Mata o bicho, sô
Lembrança do monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, que fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma pequena barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão:
- Mata o bicho...
O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia:
- Mata o bicho, sô!
Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fieis que lotam a capela, ele pega a garrafinha e, num gole só, sorve todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada.
(Do livro de Zé Abelha, A Mineirice).
Tensão no STF
Tudo bem. Que Marco Aurélio é um juiz polêmico, é sabido. O ministro já é o decano da Corte. Da turma designada como "garantista", aqueles que apreciam gritar: "Cumpro a lei. Se a lei está errada, mude-se a lei". O problema é o clamor popular. Conceder um habeas corpus a uma pessoa considerada de alta periculosidade vai contra o bom senso ou, se quiserem, contra outra "lei", esta centrada na vontade popular: Vox populi, Vox Dei. O presidente da mais alta Corte derrubou a decisão de Marco Aurélio e vai levar a decisão ao plenário. Deve fazer maioria. Os "consequencialistas" somam mais ministros.
Que convívio, hein?
O que chama a atenção nesse affaire é a indisposição de um ministro para com outro. Há um plus de vaidades, brios feridos, algo como - sou melhor do que você; ou ainda - cale a boca, quem é dono da flauta dá o tom. Pasmem. Como um corpo de 11 ministros, convivendo anos a fio, um ao lado do outro, conhecendo as têmperas, índoles e cacoetes mentais dos pares, ainda abre querelas em seu dia a dia? Não há amizade ou mesmo respeito que faça sucumbir qualquer tentativa de agressão pela palavra? Pois o que se lê e se ouve é algo como "esse ministro é caçador com ç". Verve maligna? Depois, Suas Excelências brindam no cafezinho. A vida institucional é mesmo um teatro.
"Terrivelmente evangélico"
Após a nomeação do Kassio (com K), que tende a ser mais garantista do que consequencialista, deve ser nomeado em 2021, segundo promessa repetida pelo presidente Jair, um ministro "terrrivelmente evangélico", que assumirá o lugar do ministro Marco Aurélio. E assim, o STF, em 2021, após 192 anos de fundação, inaugurará seu ciclo religioso, com o aval explícito da mais alta autoridade da República. As seitas afro-brasileiras têm esperança que sua vez chegará, momento em que as sessões plenárias poderão ser abrilhantadas por um remelexo de candomblé ketu, do rito nagô.
O bumbo é fraco
Começou na TV e no rádio o malfadado exercício de promessas mirabolantes, gestos tresloucados e baboseiras. Candidatos a prefeito e vereador batem no bumbo eleitoral, mas os ouvidos de eleitoras e eleitores, treinados na arte da milonga - mexerico, dengue, manha, desculpa esfarrapada - estão bem mais seletivos do que em pleitos anteriores. Nem os tradicionais trejeitos para chamar a atenção da audiência geram graça. Gargalhada com alguma presepada pode ainda ocorrer, quando a extravagância extrapola limites. Mas o povo quer mesmo é que muitos candidatos se lixem.
Os números
Vamos aos números. Cerca de 540 mil serão candidatos a cargos de vereador, vice-prefeito e prefeito. Com 44.158 candidatos, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é o partido com mais candidatos. A seguir, vem o Partido Social Democrático (PSD), que inscreveu 38.975 candidatos no TSE, e pelo Partido Progressista (PP), que tem 37.745 candidatos.
Quem cresceu e baixou
Em comparação com quatro anos atrás, porém, o MDB teve uma pequena queda de 0,74% em seus candidatos. Já PSD e PP aumentaram em mais de 30% seus números de candidatos. Enquanto o primeiro inscreveu 32,4% mais filiados (foram 29.421 em 2016), a legenda presidida pelo senador Ciro Nogueira (PI) aumentou em 34,6% (foram 28.031 há quatro anos).
Destaques
O Novo é o partido com o maior aumento percentual de candidaturas. O crescimento de seus indicados aos cargos públicos foi de 330,56% - passou de 144 para 620 candidatos. Destacam-se também o Podemos (Pode), que terá aumento de 104,99%, e o Partido Social Liberal (PSL), que cresceu 105,8%. Os dois partidos, aliás, estão entre os que mais cresceram em números absolutos. O PSL lidera neste quesito, com 11.139 candidatos a mais neste ano (de 10.528 para 21.667), seguido pelo Democratas (DEM), com 10.583 inscritos a mais (de 21.953 para 32.536), e o Pode, que aumentou em 10.280 postulantes (de 9.791 para 20.071). Já o Partido Comunista Brasileiro (PCB) passa de 243 inscritos em 2016 para 75 em 2020 (diminuição de 69,14%). Mas é o Partido Verde (PV) que registra a maior redução, com 5.089 candidatos a menos que há quatro anos - em 2020 são 11.866 inscritos.
Grana
Cerca de 53 mil candidatos registraram no TSE patrimônio com dinheiro em espécie, em reais e moedas estrangeiras. Valor supera a poupança e só é menor que o aplicado em renda fixa. Candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador declararam ter R$ 1,3 bilhão em dinheiro em espécie ao TSE nas eleições de 2020. O valor é 23% inferior ao R$ 1,7 bilhão registrado nas últimas eleições municipais em 2016.
Em São Paulo
Não é intenção deste analista político avaliar a performance dos candidatos no maior reduto eleitoral do país, São Paulo, capital. Apenas um breve retoque sobre o que se vê nos primeiros dias. A campanha com mais tempo, a de Bruno Covas, tem condições de enxertar falas de populares. Coisa que tem dado certo. A estampa do candidato é limpa, fala clara, parecendo bem de saúde, após a luta contra o câncer. Celso Russomano, o líder nas pesquisas, falando de um púlpito, corpo inteiro, parece querer uma analogia com os pastores evangélicos. Algo como um "populismo evangélico", tentando "laçar" os contingentes do meio da pirâmide para baixo.
Outros
Na Campanha de Boulos, Erundina, a tiazona que tem muito prestígio nas margens da metrópole que já governou, circula numa paisagem em preto e branco, abrindo alas para um candidato que diz ter abandonado uma vida de conforto para morar na periferia. Impressiona. Marcio França aparece bem, sem novidades. Arthur do Val, o "Mamãe Falei", tenta mobilizar o antipetismo e lidera nas redes sociais. Joice Hasselmann, magra, bonita, parece querer semelhança com a atriz Uma Thurman em Kill Bill, filme de 2003.
Sem apelo
Campanhas sem apelo. Eleitorado medroso. O senhor Convídio das Mortes espreita o processo eleitoral. Abstenção, votos nulo e branco ultrapassando a casa dos 30%. Até parece com a campanha de "Seu Lunga" (lembram-se dele?) a vereador em tempos idos.
O véio Lunga
No cordel de Luiz Alves da Silva
"Seu Lunga foi candidatoPara ser vereadorLá nos comícios falavaIgualmente a um doutorAlegrando os da cidadeE até os do interior
Porém os retratos dele,Consigo mesmo guardavaPorque via que os dos outrosO povo sempre rasgavaE pra não rasgarem os deleA quem pedia não dava".
Santinho tem lugar certo: lixo da rua.
2º turno
Observação a se comprovar. Se a diferença entre os dois principais candidatos em cidades acima de 200 mil eleitores (cerca de 95) for muito pequena, a máquina administrativa tende a favorecer candidatos à reeleição. Isso em tempos normais. Na atual campanha, o sentimento por mudança pode contrariar a velha hipótese.
Novas eleições?
O impeachment do governador de Santa Catarina pode abrir o caminho para novas eleições diretas no Estado. A conferir.
Marketing segmentado
O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Na atual campanha, o marketing segmentado acaba assumindo maior importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. E na indignação contra as velhas promessas.
Inflação e câmbio
Segundo o relatório Focus, do Banco Central, o mercado espera contração de 5,03% do PIB deste ano (ante 5,02% na leitura anterior) e crescimento de 3,5% no próximo ano. Em relação ao IPCA, a mediana das projeções para 2020 subiu de 2,12% para 2,47%, enquanto que para 2021, passou de 3,00% para 3,02%. Para a taxa de câmbio, a mediana das expectativas para o final deste ano subiu de R$/US$ 5,25 para R$/US$ 5,30 e, para o ano que vem, de R$/US$ 5,00 para R$/US$ 5,10. Por fim, a mediana das projeções para a taxa Selic permaneceu em 2,0% para o final de 2020 e, para o final de 2021, foi mantida em 2,5%.
Fecho a coluna com Goiás.
Nada mudou
Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil:
- No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados.
O coronel Miguel suspirou:
- Então não mudou nada.