeiro astronauta brasileiro, esperava-se dele atuação mais forte. Os setores da ciência não o vêem com bons olhos. 11) Agricultura - Tereza Cristina Deputada Federal (DEM) e produtora rural, tem sido boa surpresa. Elogiada pela bancada ruralista, despachada e atuante. 12) Controladoria Geral da União - Wagner Rosário Técnico de carreira, Wagner Rosário tem atuação discreta. Moldura ministerial VI 13) Educação - Abraham Weintraub Adepto de Olavo de Carvalho, um dos ideólogos do bolsonarismo, o ministro da Educação tem figurado no mapa da polêmica. Questionado, mas prestigiado pelo presidente. 14) Infraestrutura - Tarcísio Gomes de Freitas Um dos melhores ministros, senão o melhor. Densa ficha técnica. Respeitado. 15) Cidadania e Ação Social - Osmar Terra O deputado tem atuação forte, mas recebe muitas críticas de setores artísticos. Moldura ministerial VII 16) Turismo - Marcelo Álvaro Antônio Imagem comprometida pelo laranjal da campanha de 2018 em MG. Segura-se no Ministério, mas está capenga. 17) Minas e Energia - Bento Costa Lima Leite Atuação discreta. Interrogação sobre a privatização da Eletrobrás. Ministro quer aprovar projeto de privatização da Eletrobrás ainda este ano. 18) Desenvolvimento Regional - Gustavo Canuto Sem ênfases. Regiões queixosas de abandono. Muitas demandas. Faltam recursos. Moldura ministerial VIII 19) Mulher, Família e Direitos Humanos - Damares Alves Uma das principais figuras da bancada evangélica, não tinha boa fama no início do governo. Hoje apresenta-se com perfil forte e destemido. Sem papas na língua. Questionada por setores, mas respeitada por credos e conservadores. 20) Meio Ambiente - Ricardo Salles Atuação polêmica na esteira das queimadas na Amazônia. Alvo de críticas de dentro e fora do país. 21) AGU - André Luiz de Almeida Mendonça Atuação discreta. 22) Banco Central - Roberto Campos Neto Prestigiado no mercado. Atuação profissional. Funcionários protestam modelo de venda de ações do Banco do Brasil com a intermediação do BNDES, na posição de agente de privatização. Moldura ministerial IX 23) Secretaria de Desestatização - José Salim Mattar O Secretário Especial de Desestatização promete reduzir o tamanho do Estado-Empresário, que tem fatias em 637 companhias entre controladas pela União, subsidiárias, coligadas e participações. Muita promessa, pouca ação.
quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Porandubas nº 638

Abro com uma historinha de Jaguaribe, no Ceará. Quatro chinelas O médico Francisco Ibiapina, do Jaguaribe/CE, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. O clínico fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaída. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa, silenciosa e atenta aos conselhos do médico. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha: - Seu doutô: fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede? (Causo contado pelo historiador Leonardo Mota no livro Sertão Alegre) O presidente na ONU O presidente Jair Bolsonaro foi fiel ao seu estilo e às suas convicções no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. De tom desafiador, chamou de 'falácia' a afirmação de que Amazônia é patrimônio da humanidade. Sem citar nomes, disse que países europeus agem com 'espírito colonialista' visando riquezas do Brasil. Afirmou que a Amazônia é maior do que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada: "Meu governo tem o compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil". Atribuiu às "mentiras da imprensa", especialmente jornais e tevês, pela imagem "distorcida" do Brasil em todo o mundo. Foi a fala mais dura e acusatória de um presidente do Brasil na ONU. Ataques ao socialismo Bolsonaro fez um balanço de seu governo (preocupado com o combate à criminalidade e à corrupção), atacou a ideologia de esquerda que invadiu todos os setores da vida brasileira, criticou indiretamente a França e diretamente Cuba e Venezuela, que hoje "experimenta a crueldade do socialismo". E emendou: "Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade, ataques ininterruptos dos valores religiosos que marcam nossa tradição". O combate ao socialismo recebeu, também, duras palavras de Donald Trump. Os dois tocaram a mesma tecla. Vivas e apupos Este consultor fez um apanhado nas redes sociais. E ouviu amigos e formadores de opinião. Conclusão: o presidente recebe vivas e aplausos de adeptos do bolsonarismo, orgulhosos da performance presidencial. Mas ganhou apupos dos contrários, alguns usando a expressão "vergonha". Muitos acham que os efeitos deletérios prejudicarão os negócios. Cada ala com seus exércitos em prontidão. A polarização Como se pode aduzir, Bolsonaro tentará puxar o novelo da polarização até as margens eleitorais de 2022. Para ele, interessa a luta intensa entre os polos extremos do arco ideológico. Luiz Inácio Lula da Silva e seus seguidores também gostariam de esticar a onda do discurso extremado, pois ali está a chance de o PT divisar luz no fim do túnel. Seria conveniente ao petismo levantar barreiras ideológicas contra o bolsonarismo direitista, principalmente se a economia não der resultados e continuar a frustrar as expectativas das massas. A ida para o centro O refúgio das classes médias, nos próximos tempos, será o centro. O discurso polarizado começa a cansar. Classes médias, categorias profissionais, profissionais liberais, enfim, os setores racionais, não contaminados pelos dribles da emoção ou do engajamento doutrinário, tendem a habitar o meio do território das ideologias. Esta possibilidade pode se manifestar já nas urnas de 2020, quando será renovada a base do edifício político, 5.570 prefeitos e quase 58 mil vereadores. O Brasil não aguenta muito tempo ficar pendurado num dos cantos do arco. Racha na centro-esquerda A centro-esquerda está rachada. PSB, PDT e PC do B estão descontentes com o PT. O deputado Orlando Silva, do PC do B, atesta: "muitos partidos cansaram de serem tratados como satélites do PT". Em vez de uma candidatura única em 2022, a tendência aponta para o lançamento de candidatos de cada partido da centro-esquerda: Ciro Gomes, pelo PDT; Flávio Dino, governador do Maranhão, pelo PC do B; Guilherme Boulos, coordenador do MTST pelo Psol; Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, pelo PSB; Fernando Haddad ou o governador da Bahia, Rui Costa, pelo PT. Huck se prepara É de Luciano Huck o passo mais avançado para ocupar o centro e ser o candidato mais forte das classes médias. Começa a se preparar organizando um time de grandes profissionais em seu torno. O mais brilhante do grupo é Armínio Fraga, um expert em matéria de finanças. O ex-presidente do Banco Central imprime respeito e credibilidade em seus domínios. Huck tem ainda um grande conselheiro: Fernando Henrique Cardoso. O apresentador tem boa ligação com as massas. Seu "Caldeirão" esquenta o coração das massas. PSL, difícil de se manter O partido do presidente Bolsonaro tende a rachar. As querelas internas geram divisões e ameaças de fuga de quadros. Luciano Bivar, o pernambucano que o preside, é contestado por boa parte da sigla. O major Olímpio luta contra o domínio do deputado Eduardo Bolsonaro, em São Paulo. Espera que ele seja apeado da presidência do partido, caso seja nomeado embaixador nos EUA. O PSL rachado abre a porta da migração partidária. Reforma ministerial As conversas sobre reforma ministerial se multiplicam. Diz-se que o presidente não está satisfeito com algumas áreas. A economia demora a produzir resultados. Paulo Guedes é cobrado sobre isso. Bolsonaro está ansioso para ver a economia aquecida. Já em relação a Moro cresce a insatisfação da área política contra sua atuação. A morte da menina Ágatha, por uma bala perdida atirada por policiais, é mais um empecilho para aprovação de seu pacote anticrime. Generais perdem poder? Avoluma-se a impressão de que os generais no entorno do presidente perdem poder. Sua influência sobre o presidente é aquém do que se esperava. Mesmo o general Luiz Eduardo, o maior amigo do presidente e que chefia a Casa Civil, ainda não conseguiu dar peso à articulação política. O Congresso carece cada vez mais dos presidentes das duas Casas Legislativas para fechar o círculo da articulação e operar a agenda das reformas. Witzel, o polêmico O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, vestiu mesmo a camisa do tiro ao alvo, aliás, do tiro ao bandido. É visto como um defensor da violência policial. Sob esse figurino, quer desfraldar a bandeira da segurança pública. Mas a violência no Rio, sob sua égide, só aumenta. O polêmico dirigente já avisou que entrará no páreo de 2022. Sem chance. Sua índole retocada de sangue gera medo, ao contrário de segurança. CPMF? Marcos Cintra foi despedido, mas a CPMF continua na cabeça de Paulo Guedes, que considera o tributo "feio", mas adequado para baixar outras alíquotas, não sendo ainda "crue" com os encargos trabalhistas. Bolsonaro garantiu que a CPMF não vingará. E agora Guedes? Conseguirá dobrar a decisão de seu chefe? Quem consegue acreditar em quem? Derrotas de Macri e Trump Hoje, Maurício Macri e Donald Trump perderiam na Argentina e nos Estados Unidos. Essas derrotas teriam impacto sobre a reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. Aliás, a moldura direitista no mundo pode ser alterada nos próximos tempos. Um alerta para o presidente brasileiro. Na Argentina, a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner é favorita para vencer as eleições de outubro próximo. E, nos Estados Unidos, Trump tem muito tempo para se recuperar até 3 de novembro de 2020. Hoje, perderia para o ex-vice de Barack Obama, o moderado Joe Biden, ou mesmo para os senadores democratas progressistas Bernie Sanders e Elizabeth Warren. Descompasso Apesar do esforço dos presidentes dos três Poderes para mostrar harmonia e equilíbrio entre eles, o fato é que a balança pende para um dos lados. O desequilíbrio é grande. O STF tem adentrado com intensidade e frequência no território da política. Pode-se até dizer que tem entrado no vácuo aberto pelo Legislativo. Por falta de legislação infraconstitucional, o Supremo, sob o argumento da necessidade de interpretação da CF, acaba legislando. Parcela do estranhamento entre políticos e o Judiciário a isso se deve. O Executivo, por sua vez, vê com reservas certas decisões do Judiciário. MP contido O Ministério Público passou esses anos imperando e reinando. Seus membros queriam e conseguiram formar um Poder ao lado dos três Poderes. Firmaram um pacto com uma camada de juízes de 1ª instância. Lutam por recursos da Lava Jato. E começam a ver seus pleitos derrotados. Mas não desistem da luta por recursos para seus cofres. Juízes como Fábio Prieto, desembargador do TRF-3, têm sido um empecilho para que o MPF alcance seu intento. Uma fome de R$ 2,5 bilhões Agora, disputa judicial envolve o Ministério Público Federal (MPF), que pretende liberar todos os recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, de R$ 2,5 bilhões, cuja aplicação está suspensa. O ministro da Justiça deseja usar esses mesmos recursos para financiar projetos de sua gestão. Já o ministro da Economia, por sua vez, quer o dinheiro para ajudar no equilíbrio fiscal do governo. A disputa está sendo examinada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região. O conflito de interesses Para o desembargador Fábio Prieto, a pretensão do Ministério Público de gerir este fundo não se justifica. Além disso, considera inconstitucional que cidadãos, empresas e governos possam ser condenados a pagar vultosas somas em uma ponta, a partir da iniciativa do Ministério Público, quando na outra ponta a mesma instituição quer garantir a condição de gestora e alocadora da verba a terceiros: "O conflito de interesses com outras entidades e órgãos públicos também atraídos pelos recursos salta aos olhos". 3,4º c até 2100 A média da temperatura do planeta, segundo o site Agência do Rádio, poderá aumentar em até 3,4º C até o final deste século. A informação foi divulgada em um relatório das Nações Unidas (ONU), que reúne estudos científicos da Organização Meteorológica Mundial e de outros órgãos especializados. Fora do conselho de segurança? O chanceler Ernesto Araújo já anunciou: não é prioridade do atual governo do Brasil lutar por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, o mais prestigiado e poderoso braço da entidade. A eleição será em 2021. Para ter apoio, o país precisa fazer intensa campanha, a partir dos vizinhos da AL. Dilma não se preocupou com isso. E o Brasil perdeu a chance de vir a ocupar no curto prazo. Ficou para 2033. O governo Temer conseguiu antecipar esse prazo em 10 anos, ao negociar com Honduras. Mas o Brasil sofre hoje fortes resistências da Europa e do mundo árabe. Não é mais prioridade, segundo Araújo. O Brasil acabará perdendo o trem da história.
quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Porandubas nº 637

Abro a coluna com um "coroné" das Minas Gerais. Eclipses? Aqui não O coronel Zé Azul, chefe político de São Gonçalo do Abaeté, em Minas, era candidato a prefeito pela UDN, às vésperas de um eclipse do sol que a imprensa vinha prevendo para começo do ano seguinte, como o mais forte já visto no Brasil. O medo generalizou-se. Espraiavam-se relatos de crianças que iam nascer defeituosas, galinhas que deixariam de pôr ovos, cabritos que não mais berrariam e a cachaça que ficaria envenenada. No dia 1º de outubro, o coronel Zé Azul fez o último comício da campanha e acabou com um juramento sagrado: - Pode ser que, na prefeitura, a partir de janeiro, eu não consiga fazer tudo que pretendo por esta terra. Mas juro para vocês que meu primeiro decreto será proibir definitivamente eclipses em São Gonçalo do Abaeté. Ganhou a campanha. Um projeto indecente Um dos grandes absurdos de nosso tempo foi aprovado a toque de caixa pela Câmara dos Deputados e está para ser votado no Senado. Trata-se do projeto de lei 5.029/2019, que propõe mudanças no sistema partidário e nas regras eleitorais a partir do ano que vem. Começa pelo preço: os políticos querem elevar o Fundo Eleitoral de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões, no momento em que o governo está precisando raspar o tacho para manter o país em funcionamento. O Ministério da Saúde, por exemplo, quer cortar R$ 393,7 milhões do previsto com compra e distribuição de vacinas em 2020, em meio a um surto de sarampo e outras doenças que infernizam a população. A favor do caixa 2 Mas não é só. Pelo projeto, os políticos ficam imunes a qualquer punição de malfeitos e praticamente retiram da Justiça Eleitoral o poder de investigar desvios dos malfeitores. Além de indecoroso, todo o texto é favorável à prática de corrupção. Entre outras aberrações, o projeto permite que advogados e contadores que prestam serviços para filiados - inclusive aqueles acusados de corrupção - sejam pagos com verba partidária, o que abre margem para prática de caixa dois e lavagem de dinheiro, segundo a Transparência Partidária e a Transparência Brasil. No fundo, é o dinheiro do contribuinte sendo usado para garantir a impunidade. Vale tudo, menos prestar conta Enfim, aqueles que se reuniram para aprovar o PL na Câmara querem que o dinheiro gasto em campanha seja liberado sem prestação de contas. Outros absurdos do texto: permite que o Fundo Partidário seja utilizado para pagar passagens aéreas para qualquer pessoa e custear ações judiciais de controle de constitucionalidade; retira as contas bancárias de partidos dos controles de PEP (pessoas politicamente expostas); isenta legendas de obrigações trabalhistas em relação a seus funcionários. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se disse contra a elevação dos recursos este ano para o Fundo Eleitoral. Fora de pauta Davi Alcolumbre, presidente do Senado, retirou da pauta o projeto de lei que afrouxa regras eleitorais para partidos, abre brecha para o caixa dois e dá margem ao aumento da quantidade de dinheiro público destinado às legendas. O texto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Bolsonaro na ONU O presidente Jair Bolsonaro vai à Assembleia Geral das Nações Unidas. E como cabe ao Brasil o discurso de abertura, chegará a NY com a arma engatilhada. Dirá: a região amazônica, no que toca à parte brasileira, é uma questão de soberania nacional; as queimadas desse ano fazem parte do ciclo de fogo na região. Não dará muita importância à expansão da devastação quando comparada a anos anteriores. Valores conservadores serão lembrados com recados a alguns países devidamente embalados em linguagem direta. Aliás, o chanceler Ernesto Araújo está tratando com Steve Bannon as linhas do discurso de Bolsonaro na ONU. Esse Bannon é o ultra ultraconservador que já assessorou Trump. O que pode ocorrer? Alguma agitação no plenário com a saída de participantes da sessão. A imagem do Brasil O fato é que a imagem do Brasil está muito chamuscada. O presidente não é de fazer média. Por isso, é previsível que mantenha as linhas básicas de um discurso conservador, sob o alinhamento automático e incondicional aos EUA. Bolsonaro, como Trump, deseja imprimir identidade direitista a seu governo. Leva em consideração a crise das esquerdas que consome a imagem de muitos protagonistas. A dúvida se expande Por todos os lados, a pergunta é a mesma: Bolsonaro terá longa vida política? Temos tentado cercar essa questão sob diversos ângulos. Mas a abordagem da economia se firma como a mais forte. Se a economia se recuperar no médio prazo, a ponto de gerar resultados já em 2020, é razoável prever a eleição de uma miríade de prefeitos sob as asas do bolsonarismo. A prefeitada de outubro de 2020 formará os pilares da base de onde decolarão as naves rumo a 2022. Serão 5.570 prefeitos. Milhares de vereadores completarão os alicerces do edifício político. O poder da caneta Digamos que a economia não mostre grandes resultados, a ponto de não entusiasmar as margens, suscetíveis à equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Ocorre que o presidente é o protagonista com o maior poder de usar a caneta. Trata-se da prerrogativa insubstituível do presidencialismo. Portanto, Bolsonaro continuará a usufruir grande parcela de mando e influência. Será um grande eleitor nas eleições municipais. Terá contra ele a força das oposições que tentarão se unir. Não será fácil. A união das esquerdas Ciro Gomes tem sido um crítico ácido do petismo. Prepara-se, mais uma vez, para o embate presidencial de 2022. Mas terá de atravessar as águas turbulentas de 2020. Será difícil contar com ele na bacia das oposições, incluindo PSOL, PT, PSB e outros. O PDT de Ciro quer caminhar em faixa própria. Lula seria o artífice de uma nova união das esquerdas? As hipóteses abrigam sua saída da prisão de Curitiba. Há, ainda, um forte grupo que deseja vê-lo distante do pleito. Não aceita que o "Lula Livre" continue a ser a bandeira oposicionista. "Adereço? Não aceito" Lula tem dito que só aceita a liberdade se ela vier com o figurino completo, ou seja, sem adereços para incomodá-lo, caso de tornozeleira eletrônica. Ademais, há dúvidas se ele, solto, continuaria a usufruir direitos políticos. A interpretação vigente é a de que o ex-presidente, mesmo libertado, só poderia ser candidato ao completar 89 anos. Mas teria condição legal para liderar uma frente oposicionista? Saturação das classes médias A polarização entre direita e esquerda, particularmente puxando os polos extremos do arco ideológico, interessaria a Bolsonaro e ao PT, que gostariam de se ver digladiando na arena presidencial de 2022. Este consultor, porém, enxerga certo cansaço com o bolorento discurso polarizado. Poucos suportam ouvir lengalenga entre bolsominions e seus contrários. Circunstâncias A política, como água, caminha sinuosa entre as reentrâncias das pedras. Não depende apenas da vontade de seus comandantes. Depende de fatores como satisfação social, segurança coletiva, sensação de que as coisas estão melhorando. E, que fique claro, a política navega ao sabor das circunstâncias. Sob essa hipótese, podemos projetar a continuidade do discurso polarizado entre direita e esquerda, o bolsonarismo e seus contrários. Aduz-se que amplos segmentos do meio da pirâmide não suportarão conviver por muito tempo com a verborragia raivosa, um cabo de guerra puxado por duas alas litigiosas. Não à mesmice Essa sensação de mesmice é particularmente rejeitada nos estratos medidos, motivados a refazer caminhos e a sair das veredas erráticas da velha política. Daí a sinalização que já começa a tomar vulto de um corredor central, onde desfilarão as classes médias-médias, ansiosas para respirar oxigênio novo. Em suma, sairemos do apartheid social para ingressar num espaço de convivência e ouvir um discurso menos conflituoso. A imagem é utópica? É possível. Mas nossa índole não se acostuma com a beligerância que consome energias e dispersa esforços. Quem ocupará o meio? Há consenso de que os opostos extremos do arco ideológico deixam ver alguns protagonistas: Bolsonaro, um perfil petista ou do PSOL, Ciro pela esquerda mais central. A dúvida maior é sobre a ocupação do centro. Os mais prováveis precisam mostrar a que vieram: Witzel, no Rio, é uma figura muito polêmica; o caixeiro-viajante João Doria, que corre o mundo para "vender" oportunidades do Estado de São Paulo, tem viés "oportunista" e há até quem o veja como "carreirista"; Romeu Zema, do Novo, está cercado de dificuldades. Rodrigo Maia é um grande perfil para compor uma chapa majoritária, mas teria de "popularizar" a imagem. Por enquanto, o meio acolhe uma enorme interrogação. Reversão de expectativas Devemos contar, em 2022, com o voto bem embalado no celofane da "reversão de expectativas". Os escolhidos não atenderam aos compromissos e promessas. Aliás, esse voto com a marca de frustração já se fará presente em 2020 na eleição da bacia de prefeitos. O balão da OP Mais cedo ou mais tarde, o presidente da República cairá na real. Não fará uma boa imagem sem considerar a imensa tuba de ressonância da mídia massiva. Só com redes sociais, não fará subir o balão da imagem. Como é sabido, a formação da opinião pública é um processo que leva em conta o nível de conhecimento das pessoas, que acabam registrando em seus sistemas cognitivos parte dos conteúdos que lhes chega por meio das mídias eletrônicas (rádio, televisão, redes sociais) e impressas (jornais e revistas). Dois tipos de receptores aparecem: os que recebem mensagens dos telejornais/rádios e os que têm acesso aos meios impressos, além dos eletrônicos. Bombardeio midiático É difícil resistir ao bombardeio midiático de um poderoso telejornal, com imagens de dutos enferrujados jorrando dinheiro, sob a voz de tenor de William Bonner e dos agudos de Renata Vasconcelos. Os índices de audiência bruta (que a publicidade designa como GRP - Gross Rating Points) - são cavalares, somando mais que pesadas campanhas publicitárias juntas de grandes grupos. Os telespectadores acabam "comprando" o cenário negativo que cerca os personagens do tiroteio televisivo. O estrago sobre sua imagem é fatal. Efeito destrutivo O poder destrutivo é tanto mais letal quanto mais forte seja o calibre da arma. Maior a dose, maior o efeito. O mais visto dos telejornais dedica a maior parte de seu horário à política. E mais: a cobertura da operação Lava Jato é farta de imagens repetidas. Logo, imagem com malas de dinheiro acaba colando nos personagens do noticiário. Os personagens descritos no roteiro da cobertura noticiosa acabam todos com a marca de malfeitores. Repetição Eventuais respostas ao bombardeio midiático por parte dos atores políticos ganham pouco espaço, sobrando, sempre, para os "donos do poder informativo" a sua "verdade". Em Minha Luta, Hitler diz: "o êxito de um anúncio, seja ele comercial ou político, se deve a persistência e assiduidade (periodicidade) usadas". Goebbels chegou a alinhar princípios da propaganda, entre eles, os da orquestração e da repetição. Amanhã Se o tom televisivo continuar sendo crítico ao governo, a má avaliação do bolsonarismo terá longa vida. A recíproca é verdadeira. Rebuliço no PSL O partido do presidente é uma fonte de querelas e quedas de braço. Há quem duvide da sobrevivência da sigla. Luciano Bivar, o presidente, pode perder o cargo. DEM em crescimento Já o DEM tende a se fortalecer na esteira do prestígio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. PSDB, ampla convocação Bruno Araújo, presidente do PSDB, informa que mandou uma carta ao partido, convocando 1,4 milhão de filiados a se posicionarem sobre temas como Estabilidade do funcionalismo público; Redução da maioridade penal; Mensalidade nas universidades públicas para alunos de alta renda; Descriminalização de drogas leves; Liberação da posse e porte de armas; Foro privilegiado das autoridades públicas; Cotas sociais e/ou cotas raciais; Exploração sustentável de riquezas naturais em áreas de preservação ou indígenas; Voto facultativo e Liberalismo social como sistema econômico. O Congresso tucano será nos dias 6 e 7 de março do próximo ano. Quem se encaixa? Há um protagonista de nossa política que cabe por inteiro na frase deste cientista político. Você é capaz de dizer quem é? No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder".
quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Porandubas nº 636

A coluna abre com a verve dos Albuquerque. "Xecape" do Carlucho Despachado, bom de lábia, ar brejeiro, dono de fazendas, Carlucho Albuquerque aproveitou a viagem ao Recife para matar saudades. Assistiria ao desfile de maracatus e visitaria o velho museu para apreciar a decoreba que os meninos de Olinda fazem sobre a saga de sua família, os Albuquerque, aberta por Matias de Albuquerque, 1595/1647. Depois do lazer, Carlucho foi ao médico fazer um exame geral. O médico começa: - O senhor está em muito boa forma para 40 anos. - E eu disse ter 40 anos? - Quantos anos o senhor tem? - Fiz 58 em maio que passou. - Puxa! E quantos anos tinha seu pai quando morreu? - E eu disse que meu pai morreu? - Oh, desculpe! Quantos anos tem seu pai? - O veio tem 82. - 82? Que bom! E quantos anos tinha seu avô quando morreu? - E eu disse que ele morreu? - Sinto muito. E quantos anos ele tem? - 103, e anda de bicicleta até hoje. - Fico feliz em saber. E seu bisavô? Morreu de quê? - E eu disse que ele tinha morrido? Ele está com 124 e vai casar na semana que vem. - Agora já é demais! Por que um homem de 124 anos iria querer casar? - E eu disse que ele queria se casar? Queria nada, mas ele engravidou a moça, coitada. (Historinha que dá conta da tradição dos Albuquerque de Pernambuco). O dicionário do governo Bolsonaro A coluna de hoje é um exercício de decifração do governo Bolsonaro. O pequeno dicionário pode ajudar a entender o modus operandi do presidente. Boa leitura. A Arrogância - Sentimento de autossuficiência, onipotência, domínio completo do poder. Ainda na primeira letra do alfabeto, estão ainda: Apartheid social - A conhecida divisão da sociedade, entre nós e eles, originada na era do lulopetismo, recebe novo impulso, com o bolsonarismo, por meio de discurso e ações, restabelecendo a divisão entre classes e grupos sociais. Adélio Bispo de Oliveira - O criminoso que esfaqueou o presidente em Juiz de Fora, considerado pelos médicos como inimputável por ter uma doença mental. Laudos anexados ao processo atestaram que o autor do atentado tem Transtorno Delirante Persistente e o crime teria sido cometido em função desta condição. Amazônia - A região amazônica passou a figurar como centro do discurso em defesa de uma política ambientalista. Os focos de incêndio na região ganharam foro mundial. Aborto - A interrupção de uma gravidez resultante da remoção de um feto ou embrião antes de este ter a capacidade de sobreviver figura como uma prática condenada pelo bolsonarismo, atendendo a uma visão de grupamentos sociais. B Bolsominions - A expressão, de cunho pejorativo, designa pessoas politicamente alinhadas com os ideais do presidente Jair Bolsonaro. BBB- Bancada da Bala, do Boi e da Bíblia - Três áreas que se posicionam como eixos de apoio e defesa do governo Bolsonaro, indicando clara tendência da extrema direita no arco ideológico. C Conservadorismo - A postura conservadora do governo Bolsonaro abriga a defesa de valores na frente dos costumes. Capitão - O posto no Exército em que o presidente foi reformado quando exercia atividades militares. O termo ainda é usado para designar o presidente Bolsonaro. Caneladas - Modo ríspido com que trata alguns membros de sua equipe - de ministros a funcionários do terceiro escalão. Demite assessores segundo o humor do dia. Carlos Bolsonaro - O filho mais aguerrido do presidente, a quem se atribui grande influência sobre o pai. Foi o responsável pela estratégia da campanha eleitoral no uso das redes sociais. Atira contra elementos da equipe governamental, que considera desafinados com o discurso presidencial. Comércio exterior - Ameaças de fechamento de alguns mercados importantes como o europeu, o árabe e o asiático em razão da aspereza com que trata personalidades internacionais. Pano de fundo: a devastação da Amazônia, a intenção de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e o alinhamento automático com os EUA. CPMF - O governo tenta ressuscitar a famigerada CPMF, agora sob o carimbo de "Nova". Para zerar contribuição sobre folha, o imposto teria de arrecadar R$ 200 bilhões. D Democracia - Mensagem no Twitter do terceiro filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro: "Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos". Pelo que se sabe, onde não vigora democracia, impera a ditadura. O segundo filho, Eduardo, indicado embaixador do Brasil nos Estados Unidos, visitou o pai ontem no hospital e posou com um revólver na cintura. Ditadura - Regime implantado em 1964 pelos militares, que perdurou até meados de 80 e que recebe loas rotineiras do presidente Bolsonaro. Um dos mais conhecidos repressores, o coronel Brilhante Ustra, é um ícone de admiração do presidente. Donald Trump - O presidente dos EUA é o exemplo seguido por Bolsonaro, por seu posicionamento na direita conservadora e por defender teses de cunho nacionalista. Damares - A ministra da Mulher, da Família, e dos Direitos Humanos, Damares Alves, é referência da posição conservadora no Ministério. E Escola sem Partido - É uma das bandeiras mais fortes e presentes do discurso bolsonarista. Evangélicos - Os credos evangélicos formam o bastião mais fechado na defesa do atual governo. Exército - As Forças Armadas, principalmente a área do Exército, voltam ao centro do poder por meio de um conjunto de militares, a partir de generais que habitam a Esplanada dos Ministérios. Eduardo Bolsonaro - O deputado filho do presidente ocupa o centro da polêmica, estabelecida pela indicação do pai para ser o embaixador do Brasil nos EUA. Caberá ao Senado aprovar a indicação. F Facada - A facada desferida contra Jair Bolsonaro em Juiz de Fora é considerada por muitos como o fator que contribuiu, de forma decisiva, para a eleição do presidente. Flávio Bolsonaro - O senador, filho do presidente, é protagonista de um imbróglio em que está envolvido Fabrício Queiroz, suspeito de "rachadinha" (apropriação de parte do dinheiro de funcionários do então deputado estadual Flávio, no Rio de Janeiro). Fogo - Nunca foi tão intenso o fogo que devasta a região amazônica. Muitos atribuem a devastação à política ambientalista do governo Bolsonaro. G Gêneros - O conceito de gêneros ganha amplitude no governo Bolsonaro, que se posiciona contra a Ideologia de Gêneros. Generais - Generais do Exército e outras patentes das Forças Armadas entraram em grande número na administração Federal. H Heleno - O chefe do Gabinete de Segurança Institucional, uma espécie de braço direito do presidente, é o general Augusto Heleno, mais conhecido como Heleno. Homofobia - Aversão irreprimível, repugnância, medo, ódio, preconceito que algumas pessoas ou grupos nutrem contra os homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais, é crime. Mas, na atual conjuntura, esse crime passou a ocorrer com muita frequência. I Indígenas - A política indigenista brasileira na atualidade é muito criticada. Por defender a invasão das terras indígenas para exploração mineral e outras atividades. Ideologia de gênero - Ver acima Gêneros. J Juventude - O segmento jovem é um dos focos de interesse do bolsonarismo, que intenta diminuir a força da ideologia de esquerda no vasto campo da educação. A carteira de estudante emitida pelo governo Federal é um golpe na União Nacional dos Estudantes, dominada pelo PC do B. K Ketchup - Condimento muito familiar ao deputado Eduardo Bolsonaro, que justifica sua nomeação como embaixador brasileiro nos EUA por "falar inglês e espanhol" e, ainda, saber fritar hambúrguer. O molho de tomate deve ter sido muito usado pelo deputado em seu périplo pelo Estado do Maine, como ele próprio recorda. L Lula - É o maior adversário do bolsonarismo. Há indicações de que ele ou um perfil escolhido por ele seja o adversário de Bolsonaro em 2022. Liberalismo - Trata-se do figurino vestido pelo governo Bolsonaro para a área da Economia. Abrigo de amplo programa de privatizações. M Michelle - Brigitte, a mulher do presidente francês, Emmanuel Macron, e Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile e alta comissária da ONU, foram alvo de ataques do presidente. Enquanto isso, outra Michelle, a Bolsonaro, esposa do capitão Jair, ganha simpatia pela defesa de deficientes e uso da linguagem de libras. Mourão - O vice-presidente da República não é bem visto pelo entorno do presidente. Considerado um falastrão. Mas tem o apoio do empresariado. N Nazismo - Primeiro, foi o chanceler Ernesto Araújo que disse: o nazismo é de esquerda. Depois Bolsonaro falou não ter "dúvidas" de que o nazismo era de esquerda. Para historiadores, tratar nazismo como de esquerda é 'fraude'; embaixador alemão também já disse que é 'besteira'. E os israelenses também explicitaram: nazismo é de direita. O Olavismo - Olavo Carvalho, guru de extrema-direita do bolsonarismo, dá as cartas em parcela importante do governo. Oquei? (às vezes, precedida por um tá - Tá oquei?) - Interrogação recorrente do presidente quando termina suas entrevistas improvisadas. Com sotaque bem carioca. P PSL - O partido deixou de ser micro para se transformar em grande sigla: 54 deputados. Mas o partido do presidente está rachado. E muitos acreditam que haverá uma debandada se o governo entrar em parafuso. Paulo Guedes - O Todo Poderoso ministro da Economia luta para ver sua agenda econômica aprovada pelo Congresso. Quer privatizar todas as estatais. Presidencialismo de coalizão - Governar com partidos em troca de apoio não é do gosto do capitão, que começa a abrir o portão da velha política. Na marra. Q Quilombola - O presidente não é muito simpático aos quilombolas. Ainda deputado, chegou a dizer: "Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais". Queiroz - Fabrício Queiroz, o procurado ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual no RJ, pode abrir a caixa-preta da "rachadinha" e gerar impacto negativo sobre os bolsonaros. V. nota acima do Flávio Bolsonaro. R Redes sociais - O presidente se vale das redes sociais e de seus simpatizantes para mandar seus discursos. Suas mensagens animam sua base. Despreza os grandes veículos de comunicação de massa, os quais recrimina por "não trazer notícias positivas ao governo". Rodrigo Maia - O presidente da Câmara é alvo de farpas do presidente, mas é o principal fiador da agenda de reformas. Sem ele, o país não avança em direção ao futuro. S Sérgio Moro - O ministro mais popular do governo tem sido objeto de ciúmes e críticas por parte do entorno presidencial. Veem nele um eventual concorrente de Bolsonaro em 2022. Também não é bem visto pela frente política. Moro padece de um processo de desgaste. Mais recentemente, foi brindado pelo presidente com o adjetivo "inocente". T Trumpismo - Ideologia encarnada pelo presidente dos EUA inspira o presidente brasileiro. U União das esquerdas - Até o momento, as esquerdas não encontraram o fio do novelo para agregar suas forças, deixando o bolsonarismo navegar por águas ainda calmas. V Vexame - O destampatório do presidente tem dado vexame aqui e alhures. Palavras ferinas, degradantes, humilhantes e até de baixo calão são proferidas. Mas o mandatário número 1 diz que não vai mudar. X Xingamento - Bolsonaro passa a ser o centro das conversas em todos os ambientes. Parte o elogia e parcela o critica até com xingamentos. A bílis social escoa pelas veias sociais. Xucro - Adjetivo usado pelo capitão ao carimbar a índole do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, um animal ainda não domado. Z Zebra - Pode dar zebra em 2022? Alguém que não frequenta o manual dos presidenciáveis? Pode, sim. O Senhor Imponderável dos Anjos costuma nos visitar com frequência. A reeleição de Bolsonaro, apesar dos horizontes distantes, é a coisa mais previsível. E até a volta do PT. A zebra que pode aparecer vai depender do sucesso ou do fracasso do governo Bolsonaro.
quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Porandubas nº 635

Abro a coluna com uma historinha das Alagoas. Povo do bola Gervásio Raimundo, fazendeiro, candidato a deputado estadual por Palmeira dos Índios/AL, foi fazer comício em Estrela, que antigamente se chamava Bola: - Povo do Bola! Atrás dele, Waldemar Sousa Lima, escritor, biógrafo de Graciliano Ramos, conserta ao ouvido: - Gervásio, eles não gostam de ser chamados de povo do Bola. - Meus queridos amigos bolivianos! Waldemar ficou aflito: - Gervásio, boliviano é quem nasce na Bolívia. - Ó xente, e não é tudo Brasil? Acabou o comício. 16% do mandato O crescimento da reprovação do presidente Bolsonaro, de 33% para 38%, em pouco mais de um mês, exibe uma tendência de rápida deterioração da imagem do governo. O índice de ruim ou péssimo é de 9 pontos a mais do índice de bom ou ótimo, aferida em 29%. O retrato é da pesquisa Datafolha, feita em 29 e 30 de agosto junto a 2.878 pessoas em 175 cidades brasileiras. Hoje, o capitão perderia para Haddad. O resultado mostra que os brasileiros, a cada rodada de pesquisa, aumentam sua desaprovação ao estilo Bolsonaro de governar. Aprovado apenas por sua base de apoio, hoje em torno de 30%. O governo já consumiu 16% do mandato. Muita água É evidente que muitas avalanches correrão por baixo da ponte até outubro de 2022. Mas a continuar a trilhar um caminho atirando a torto e a direito, instigando as bases e ferindo os opositores, incentivando ações que ferem princípios ambientalistas, pousando na extrema direita do arco ideológico, mostrando-se como uma pessoa mercurial, raivosa contra a imprensa, as ONGs e dirigentes europeus, recusando recursos oferecidos para proteger a região amazônica, o presidente Jair tende a ver o distanciamento de seus próprios simpatizantes. O pior cego é aquele que não quer ver. É o caso do mandatário mor. O buraco no meio O arco ideológico deixa ver um grande espaço a ser ocupado no meio. Os extremos, à direita e à esquerda, estão ocupados. Quem imaginaria que teríamos uma direita populista no país? Quem imaginaria que, após os traumáticos anos do lulopetismo, as bandeiras vermelhas do PT, CUT, MST, MTST e outros entes congêneres poderão novamente ser desfraldadas na paisagem? A polarização que o presidente Jair luta para consolidar abre esta alternativa. A não ser que as forças do centro ideológico se reúnam e se dêem as mãos para formar um núcleo central capaz de atrair as maiorias das margens e das classes médias. Essa é a condição para evitar o fortalecimento da polarização ideológica. Os habitantes do meio O que querem ver e o que pregam os habitantes do meio do centro do arco ideológico? Um país menos tensionado, mais harmônico, menos agressivo, menos inseguro; com economia voltando aos eixos, com menos invasões de propriedades, com garantia dos direitos de cidadania (igualdade de gêneros); sem guerras no entorno de temas como escolas sem ideologia, com as instituições exercendo seus papéis e cumprindo rigorosamente preceitos constitucionais. Ou seja, sem interpenetração de funções e tarefas, sem usurpação do poder ou espetacularização dos atos da Justiça. As margens As margens anseiam por melhores condições de vida: um dinheirinho no bolso que possa lhes propiciar casa, comida, transporte, educação para os filhos, segurança em seu entorno. Esse leque de necessidades, que pressupõe aperfeiçoamento dos programas assistenciais, parece abandonado. Os governantes não o elegem como foco. E assim a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça acaba castigando os governantes que a desprezam. O bolso cheio enche a barriga, deixando o coração agradecido e a cabeça disposta a aprovar o governante. A recíproca é verdadeira. A lição de Lincoln "Não criarás a prosperidade se desestimulares a poupança. Não fortalecerás os fracos, por enfraquecer os fortes. Não ajudarás o assalariado, se arruinares aquele que paga. Não estimularás a fraternidade humana, se alimentares o ódio de classes. Não ajudarás os pobres, se eliminares os ricos. Não poderás criar estabilidade permanente, baseada em dinheiro emprestado". (Lincoln) Regiões A aprovação e desaprovação de dirigentes têm, ainda, uma conexão com o fator regional. Cada região possui uma índole própria, carências e necessidades mais específicas, horizontes vistos a partir de sua configuração geográfica. Veja-se, por exemplo, a questão amazônica, que é um dos focos do debate nacional. Veja-se o caso da transposição das águas do rio São Francisco, que estampa os espaços da mídia com a abordagem do desleixo, da incúria, do abandono: obras deterioradas, paralisadas, seca em lugar da água. Em época de eleições, certamente essas águas que não correm nos dutos da transposição darão muito o que falar. Perfil para o amanhã Que perfil se enquadra na moldura política do amanhã? Tendo em vista tsunami que vimos em outubro de 2018 e a quebra de paradigmas que desmontou os eixos da velha política, podemos apontar algumas (cinco) inferências. a. Limpeza/ assepsia - Um perfil não contaminado pela velha política se encaixa bem no sistema cognitivo das massas. Passado limpo, vida decente. b. Visibilidade - Embora esta condição possa ser adquirida no espaço de uma campanha, o fato de se ter um candidato com boa visibilidade certamente alavancará o perfil. Nesse sentido, protagonistas com vivência na mídia televisiva agregariam essa posição. c. Jovialidade - Um protagonista nem muito novo nem muito velho, a denotar disposição para enfrentar desafios imensos, coragem para subir a montanha, de fácil comunicação com as massas, boa estampa - valores que convergem para o conceito de jovialidade. d. Densidade eleitoral - Os maiores colégios eleitorais do país dariam certa vantagem a perfis que a eles pertençam. O Sudeste, por exemplo, com as maiores densidades eleitorais, lideram esse posicionamento. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os três principais polos. e. Carisma - Uma virtude nata. Carisma é o brilho pessoal, o magnetismo que o protagonista exerce para atrair as massas, a maneira de ser, de se expressar, de se apresentar, qualidades que integram a identidade do personagem. Pão e circo "Os povos gostam do espetáculo; através dele, dominamos seu espírito e seu coração". Luís XIV. Influenciadores Expande-se no país a teia de influenciadores. Trata-se do núcleo que funciona como a pedra jogada no meio da lagoa, formando ondas e marolas que correm até as margens. Esses agentes da persuasão atuam em diversos espaços e níveis: nas redes sociais, que passaram a formar gigantesca tuba de ressonância do pensamento social; os difusores de opinião no rádio e na televisão (jornalismo e entretenimento); os analistas e colunistas políticos das mídias impressas; as lideranças institucionais - dirigentes de entidades de todos os naipes; as grandes referências de setores das profissões liberais (médicos, advogados, engenheiros, etc.). Todos esses influenciadores exercem papel de destaque na construção e/ou desconstrução de protagonistas políticos. Nomes em crescimento 1. Luciano Huck - Empresário, animador e apresentador do "Caldeirão do Huck" na TV Globo; alta visibilidade; amplia linhas do discurso político; começa a formar um círculo de especialistas, a partir de Armínio Fraga; impregna valores da nova política; posiciona-se como anti-Bolsonaro. Um dos nomes para o pleito presidencial de 2022. 2. Luiz Datena - Apresentador do "Cidade Alerta" na TV Bandeirantes, alta visibilidade, encarna perfil do novo na política, ensaia candidatura à prefeitura de SP em 2020. 3. Rodrigo Maia - Fiador do programa reformista, o presidente da Câmara dos Deputados (DEM-RJ) é peça decisiva no tabuleiro das reformas. Pode ser um dos nomes a compor a chapa majoritária em 2022. Boa ligação com João Doria (PSDB-SP), governador de São Paulo. 4. ACM Neto - Sobressai como um quadro do DEM, em uma eventual chapa juntando um nome do Sudeste com um nome da região nordestina. 5. João Amoêdo - O presidente do Novo tem escalada crescente como líder do processo de renovação política. 6. Baleia Rossi - O líder do PMDB na Câmara cresce na esteira do seu projeto (Bernard Appy) de Reforma Tributária. Nomes descendo a escada Alguns nomes estão descendo degraus da escada da fama. Vejamos alguns: 1. Presidente Jair Bolsonaro - Pesquisas mostram queda de nove pontos na avaliação ótimo/bom. O estilo de governar é desaprovado. 2. João Doria - O governador paulista perdeu de 30 a 4 na tentativa de expulsar Aécio Neves do PSDB. A bancada tucana de MG está contra a bancada tucana de SP. 3. Onyx Lorenzoni - O ministro perdeu parte das funções na Casa Civil. Mesmo ganhando algumas tarefas na área das parcerias público-privadas. 4. Bruno Covas - Não tem boa avaliação como prefeito de São Paulo. 5. Abraham Weintraub - O ministro da Educação, com suas manifestações polêmicas, recebe o repúdio da intelligentzia nacional. 6. Ernesto Araújo - O chanceler continua sem prestígio. Focos temáticos Ganharão destaque ou continuarão abrindo o leque de prioridades alguns focos temáticos: - Resgate da economia - Base do conforto social - Segurança Pública - Base da segurança social - Educação - Base do futuro de uma grande Nação - Ambientalismo - Proteção da natureza e do nosso habitat - Igualdade de Direitos - Elevação dos padrões de Cidadania - Combate à Corrupção - Conquista de padrões éticos e morais Pérolas do Enem Fechando o capítulo, a coluna registra inúmeras pérolas do Enem, enviadas por seus leitores: - A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos. - Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia. - O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas. - A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva. - O Ateísmo é uma religião anônima. - A respiração anaeróbica é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos. - O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo. - Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto. - Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais. - Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio. - A harpa é uma asa que toca. - O vento é uma imensa quantidade de ar. - O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas. - Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor. - Péricles foi o principal ditador da democracia grega. - A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário.
quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Porandubas nº 634

Abro com o Joãozinho analisando a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Tinha uma pedra no meio do caminho A verdade de hoje é bem diferente da realidade de ontem. Hoje, até a poesia se depara com outras pedras no caminho. Na sala de aula o professor analisa com seus alunos aquele famoso poema do Carlos Drummond de Andrade: "No meio do caminho tinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminho.E eu nunca me esquecerei...no meio do caminho tinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminho". O professor pergunta: - Joãozinho, qual a característica do Carlos Drummond de Andrade que você pode perceber neste poema? - Se não era traficante, era usuário... Desrespeito O presidente Bolsonaro continua desafinado. Compartilhou em seu Twitter comentário desrespeitoso à primeira dama da França, feito por um seguidor seu nas redes de que o presidente francês, Emmanuel Macron, tem inveja porque sua mulher não é bonita como a primeira dama brasileira, Michelle. Isso é comentário que se endosse, mais ainda saindo da lavra do chefe de uma Nação? Macron reagiu: em coletiva ao lado do presidente do Chile, Sebastián Piñera, disse que o comentário sobre Brigitte foi "triste" para os brasileiros, uma vergonha para as mulheres brasileiras e "extremamente desrespeitoso". E espera que "eles tenham muito rapidamente um presidente que se comporte a altura" do cargo. Sinal de boa vontade Mas o G7 (grupo formado pelas sete maiores economias do mundo) acabou decidindo desbloquear uma ajuda de emergência de US$ 20 milhões (cerca de R$ 83 milhões) para a Amazônia. Foi o que anunciou o presidente francês. Os recursos serão destinados principalmente para o envio de aviões Canadair de combate a incêndios. Além desta frota, o G7 concordou com uma assistência de médio prazo para o reflorestamento da Amazônia, a ser apresentado na Assembleia Geral da ONU, a ocorrer no final de setembro. Para receber essa ajuda, o Brasil terá que concordar em trabalhar com ONGs e populações locais. Ainda bem que o bom senso prevaleceu. Insulto x dinheiro Mas nada avança naturalmente nesse desencontro internacional: Bolsonaro diz que só vai aceitar os U$ 20 milhões do G7 se Macron "retirar os insultos" contra ele e contra o Brasil. O insulto: o francês chamou Bolsonaro de mentiroso por ter assumido compromissos com o meio ambiente em recente reunião do G20, no Japão. Para Macron, esse compromisso não existe. Depois, segundo Bolsonaro, ele insultou o país ao falar sobre a definição de um "status internacional" para a Amazônia. Ecologista de ocasião Mas o escritor e jornalista Gilles Lapouge, que escreve de Paris para o Estadão há décadas, dá o tom exato desta diplomacia quixotesca: "Os holofotes se fixaram nesse presidente tão jovem, polido e especialista em golpes baixos, caminhos escabrosos e meias verdades. Macron não se contenta em ser uma pessoa formidável quando se trata de manobrar, mas é também corajoso. A verdade é que ele é ecologista apenas em intervalos: de preferência, às vésperas de eleições, em razão do voto dos agricultores. Depois, passadas as eleições, ele volta a ser indiferente". O palanque que faltava No campo da ecologia, segundo Lapouge, Macron foi o inspirado porta-voz em Biarritz: "Temos de responder ao apelo do oceano e da floresta que queima". Mas o balanço do seu reinado nessa área é medíocre... Há alguns meses Macron assumiu brilhantemente a defesa do acordo de livre-comércio com o Mercosul, que deve suprimir taxas alfandegárias de inúmeros produtos, ameaçando a agricultura francesa com a carne da América Latina. Porém, pressionado pelos agricultores franceses, não sabia como voltar atrás. Então, Jair Bolsonaro lhe prestou um serviço, permitindo que ele recusasse o acordo por nobres razões, resume Lapouge. E assim, com destempero e uma errática política ambiental, Bolsonaro forneceu o palanque de que Macron precisava. É a ópera bufa da diplomacia. Imagem do Brasil I A imagem do Brasil no mundo está chamuscada. Mesmo que os índices de queimadas e desmatamento não sejam tão elevados como se propaga, o fato é que o país, por meio de seu dirigente máximo, fez péssima performance no palco internacional. Sabe-se que existe um ciclo anual do fogo. Mas o modo provocador e deselegante que Bolsonaro usou para fustigar mandatários de países que colaboram com o Fundo da Amazônia foi, em parte, responsável pela "queimada" na imagem do Brasil. Depois, seria muito bom para o país se o presidente parasse de brigar com números: incêndios na floresta tiveram alta de 84% em relação ao mesmo período de 2018. Só falta Bolsonaro pedir ao "amigo Trump" a demissão de um diretor da Nasa. Imagem do Brasil II Dizer que não precisamos do dinheiro da Noruega ou da Alemanha e, pior, dizer que a grana norueguesa destinada à Amazônia deveria ser mandada para que a primeira ministra alemã, Angela Merkel, usasse no reflorestamento de seu país, é uma tremenda falta de educação política. Só resta, agora, aguardar o pronunciamento de Jair Bolsonaro na abertura dos trabalhos da ONU em final de setembro. Cabe ao Brasil fazer o discurso inicial. Um empurrão? É evidente que a política de defesa ambiental de Bolsonaro dá um empurrão no desmatamento. Ele defende de maneira categórica a exploração mineral na Amazônia, inclusive em terras indígenas. Ora, muito oportunista, grileiro, pecuarista ilegal e outros, aproveitam os sinais emitidos pelo presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para tocar fogo na floresta. Mais ainda: ao formarem um escudo de expressões em defesa do presidente, sob o argumento de defesa do nacionalismo e da soberania, os militares também acabam motivando a devastação. O bom senso dá adeus nessa enrascada em que se meteu o Brasil. Um erro de todos O fato é que todos erraram nesse episódio. Macron e Bolsonaro acabaram enviesando o affaire. Faltaram bom senso e inteligência. Queda de prestígio Mais uma pesquisa - CNT/MDA - mostra a queda de prestígio do presidente Bolsonaro. Mais da metade da população desaprova o desempenho pessoal do presidente. O índice de desaprovação aumentou para 53,7%, ante 28,2% de fevereiro. No início do ano, 57,5% diziam aprovar o desempenho do presidente, mas esse índice caiu agora para 41%. Não quiseram ou não souberam responder 5,3% dos entrevistados. Em relação ao governo, também aumentou a reprovação em 20 pontos porcentuais. Reprovação aumenta A avaliação negativa passou de 19% em fevereiro para 39,5% em agosto. A avaliação positiva diminuiu, passando de 38,9% em fevereiro para 29,4% agora. A avaliação regular é de 29,1% e 2% não souberam responder. 39,1% dos ouvidos consideram que o decreto sobre armas é a pior ação do governo em oito meses. E sete em cada dez pessoas afirmam que a indicação do filho do presidente, deputado Federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o posto de embaixador em Washington é inadequada. Às lágrimas Lê-se que Bolsonaro teria chorado ao falar com um senador sobre a indicação de seu filho Eduardo para a embaixada brasileira nos EUA. Teria dito que ele precisa ir porque está ameaçado de morte aqui no país. Mas não entrou em detalhes. Tucanos em briga A derrota de João Doria na Executiva Nacional do PSDB, ao pedir a expulsão do deputado Federal Aécio Neves, abre um racha no partido. João perdeu de 30 a 4. Não é tranquila a liderança do governador de São Paulo entre os tucanos. É muito contestado. O PGR A escolha do procurador-Geral da República virou competitiva disputa. A essa altura, não se sabe quem é favorito. O presidente Bolsonaro pode adiar a escolha para final de setembro. Dará tempo ao tempo. E esperar a acomodação das placas tectônicas. Lava Jato nas queimadas A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, defendeu o uso de R$ 1,2 bilhão dos recursos do Fundo da Lava Jato para o combate às queimadas na região amazônica. O destino dos R$ 2,5 bilhões do Fundo da Lava Jato parou na Suprema Corte em março, depois de a PGR questionar o acordo fechado entre a Petrobras e a força-tarefa da Lava Jato no Paraná que estabeleceu, entre outros pontos, a criação de uma fundação para gerir parte da multa. O caso foi para Alexandre de Moraes, que resolveu suspender o acordo entre a estatal e o Ministério Público paranaense. EUA: Economia elegerá A querela entre EUA e China na frente do comércio e tendo a sobretaxa de produtos de ambos os países pode conduzir a economia mundial a um ciclo de depressão. E uma recessão econômica dá sinais no horizonte. O que será péssimo para Donald Trump se esse panorama voltar aos EUA nos próximos meses, no pleito de 2020. Ele tem enfrentado dificuldade nos momentos em que precisa transitar pelos corredores do Congresso. Mas os democratas recuperaram o comando da Câmara. Na área de saúde pública, ele não conseguiu cumprir a promessa de extinguir o chamado Obamacare, que auxiliou mais de 20 milhões de americanos a obterem cobertura de saúde. Tributos O principal sucesso de Trump foi a aprovação de uma extensa reforma tributária, na qual os impostos sobre empresas caiu de 35% para 21%. Outro êxito de Trump foi a aprovação de dois nomes para a Suprema Corte, incluindo Brett Kavanaugh, que enfrentou acusações de assédio sexual - as quais negou - durante o processo de confirmação de seu nome no Congresso.
quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Porandubas nº 633

Abro com hilária historinha envolvendo o folclórico ex-governador Newton Cardoso, das Minas Gerais. Não mais heliocóptero Assumiu o governo de Minas e, no dia seguinte, foi ao aeroporto para viajar no helicóptero da administração estadual. Ao tomar conhecimento de que aquele "trem" tinha o nome de seu adversário, foi logo dando bronca no piloto: - Não entro de jeito nenhum nesse trem com o nome do Hélio (Hélio Garcia era o governador anterior). O piloto, constrangido, respondeu: - Mas governador, esse helicóptero é do governo do Estado e não do ex-governador Hélio. Newtão não quis saber: - Esse trem agora vai se chamar Newtoncóptero. Falei e tá falado. Nuvens pesadas Grande interrogação nos mercados mundiais. Tensão entre EUA e China. Economia norte-americana dá sinais de descida do patamar onde está. Muitos países registram desaceleração das economias. E em nossas plagas, ameaças se acumulam: devastação ambiental é motivo de retaliação de tradicionais países que colaboram com o Fundo da Amazônia; agronegócio brasileiro pode ver portas fechadas; falas do presidente causam perplexidade aqui e alhures. Classe política começa a tomar distância do governo. Nuvens plúmbeas escurecem os horizontes. O cinto mais apertado Já discorremos aqui sobre a viabilidade de um governo. Resgato o conceito de Carlos Matus, cientista político chileno: a viabilidade depende de quatro cinturões que afrouxam ou apertam o corpo do Executivo: o cinturão econômico, o cinturão político, o cinturão social e o cinturão organizativo, cada qual com os seus buracos. E mais, cada um influenciando o outro. A economia saudável, com dinheiro no bolso do consumidor e acesso pleno ao consumo, acaba desaguando na política, facilitando a articulação do governante com a classe. A recíproca é verdadeira. O caldo entorna se a economia não proporcionar bem-estar coletivo. Efeitos concêntricos O cinturão político, por sua vez, carece de ótimos articuladores para abrir espaços aos planos dos governantes na esfera legislativa. Se não há essas figuras de proa ou se há, mas não são de primeira qualidade, o fator político pode atrapalhar o fluxograma do Executivo. E, claro, dispara tensões e conflitos que irão bater no oceano social, onde os grupos organizados, os centros de referência de grupos e contingentes exercem o poder de fazer barulho. As ondas, em círculos concêntricos, correm do meio da pirâmide para a base, ou do meio da sociedade para as margens. Altas ondas As ondas vão aumentando de tamanho à medida que crescem a indignação, a revolta, a contrariedade, o clima pesado do meio ambiente. Saindo da teoria para a prática. Chegando aos oito meses de governo Bolsonaro, o apurado é menor do que se esperava. Imaginava-se uma somatória de coisas que acabariam melhorando o clima social, animando plateias, abrindo sorrisos de satisfação. Não é o que se vê. A economia ainda não chegou ao cotidiano das massas. A política vive tensões. A passagem da reforma da Previdência pela Câmara foi um grande feito, é oportuno dizer, mas o processo não está terminado. Tem ainda um bom percurso no Senado. E os efeitos só vão aparecer no longo prazo. São previsíveis ondas mais altas. Mais que pororoca As ondas estão aumentando. E não serão ondas de pororoca, geralmente baixas e que não causam grandes inundações. E onde estão essas ondas? Em formação nas águas da PF, da Receita Federal e do Coaf. A decisão do presidente de trocar superintendentes da Receita e da Polícia Federal em postos-chave deixa os quadros dos setores em polvorosa. Na Receita, Marcos Cintra se adiantou e já fez trocas. No ar, ameaças de rebeldia ou pedidos de demissão em massa. Se isso se concretizar, o governo Bolsonaro entrará em parafuso. Veremos águas inundando espaços vitais. "Sou eu que mando" Feridas serão abertas. O vale-tudo pode acontecer. A PF luta para se afirmar como órgão de Estado, como reza a cartilha da CF, e não de governo. A Receita viveria, também, sua mais profunda crise da contemporaneidade. No Coaf, a mudança para o BC está sendo administrada sem maiores conflitos, mas fica sempre no ar a voz do capitão: "sou eu que mando". O embaixador No meio da confusão que tende a se espraiar - a não ser que o presidente recue e não exiba tanta intransigência -, o Senado analisará a escolha do deputado Eduardo Bolsonaro para a mais importante embaixada do Brasil, a dos Estados Unidos. O deputado (PSL-SP) já visitou os integrantes da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado. Mas ainda não está seguro dos votos. A comissão tem 19 integrantes. Nove estão indecisos ou não revelaram ainda seus votos. O pai, o presidente Bolsonaro, sinaliza prudência. Se concluir que será vetado, pode desistir da indicação. É a mais recente referência ao caso. O veto seria um lance que colocaria o governo na beira do precipício: como reagiria o presidente? Como seria a articulação com o Congresso? Bolsonaro, que lembra a toda hora ser ele o dono da caneta Bic, espera pelos números. A melhor alternativa A alternativa melhor para o presidente seria retirar a indicação de seu filho. Evitaria mais desgaste. E a imagem do país no mundo sairia menos arranhada. Ocorre que esta saída só irá ocorrer ante a ameaça de falta de votos para aprovar a escolha do deputado Eduardo Bolsonaro no Senado. Fala-se, ainda, da não aprovação do nome do deputado pela diplomacia dos EUA, que não estaria aprovando a decisão de Trump de acolher o filho do presidente como embaixador. Moro vai aguentar? Outra questão que se coloca é a posição do ministro da Segurança e da Justiça, Sérgio Moro. Ele vai aguentar o restante do tiroteio a que está sendo submetido? Seu pacote anticrime está em banho-maria. E sob ameaça de forte desidratação. Será enxugado. Seu posto no STF, ante as renovadas promessas do presidente de que a vaga de Celso de Mello será preenchida por alguém "terrivelmente evangélico", supõe-se que já foi "rifado". Terá um dono. Sobra a candidatura à presidência, que propicia um "chega pra lá" do presidente. Daí a manobra do distanciamento já percebido por alguns analistas. Moro aguentará o tranco? Perfil em alta Rodrigo Maia continua subindo a escada da fama. Ocupa vastos espaços do centro da sociedade. Witzel em baixa Já o governador Witzel, do Rio de Janeiro, continua descendo a escada da glória. Mostra-se vaidoso e com muita ambição. Aproveita as oportunidades para posar de herói. A morte do sequestrador, abatido ontem por um sniper na ponte Rio-Niterói, foi comemorada por um governador sorridente e saltitante dando socos no ar. Mas o RJ quer mesmo é recuperar a condição de mais bonito cartão postal do Brasil. Sacolejo nas frentes do Direito O momento é de mobilização de grandes fatias da operação do Direito, principalmente os agentes do Judiciário e do Ministério Público. A Lei do Abuso de Autoridade mexe com as duas frentes. E, por tabela, laça os campos de advogados, que terão instrumentos para usar na lei que deve receber vetos do presidente. Faz tempo que não se veem tantos ecos. Os políticos, ao que se infere, querem atenuar a força de parcela dos operadores do Direito. As associações que congregam os corpos especializados fazem pressão sobre o Palácio do Planalto. Raquel Dodge, a PGR, avisa: "o remédio pode se transformar em veneno". A mulher na política O Nordeste, abrigo dos tradicionais coronéis e grupos políticos familiares, esteve na vanguarda da valorização política da mulher. A professora norteriograndense Nísia Floresta Brasileira Augusta foi a precursora do movimento feminista no Brasil, tendo traduzido, em 1832, a obra feminista da inglesa Mary Wollstonecraft. Também uma potiguar, Alzira Soriano de Souza, de Lajes/RN, foi a primeira prefeita brasileira a ser eleita, em 1928, mesmo tendo sido impedida de tomar posse por decisão do Senado, que anulou os votos das mulheres. Isso ocorreu quatro anos antes do decreto de Getúlio Vargas, em 1932, autorizando o voto feminino, confirmado na Constituição de 34. E foi também outra nordestina, a maranhense Joana da Rocha Santos, de São João dos Patos, a primeira prefeita a cumprir um mandato. Covas mal avaliado O prefeito Bruno Covas é mal avaliado pelas pesquisas. Parece perdido no tumulto que é São Paulo. Não tem aparecido. E é candidato à reeleição. Joice Hasselmann Jornalista paranaense e a mulher mais votada para a Câmara dos Deputados, eleita em São Paulo, Joice Hasselmann, deve também se candidatar à prefeitura. Pode ter boa votação, na esteira da "cara nova", boa fluência e capacidade de persuasão. Seria candidata do PSL, o partido do presidente? E como estará a imagem de Bolsonaro nas margens do pleito de 2020? Andrea Matarazzo Andrea Matarazzo, que conhece bem São Paulo, por ter sido secretário das Administrações Regionais, é outro possível candidato. Este consultor ouviu dele a disposição de ir à liça pelo PSD. Andrea também tem boa fluência e sabe onde é o Capão Redondo ou a Capela do Socorro. Para ele, São Paulo precisa de um prefeito "que queira apenas ser prefeito". Márcio França O ex-governador será também candidato. O PSB já o tem praticamente certo para a disputa. Márcio teve votação maior em São Paulo, capital, que o adversário, João Doria. E será oposição dura ao governo Bolsonaro. Tem chances. Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, ante as falcatruas e a situação de deterioração da cidade, eventual candidatura de Marcelo Freixo pode cair bem. É aí que o PSOL teria seu melhor desempenho entre as capitais. A base de 2020 A eleição da prefeitada em 2020 será a base do edifício eleitoral de 2022. Pelo andar da carruagem e, ainda usando a leitura de uma varrida na sujeira da política, infere-se que o eleitorado irá às urnas com a mesma têmpera de outubro de 2018. Quer mudar. Virar a mesa em muitas cidades. E dar a centenas de prefeitos o passaporte para voltar às suas casas. É razoável apostar numa votação de renovação de mandatos em torno de 60% a 70%, ficando a reeleição na margem entre 40% a 30%. Perfil apropriado Qual seria o perfil mais indicado para vestir o figurino de 2020? Este consultor se arrisca a apontar algumas posições e valores: vida limpa, passado sem máculas, idade entre 30 a 40 anos, experiência em qualquer setor produtivo, cara nova na política, programa de compromissos com o eleitor, sem demagogia, de fácil trato, simplicidade na vida cotidiana, boa comunicação, sem extremismos ideológicos (pode haver exceções nesta área). O vendaval que varre a política indica a tendência de um voto mais racional e consciente. Cara de babaca Em 2020, Gonzaguinha será lembrado com seu açoite na consciência das elites: "a gente não tem cara de babaca; a gente quer é ter pleno direito, a gente quer é ter muito respeito, a gente quer é ser um cidadão". A disputa nos maiores colégios Em 2020, teremos eleição para os 5.570 municípios brasileiros. São 26 Estados federados. Só no DF não haverá eleição de prefeito. Vejam o número de municípios e o de habitantes dos maiores colégios eleitorais: Minas Gerais, 853 municípios e 20.989.259 habitantes; São Paulo, 645 municípios e 44.744.199 habitantes; Rio de Janeiro, 92 municípios e 16.636.666 habitantes; Espírito Santo, 78 municípios e 3.966.360 habitantes; Rio Grande do Sul, 497 municípios e 11.290.773 habitantes; Paraná, 399 municípios e 11.241.665 habitantes; Santa Catarina, 295 municípios e 6.882.793 habitantes; Bahia, 417 municípios e 15.271.073 habitantes; Piauí, 224 municípios e 3.212.374 habitantes; Paraíba, 223 municípios e 3.995.541 habitantes; Maranhão, 217 municípios e 6.945.547 habitantes; Pernambuco, 185 municípios e 9.405.159 habitantes; Ceará, 184 municípios e 8.964.526 habitantes. Duas espécies John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo, dizia: "Há duas espécies de cidadãos - os ativos e os passivos. Os governantes preferem os segundos - pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes - mas a democracia necessita dos primeiros".
quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Porandubas nº 632

Abro a coluna com a política baiana. O frio aperto de mão O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. Irritado, um dos filhos retribuiu: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005". O deputado recebeu a resposta. Até hoje espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão. Os três terços O país tem atravessado momentos de efervescência expressiva. E o presidente Jair Bolsonaro tem sido o principal artífice da maratona de falas ácidas dirigidas a desafetos, pessoas, grupos e até outros países. Essa situação, ao contrário do necessário equilíbrio para o Brasil reencontrar rumos de paz e harmonia, só provoca a divisão da sociedade. Há, hoje, visivelmente três terços, todos separados: um terço que simpatiza e apoia o presidente; um terço que o detesta; e um terço, que olha de um lado para outro, decisivo para mudar a direção dos pratos da balança. Para onde pender, lá estará a maioria. Hora da ponderação O momento sugere ponderação. O presidente deveria ser menos cáustico. Diz que não vai mudar. Supõe-se que continuará a governar atirando com verve mortífera. Mas onde estão o equilíbrio, a postura litúrgica que cabe ao mandatário-mor de uma Nação, o bom senso dos generais e assessores de seu entorno? Bolsonaro não pode e não deve falar para agradar somente sua base. Paira acima de interesses de grupos e facções. O Brasil carece de harmonia. E fechar as cicatrizes que ainda estão abertas desde a campanha eleitoral. O resgate do Legislativo A "guerra" entre alas favoráveis e contrárias ao governo gera efeitos na frente institucional. Bate, por exemplo, nas conchas côncava e convexa do Congresso Nacional que parece se voltar para resgatar suas funções legislativas e de acompanhamento e cobrança do Poder Executivo. Na Câmara, Rodrigo Maia tem dado sinais de independência e de definição de uma pauta de alta relevância para o país. Não se exime de fazer críticas quando o presidente se afasta da linha do bom senso. Esta parece ser também a tendência a inspirar Davi Alcolumbre na condução do Senado. Tasso e a previdência O relator da reforma da Previdência no Senado, senador Tasso Jereissati, acerta quando pede que o presidente fale menos para não prejudicar o andamento do projeto já aprovado pela Câmara. E dá sinais de que seu relatório será positivo. Assegurará a participação de municípios e Estados por meio de uma PEC paralela. Esse encaminhamento estaria acertado com Alcolumbre. Com isso, o texto principal da reforma (PEC 6/2019) poderá ser aprovado pelos senadores até final de setembro sem alterações. A nova PEC caminhará ao mesmo tempo da PEC 6, permitindo que o grosso da reforma da Previdência seja promulgado mais cedo. Se não efetuar mudanças sobre ela, a conclusão dependerá apenas dos prazos regimentais. Eduardo passará? O deputado Eduardo Bolsonaro passará pela sabatina a ser feita pelos senadores para ganhar a Embaixada do Brasil nos EUA? Tudo indica que sim. Uma derrota bateria também na imagem do pai, o presidente. Mesmo que este tenha dito: se não for aprovado, fica na Câmara. A passagem pela sabatina envolve a boa vontade do presidente do Senado, que teria sido agraciado com indicação de cargos para o Cade e outras áreas. Na Comissão que o examinará, não terá os votos de alguns. Mas a maioria deve aprová-lo. A conferir. A performance As tarefas que o eventual embaixador terá de desempenhar não se restringem a contatos com a Casa Branca e a uma interlocução estreita com o presidente Donald Trump. Abarca um amplo relacionamento com os universos políticos e institucionais, com a esfera empresarial, com o mercado, enfim, com todos os protagonistas mundiais que atuam nos Estados Unidos, incluindo, claro, as relações com Nações. O sucesso de um bom trabalho na diplomacia depende também da qualidade do conjunto de assessores de um embaixador. Daí porque, ao confirmar sua indicação, Eduardo Bolsonaro deve se debruçar sobre quadros de excelência técnica para ajudá-lo na tarefa de dar conta da principal embaixada do Brasil no planeta. A Justiça bem aplicada Emmanoel Pereira, do Tribunal Superior do Trabalho, foi o ministro que mais julgou processos sem interposição de recursos pelas partes entre janeiro e junho deste ano. Os dados foram coletados e compilados pela Coordenadoria de Estatística e Pesquisa. O levantamento mostrou que o ministro Emmanoel julgou 7.493 ações no período, liderando essa categoria. Rapidez e bom senso O ministro destaca que os julgamentos resultaram em um atendimento célere aos jurisdicionados, resolvendo dezenas de conflitos trabalhistas. No primeiro semestre do ano, o TST recebeu 199.582 processos, 30,5% a mais do que o mesmo período do ano passado. Lula não quer sair Lula reluta em sair da prisão na PF de Curitiba para entrar no regime semi-aberto. Não admite usar tornozeleira eletrônica. Só sai se receber absolvição. Uma questão de imagem. Prefere a condição de preso, e de ser considerado um perseguido, do que poder trabalhar de dia com um artefato eletrônico na sua canela. Preso, continuará a movimentar as galeras que o idolatram. Lula quer, inclusive, recuperar seus direitos políticos. Sinaliza a candidatura presidencial em 2022. O PT joga todo incenso em sua direção. Centrais de olho A reforma sindical vem aí. Começa a mobilizar núcleos no Congresso Nacional. Paulinho da Força abre a bateria de debates, pregando relações sindicais sem a presença do Estado e novas regras para os sindicatos. Sugere um conselho de representantes com seis membros representando as Centrais e seis membros saindo das Confederações empresariais. A reforma vai gerar muita polêmica. Mas o Parlamento está com um pé atrás, desconfiando que os sindicalistas querem mesmo é recuperar a força perdida. Novos núcleos de poder Nos últimos tempos, os grupos corporativos passaram a ter uma presença mais frequente e forte no Parlamento. As bancadas corporativas - agronegócio, serviços especializados, setor financeiro, construção civil, mobilidade urbana, entre outros - expandiram sua ação, com projetos, emendas de projetos, etc. Significa a ação social organizada, ou seja, novos polos de poder. As Federações de Indústria perdem força, a ponto de ensejar a ideia de criação de uma grande Central empresarial no país, nos moldes da Kendaren, no Japão. Lava Jato Fato: a Lava Jato perde força na esteira dos vazamentos contendo a interlocução entre procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro. Fato: o procurador Dellagnol tem apoios, de um lado, e adversários, de outro. O Supremo está de olho nele. O CNMP reabriu um recurso interposto contra ele. Fato: Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, perde prestígio junto ao presidente, que quer vê-lo sem muita força política. Afinal, ele poderá ser candidato em 2022 à presidência. Fato: se Lula for condenado pela 2ª instância no caso do sítio de Atibaia, ainda poderá contar com eventual decisão do STF a respeito da "combinação" de posturas entre Moro e Dellagnol para julgá-lo. Dúvida: será que o STF se pronunciará, mais cedo ou mais tarde, sobre o caso "Moro e Dellagnol?" Toffoli e o golpe Até o momento, não há explicações convincentes a respeito de um "golpe", que envolveria políticos, empresariado e Forças Armadas, com vistas ao impedimento do presidente Jair Bolsonaro. A surpreendente entrevista do presidente do STF à revista Veja provocou surpresa em alguns importantes interlocutores, dentre eles, ministros e generais. Dias Toffoli teria "administrado/acalmado" as partes em abril/maio passado. P.S. O presidente Bolsonaro não deu nenhuma atenção a este affaire (?). A crise nos Estados A crise nos Estados abarca toda a coleção de governadores. Não escapará nenhum. Por isso, eventuais candidaturas em 2022 saindo dessa trincheira terão muitos obstáculos a transpor. Estados quebrados, populações sofridas, climas negativos. A crise nos municípios Com exceção de muito poucos, os prefeitos terão pouco a comemorar nos próximos tempos. A reeleição para eles é algo muito distante. O munícipe está cheio de promessas não cumpridas. A indignação impera. Três coisas para cativar No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea". O que é tática? No futebol, quando o atacante joga a bola para trás, recuando-a para seu próprio campo de defesa, parece realizar um movimento covarde. Às vezes, é apupado. Muitos acham que a jogada não tem lógica. Mas essa bola recuada pode abrir espaços, deslocar o adversário, obrigá-lo a avançar de maneira descuidada e abrir a defesa. Pois bem, tal manobra pode gerar uma sequência de ações que culminarão com um gol. Essa é uma operação inteligente. O gol é a meta, que é alcançada por jogadas intermediárias. A tática é ferramenta de vitória. 10 linguagens dos próximos tempos 1. A linguagem da afirmação. 2. A linguagem da factibilidade/credibilidade. 3. A linguagem das pequenas coisas. 4. A linguagem da participação - o NÓS versus o EU. 5. A linguagem da verificação - exemplificação - como fazer. 6. A linguagem da coerência. 7. A linguagem da transparência. 8. A linguagem da simplificação. 9. A linguagem das causas sociais - abrigando as demandas do eleitorado. 10. A linguagem da tempestividade - instantaneidade/proximidade. (Adaptado do meu livro Tratado de Comunicação Organizacional e Política)
quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Porandubas nº 631

Abro a coluna com a sagacidade mineira. Quer ir à lua? Meu apoio Um correligionário da raposa mineira José Maria Alkmin fica meio "lelé da cuca" e surge, sem eira nem beira, no gabinete do ministro, ainda no Rio de Janeiro. Vai pedir inusitada colaboração. - Dr. Zé Maria, eu quero ir à lua e preciso da ajuda do senhor, diz o visitante. - Isto não é problema, diz Alkmin, dando asas à imaginação do conterrâneo. Dou-lhe o apoio, de ministro e correligionário. Existe um pequeno e contornável problema, que é de definição, e só depende do amigo. E Alkmin continua: - Você sabe que há quatro luas: nova, crescente, minguante e cheia. Agora, compete a você escolher qual das luas o nobre amigo deseja visitar, pois o apoio está dado. Diante de um atônito conterrâneo, o ministro levanta-se da poltrona, estende a mão para a despedida e afirma, olhando no fundo dos olhos do eleitor: - Me procure, novamente, quando definir! Mês do cachorro louco Primeira semana de agosto, visto como problemático, também conhecido como "mês do cachorro louco". Getúlio suicidou-se, em 1954, Jânio renunciou em 1961, Juscelino morreu num acidente na via Dutra, em 1976, Collor pediu ao povo para sair às ruas com as cores da bandeira, Eduardo Campos morreu em acidente aéreo em Santos. Tudo em agosto. Também em agosto setores radicais tentaram impedir a posse de Jango. Agosto é um mês de receios. Com o término do recesso, teremos a votação do segundo turno da reforma da Previdência. O esforço é para aprová-la ainda esta semana, com votação de medida para sustar as oito sessões necessárias para que possa ser colocada em plenário. Depois teremos o início do debate sobre ela no Senado. Mas os congressistas voltam a Brasília desconfiados da figura do presidente. Medindo distância Nas últimas semanas, o destempero presidencial subiu ao pico da montanha. Os deputados e senadores começam a criar uma linha divisória entre eles e o capitão, que garantiu não mudar de índole, logo, o verbo ácido deve se expandir. Os congressistas tomarão alguma decisão drástica, como maior desidratação da reforma da Previdência? Não. Darão ainda apoio ao governo, porque veem a caneta do presidente cheia de tinta. E ele parece ser duro nas posições. Não cederá às ameaças. Mas algum recado será dado. Há nomes para serem indicados para o COAF e agências reguladoras. Há demandas de policiais na Previdência. Questões que os líderes do governo não conseguem resolver. Maia e Alcolumbre A chave do grande portão está com Rodrigo Maia. As coisas só passam pelo crivo da Câmara sob sua égide. A seguir, será a vez de Alcolumbre, no Senado, que deve ter demandas, inclusive na indicação de nomes para órgãos governamentais. Ele já sinalizou ao presidente na direção do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Bolsonaro estaria propenso a afagar o presidente do Senado. Na verdade, quem deve dar as coordenadas no tocante aos próximos passos é o ministro Paulo Guedes, o maestro da orquestra econômica. Ele e os dois presidentes do Legislativo estão acertando os passos. E se esforçam para que as pautas não sejam contaminadas pela expressão tosca e radical do presidente. Torcem para que ele se mantenha a verborragia na área dos costumes, não em matéria econômica. A imagem do Brasil I Nos últimos tempos, a imagem do Brasil no mundo desceu alguns andares do edifício da respeitabilidade. O gesto de escanteio de Bolsonaro ao chanceler francês, possivelmente por este ter se reunido com ONGs ambientalistas, repercutiu no mundo. E até ganhou um chiste do próprio ministro francês: "deve ter havido alguma emergência capilar. Eu não tenho esse problema". A imagem do Brasil II No horário que deveria receber o chanceler careca (sem problema capilar), Bolsonaro preferiu cortar o cabelo. No meio da tarde. Os dados do INPE e a demissão de seu diretor contribuíram para um bombardeio midiático mundial contra o Brasil. O "Brasil pode salvar ou destruir a Amazônia", escreveu a revista The Economist em reportagem de capa. Que completou: "o mundo deveria deixar claro que não tolerará seu vandalismo". É fato: o presidente que se vê e se ouve é o mesmo de ontem, como deputado Federal. Como ele diz, não mudou. Alinhamento incondicional O alinhamento incondicional - como parece - do Brasil aos EUA está sendo observado com muita acuidade pelos governos europeus, a partir do governo francês, que ameaça parar o processo em torno do acordo entre os países do Mercosul e a UE. A desfeita com o chanceler foi a gota d'água. Não se descarta a possibilidade de países europeus fecharem as portas ao mercado brasileiro de carnes e aves sob o argumento de que os rebanhos são criados em áreas devastadas do país. No contraponto, Trump promete incrementar o acordo comercial com o Brasil. Urge esperar para saber qual será a contrapartida. O Brasil, convém lembrar, poderia se beneficiar da restrição ao mercado chinês, com as sobretarifas que o presidente norte-americano está impondo a um grande número de produtos chineses. O cálculo tarifário chega a US$ 300 bilhões. Governos nordestinos O Nordeste tem mais de 50 milhões de habitantes e cerca de 40 milhões de eleitores. E é ainda a região com maiores índices de pobreza. É governada por seis mandatários de partidos de oposição: quatro do PT (Bahia, Ceará, Piauí e RN), dois do PSB (Paraíba e Pernambuco), enquanto o governador de AL, Renan Filho, mesmo sendo do MDB, se posta na posição do pai, Renan Calheiros, ou seja, com forte restrição ao presidente. Os governadores acabam de formar o "Consórcio Nordeste: o Brasil que cresce unido", forma de retrucar o presidente, que teria se referido a eles como "governadores paraíba". O fato é que o NE pode expandir o oposicionismo ao governo do capitão se a economia não melhorar o bolso da população. P.S. O presidente acusa a maioria dos governadores do NE de torcer pelo divisionismo. O Judiciário na mira A imagem do Poder Judiciário já esteve no alto da montanha, nos tempos em que o bordão era repetido em todos os quadrantes: "juiz só fala nos autos". Mas a Constituição de 88 abriu o universo da locução: o país ganhou expressões de praticamente todos os setores. E o juiz passou a falar dentro e fora dos autos. A partir da instância máxima, o Supremo Tribunal Federal. Ademais, essa expressão passou a ser rotineira na esteira da visibilidade ganha pelas Cortes com a TV Justiça. O país entrou em ebulição política. O vácuo e a judicialização O STF abriu espaço com forte inserção no campo da política, sob o argumento de que temas polêmicos lá chegavam em demandas feitas por partidos e outras instituições. No vácuo criado pela ausência de legislação infraconstitucional, o STF passou a preenchê-lo. Formou-se a ideia de "judicialização da política". Do pico da montanha, a imagem do Judiciário desceu muitos níveis, abrindo intensa polêmica. Jogo combinado? Nos últimos tempos, as manifestações dos agentes da operação do Direito - juízes, procuradores, promotores, advogados - se intensificaram. Não há um dia sequer que a imprensa não registre uma declaração de um operador do Direito. E as tensões se expandiram com a operação Lava Jato, particularmente a partir das interlocuções gravadas por hackers entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dellagnol. Manifestações que ganharam apoio ou repulsa por parte de autoridades das frentes institucionais. No fundo, a suspeição: teria ocorrido um jogo combinado entre juiz e procurador. A imagem do Judiciário recebeu respingos de lama. Visão política Ademais, recai sobre alguns membros da Corte maior a suspeição de que fazem parte de grupos simpatizantes a partidos ou suas lideranças. Portanto, certos julgamentos estariam marcados com o selo político. E essa suspeição também contribui para o rebaixamento da imagem das Cortes. O fato é que o Brasil político, que ganha densidade a partir de 88, puxa a imagem do Judiciário para baixo. A proibição É fato. A Lei Orgânica da Magistratura diz que ao magistrado é vedado "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais", art. 36, III. Já a CF de 88 veda ao magistrado "dedicar-se à atividade político-partidária", art. 95, parágrafo único, inciso III". Ou seja, o julgador deve desvincular-se dessa atividade, porque pode atrapalhar sua função principal, além de diminuir seu conceito junto ao jurisdicionado. Mas...E a cidadania? Mas o velho Aristóteles ensinava que o cidadão tem o dever de exercer seu direito de servir à polis. Como cidadão, tem mais que direitos. Tem o dever de fazer o bem à sociedade em que vive. Portanto, nessa lição embute-se sua condição de se manifestar como cidadão sobre assuntos de relevância social. O cuidado é para evitar que se pronuncie sobre temas que estão a esperar por uma decisão sua. O Legislativo O Poder Legislativo, por sua vez, acresce alguns pontinhos em sua imagem. Os políticos estão no fundo de poço em matéria de imagem. Nos últimos tempos, porém, levados a decidir sobre temas de vital importância, alguns originados no Executivo, passaram a decidir de modo mais independente. Começam a resgatar as funções legislativas e a mudar a imagem de Poder que apenas convalida as matérias vindas do Palácio do Planalto. Rodrigo Maia tem sido condutor dessa nova jornada do Legislativo. Classes médias De Rakesh Kochhar, pesquisador sênior do Pew Research Center, em Washington: "Os países asiáticos, sobretudo a China, estão tirando rapidamente milhões de pessoas da pobreza extrema e, ao contrário do que ocorre no Ocidente, têm ampliado suas classes médias. Quais as perspectivas futuras desse processo? Consideramos a distribuição das pessoas em cinco grupos. Começamos no nível de pobreza e vamos para os grupos de baixa renda, renda média, renda média alta e renda alta. A renda média engloba pessoas que ganham entre US$ 10 a US$ 20 ao dia. Globalmente, o número de pessoas com essa faixa de rendimentos médios dobrou a partir de 2000. Grande parte desse crescimento veio apenas da China, responsável por mais da metade desse aumento". No Brasil Brasil é o segundo pior em mobilidade social em ranking de 30 países. Nos países que fazem parte da OCDE, mais de um em cada cinco lares de classe média gasta mais do que ganha, o que gera um risco altíssimo de endividamento excessivo. Esse nível varia de 10% em países como a Estônia e a Polônia a mais de 50% no Chile e na Grécia. No Brasil, o índice chega a 27 % dos lares de classe média. Quase 40% dos lares de classe média em 18 países europeus da OCDE estão financeiramente vulneráveis - índice que varia de 12% na Noruega a 70% na Grécia. E metade dos lares nesses países tem dificuldade em pagar suas despesas recorrentes. Razões O economista Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV, explica que há mais um fator-chave para esse endividamento, especialmente no Brasil. "Com mais dificuldade de acesso a renda, as pessoas acabam recorrendo ao mercado de crédito. E quando deixam de pagar, a inadimplência aumenta o endividamento. Muitos lares acabam comprometendo uma parcela significativa da renda para pagar juros." Isso acaba tendo um efeito de desaceleração do consumo e da economia, o que faz com que a renda cresça menos ainda e gera um círculo vicioso. Pedra no meio da lagoa As classes médias podem ser comparadas à pedra jogada no meio da lagoa, formando marolas que, em círculos concêntricos, correm até as margens. Classes médias raivosas e com perda de poder financeiro influenciam as margens. E lideram o índice de satisfação/insatisfação. Ameaça aos governantes. Se a economia melhorar, as classes médias formarão ondas de satisfação, que correrão para baixo e para cima da pirâmide.