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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Porandubas nº 690

Abro a coluna com o Ceará das boas histórias. Está distituído O major José Ferreira, cearense dos bons, amigo do padre Cícero, é quem relata: "Há muito matuto inteligente e sagaz, mas também há muito sujeito burro que, se a gente amarrar as mãos dele pra trás das costas, não sabe mais qual é o braço direito nem o esquerdo... Eu também conheço matuto que, abrindo a boca, já sabe: ou entra mosca ou sai besteira." O major continua a conversa: "Quando foi criado o município de Missão Velha, a escolha do primeiro intendente recaiu num velho honrado, benquisto e prestigioso, mas muitíssimo ignorante. Cabia-lhe o encargo de declarar instituído o município. Um dos "língua" do lugar seria o orador oficial. Ele, o chefe do Executivo municipal, deveria dizer simplesmente: "Está instituído o município de Missão Velha!". Levou quinze dias decorando a frase, e, na ocasião da solenidade, exclamou: "Está DISTITUÍDO o município de Missão Veia." A eleição bomba No momento em que escrevemos esta coluna, o clima de fim de mundo toma conta dos EUA. Biden ou Trump? Já se disse praticamente tudo a respeito dos efeitos da vitória de um ou outro sobre o conjunto das nações e sobre a democracia. Trump, populista e demagogo, em defesa de teses conservadoras. Biden, veterano da política e comprometido com os eixos da democracia. As circunstâncias cercam esta eleição, principalmente a gestão da pandemia e os tristes eventos envolvendo a comunidade negra, culminando com a morte de afrodescendentes. A nossa democracia A observação é unânime na pauta dos analistas: a vitória de Biden deixará o Brasil isolado da comunidade mundial; a vitória de Trump garante fôlego ao país e animará as bases bolsonaristas na caminhada até outubro de 2022. Bolsonaro fará o que estiver a seu alcance para continuar no assento presidencial, mesmo sob a teia de problemas que fechará muitas portas de seu governo: a questão da economia, o meio ambiente, os generais sob puxão de orelhas, a administração da vacina contra a Covid-19, as relações comerciais, o fechamento de fronteiras ao Brasil. Trafalgar errou? Perdeu ou ganhou? Ontem, li que, ao contrário dos institutos americanos, a consultoria Trafalgar Group prevê vitória de Donald Trump contra o democrata Joe Biden na eleição desta semana. A empresa é conhecida por divulgar pesquisas mais amigáveis aos republicanos. Em seu site, o Trafalgar afirma que teria acertado o sucesso de Trump nas eleições de 2016. Em favor do Trafalgar, há previsões realizadas em 7 de novembro no Twitter, um dia antes da eleição de 2016. Nelas, a empresa apontou vantagem de Trump sobre Hillary em Michigan e na Pensilvânia, onde a maioria dos institutos errou. Agora, mais uma vez, a consultoria calcula que o republicano está na frente de Biden nesses Estados, com margem de 48,3%-45,8% e 47,8%-45,9%, respectivamente. Centrão disperso Não será fácil para o governo conseguir formar uma base uníssona, firme, capaz de lhe dar todo conforto no que concerne a projetos de interesse do Palácio do Planalto. A esfera política se assemelha a uma peneira. Há muitos furos onde pode vazar água, apoio. Ademais os dados da economia refletirão o estágio do planeta em matéria de recuperação do sistema econômico, fragilizado com a pandemia. Teremos sinais de melhoria para mais adiante, mesmo que as atividades rotineiras do comércio, da indústria e dos serviços sejam retomadas. O país estará na corda bamba, entre o risco da gastança, com a quebra do teto de gastos, em atendimento à política, e o desafio de garantir acesso limitado aos cofres do Tesouro. O Centrão nunca será uma unidade. A bola na meia-esquerda Os exercícios futuristas no campo da política indicam que a bola tem condições de correr em três direções: 1) no meio, quando os jogadores taticamente jogarem a pelota para um centroavante de muito fôlego correr sem ser derrubado até o gol; 2) pela direita, sob o clima intensamente favorável ao governo Bolsonaro, com a economia dando saldos positivos e o povo de bolso suprido. O problema é saber se o presidente, candidato à reeleição, terá a habilidade de Garrincha, capaz de driblar os melhores zagueiros do mundo; 3) a bola pode ser conduzida por um meia-esquerda, um craque capaz de sair de seu espaço, correr também pelo centro, pela esquerda e até pela direita. Claro, se tiver a habilidade de Pelé. Extrema-esquerda? Nunca Sob qualquer cenário, inclusive uma paisagem desoladora, não se deve apostar em bola correndo pela ponta esquerda, quase pelas bordas do campo. A ponta esquerda fará papel de coadjuvante, jogando a pelota para a grande área para seus pares aproveitarem a cabeçada. Que os comentaristas esportivos usem suas expressões mais certeiras para abrir os espaços do campo e definir melhor os goleadores da disputa de 2022. Mourão O vice-presidente, general da reserva, Hamilton Mourão, tem firmeza na fala. Disse alto e bom som que se a vacina da China for aprovada pela Anvisa, o Brasil irá adquiri-la. Bolsonaro já havia dito que essa vacina não será comprada pelo governo. O destempero deixa o presidente no corner do ringue. Mourão exprimiu bom senso. P.S. Se Jair descartá-lo como candidato a vice, o general poderá se candidatar ao Senado. E dará tempo a escolher um Estado mais viável que o RJ. A conferir. Neutro Aliás, o vice-presidente diz que se as eleições presidenciais nos Estados Unidos terminarem em conflito, o Brasil deve adotar posição "neutra". Arremata: "Não temos nada a ver com as questões internas americanas. Isso é princípio constitucional nosso. A gente não admite ingerência nos nossos assuntos internos e também não fazemos nos assuntos internos dos outros". Lira tem chances? Por mais que tenha nas mãos a alavanca do Centrão, é complexa a tarefa de Arthur Lira de ganhar o comando da Câmara. O Centrão deve encontrar dificuldades em atrair o apoio de grandes legendas para a candidatura do líder do PP. Baleia Rossi, presidente do MDB, é uma opção que cresce na preferência de algumas siglas. E contaria com o apoio do presidente Rodrigo Maia. Base municipal A base de lançamento dos foguetes presidenciais será construída até o fim deste mês, quando teremos o segundo turno do pleito municipal. Ao que se sabe, a essa altura, é que o bolsonarismo não terá grande performance nas capitais e grandes cidades. O presidente, depois de analisar o quadro dos resultados, escolherá a sigla que o abrigará para o pleito de 2022. Nem todas as grandes siglas se oferecem para recebê-lo, ao contrário do que se ouve aqui e ali. São Paulo A campanha na capital paulista continua morna. Bruno Covas garante seu lugar no 2º turno. Contra quem? Russomano, como prevíamos, tem dificuldades de manter sua posição. A colagem em Bolsonaro não dá certo por aqui e, em muitos casos, por ali. Surpreende o crescimento de Boulos. Márcio França quer se esforçar para ser a terceira via, quebrando a polarização. Está difícil. TV ou redes? Quem está conseguindo ser mais influente na campanha? TV, rádio ou redes sociais? Tem analista apostando muito na TV e no rádio. Nesta eleição, não vejo tanta influência. Tudo está com cara de coisa já vista. As redes sociais criaram muita expectativa. Mas têm exercido pouca influência. São mais veículos de manutenção do ânimo de bases e simpatizantes. Não agregam votos novos. Violência aumentou Até o momento, 15 candidatos foram assassinados no país desde o dia 17 de setembro, primeiro dia após o fim das convenções. Foram mortos 14 candidatos a vereador e um candidato a prefeito em cidades de interior em 12 Estados, o que significa uma média de assassinato ligado à eleição a cada três dias. Registraram-se no mesmo período ao menos 19 tentativas de assassinato de candidatos com armas de fogo. Fecho a coluna com um pouco de humor. Einstein Certa vez, Einstein recebeu uma carta da Miss New Orleans onde dizia a ele: "Prof. Einstein, gostaria de ter um filho com o senhor. A minha justificativa se baseia no fato de que eu, como modelo de beleza, teria um filho com o senhor e, certamente, o garoto teria a minha beleza e a sua inteligência". Einstein respondeu: "Querida miss New Orleans, o meu receio é que o nosso filho tenha a sua inteligência e a minha beleza". Conselho para a Miss José Américo de Almeida, autor de A Bagaceira, político paraibano e um dos maiores tribunos brasileiros. Uma historinha com ele. Margarida Vasconcelos, eleita Miss Paraíba, foi visitar o velho José Américo no casarão avarandado da praia de Tambaú, em João Pessoa. Chegou falando muito, falando demais, maltratando o português e as ideias. Queria conselhos: - Doutor José Américo, o que o senhor me recomenda para eu representar bem o Estado no concurso de Miss Brasil, lá no Rio? - Minha filha, você quer mesmo um conselho? Então fale o menos possível. E, se puder, não abra a boca.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Porandubas nº 689

Abro a coluna com a Paraíba. Aloísio Campos foi candidato a senador três vezes e três vezes foi derrotado por Ruy Carneiro. Em 66, o governador João Agripino encarregou Ivan Machado e Osvaldo Trigueiro do Vale de coordenarem a campanha de Aloísio na capital. Já no fim, planejaram uma grande concentração popular no bairro da Torre, onde o candidato faria o pronunciamento final. Ivan e Osvaldo desdobraram-se. No dia, nove da noite, João Agripino e Aloísio dirigiram-se para o bairro da Torre. Uma decepção. Palanque, luzes, escola de samba, tudo lá, mas povo quase nenhum. Aloísio mandou chamar Osvaldo: - Tudo bem, Osvaldo? - Tudo bem, senador. Tudo arrumado, como o senhor mandou. - Mas, e o povo, Osvaldo? - Ora, doutor, eu consegui escola de samba, armei o palanque, fiz iluminação, preparei a lista de oradores. Agora, se ainda tivesse de trazer o povo, o candidato era eu. Não houve comício. Nem voto para Aloísio. (Causo do grande contador de histórias Sebastião Nery) A mesma coisa "Plus ça change, plus c'est la meme chose". A expressão francesa é bastante conhecida: "quanto mais muda, mais é a mesma coisa". Com pequenas alterações, o que assistimos em matéria da campanha eleitoral em curso é um repeteco das coisas antigas: candidatos fazendo promessas, mostrando feitos, alguns tentando fisgar pelo chiste ou gestos toscos, outros disparando acusações indiretas a adversários. A pandemia nem parece que existe. Cenas de candidatos sem máscaras pipocam por todos os lados. E daqui a pouco, no dia 15, estaremos junto às urnas. O grande eleitor A Covid-19, tenho repetido, será uma grande eleitora. E no cabo de guerra formado em seu entorno, ela tende a favorecer aqueles candidatos reconhecidamente bem sucedidos na administração da pandemia. A recíproca é verdadeira. A polarização entre simpatizantes do bolsonarismo e seus contrários também estará entre os fatores determinantes do voto, principalmente nas metrópoles e grandes cidades. A vacina obrigatória O nosso estágio civilizatório será o pano de fundo do processo decisório. Que estágio temos nós? Racionalidade, de um lado, emoção, de outro, grupos raivosos, contingentes empobrecidos, classes médias que perderam parte de seus bens materiais, setores esclarecidos, intensa organicidade social, esquerda versus direta atuando em espaços da política e... até a questão da obrigatoriedade da vacina. É de arrepiar: vacina com a cor comunista, com a cor liberal, com a cor social-democrata etc. Meu Deus do céu: vacina não tem ideologia. 1 a cada 4 resiste Cecília Machado, na FSP de ontem, levanta o véu do problema. Escreve ela: "As vacinas contra a Covid-19 ainda estão em fase de testes, mas cresce a desconfiança com relação a elas. No Brasil, 1 a cada 4 brasileiros resiste à ideia de tomar a nova vacina, conta pesquisa do Ibope. Nos Estados Unidos, o problema é ainda mais sério: o percentual de adultos que tomaria a vacina caiu de 72% para 51% de maio a setembro deste ano, segundo pesquisa de opinião do PEW Research Center". A resistência Continua Cecília: "Se vacinas fossem 100% eficazes - ou seja, se quem fosse vacinado ficasse completamente imunizado- faria menos sentido se preocupar com a imunização dos outros. Como não são, importa quem deixa de tomar a vacina, pois estes continuam transmitindo, inclusive para quem foi vacinado. De forma semelhante, se fossem 100% seguras, haveria pouca preocupação em torná-las obrigatórias. Como não são, cabe espaço para decisões que ponderam riscos e retornos de forma individual". 200 experiências Há, hoje, cerca de 200 vacinas que estão testadas nos quadrantes do planeta. Ora, se uma, duas, dez ou vinte se mostrarem eficazes, seria o caso de descartá-las porque receberam insumos de países considerados socialistas, comunistas, esquerdistas? Galileu Galilei deve estar dando gargalhadas ante tal monstruosidade. 2ª onda A segunda onda da pandemia chegou na Europa. Os índices mostram que a virulência tem sido maior quanto ao número de contaminados, não quanto ao número de óbitos. STF em ação A medida de uma democracia contempla a estabilidade de seu sistema normativo. Democracias mais novas costumam abarcar tensões e atritos. E não adianta dizer que isso só mostra que as nossas instituições estão funcionando. Não é bem assim. Viver em estado permanente de tensões entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mostra que temos muito a caminhar na rota da institucionalização política. Parcela das arengas se arrasta sob a égide da Constituição de 88, plena de direitos e deveres, detalhista e ainda não totalmente desvendada, o que explica o acervo de questões que chegam ao STF. Por exemplo, a Corte vai decidir se tomar vacina contra uma perigosa epidemia é obrigação ou não do cidadão. Militares "abaixados" I Os recentes episódios envolvendo os generais Ramos e Pazuello, dois ministros de Estado, tendo o primeiro sido comandante do II Exército, empanaram a imagem da instituição militar. Ramos foi agraciado com a expressão nada elegante de um colega, que pediu a ele para deixar o estilo "maria-fofoca". Mesmo com as desculpas do ministro Salles, do Meio Ambiente, a patada pública no general Ramos deixa marcas fortes. Militares "abaixados" II Já Pazuello foi publicamente desautorizado pelo presidente a fazer qualquer negócio com a China. Claro, o negócio seria a aquisição da vacina que aquele país e o Instituto Butantã, em parceria, tentam produzir e oferecer ao mercado brasileiro em primeira mão. O Ministério da Saúde havia se comprometido de adquirir 40 milhões de doses. Ficou feio para o ministro da Saúde receber um puxão de orelhas sob o olhar perplexo de governadores e da própria sociedade. Por quê? Porque quem está liderando as tratativas com a China é o governador João Doria, eventual adversário de Bolsonaro em 2022. E os partidos, hein? O maior número de candidatos a vereador é do MDB, que junto ao DEM, ao PSDB e ao PSD tem condições de alcançar boa performance eleitoral. Dependendo dos resultados, os três grandes partidos deverão ser um pêndulo na formação partidária, ou seja, poderão formar uma frente com vistas a 2022. O Centrão pode se desorganizar se essa equação for elaborada. O fato é que a movimentação partidária será intensa. TV Globo em baixa? Ouve-se por todos os lados. O Grupo Globo atravessa uma fase das mais críticas de sua existência. A entrevista do grande ator Antônio Fagundes na revista Veja foi um duro recado: a TV Globo está perdendo seu patrimônio. A saída de atores e jornalistas para outras emissoras é frequente. Tem algo a ver com perdas de verbas publicitárias do governo Federal? Campanha eleitoral O que motiva o eleitor? Época de campanha, época de muitas perguntas, a partir de uma que é central: quais fatores influem no voto a um candidato? O primeiro é o bolso. Relaciona-se à luta pela sobrevivência e à necessidade do eleitor de garantir o bem-estar do estômago. Trata-se de um dos impulsos básicos do ser humano, que age principalmente em épocas de contenção, crise e desemprego. Quaisquer propostas para garantir o sustento de pessoas e famílias, quando feitas de maneira crível e objetiva, laçam o interesse das pessoas. Um bom emprego ou a perspectiva de melhorar de vida simbolizam o eixo desse discurso. Proximidade O segundo fator de interesse liga-se à região, ao município, ao bairro, à rua. Trata-se do fator proximidade, que, nos últimos tempos, tem despertado a intenção dos eleitores. O voto está ficando cada vez mais distritalizado, regionalizado. As pessoas querem ver melhoramentos nos espaços que as abrigam. Esses são fatores de natureza racional. Experiência O terceiro elemento está voltado para a experiência que o eleitor tem ou teve com o candidato. Trata-se, no caso, do conhecimento, que abriga, ainda, a tradição familiar, o grau de intimidade. É como o eleitor estivesse votando em alguém da família. Outro tipo de apelo, próximo ao anterior, relaciona-se às indicações feitas pelo grupo de referência do eleitor - seus próprios familiares, vizinhos, amigos e companheiros de trabalho. O grupo funciona como guarda-chuva do candidato. Inovações Outro conjunto diz respeito ao próprio candidato. A começar por sua história pessoal e profissional. Se tiver coisas a mostrar, ficha limpa, passado decente, ganha boa sinalização. Mas nada disso funciona, se o candidato não tiver visibilidade e não apresentar um programa inovador que venha bater no sistema de signos, interesses e vontades do eleitorado. Aspectos pessoais - formas de se vestir, falar, gesticular - chamam a atenção. A estética deve ser adequada às culturas regionais, não cabendo, no caso, exageros. Certos cuidados precisam ser tomados para que os perfis não provoquem imagens artificiais. As circunstâncias A onda das circunstâncias. Bons candidatos sempre recebem uma ajudazinha do clima dos momentos, formado por ventos que sopram a favor, e que o projetam como a pessoa que melhor cristaliza os sentimentos gerais e mais empatia provoca junto aos diversos grupos sociais. Combinar esses elementos requer uma química complexa. O caldo dos fatores de motivação de voto é uma ótima vitamina para candidatos anêmicos. O segundo turno Costuma-se dizer que o segundo turno é outra campanha. Não o é. Na verdade, trata-se da continuidade da primeira, observando-se essas características. O tempo de programa eleitoral será o mesmo, dando, assim, chances para uma comparação mais exaustiva e atenta entre perfis e programas. Os minutos que caberão aos dois candidatos serão suficientes para se ter uma avaliação mais completa dos ideários. É bem verdade que a semântica, a mensagem oral, o plano das ideias, deverão ser complementados pela estética da TV - na estratégia de embalar os perfis com celofane mais colorido.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Porandubas nº 688

Abro a coluna com o querido RN. O sabiá do senador Quando senador pelo Rio Grande do Norte, Agenor Maria (sindicalista rural, falecido em 1997), visitando o município de Grossos, foi interpelado pelo prefeito Raimundo Pereira. "Estamos precisando de uma escola para a comunidade de Pernambuquinho". De pronto, Agenor garantiu-lhe apoio à proposição. Semanas depois, um telegrama traz a boa-nova ao prefeito. "Escola está assegurada. Mande-me o croqui". Tomado pelo espírito de gratidão, Raimundo visita Agenor para agradecer o empenho, carregando uma gaiola à mão. Diante do senador, que estranha o acessório, Raimundo vai logo se explicando. "Eu não peguei um concriz como o senhor pediu, mas trouxe esse sabiá. O bichinho canta que é uma beleza"! (Historinha narrada em Só Rindo 2, de Carlos Santos) Eleição fria A campanha eleitoral segue com a temperatura de água fria. Pelo menos nesse maior conglomerado eleitoral, que é São Paulo, capital com os seus quase nove milhões de eleitores. Mesmo nos programetes eleitorais, os candidatos parecem cumprir pauta obrigatória. Um desfile de promessas antigas. Quem dispõe de mais tempo, como Bruno Covas, apela para o espaço do "povo fala", quando se veem eleitoras (es) fazendo seus agradecimentos pelo hospital A, B ou C. Quem tem pouco tempo, fica no sorriso. Tempo médio, como o de Russomano, apela mesmo para velhíssimos chavões: creche vai permitir que as mães arranjem trabalho fora de casa. Eleição quente Em algumas regiões, a campanha começa a ficar quente. Recolho informações do Nordeste, onde as comunidades do interior fazem festança todos os dias para seus candidatos, com carreatas, passeatas, encontros, aglomerações. Todos ao lado do eleitor mortífero, o sr. Cornavídio-19. Há até quem se agarra ao jogo de palavras, principalmente quem está nos lugares baixos nas pesquisas: darei uma coronhada nos meus adversários; podem esperar a virada. Ou seria a virusada? Vacina obrigatória Quer dizer que tomará a vacina quem quiser? Não será obrigatória, diz o presidente. Será obrigatória em São Paulo, diz o governador. O presidente se vale da Constituição para liberar o não uso. A especialista em Direito Médico, Mérces da Silva Nunes, diz não haver dúvidas sobre o tema. "O limite entre imposições estatais e a autonomia individual das famílias é a Constituição". Segundo ela, a Constituição Federal estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, a não ser em virtude da lei. Mas o ECA Mas a lei 8.069/90, "o Estatuto da Criança e do Adolescente", impõe aos seus responsáveis legais o dever de proteger a saúde desta população. Ela dispõe que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, levando em conta que a proteção é indispensável para evitar que essa população fique doente, em decorrência de doenças para as quais há vacinas comprovadamente seguras e eficazes. Obrigatoriedade Arremata a especialista Mérces: "O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes e impõe aos seus representantes legais o dever de proteger a saúde desta população, sob pena de responsabilidade". O parágrafo 1º do artigo 14, do ECA, dispõe que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. E a legislação assim determina porque a proteção das crianças e adolescentes é indispensável para evitar que essa população fique doente, em decorrência de doenças para as quais há vacinas comprovadamente seguras e eficazes e para impedir que essa mesma população não atue como agente propagador dessas doenças. Imunização O Programa Nacional de Imunização (Ministério da Saúde) dispõe sobre a vacinação infantil e estabelece que as vacinas já comecem a ser aplicadas ainda na maternidade, logo após o nascimento do bebê. Não é possível que o jogo político entre nessa questão pandêmica. O STF deveria, logo, estabelecer sua diretriz, sem esperar que a politicagem seja a bússola da pandemia. Doxa Os gregos foram os primeiros a defender de maneira intensa suas crenças, fé, ideias, opiniões. O termo Doxa, em grego , expressa o conceito. Pois bem, estamos vivenciando na Humanidade a Era da Opinião, das livres ideias. Cada qual defende seu ideário, suas crenças, mesmo que essas sejam invariavelmente jogadas no cesto da inverdade, das versões estapafúrdias, do invencionismo arraigado em radicalismos ideológicos. Daí a ressurreição do negacionismo, que políticos, autoridades e "falsos" profetas teimam em confirmar. A terra é plana e a Covid-19 é uma "gripezinha". E Galileu, hein? Lembrem-se de Galileu Galilei, condenado à prisão por defender a tese de Nicolau Copérnico de que a terra não ficava no centro do universo, e sim orbitava em torno do sol. Galileu foi obrigado a negar sua pregação e a viver confinado em prisão domiciliar. Até que, em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu os enganos cometidos pelo tribunal eclesiástico que condenou Galileu Galilei à prisão. Essa revisão de posicionamento, portanto, ocorreu 350 anos após a morte do cientista italiano. O negacionismo O boato é uma lebre. A verdade, uma tartaruga. E que nem sempre, mesmo andando devagar, chega ao destino. É sufocada pela mentira, pelas falsas crenças. Quanta gente continua a acreditar que a Covid-19 não carece de tantos cuidados; que o isolamento social não freia a pandemia. Olhem a segunda onda do vírus que se espalha pela Itália, França, Inglaterra. Nos EUA, a maior democracia do planeta, os negacionistas se multiplicam e morrem às pencas. O Trump de lá e o Bolsonaro daqui, e um bom número de seus assessores, foram pegos pelo bicho. E ainda há quem não acredite que o homem pisou na lua. É barra aguentar a carga de ignorância que fecha a mente dos radicais empedernidos. Lavanderia Do ex-doleiro Vinícius Claret, mais conhecido como Juca Bala, ex-sócio do doleiro Dario Messer: "O Brasil é a maior lavanderia de dinheiro do mundo. Enquanto não sair uma lei proibindo o pagamento de boletos por terceiros, a lavanderia vai continuar solta". Em suma, o Brasil é sui generis: mistura as características de paraíso fiscal com as intempéries de inferno tropical. P.S. Em tempo: paraíso fiscal possui regras extremamente flexíveis, que vão contra à aplicação das normas de Direito Internacional que coíbem crimes financeiros e combatem a evasão fiscal, sonegação de impostos e a lavagem de dinheiro. Já inferno tropical, deixo que cada um expresse seu conceito. Gregos e romanos O escritor Kenneth Minogue compara: "enquanto os gregos foram retóricos brilhantes, inovadores, os romanos foram agricultores, guerreiros sérios e prudentes, menos sujeitos que seus antecessores a se deixarem levar por uma ideia". Herdamos nosso ideário dos gregos, mas nossas práticas dos romanos... O vocabulário político dos gregos - democracia, tirania, polícia, a própria política - e o vocabulário cívico dos romanos - civilidade, cidadão, civilização. A lógica de Sócrates O filosofo Sócrates andava por Atenas pregando a lógica. Quando ouvia alguém falando, perguntava se realmente sabia o que estava dizendo. Certo dia, ouviu um eminente estadista, aproximou-se dele e indagou: - Perdoe-me a intromissão, mas o que vem a ser para o senhor a coragem? - Coragem é permanecermos no nosso posto em perigo - respondeu o orador. - Mas suponhamos que a boa estratégia exigisse a retirada? - replicou Sócrates. - Bem, isso é diferente. Está claro que, nesse caso, não haveria necessidade de permanecer no posto. - Então coragem não é permanecer no nosso posto, nem retirar, não é verdade? Pergunto, então, o que é coragem? O orador franzia a testa: - Confesso o meu embaraço. Creio que realmente não sei. - Eu tampouco - arrematou Sócrates - mas será que se trata de algo que difere do uso da cabeça, pura e simplesmente? Isto é, fazer o que seja razoável, independente do perigo? - Isso parece mais acertado- observou alguém entre o grupo. Sócrates finalizou: - Concordaremos, então, apenas para argumentar, é claro, pois é uma questão difícil, que a coragem se resume em sólido bom senso? A coragem é presença de espírito. E o oposto, nesse caso, seria a presença em tal intensidade que perturbaria a mente?
quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Porandubas nº 687

Mata o bicho, sô Lembrança do monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, que fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma pequena barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fieis que lotam a capela, ele pega a garrafinha e, num gole só, sorve todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice). Tensão no STF Tudo bem. Que Marco Aurélio é um juiz polêmico, é sabido. O ministro já é o decano da Corte. Da turma designada como "garantista", aqueles que apreciam gritar: "Cumpro a lei. Se a lei está errada, mude-se a lei". O problema é o clamor popular. Conceder um habeas corpus a uma pessoa considerada de alta periculosidade vai contra o bom senso ou, se quiserem, contra outra "lei", esta centrada na vontade popular: Vox populi, Vox Dei. O presidente da mais alta Corte derrubou a decisão de Marco Aurélio e vai levar a decisão ao plenário. Deve fazer maioria. Os "consequencialistas" somam mais ministros. Que convívio, hein? O que chama a atenção nesse affaire é a indisposição de um ministro para com outro. Há um plus de vaidades, brios feridos, algo como - sou melhor do que você; ou ainda - cale a boca, quem é dono da flauta dá o tom. Pasmem. Como um corpo de 11 ministros, convivendo anos a fio, um ao lado do outro, conhecendo as têmperas, índoles e cacoetes mentais dos pares, ainda abre querelas em seu dia a dia? Não há amizade ou mesmo respeito que faça sucumbir qualquer tentativa de agressão pela palavra? Pois o que se lê e se ouve é algo como "esse ministro é caçador com ç". Verve maligna? Depois, Suas Excelências brindam no cafezinho. A vida institucional é mesmo um teatro. "Terrivelmente evangélico" Após a nomeação do Kassio (com K), que tende a ser mais garantista do que consequencialista, deve ser nomeado em 2021, segundo promessa repetida pelo presidente Jair, um ministro "terrrivelmente evangélico", que assumirá o lugar do ministro Marco Aurélio. E assim, o STF, em 2021, após 192 anos de fundação, inaugurará seu ciclo religioso, com o aval explícito da mais alta autoridade da República. As seitas afro-brasileiras têm esperança que sua vez chegará, momento em que as sessões plenárias poderão ser abrilhantadas por um remelexo de candomblé ketu, do rito nagô. O bumbo é fraco Começou na TV e no rádio o malfadado exercício de promessas mirabolantes, gestos tresloucados e baboseiras. Candidatos a prefeito e vereador batem no bumbo eleitoral, mas os ouvidos de eleitoras e eleitores, treinados na arte da milonga - mexerico, dengue, manha, desculpa esfarrapada - estão bem mais seletivos do que em pleitos anteriores. Nem os tradicionais trejeitos para chamar a atenção da audiência geram graça. Gargalhada com alguma presepada pode ainda ocorrer, quando a extravagância extrapola limites. Mas o povo quer mesmo é que muitos candidatos se lixem. Os números Vamos aos números. Cerca de 540 mil serão candidatos a cargos de vereador, vice-prefeito e prefeito. Com 44.158 candidatos, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é o partido com mais candidatos. A seguir, vem o Partido Social Democrático (PSD), que inscreveu 38.975 candidatos no TSE, e pelo Partido Progressista (PP), que tem 37.745 candidatos. Quem cresceu e baixou Em comparação com quatro anos atrás, porém, o MDB teve uma pequena queda de 0,74% em seus candidatos. Já PSD e PP aumentaram em mais de 30% seus números de candidatos. Enquanto o primeiro inscreveu 32,4% mais filiados (foram 29.421 em 2016), a legenda presidida pelo senador Ciro Nogueira (PI) aumentou em 34,6% (foram 28.031 há quatro anos). Destaques O Novo é o partido com o maior aumento percentual de candidaturas. O crescimento de seus indicados aos cargos públicos foi de 330,56% - passou de 144 para 620 candidatos. Destacam-se também o Podemos (Pode), que terá aumento de 104,99%, e o Partido Social Liberal (PSL), que cresceu 105,8%. Os dois partidos, aliás, estão entre os que mais cresceram em números absolutos. O PSL lidera neste quesito, com 11.139 candidatos a mais neste ano (de 10.528 para 21.667), seguido pelo Democratas (DEM), com 10.583 inscritos a mais (de 21.953 para 32.536), e o Pode, que aumentou em 10.280 postulantes (de 9.791 para 20.071). Já o Partido Comunista Brasileiro (PCB) passa de 243 inscritos em 2016 para 75 em 2020 (diminuição de 69,14%). Mas é o Partido Verde (PV) que registra a maior redução, com 5.089 candidatos a menos que há quatro anos - em 2020 são 11.866 inscritos. Grana Cerca de 53 mil candidatos registraram no TSE patrimônio com dinheiro em espécie, em reais e moedas estrangeiras. Valor supera a poupança e só é menor que o aplicado em renda fixa. Candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador declararam ter R$ 1,3 bilhão em dinheiro em espécie ao TSE nas eleições de 2020. O valor é 23% inferior ao R$ 1,7 bilhão registrado nas últimas eleições municipais em 2016. Em São Paulo Não é intenção deste analista político avaliar a performance dos candidatos no maior reduto eleitoral do país, São Paulo, capital. Apenas um breve retoque sobre o que se vê nos primeiros dias. A campanha com mais tempo, a de Bruno Covas, tem condições de enxertar falas de populares. Coisa que tem dado certo. A estampa do candidato é limpa, fala clara, parecendo bem de saúde, após a luta contra o câncer. Celso Russomano, o líder nas pesquisas, falando de um púlpito, corpo inteiro, parece querer uma analogia com os pastores evangélicos. Algo como um "populismo evangélico", tentando "laçar" os contingentes do meio da pirâmide para baixo. Outros Na Campanha de Boulos, Erundina, a tiazona que tem muito prestígio nas margens da metrópole que já governou, circula numa paisagem em preto e branco, abrindo alas para um candidato que diz ter abandonado uma vida de conforto para morar na periferia. Impressiona. Marcio França aparece bem, sem novidades. Arthur do Val, o "Mamãe Falei", tenta mobilizar o antipetismo e lidera nas redes sociais. Joice Hasselmann, magra, bonita, parece querer semelhança com a atriz Uma Thurman em Kill Bill, filme de 2003. Sem apelo Campanhas sem apelo. Eleitorado medroso. O senhor Convídio das Mortes espreita o processo eleitoral. Abstenção, votos nulo e branco ultrapassando a casa dos 30%. Até parece com a campanha de "Seu Lunga" (lembram-se dele?) a vereador em tempos idos. O véio Lunga No cordel de Luiz Alves da Silva "Seu Lunga foi candidatoPara ser vereadorLá nos comícios falavaIgualmente a um doutorAlegrando os da cidadeE até os do interior Porém os retratos dele,Consigo mesmo guardavaPorque via que os dos outrosO povo sempre rasgavaE pra não rasgarem os deleA quem pedia não dava". Santinho tem lugar certo: lixo da rua. 2º turno Observação a se comprovar. Se a diferença entre os dois principais candidatos em cidades acima de 200 mil eleitores (cerca de 95) for muito pequena, a máquina administrativa tende a favorecer candidatos à reeleição. Isso em tempos normais. Na atual campanha, o sentimento por mudança pode contrariar a velha hipótese. Novas eleições? O impeachment do governador de Santa Catarina pode abrir o caminho para novas eleições diretas no Estado. A conferir. Marketing segmentado O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Na atual campanha, o marketing segmentado acaba assumindo maior importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. E na indignação contra as velhas promessas. Inflação e câmbio Segundo o relatório Focus, do Banco Central, o mercado espera contração de 5,03% do PIB deste ano (ante 5,02% na leitura anterior) e crescimento de 3,5% no próximo ano. Em relação ao IPCA, a mediana das projeções para 2020 subiu de 2,12% para 2,47%, enquanto que para 2021, passou de 3,00% para 3,02%. Para a taxa de câmbio, a mediana das expectativas para o final deste ano subiu de R$/US$ 5,25 para R$/US$ 5,30 e, para o ano que vem, de R$/US$ 5,00 para R$/US$ 5,10. Por fim, a mediana das projeções para a taxa Selic permaneceu em 2,0% para o final de 2020 e, para o final de 2021, foi mantida em 2,5%. Fecho a coluna com Goiás. Nada mudou Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil: - No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados. O coronel Miguel suspirou: - Então não mudou nada.
quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Porandubas nº 686

Abro a coluna com Arandu, São Paulo. Emprego pro prural Arandu, em São Paulo, começou sua história como pequeno povoado, no bairro do Barreiro, no município de Avaré. Em 1898, um pedaço de uma fazenda leiteira da região foi doado para a construção de uma capela. Elevado a distrito de Avaré/SP, em 1944 recebeu na ocasião a atual denominação. Em 1964, conquistou a emancipação política. No primeiro comício, os candidatos a prefeito exibiam seus verbos. Dentre eles, o matuto José Ferezin. Subiu ao palanque e mandou brasa: - "Povo de Arandu, vô botá água encanada, asfaltá as rua, iluminá as praça, dá mantimento nas escola...". Ao lado, um assessor cochichou: - "Zé, emprega o plural". O palanqueiro emendou: - "Vô dá emprego pro prural, pro pai do prural e pra mãe do prural, pois no meu governo não terá desemprego". (Historinha enviada por Marcio Assis) Panorama visto da ponte Da ponte entre a pandemia e os tempos tão esperados da pós-pandemia é possível distinguir traços do panorama: 1. Ela não irá embora, devendo dar as caras aqui e acolá, sem aviso prévio; 2. A Covid-19 deverá comparecer às urnas dentro da cabeça de eleitores medrosos, daí a previsão de que o índice de abstenção em 15 de novembro, junto aos nulos e brancos, deverá ultrapassar a casa dos 30%; 3. A campanha será nacionalizada nas capitais e grandes cidades, apesar do esforço de candidatos para deixá-la restrita aos espaços municipais; 4. O apoio de Bolsonaro a alguns candidatos será uma alavanca em rincões mais distantes, mas poderá se transformar um bumerangue (efeito contrário) em São Paulo, por exemplo. Tem mais pela frente. Nuvens cinzentas Ainda do meio da ponte da transição entre o Brasil pré e pós-eleição de novembro, são perceptíveis as nuvens cinzentas que baixam sobre alguns terrenos, como o da economia. A lei do teto deverá ser cumprida com muito esforço, após essa tentativa de reaproximação entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia. O presidente da Câmara chegou a pedir desculpas por ter sido grosseiro com Guedes. E este saiu do encontro confortado com as palavras e compromissos assumidos por Maia e Davi Alcolumbre. Vai se arrumar maneira de conseguir um dinheirão para o Renda Cidadã. Provavelmente da seara do Imposto de Renda. Mas os pedidos de "me dá um dinheiro aí" vão se multiplicar. E ofuscar a escalada de obras previstas. Dívidas de curto prazo chegam a R$ 1 trilhão. Debulhando a espiga Vejamos o que mostra a espiga de milho sobre o quadro eleitoral em São Paulo, o maior colégio do país. São Paulo sedia as maiores classes médias, os maiores grupamentos de profissionais liberais, os mais densos contingentes de trabalhadores, em suma, o mais contundente rolo compressor contra o status quo, e que contém: corrupção, maus serviços públicos, governantes desastrados, inércia e inação, etc. O pensamento racional do país se desenvolve com força em São Paulo. E o que as pesquisas dizem? O maior índice de rejeição em São Paulo é o de Bolsonaro, com 46%, sendo o segundo de João Doria, 39%. Ora, colar o nome de um ou outro candidato aos perfis rejeitados pode ser um bumerangue, fazendo efeito contrário. Rejeição A rejeição é uma das maiores barreiras enfrentadas pelos candidatos, que tendem a olhar apenas para os índices de intenção de voto. Russomano, com 24%, e Bruno Covas, com 18% na pesquisa Ibope estão no limite do empate técnico. Daí a necessidade de se fazer acurada leitura sobre a rejeição, os blocos que a fazem, a tendência de polarização, as maneiras como trabalhar a campanha para diminuir seus impactos. Urge lembrar, nesse momento, que as classes médias e os núcleos de profissionais liberais exercem extraordinária importância na moldura eleitoral - em um ambiente polarizado - por sua identidade de "pedra no meio do lago". Jogue-se uma pedra no meio da lagoa e as ondinhas correrão até às margens. Essa é a capacidade de classes médias de influenciar o voto das margens. Russomano e Covas Celso Russomano construiu a imagem de defensor do consumidor com seus programas de TV ao longo de três décadas. Mas não entra bem no sistema cognitivo do meio da pirâmide, que o identifica como perfil demagógico, de viés oportunista. Já seu vice, o ex-presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, poderá atenuar as bordas sujas da imagem russomânica. Bruno Covas tem o sobrenome do avô, Mário, cuja imagem é das melhores no campo dos valores. E enfrentou um câncer de maneira corajosa e até arrojada, merecendo o respeito da população. Mas não ganhou a lapidação do grande gestor, de um gerentão capaz de alavancar um forte programa de obras. Esses são alguns prós e contra dos dois candidatos que lideram a corrida municipal em SP. Trumpinando Esse presidente norte-americano, Donald Trump, é mesmo um fanfarrão. Recebeu a visita da Covid-19, mostrou medo, correu para um bom hospital, sob a assistência de médicos especialistas, tomou drogas fortes, recebeu doses de oxigênio, saiu no meio da sua "gripezinha" para um passeio em que acenou para simpatizantes, fechou os vidros do carro, com ameaça de contaminar os agentes secretos, recebeu alta e manda o recado: "não tenham medo desta Covid-19. Eu venci. Saiam às ruas". E deve usar a pandemia como arma contra Joe Biden. Pilantragem não tem só por aqui. Razão sobre emoção Se a razão vencer a emoção, Trump estará perdido. Mas as suas bases se mobilizam sob a corrente da emoção. Iguais às de Bolsonaro. O voto sobe à cabeça, sim, mas com certa lerdeza. Guedes Paulo Guedes está mais humilde e, se não houver mais nenhuma turbulência, ele aguentará o voo até 2022. Mas são fortes os comentários no entorno da cúpula de que o ministro da Economia está com o copo quase transbordando. Amiúde A estudantada está esperta. Dia desses, um aluno de um grupo de trabalho da Universidade Federal do ABC, que se destaca pela qualidade de seu professorado, inseriu em um texto o advérbio amiúde. Um colega retrucou: por que não substituir por "com frequência"? A grita foi geral. Choveram protestos sob mensagens que pediam a permanência do advérbio. E indicavam letras de musicas: Chão de Giz, de Zé Ramalho: "Eu desço dessa solidão/Espalho coisas sobre um chão de giz/ Há meros devaneios tolos a me torturar/ Fotografias recortadas em jornais de folhas amiúde"; Geni e o Zepelin, de Chico Buarque: "De tudo que é nego torto/Do mangue e do cais do porto/ Ela já foi namorada/ O seu corpo é dos errantes/Dos cegos, dos retirantes/ É de quem não tem mais nada/Dá-se assim desde menina/ Na garagem, na cantina/Atrás do tanque, no mato/ É a rainha dos detentos/Dos moleques do internato/E também vai amiúde". O Brasil real A nomeação do desembargador piauiense Kassio Nunes para o STF vai ser palatável com mais um pouco de tempo. Os evangélicos querem apenas fazer barulho e garantir a vaga de Marco Aurélio, aliás já prometida por Bolsonaro. O presidente percebeu que não governa sem articulação com o Congresso e o STF. Em chamas Pantanal, Amazônia, cerrado, caatinga nordestina sem água, o Brasil está em chamas. Perdas incontáveis. Meio ambiente só vai se recuperar em quatro a cinco décadas. O ministro Salles continua arrogante. A criminalidade chega ao ponto de combustão. Brasil mais plural Este consultor prevê na composição do primeiro andar do edifício político - prefeitos e vereadores - a construção de um Brasil mais plural, mais representativo das margens e do meio. A participação política de classes e categorias sociais será mais intensa e densa. 21 de outubro Marcada para o dia 21 de outubro a sabatina de Kassio Nunes Marques no Senado. Passará tranquilamente. O desembargador é bom de articulação. Campanha eleitoral À guisa de ligeira orientação. Conselho aos partidos 1. A negatividade costuma abrir campo nos espaços da mídia eleitoral. Procurem evitar campanhas negativas, caracterizadas por ataques e xingamentos a adversários. 2. Procurem compor programas eleitorais com exposições objetivas e propostas viáveis, demonstrando quanto custarão e de onde virão os recursos. 3. A procura de diferenciais para arrumar os perfis dos candidatos é uma meta desejável e todo esforço de marketing deve ser empreendido para consegui-la. É legítima a comparação de perfis quando dois ou mais contendores debatem suas diferenças no plano das ideias, não na esfera de vida pessoal. Perfis à mostra Tenho sido indagado sobre os perfis preferenciais do eleitorado. Cada região tem suas preferências. Há, porém, traços sobre os quais parece haver consenso: - passado limpo, vida decente - candidatos que possam exibir sua trajetória sem ter vergonha de mostrar aspectos de sua vida; - identificação com a cidade - candidatos que busquem vestir o manto da cidade, significando compromisso com as demandas das comunidades e as questões específicas dos bairros; - despojamento, simplicidade - candidatos despojados, simples, descomplicados, sem as lantejoulas e salamaleques que costumam se fazer presentes no marketing exacerbado. Candidatos não afeitos ao 'dandismo' - mania de querer aparecer de maneira diferente; - respeito, decência, dignidade pessoal - candidatos de postura respeitosa para com os eleitores e identificados com uma vida pessoal e familiar digna; - transparência, verdade - candidatos que não temam contar as coisas como elas são ou foram; - objetividade, viabilidade de propostas, concisão, precisão - candidatos de expressão objetiva e concisa, capazes de fazer propostas viáveis e não mirabolantes. Precisos na maneira de abordar os assuntos. Fecho a coluna com a Bahia. Grande prole Da Bahia, vem a historinha. José de Almeida, contador do Banco do Brasil, fazia o cadastro da agência. Um dia, chega Heroíno Pita, fazendeiro, que respondeu na bucha o formulário: nome, idade, imóveis, renda anual, dívidas. Aí vem a pergunta: - Quantos filhos o sr. tem? - 8 filhos - Tudo isso? O senhor tem uma prole grande. Heroíno, entre sorridente e cabreiro, faz o gesto com as duas mãos: - Não, senhor. É normal. Normal.
quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Porandubas nº 685

Abro a coluna com o contador de boas histórias e escritor Leonardo Mota. I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum Conta Leonardo Mota que o mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; se se queixava da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis. O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido: - Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro? - Você não sabe não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque... Conviver com a covid-19 A observação é irretocável: vamos ter de aprender a conviver com esse vírus da pandemia por muito tempo. E mesmo ainda sob registro de muitas mortes e grande contaminação, parcelas das populações em alguns Estados fazem questão de desobedecer regras impostas para evitar o vírus. Mas não tem jeito, o perigo está ali, pertinho, à espreita. Se pegar, pegou, se morrer, morreu. Esse parece ser o sentimento geral de milhões de brasileiros. Só falta mesmo assistirmos a uma pelada de futebol entre contaminados e não contaminados, como ocorreu na Espanha, semana passada. O Brasil Costumo, vez ou outra, lembrar essa historinha: há quatro tipos de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo o que é proibido. A segunda é a alemã, sob rígidos controles, onde tudo é proibido, salvo o que é permitido. A terceira é a totalitária, pertinente às ditaduras, na qual tudo é proibido, mesmo o que é permitido. E a quarta é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que é proibido. Manaus, a esperança já era Dizia-se que, ante a redução de casos em Manaus, a capital havia atingido a imunidade de rebanho. Mas o surto voltou com virulência. E assim a esperança se esvai sob a efervescência das pessoas que querem esbanjar coragem e saúde. Saúde? Que os anjos anunciem, com o toque de suas trombetas, que a besta-fera ainda corre o país inteiro. Quem diria, hein? Quem seria capaz de prever que um ex-juiz de Direito, na contramão de candidatos e partidos tradicionais, eleito governador pela vontade cívica dos cariocas, iria ser pego com a boca na botija, hein? Wilson Witzel, que começou o governo com a indicação de que snipers iriam dar um jeito na bandidagem do Rio, está a poucos passos do impeachment. A política tem sempre a visita do Senhor Imponderável. Bolsonaro dá as cartas Começou sob grande descrédito. Virou motivo de piada. Assumiu a identidade de líder da extrema-direita. Tem apoio dos conservadores, evangélicos e das periferias urbanas. Começa a expressar uma linguagem que bate no coração de parcelas das classes médias. Adentra no Nordeste, e já tomou o lugar de Lula em muitos rincões da região. Prepara um programa - Renda Cidadã - para substituir o Bolsa Família. Mesmo que o dinheiro venha do Fundeb ou de precatórios. Os beneficiários do Renda Cidadã não querem saber de onde vem a grana. Aliviou a acidez da expressão. Começa a acariciar a esfera política. Enfrenta as denúncias que batem em seus filhos. Mas não diminui a popularidade. É bom já ir se acostumando com o modo Bolsonaro de ser. Nietzsche "Afetos iguais diferem no homem e na mulher, quanto ao ritmo. Esse é o motivo pelo qual homem e mulher não cessam de se desentender" - Nietsche, em Para Além do Bem e do Mal. Eleições de novembro É bem provável que o presidente saia do processo eleitoral sem uma grande frente de prefeitos e vereadores. Saiu do PSL e não criou o Aliança pelo Brasil. Vai ocorrer imensa dispersão na base do edifício político. Quem será capaz de juntar o gigantesco rebanho? E em 2022? Seria possível uma aglutinação em torno de um partido em 2022? Ou haveria fusão entre eles? Para onde irão PSDB, MDB, PSL, PSD, PP, PR, por exemplo? O PT juntar-se-ia ao PSOL e ao PC do B? Respostas no ar. Uma é certa: quem é dono da flauta dá o tom. Refiro-me à orquestra da economia. Se estiver saudável em 2022, o maestro será o dono da flauta. Se estiver doente, o candidato (um, não uns) do centro regerá a orquestra. Kassio leva a melhor Fizeram suas apostas? Pois perderam. O desembargador piauiense, Kassio Nunes, de 48 anos, católico, é o indicado para a vaga do decano Celso de Mello. Um golpe de mestre de Bolsonaro. Produziu uma reversão de expectativas, fez um agrado ao Nordeste, satisfaz o desejo dos ministros do STF, de ver indicado um nome não tão identificado com o presidente e o ministro da Justiça, André Mendonça, e o ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, ganham a condição de sair da polêmica e ter seus nomes questionados. P.S. Vale lembrar que não houve até o momento confirmação da escolha. O Imponderável nos ronda. Salles, o mais criticado O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com a desarrumação que acaba de fazer no Conama (Conselho do Meio Ambiente), destroça os instrumentos legais que preservavam restingas e manguezais. Ganha a unanimidade de vaias dos ambientalistas. Mas o ministro mais criticado do governo é uma ilha de frieza e insensibilidade. Vai poder andar na rua, depois que deixar o Ministério? Camada impermeável É oportuno fazer uma observação sobre o peso das críticas. Começo com o lembrete que, de tanto ver cadáveres, pessoas que trabalham nos Institutos de Medicina Legal e mesmo coveiros não mais se assustam em ver corpos mortos. Queimadas e incêndios, que destroem o meio ambiente, são vistos todos os dias pelas telas de TV. Já não causam tanto impacto. As críticas ao governo e a alguns de seus ministros também começam a entrar por um ouvido e a sair por outro. É como se os ouvintes e telespectadores tivessem desenvolvido uma camada impermeável à dor, ao sofrimento, às notícias ruins. Baleia entre choques Baleia Rossi, deputado e presidente do MDB, pode ser o tertius na disputa pela presidência da Câmara Federal. A briga de foice entre Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Arthur Lira (PP-AL) pode sobrar espaço para Baleia, que tem se demonstrado discreto e intenso mobilizador de bastidores. Meter a mão no bolso Historinha Certa ocasião, Adolfo López Mateos recebe um aviso inquietante. - Não são poucos, senhor, aqueles que aproveitam sua generosidade para fincar os dentes no orçamento, sussurrou um de seus colaboradores. Longe de perder a calma, o presidente do México entre 1958 e 1964 medita um instante, mexe no bolso e puxa sua carteira de Delicados. Acende um, pensativo. - Cada mexicano tem metido a mão no bolso de outro mexicano, e ai daquele que rompe a cadeia, conclui depois da primeira tragada. Lição: é um princípio universal que cada um, mexicano ou não, mete a mão no bolso do outro, e pobre daquele que rompe a cadeia. Moral ou imoral? À propósito, Juan Domingo Perón dizia: - A única víscera sensível que os egoístas têm é o bolso. Economia, como arrumar? Estamos vivendo o momento mais crítico da equipe econômica. O governo precisa arrumar dinheiro para bancar as obras da infraestrutura, capitaneadas pelo ministro Tarcísio de Freitas. Precisa recompor o colchão social, com o novo programa Renda Cidadã. Precisa atender demandas de parlamentares. E de onde tirar recursos? Paulo Guedes quebra a cabeça para saber em que fontes (novas) o governo vai beber água, ou seja, arrumar recursos. Tirar do Fundeb? Dos precatórios? Não seria pedalada? E a grita? Bolar o imposto das transações digitais, que, dizem, será um imposto em cascata? Quem será o milagreiro? O vice, quem será? Tirar o Hamilton Mourão da chapa majoritária Federal de 2022 não será tarefa fácil. Primeiro, porque Mourão tem dado conta do recado. Segundo, porque outro entrando em seu lugar seria um ato de condenação e censura ao desempenho do vice. Terceiro, porque deverá haver reação da cadeia militar. Quarto, porque um nome da esfera política não será bem recebido pelas hostes bolsonaristas. E daí por diante. Tem muita água a correr por baixo da ponte. Mas essa água deságua no Forte de Copacabana. Ou no Forte Apache. Trump x Biden Um dos piores debates entre candidatos à presidência dos EUA. Foi o que se viu do primeiro confronto direto entre Donald Trump e Joe Biden. O presidente norte-americano, atrás nas pesquisas, tentou deixar nervoso o candidato democrata, interferindo quase todo tempo em sua fala. Foi chamado de "palhaço" e de "racista" por Biden. CNN, por larga margem, deu vitória a Biden, depois de apresentar uma pesquisa. E a Fox News, por meio de um comentarista, diz que Trump dominou o estúdio. Vi o debate. Na minha visão, apesar de titubear em algumas questões, Joe Biden deu um puxão no raivoso Trump. Biden foi melhor. Propaganda negativa A revolução francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a Nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia. Às vezes, torna-se bumerangue, voltando-se contra o atacante. Ideia de jerico Taxar livros, essa mal-ajambrada maneira de fazer crescer a arrecadação, é uma ideia de jerico. Livro é aprendizagem, é cultura, é avanço civilizatório, é a libertação da ignorância. De quem foi mesmo essa ideia? Não é possível que tenha sido de Paulo Guedes. Mais provável que tenha sido de um assessor aloprado.
quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Porandubas nº 684

Abro a coluna com uma historinha de Mato Grosso do Sul. Residência médica Em Dourados/MS, foi eleito um prefeito semianalfabeto. Prometia na campanha: "prometo manter os postos de saúde abertos 24 horas, inclusive à noite". Em outra ocasião, a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) implantou o curso de medicina. Por conta das dificuldades de encontrar hospitais para a residência médica, travou-se grande discussão, na época da campanha, sobre a questão. Em um acirrado debate, perguntaram ao candidato como poderia contribuir para resolver o problema da residência médica. De pronto, respondeu: - "Eu não pretendo dar casa para médico; eles já ganham muito e podem comprar casa. Só vou construir casa para pobre". ("Causo" enviado por Elizabeth Dias Rode). Um atraso civilizatório O Brasil convive com a pandemia desde o início do ano. O anúncio dos primeiros casos foi no final de fevereiro. Como contabilizar perdas e avanços nesse imenso interregno entre rotinas tradicionais de vida e novos costumes? À primeira vista, o legado de perdas transparece com maior volume e nitidez. Retração no mundo dos negócios, refluxo na área dos empreendimentos, atraso na educação, com milhões de crianças e jovens que deixaram de acompanhar o ritmo da aprendizagem. Só este fato exibe o grau de perdas a que se submete não apenas a geração que frequenta a escola aqui e alhures, mas todos os conjuntos que mexem com a esfera educacional. E avanço na ciência Mas há uma contrapartida a considerar na esteira do ditado que diz: a aprendizagem decorre também do erro. Digamos que tenha havido muito erro nas estratégias de combate à pandemia da Covid-19. Países correram atrás do prejuízo, convocaram seus cientistas, mobilizaram seus laboratórios e iniciaram intensa busca do antídoto capaz de sustar a expansão do vírus. Tanto que, hoje, há dezenas de experimentos sendo testados. E pelo menos seis vacinas em estágio final de testes. Portanto, tem havido algum avanço das tecnologias biomédicas voltadas para a preservação da saúde e combate às epidemias. O que se viu É denso o acervo de coisas malfeitas ao correr da pandemia: improvisação, falta de equipamentos adequados, falta de profissionais, uso e exploração de remédios sem comprovação de eficácia, incúria administrativa, negação da ciência, desprezo pelas normas recomendadas, descumprimento das instruções para isolamento social e uso de máscaras, mesmo por parte de autoridades, declarações impróprias sobre a pandemia, entre outros fatores. O fato é que milhares foram contaminados ou morreram porque os governantes foram ineptos. Não é curto o tempo Ficará na consciência de milhões de pessoas o sentimento de que a vida é curta, como já lembrava Sêneca em sua obra Sobre a Brevidade da Vida: "Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido". Esbanjadores O filósofo arremata: "O fato é o seguinte - não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Tal como abundantes e régios recursos, quando caem nas mãos de um mau senhor, dissipam-se num momento, enquanto que, por pequenos que sejam, se são confiados a um bom guarda, crescem pelo uso, assim também nossa vida se estende por muito tempo, para aquele que sabe dela bem dispor". A consciência para vivermos vida mais saudável será um dos bons legados da crise. A vida mais simples Muita gente correu para o campo, sítios e fazendas. O aconchego familiar foi mais intenso. A convivência com a natureza abrirá novas motivações, a vontade de fugir ao barulho das metrópoles e grandes cidades, o desejo de levar uma vida mais simples e mais harmônica com familiares e amigos. Muitos estiveram perto da porta de saída desta vida. Para estes, sobretudo, viver cada segundo, vivenciar cada minuto, aproveitar as oportunidades e contemplar a beleza ao seu redor - serão os nichos a, doravante, preencher. Viva a vida! Minimizar o perigo Donald Trump confessou ao jornalista Bob Woodward que quis minimizar o perigo do coronavírus e não causar pânico, admitindo que escondeu o fato ao público. Ele sabia, semanas antes da primeira morte por Covid-19 nos EUA, que o vírus era transmitido pelo ar, altamente contagioso e "mais mortal" do que uma gripe forte. Lembrete: o jornalista ficou conhecido por revelar o caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. Descumprindo o dever As afirmações de Trump contrastam com seus comentários públicos à época, quando insistia que o vírus "desapareceria rapidamente". Em suma, o presidente traiu a confiança do público e seu dever. Em "Rage", livro que escreveu, Bob diz que o trabalho de um presidente é "manter o país seguro". E não é enganando o povo que ele garante segurança. Enganar o povo "Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo; mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo". (Abraham Lincoln) Governo do povo "Democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo". (Abraham Lincoln em discurso de Gettysburg, 1861). Bolsonaro O presidente Bolsonaro, como é sabido, disse que o vírus era uma "gripezinha" e até hoje recomenda o uso da cloroquina. Sete ministros do governo já pegaram a Covid-19. Sem reformas Pelo andar da carruagem, será difícil vermos reformas aprovadas pelo Congresso este ano. Eleições mobilizam deputados e senadores. Governo tem dificuldades com sua base. E tudo parece se arrastar como tartaruga. Itália enxuga parlamento Cerca de 70% dos italianos aprovaram por referendo o corte de um terço de seus deputados e senadores: de 945 cargos para 600, saindo de 630 deputados para 400 e de 315 senadores para 200. A decisão será aplicada nas eleições previstas para 2023. Pergunta que fica no ar: e por aqui? Previsão deste consultor: 0% de possibilidade. O bicho ataca O cenário desenhado por alguns analistas se confirma. Os resultados do feriadão de 7 de setembro começam a aparecer com o incremento de casos em alguns Estados, a partir do território livre e farrista do Rio de Janeiro. Sombra de uma segunda onda, que mostra seu impacto na Espanha, Itália, França e UK. Todo cuidado se faz necessário. Fake news Muita mentira está sendo dita sobre a pandemia. Até a medição de temperatura na testa causa problemas, espalham os mentirosos, que devem ser banidos ou escanteados. Pessoas do mal. Gente sem princípio. Desocupação A taxa de desocupação no Brasil sobe de 13,2% para 14,3% em uma semana. Demanda aponta para queda, diminuindo pressão sobre preços. Podemos viver sob uma herança deflacionária no pós-pandemia. Puxando para baixo Pesquisa mais recente do Ibope em São Paulo chama a atenção para um ponto: os governantes puxam seus candidatos para baixo. O índice de desaprovação do eleitor quando se pergunta se determinado líder ou governante ajuda ou desajuda o candidato é, em media, três vezes mais negativo do que positivo. Incluindo Bolsonaro. Melhor legislação O presidente do Brasil, como é praxe, abriu os trabalhos da ONU, garantindo, em discurso virtual, que temos a "melhor legislação ambiental do mundo". Pode até ser. Mas é cumprida? E os dados das queimadas são mentirosos? Bolsonaro disse mais: o Brasil é "vítima" de uma campanha "brutal" de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal. A floresta amazônica é úmida e só pega fogo nas bordas. Os responsáveis pelas queimadas são 'índios' e 'caboclos'. O óleo derramado no litoral brasileiro em 2019 é venezuelano, foi vendido sem controle e chegou à costa após derramamento 'criminoso'. Orientações para as pessoas ficarem em casa na pandemia 'quase' levaram o país ao 'caos social'. O Brasil é um país cristão e conservador e a 'cristofobia' deve ser combatida. Sistema meio Marketing é um sistema meio, não é um sistema fim. E como tal traduz o espírito de uma campanha, a partir de discursos, atitudes, gestos, enfim, todos os véus que cobrem um candidato. Marketing não ganha campanha. Quem ganha campanha é o candidato. Marketing ajuda a diminuir os pontos negativos de um perfil e maximizar os aspectos positivos. Lições de Quinto Túlio O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea". Candidato ideal O eleitor está à procura de um candidato com as seguintes qualidades: experiência, honestidade; vida limpa e passado decente; assepsia; equilíbrio/ponderação; preparo; coragem/determinação; autoridade (não confundir com autoritarismo). Há uma saturação de perfis antigos, que usam as esteiras da velha política. O eleitor quer ver perfis mais identificados com suas grandes demandas: segurança, saúde, educação, melhoria das condições de vida nas regiões, nos bairros, nas ruas. Quem apresentar propostas mais condizentes com as necessidades do eleitor terá melhores condições de ser escolhido. Fecho com um "causo" de Pernambuco. Só expectorante Reunião de vereadores com o chefe político numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra: - E você, amigo, não tem nada a dizer? O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu: - Não, doutor, estou apenas expectorante. Os companheiros espectadores abriram uma gargalhada. ("Causo" contado pelo ex-vice presidente da República, Marco Maciel, com relato mais recente do ex-governador, Geraldo Alckmin.)
quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Porandubas nº 683

Abro a coluna com duas historinhas hilárias, uma do PR, outra do RN. Xaxixo Antônio Constâncio de Sousa, deputado pelo antigo PSP (PR), pediu um aparte a Armando Queiroz, líder do então governador Ney Braga na Assembleia Legislativa. - Não dou o aparte, não. V. Exa. não está à altura de participar dos debates. V. Exa. não é capaz de citar uma palavra com 3 x. - Sou, sim. Xaxixo. Pensava em salsicha. Hotel zero Km? O deputado do Rio Grande do Norte desceu no aeroporto Santos Dumont, no Rio, pegou um táxi: - Hotel Zero Quilômetro. - Zero Quilômetro? Não tem esse hotel, não. - Tem, sim. Em frente ao Hotel Ambassador. - Ah, Hotel OK. Senador Dantas, não é? - Não, senhor, Deputado Antônio Bilu, de Natal. Panorama Corrupção De tanto ser prato diário na mídia - Lava Jato, Witzel, outros governadores, delações premiadas, ações de busca e apreensão pela PF -, a corrupção vai diminuindo o tamanho do seu território no país. Não é o caso de garantir que vai ser extirpada. O jeitinho brasileiro, os dribles que os espertos costumar usar para cometer ilícitos, a sinuosidade no comportamento integram a alma brasileira. E nessa hora, Deus avisa que não é tão brasileiro, como alguns garantem. Isso é mais coisa pro Belzebu e seus capetas. Mas os crimes contra a administração pública tendem a diminuir. Mais controles, maior transparência, cidadão mais racional e exigente. Justiça O acesso à Justiça, ainda difícil para as margens carentes, também avança sob o impulso de uma miríade de entidades intermediárias, que defendem minorias, agrupamentos étnicos, gêneros etc. Um fenômeno muito interessante do Brasil de hoje é a organicidade social, que confere maior autonomia e poder de decisão aos grupamentos que se formam, a cada dia, na sociedade. Esses novos agrupamentos, sob lideranças mais jovens, ganham o status de novos polos de poder. Por isso, a pressão sobre os mecanismos da Justiça é mais forte. O Brasil também avança nessa área. Educação Norberto Bobbio também incluiu a educação para a cidadania como uma das promessas não cumpridas pela democracia. Pois bem, o grande filósofo italiano morreu sem ver o início de um ciclo mais cidadão. No Brasil, infelizmente, a Educação não tem sido tratada nos últimos tempos de maneira elevada como merece ser privilegiada a árvore mater de uma Nação. Mas a movimentação de lá para cá, das margens para o centro, vai propiciar a semeadura de uma densa floresta de educadores. Uma questão de tempo. Não há força que resista ao vento dos tempos. Segurança Pública Essa é uma área mais complicada. A conflituosidade se expande no mundo, sob a gigantesca teia de gangues, drogas, máfias, competição de grupos armados, enfim, sob a lei da metralhadora. Governos, como o de Trump e o do Bolsonaro, defendem o armamento da população como uma saída pragmática para enfrentar a criminalidade. Erro de ótica. Construir os pilares da Casa das Armas é deixar de lado os fundamentos da Casa da Educação. Nem Trump nem Bolsonaro terão sucesso, com o avanço civilizatório, de sedimentar esta estratégia. Imagem crescente Saindo do plano teórico para a nossa realidade, comecemos com a constatação de que o brasileiro começa a se acostumar com o jeito brusco e às vezes estrambótico do governo. A anormalidade, a truculência acabam formando uma camada impermeável sobre o corpo social. Mas essa aceitação só viceja em um terreno adubado com massa, mesmo pequena, de recursos no bolso do cidadão. O auxílio emergencial deu uma sobrevida à imagem positiva do governo. Até quando? O presidente acaba de anunciar a suspensão do Renda Família, programa que iria substituir o Bolsa Família. Então, qual será a marca popular do governo lá para as margens de outubro de 2022? Tenho dúvidas se a economia conseguirá segurar a posição confortável do presidente Jair. Frentes ideológicas Teremos na eleição de 2022 três frentes com viés ideológico: uma frente de Direita, capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro que, aliás, poderá puxar um grupo de centristas; um grupo de Centro-Esquerda, a se formar com eventual aliança de partidos comandados pelo PDT e pelo PSB; e uma frente de Centro-Direita, a se formar com a aliança de partidos de esquerda e de centro, sob a égide do PSDB e possivelmente DEM. Alguns grandes partidos, como o PMDB, estarão olhando de soslaio para os dois lados. E poderemos ter ainda uma Frente de Esquerda, sob o comando do PT e apoio do PSOL. O PT, porém, só se aventurará em mais uma campanha se constatar que o clima social de 2022 o empurrará em direção às urnas. Lula, com discurso radical, já começa a dar o tom. Este consultor não acredita que o Brasil de amanhã ainda comportará Lula. Ciro Gomes Será o piloto da navegação de centro-esquerda. O problema que eternamente o atordoa: a inteligência emocional. Engolfa-se nas ondas emotivas. Perde o eixo. A seu favor, conta com bom domínio sobre a realidade brasileira, o saber mexer com contas e números. Bom debatedor. João Doria Deverá ser o piloto da frente de Centro-Direita. Pode contar a seu favor eventual boa avaliação de desempenho em São Paulo, que governa; o fato de ter boa fluência, apesar de mostrar certa superficialidade nas análises. Tem disposição, garra e recursos para fazer uma campanha eleitoral de grande visibilidade no país. Tem contra ele a imagem de "muito certinho, arrumadinho", como este consultor tem ouvido. Mas exibe uma carreira política ascendente. E um troféu de vitorioso. Vai depender do clima social e econômico de 2022. Bruno, o primeiro teste A candidatura do tucano Bruno Covas à reeleição para a prefeitura de São Paulo será o primeiro grande teste em direção ao amanhã. Como é sabido, o PSDB atravessa momentos turbulentos, com as denúncias sobre o senador José Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin. FHC já deu o que tinha de dar para ancorar a identidade do partido. Resta, agora, um novo teste pelas urnas. Campanha fragmentada A campanha municipal será um painel de cores diferentes. Uma parede de mosaicos diferentes. Partidos serão desprezados em detrimento de nomes. Teremos imensa fragmentação partidária. Maior interesse O número de pretendentes será maior que o do último pleito municipal em 2016. A denotar maior interesse de brasileiros em participar da política. Rio, um desastre O Rio de Janeiro desce o despenhadeiro da política. E as coisas não vão parar no Palácio das Laranjeiras. Podem pegar candidatos a prefeito. O mais belo cartão postal do Brasil. Lama por todos os lados. Raposas e porcos-espinhos Perguntam-me: e aí, quem ganha as eleições deste ano? Governistas ou oposicionistas? Valho-me do relato do escritor John Lewis Gaddis, em seu denso livro "As Grandes Estratégias". Fala ele das estratégias de Xerxes, o rei dos reis, e do seu tio, Artabano. Os dois tinham estratégias diferentes e o interesse do rei era derrotar os gregos, como descreveu Heródoto a qualquer custo. O ano era 480 a.C. Xerxes queria atravessar o Helesponto, atual Dardanelos, e queria porque queria vencer os gregos e, depois, conquistar a Europa. Um imprudente, ou, na imagem de Isaia Berlin, um "porco-espinho", que sabe uma só coisa, mas muito importante, enquanto a raposa sabe muitas coisas. Artabano alertava: cuidado. Como atravessar o rio? Como alimentar o exército? O que fazer se conseguir chegar lá? Xerxes replicava: se formos levar em consideração tudo, não faremos nada. Mandou amarrar 360 embarcações umas às outras e fez outra ponte com 314 embarcações. Todas curvas para se adaptarem aos ventos e correntes. Transformou, como disse, água em terra. E na área de terra, mandou construir um canal, transformando terra em água. Um feito. Mas Artabano continuava alertando: como essas milhares de pessoas vão suportar a fome e a sede? Mas o "porco espinho" confia que derrota tudo que aparece à sua frente. Artabano voltou para casa e Xerxes avançou. Em Termópilas, onde Leônidas resistira aos invasores, mas acabou vencido, Xerxes se deparou com o mesmo dilema de Napoleão. Como enfrentar o mau tempo? Resumo: os gregos afundaram sua frota e massacraram os sobreviventes. O rei, derrotado, acabou aceitando o conselho do tio Artabano e voltou para casa. Acabou, aterrorizado por Temístocles, a partir às pressas e abandonar seu exército à própria sorte. A raposa olha para todos os lados, prós e contras; circunstâncias e oportunidades. O porco-espinho só olha para a frente. Acredita demais em sua vitória. Resposta à pergunta que me fazem: os candidatos, estilo raposa, terão melhores condições de ganhar.
quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Porandubas nº 682

Abro a coluna com o saudoso recanto do Brejo das Freiras, nos confins da Paraíba, onde, ainda criança, tomei banho de águas termais. Brejo das Freiras, Estância Termal, fica perto de Uiraúna e Souza. Lugar para relaxamento e repouso. O Governo da PB tinha ali um hotel, com infraestrutura para banhos nas águas quentes. Década de 70. Apolônio, o garçom, velho conhecido dos fregueses da região, recebe, um dia, um hóspede de outras plagas. Pessoa desconhecida. Lá pelas tantas, quase terminando a refeição, o senhor levanta a mão, chama Apolônio e pede: - Meu caro, quero H2O. Susto e surpresa. Anos e anos de serviços ali no restaurante e ninguém, até aquele momento, havia pedido aquilo. Que diabo seria H2O? Apolônio, solícito: - Pois não, um instante. Aflito, correu na direção da única pessoa que, no hotel, poderia adivinhar o pedido do hóspede. Tratava-se de Luiz Edilson Estrela, apelidado de Boréu (por causa dos olhos grandes de caboré), empedernido boêmio, acostumado aos salamaleques da vida. - Boréu, tem um senhor ali pedindo H2O. Que diabo é isso? Desconfiado, pego sem jeito, Boréu coça o queixo, olha pro alto, tenta se lembrar de algo parecido com a fonética e, desanimado, avisa: - Apolônio, sei não. Consulte o Freitas. Freitas era o diretor do Grupo Escolar, o intelectual da região. Localizado, o professor tirou a dúvida no ato: - H2O é água, seus imbecis. Quer dizer água. Apressado, Apolônio socorreu o freguês com uma jarra do líquido. Depois, no corredor, glosando o feito, gritou em direção a Boréu: - Ah, ah, ah, esse sujeito achava que nós não sabia ingrês. Lascou-se! O pau que nasce torto... Não tem jeito, morre torto. O chiste popular é este. E cai como uma luva no presente. Foi só aparecer um feriado para gentes de todas as classes e categorias correrem para as praias e locupletarem as mesas de bares. A pandemia continua e agradece as gigantescas aglomerações formadas no feriadão. Daqui a alguns dias, vamos ver se registramos uma curva ascendente no número de contaminados e mortos, em função da ausência de cuidados nesses dias, ou, quem sabe, veremos a prova definitiva de que Deus é brasileiro e concedeu a graça de afastar do nosso meio essa demoníaca Covid-19. Tenho a impressão de que não será ainda desta vez que o Misericordioso mostrará ter escolhido nossas plagas como seu habitat terreno. Itália, Espanha e França Pois é. Sinalizações mostram que uma segunda onda ameaça tomar corpo em alguns países. Curva voltou a subir em alguns países. Panorama político A esfera política indica que aliviará a reforma administrativa, amenizando pontos fixados pela área do Paulo Guedes. Maia e o ministro estarão juntos em live esta semana, apesar da exposta disposição do presidente da Câmara em estabelecer certo distanciamento de Guedes. Mas a política é uma gangorra. Vai e vem. Os parlamentares querem se livrar logo da pauta reformista que chegou ao Congresso para se dedicar à campanha municipal. Reforma tributária Apesar do esforço de muitos e da maratona de palestras do Luiz Carlos Hauly, o nosso mestre na frente dos tributos, será muito difícil que esta seja levada a cabo nas próximas semanas. Dependerá e muito de equilíbrio e consenso, coisa difícil em matéria de recursos para municípios, Estados e União. A simplificação e a junção de alguns tributos em um só, nos moldes de um IVA, parece situação consensuada. A chave da porta está com Rodrigo Maia, hábil na arte da articulação. Guedes ainda com apoio Paulo Guedes continua a ser prestigiado pelas forças do chamado mercado, que o vê como o perfil mais apropriado para liderar o campo reformista na economia. Esse jogo de esconde-esconde, com a participação do presidente Bolsonaro, que disse não ter gostado da ideia de cortar ao meio o auxílio emergencial, parece coisa combinada. É fato que Bolsonaro admira o ministro e vice-versa. Portanto, não se espere que PG peça o boné. Desce ou sobe O auxílio de R$ 300 até o final do ano e a concentração de outros instrumentos que integram o pacote assistencialista no programa Renda Brasil deverão chegar a uma conta que não diminua o montante hoje auferido pelas margens. Questão de vida ou morte para o presidente. O eleitorado carente sabe qual o tamanho do pacote que chega à sua casa. Cortado, Bolsonaro descerá o despenhadeiro. Aumentado, subirá às estrelas. Lava Jato Observação da mídia e dos analistas: os políticos, sob a égide do procurador-Geral Augusto Aras, estão apreciando, e muito, a desidratação da operação Lava Jato. Os demissionários procuradores de São Paulo e o afastamento de Deltan Dallagnol foram comemorados por ampla galera. Os advogados criminalistas vivem momentos de confraternização. E apostam que o novo presidente do STF, a partir de hoje, Luiz Fux, contribuirá para a desidratação da LJ. Anote-se que, nos últimos tempos, sob o clima da pandemia e das atividades virtuais dos ministros da Corte, a operação perdeu fôlego, dispersando suas torcidas organizadas e dando lugar a outras preocupações. R$ 1 bilhão para credos Os credos evangélicos viram aprovado um projeto que anula dívidas tributárias acumuladas por eles, com multas aplicadas pela Receita Federal, coisa se R$ 1 bilhão. Repito: R$ 1 bilhão. A bancada evangélica faz parte do bastião de defesa e apoio ao presidente, que terá até sexta- feira para sancionar o projeto, de autoria do deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R.R.Soares. A coisa mais parece um "toma lá, dá cá". Para conceder este tipo de anistia, deve estar sobrando muito dinheiro no caixa do Governo. Enquanto isso... A chanceler alemã Angela Merkel, líder de uma potência, uma das pessoas mais poderosas do planeta, não recebe nenhum serviço gratuito do Estado. Nenhum, repito. Privilégio passa longe do cargo. Nem moradia, luz, água, gás ou telefone grátis. Nenhuma de suas despesas pessoais é paga pelo povo alemão. E ainda, ela não mora em palácio. Qualquer cidadão pode circular pela calçada do edifício de Berlim onde ela e o marido vivem. Impeachment O impeachment do governador Wilson Witzel obedece aos ritos processuais apropriados. A previsão é que as sessões se estendam até dia 17 deste mês, completando as cinco necessárias. Caso dois terços dos 70 deputados, ou 47 votos (ele teria uns 15 votos), decidam pelo recebimento da denúncia, o governador ficará duplamente afastado - pelo STJ e pela Alerj - e será julgado por um tribunal misto, formado por cinco desembargadores e cinco deputados. O grupo, presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJ/RJ), dará a palavra final sobre a perda de mandato do governador. O prazo para a conclusão dessa fase de julgamento é de 180 dias. Mais uma leva Há pelo menos seis governadores sob a mira do MP, acusados de terem autorizado "operações ilícitas" na aquisição de equipamentos para combater a pandemia. Os desvios teriam chegado a 4 bilhões de reais; ações estão em curso em alguns Estados. Difícil imaginar que aconteça o impeachment de mais governantes. Polarização na campanha Nas capitais e grandes cidades a campanha municipal tende a ser polarizada, com a expressão e atitudes agressivas entre grupos bolsonaristas e oposicionistas. Nas pequenas cidades e localidades do interiorzão do país, a campanha vivenciará o velho clima de atendimento de demandas, favores e recompensas. Sola de sapato Mesmo sob o temor que ainda provocará a pandemia, nos meados de novembro, os candidatos deverão gastar muita sola de sapato para se fazerem conhecer. O eleitor está desconfiado. Perfil pessoal A identidade do candidato - quem é, quem foi no passado, o que fez e faz, seu pensamento, sua palavra - será mais importante que o seu partido, que deverá ficar escondido na campanha. Saúde A saúde, por motivos óbvios, será o tema central da campanha. A falta de equipamentos hospitalares dará o tom maior. Minorias Veremos uma campanha em que a defesa das minorias encampará discursos de candidatos. As mulheres, por sua vez, comporão em grande número as indicações de chapas majoritárias, como cabeça de chapa ou na condição de vice. Recursos É possível prever uma avalanche de acusações e denúncias sobre recursos que foram mal distribuídos, ou distribuídos injustamente, desvios de finalidade, falta de critérios etc. Fake news Fiscais, auditores e juízes de Tribunais Regionais Eleitorais trabalharão muito mais para coibir os abusos a serem cometidos nas redes sociais, principalmente prováveis ondas de fake news. A base e os 2 andares acima Deverão ser eleitos 5.570 prefeitos e quase 60 mil vereadores. Este ano, pela primeira vez, candidatos ao cargo de vereador não poderão concorrer por meio de coligações. O fim delas na eleição proporcional foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio da reforma eleitoral de 2017. Com isso, o candidato a uma cadeira na Câmara Municipal somente poderá participar do pleito em chapa única dentro do partido ao qual é filiado. Esses vereadores formarão a base do edifício político, a ser completado com os dois andares a serem construídos em 2022, com a eleição de 27 governadores, 27 senadores (que se somarão aos 54 eleitos em 2018), 513 deputados Federais e 1.059 deputados estaduais, presidente da República e vice. Mais de um milhão A campanha deste ano, em face da proibição de coligações proporcionais, deverá ter mais de um milhão de candidatos que poderão ser apresentados por 33 partidos. Fecho a coluna com Pero Vaz de Caminha. A malandragem Não são poucos os que identificam a malandragem no Brasil com o princípio de nossa história. Eis o finalzinho da Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei de Portugal. "E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. - E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que dela receberei em muita mercê." E conclui Caminha: "Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha." Um pedido aqui, um trololó acolá e uma dose de bajulação.
quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Porandubas nº 681

Abro a coluna com um "causo" do querido RN. Salgar meu pai Conto uma historinha do Rio Grande do Norte, mais precisamente de Macaíba, vizinha à capital, Natal. Em certa administração municipal, constituída em sua grande maioria por pessoas de Natal, um pobre rapaz procurou o gabinete do prefeito com um problema urgente. Era uma sexta-feira. - Meu pai morreu e vim pedir o caixão, suplicou o jovem à secretária natalense da mais fina flor da moderna burocracia.- Hoje não há como atender. O prefeito e todo o pessoal foram a Natal. Volte segunda-feira, está bem? respondeu a funcionária conscientíssima do dever cumprido. Desolado o rapaz recuou e abriu novamente a porta do gabinete para nova abordagem: - Dona, poderia me arranjar dois reais? - Pra quê você quer o dinheiro?, interrogou a eficiente servidora. - É pra comprar sal grosso, salgar o meu pai até segunda-feira! (Quem conta o "causo" é Valério Mesquita). Panorama Aguçando a vista, dá para sentir que o panorama é ainda sombrio. Avoluma-se a confiança social de que o pior já passou, sentimento que corre na esteira do discurso dos governantes sobre a retomada da vida cotidiana. Mas não é bem assim. As expectativas superam as certezas. A vacina tão proclamada pode ser anunciada a qualquer momento, porém sem a certeza de que será tiro e queda, tomou, curou. Haverá muita desconfiança. A política começa a engatilhar suas armas. As aglomerações tomam as praias. A dura realidade vai apresentar sua fatura mais adiante. Witzel, a ambição Esse governador (ou ex?) do Rio de Janeiro é do tipo pavão. Aprecia a espetacularização da política. Governador que toma posse não veste faixa. Só o presidente da República. Mas ele mandou fazer uma faixa azul. E se pavoneou. Um dândi. Ex-juiz, esperava-se dele a retidão de uma régua. Explodiram denúncias. Negócios nas áreas da saúde, intermediação de serviços para o escritório da mulher advogada. Tudo ainda no campo das suspeições. A Assembleia foi autorizada a continuar com o processo de impeachment. Difícil que ele volte. A ambição desmesurada destrói o perfil. Exemplo Esse caso de Witzel pode ser a bússola para orientação dos governantes. Uma decisão monocrática o afastou. Mas o ministro do STJ, Benedito Gonçalves, tende a ser seguido no voto em plenário. O Brasil, de maneira lenta e gradual, vai caminhando na direção da coisa direita. Restringem-se, a olhos vistos, os espaços de tramoias. A Justiça ajusta o pedal. O Brasil vai devagarinho arrumando sua baderna. Vaga no STF O fato é que desembargadores, ministros, juízes de alto coturno estão fazendo das tripas coração para tentar a vaga de Celso de Mello, o decano do STF, que se aposenta em novembro. Haja ambição. Guedes com ou sem fritura? Voz comum na análise política é a de que Paulo Guedes está sendo frito. Não vejo assim. O fato de ter seu plano Renda Brasil rejeitado pelo presidente pode ter sido até um puxãozinho de orelha. Não uma fritura. Bolsonaro gosta de Guedes. E fritura só se faz quando o ministro, seja quem for, já não faz parte da roda de amizades e admiração do presidente. PG poderá ir longe. Mas, como em política, tudo pode ocorrer, não ponho a mão sob a foice. Fake Dino Mais fake news. Um descalabro o que fizeram com o governador Flávio Dino, do Maranhão. Inventaram que Dino compareceu ao velório do pai sem máscara e nenhuma proteção contra a pandemia. O pai morreu de covid-19, não houve velório e foi enterrado com a presença de poucos familiares. Quanto embuste. Quanta maldade. Fakes diárias contra Doria O governador de São Paulo é o maior alvo de fake news no Brasil. Praticamente, um exército de contrabandistas da informação inventa diariamente uma notícia falsa sobre o governo de São Paulo. João Doria desperta ciúmes: transparente, administra bem a crise da pandemia, fala todos os dias apresentando dados sobre a covid-19 e isso incomoda os grupos mercenários. Este analista político sugere que o governador mande apurar onde estão as fontes falsas. A última diz respeito à mudança do calendário histórico e tradicional, entre a.C e d.C. Antes de Cristo e Depois de Cristo. Pois os embusteiros dizem que o governo mudou isso. Que caras de pau. Pau neles. A eleição municipal Teremos uma eleição menos espalhafatosa. A sola do sapato, neste pleito, será mais importante que santinho, cartaz, brindes. O eleitor desconfia até das melhores intenções. E não adianta o candidato garantir em cartório o cumprimento de seu programa de governo. Vai ter muito candidato fazendo isso. O eleitor quer olhar para o candidato e tentar ver nele um signo de confiança. Apesar da tendência crescente do populismo caboclo. Rombo O rombo no Tesouro para o próximo ano será de cerca de R$ 1 trilhão. O Ministério da Defesa aumentará seu orçamento. Outros, como Cidadania e Infraestrutura, terão diminuídos seus orçamentos. É o Brasil armado. Quatro vezes mais benefícios O governo Federal quadruplicou o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social e que recebem algum benefício, informa o portal Poder360, um ótimo espaço de informação, sob direção de Fernando Rodrigues, com dados do Portal da Transparência. De 20,57 milhões no ano passado para 85,29 milhões este ano. Do levantamento fazem parte pessoas que recebem o auxílio emergencial (a maior fatia), o Bolsa Família, o BPC (Benefício de Prestação Continuada), o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e o Seguro-Defeso. Em 2019, eram assistidas por algum desses benefícios 10,8% da população brasileira. A proporção passou para 44,8% neste ano. Muita ajuda, pouco emprego Quase a totalidade dessa alta está relacionada ao auxílio emergencial: são 65,2 milhões de beneficiados, o que supera o número de trabalhadores com carteira assinada em 25 Estados. Além disso, segundo o portal, o número de beneficiários do Bolsa Família é maior que a quantidade de empregos formais em 10 Estados. Os dados revelam grande dependência da população por auxílios do governo Federal. O desembolso da União com os programas de assistência disparou de R$ 97,96 bilhões em 2019 para R$ 162,35 bilhões em 2020 até agora. Um país de desempregados E aumento de gastos se dá num momento em que o governo estuda a criação do Renda Brasil, que pretende englobar o Bolsa Família e outros seguros assistenciais. Só para lembrar: o Brasil tem hoje quase 13 milhões de desempregados, fora os desalentados e informais. E as maiores vítimas são os jovens: a taxa de desemprego entre 18 e 24 anos subiu a 29,7% no segundo trimestre. O governo tem se dedicado muito aos benefícios, mas pouco se fala de novos empregos no mercado de trabalho. O nosso populismo Promessas de abrir os cofres e mostrar que todo o dinheiro sumiu; prometer muito mais que poderá realizar; vestir as cores do novo, uma espécie de São Jorge contra o Dragão da Maldade; aparecer em fotos de família, no centro da cena, ele que passou tempos sem comparecer às regiões mais longínquas das comunidades; pegar crianças no colo, cantar músicas com grupos, bolar temas demagógicos e versos capengas de cordel; e até comprar cestas básicas para distribuir no final da campanha. Resquícios do passado que teimam em aparecer no populismo do presente. O quê, como e para quem dizer Pequena gramática para os candidatos 1. Escolha a melhor forma de dizer as coisas 2. O momento certo 3. O lugar certo 4. O receptor adequado (audiência adequada) 5. A repetição 6. A expressão corporal 7. Palco, tensão, símbolos 8. Usar a criatividade 9. Evitar excesso de palavras 10. Usar a expressão positiva em vez da forma negativa Excitação das massas No passado, os estudiosos das massas pesquisavam profundamente os comportamentos das multidões para nelas internalizar o populismo. Geralmente, o roteiro era esse, como descreve Sergei Tchakhotine em Mistificação das Massas pela Propaganda Política: 1. "Usar música, alto-falantes, pick-up, distrair os ouvintes, enquanto se aglomeram antes da reunião, tocando, sobretudo, canções que exaltem a bravura popular. 2. Manter a agitação e o dinamismo do auditório num crescendo até o fim da reunião. 3. De tempo em tempo, entabolar um diálogo entre o orador ou um locutor e a massa na sala, fazendo-lhe perguntas e provocando respostas coletivas: "Sim" ou "Não" etc. Uma afirmação maciça desse tipo atua sobre a massa como um choque elétrico, estimulando seu ardor. 4. Alternar cantos antes e após os discursos dos oradores (cantar sempre em pé, nunca sentados!). 5. Os discursos não devem jamais exceder de 30 minutos. 6. Sair da reunião cantando um hino combativo popular. 7. Se possível, apresentar um pequeno sketch divertido ou um coro falado, um coral, ou fazer declamar versos apropriados à reunião. 8. Um quadro vivo simbólico ou um cartaz luminoso de caráter dinâmico e alegre ou sarcástico, acompanhados de música, pode ser útil para descanso dos nervos. 9. Incitar a massa de ouvintes a fazer, de tempo em tempo, a "ginástica revolucionária": proferir o gritos de mobilização, levantando, ao mesmo tempo, os punhos. 10. Decorar a sala de slogans e símbolos, em faixas, estandartes, bandeiras, folhagem etc.; colocar na sala um serviço de orientação, composto de jovens militantes, uniformizados e trazendo braçadeiras com emblema".Será que nos livramos desse engodo? Memória: opinião pública O termo "opinião pública", com o significado de participação popular nas coisas de interesse público, apareceu com Jean-Jacques Rousseau, na metade do século XVIII, quando o autor de O Contrato Social escreveu que a vontade do povo é a única origem da soberania e das leis. Em igual direção e na mesma época, dizia David Hume, em seu célebre Ensaio sobre o Entendimento Humano, que a soberania da opinião pública, longe de ser uma aspiração utópica, é o que pesa e pesará sempre, em todas as horas, nas sociedades humanas. Com a crescente penetração da filosofia democrática, no século XIX, a expressão "opinião pública" começou a ganhar significado, desde a ideia romântica de Napoleão Bonaparte de que "a opinião pública é uma potência invisível". Walter Lippmann O maior clássico sobre Opinião Pública foi escrito pelo jornalista norte-americano Walter Lippmann, onde rechaça a ideia de que a opinião pública é produto da opinião expressa livremente pelos cidadãos. Segundo sua teoria, a opinião pública é produto de gerenciamentos. Diante disto, ele defende que os especialistas (ou intelectuais) se encarreguem de serem os "timoneiros" da opinião pública, administrando as imagens que constroem o pseudo ambiente. Opinião publicada Geralmente os políticos brasileiros tendem a rejeitar críticas ancoradas na opinião pública, reagindo de forma contundente: "não se trata de opinião pública, mas de opinião publicada". A seguir, bombardeiam meios de comunicação que levantam suspeições de corrupção contra parlamentares e governantes. E fecho a coluna com o Ceará. Que mundo doido... É o diabo, o mundo endoidou! Exclamava Maneco Faustino nas ruas de Limoeiro/CE. E completava: - Veja vosmicê: ta se vendo estrela a mei dia; já hai galinha com chifre; cangaceiro dá esmola pra fazer igreja; já apareceu bode que dá leite; chove no Ceará em agosto. Muié já se senta em cadeira de barbeiro. Pedro Malagueta confirmava: - Tá mesmo, cumpade, o mundo endoidou. Tenho três filha, duas casada e uma solteira: as duas casada nunca tiveram menino; agora a solteira todos os ano me dá um neto...
quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Porandubas nº 680

Abro a coluna com um "causo" que me foi enviado do Paraná. Com minhas escusas se alguma leitora ou algum leitor achar a historinha politicamente incorreta. Como estamos em ano eleitoral, cai bem. Promessas de campanha Candidatos de duas famílias disputavam a prefeitura de pequena cidade. Final de campanha. Combinou-se que os dois candidatos e seus familiares teriam de ir ao mesmo palanque. Discursou, primeiro, o candidato com 70% de preferência dos votos: - Povo da minha amada terra, povo ordeiro, trabalhador, religioso e cumpridor de suas obrigações. Eleito, irei resolver o problema de falta de água e de coleta de esgoto. Farei das nossas escolas as melhores da região, educação em tempo integral. Vou construir uma escola técnica do município... E arrematou: - E tem mais, meus amigos, ordeiros, religiosos e cumpridores de seus deveres morais, vocês não devem votar no meu adversário. Ele não respeita nossa gente, nossas famílias, nossos costumes! Ele desrespeita nossa igreja. Ele nem se dá ao respeito. Vocês não devem votar nele. Porque ele tem duas mulheres. O adversário, com 20% de intenção de voto, quase enfartou quando viu a mulher, ao seu lado, cair no palanque. Ela não aguentara ouvir a denúncia do adversário de que o marido tinha uma amante. A desordem ganhou o palanque. A multidão aplaudia o candidato favorito e vaiava o adversário. Cabos eleitorais começaram a se engalfinhar. Passado o susto, com muita dificuldade, o estonteado candidato acusado de ter duas mulheres começa seu discurso, depois de constatar que a esposa estava melhor: - Meu amado povo, de bons costumes e moral ilibada, religioso e cumpridor de seus deveres morais, éticos e religiosos. Quero dizer aos senhores e senhoras aqui presentes, que, se agraciado com seus votos me tornar o prefeito desta cidade, farei uma mudança de verdade. Não só resolverei o problema da falta de água, como farei também o tratamento de todo o esgoto do município, construirei uma escola técnica e um novo hospital! A massa caçoava do coitado e de sua mulher. Foi em frente: - Vou melhorar o salário dos professores, a merenda das crianças e ainda vou instituir o Bolsa Cidadão. Agora, prestem bem atenção. Se os amigos acharem que não podem votar em mim porque tenho duas mulheres, votem no meu adversário. Mas saibam que a mulher dele tem dois maridos. A galera veio abaixo. O pau comeu. Brigalhada geral. Urnas abertas. O candidato chamado de corno perdeu feio para o adúltero. Tomando o pulso Cada semana, esta coluna tenta tomar o pulso do país: os índices do clima político, a temperatura social, os graus da governabilidade, coisas que dependem, frequentemente, dos humores do mandatário-mor. Pois bem. A esfera política se apresenta cercada de dúvidas. Particularmente no que se refere à construção e consolidação da base governista, a escalada que começa em direção à nova presidência da Câmara, as probabilidades que cercam a reforma tributária, ainda este ano, os números que recuam e avançam mostrando que a pandemia não está domada. Portanto, estamos ainda sem rumo e prumo. Para complicar, o ponto morto que o presidente Bolsonaro colocou em sua engrenagem expressiva voltou à marcha de corrida. E o destempero voltou com força com a declaração de que gostaria de "encher de porrada" a boca de um repórter de O Globo que lhe fizera uma pergunta sobre recursos destinados à sua mulher. A pandemia ainda dá o tom Apesar de certo alívio registrado nas áreas produtivas do país, em início de reabertura de negócios, o clima geral ainda é fruto da barreira imposta pela pandemia. Teme-se que os ainda não contaminados, de maneira gradual e sucessiva, sejam apanhados pela Covid-19, que já começa a dar sinais de poder reinfectar uma pessoa já infectada e curada. Portanto, muito cuidado com o andor. O alívio que se espraia por Estados e municípios pode dar lugar à angústia. Cuidado. Esfera política Começo com aplausos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que surpreende com o bom senso externado. Virou guia eficiente nesse momento de tantos desvarios. Decidiu bloquear qualquer projeto voltado para aumento dos planos de saúde, que almejavam aumentos de mais de 20%. Seria mais um peso no bolso da já empobrecida classe média. Rodrigo merece também reconhecimento pela maneira como segura os passos de candidatos à presidência da Casa, a partir de fevereiro do próximo ano. Arthur Lira anda rápido, mas pode queimar suas chances. Seria o nome ideal para comandar uma Câmara tão dividida? Estados quebrados Os Estados estão de pires na mão. Por isso, o dilema é o de esperar por uma reforma tributária que lhes dê alívio, minorando a calamidade financeira. SP, MG, RS e PR projetam rombo de cerca de 40 bilhões, um dado ainda muito preliminar. Suspensão de reajustes a servidores, eliminação de empresas, redução de incentivos fiscais e elevação de impostos estão na pauta de 2021. A economia ainda estará em compasso de espera, sendo um imenso desafio equilibrar receitas e despesas. Índice Hauly Na torcida pelo desfecho da reforma tributária, vejo o meu amigo Luís Carlos Hauly, em torno do qual giram os seguintes índices: 316 palestras; mais de 700 reuniões técnicas; 77.700 páginas no Google "Hauly Tributária" e no Hauly 245 mil páginas. Um craque. Reeleição nas duas Casas? Davi Alcolumbre sonha de olhos acordados com decisão do STF que permita concorrer à reeleição no Senado. Já não é caso de Rodrigo Maia, que já manifestou não pleitear mudança regimental. Ocorre que Luiz Fux, que toma posse como presidente do Supremo em 10 de setembro, não gostaria que esse abacaxi caísse em suas mãos. Gostaria que o tema seja decidido pelo STF ainda no mandato de Dias Toffoli, que se encerra daqui a pouco mais de duas semanas. Há quem defenda ser essa uma questão "interna corporis", a ser resolvida, portanto, pelos próprios corpos parlamentares do Senado e Câmara. E há quem defenda que a reeleição poderia valer para o Senado, não para a Câmara, eis que o mandato de senador é de oito anos. Bolha, bolha, bolha O alerta vem de grandes investidores. Calma lá com essa euforia nas Bolsas. Warren Buffett, um dos maiores, está se voltando para o ouro. O presidente do Bank of America no Brasil, Eduardo Alcalay, teme que os investidores mais afoitos sejam "machucados". A campanha eleitoral I A essa altura, tem muito candidato a prefeito querendo descobrir como fazer sua campanha. Que discurso, o que querem ouvir os eleitores, que meios usar, qual o timing para avançar etc. Pequenos conselhos: 1. Não prometer coisas que não possa fazer; 2. Escolher muito bem os eixos da identidade que precisa ser reconhecida pelo eleitor; 3. Considerar que o discurso será feito em ambiente e audiências ainda tocadas e sob o medo da pandemia; 4. Conhecer muito bem as demandas de setores, categorias profissionais e classes. A campanha eleitoral II 5. Quando houver condições visitar bairros e regiões, sempre acompanhados de pessoas e candidatos a vereador que conheçam o bairro como a palma de sua mão; 6. Ter muito cuidado com abraços, beijos e movimentos que possam gerar contaminação; 7. Sempre que possível, fazer-se acompanhar por profissionais de saúde; 8. Deixar com o eleitor um programa de trabalho objetivo, claro, com ideias centrais fortes, e não em grande número; 9. Aproveitar bem o dia, acordar cedo, ver a agenda, reunir-se com a equipe, distribuir tarefas, conversar com candidatos a vereador, mapear lideranças e entidades com força nas regiões e gastar muita sola se sapato; 10. Usar de maneira interativa as redes sociais, evitando autoelogios. Bolsonaro vai e vem Pergunta recorrente: a melhoria na avaliação da imagem de Bolsonaro veio para ficar? A que se deve? Vamos à análise. O gráfico que aponta a avaliação de um perfil obedece a estes fluxos: 1. Lançamento do nome - índice alto, eis que passa a ganhar visibilidade logo após a eleição; 2. Crescimento - com a elevação gradual da visibilidade - meta que ocorre durante cerca de seis meses; 3. Consolidação, meta a ser alcançada entre segundo e terceiro anos de governo; 4. Clímax - quando o governo alcança seus melhores índices de avaliação - quando o governo vai chegando ao fim e tem um vasto e denso programa de obras e ações a mostrar e 5. Declínio - ocorre para muitos após o mandato, mas, para outros, em momentos tensos do governo. Na minha percepção, a avaliação de Bolsonaro obedece à ciclotimia. Vai e vem. Auxílio emergencial O auxílio emergencial é o fator mais forte para elevação da taxa positiva de Bolsonaro, principalmente na região Nordeste, onde recebeu menor número de votos na campanha de 2018. Lula, a essa altura, perde grandes contingentes eleitorais na região, pois o auxílio emergencial, futuro Renda Brasil, mesmo se baixar hoje para R$ 300,00, canibalizará o Bolsa Família. Ou seja, o programa de Bolsonaro comerá o de Lula. Estilo popular Por outro lado, Bolsonaro, a cada dia, veste mais a roupa do brasileiro comum. Cai nos braços do povo, põe chapéu de couro, monta em cavalo, abraça crianças, beija bebês e as toma no colo, come o que lhe dão. Ora, torna-se uma pessoa como Joaquim, Pedro, João, Mané. E sob o grito de mito, mito, mito, vai puxando a multidão para perto, mexendo com o psiquismo das massas, ativando reflexos condicionados, avolumando os contatos grupais e interpessoais. O estilo é o homem, como ensina a teoria da mistificação das massas. Abriga, ainda, uma linguagem estrambótica, agressiva, que cai bem no sistema cognitivo do eleitorado, que se identifica com ele no verbo do carão, da agressão, da porrada. Particularmente as margens. Já setores do meio da pirâmide tendem a criticá-lo. A economia A respeito da continuidade das avaliações positivas, costumo lembrar sempre sobre o Produto Nacional Bruto da Felicidade, o PNBF, que resulta de um ar mais tranquilo nas margens e no centro da sociedade, menos violência nas grandes e médias cidades e o bolso contendo grana suficiente para abastecer a geladeira e "encher o bucho". Tudo isso dependerá da economia, a locomotiva do Trem Brasil. As perguntas que se fazem a Bolsonaro sobre recursos que teriam sido fornecidos à primeira-dama Michele continuarão a promover querelas entre alas. E troca de disparos nas redes sociais. Mas os danos poderão ser minorados pelos efeitos eventualmente positivos da economia. A conferir. E a pandemia? Se a evolução da pandemia entrar em curva descendente e, mais adiante, se a vacina contra a Covid 19 chegar no fim do ano ou no início de 2021, com vacinação em massa da população, a gestão da crise, considerada desastrosa, acabará sendo canibalizada pelo fato mais recente, a vacinação. Uso muito o termo canibalização para significar um processo de amortecimento/enfraquecimento de uma situação anterior (negativa) pelo fato mais recente (positivo). O aplauso de hoje acaba fazendo esquecer a vaia de ontem. Só os setores mais racionais - classes médias - é que sabem distinguir o certo do errado, o bem do mal, a ruindade da bondade.
quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Porandubas nº 679

Abro a coluna com dois desembargadores aposentados. O nome do médico Dois desembargadores aposentados, do alto de uma juventude acumulada durante oito décadas e meia, encontram-se no aniversário do neto de um deles. Os desembargadores Amaro Quintal da Rocha e Antônio Vidal de Queiroz, como sói acontecer com amigos que se conheceram no início da idade da razão, foram direto ao assunto que mais os motivava: - Até que enfim, encontrei o médico que curou a minha amnésia, disse Amaro. - Como é mesmo o nome dele? Perguntou Vidal. - É, é, é, deixe-me ver, é... é... Como é mesmo o nome dele? Espere aí... é, é... é. O nome, escondido num cantinho do cérebro, relutava em aparecer. Começou a se perturbar. Mas não deixou a onda abatê-lo. - É, é, como se chama... é... é... como se chama mesmo aquela coisa vermelha, amarela, branca, que nasce em um galho cheio de espinhos, aquele assim? (e foi mostrando o tamanho do galho e o formato da coisa). Vidal matou a charada: - Rosa, o nome é Rosa. Amaro, radiante, grita para a mulher que estava sentada logo adiante: - Rosa, oh, Rosa, como é mesmo o nome daquele médico que curou a minha amnésia? Bolsonaro e a base do lulismo Só mesmo no Brasil ocorrem coisas desse tipo: num curto espaço de tempo, o território do lulopetismo por excelência, o Nordeste, 27% da população do país, é invadido pelo novo governante que passa a ocupar o trono do pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro tem sido mais festejado do que Lula dos velhos tempos, quando era um Deus, o Pai dos Pobres, o salvador da Pátria para os nordestinos. É ovacionado aos gritos de mito, mito, mito. Põe chapéu de couro e cai nos braços da massa que espera por ele nos aeroportos. A ponto de um atento olheiro da cena política regional confessar, perplexo, a este consultor: o cenário é do frei Damião do passado. Bolsonaro vai ao Nordeste pela 4ª vez em 19 dias. BO+BA+CO+CA A equação a que tenho me referido todo tempo está presente: Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. O auxílio emergencial na paisagem da pandemia cai dos céus como maná no deserto. E como cai. Permite que famílias carentes abasteçam a velha geladeira desprovida de alimentos. Ademais, o lulismo tem perdido fôlego na região desde os turbulentos tempos de Dilma e escândalos que cercaram o PT. Lula, por seu lado, não abriu o partido para novas lideranças. Os governadores petistas da região até se esforçam para fazer um bom governo, mas a crise econômica, ao lado da crise política e da crise sanitária, solapam as estruturas estaduais. Governar nesses nebulosos tempos tem sido um exercício de arte, técnica e sorte. 2022 já começou Outro interlocutor da região confessa a este analista: "quando você pergunta a um eleitor em quem ele vai votar este ano, comumente ouve a resposta - não sei ainda, só sei que em 2022 votarei em Bolsonaro, no mito". Donde emerge a dúvida: haverá dinheiro para sustentar o auxílio emergencial até 2022? Não se sabe. Mas é notória a satisfação de Jair Bolsonaro com a melhoria de sua imagem e a de seu governo, feitas por pesquisas de opinião pública, sendo as duas últimas feitas pelo Datafolha e XP-Ipespe. Subiu a avaliação positiva - ótimo/bom - caiu a negativa. Em torno de 8% a 10%. Sob essa sombra confortável, o presidente vai exigir de Paulo Guedes que arrume dinheiro para estender o colchão social. E se Guedes disser não? O pragmatismo chegou ao Palácio do Planalto. Se a reeleição vai depender do colchão social, é evidente que o presidente e seu entorno forçarão a barra para garantir a grana. Os desenvolvimentistas, liderados pelo general Braga Neto (Casa Civil) e por Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), os dois ministros mais interessados num forte programa de investimentos e obras, estariam soltando os fios do programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família. A campanha chega às margens dos Estados. No Norte e Centro-Oeste, a tendência aponta para a melhoria dos índices do governo. Apenas o Sudeste, que tem os maiores contingentes eleitorais do país, tende a indicar retração nos números. O eleitor de classe média mais crítico mora na região. E sofre com o empobrecimento puxado pela pandemia, a par das críticas que faz à gestão da crise pelo governo. Uma de Paulo Guedes: ler é passatempo de rico. Por isso, quer taxar livros. Paulo Guedes não mostra ser um scholar de Chicago. Debandada Por isso mesmo, Guedes estará entre a cruz e a caldeirinha: arrume o dinheiro ou, se não quiser, caia fora. A essa altura, a mosca azul da reeleição é o bicho que mais atrai a atenção do governante. Secretários e assessores, ante a escalada da gastança que se esboça, saem em debandada do governo. Quatro já saíram. Paulo Guedes é um ministro que parece insatisfeito. Achava que ia semear a roça do liberalismo com a semente das privatizações. Não tem conseguido. Chegou a sonhar com mais de um trilhão de arrecadação. Vê esse sonho cada vez mais distante. Salim Matar, empresário e rico, pediu as cartas com muito desabafo sobre a lerdeza do Estado. E o próprio mercado já começa a perceber que Guedes não é irremovível. Influi ou não influi? O caso Flávio Bolsonaro influirá ou não na avaliação do seu pai, o presidente? Pelo jeito, o público tende a separar as coisas. A retomada da investigação pelo MP do RJ não terá forte impacto sobre o mandatário-mor. Os impactos Mas as coisas para Bolsonaro e desenvolvimentistas não estarão equacionadas apenas com a vitamina das intenções eleitorais. O Brasil real é o dos milhões de contaminados, dos milhares de mortos - chegaremos a quantos, 150 mil, 200 mil? - do empobrecimento geral da sociedade, da precária estrutura dos serviços públicos, da recessão econômica e, claro, do percurso a ser seguido pela economia mundial. O Brasil já não depende apenas de suas condições. Dependerá de outros. Os investimentos estão em estado de expectativa, de observação. Fala-se em bolha das bolsas. Os maiores investidores, como Warren Buffett, desviam suas compras para o ouro. As interrogações se multiplicam. E a vacina? Pois é. Mais de 150 vacinas estão sendo o objeto de testes no mundo. As mais avançadas - em número de 6 - entraram na fase 3 de testes com humanos. Duas vacinas da China, uma de Oxford, e a da Rússia, que já foi até registrada, sem ainda comprovação de eficácia, estão na frente da batalha científica. O Brasil está entre os países que testam duas vacinas, uma da China, a outra, de Oxford. São Paulo está testando. O Paraná fez acordo com a Rússia. Mas é pouco provável que tenhamos alguma delas ainda este ano. Enquanto isso, uma segunda dá sinais de vida em países europeus (Itália, Alemanha) e na própria China. Uma leitura sobre as oposições As oposições estão fragmentadas. Apenas em seis Estados haverá eleição com coligação majoritária entre PT e PSOL. A leitura que se faz é a de que cada partido oposicionista, face às crises pandêmica, econômica e política, quer se aventurar e apostar em seus protagonistas. Daí a razão de se ver um imenso rolo compressor formado por partidos governistas do Centrão e outros que começam a ostentar o lema de independência. Todos acreditam que terão boa oportunidade em novembro. Em alguns centros mais pesados, a polarização dará o tom. Perfis Até o momento, não surgiram nomes capazes de galvanizar a atenção das massas, a não ser o nome do próprio presidente. O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro perde força. E entra no palco da polêmica como juiz que julgou com parcialidade figuras implicadas na Lava Jato, como Lula. O ex-ministro da Saúde, Luiz Mandetta, entra melhor como vice numa chapa. O governador Eduardo Leite, do RS, a depender de sua performance, poderá se habilitar. O governador Doria, de SP, está com o foco em 2022. Vejamos. João Doria João Doria é um atento governante. Empresário bem-sucedido na área empresarial, decidiu ingressar na área política, da qual nunca esteve afastado por ter convivido com o pai, que foi deputado Federal e cassado pela ditadura. É uma pessoa disciplinada, observador, aplicado e com um vício: o trabalho. Trabalha umas 18 horas por dia. Não bebe e não fuma. Aprendeu, desde cedo, a se articular com os universos político, empresarial e jornalístico. João tem uma feição publicitária e um banda jornalística. Sabe expressar sem cacoetes e sabe vender bem os peixes de sua rede. Dominou o PSDB. Mas o fato de ter deixado na lateral seu ex-mentor, Geraldo Alckmin, pesa na sua imagem. Um ingrato, dizem. Sobrou a impressão de que pensa assim: primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. E cola sua imagem ao creme de la creme da elite jovem empresarial. Virou, por excelência, o alvo de Bolsonaro. A depender do amanhã da economia, pode se consolidar como o principal opositor do presidente. Criou arestas entre os tucanos. E administra bem a pandemia em São Paulo. Sara Winter Essa moça que adotou o nome de Sara Winter é mesmo desastrada. Massificou o nome da menor, 10 anos, grávida, que fez um aborto em Recife, autorizado pela Justiça. O que essa Winter quer? Chuva de visibilidade em torno de seu nome? Deve passar o fim do inverno trancafiada. Pelo que se lê. Fecho a coluna com um senhor rico e bom de Petrópolis. Sou solidário e não pago Antônio Carlos Portela era um senhor rico e bom. Dava aval a todo o mundo, em Petrópolis. Gostava de política. Gostava demais. Quando chegava a campanha eleitoral, sua maneira de ajudar os amigos era avalizar empréstimos para as despesas de campanha. Certa eleição, avalizou um título para um candidato a deputado, que perdeu feio e ficou em dificuldades de pagar. O gerente do banco, sabendo que não receberia do devedor, foi ao avalista: - Senhor Portela, o título está vencido. Preciso que o senhor pague. Como avalista, o senhor é solidário. - Sou, sim. Sou muito amigo dele e estou inteiramente solidário com ele. Se ele não pagou, é porque tem seus motivos. Porque estou solidário, não pago também.
quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Porandubas nº 678

Abro a coluna com uma historinha do Rio Grande do Norte. Condições? Solenidade de promoção da Polícia Militar em andamento, os agraciados com ascenso na carreira da corporação são chamados pelo cerimonial. Um a um recebe diplomação. Absorto em seu lugar, olhar atento a tudo, a maior autoridade presente à solenidade - governador Dinarte Mariz - resolve cochichar à orelha de Luciano Veras, secretário da Segurança do Estado: - Coronel, eu não estou vendo entre os promovidos aquele meu afilhado que lhe fiz recomendação... A resposta do secretário justifica o porquê da ausência do indicado pelo governador: - Eu estive avaliando a carreira dele e observei que não havia condições para ganhar a promoção pretendida pelo senhor. Sem maiores reservas, Dinarte alardeia sua contrariedade com a exclusão técnica: - Luciano, que condições você está falando? Se eu fosse atrás dessas condições nunca teria sido governador. (Quem conta o "causo" é Carlos Santos em seu livro Só Rindo 2) Panorama geral Mesmo com a pandemia em plena ação e espalhando seus mortos por todo o território, a vida parece voltar ao normal em algumas cidades. A semana começou em São Paulo com as ruas cheias, como se viu segunda-feira na rua Santa Ifigênia e imediações. Muita gente. Com máscaras e, também, sem máscaras. A banalização do risco maior - a morte - produz uma camada de entorpecimento. As pessoas deixam de dar valor aos perigos. Há muitas dúvidas no ar. O noticiário sobre os primeiros resultados da aplicação da vacina contra a Covid-19 em voluntários ganha volume na mídia. Há cerca de 120 pesquisas sobre vacinas, com três ou quatro mais adiantadas, incluindo a de Oxford e a russa. Por aqui, tudo igual Por nossas plagas, as coisas até parecem normais. As mais de 100 mil mortes e os mais de 3 milhões de contaminados são lembrados a toda hora, mas a falta de uma coordenação nacional é patente. O general Pazuello, ministro da Saúde, continua como gerente principal, mas o presidente dá sinais de que a culpa pela tragédia das mortes e contaminação é dos governadores e prefeitos. Afasta qualquer insinuação de que é o principal culpado. E continua propagando a eficácia da hidroxicloroquina. Ministros continuam no banco dos testes positivos. O afrouxamento de medidas mostra-se pernicioso, com o empuxo de novas ondas do novo coronavírus. Avaliação melhora No meio da turbulência, o presidente tem o que comemorar. No campo da tragédia, gaba-se de o país não ser um dos primeiros na equação óbitos por milhão de habitantes. Os especialistas refutam e dizem que há de se considerar a identidade de cada país. Por exemplo, no caso da Itália há de ser considerado o alto número de idosos. Mas a comemoração maior do presidente é a melhoria de sua avaliação na paisagem nordestina, até então um espaço quase exclusivo do lulismo. O Bolsa Família do lulopetismo fincou raízes profundas no Nordeste. Agora, cede posições ao bolsonarismo. O presidente, com o auxílio emergencial de R$ 600,00, conquista a região. E se juntar todos os auxílios em um plano que designa como Renda Brasil, ganhará o coração e os votos de uma região que agrega 27% do eleitorado. O nordestino não optou por Lula por este erguer a bandeira vermelha, mas pelo adjutório ao bolso, ou seja, estômago. O verbo e a verba Pois é, o presidente está mudando de postura. Controla um pouco mais o verbo e abre os cofres da verba. Esta para os aliados. Do PP e adjacências. O Centrão está de boca aberta esperando grandes nacos. Não se sabe muito bem de onde virá dinheiro e se a grana arrumada escapará à lei do teto de gastos. O TCU diz: isso vocês acertam com o Congresso. Somos responsáveis apenas pela identificação da aplicação dos recursos. Se o Congresso fez essa lei e quer mudar, que mude. Quem pariu Mateus, que o embale. Ministros do TCU não querem assumir o papel de consultores. Enquanto isso, o senador Flávio, o 01, dá um recado: o ministro Guedes haverá de arranjar um dinheirinho a mais para pagar o programa de infraestrutura. Campanha antecipada O fato é que a campanha Federal de 2022 já começou embolando o meio de campo com a campanha municipal, com data de 15 de novembro para o primeiro turno. Em suma, o fator eleitoral começa a se intensificar e a amortecer o impacto da Covid-19. Bolsonaro quer, desde já, visitar dois Estados por semana. E passa ao largo das denúncias que deixam o filho-senador Flávio a cada dia mais complicado com o caso da "rachadinha". Será difícil explicar os muitos cheques e dinheiro vivo depositados em contas da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. E o caso deverá ir para um desfecho. Esse é o calcanhar de Aquiles do senador e o do pai. Nanicos fora? Em 2017, uma emenda constitucional estabeleceu uma cláusula de barreira para o acesso a recursos do fundo partidário e tempo da propaganda eleitoral, a começar no final de setembro. Pela regra, terão acesso ao fundo e ao tempo de mídia eleitoral os partidos que obtiverem nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades federativas (9 Estados), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. Sob essa chancela, os partidos nanicos estarão de fora, como Rede e PRTB, sendo este o partido do vice-presidente Mourão. O maior tempo será para o PT, com 10,7%, o segundo lugar caberá ao PSL, com 10,1%, o terceiro lugar será ocupado pelo PP, com 7,2%, o quarto pelo PSD, com 6,6% e o quinto pelo MDB, com também 6,6%. Setor ferroviário e o novo normal A Abifer e Simefre (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária e Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviário), em texto no Estadão (blog de Fausto Macedo), chamam a atenção para os "novos parâmetros" que guiarão o setor metroferroviário na era do "novo normal". E sugerem: "a implantação de Autoridades Metropolitanas de Transportes, entidades de Estado, que tratariam do planejamento plurianual, priorização de projetos, financiabilidade, integração dos modais e equilíbrio tarifário, entre outros. Em nível federal, a criação de uma Agência Nacional de Investimentos, órgão de Estado que encamparia as mesmas atribuições quando das relações subnacionais, podendo, inclusive, tornar-se a grande Agência Nacional onde poderiam ser discutidos, projetados, priorizados e promovidos os planejamentos de todo o cabedal de infraestruturas do país. Isso garantiria a realização, a longo prazo, dos projetos de infraestruturas". Como conselheiro das entidades, o presidente da CAF-Brasil, Renato Meirelles, colaborou com as ideias e a formulação do texto. Machismo explícito Nesses tempos de pandemia, multiplicam-se os casos de machismo e outras modalidades de discriminação. A advogada Mariana Maduro fazia ioga às margens da Lagoa, no Rio de Janeiro, quando o empresário Ricardo Roriz e um ambulante passaram a filmá-la sem o seu consentimento, expondo-a nas redes sociais. Mariana fez queixa na delegacia, onde Roriz compareceu para confessar sua "infelicidade", lamentando o ocorrido. A advogada diz que "nunca mais quer fazer ioga". É dever de todos denunciar casos como este. STF terá surpresas? O Supremo Tribunal Federal tem alguns artefatos em fase adiantada de produção. A questão das fake news e a imposição do ministro Alexandre de Moraes de mandar fechar contas de algumas pessoas; a suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro em relação ao processo de Lula; a validade das delações nos casos de Lula e de Michel Temer; o poder da PGR de interferir diretamente nos processos em andamento na Lava Jato, entre outros. The Economist: Biden Revista The Economist registra: "Pela primeira vez na história podemos vislumbrar realmente um Hemisfério Ocidental seguro, democrático e com uma classe média, do norte do Canadá ao sul do Chile e nos lugares entre os dois", disse Joe Biden em um discurso na Universidade Harvard, em 2014. Muita coisa mudou desde então, em particular a destruição de vidas e do sustento das pessoas provocada pela pandemia. Mesmo assim, se Biden for eleito presidente dos EUA, em novembro, para muitos latino-americanos essa será uma perspectiva tranquilizadora e familiar em comparação com o barulho e a fúria imprevisíveis de Donald Trump. Kennedy Alencar registra: "Harris, senadora democrata pela Califórnia, está entre as quatro mulheres mais cotadas para ser a companheira de chapa de Biden. Ela é uma das três negras que a imprensa americana destaca como mais prováveis. A governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, é a única branca nessa G-4 democrata". Maquiando novo imposto Tarefa difícil, para não dizer impossível, é limpar a má fama da CPMF do novo imposto sobre transições financeiras que o ministro Paulo Guedes tenta emplacar no Congresso. Estão chamando esse "achado" de "imposto sindical". E parcela do empresariado mais onerado, como o setor de serviços, tem defendido a proposta. Pode ser que o Centrão compre a ideia, que teria de passar ainda pelo crivo de grandes partidos, como o PT, MDB, PSD e até o PSL, que já foi a sigla do presidente. Uma incógnita: Rodrigo Maia irá colocar a proposta em votação? Maia tem atuado como uma espécie de algodão entre cristais. Impeachment sem condições O Brasil e suas circunstâncias. Mesmo havendo mais de 20 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro, alguns com fortes fundamentos, é pouco provável que algum deles seja colocado em votação. Rodrigo Maia, nesse momento, age também como bombeiro. Não quer atiçar mais ainda a fogueira que se acende no país no meio de uma crise sanitária, uma crise econômica e uma crônica crise política. Sob essa improbabilidade, o presidente cumpre com desenvoltura o seu papel. Eventuais surpresas poderão advir da Corte Maior, o STF. Fecho a coluna com uma historinha da Paraíba. Amigo do papa Rui Carneiro, paraibano matreiro, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha: - Paraibanos, estive em Roma com o Papa. Ele me cochichou: "Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você. Ganhou a eleição". Sebastião Nery, com sua graça, nos brinda com esse causo.
quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Porandubas nº 677

Abro a coluna com duas historinhas, uma de Alagoas, outra do Rio Grande do Norte. Passado a limpo Em Alagoas, um dos políticos que marcou época foi Sandoval Caju. Na campanha para a prefeitura de Maceió, da qual foi cassado em 1964, cometeu tiradas engraçadas. Uma vez, chegou a um comício vestido totalmente de branco: calça, camisa, chapéu, sapatos, tudo branquinho. Foi logo explicando à multidão que cercava o palanque: - Vim de branco para ser mais claro! Pois é, se o país precisa de algo, neste momento, é de muita brancura. Precisa aparecer cada vez mais branco para se tornar cada vez mais passado a limpo. Os coronéis O coronel Lucas Pinto, que comandava a UDN no Vale do Apodi/RN, não dormia em serviço. Quando o Tribunal Eleitoral exigiu que os títulos eleitorais fossem documentados com a foto do eleitor, mandou um fotógrafo "tirar a chapa" do seu rebanho, aliás, do seu eleitorado. Numa fazenda, um eleitor tirava o leite da vaca quando foi orientado a posar para a foto. Não teve dúvida: escolheu a vaca como companheira do flagrante. Mas o fotógrafo, por descuido, deixou-o fora. O coronel Lucas Pinto não teve dúvida. Ao entregar as fotos aos eleitores, deparando-se com a vaca, não perdeu tempo e ordenou ao eleitor: "prega a foto aí, vote assim mesmo, na próxima eleição, nós arrumamos a situação". Noutra feita, o coronel levou as urnas de Apodi para o juiz, em Mossoró, quase 15 dias após as eleições. Tomou uma bronca. - Coronel, isso não se faz. As eleições ocorreram há 15 dias. - Pode deixar, seu juiz. Na próxima, vou trazer bem cedo. Não deu outra. Na eleição seguinte, três dias antes do pleito, o velho Lucas Pinto chegava com um comboio de burros carregando as urnas. Chegando ao cartório, surpreendeu o juiz: - Tá aqui, seu juiz, as urnas de Apodi. - Mas coronel, as eleições serão daqui a três dias. - Ah, seu juiz, não quero levar mais bronca. Tá tudo direitinho. Todos os eleitores votaram. Trouxe antes para não ter problema. Idos das décadas de 50/60. Não havia empreiteiras financiando campanhas. A empreitada ficava mesmo a cargo dos coronéis. Agosto decisivo Entramos em um mês decisivo. Também conhecido como o mês do desgosto, o mês do cachorro louco, o mês das tragédias. Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciava à presidência da República. Carmen Miranda morreu em agosto de 1955. Getúlio Vargas praticou suicídio em 24 de agosto de 1954. No dia 2 de agosto, Hitler se tornava líder da Alemanha. Em 6 e 9 de agosto, Hiroshima e Nagasaki foram atacadas com bombas atômicas, uma das maiores tragédias da Humanidade. Portanto, é bom dar três batidas na mesa antes de continuar a ler este texto. Feito isso, lembremos que neste mês ocorrerão as convenções partidárias para escolha de candidatos a prefeito e vereador nos 5.570 municípios. Mês de definição da base governista. Mês de debate sobre reforma tributária, com uma grande pergunta no ar: vem mais imposto por aí? Aras na defesa Augusto Aras está em evidência. Sua expressão e suas atitudes parecem querer puxar o tapete dos procuradores que integram o batalhão de choque da Lava Jato. Está pareado com o Palácio do Planalto, pelo que se lê. A esfera política tem apreciado as decisões do PGR, sob a crença de que a operação já deu o que tinha de dar. E também em função da antipatia do perfil de Deltan Dallagnol, que está sendo submetido a uma ação no CNMP. STF na linha de frente Quem também protagoniza no palco da política é o STF. Sua visibilidade, como Corte que politiza seus atos, é intensa. Críticas à atuação de seus quadros se espalham. Vídeos e falas de extremo mau gosto, envolvendo alguns ministros, invadem as redes sociais. E quando se pensa que os fulanos serão apenados por causa de declarações ofensivas (e homofóbicas), eis que aparecem novos vídeos. Ao que parece, os ministros não querem responder às ofensas. A desmoralização da nossa mais alta Corte sobe ao pico da montanha. E a vida continua seguindo seu ritmo de tiros, bombas, ataques, calúnias. É o Brasil. Sem coligação Este ano, na área das eleições proporcionais, o princípio a ser seguido é aquele que vem da boca do povo: é tempo de murici, cada um cuide de si. Ou seja, candidato a vereador não será eleito na sombra de coligações, que poderão ainda ser feitas para a área majoritária, a dos prefeitos. Por isso, essa campanha traduzirá o país real da política. Cada partido vai medir efetivamente seu peso na balança política. Como tem sido de praxe, afora algumas praças, onde velhas rixas partidárias ainda se repetem, os nomes dos candidatos puxarão os votos. Será uma campanha nominal, com maior força dos líderes locais. Nacionalização Tenho dito e escrito que a campanha municipal será influenciada, em parte, pelo discurso nacional. Ou seja, os mandatários federais, a partir do presidente Jair Bolsonaro, serão cabos eleitorais em muitos municípios. O voto será dado aos candidatos municipais, sob o espelho do presidente ou de outros protagonistas, como Lula. O país ainda continua muito polarizado, bastando ver a carga de adjetivos e substantivos raivosos que saem nas redes sociais. Até parece que vamos continuar o terceiro tempo da campanha de 2018. Isso é muito ruim. Ódio destilado A carga de ódio que as duas alas do extremo ideológico destilam por dia transforma o país em um território de intensa beligerância, fato que escamoteia nossos verdadeiros problemas, as demandas sociais, os serviços públicos essenciais. Fôssemos uma sociedade apaziguada, seríamos uma gente mais solidária. Vivemos um dos momentos mais trágicos de nossa história e a beligerância em um Brasil dividido acaba banalizando a tragédia, os riscos, a morte que locupleta os cemitérios. Até quando viveremos sob estado de guerra permanente? 2º turno Ao que se percebe, examinando as primeiras planilhas em capitais e cidades grandes, a grande quantidade de candidatos tende a levar o pleito de novembro ao 2º turno. Será muito difícil a um candidato vencer na 1ª rodada da eleição. Vejo assim: os extremos do arco ideológico, em torno de 10% do eleitorado, emplacarão os perfis com os quais se identificam; as margens sociais, em torno de 40%, tendem a escolher perfis que estão mais próximos a elas e, se possível, com feitos em suas regiões; o meio da pirâmide, incluindo o poderoso segmento de profissionais liberais, em torno de 45%, tende a selecionar perfis mais avançados no campo da cultura política; o topo vai de candidato conservador. Variações para lá e para cá. Mas a análise nesse momento é que um sopro de grande renovação depure mais os ares poluídos das municipalidades. Trump e a pandemia Por não estar gerindo bem a pandemia nos EUA, Donald Trump está em queda nas pesquisas. Um pandemônio açoita a sociedade norte-americana. Se Biden, o ex-vice de Obama e candidato democrata, vencer, o Brasil vai ter de rearrumar sua diplomacia, que se isola do concerto das Nações por obra e graça do chanceler Ernesto Araújo. Fake news Como analista de política e conhecendo um pouco nossa cultura política, não tenho dúvidas: teremos uma lei sobre fake news, punindo seus difusores, mas alerto: elas não morrerão. A versão ou as versões sobre um determinado fato fazem parte do DNA do ser humano. Integram o impulso combativo/defensivo dos indivíduos. As histórias, muitas, transformam-se em estórias, "causos", nas versões de uma retórica política. De tempos imemoriais até hoje, os relatos sobre um mesmo acontecimento dividem as opiniões. Recomendo a leitura de um texto de B. Brecht: "Cinco maneiras de dizer a verdade". A cloroquina Pois é, essa tal de cloroquina e a hidroxicloroquina permanecerão em nosso sistema cognitivo por muito tempo. Mesmo depois da pandemia - se ela passar - continuará frequentando nossas mentes. Quando o presidente da República, do alto de sua posição, garante que se curou tomando aquele remédio, o povo mais ignaro acredita mesmo. Agora surgiu mais uma droga receitada pelo prefeito de Itajaí/SC: uma pílula (comprimido, algo assim) que se introduz no reto por 10 dias. Brincadeira? Não. Recebi um vídeo. E deve ter muitos adeptos esse prefeito. Fecho a coluna com Cabralzinho. Cuidado com os ladrões... Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província: - Ladrões! A praça, apinhada de gente, levou o maior susto. - Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração! Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso: - Ladrões! Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total. - Cambada de ladrões! Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava: - Espera que eu explico! Espera que eu explico! Explicou. Ao médico, no hospital. (A historinha é narrada pelo insuperável Sebastião Nery).
quarta-feira, 29 de julho de 2020

Porandubas nº 676

Abro a coluna com duas historinhas: uma, da Bahia de Otávio Mangabeira, outra de Jânio Quadros. O professor Nelson Valente, quem mais conhece a história de JQ, tem um grande repertório de casos e "causos". E livros. Vieram e não me encontraram Otávio Mangabeira foi governador da Bahia, ministro de Relações Exteriores e um sábio da velha política. Tinha um amor todo especial à língua. E cuidava do português a todo preço. Chega uma comissão de professoras ao palácio, Mangabeira as recebe no salão. - Governador, nós viemos aqui conversar com V. Excelência sobre a situação do ensino na Bahia. (Deviam, claro, ter dito "vimos", que é o presente. "Viemos" é o passado.). Mangabeira respondeu apenas: - Que pena, senhoras professoras, vieram e não me encontraram. E voltou para o gabinete. Adão O agricultor Antenor Vieira Borges, residente em Santa Catarina e que mandou ao presidente Jânio Quadros uma maçã de 850 gramas, colhida em sua plantação, recebeu o seguinte bilhete do presidente da República: "Prezado Antenor: Abraços. Recebi a maçã de 850 gramas, que você enviou, produto da técnica e das terras catarinenses. Um colosso! Não há Adão que resista a essa fruta". Ânimo e desânimo O ânimo perde para o desânimo nesse estágio em que estamos. A pandemia está começando a tirar os mais jovens das casas, o que gera maior propensão à contaminação. O clima de irritação se soma a uma atitude "seja o que Deus quiser", um certo conformismo com a situação. A angústia reluta em ir embora. E os números surpreendentes que lotam os cemitérios vão se tornando coisas banais. Mais afetados Registro mensagem que recebi. Os países mais afetados pela Covid-19 são Estados Unidos, Brasil, Rússia, Índia, Espanha, Reino Unido, Itália e França. Comandados por Donald Trump, Jair Bolsonaro, Vladimir Putin, Narendra Modi, Pedro Sanchez, Boris Johnson, Giuseppe Conte e Emmanuel Macron. Mulheres: melhores Já os países que melhor administram a pandemia são: Alemanha, Taiwan, Nova Zelândia, Islândia, Finlândia, Noruega e Dinamarca. Sob a gestão de Angela Merkel, Tsai Ing-wen, Jacinda Ardern, Sanna Marin, Erna Solberg e Helle Thorning-Schmidt. Imagem do Brasil Nunca o Brasil teve imagem tão ruim no concerto das Nações como neste momento. E o governo, a partir do presidente, não tem dado nenhum sinal de preocupação. O chanceler Ernesto Araújo mostra-se incapaz de acompanhar a diplomacia internacional. Faz do Ministério das Relações Exteriores um ambiente hostil aos diplomatas que não comungam com seu credo ultraconservador. Desprezando o tabuleiro da diplomacia internacional, ameaça jogar o Brasil para fora do jogo das Nações. Haia A denúncia contra o presidente no Tribunal Internacional de Haia não mereceu de Bolsonaro nenhuma palavra. Seus assessores julgam a questão como coisa menor, insignificante. Terrível: quem passa por aquela Corte são os piores ditadores do planeta, alguns considerados genocidas. Guedes perde gente O ministro Paulo Guedes perdeu mais um quadro de sua equipe: Caio Megale, da Secretaria Econômica. Já perdera Mansueto de Almeida, do Tesouro, e Marcos Troyjo, do Comércio Exterior. E quem está saindo também é o presidente do BB, Rubem Novaes. Diz Guedes que está elevando ainda mais o nível de sua equipe. Conversa mole pra boi dormir. Impressão é que a turma que deixa o governo, o faz não apenas por questão de salário. A taxa média de felicidade no governo Bolsonaro deve ser abaixo de 5. Recursos para a campanha A campanha municipal deste ano será uma das mais baratas e modestas que o país terá. Municípios quebrados, cofres vazios, saúde devastada com estabelecimentos hospitalares sem equipamentos, pandemia provocando retração do eleitorado, eleitor mais consciente e exigente, candidatos sem os dribles verbais do passado - essa será a paisagem de novembro. Grandes, médios e pequenos Teremos uma campanha centrada em nomes e não em partidos. Grandes e médios partidos poderão se surpreender com o desprezo que o eleitor tende a demonstrar na campanha. As aglomerações serão poucas, o temor da pandemia esvaziará comícios. O que ouviremos será forte buzinaço, com eleitores dentro de carros sentindo-se seguros contra o novo coronavírus. Marcos da Costa O advogado Marcos da Costa, que comandou a OAB/SP por dois mandatos, deverá ser o candidato do PTB à prefeitura de São Paulo. Marcos está à frente de um bom programa de debates - "Conversa entre Amigos" - onde recebe políticos, empresários, advogados e quadros da comunicação para debater questões nacionais. É reconhecido como um grande gestor. Bruno Covas Quem será o vice na chapa de Bruno Covas? Pensam em Marta Suplicy, que tem boa imagem nas margens. Mas as pressões são intensas. Mulher terá boa votação esse ano. Basta ver o número de mulheres a disputar as prefeituras de capitais. Mais de 10. Chapa pura só de tucanos não seria boa coisa. O tucanato está em queda. As margens seguram Muita gente intrigada com a performance de Jair Bolsonaro na faixa dos 30% de aprovação do governo. Explicação plausível: o auxílio emergencial de R$ 600,00. O Nordeste, onde o presidente teve votação mais baixa, aplaude o auxílio. Esse programa deve se tornar o símbolo social do governo. Chama-se Renda Brasil e substituirá o Bolsa Família. Cada governante com seu bornal a tiracolo. Lembrem-se de minha repetida equação: BO+BA+CO+CA=Bolso Cheio, Barriga Satisfeita, Coração Agradecido, Cabeça decidindo votar no patrono do bolso. Guedes liberal E o Paulo Guedes com sua bandeira liberal, hein? Era a coluna vertebral do governo Bolsonaro. Um amplo programa de privatização que previa a privatização de cerca de 600 empreendimentos governamentais. Até o BB estava nessa. Mas aí chegou para nos visitar o Senhor Imponderável dos Infernos, com a capa da morte que cobre os cemitérios do planeta. Pior, esse senhor, de nome Covid-19 não tem pressa para ir embora. Vai aumentar o seu círculo de mortos e contaminados por um longo tempo. Centrão se quebra O Centrão, que reúne em torno de 250 deputados, começa a afinar com a saída do bloco do MDB e do DEM. O Bloco é liderado pelo deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas, que também age como líder informal de Bolsonaro. Lira sonha em presidir a Câmara, mas, ao que sabe, não combinou com os russos, no caso o poderoso comandante da Câmara, Rodrigo Maia. Quando se pensa que Rodrigo perde força, eis que demonstra vigor. Trata-se do mais forte articulador do Congresso Nacional. Planejamento de campanhas Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar cria um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; ante a pandemia, aglomerações e concentrações serão evitadas; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo de planejamento. Marketing : os 5 eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos (redes sociais), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões... muito cuidado - carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. Mas nesse ano, esta área deverá ser reformulada. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado. Ênfases O planejamento de uma campanha abriga todos os aspectos de uma campanha política, com a inclusão das metas, objetivos, estratégias, táticas, meios e recursos, equipes e estrutura de operação, sistema de marketing, estudo dos adversários etc. O mais importante é o foco sobre os eixos do marketing eleitoral, acima apresentados: a pesquisa, a proposta de discurso (os programas), a comunicação, a articulação e a mobilização. A pesquisa objetiva mapear interesses e expectativas do eleitorado. É vital para estabelecer e/ou ajustar o discurso do candidato. O que e como pensam as classes médias? E as margens como e o que pensam dos candidatos? Sem pesquisa, atira-se no escuro. A pesquisa qualitativa tem a vantagem de descobrir os mapas cognitivos dos eleitores, aquilo que eles estão pensando. É fundamental, na medida em que o mapeamento do sistema de interesses e expectativas do eleitorado deverá ser o centro do discurso. A pesquisa quantitativa, essa será bastante maquiada, servindo apenas para medir intenção de voto, em determinado instante. Na campanha desse ano, o voto decisivo aparecerá apenas no final.
quarta-feira, 22 de julho de 2020

Porandubas nº 675

Abro a coluna com uma historinha do Paraná. A conversa do jardim Manuel Ribas, interventor no Paraná (1932/1935), depois governador (1935/1937), despachava no palácio, mas gostava de morar em sua casa. Bem cedinho, chega um rapaz e encontra o jardineiro regando o jardim: - Seu Ribas está? Sou filho de um grande amigo dele. Meu pai me mandou pedir um emprego a ele. Eu podia falar com ele? - Poder, pode. Mas, e se ele não lhe arrumar o emprego? - Bem, meu pai me disse que, se ele não arranjasse o emprego, eu mandasse ele à merda. - Olhe, rapaz, passe às 4 da tarde lá no palácio, que é a hora das audiências, e você fala com ele. Às 4 horas, o rapaz estava lá. Deu o nome, esperou, esperou. No salão comprido, sentado atrás da mesa, o jardineiro. Ou seja, o governador. O rapaz ficou branco de surpresa. - O que é que você quer mesmo? Repetiu a história. "Meu pai me mandou pedir um emprego ao senhor". - E se eu não arranjar o emprego? - Então, seu Ribas, fica valendo aquela nossa conversa de hoje de manhã, lá no jardim. Luz no fim do túnel Primeiro, notícias auspiciosas. O Brasil começa a testar vacinas contra a Covid-19: uma, produzida pela Universidade de Oxford, em parceria com a Astrazeneca, considerada segura, com poucos efeitos colaterais, e que estimula a produção de anticorpos e células do sistema de defesa; outra, desenvolvida pela CanSino Biologics e pela área militar da China, com resultados animadores. Vamos esperar os testes dessa fase, considerada a de número três. Há, ainda, uma terceira vacina, com bom perfil de resposta imune, fabricada pela alemã BioNTech com a multinacional Pfizer. Os testes com a fórmula chinesa começam a ser aplicados em São Paulo. Um dos cinco Estados, além do DF, a receber as vacinas para testes. Portanto, começa a aparecer uma luz no fim do túnel. Sem processo O eleitor de Donald Trump se compromete a não processar o candidato caso pegue a Covid-19. Trump passou a fazer comícios em ambientes fechados. Diz o documento apresentado ao eleitor: "Ao clicar na confirmação abaixo, você reconhece que existe um risco inerente de exposição à Covid-19. Ao participar do comício, você e todos os seus convidados declaram voluntariamente não acionar judicialmente Donald J. Trump pelos riscos relacionados à Covid-19". Coisas do Brasil I A reabertura de atividade no comércio e em áreas de serviços está ocorrendo sem muita preocupação com os picos de mortos e contaminados pela Covid-19. Pressão de setores. Olho nas urnas de novembro. Demagogia e populismo. Muitos setores deveriam continuar fechados. Brasil da improvisação. Coisas do Brasil II O surto de contaminados e mortos subiu em Minas Gerais. O poder executivo municipal, comandado pelo prefeito Alexandre Kalil, determinou, nos termos da decisão do STF que autoriza governos e municipalidades a tomar medidas para conter a pandemia, o fechamento de bares e restaurantes. E eis que um juiz, alegando "tirania" de Kalil e "desespero" imposto pela mídia, autoriza a reabertura de bares e restaurantes. Medidas semelhantes estão sendo tomadas Brasil a fora. O nosso Judiciário parece desconhecer a tragédia que contabiliza mais de 80 mil mortos. Coisas do Brasil III Um desembargador, Eduardo Siqueira, considerado "um sujeito desprezível" por sua colega de Corte, desembargadora Maria Lúcia Pizotti, flagrado sem máscara na orla da praia de Santos, hostilizou um guarda metropolitano, chamando-o de "analfabeto", rasgou o papel que lhe foi apresentado, telefonou para o secretário de Segurança da cidade, enfim, desprezando a ação do fiscal. O país clama por uma lei de abuso da autoridade. Onde está este instrumento normativo? Ou vamos continuar cultivando: "você sabe com quem está falando"? Coisas do Brasil IV Entidades ligadas à saúde, aqui e alhures, desaconselham o uso da cloroquina pelos graves efeitos colaterais que pode provocar. O nosso presidente Bolsonaro não só defende o remédio publicamente como anda dizendo que está se curando da Covid-9 graças a ele. Entre abril e junho, o governo recebera 2,5 milhões de comprimidos do Exército. E já havia encomendado, segundo o jornalista José Casado, de O Globo, 3 milhões de unidades à Farmanguinhos para combate à malária. E eis que os EUA doam mais 2 milhões de comprimidos. A soma daria para abastecer por 38 anos o mercado nacional. E há mais desatino: como os frascos vem com 100 comprimidos, é necessário o fracionamento em doses individuais. O general Pazuello, da Saúde, quer que Estados e municípios façam e paguem por isso. Esse remédio, leio, precisa ser manipulado de modo especial. Quem vai fazer isso? Coisas do velho Brasil. Coisas do Brasil V Em São Paulo, a pessoa que circula em áreas públicas sem máscara recebe uma multa de R$ 500,00. Basta uma ligeira olhada nos transeuntes em parques e nas ruas para ver o descumprimento das normas. E não se veem fiscais multando. Eita, Brasil velho. A quarta sociedade Esse velho Brasil nos coloca na moldura da quarta sociedade mundial. Quem acompanha esta coluna deve lembrar desse retrato do nosso país. Há quatro tipos de sociedade no mundo: o primeiro é a sociedade inglesa, onde tudo é permitido, salvo o que for proibido; o segundo é a sociedade alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; o terceiro é a totalitária, ditatorial, onde tudo é proibido, mesmo o que for permitido; e o quarto tipo é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que for proibido. Mais ou menos Por nossas plagas grassa a desconfiança, estiola-se a crença nas autoridades, quebram-se a todo o momento os elos da cadeia normativa. "É para fazer isso conforme prescreve a lei?". Mesmo tendo um olho no malfeito, o transgressor não quer saber. Pratica o que acha mais conveniente. E o bom senso não é respeitado? Apenas quando não fere o que a pessoa acha seu direito. Por isso mesmo, o advérbio talvez seja mais apreciado do que a certeza impressa na cultura anglo saxã: sim, sim, não, não. Experimente perguntar a um brasileiro quantas horas trabalha por semana. Ele vai responder: "trabalho mais ou menos 40 horas". O senhor é religioso? "Sou católico, mas não tenho ido à missa". Ranking de governadores Semana passada, fiz um roteiro com os nomes de governadores dos Estados e solicitei aos leitores que dessem uma nota ao desempenho do governador de seu Estado e a outros, caso tivessem conhecimento de sua performance. Hoje, apresento o resultado desta enquete. Vejam bem: enquete. Não se trata de pesquisa com rigor metodológico. Deixei de fora os governantes que receberam até 5 respostas. A coluna obteve 181 votantes. Governador UF Partido Média Eduardo Leite RS PSDB 6,96 Renato Casagrande ES PSB 6,47 Ronaldo Caiado GO DEM 6,27 Romeu Zema MG NOVO 6,17 Ratinho Junior PR PSD 5,68 João Doria SP PSDB 4,48 Flávio Dino MA PCdoB 4,46 Ibaneis Rocha DF MDB 4,31 Camilo Santana CE PT 4,19 Fátima Bezerra RN PT 4,19 Carlos Moisés SC PSL 3,86 Paulo Câmara PE PSB 3,46 Wellington Dias PI PT 3,20 Rui Costa BA PT 3,03 Renan Filho AL MDB 3,02 Helder Barbalho PA MDB 2,83 Wilson Lima AM PSC 2,40 Wilson Witzel RJ PSC 1,09 Leite e Witzel A performance de Eduardo Leite ganha certo destaque no conjunto votado. É um nome que cresce na floresta dos tucanos. Mas o que chamou a atenção deste analista político foi o número de notas baixas atribuídas aos governantes. Merece atenção, ainda, o péssimo conceito atribuído ao governador do Rio de Janeiro. Mais adiante, perto das eleições, faremos nova enquete. Boulos e Erundina O PSOL fechou com a chapa Guilherme Boulos, cabeça de chapa, e Luiza Erundina, que tem uma boa votação nas margens. Boulos está mais moderado. Marta vereadora? Se Marta Suplicy não conseguir ser vice de Bruno Covas na chapa, pode se candidatar a vereadora. Tatto Gilmar Tatto não tem perfil para disputar a prefeitura de São Paulo pelo PT. O problema é que Fernando Haddad, o sonho de Lula como candidato, rejeita a hipótese. O partido tem em São Paulo seu maior bastião oposicionista do Brasil. Covas Bruno Covas tomou novo fôlego após mostrar coragem e disposição no combate ao câncer. Lembra a índole do avô Mário Covas. Tem grande chance de se reeleger. Suplicy e Bolsonaro Leio que o vereador Eduardo Suplicy mandou o livro Utopia, de Thomas Morus, ao presidente Jair Bolsonaro. Com sua histórica recomendação em defesa da renda mínima. Este analista político desconhecia a faceta humorística do ex-senador.
quarta-feira, 15 de julho de 2020

Porandubas nº 674

Abro a coluna com uma historinha de São Paulo. "Me ajude, governador, me ajude" Geraldo Alckmin é um colecionador de "causos". Todas as vezes em que nos encontramos, saca logo a pergunta: "E as Porandubas?". O ex-governador de São Paulo é dos nossos colaboradores. Leiam este "causo" de sua verve. Um prefeito de São Paulo chega ao então governador, e, sem delongas, expressa a sua angústia: - Governador, pelo amor de Deus, me ajude, me ajude, me socorra! Estou perdido! - Por que tanta aflição, prefeito, afinal você está apenas no meio do mandato. Há dois anos ainda pela frente. O prefeito, cochichando no ouvido do governador, em tom de confessionário, conta o motivo: - Governador, eu exagerei. Prometi demais, governador. Muito mais do que podia cumprir. E hoje estou apertado por todos os lados. Não tenho condição de pleitear um novo mandato. Me ajude, governador, me socorra! Alckmin abriu os braços, balançou a cabeça em sinal de dúvida, mas não teve coragem para dizer: "quem pariu Mateus que o embale". Preferiu abrir uma ruidosa gargalhada! Prefeitos, as cobranças vão continuar. Panorama geral Clima menos pesado A sensação é a de que o país começa a viver um clima menos pesado nos últimos dias. Em parte, pela reabertura gradual de atividades no comércio e nos serviços e em parte porque a população parece ter se acostumado com a rotina ditada pela pandemia, a partir do uso de máscaras. Mas não é o caso de relaxar. Em nove Estados, os números cresceram na última semana. O fato é que as regiões apresentam impactos diferenciados. Manaus, por exemplo, onde a situação era devastadora, entrou em queda. Já o Centro-Oeste vive momentos de altos números. Em Minas, ante a gravidade da pandemia, as autoridades pensam em resgatar o lockdown. Perspectivas boas e ruins Os horizontes sinalizam esperança e certo desânimo. A esperança emerge na onda de vacinas que começam a ser testadas em alguns países. Os relatos são otimistas. A Rússia entra na terceira fase de testes. Na Europa, Alemanha e Reino Unido avançam. Na China, os testes também estão avançados e contam até com a parceria brasileira. Em alguns países, a barreira sanitária tem impedido a disseminação da Covid-19. O lado pessimista aponta rebaixamento da imunidade das pessoas que desenvolveram anticorpos contra o vírus. Depois de alguns meses - falam em três - a pessoa poderá cair novamente doente. Uma espécie de vaivém. A mostrar que esse danado de bicho tem condições de ganhar força na esteira das fragilidades humanas. Pós-pandemia A cada dia aumentam as projeções de que o mundo jamais voltará a ser o que era. Há quem fale em uma ruptura que abrirá espaços a uma "explosão de inovação e uma política não binária". Quem diz isso é um dos mais renomados analistas da cena internacional, Thomas Friedman, colunista do New York Times, em conversa com Luciano Huck. Para o analista, a pandemia vai levar a uma demolição criativa e exigir uma visão ecossistêmica da realidade. O home office, por exemplo, veio para ficar, chegando-se a calcular que seja algo entre 30% a 40%. Os cuidados com a natureza redobrarão. A saúde estará em primeiro lugar das prioridades. Gilmar x Forças Armadas Mais uma pendenga no ar. Em uma conversa virtual, falando do vazio na política da saúde e no ministério ainda ocupado por um interino, o general Eduardo Pazuello, o ministro do STF, Gilmar Mendes, fez um comentário que desagradou às Forças Armadas. Teria sugerido que, a continuar a escandalosa situação, o Exército seria associado ao genocídio. O ministro das Forças, general Fernando Azevedo, fez nota de protesto. O vice, general Mourão, disse que Gilmar se excedeu. O mal-estar permanece no ar, esperando-se que o presidente do Supremo, Dias Tofolli, que já foi assessorado pelo general Azevedo, ponha panos molhados para abafar a fogueira. Agora... Sem querer entrar no mérito da questão, urge perguntar: por que isso ocorre? Ora, pelo excesso de militares no governo. Li que já passam de três mil colaboradores. É inevitável que se faça uma associação entre políticas de governo - fracasso ou sucesso - ao desempenho dos militares. Mesmo que se lembre o fato - militar reformado é civil no governo - de que eles integram o corpo governamental. Essa tentativa de separação é um drible expressivo. Com todo respeito. Encolhimento Mais um cálculo se apresenta: os donos de fortunas financeiras vão encolher cerca de 6% na esteira da pandemia. Ou seja, essa montanha de dinheiro descerá para US$ 300 bilhões, subindo novamente ao patamar de US$ 490 bilhões apenas em 2024, com expansão anual média de 13,2%. Testando A coluna sempre acompanhou o desempenho dos governadores, assinalando resultados de pesquisas e até de enquetes, levantamentos sem critérios científicos. Hoje, propõe aos leitores dos Estados para darem uma nota de 0 a 10 ao desempenho de seus governantes. Se tiverem conhecimento do desempenho de outros figurantes, podem atribuir também uma nota. Enviar questionário por e-mail (clique aqui). - Eduardo Leite- Rio Grande do Sul - ( ) - Carlos Moisés- Santa Catarina - ( ) - Fátima Bezerra -Rio Grande do Norte ( ) - Wilson Witzel - Rio de Janeiro ( ) - João Doria - São Paulo ( ) - Wellington Dias - Piauí ( ) - Paulo Câmara - Pernambuco ( ) - Ratinho Junior - Paraná ( ) - João Azevedo - Paraíba ( ) - Helder Barbalho - Pará ( ) - Romeu Zema - Minas Gerais ( ) - Reinaldo Azambuja - Mato Grosso do Sul - Mauro Mendes - Mato Grosso ( ) - Flávio Dino - Maranhão ( ) - Ronaldo Caiado - Goiás ( ) - Renato Casagrande - Espírito Santo ( ) - Ibaneis Rocha - Distrito Federal ( ) - Camilo Santana - Ceará ( ) - Rui Costa - Bahia ( ) - Wilson Lima - Amazônia ( ) - Waldez Goes- Amapá ( ) - Renan Filho - Alagoas ( ) - Gladson Cameli - Acre ( ) - Mauro Carlesse - Tocantins ( ) - Belivaldo Chagas- Sergipe - Antonio Dennarium - Roraima ( ) - Marcos Rocha - Rondônia ( ) O papel dos governadores Será vital o papel dos governadores na eleição de 15 de novembro. Desta feita, há um tema posto na mesa da política e que reúne todos os protagonistas: governadores, prefeitos e vereadores - a Covid-19. (Livrem-se desse número rsrs). Portanto teremos uma campanha municipal com toques estaduais. Se o governador é bem avaliado no combate à pandemia, passará sua boa imagem aos seus candidatos. A recíproca é verdadeira. Mas a micropolítica deverá também dar o tom: os benefícios às cidades, bairros e regiões. O atendimento às demandas rotineiras do eleitorado. Polarização nas grandes cidades Questão recorrente: a polarização estará nas urnas? Sim. Mas restritas às grandes cidades. Os conflitos entre bolsonaristas e esquerdistas não refluirão no curto prazo. A polarização é o pasto onde se refestelam os bandos extremos. O eterno conflito alimenta os dois lados do cabo de guerra. Com o tempo, haverá arrefecimento deste posicionamento, sob a saturação que sobe aos sistemas cognitivos das classes médias, a partir da teia gigantesca dos profissionais liberais. Um ano mais triste Mesmo a campanha eleitoral entrará na queda das folhas mortas de outono ou nos ares mais gélidos do inverno. E nem a primavera de setembro será capaz de transferir cores vivas à campanha. Vivemos um ano triste sob a visão de milhares de covas ao nosso redor. Não será simples apagar visões lúgubres. Curtiremos o inverno de nossas desesperanças e não celebraremos a primavera como nos anos passados. Não se trata de entrar em sofrimento. Mas os tempos de angústia não passam tão rápido como as ventanias desse assombrado inverno. Que a natureza se renove, traga-nos ares mais puros e nos aponte, até o Natal de dezembro, um fio capaz de nos levar ao campo de novas esperanças. Buscar a felicidade é um ato de lindeza do ser humano. Homenagens São muitos os brasileiros e instituições que merecem homenagens por terem, ao longo de suas vidas, dedicado esforços em prol do desenvolvimento do nosso país. Em muitas Nações democráticas, a partir dos EUA, esse denodado espírito cívico é intenso e constantemente lembrado. Por aqui, os benfeitos são quase sempre jogados na vala do esquecimento. Neste momento de valorização de perfis cívicos, faço questão de citar uns poucos para tentar enaltecer o orgulho que temos de algumas instituições e perfis de grandeza: 1. Pesquisadores de Institutos, hospitais, associações e afins dedicados às descobertas sobre a pandemia que nos consome. 2. Profissionais da Saúde, a partir da valorosa categoria de enfermeiras (os). 3. CIEE - A maior ONG brasileira, focada na educação e desenvolvimento do jovem. 4. Instituto Mais Plural - Espaço de Debates sobre Realidade Brasileira, reunindo pensadores dos melhores quadros do país e comandado pelo advogado, ex-presidente da OAB/SP, Marcos da Costa. 5. Instituto Baccarelli - Que abriga a Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Exemplo magnífico de empreendimento social. 6. Profissionais do cotidiano, com destaque aos entregadores de comidas e produtos que abastecem famílias. Pessoas físicas 7. Antônio Ermírio de Moraes - (Homenagem Póstuma) - Benemerência - O mais integrado empresário brasileiro à causa da saúde. Exemplo de grandeza, simplicidade e dedicação. 8. Jorge Gerdau - Empresário que pensa grande sobre o país. 9. Juca de Oliveira - Ator e autor de grandes peças que elegem o riso como ferramenta crítica. 10. Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF, um humanista de primeira grandeza. 11. Drauzio Varella - Um médico que faz da expressão um remédio para salvar vidas. 12. Luiz Trabuco - Um profissional respeitado e do mais alto nível que ajuda o país com sua identidade ligada às finanças. Bom pensador. 13. José Pastore - Um iluminado analista das questões do trabalho. Um sábio. 14. Dom Fernando Figueiredo - O bispo da Zona Sul com sua simplicidade para levar Deus aos mais carentes. Simpatia irradiante. 15. Luiz Carlos Hauly- Ex-deputado, que faz da reforma tributária o credo de sua vida. 16. Roberto Dualibi - Um publicitário que conferiu grandeza e respeito à arte publicitária. 17.Marcelo Alecrim - Um dos melhores exemplos do empreendedorismo nacional. 18. Renato Meirelles - Alto executivo, um sábio da malha ferroviária do país. 19. Ignacio Loyola Brandão - Um cronista que faz bem à nossa alma com seus belos textos sobre a vida cotidiana. 20. Walter Maierovitch - Jurista, ex-desembargador, comentarista de alto nível da CBN, intérprete de complexos problemas que envolvem a teia institucional. Campanha eleitoral Estratégias e táticas Candidatos de todos os partidos ganham mais força quando estabelecem planejamento de suas campanhas. Pequeno roteiro: - Buscar o apoio de entidades organizadas da municipalidade - sindicatos, associações, federações, clubes, movimentos, núcleos; - Montar sistema de aferição (pesquisa) de modo a mapear demandas e interesses dos bairros e regiões; - Estabelecer um programa abrigando ações e projetos específicos para as áreas e elegendo como focos determinados setores da sociedade (mulheres, crianças, jovens, etc.); - Criar agenda de eventos - pequenos eventos, bem articulados, com pequenos grupos, de forma a estabelecer forte interação entre os interlocutores; mais eventos pequenos funcionam melhor que eventos grandes; - Criar forte identidade - eleger dois ou três grandes eixos que possam identificar rapidamente o candidato, de forma a estabelecer um diferencial em relação a outros; - Escolher um grupo de conselheiros entre os nomes mais respeitados da comunidade e que sirva de referência; - Estabelecer um fluxo de comunicação para a campanha, obedecendo aos ciclos: lançamento do nome; crescimento da campanha; consolidação da visibilidade; maturidade; clímax da campanha e declínio. Deixar volumes maiores para as últimas fases; - Formar ampla rede de apoiadores/cabos eleitorais de confiança, fazendo com que cada eleitor seja, ele mesmo, um cabo eleitoral; - Formar uma teia de divulgadores/trombetas de campanha, pessoas que começam a falar das virtudes e qualidades do candidato, de modo natural, conquistando, assim, a simpatia dos ouvintes. Sem demonstrar arrogância; - Planejar o dia D. Dia das Eleições. Logística, visibilidade/publicidade (controlada), sistemas de articulação/mobilização/apuração, etc.
quarta-feira, 8 de julho de 2020

Porandubas nº 673

Abro com historinhas do Pará. E as crianças? O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral: - Como vai? E a senhora sua esposa? E as crianças? - Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo? - E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos? Por unanimidade Outra figura folclórica do Pará foi Magalhães Barata, revolucionário em 1924 e 1930, interventor, constituinte em 46, senador e governador. Tinha ele um candidato a prefeito de Santarém. Mas o diretório local do PSD queria outro. Ia perder. Foi lá, conversou, pediu votos. Não teve jeito. Perdeu a eleição no diretório: 15 a 5. Pegou o microfone: - Meus senhores, pela primeira vez a minoria vai ganhar. Está escolhido o candidato que perdeu. A plateia bateu palmas. O velho Barata encerrou os trabalhos: - E, pela primeira vez, a minoria ganhou por unanimidade. Bolsonaro com Covid-19 Pois é, depois de tanta polêmica o vírus chega ao presidente, que deverá anunciar, depois de alguns dias, que foi curado pela cloroquina. A pandemia agora chegou ao gabinete presidencial. Vem mais polêmica pela frente. É o Brasil. Aberturas e risco A pressão política e a situação de aperto que aflige setores produtivos com a virulência da pandemia do Covid-19 têm empurrado governadores e prefeitos de praticamente todas as regiões do país a aliviar o distanciamento social e autorizar a abertura de diversos setores, como a de bares, restaurantes e academias. Mas a realidade tem sido cruel para a sociedade. Repiques e aumento nos volumes de contaminados e mortos ocorrem em diversas praças. As aglomerações se multiplicam, quebrando as taxas razoáveis de isolamento social. O Brasil está na linha de frente das maiores ocorrências. E um clima de festa toma conta das ruas, principalmente à noite. Porém.... Mas há um contraponto em São Paulo. Vejam. "As mortes por Covid-19 atingiram o pico entre 2 e 4 de junho e, desde a segunda quinzena do mês passado, estão em queda na cidade de São Paulo", revela um novo estudo do epidemiologista Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP, com base em dados recolhidos pelo Programa de Aprimoramento de Informações da Mortalidade (PRO-AIM), da Secretaria Municipal da Saúde paulistana. A análise é corroborada por um mapeamento ainda não publicado do Imperial College londrino. "A retomada das atividades sociais e econômicas em São Paulo está acontecendo de modo planejado, prudente e responsável, com protocolos de saúde e faseamento baseado em dados e critérios científicos". Trump e o Corcovado Até agora não entendi bem o propósito de Donald Trump, em campanha nos EUA, em anunciar que "vai defender isto". Ao lado, uma foto do Cristo no Corcovado, designado por isto, que estaria ameaçado pela extrema esquerda. Desvario. Loucura. Ou desespero. Livro devastador Mary Trump, psicóloga, sobrinha de Donald Trump, está lançando um livro devastador nos EUA: "Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man" (Demais e Nunca o Suficiente: Como Minha Família Criou o Homem Mais Perigoso do Mundo). Filha de Fred, o irmão mais velho do presidente, diz que o livro é a descrição de um "pesadelo de traumas, relacionamentos destrutivos e uma trágica combinação de negligência e abuso". A imagem do Brasil A imagem do Brasil na textura internacional está no fundo do poço. O mal que a visão do presidente Bolsonaro defende sobre o combate à epidemia vai ficar gravada por décadas. Na ONU, as manifestações contra a maneira com que o país está tratando do Covid-19 são intensas. O prejuízo abalará nossa identidade. Eleições municipais O adiamento das eleições municipais para 15 e 29 de novembro será benéfico para os candidatos novos, que terão um tempinho maior para expor suas ideias ao eleitorado. Os atuais prefeitos e vereadores já contam com o conhecimento do eleitor, apesar da inexorável inclinação do cidadão de passar uma vassoura nos velhos padrões. Quem mais poderá se beneficiar do momento e das circunstâncias de uma eleição "contaminada" pelo danado do novo coronavírus? Tendências Um apontamento sobre tendências haverá de considerar o que este analista batiza de Produto Nacional Bruto da Felicidade, que abriga vetores da saúde, educação, alimentação, mobilidade urbana, dinheiro no bolso, satisfação social. Abaixo de 5, a desgraceira será geral, com alto índice de renovação nos perfis dos alcaides. Acima de 5, teremos uma mescla de gente nova, prefeitos reeleitos e até velhos nomes de volta ao palco. Alguns perfis podem ser beneficiados. As mulheres, por exemplo, ganharam evidência na conjuntura de crise. Falantes e valentes na crítica aos precários serviços públicos apareceram com grande visibilidade. Avoca-se, ainda, condição feminina nas atividades do cotidiano. É a mulher que se apresenta falando na educação dos filhos, no trabalho que se torna mais difícil, na azáfama que ela tenta organizar para diminuir as intempéries enfrentadas pela família. Serão reconhecidas como tal, merecendo o voto de fortes parcelas eleitorais. O perfil dos movimentos Um fenômeno que se expande no país, ao sabor dos movimentos que se multiplicam no contexto das Nações, é o da organicidade social. Observo esta tendência, já consolidada na Europa e nos EUA e atravessando novas fronteiras nos países orientais - vejam Hong-Kong -, e que se desenvolve no Brasil de maneira mais consistente desde a Constituição de 1988. A chamada Constituição Cidadã abriu um imenso leque de direitos individuais e sociais que, nos últimos anos, se tornaram movimentos organizados, com personalidade jurídica, capazes de fazer mobilizações de rua. Os políticos estão desacreditados. A descrença na política abriu imenso vácuo entre a sociedade e o universo político. E quem ocupou este vácuo? Exatamente as entidades organizadas, que fundaram novos polos de poder. Frentes parlamentares A intermediação social entrou forte nas frentes de pressão. Os corredores do Congresso tornaram-se passarela para o desfile de associações, sindicatos, federações, núcleos, grupos, movimentos de todos os tipos. Pois bem, o voto em novembro terá essa forte alavanca organizativa. Outro vetor de peso eleitoral é o das frentes parlamentares, formadas por bancadas de defesa de círculos de negócios. Os deputados tentarão aumentar suas bases, elegendo vereadores e prefeitos de bancadas organizadas, como a religiosa, do agronegócio, dos servidores públicos, dos militares, do setor de serviços, dos profissionais liberais etc. Voto distrital Essas bancadas tendem a se consolidar na moldura organizativa do país, seguindo uma tendência mundial, muito característica dos EUA, onde o voto vai geralmente para o representante dos interesses locais e das regiões. Nesse sentido, podemos deduzir que o voto distrital tende a se fortalecer na paisagem social, onde as classes sociais se subdividem em núcleos específicos. Os deputados querem aumentar suas bases. Candidatos a vereador, com intensa presença em determinados bairros, serão aquinhoados. Voto racional A par dessas projeções, podemos divisar uma composição ditada pelo modo como categorias enxergam a política. Os profissionais liberais, por exemplo, tendem a depositar na urna um voto mais racional que emocional. A escolha no Brasil está deixando o coração para subir à cabeça. Significa que estamos subindo degraus na escada da racionalidade. Esse tipo de voto se concentra nas grandes e médias cidades, mais abertas aos meios de comunicação e às críticas aos governantes. No contraponto, enxergamos traços do passado em rincões que pararam no tempo. Aí estarão em disputa nacos de administrações falidas. "Eu salvo a República" Anotação de Lauro Jardim em O Globo: "Paulo Guedes continua insistindo: a recuperação da economia brasileira será em V, ou seja, vai cair no fundo do poço e depois, com a mesma velocidade, vai empinar. Repete isso seja diante das câmeras de TV, seja em conversas reservadas com empresários ou jornalistas. Discorda, por exemplo, da avaliação do diretor de Política Monetária do BC, Fabio Kanczuk, para quem a recuperação se dará não em 'V', mas no formato do swoosh, o símbolo da Nike". Guedes, no entanto, segue confiante. Anteontem, disse a um interlocutor: - Eu salvo a República de duas a três vezes por semana. O vaivém de ministros A dificuldade do presidente em encontrar o ministro da Educação deriva das querelas que movem a administração Federal: a ala ideológica, "olavista", quer um perfil alinhado à extrema direita; os evangélicos defendem um perfil de sua ligação; os generais do entorno presidencial - atordoados com a brigalhada sem fim entre os grupos - querem um nome técnico; os políticos gostariam que o ministro saísse da esfera parlamentar. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, tinha a intenção de topar o desafio. Quando viu o bombardeio sobre ele, "escafedeu-se". O nome - seja qual for - vai enfrentar um corredor polonês, tapas e socos por todos os lados. Guru ao relento? Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo, enfrenta problemas na Justiça. Tem perdido causas. E mostra-se raivoso ao se sentir ao relento. Colaborou para a vitória de Bolsonaro, juntando núcleos de extrema direita. Processos continuam na Justiça, a partir do mais volumoso, aberto por Caetano Veloso. Sentindo-se abandonado, deve disparar artefatos verbais. A não ser que os amigos façam uma "vaquinha". Atenção, prefeitada O ciclo de vida da administração - A maximização de um programa de marketing para prefeitos implica compreender o ciclo de vida da gestão. Como no ciclo de vida de um produto, podemos distinguir seis fases: 1. O lançamento - Os primeiros seis meses são dedicados ao diagnóstico e ao ajustamento da administração. O marketing deverá procurar trabalhar com o campo das dificuldades. 2. O ajuste da identidade - Na segunda metade do primeiro ano começam a aparecer os primeiros sinais de visibilidade e os primeiros programas de ação. Trata-se da fase propícia para ajustar a identidade. 3. Fase de crescimento - No segundo ano, as administrações começam a operar, de modo mais firme, seus programas, com destaque para as prioridades. O conceito da administração deve emergir de modo forte. 4. A fase da consolidação e maturidade - O terceiro ano é o ciclo das realizações, quando se procura consolidar os programas. A administração está madura, a equipe ganha experiência e a identidade da administração ganha destaque no sistema cognitivo do eleitor. 5. Clímax/auge - O último ano é, geralmente, o ciclo mais político, com a administração voltada para programas de inaugurações e demandas políticas. Se até o presente a administração não ganhou um conceito, perdeu a chance. Passará em branco. 6. Declínio - O governante entra no despenhadeiro e joga sua imagem nas profundezas. Quando isso ocorre ao final da gestão, é pouco provável que se reeleja ou faça o sucessor. A exceção é quando o candidato consegue descolar sua imagem da imagem do patrocinador.
quarta-feira, 1 de julho de 2020

Porandubas nº 672

Abro com uma historinha de JK e Jânio no Ceará. O guidão de fora Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora: - Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque porquê do resto ando cheio. Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um cantador o vê, saúda: - Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora. Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará. Entrando em julho Julho chega com inverno e poucas esperanças. Os governos, a partir do Estado de São Paulo, o mais populoso da Federação, decidiram abrir as atividades negociais, mesmo sob regime de progressão. Mas a expansão dos números de mortos e contaminados mostram que a decisão foi um pouco apressada. O fato é que os governos notaram que suas decisões vinham sendo quebradas pela reação do comércio. A essa altura, mesmo com receio de contaminação, as pessoas fazem pressão para abertura de seus pequenos e médios negócios. A morte, de tão banalizada, já não é um bicho-papão: fulano morreu, que pena... Esse é o ligeiro desabafo de uma sociedade que se torna fria, calculista, pragmática. Tempos duros os nossos. Eleições à vista Mais ao fundo, começa-se a ver a onda eleitoral. De início, partidos do Centrão queriam realizar as eleições em outubro. Agora, com a promessa do governo de liberar R$ 5 bilhões para as prefeituras combaterem a pandemia da Covid-19, já aceitam o adiamento para novembro. Claro, com grana a mais nos cofres candidatos à reeleição, principalmente, contam com mais chances de vitória. Mais adiante, voltarão a combater os males da administração, incluindo micro-ondas de vírus, que irão embora e voltarão, segundo os prognósticos. Campanha negativa Este ano a tendência é a da volta da propaganda eleitoral. Negociação dos partidos. No Brasil, é comum fazer-se propaganda negativa. Muito cuidado com isso. A Revolução Francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Biden e Trump devem abusar da propaganda negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia. Impactos I Os impactos a serem deixados pela pandemia serão de monta, principalmente na esfera de valores e costumes. A proximidade maior com a morte baixará uma cortina de frieza entre as pessoas. O pragmatismo se elevará no processo decisório, a exigir políticas de resultados. A pressa e ações intempestivas se expandirão na esteira de recuperação do tempo perdido. Alguns analistas chegam a projetar os efeitos em escala mundial. Impactos II Os EUA deixarão de ser o principal protagonista da política mundial ao perderem sua condição de fonte de estabilidade no planeta; a cooperação internacional definhará, eis que as Nações foram incapazes de lidar conjuntamente com as ameaças; a austeridade fiscal vai para o beleléu, ante a inevitável condição de governos aumentarem gastos para enfrentar as turbulências provocadas pela epidemia e a globalização, cantada e tão decantada, perderá seus eixos por conta dos controles rígidos que os países adotarão para proteger suas fronteiras e economias. Moisés Naím é um desses analistas. Novas ondas China, Índia e países europeus, como a Alemanha, começam a registrar novas ondas da pandemia. Na China, o vírus se espalha pelos porcos. Paz e amor? Lê-se que o presidente Jair Bolsonaro entrou na fase do "Jairzinho Paz e Amor". Está mais calmo e silente. Menos tosco e agressivo. Coisa de passagem. Bolsonaro cultua estratégia de guerra. Aprecia ir à luta. Guerra, guerra, guerra, ferocidade à moda Hitler. Sem medo de enfrentar as intempéries do inverno russo, por exemplo. Teria sido aconselhado pelos generais a maneirar sua índole. Precisa arrefecer o ânimo dos parlamentares, muitos ávidos para abocanhar nacos da administração. O Centrão está de olho nas sobras. Ele tem de enfrentar os casos que assombram o filho n° 1, o senador Flávio, cercado pela "rachadinha", caso Queiroz e, ainda, a CPI das fake news, que correrá pelo TSE. E a guerra é o palco onde Bolsonaro tenta segurar sua base de 30%. Lula sobrevivente O PT ainda não fez com que Lula descesse do altar onde está entronizado como salvador do lulopetismo. E ele continua a acreditar que é mesmo o Todo-Poderoso. Ora, Lula só tem chance em clima de débâcle geral, caos no país. Seu nome já não tem muito apelo para convocação de multidões. Soa como caneco enferrujado. Ideias são as mesmas. Fazer a revolução na política e nos costumes. Desbancar as elites. Não sente o que se passa ao redor dele. Tornou-se insensível. Não abre o partido para novas lideranças. E os novos, como Fernando Haddad, fazem loas e o aplaudem esperando sua benção para voltarem a ser candidatos. Bodódromo No meio da pandemia - o pico só virá no final de julho - o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, escolheu uma prioridade: investir R$ 30 milhões no bodódromo de Petrolina, onde se come um farto bode assado a céu aberto, como lembra o jornalista José Casado em O Globo. Início do marketing político "Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma) Frente pouco ampla A tão falada Frente Ampla, apontada como solução para sair do impasse dos extremos do arco ideológico em 2022, terá dificuldades para se constituir. Cada parceiro partidário quer ganhar uma grande fatia do bolo. Os partidos maiores pretendem dominar os protagonistas. É muito cedo ainda para uma tentativa de organização. Mas a bagunça no cenário inviabiliza por enquanto a ideia. Faltam líderes, sobra orgulho. Alcolumbre quer ficar O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, vai tentar mudar o regimento da Casa para poder se reeleger em fevereiro do próximo ano. Só poderia na legislatura seguinte. Tem chances de conseguir. Já Rodrigo Maia confessa ter dado sua cota de sacrifício, não desejando, assim, mudar o regimento da Câmara para poder se reeleger. Mas como ficará o princípio da igualdade? O que será permitido no Senado será proibido na Câmara? Estranho. Municipalização x nacionalização? Questões importantes que florescem na seara eleitoral: campanhas tendem a ser municipalizadas ou a receber inputs federais? Micropolítica - política das pequenas coisas - ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral - estado geral de satisfação/insatisfação - adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura ambiental será sentida); 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; 3) O discurso semântico - propostas concretas e viáveis - suplantará a cosmética; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações; 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado. Decotelli Acusado de ter feito plágio na dissertação de mestrado, flagrado na mentira pelo reitor da Universidade de Rosário, na Argentina, que desmentiu ser ele doutor, e também desmentido por não feito pós-doutorado na Alemanha, o quase ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, mentiu descaradamente. Como alguém diz ser doutor sem sê-lo? Como alguém se apresenta como mestre em uma dissertação plagiada? Logo alguém que vai comandar a Educação no Brasil? Que compromissos terá com o zelo, a verdade, a disciplina, a honestidade, a dignidade, a integridade? Professor, assuma seu erro, mas não assuma o Ministério. Foi o que fez. Pediu demissão. Essa mancha vai acompanhá-lo por toda a sua carreira. Bill Gates Bill Gates acredita que a situação atual dos Estados Unidos frente à pandemia do coronavírus é "mais sombria" do que imaginou no começo da crise. Em entrevista ao canal americano CNN, o fundador da Microsoft afirmou que os EUA não foram rigorosos o suficiente em questões de proteção, como o uso de máscaras, monitoramento do distanciamento social e esforços de quarentena no território. Aeroporto em terra alheia O novo aeroporto de Natal, em São Gonçalo do Amarante, foi construído pela iniciativa privada a partir de 2011, começou a operar em 2014 e é reconhecido como um grande incentivo para a indústria do turismo do Rio Grande do Norte. O terreno foi passado pelo Estado para a União. A empresa que o construiu e ainda opera, a Inframérica, está desistindo do negócio, pois o retorno é baixo. Negócios da privatização Diante da desistência da Inframérica, o Ministério da Infraestrutura resolveu relicitá-lo, dentro de seu programa de privatização. Só tem um detalhe: aquelas terras ainda pertencem a ¾ de seus originais proprietários, que há 20 anos lutam na Justiça pelo pagamento das desapropriações. O Estado se exime de culpa. E a União finge que não há nada, mas recorre de todos os processos. Uma notificação extrajudicial tenta barrar a relicitação, pois "conceder uso do que não lhe pertence é contra o princípio de moralidade pública e sem amparo legal". Fecho a Coluna com uma historinha da Bahia. Conjunção rachativa Grande de nome e pequeno de corpo. Magricela, esperto, inteligente, José Antônio Wagner Castro Alves Araújo de Abreu, sobrinho-neto de Castro Alves, herdou o DNA, o talento e a vadiagem existencial do poeta. Não gostava de estudar. No esporte, era bom em tudo. Colega de Sebastião Nery no primeiro ano do seminário menor, na Bahia, em 1942, na aula de português, o padre Correia lhe perguntou o que era "mas". - É uma conjunção. - Certo, mas que conjunção? Zé Antônio olhou para um lado, para o outro e respondeu: - Conjunção rachativa, professor. - Não existe isso, Zé Antônio. - Existe, professor. Quando a gente quer falar mal de alguém, sempre diz assim: - Fulano até que é um bom sujeito, mas... E aí racha com ele.
quarta-feira, 24 de junho de 2020

Porandubas nº 671

Abro a coluna com uma homenagem a um empreendedor que está na galeria dos grandes perfis que construíram o progresso do país e que nos deu adeus. Um orgulho para o Rio Grande do Norte. Nevaldo Rocha Um homem simples que enxergava longe. De origem pobre e nascido em pleno semiárido nordestino. Caraúbas, RN. Um visionário. De uma pequena loja de costura, plasmou um império, um dos maiores pilares do varejo do Brasil, as Lojas Riachuelo. Tive a oportunidade de conhecê-lo, uma vez em seu apartamento em São Paulo, onde ouvi seu desencanto com a política. Homem de poucas palavras. Mas preciso nas convicções. Outra vez, vi-o dirigindo seu carrinho elétrico na fábrica Guararapes, sendo aplaudido por uma multidão de costureiras. Controlava tudo e todos. Seu filho Flávio me dizia: fazia questão de ir à loja todos os dias para ver o andamento das coisas. E fazia mudanças até na disposição, que não gostava, de roupas nos manequins. Pontuou sua história com bons exemplos. Não desperdiçava tempo. Vivia cada momento como se fosse o mais importante de sua vida. Sóbrio. Esbanjava simplicidade. E não gastava dinheiro à toa. Bolso fechado. Dava valor às coisas essenciais, descartando o desnecessário. Dizem que tinha dois pares de sapato: um, velho, para o dia a dia; outro, novo, para comparecer a eventos importantes. Nevaldo Rocha. Um sobrenome que indica um inquebrantável caráter. Agora, minha costumeira introdução hilária. Onde mora o doutor? Quem entra no "Hotel Roma" de Alagoinhas, na Bahia, vai com os olhos a uma tabuleta agressiva em que peremptoriamente se adverte: PAGAMENTO ADIANTADO, HÓSPEDES SEM BAGAGENS E CONFERENCISTAS Também, em Pernambuco, o proprietário do hotelzinho de Timbaúba é, com carradas de razão, um espírito prevenido contra conferencistas que correm terras. Notei que se tornou carrancudo comigo quando lhe disseram que eu era conferencista, a pior nação de gente que ele contava em meio à sua freguesia. Supunha o hoteleiro de Timbaúba que eu fosse doutor de doença ou doutor de questão. Por falar em Timbaúba, há ali um sobrado, em cuja parte térrea funciona uma loja de modas, liricamente denominada "A Noiva". O andar superior foi adaptado para residência de uma família. Eu não sabia de nada disso quando, ao perguntar a Ulpiano Ventura onde residia o dr. Agrício Silva, juiz de Direito da comarca, recebi esta informação engraçada: - O Doutô Agriço? O Doutô Agriço está morando em riba d' "A Noiva". O inverno de nossa desesperança O inverno chegou, deixando para trás um outono de muito desespero. O título desta nota é do clássico livro de John Steinbeck, publicado em 1961, um ano antes de ele receber o Prêmio Nobel de Literatura, que, por sua vez, puxou a expressão da primeira fase da peça Ricardo III, de Shakespeare. Em sua obra, o magistral escritor norte-americano descreve e interpreta o mundo de um homem atormentado pelos dilemas impostos pelo dinheiro e pela moral, o protagonista Ethan Hawley, empregado de uma mercearia, casado, dois filhos, convivendo em uma comunidade de baleeiros, e atormentado pela ideia de melhorar sua vida e a da família. Até onde vão os escrúpulos e a vida digna e honesta quando se trata de conseguir dinheiro? Um ser humano pode suportar a pressão de seu meio social sem romper com a ética da decência? A lógica da pecúnia Façamos outra leitura da ética da decência. A lógica da pecúnia é pontuada em tom de desencanto, a traduzir o dilema entre seguir a trilha da ordem moral ou buscar o conforto material para si e os seus. O tema cai bem nesse momento em que o planeta mergulha em uma catástrofe que já é considerada a maior dos últimos 100 anos. E cai bem por nossas plagas em momentos em que o tema da rachadinha ressurge no palco da polêmica. E também no instante em que avançam as negociações com o Centrão. Afinal, a tal repartição z parte ou não do DNA de nossa política? O balcão de negócios para atender às demandas de partidos que formam o centrão é coisa normal? Tem sentido discutir esse tipo de política no percurso de gigantesca pandemia que já contaminou mais de um milhão de brasileiros e matou mais de 50 mil? E o que dizer da política e de seus conjuntos que disputam assentos nos espaços dos Poderes? Déficit de ética e pântano da moral Questões como essas batem em nossa mente nesse início de inverno, a prenunciar tempos de desesperança. O presidente está muito isolado, a tentar administrar a tal rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, no RJ. Fabrício Queiroz, que comandava o esquema, foi encontrado na casa do advogado que até então defendia a causa do atual senador. O presidente ainda teve de se desdobrar para resolver o pepino com nome de Abraham Weintraub, já nos EUA, onde irá ser diretor-executivo do Banco Mundial. Só conseguiu entrar no país com o drible do passaporte diplomático. Comprimido entre muitas paredes, Bolsonaro negocia apoio do centrão para construir uma fortaleza de apoio em caso de pedido de impeachment. Em suma, estampam-se o déficit de ética e o pântano da moral. Na política, um costume Pagar a um funcionário registrado apenas uma fração e alguém ficar com o restante é crime. Roubo. Mesmo que o funcionário aceite essa maneira torta de receber seu ganho. E mesmo que a justificativa seja para formar um fundo para a próxima campanha ou ainda ajudar uma organização beneficente, de caridade. Não disponho de dados para dizer que essa falcatrua é realizada por muitos. Mas, conhecendo como são nossos padrões de política, é razoável garantir que essa prática se desenvolve em muitos lugares. Rachadão I Assíduo leitor dessa coluna, ante o farto noticiário sobre a rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e dando ênfase à ideia de que não quer "passar o pano" na sujeira que ali teria sido cometida no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, envia sua explicação para rachadinha ou ao que também chamo de rachadão: "Você cria um programa do governo e intitula com um nome, MAIS MÉDICOS. E aí o governo contrata médicos de Cuba ao custo mensal de R$ 11.000,00 para cada um, aproximadamente. Rachadão II Desse valor o governo paga ao médico apenas R$ 3.000,00, o que constitui exploração de mão de obra análoga à escrava, repassando R$ 8.000,00 ao governo cubano, a quem se subordinam esses médicos. Chegando a Cuba o dinheiro é dividido com outros protagonistas servindo para alimentar a corrupção. O programa tinha 12.240 médicos, totalizando 135 milhões por mês. Era o que podemos chamar de "rachadão", o maior do país durante anos". E o Wassef, hein? Frederick Wassef desistiu da causa do senador Flávio Bolsonaro. Disse que querem "destruir" a imagem dele. Fabrício Queiroz foi encontrado na casa do advogado em Atibaia. Alega que não conversava com ele. Mas confessou que o abrigou por "questões humanitárias". O presidente se queixou que o advogado "falava demais". Teme ser a bola da vez. Essa história vai rolar. Leio que os Bolsonaros estão com medo. A verdade (ou parte dela) virá à tona. Interrogações multiplicam-se. E o Centrão está de olho nas expectativas. Desânimo? Paulo Guedes dá ares de desânimo. Rodrigo Maia, em suas falas, expressa um tom queixoso. O melhor quadro da área técnica, Mansueto Almeida, está de saída do governo. Alcolumbre parece cansado. Tenta ser ponte de diálogo, não consegue. STF parece incomodado com os recados do governo. Os ministros não vão transigir. Alexandre de Moraes está demonstrando firmeza. Os processos que afligem e incomodam Bolsonaro dão sinais de que seguirão adiante. O Centrão tem um olho à direita e outro à esquerda. As massas estão cansadas de ouvir lorotas, briguinhas e conflitos entre alas. Seu bolso está quase vazio. O presidente demonstra aborrecimento. Parece cansado da mesmice. Trump falou para seis mil pessoas em Tulsa, Oklahoma, EUA, no primeiro comício de campanha. Fracasso. Seis mil pessoas. Leio que Trump tem dito: se eu perder farei as coisas que sempre fiz e gosto de fazer. Sinal de conformismo. E uma eventual derrota em novembro aumentará o desânimo por aqui no verão de fim de ano. A força da palavra Não subestimem o poder da palavra. Certa feita, um amigo do poeta Olavo Bilac queria vender uma propriedade, que considerava um sítio que dava muito trabalho e despesa. Reclamava ser um homem sem sorte. Suas propriedades davam-lhe dores de cabeça e não valia a pena conservá-las. Pediu então ao amigo poeta para redigir o anúncio de venda do sítio. Acreditava que se ele descrevesse sua propriedade com palavras bonitas, seria muito fácil vendê-la. Olavo Bilac, que conhecia bem o sítio, redigiu o seguinte texto: "Vende-se encantadora propriedade onde cantam os pássaros, ao amanhecer, no extenso arvoredo. É cortada por cristalinas e refrescantes águas de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda." Meses depois, o poeta encontrou o amigo e perguntou-lhe se tinha vendido a propriedade. "Nem pensei mais nisso. Quando li o anúncio que você escreveu, percebi a maravilha que eu possuía". Algumas vezes, só conseguimos enxergar o que possuímos quando pegamos emprestados os olhos alheios. Os generais A imagem das Forças Armadas, principalmente a do Exército, com a maior visibilidade, está em descenso. É oportuno que a cúpula dessa Força analise com acuidade a questão e reforce o conceito: sua missão é a favor do Estado, não a favor de governos. Manter a segurança, a harmonia, a paz social e a defesa do país. Deveriam ter pensado em comedimento, razoabilidade. Locupletar as estruturas com quantidade exagerada de militares é um desatino. Os prefeitos Muitos devem permanecer, principalmente aqueles que administraram com eficiência o combate ao novo coronavírus. Mas a revoada será grande. O sentimento de renovação grassa por toda a parte. As mulheres O gênero feminino está ascendendo na política. As mulheres estarão em alta no próximo pleito. Centenas serão candidatas com boas possibilidades de eleição. E muitas serão convidadas a compor a chapa como vice. Em São Paulo, o nome de uma mulher para vice de Bruno Covas (PSDB) está sendo procurado. Marta Suplicy cairia como uma luva. Mas é provável que ela venha compor uma chapa de oposição. Nome para 2020 Ainda não apareceu um nome altamente competitivo para enfrentar Bolsonaro em 2022. Os que desfilam na passarela estão muito desgastados. E alguns são inexperientes. O bolsonarismo Tende a decrescer. Os bolsonaristas de raiz - firmes na ponta direita do reacionarismo conservador - continuarão firmes. Algo como 10%. Os bolsonaristas por conveniência - que votaram no atual presidente por ojeriza ao PT - tendem a procurar outro nome para enfrentar o lulopetismo. Algo como 15%. Os bolsonaristas que viram em Bolsonaro a possibilidade de corrigir certos padrões da política estão decepcionados e tendem a caminhar numa linha de independência, buscando um nome limpo, que encarne a nova realidade brasileira. Algo como 10%. São os racionais. Se as crises sanitária, econômica e política projetarem seus danos sobre o eleitorado até margens do pleito de outubro de 2022, nem candidato de extrema direita nem perfil de extrema esquerda terão chance. A polarização já deu o que tinha que dar. O livro de John Bolton Ontem foi lançado nos EUA o livro do ex-assessor de Segurança de Donald Trump, John Bolton, aquele do bigodão que foi recebido por Bolsonaro num café da manhã em sua casa, onde degustaram pão com doce de leite. O livro - The Room Where It Happened - coloca o Brasil no papel de coadjuvante de segunda classe. E fala mal do caráter do presidente. Deverá ter impacto (não tão forte) na campanha americana. Pequeno trecho: "O presidente elogiou Xi pela construção de campos de concentração em Xinjiang - vimos Trump fazer algo semelhante em relação à covid-19, elogiando muito a atuação de Xi, provavelmente, na esperança de preservar seu acordo comercial. Bolton descreve Trump "negociando com Xi para garantir sua reeleição".
quarta-feira, 17 de junho de 2020

Porandubas nº 670

Abro a coluna com uma deliciosa historinha de Pernambuco. "O carro se atolou-se" Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica, como conta Ivanildo Sampaio, ex-diretor de redação do Jornal do Commercio, de Pernambuco, e meu contemporâneo na faculdade. Um dia, dois vereadores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de se expressar era falar que "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica: - Escutem aqui. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os da frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"... Conter o ímpeto A prisão da chefona dos 300 do Brasil, Sara Giromini (de apelido Winter), dá uma segurada nesse movimento, que vinha desautorizando a ordem pública em Brasília. O tom desaforado com que a armamentista Sara tratou o ministro Alexandre de Moraes, prometendo desferir nele socos e porradas, e a confissão de que seus patrulheiros usavam armas, exigiam urgentes providências. Parecia, até, que a senhora "inverno" queria ser presa e subir ao palco das vítimas bolsonaristas. A prisão provisória (por 5 dias) pode ser transformada em preventiva, podendo permanecer mais tempo trancafiada. Sara tem evidente interesse em pavimentar a esfera da política. Vai ser alvo de manifestações e apoios de alas radicais. E, claro, sob as palmas da deputada Zambelli. P.S. Já foi do DEM, de onde foi expulsa, e candidata a deputada Federal. Teve 17 mil votos. Uma franco-atiradora. STF sob ataque Nunca se viu tanto desaforo ao STF quanto nesse ciclo bolsonariano. Pedidos de fechamento da Corte, frases desbocadas contra quadros, notas oficiais de generais ministros, notas de militares da reserva emolduram a paisagem em torno do Judiciário. Até a figura do presidente da República dá a impressão de que atiça a querela. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, rebate, Gilmar e Celso de Mello também manifestam contrariedade, Marco Aurélio faz pontuações acuradas e o vice-presidente Luiz Fux, em nota, ensina que as FFAA não exercem o papel de poder moderador, ensejando resposta em nota de militares da reserva. Essa tensão deve continuar. No pano de fundo, vê-se o inquérito das Fake News, a cargo do ministro Alexandre de Moraes. Ministro que está dando bem o recado. Elogiado desempenho. Atendendo à solicitação da PGR, autorizou busca e apreensão em uma leva de atiradores contra a democracia. Ministério das Comunicações A recriação do Ministério das Comunicações abrirá um novo espaço no capítulo da imagem do Governo. Como se sabe, as Comunicações, assim mesmo no plural, abrigam as estruturas técnicas, a saber: a radiodifusão, a teledifusão, as estruturas das comunicações telefônicas, os Correios, a Anatel, a política das telecomunicações - os leilões da banda larga etc. A novidade é a absorção pelo Ministério da fatia da Comunicação Social (no singular). Este universo é composto pelas áreas tradicionais de pesquisas de avaliação, mensagens, enfim, os conteúdos produzidos pela administração Federal e consequente transmissão desses pacotes para as mídias massivas, mídias regionais e redes sociais. Um desafio Um desafio e tanto. Para dominar essas duas frentes, foi escolhido o deputado Fábio Faria (PSD-RN). Trata-se de um parlamentar jovem, bem articulado e com facilidade no trato com os colegas, conhecedor dos meandros da política, filho do ex-deputado estadual e ex-governador Robinson Faria. E genro de Silvio Santos. O deputado terá a missão de burilar um espaço que, até agora, tem sido um problemão para o governo: a questão da imagem. Significa mexer em casa de abelhas por se saber que a área é povoada por quadros de grande influência junto ao presidente. Tem muitos mandões nesse departamento de imagem. Gente com poder destruidor. O general Ramos tira do colo um fardo. O jeitoso Fábio Faria calibrará as engrenagens desse poderoso motor? E mais: vem aí a disputa pelo domínio do 5G no Brasil. Chineses ou americanos? Fábio vai ter que aprender a dançar na corda bamba. Pandemia e política Infelizmente a Covid-19, esse bichinho microscópico, tem vestido o traje da política em nosso país. Não fosse isso, até poderia estar sendo derrotado. Mas, por interesses políticos, o danado está expandindo seu desfile de mortes. Os números crescem assustadoramente. O Brasil, por enquanto, só fica atrás dos EUA. Já passou o Reino Unido. São Paulo começou a flexibilização. Há quem projete aumento de 75% de vítimas na esteira da abertura de lojas, comércio de rua e shoppings. Nesse ano eleitoral, o Brasil sobe ao pódio da irresponsabilidade. Weintraub quase fora É possível que durante a leitura desta nota, o ministro da falta de educação, Abraham Weintraub já esteja fora do ministério. Quem se habilita a ingressar nesse ninho de cobras? Bolsonaro quer acarinhar o amigo com um cargo na estrutura. O sujeito vai estar na linha de frente do bolsonarismo. Entrará na política. Está na cara. A conferir. Trump tragado? Há quem esteja apostando da derrota de Donald Trump nas eleições americanas de novembro próximo. Não estaria comandando com sucesso a luta contra o novo coronavírus e tem sido um desastre na condução da política contra o racismo. Os EUA passaram a abrigar, quase todos os dias, manifestações contra o brutal assassinato de George Floyd. E mais um jovem negro foi morto por policiais semana passada. Trump representa o oposto ao que defendem as massas norte-americanas. Só tem agrado para suas bases conservadoras. Se a economia não melhorar e se a pandemia não arrefecer, sua derrota será inexorável. E o que dirá o nosso chanceler Ernesto Araújo ante a derrota do seu ídolo? O governo Bolsonaro perderá a biruta. Fux no comando Luiz Fux passa a comandar o STF em setembro. Considerado de linha mais dura, da ala punitivista, Fux pode mudar a cara da Suprema Corte, agindo com mais rigor na defesa da Casa. Depois dele, o tribunal será comandado por Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e o relator da Lava Jato, Edson Fachin. Quem vai para o lugar de Celso de Mello, a sair em novembro? Quem é o perfil "terrivelmente evangélico", anunciado pelo presidente como o perfil que deseja? Nomes Um dos nomes mais cotados para preencher a vaga de "ministro evangélico" é o do atual ministro da Justiça, André Mendonça. Considerado técnico e discreto, Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana em Brasília, servidor de carreira da AGU e possui bom trânsito tanto entre integrantes do STF e parlamentares. Outros nomes cotados para a vaga são o do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz Federal Marcelo Bretas e o procurador Guilherme Schelb, entusiasta do projeto Escola sem Partido, uma das bandeiras do presidente. Pagamento pelo WhatsApp O fim da moeda física está à vista. A cada dia, o uso de cédulas diminui. Agora, vem o pagamento via WhatsApp. O Brasil será o laboratório nessa área, promete Mark Zuckerberg, o programador e empresário norte-americano, que ficou conhecido internacionalmente por ser um dos fundadores do Facebook, a rede social mais acessada do mundo. "O WhatsApp é muito usado no Brasil, tanto por pessoas como por pequenas empresas", disse. "Acreditamos que podemos ajudar a aumentar os pagamentos digitais para pequenas empresas e apoiar a inclusão financeira". Chances Questões postas ao analista em lives e interlocuções nos últimos tempos. Afinal, quais são as chances de fulano, beltrano e sicrano em 2022. Respondo: é muito cedo. O que posso é sugerir um roteiro de ideias. Vamos lá. Sem dar nomes aos bois, levantemos algumas hipóteses. Uso as variáveis: 1. Economia recuperada às margens de outubro de 2022. 2. Economia no fundo do poço às margens do fundo do poço. 3. Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF)- Alto: abrange satisfação social, estabelecimentos de saúde atendendo bem a população, mobilidade urbana sem congestionamentos, paz e harmonia social. 4. PNBF - Baixo. Clima de indignação social. 5. Surtos e ondas da pandemia aqui e ali. Ressurgência da crise. 6. Segurança Pública- Menor violência. 7. Segurança Pública - Expansão da violência. Medição Uma régua de 0 a 100 cm. Perfis A) Candidato da situação - Direita radical Alternativa 1 - Economia recuperada - Régua de 0 a 100, 80 cm. Alternativa 2 - Economia no fundo do poço - Régua de 0 a 100: 20 cm. Alternativa 3 - PNBF alto - Régua de 0 a 100: 80 cm Alternativa 4 - PNBF baixo - Régua de 0 a 100: 10 cm Alternativa 5 - Régua de 0 a 100: 30 cm Alternativa 6 - Régua de 0 a 100: 70 cm Alternativa 7 - Régua de 0 a 100: 30 cm B) Candidato da oposição - Esquerda tradicional Alternativa 1 - Régua: 15 cm Alternativa 2 - Régua: 70 cm Alternativa 3- Régua: 20 cm Alternativa 4- Régua: 70 cm Alternativa 5 - Régua: 40 cm Alternativa 6 - Régua: 20 cm Alternativa 7 - Régua: 40 cm C) Candidato do centro - Grandes e médios partidos Alternativa 1- Régua: 50 cm Alternativa 2 - Régua: 80 cm Alternativa 3 - Régua: 70 cm Alternativa 4- Régua: 80 cm Alternativa 5- Régua: 60 cm Alternativa 6 - Régua: 60 cm Alternativa 7 - Régua: 70 cm Post Scriptum - Como se percebe, o esgotamento da polarização eleva as chances (pontuação melhor) para uma candidatura do meio. - O candidato do PT teria extremas dificuldades. Nem que o partido seja recriado. - Bolsonaro só leva a melhor se as alternativas acima lhe forem favoráveis. Este painel é mero exercício de projeção. Sem rigor científico. Feeling. Observação de cenários.
quarta-feira, 10 de junho de 2020

Porandubas nº 669

Nesses tempos de uso da caneta para mascarar a verdade, abro a coluna com uma historinha de Zé Abelha. Lei da Gravidade A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. E a lei da gravidez, essa, nem se fala. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água lá embaixo e a cidade lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões e, sinceramente, achava o problema de difícil solução a curto prazo, conforme desejavam: - Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo? - O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade. - Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição, visando perseguir o PSD. O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche, que "o governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal". E está encerrada a sessão. (A historinha está no livro A Mineirice) Brasil mais isolado Não pensem que o título acima se refira a isolamento social. Não, trata-se de isolamento na esfera das Nações. A pandemia mata milhares pelo mundo. O Brasil se torna o epicentro, com liderança no ranking de mortos em 24 horas. E o que faz o governo? Ordena atrasar a publicação dos dados e manipular as informações. Não dá para acreditar que o presidente tenha exigido o teto de mortes em 24 horas: mil. Dou esse número porque foi publicado. O ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, é um técnico de logística. Cheio de boas intenções. Mas nesse jogo de esfriar os números desfere um tiro na imagem. O Estado de Roraima acabou pagando o pato. Teria fornecido números errados. As autoridades de saúde de RR refutam. E o mundo, de queixo caído, indaga: existe democracia no Brasil? Olavo furioso O guru da família Bolsonaro e admiradores do atirador de Virgínia, EUA, Olavo Carvalho, que diz sobreviver com cursos online, tiveram que ouvir, por enquanto calados, o maior desaforo que já se ouviu de um brasileiro sobre o governo Bolsonaro. Disse ele que o governo é covarde, que obedece aos generais que o cercam, que se não mudar, ele mesmo, Olavo, derruba "esse governo de m....". O que faz o presidente? Bico calado. O empresário Luciano Hang, que se veste todo de verde, e tem uma cadeia de lojas, rico, ganhou também uns bofetes de Olavo, que disse não ser amigo dele e assim por diante. O que faz Hang? Pediu a amigos empresários que mandem um dinheirinho para Olavo. Belisco-me para saber se isso é sonho ou realidade. Pois é verdade. Olavo se julga o dono do governo. O suprassumo. O onipotente. O onisciente. Com direito a dizer como quer que seja o governo, que ele formou. Os generais Falar mal de um general, até pouco tempo atrás, era um ato considerado louco. Quando se vê um sujeito como Olavo de Carvalho desancar os generais que integram o governo, principalmente os que estão no Palácio do Planalto, a pergunta tem sentido: e os generais vão ficar em silêncio? Não haverá nenhuma reação? Por essa e por outras é que ganha força a ideia de que as Forças Armadas perdem prestígio, com suas fardas enlameadas por figuras sem ética, sem moral e compostura. E, mais ainda, por interlocutores que usam baixo calão. Linguagem que dá asco. Ondas repetidas Começa-se a formar a ideia de que esse novo coronavírus vai e vem. Desaparecerá em algumas regiões ou diminuirá sua matança, mas reaparecerá em ondas pequenas, aqui e ali. E esse trajeto tortuoso deverá ser enfrentado pelos governos. A vacina, que só chegaria ao mercado em um ano, deverá ser acompanhada por novas políticas públicas. Até porque os cientistas preveem a mutação do vírus, com formas até mais agressivas. A Humanidade tende a ver uma escalada de tragédias. Que a medicina e as pesquisas científicas nos tragam um pouco de esperança. A volta às ruas O país começa a se energizar com a movimentação das ruas. Vejamos a quem interessa essa agitação. Primeiro, ao presidente Bolsonaro, que tem a meta de segurar seus 30% até 2022. Se for às urnas com esse índice, garante posição no segundo turno. Comete o desatino de jogar o país no caldeirão da efervescência. O governo chegará trôpego às margens eleitorais. Segundo, interessa aos radicais de esquerda, que desejam manter a polarização como meio de viabilização de seus potenciais. Terceiro, interessa ao grupo alinhado à ideia do "quanto pior, melhor". As hipóteses têm como pano de fundo as variáveis: a) a pandemia e seus efeitos, com respectivas responsabilidades dos governantes nas três esferas - União, Estados e municípios; b) a economia, sob o risco de refluxo monumental ou resgate de seu potencial; c) as políticas sociais em 2021/2022 - saúde, educação e segurança. Mapa em branco Em matéria de liderança, o Brasil é um mapa em branco. O país caminha às escuras por faltar um líder confiável, competente, capaz de comandar um Projeto de Nação. A questão brasileira esbarra na falta de lideranças. Os quadros que temos à vista não preenchem a planilha dos valores que ilustram a grandeza de um perfil, entre os quais destaco quatro: Valores - Sapiência - Mais que domínio do conhecimento, sapiência é sabedoria, a habilidade no manejo da política, a capacidade de entender o mundo, de liderar um grande programa de reformas, de elevar a confiança social. - Dignidade - Vida decente, história de bons feitos, passado limpo, reconhecimento do traçado reto que marca a trajetória do protagonista. - Elevação espiritual - Pode parecer um valor religioso, mas no sentido que se coloca aqui é a capacidade do político de mostrar desprendimento das coisas materiais, despojamento, simplicidade, disciplina, diálogo. - Autoridade - Não significa autoritarismo, a vontade de reprimir, lutar, guerrear, mas a capacidade de ser ouvido com respeito, sua voz ser seguida e suas ordens cumpridas, sem uso da força. Perfis do momento - Fernando Henrique - O tucano-mor expressa uma visão abrangente, tem prestígio junto ao empresariado, mídia, intelligentsia. Sempre ouvido e procurado pelos tucanos. Mas sem poder de mobilização. Não une partidos. - Lula - Cada vez mais se isola. Entende o Brasil como território perdido pelo PT, mas possível de ser resgatado. Sem sintonia com a realidade. Não quer ceder espaço a outros. O ciclo Lula passou. Difícil ganhar papel de comando de uma Frente Ampla. - João Doria - Governador de São Paulo, Estado mais forte do país - 46 milhões de votos - potencial candidato à presidência da República em 2022, Doria pode se tornar uma opção do centro-direita. Mas se avoluma teor crítico contra ele. Considerado extremamente ambicioso e sem querer repartir poder. Imagem muito ligada à nata do empresariado mais jovem. Não tem forte adesão popular. - Fernando Haddad - O quadro mais preparado do PT. Mas uma ilha. Carece de apoio intenso no próprio partido, mas sobre sua imagem derrama-se parcela da imagem do PT, sempre lembrado por falcatruas. - Wilson Witzel - Era uma esperança no início do governo, envolve-se em uma teia de acusações. Um ex-juiz que não carrega a boa imagem da magistratura. Acusado de prestigiar velhos esquemas. - Ciro Gomes - Polêmico, linguagem desabrida, muito questionado por lideranças políticas. Bem informado, boa bagagem acadêmica, respeitado por economistas, sempre atento à pauta nacional. Mas é alvo de intenso tiroteio. Velha carta do baralho. - Jair Bolsonaro - O mandatário-mor é uma fonte inesgotável de crises. Visão radical, armamentista, forte influência dos filhos (filhocracia), cercado de generais, passa a imagem de ser um transtorno à política e um risco à governabilidade. Interesse em manter a polarização com o PT. Mostra-se despreparado. E responsável pela imagem negativa do Brasil na paisagem internacional. - Marina Silva - Perfil que denota fragilidade. Imagem positiva na esfera ambientalista. Não tem capacidade aglutinativa. Era Marina passou. - Luciano Huck - Empresário e apresentador de programa popular na maior TV do país, um perfil apolítico, mas sem densidade no espaço do conhecimento da realidade nacional. Imagem de que pode ser o testa de ferro de poderoso grupo de mídia. Passível de questionamentos. - Rodrigo Maia - Com uma boa folha de serviços prestados ao país, no comando da Câmara Federal, carece de apoio popular. Tem uma agenda cheia e pode ser um eficiente quadro na articulação para 2022. - Flávio Dino - Imagem que se projeta além da fronteira do Maranhão, o governador pode ser componente de uma chapa majoritária Federal, mas é pequeno para encabeçar o posto principal de candidato a presidente. Boa fluência. Mas, sob o aspecto partidário, restrito. - Rui Costa e Camilo Santana- Os governadores petistas da Bahia e do Ceará seriam naturais lideranças arejadas para ocupar espaço no PT, mas Lula não dá condições. Faltam a ambos visibilidade mais ampla no país. E sua performance dependerá dos resultados a serem alcançados pelo combate à epidemia em seus Estados. - Paulo Câmara - Limitado a Pernambuco, o governador do PSB é um quadro ainda pouco conhecido, podendo vir a ser estrela do partido mais adiante. Ao PSB falta densidade nacional. - ACM Neto - O prefeito de Salvador e presidente do DEM, ACM Neto, pode entrar bem na articulação política de 2022, e tem apoio popular na Bahia. Também não representa novidade na política. - Davi Alcolumbre - Ganhou imagem no comando do Senado, mas com pequena possibilidade de ter dimensão nacional. - Guilherme Boulos - Perfil contundente do MTST, restrito a pequeno espaço numa das extremidades do arco ideológico. - Eduardo Leite - O governador do RS, do PSDB, tem perfil jovial, mas limita-se à região Sul. - Romeu Zema- Esperava-se mais do governador mineiro, mas o Novo, seu partido, não tem sobressaído na esfera política e governativa. - Paulo Hartung - O ex-governador do Espírito Santo é um nome de respeito, agindo hoje como conselheiro político. Parece desinteressado em perfilar na linha de frente. - Sergio Moro - Sem o palanque da visibilidade como ministro, pode perder espaço e ser canibalizado por outros nomes. Perfil apolítico, tem condições de ser atraído por algum partido e entrar na arena de 2022. Dependerá da situação do país.
quarta-feira, 3 de junho de 2020

Porandubas nº 668

Abro a coluna com uma historinha sobre o marechal Dutra. O C pelo X O marechal Eurico Gaspar Dutra (1945/1951), como poucos sabem, trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51: Voxê qué xabêVoxê qué xabêNão pixija sabêPra que voxê qué xabê? Osman Cartaxo, velho amigo da Paraíba, pinça do arquivo de seus engraçados "causos" uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou: - Bom dia, coronel. O velho marechal respondeu de pronto: - Não xô coronel. Xô o presidente da República. O matuto emendou: - Mas não é coronel porque não quer. Cenário sangrento Não há perspectiva de melhoria na temperatura política. O cenário exibe sinais de ódio e tiroteio recíproco entre as alas bolsonarista e oposicionista. O último episódio da guerra foi a batalha do domingo, 31 de maio. As torcidas de times de futebol, principalmente Gaviões da Fiel e Mancha Verde, do Corinthians e Palmeiras, se uniram em raro momento de suas histórias, e foram à avenida Paulista desfraldar a bandeira pró-democracia e com slogans fortes contra o governo Bolsonaro. Um grupo bolsonarista se formou, com pequeno número, e a batalha começou. A PM apareceu e o pau comeu. As primeiras análises davam conta de que os policiais bateram apenas nos torcedores, e, com um escudo, protegeram os bolsonaristas. Mas um olhar imparcial para a cena permite dizer que a turma das torcidas bagunçou o coreto. Com depredações e violência. Os generais A guerra, até agora contida na frente da política, ganha dimensões mais graves. O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, era exemplo de moderação no início do governo. Palavra de harmonia e equilíbrio. Depois de manifestações de insatisfação por parte de seu chefe, o capitão-presidente, Heleno tomou o lugar do general Otávio Rêgo Barros, o porta-voz, e passou a fazer defesa candente de Jair Bolsonaro. O general Rêgo recolheu-se, até para tratar da Covid-19, que o pegou. E, para surpresa geral, o ministro da Casa Civil, general Luiz Fernando Ramos, que faz articulação política, aparece agora no front como mais um mensageiro: "respeite o presidente". Pareceu um puxão de orelhas no ministro Celso de Mello, que teve uma mensagem vazada comparando o Brasil com a República de Weimar, Alemanha, golpeada por Hitler. Luta aberta Em suma, o que era coisa de bastidor, de conversa entre quatro paredes, vira discurso público. Os generais no entorno do presidente mostram a cara de guerreiros defensores do presidente. Até o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa, que até então se comportava como fortaleza constitucional, tendo produzido três notas com o conceito de que as FA são entidades do Estado e não de governo, apareceu no sábado último, ao lado do presidente, no helicóptero que os transportava a uma manifestação de apoio a Bolsonaro. Sinalização de que as Forças perfilam ao lado do chefe do Estado. E assim a luta se escancara. O presidente, a toda hora, lembra que tem o apoio das FA. O que quer dizer isso? Temor de impeachment? Um autogolpe? Mourão olhando O fato é que inexistem condições - políticas, sociais - para qualquer ato de intervenção por via militar. Os generais do entorno tomam posição ao lado do presidente, o que não significa, segundo os próprios, adesão a uma ação contra a Constituição. Chama a atenção que o vice-presidente, general Mourão, que era muito expressivo quando dirigia o Clube Militar, hoje é o quadro que expressa moderação. Começa a formar um grupo de admiradores, que o veem como um perfil bem encaixado em eventual vacância da cadeira presidencial. Maia, a palavra política Quem interpreta bem o papel das Forças Armadas é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, nesse início de semana, fez adequada ponderação. Para ele, generais que estão no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não representam as Forças Armadas. A declaração de Maia foi feita ao jornalista Tales Faria, do UOL: "Um ministro que é general da reserva, ou ainda está na ativa e vira ministro de um governo, não representa as Forças Armadas. Elas [as Forças Armadas] representam o Estado brasileiro. 57 milhões de votos? Nos idos do passado, quando um político se vangloriava de seus feitos, desfilando milhares de votos, Tancredo Neves, o sábio, retrucava: - Você teve, mas não tem mais. Pois bem, os bolsonaristas repetem e repetem o bordão: nosso presidente tem 57 milhões de votos. Ora, isso não é mais verdade. Se ainda tem 30% de apoiadores (e há dúvidas se ainda é esse número), haveria 70% contrários. Todas as pesquisas mostram que cresce sua rejeição. Portanto, há de se ter cuidado no uso das quantidades favoráveis a Bolsonaro. Os próximos tempos exibirão a verdade. Pressão sobre os governos A pressão sobre os governadores para que sejam flexíveis à política do isolamento começa a dar resultados. Alguns já tomaram decisões para reabrir áreas do comércio e dos serviços, mesmo de maneira gradativa. Ocorre que, segundo a OMS e outras instituições, não chegamos ainda ao pico da pandemia. Os recordes de casos - mais de meio milhão de infectados, beirando 35 mil mortos - aparecem dia a dia. Governadores e prefeitos estão com um olho na saúde e outro nas urnas de novembro ou dezembro, de acordo com decisão a ser tomada pelo TSE. Ninguém quer se aventurar no canto extremo de uma decisão mais radical. O lockdown - medida mais forte de isolamento - foi rompido nas praças onde foi adotado. O assassinato de Floyd O imponderável é um fenômeno que visita países de facetas múltiplas. O assassinato de um homem negro, George Floyd, em Minneapolis, EUA, por um policial branco, que o sufocou por quase 9 minutos, colocando seu joelho sobre o pescoço da vítima, era a pólvora que faltava para incendiar a fogueira que se expande pela nação americana. Trump, que já vinha em queda por seu desleixo na adoção de medidas contra o Covid-19, agora é alvo da indignação social. Milhares de pessoas nas ruas, juntando tanto democratas quanto republicanos, podem se transformar na arma letal contra a candidatura de Donald Trump em novembro. O povo está acompanhando os fatos da política, aqui e alhures. As ruas no Brasil Por aqui, emerge a sensação de que as multidões, que não passavam de grupos pequenos até recentemente, começam a redescobrir as ruas. Em junho de 2013, as massas foram às ruas. E agora, manifestações a favor e contra o governo, redescobrem a rua como caminho a seguir para expressar satisfação/insatisfação com o estado das coisas. Bolsonaro tem interesse em motivar sua galera. Mas comete o erro de antecipar por muito tempo o pleito de 2022. Poucos eleitores têm propensão para aguentar climas eleitorais por muito tempo. O copo da paciência transbordará. Mas há algo que pode ser o carro-puxador das massas: a pandemia e a economia. Mortes e mortes, com medidas que não estão dando certo, causam revolta. E barriga roncando, com pouco dinheiro no bolso para comprar o básico, também enfurece o coração e o sangue sobe à cabeça. Logo.... Tudo não será como antes "Tudo como antes no quartel d'Abrantes". Como se sabe, a frase quer dizer: nada mudou. E tem uma história por trás. Portugal foi invadido por tropas francesas porque demorou a obedecer ao bloqueio imposto por Napoleão. O general Jean Junot, braço-direito de Napoleão, ocupou a cidade de Abrantes, onde instalou seu quartel. Nomeou-se duque. D João VI havia fugido para o Brasil. Ninguém se opunha ao general. Tudo era tranquilo. E quando se perguntava sobre novidades, vinha a resposta: "está tudo como dantes no quartel d'Abrantes". Pois bem, leitoras e leitores, não pensem que, após a pandemia, tudo será como antes. O Novo Normal não fará uma devastação sobre o mundo anterior, mas haverá mudança nos costumes, no trabalho, nas formas de produção, nos costumes e comportamentos e até na política. O Novo Normal não nos levará ao mal. Um tempo de bonança poderá nascer numa era de temperança. Em alta - Médicos, enfermeiros(as), profissionais da saúde - Trabalho em casa - Reflexão sobre a vida - Família - Jardins e plantas - Delivery - Redescoberta das ruas - Expressão escrita - Contemplação do pôr do sol - Filmes na TV - Valores: solidariedade, amizade, simplicidade, integração de esforços, disciplina, despojamento Em baixa A Coluna deixa esse espaço em branco. Que cada um faça sua lista. Pequenas lições para candidatos (as) - Saber ler corretamente o meio ambiente, os novos valores do eleitorado e as motivações de voto. - Escolher o discurso para o momento adequado. - Definir segmentos-alvo do eleitorado. O Brasil torna-se mais racional. - Selecionar sólidos reforçadores de decisão de voto. - Descentralizar a campanha para multiplicar pontos de eco e agregar organizações intermediárias. - Compor programa simples, objetivo, factível. Atenção na área da Saúde. - Trabalhar com modelos diferenciados de pesquisa. - Programar ações de impacto. - Organizar estrutura adequada e estabelecer cronograma prevendo: lançamento da campanha (junho/julho); crescimento (julho/agosto); consolidação/maturidade (setembro); clímax (segunda quinzena de outubro - últimas semanas antes eleição); declínio (evitar que esta fase ocorra antes da eleição - novembro ou dezembro). - Garantir meios e recursos. T.S. Elliot "Somente aqueles que se arriscam a ir longe, sabem até onde podem chegar".
quarta-feira, 27 de maio de 2020

Porandubas nº 667

A coluna abre com um pedido de desculpas à família de Fernando Prado Leite, pela historinha da semana passada. A médica Carmem Luiza Leite envia esta mensagem: "Sou Carmem Luiza Leite, médica, residente em Aracaju/ SE e filha de Fernando Prado Leite. Parabéns pelas suas Porandubas políticas, histórias ou estórias? "Hilário" como assim se referiu em um texto sobre meu Pai, foi destruidor de uma família que tem o orgulho de toda uma história essa sim verdadeira. Peço o direito de resposta para que você mesmo possa conhecer melhor quem foi Fernando Prado Leite. Quem sabe você pode, através do livro O Chefe Invisível, conhecer todo esse capítulo que você publicou com toda a sua galhardia. Convicta de sua capacidade literária, e desse site "Migalhas", solicito a retratação legal dessa reportagem 'Morra tranquila, mamãe'. Agradeço antecipadamente". P.S. Cometi um lapso. Na verdade, o relato da semana passada está no clássico livro Folclore Político, de Sebastião Nery, sob o número 1692. No que me cabe, faço este registro com meus respeitos e minhas homenagens à família. Vai mesmo à Brasília Esta também é da lavra de Sebastião Nery, mas há uma versão original russa. 31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte: - Alkmin, para onde você vai? - Para Brasília. - Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília. Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond: - O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília. Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A primeira historinha é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações: "Que mentira, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai a Minsk". Cenário político: os pontos nos is Vamos à leitura sobre os fatos e suas versões. O vídeo da destemperada reunião do presidente e seus ministros baliza a linguagem de gregos e troianos. Os gregos, digamos que sejam os simpatizantes do governo, refestelam-se nas comemorações, vendo naquela gravação o eco de seus urros e loas ao bolsonarismo. Os troianos, integrados pelas hostes das oposições e de núcleos localizados no meio da pirâmide social e a mídia, reverberam seu espanto com a dose cavalar de palavrões, posições duras contra juízes, meio ambiente e políticos - governadores e prefeitos -, arrematando sua perplexidade com a ideia de que o governante-mor do país bateu no seu limite. Ambas as alas deixaram cair nas redes sociais seu verbo ácido. Mas as ondas radicais do bolsonarismo, sob a órbita dos robôs, ganharam em quantidade com uma frase que se repetiu indefinidamente. 10 minutos com a mesma frase Um controlador das mensagens aponta que, durante 10 minutos, leu a mesma mensagem em pretensos apoiadores de Bolsonaro: "não conheço um eleitor de Bolsonaro que viu o vídeo e esteja arrependido, pelo contrário, já iniciamos a campanha para 2022. É a melhor propaganda de todos os tempos". Marcelo Adnet, o comediante, joga nas redes um vídeo com a mesma frase e nomes de seguidores, alguns repetidos. Uma farsa, que deve ter o dedo do comandante das redes sociais do presidente. A linha de abordagens contrárias ficou mais restrita aos comentaristas de TV e de jornais. Além de articulistas de renome. Eleições dirigidas? Imaginem agora essa ferramenta tecnológica. Os pleitos eleitorais, aqui e alhures, têm ganho o impulso das máquinas robóticas. Aconteceu nos EUA e aconteceu aqui. Vamos ter, doravante, eleições sob a batuta desses cabos eleitorais eletrônicos? Essa é uma ameaça concreta aos sistemas democráticos. Terrível será enfrentar uma bateria tecnológica de robôs promovendo a mistificação das massas, induzindo a decisão de eleitores, manipulando gostos, atitudes e comportamentos. Daí a necessidade de se apontar os caciques dessa "eleição tecnológica". Alguns deles estão no entorno dos governantes em todas as esferas do planeta. Cadê a CPI das Fake news? E a pandemia? O paradoxo fica escancarado. A pandemia ganhando força em todo o país, mas não se viu naquela reunião ministerial nenhuma ênfase ao esforço para combatê-la. Naquele momento, assumia o Ministério da Saúde o médico Nelson Teich, que parecia um peixe fora d'água. Ou seja, foi uma reunião para desabafo do presidente sobre sua insatisfação com segurança, sobre sua visão armamentista (facilitar o acesso de armas e munição ao povo), e instrumentalizar os serviços de segurança e inteligência para servir a si e aos seus. O vídeo é uma peça que entra na história do nosso presidencialismo, com direito a lances escatológicos, como a afirmação de que os inimigos (????) querem a "nossa hemorróida". ( ???????). Um bom analista de índoles pode explicar esta estapafúrdia referência. Se não conseguir, é só remeter o caso ao velho Freud. Exército e a imagem Que os generais sejam convocados para trabalhar no governo, é coisa compreensível. A partir do fato de que somos governados por um ex-tenente, aposentado como capitão, do nosso Exército, o Exército de Caxias. Mas a convocação de um número de militares (a maior de reformados), acima de uma quantidade que se considere razoável, causa estranheza. É como se o governante quisesse construir uma fortaleza só com ferro, e não com cimento e cal. A denotar certa necessidade de proteção, receio de ser deposto por algum processo, inclusive um processo que caminhe pela via democrática como um impeachment, por exemplo. Afinal, o que poderá ocorrer? À luz do que conhecemos sob a cultura política por essas plagas, cheguemos às inferências. O risco de o presidente Jair Bolsonaro perder o mandato, com eventual impeachment, é menos de 10 cm em uma régua de 100. O presidente conta com forte parcela das massas. E mais: gosta de se infiltrar na massa, ao modo do antigo Lula. Usa palavreado torto e cheio de palavrões, identificando-se com a linguagem popular. Vestiu bem a camisa do anti-Lula. Interpreta o antilulismo, o anticomunismo, o antisocialismo, tudo que se relacione aos ideais, partidos e abordagens que lembrem a esquerda. Virou um guerreiro das Cruzadas contra o esquerdismo. Despertou a velha direita, uns 10% da sociedade, que vivia em estado vegetativo. Agregou um núcleo jovem, que nunca acompanhou política. Atraiu setores que já haviam se afastado da política. Ganha apoio junto ao empresário pragmático. Assediado por siglas amorfas e sem verniz ideológico, Bolsonaro tende a sobreviver. Em suma, Jair tem cacife para se sustentar. A não ser que... 1 - A economia degringole Pensemos em um atoleiro sem condição de deixar sair o carro. Devastação imensa no bolso do contribuinte, queda brutal de investimentos. 2- A pandemia não for contida por erros da gestão. Descontrole geral e mortes continuam até bem mais adiante. 3- As carências de saúde chegam às margens de 2021/22. O caos social leva clamor às ruas, com o povo indo às ruas pedindo o "fora Bolsonaro". 4- Os grandes centros urbanos ampliam seu estado de deterioração, com sensível piora dos serviços públicos. 5- Bolsonaro não consegue consolidar uma base política no Congresso, afastando-se da esfera parlamentar. 6- A situação do Brasil na paisagem internacional é vexatória, com imagem negativa em todos os quadrantes. Sob essa moldura, torna-se bastante viável um impedimento via Congresso Nacional. E um golpe? Ainda sob essa moldura, os militares não teriam motivação/condição de dar a ele sustentação pela força. O Brasil tem hoje uma classe média, que é a maior parcela da população. Com forte poder de difusão do pensamento. Sergio Moro tem chance? O perfil do ex-juiz e ex-ministro da Justiça terá força decrescente ao longo dos próximos tempos. Já não contará com a fosforescência das luzes midiáticas. E receberá críticas acirradas de um contingente de peso e voz: os advogados, principalmente os criminalistas. O pleito municipal Teremos provavelmente o pleito municipal em início de dezembro, por volta do dia 6. Será o pleito do rebate, com um voto de protesto do eleitor à forma como tem sido tratado e um desabafo ao modus operandi da mesmice política. Jovens e mulheres com boas chances de votação. E a PF? A Polícia Federal ganha força institucional nos próximos tempos. Vai ganhar aplausos por sua conduta republicana, agindo com independência e autonomia. Segunda-feira, seis agentes da PF apreenderam a câmera do cinegrafista Andriely Cirino, na Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto. O cinegrafista teria registrado a famosa reunião ministerial do dia 22 passado. E ontem passou a fazer buscas junto à família do governador Witzel. Fecho a coluna com pequenas lições de marketing eleitoral Marketing: os eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado. Ênfases O planejamento de uma campanha abriga todos os aspectos, com a inclusão das metas, objetivos, estratégias, táticas, meios e recursos, equipes e estrutura de operação, sistema de marketing, estudo dos adversários, etc. O mais importante é o foco sobre os eixos do marketing eleitoral, acima apresentados: a pesquisa, a proposta de discurso (os programas), a comunicação, a articulação e a mobilização. A pesquisa objetiva mapear interesses e expectativas do eleitorado. É vital para estabelecer e/ou ajustar o discurso do candidato. Sem pesquisa, atira-se no escuro. A pesquisa qualitativa tem a vantagem de descobrir os mapas cognitivos dos eleitores, aquilo que eles estão pensando. É fundamental, na medida em que o mapeamento do sistema de interesses e expectativas do eleitorado deverá ser o centro do discurso. A pesquisa quantitativa mede apenas intenção de voto, em determinado instante. Municipalização x Nacionalização das campanhas? Ligeira resposta: o pleito deste ano será nacionalizado. Na esteira da intensa polarização que impregna a sociedade. Micropolítica - política das pequenas coisas - ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, Federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral - estado geral de satisfação/insatisfação - adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura geral será medida; 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; saúde será o foco. 3) O discurso semântico - propostas concretas e viáveis - suplantará a cosmética, que consiste no modo de se apresentar aos eleitores; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações. Não haverá motivação para isso. 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado.
quarta-feira, 20 de maio de 2020

Porandubas nº 666

Nesses dias de pandemia, abro a coluna com uma historinha hilária de Sergipe. Morra tranquila, mamãe Nas dobras do passado, Fernando Leite, filho do senador Júlio Leite, presidia a Assembleia Legislativa de Sergipe, quando Seixas Dória era governador. Seixas teve de viajar ao Rio de Janeiro, enquanto o vice-governador Celso Carvalho estava no Rio Grande do Norte, onde foi ao enterro da sogra. Fernando Leite, presidente da AL, assumiu o governo por dois dias. Passou telegrama para Deus e o mundo, para as embaixadas, federações, partidos políticos, comunicando a sua governança. Como bom filho, orgulhoso, telegrafou à mãe, internada e gravemente enferma, em um hospital do Rio: - Mamãe, pode morrer tranquila. Seu filho é governador. Beijos, Fernando. O estado da Nação O termômetro social marca alta temperatura. A angústia se acumula. O medo se espraia. O uso de máscara se expande, mesmo sob a descrença e o desleixo de muitos, que costumam deixá-la sob o queixo. Os dias passados em casa puxam uma certa dormência coletiva, a trazer desânimo. O desemprego sobe. O empobrecimento é geral com perdas sentidas principalmente nas camadas da base da pirâmide. O número de mortes cresce exponencialmente. O Brasil já chega no ranking dos mais afetados pela pandemia. SP, 324 mortos em 24 horas. O estado geral da Nação é de gigantesca dúvida sobre o amanhã. Isolamento social O isolamento social se estreita. Mesmo sob as estatísticas mais altas, a índole nacional carrega um DNA regado pela fonte da rebeldia e pelo vento da fuga à ordem estabelecida. "Fulano, não saia porque ali adiante você vai enfrentar um tiroteio". O fulano, curioso, acaba pensando: "vou ver para crer". E escapa. Sai sorrateiramente. Ademais, a imensa desigualdade propicia mais rupturas. Afinal, os pobres e carentes têm que se virar. Como pedir para não sair de casa a alguém que não tem suprimentos, em um barraco onde habita a carência de tudo? Uma coisa é isolamento na Alemanha, no Reino Unido ou em países desenvolvidos, outra coisa é pedir para ficar em casa no Brasil. A revelação de Marinho O empresário e consultor Paulo Marinho jogou a bomba: a PF antecipou para Flávio Bolsonaro a operação que faria para investigar eventuais ilícitos que teriam sido cometidos pelo seu então assessor, Fabrício Queiroz. A operação foi adiada para após a eleição em 2º turno, decisão tomada para não prejudicar a campanha do candidato Jair Bolsonaro em outubro de 2018. Por que Marinho só abriu o bico agora? Por que não fez essa revelação antes? Não teria prevaricado? Questões no ar São perguntas que se fazem. Respostas óbvias: o empresário rompeu com a família Bolsonaro, mesmo sendo suplente do senador Flávio. Filiou-se ao PSDB de João Doria. É candidato a prefeito do Rio de Janeiro. Portanto, é evidente que a informação tem caráter político e estará no palanque eleitoral do pleito municipal. Nem por isso deve deixar de ser investigada, incluindo ilícito eventualmente praticado por Marinho por ter escondido o fato até hoje. Centrão toma assento O Centrão, onde estão os partidos fisiológicos (há algum que não seja?), começa a tomar assento nas cadeiras do governo. Não se acomodam nas cadeiras da primeira fila, urge reconhecer, mas em cadeiras de fileiras mais ao fundo. Mas esses cargos de segundo e terceiro escalões, nas mãos de um hábil artesão da política, costumam se transformar em balcão de oportunidades. Por isso, é do interesse de siglas que rezam pela cartilha franciscana do "é dando que se recebe". Até no espaço da Educação, mesmo sob o escudo do raivoso e contestado Abraham Weintraub, os centristas estão chegando. Covas e o feriadão Teste polêmico. O prefeito tucano Bruno Covas, de São Paulo, vai antecipar os feriados de Corpus Christi e do dia da Consciência Negra para hoje, quarta, e concedendo sexta como ponto facultativo. O feriadão tem o objetivo de esvaziar as ruas da capital. Será um teste para ver se essa decisão se transforma em um lockdown. Apostam, ele e Doria, na hipótese de que muito poucos viajarão nesta semana. Tenho a impressão de que pode haver refluxo de carros, mas não nos níveis desejados. Baleia: 2 bilhões para saúde O projeto relatado pelo deputado Baleia Rossi, MDB-SP, que garante o repasse de R$ 2 bilhões para Santas Casas e hospitais filantrópicos foi sancionado pelo governo Federal. A nova lei determina que o auxílio financeiro emergencial seja destinado para o combate à pandemia do Covid-19 nas instituições que atendem pelo SUS. Iniciativa digna de aplausos. Incrível Que o novo ministro da Saúde seja um médico ou uma médica, é coisa previsível e perfeitamente condizente com a praxe. Mas incluir entre os candidatos um 'youtuber' é uma piada de péssimo gosto. Pois não é que as redes bolsonaristas estão indicando o nome de Ítalo Marsili como ministro da Saúde! É médico, sim, mas sua atividade mais importante é a de youtuber. Um médico influenciador nas redes? Cloroquina e Heparina Constata-se uma queda de braço entre a cloroquina e o anticoagulante heparina no combate ao novo coronavírus. Quem está levando a melhor, por enquanto, é a cloroquina, que tem como seu principal defensor o próprio presidente Bolsonaro. Trata-se de uma guerra onde as principais armas são escassas: falta de respiradores, leitos em UTI, etc. Mas a guerrilha química é a que vale. Agora é o presidente dos EUA, Donald Trump, quem diz que passou a tomar uma pílula de cloroquina por dia como medida preventiva. A ciência não dá esse endosso. O Conselho Federal de Medicina, do Brasil, discute a questão. E seu presidente, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, aponta a heparina como mais eficaz do que a cloroquina. Vacina O laboratório Moderna, dos EUA, anuncia resultados promissores nos primeiros testes feitos em humanos para a vacina contra o Covid-19. Suas ações na Bolsa tiveram um salto de 241%. Mais guerra química Os EUA e mais alguns países iniciaram uma guerra química contra a China: estão deixando de comprar remédios naquele país, na esteira da politização que tomou conta do debate sobre o Covid-19. E se a China descobrir, antes que outros, a vacina? Os países por pirraça deixarão da adquiri-la? E assim bestamente caminha a Humanidade. É claro que nessa guerra há muito interesse - $$$$$$$$$ - em jogo. Bolsonaro sobrevive Este analista não acredita em impeachment do presidente Bolsonaro, mesmo que ele continue com o pavio aceso e tocando fogo na floresta. Decidiu falar para suas bases. Não quer governar para todos os brasileiros. É um direito que tem de escolher sua plateia. Mas é um erro que, mais cedo ou mais tarde, pagará. Impeachment no meio de uma pandemia seria um processo caótico. Ampliaria o volume das crises. E não haverá clima para se debater um afastamento do presidente. A impressão é a de que ele seguirá, claudicante, o seu caminho. Pode até não querer se candidatar. A depender da sua avaliação mais adiante. As perspectivas não são boas. Mourão mais solto O vice-presidente, general Mourão, parece ter voltado à velha forma: lépido e faceiro, dá entrevistas a torto e a direito. Conta com a simpatia de parcelas substantivas da sociedade, a partir de núcleos do empresariado. Guedes mais contrito Paulo Guedes, o mandão da Economia, está mais contrito, mesmo continuando com a verve azeitada. Está diante de uma projeção que o incomoda: queda de 5% do PIB este ano. Desemprego aumenta. Guedes tem afirmado que o país "foi atingido por um meteoro" se referindo ao impacto do coronavírus nas intenções econômicas do governo. Frente à crise, reformas que estavam em avaliação, como a tributária, ficaram em segundo plano. O esforço da União e dos poderes Legislativo e Judiciário se concentram em combater a epidemia. O frio aperto de mão Fecho a coluna com uma historinha da Bahia. Um deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu com outro cartão: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas festas, esperando encontrá-lo muito em breve nessas paragens para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005. O deputado leu a mensagem. Espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão.
quinta-feira, 14 de maio de 2020

Porandubas nº 665

Abro a coluna com a verve mineira. Mariana, Minas Gerais, já foi chamada de Roma brasileira. Terra de fé. Velhas e monumentais igrejas. Cheia de placas com nomes engraçados nas ruas: - Cônego Amando - Armando Pinto - Monsenhor Amâncio Pinto Cônego Amando era conhecido pela verve, um brincalhão. Um dia, viajando pelo interior do município, uma de suas assistentes caiu do cavalo. Rapidamente ficou em pé. Meio sem graça, perguntou: - Cônego, o senhor viu a minha agilidade? - Minha filha, eu até que vi. O que eu não sabia é que agilidade tinha mudado de nome. (Zé Abelha em A Mineirice) Panorama visto do alto Daqui do alto, vejo quase todo o centro expandido, os bairros mais centrais: Itaim, Moema, Paraíso, Ibirapuera, Jardins, Indianópolis, Vila Mariana, prédios da av. Paulista, a Faria Lima, e lá nos fundões, Pinheiros, Morumbi e as torres da serra da Cantareira. A cidade parece quieta. Só impressão. Menos carros, menos barulho. Mas, em suas casas, as pessoas estão atônitas, medrosas, estampando um aparente conformismo que as catástrofes costumam puxar. Se as nossas vidas precisam desse recolhimento, que o acolhamos. Muitos se rebelam. A paisagem é sombria. Um ou outro urubu cruza seus voos sobre o parque do Ibirapuera. O campo do ginásio quase todo coberto com um gigantesco toldo branco, onde um hospital de campanha abriga contaminados pelo vírus. Quando, quando, quando respiraremos ares mais saudáveis? Panorama de Laurie Garret Laurie Garrett é uma jornalista premiada. Também conhecida como Cassandra, aquela profetisa grega que previa o futuro. Ganhou o Prêmio Pulitzer de jornalismo, tendo previsto não apenas o impacto do HIV, como também o surgimento e a propagação em todo o globo de patógenos mais contagiosos. E também previu a pandemia atual. Suas previsões: = durará cerca de 36 meses, no melhor cenário possível. =aparecerá em ondas. = o sistema de transporte de massas será reavaliado. = os homens de negócios reverão a necessidade de encontros de negócios pessoalmente. = se depois de 11 de Setembro, não podemos entrar em um edifício sem mostrar a identidade e passar por um detector de metais, e não podemos mais entrar em um avião como sempre fizemos, tudo isso ocorrerá novamente. = não serão detectores de metais, mas uma mudança sísmica em relação às nossas expectativas, ao que suportamos, à maneira como nos adaptamos. Talvez também no engajamento político. = 25% de desempregados nos EUA. = a China minimizou o que estava ocorrendo e a reação em vários países foi descuidada e lenta. = Entre os destaques, em sentido negativo, está a aceitação inicial do presidente Donald Trump das garantias feitas pelo presidente Xi Jinping de que tudo se resolveria bem; sua escandalosa complacência, do final de janeiro até meados de março; sua defesa de tratamentos não comprovados; suas reflexões sobre curas absurdas; sua abdicação da sólida orientação federal aos Estados; e o fato de ele se furtar, mesmo neste momento, a apresentar uma ampla e detalhada estratégia para conter o coronavírus. Bolsonaro, vai e vem O capitão tem uma índole guerreira. Não é de paz. Não procura a paz. Talhado para guerrear nas emboscadas do disse-não-disse, onde a versão apaixonada toma o lugar dos fatos, não se preocupa com questões de imagem e não aprecia raciocinar pela via do bom senso. A troca de comandos na PF, pois, nada tem a ver com afinidades, ligações familiares, proteção em investigações. Tudo é pautado pelo maior profissionalismo. Portanto nunca existiu pressão sobre o ex-ministro Moro. Tudo é fantasia. E a fantasia ainda consegue arrebanhar um bocado de gente. P.S. Sugiro ouvir o vídeo sobre reunião ministerial, que deve ser liberado pelo ministro Celso de Mello. A fatia de Bolsonaro O presidente tem razoável fatia do eleitorado. Expliquemos. Sempre existiu um denso núcleo localizado à direita do arco ideológico que praticamente se manteve calada nos 13 anos em que o petismo-lulismo tomou assento na cadeira presidencial. O PT rachou o país quando usou o manto de vestal, pura, séria, ética, cheia de dignidade. Erigiu um castelo de mentiras sobre o imaginário nacional. Era exclusivista. Não aceitava qualquer um. Exibia uma aura de sagrado. Até o castelo desmoronar. A roubalheira veio à tona. Seu maior líder, Lula, caiu nas barras da Justiça. Incrível. Eles continuam acreditando que o petismo-lulismo é uma graça do céu. Bolsonaro foi eleito na onda antipetista. Encarnou o tom do novo. A direita conservadora marcou um encontro com os indignados. Essa é a fatia de Bolsonaro. Resiliência Os bolsonaristas são resilientes. Não temem enfrentar dissabores. Se seu comandante diz alguma bobagem, puxam um argumento para dar razão a ele. Está havendo certo refluxo, tanto que as mais recentes pesquisas mostram uma queda de 10 pontos na avaliação positiva do governo, coisa de 44% de negatividade contra 31% de avaliação positiva. Ademais, a polarização interessa a Bolsonaro, que gostaria de enfrentar novamente o PT. E para fechar a corrente de apoiadores, o governo continua com a rede de proteção social. Esses R$ 600,00, distribuídos como auxílio emergencial, caíram bem no coração das massas. No Nordeste, onde o presidente não tem boa votação, o dinheiro foi recebido com muitas loas. Pendenga com Moro I A pendenga com Sergio Moro poderá ampliar as sequelas na imagem de Bolsonaro além das já abertas pelo episódio de saída do ex-juiz. O procurador-Geral da República, Aras, tende a arrefecer o caso. Os generais que o cercam, em seus depoimentos, fazem sua defesa ao não terem visto sinais de pressão sobre a PF. Mas o vídeo da reunião ministerial que Moro sugeriu como prova de que o presidente queria trocar a direção da PF é comprometedor, Moro, por sua vez, tentou não se complicar em seu depoimento, negando "crime" por parte do presidente no caso de troca de comandos. Imaginou que a narrativa que lhe interessa será produzida naturalmente pela mídia, tendo à frente a TV Globo. Pendenga II E o STF, mesmo dando guarida às investigações, tende a dar tempo ao tempo. Celso de Mello, que se aposenta em novembro próximo, tem interesse em deixar um lastro forte em sua despedida. A palavra do ministro da Educação, numa reunião no Palácio do Planalto, pedindo prisão para muita gente, a começar pelos ministros da suprema Corte, deve influir nas decisões do ministro Celso. A pororoca pode aumentar. Golpe? O presidente precisa evitar esse discurso de golpe. É pura bobagem denunciar que Rodrigo Maia, João Doria e Wilson Witzel querem dar um golpe para tirá-lo da presidência. Algo impensável e impraticável. Não há a mínima condição para que essa ideia prospere. Seria péssimo para o país. Se Bolsonaro quer antecipar a campanha, que busque nova modelagem de slogans, expressões e fraseado. O presidente descobriu que não governa sem a esfera política. Mas deve ter cuidado para não ressuscitar perfis da velhíssima política. O Congresso Os congressistas, por sua vez, tomam consciência das novas prioridades do país: falta de estrutura nos estabelecimentos hospitalares, economia aos trambolhos, queda do PIB em mais de 5%, desemprego crescente, municípios e Estados quebrados, infraestrutura carecendo de investimentos, políticos recriminados, Executivo sem rumos, improvisação por todos os lados. O que fazer? Rodrigo Maia, muito atuante, aponta: a reforma tributária está madura. Que se comece por ela. O problema é saber até onde Paulo Guedes fará concessões. E o Teich, hein? O ministro da Saúde, Nelson Teich, médico afamado, a cada dia, mostra-se mais atoleimado. Olha para o abstrato. E confessa que está confuso. Não tinha tomado conhecimento da decisão de Bolsonaro de incluir academias de ginástica e salões de beleza na categoria de atividades essenciais. O ministro mais parece peixe fora do aquário. A filhocracia Altas patentes do Exército dizem com muito jeito: os filhos do presidente estão causando grandes estragos ao seu governo. A frase vai sem aspas, mas é uma tradução até leve do que se capta de fontes credenciadas. O farol de Huck Luciano Huck, eventual candidato à presidência da República, está com farol baixo. Um midiático inteligente, que até surpreende com ótimas entrevistas junto a pensadores, mas não conhece a realidade brasileira. Cadê o Paulo Hartung? Amigo, leve seu amigo, apaziguada a pandemia, para uma volta pelo país. Você, sim, seria um bom candidato. Nomes Helder Barbalho, o governador, faz um grande trabalho para amenizar os efeitos da pandemia no Pará. Arthur Virgílio, o prefeito, se esforça para enfrentar o caos que a pandemia produz em Manaus. Bruno Covas, o prefeito, apesar das boas intenções, parece sem rumos para diminuir os efeitos da tragédia em São Paulo, capital. João Doria desenvolve uma ação abrangente e forte. E, com o prestígio que tem, consegue recursos. O problema: seu discurso é sempre interpretado como voltado para a política, mais exatamente 2022. ACM Neto, prefeito, bem avaliado em Salvador. Grupos empresariais: grandes doações e ações. Destaco o Grupo Itaú: 1 bilhão de reais. Todos merecem parabéns. Adeus, amigo João Claudino Deu-nos adeus um dos maiores empreendedores brasileiros: João Claudino. Construiu um império. Muitos empreendimentos. Nasceu em minha querida serra de Luís Gomes, na tromba do elefante como é designado o extremo oeste do RN. Fronteira com Paraíba e Ceará. Seu pai, Joca, era amigo meu, Gaudêncio, que o recebeu vindo da Paraíba. Joca fez um pequeno negócio em Luís Gomes, onde João nasceu, mas decidiu voltar à PB. Foi para Cajazeiras e começou um empreendimento que viria a se tornar um dos maiores, se não o maior, da região norte: os Armazéns Paraíba. O maior ICMS do Norte. Sede principal em Teresina, Piauí. Fábricas em muitos setores. Um homem de visão social. A Fundação que criou e tem seu trabalho na região é um fenômeno de grandeza. Uma orquestra sinfônica com adolescentes é convidada para se apresentar nos principais palcos do mundo. E João, empreendedor e mecenas, nos deixou há duas semanas. Merece figurar no altar mais alto de minha admiração.
quarta-feira, 6 de maio de 2020

Porandubas nº 664

Abro a coluna com a sabedoria de José Maria Alkmin, uma das mais afamadas raposas da política mineira. Serve de adjutório para que suportemos com mais tranquilidade esses momentos tormentosos da pandemia. Em tempos de forte crise político-econômica, ele ensinava: - Calma, gente, a crise não atacará de forma tão violenta como se proclama. Cada um vai vivenciá-la de modo diferente. Se durar 6 meses, passaremos boa parte do nosso tempo dormindo. Em outras ocasiões, comendo e bebendo. Outro naco de tempo será dedicado a conversas (atualizo: usando o WhatsApp e redes sociais). Teremos muito tempo de lazer - leituras, filmes. E mais, gente: a crise será vivida dia a dia, dia a dia. Suavemente.... A crise se aprofunda Ao que tudo indica, a índole do presidente da República é imune ao bom senso. Quando se tem a impressão de que não haverá repetição de eventos negativos, perpetrados por Sua Excelência, eis que as coisas se repetem. No Dia do Soldado, o presidente foi para a frente da sede do Exército em Brasília, o Forte Apache, para se juntar aos manifestantes em ato contra o Congresso Nacional e contra o STF. No Dia da Imprensa, no último fim de semana, o gesto se repetiu em manifestação de simpatizantes em carreata na Esplanada dos Ministérios. O foco foi novamente Congresso e STF. Foram cometidas agressões contra jornalistas. Bolsonaro disse que sua paciência se esgotara. E que não iriam dar um golpe contra ele. Os ânimos estão acirrados. O poder é todo dele O presidente carrega uma expressão recorrente: ele é quem manda e o poder é dele. De nomear, demitir, etc. Mas quando os princípios da impessoalidade e da moralidade na administração pública são atingidos, a autoridade, seja que cargo ocupe, é chamado às barras da Justiça. Foi por isso que o ministro Alexandre de Moraes acatou a liminar impetrada pelo PDT para sustar a nomeação do sr. Alexandre Ramagem para a Superintendência da PF. Acabou sendo nomeado um outro Alexandre, Rolando, que era o braço direito do Ramagem na ABIN. E a posse não foi aberta ao público. Interpretação: o presidente terá todo o controle que deseja sobre a PF. Mais militares Se somarmos os militares que trabalham no Ministério da Defesa, o número que ocupa cargos no Executivo deve ultrapassar três mil. O capitão militariza a estrutura administrativa para evitar a pressão dos partidos que querem cargos no governo, a partir das siglas que formam o Centrão. Nesse sentido, cria um escudo protetor. Como os partidos reagirão? Ficarão conformados com os postos menores? Que tamanho de base parlamentar Bolsonaro pretende compor? Afinal, o tal presidencialismo de coalizão terá alguma continuidade no governo Bolsonaro? Só depois da pandemia, a verdade preencherá as perguntas. Blindagem? A pergunta, porém, que não quer calar é: ante um cataclisma, algo extraordinário, por exemplo, a possibilidade de um impeachment, a fortaleza militar daria efetivamente proteção ao presidente? À primeira vista, permanece a impressão de que uma sólida barragem tem condições de sustar eventuais rompimentos do açude. Os militares assegurariam a continuidade do governo? A resposta não é assim tão simples. Depende. Primeiro, há de se fazer a distinção entre militares da ativa e da passiva. Estes últimos são considerados civis fazendo parte da administração. A Constituição Já os generais da ativa têm proclamado estrita obediência aos preceitos constitucionais. O ministro da Defesa soltou até uma nota nessa direção. Portanto, se houver esta condição, não entrariam na guerra parlamentar. Há, ainda, o clima a ser vivido pelo país nos próximos tempos: o estado da economia, a insatisfação/satisfação social, a mobilização das ruas, o empresariado, as lideranças institucionais, o Judiciário e, claro, a disposição do Parlamento. O fato é que o Imponderável paira sobre nossas cabeças. Banalização da morte Todos dias, a contagem: mais de 100 mil contaminados, mais de 7 mil mortos, hoje, 330, ontem 450. E a assim a escalada da morte exibe seu desfile numérico no meio de nossas tardes quarentênicas. Os números tornaram-se rotina. Vez ou outra, disparam uma exclamação: Meu Deus, quanta gente morrendo. A 200 metros um hospital de campanha, todo coberto de branco. E lá pelo início da atormentada noite, a interrogação sobe à cabeça: será que a Covid-19, ali tão pertinho, não sobe até aqui carregado por esse vento outonal? Deus nos livre. E, com medo e dúvidas, o sono aparece tropeçando no turbilhão de dúvidas. Lockdown? Se a pandemia subir aos píncaros, o governador João Doria (SP) e o prefeito da capital, Bruno Covas, pensam decretar lockdown. Nesse caso, seriam proibidas saídas de automóveis, todo tipo de aglomeração, obrigando-se o uso de máscaras, só funcionando os serviços essenciais, enfim, um arrocho na quarentena. Aliás, ontem, terça, Doria baixou decreto exigindo máscaras para todas as pessoas que circulam nas ruas. Minha rua mostra-se vazia. Vazia? Que nada. Um carro ali, outro acolá, uma pessoa sem máscaras, duas, dez, contei em menos de dois minutos. Difícil reprimir a índole do homo brasiliensis, um péssimo cumpridor de normas. Farrear, sim, até nos cemitérios. O fato é que o desfile da morte mostra na primeira fila um ministro, grande médico, Nelson Teich, com cara de atoleimado. Parece navegando nas nuvens do pensamento. Sem rumo. Nem plano. O "novo normal" Já escrevi muito sobre os dias de amanhã. Os meus leitores que o digam. Não vou usar minha bola de cristal. Mas ninguém pense em fazer as mesmas coisas, à moda a antiga, da maneira como viveu até agora. Façam esta reflexão: como serei eu amanhã? Como posso e devo mudar? Farei ou faremos? Mudanças drásticas nos verbos de campanha eleitoral, considerando que o pleito, pelo visto, será adiado para 15 de novembro. Arquivem o individualismo, a primeira pessoa. Substituam o "farei isso e aquilo, prometo alhos e bugalhos, fiz isso e farei aquilo" por um discurso participativo: "faremos isso e aquilo, corrigiremos isso e aquilo, vamos governar juntos". Participação social Se há uma consequência que soma os componentes das três crises em curso, esta é o avanço da participação social no processo político. Saturada de promessas não cumpridas, indignada com a má qualidade dos serviços públicos, descrente com as figuras que, periodicamente, aparecem no cenário como "salvadores da Pátria", a sociedade decide participar com mais força do sistema de decisões. A autogestão técnica Em alguns países, este direcionamento é bem desenvolvido, ganhando a designação de "autogestão" técnica, pela qual as pessoas escolhem seus objetivos e os meios para alcançá-los, não aceitando mais a tutela dos políticos. O sentimento é de que a água transbordou no copo. Tal tendência exibe maior organicidade social. Grupos, núcleos, setores, desencantados com os obsoletos e tradicionais padrões de operar a política, querem, eles mesmos, definir suas ações. Poder centrípeto A sociedade se organiza em entidades de referência, como sindicatos, associações, federações, grupos e movimentos, novos núcleos de poder. Uma força que nasce nas margens, ensejando o que podemos chamar de "poder centrípeto", em contraposição ao "poder centrífugo", este formado pelas instituições centrais, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O eleitor raciocina: se meu representante ou o governante não conseguem atender as necessidades, vou bater na porta de minha entidade. Sob tal configuração, desenvolver-se-á a ação da política no Brasil, com alteração de comportamentos, mudança na feição dos protagonistas. Oportunidade de mudar A democracia participativa finca estacas profundas na seara social. O que vai reforçar os três instrumentos que, hoje, a ancoram: o referendo, o plebiscito e o projeto de lei de iniciativa popular. Aparece aqui um dos significados da expressão japonesa para a palavra crise: oportunidade. Extrair das crises a oportunidade para o se refazer o seu modus faciendi da política. E a saúde do capitão? Este analista tem opinião de que o capitão não teve a Covid-19. É uma carta na manga. Se a Justiça insistir na ideia de pedir seus exames, ele tirará a carta do bolso e dirá: "está aqui. Viram que não menti?". Será consagrado pela galera que o aplaude. A imprensa, que tanto faz cobranças, será execrada pelos bolsonaristas. O capitão faz um papel. P.S. Se os exames mostrarem que ele foi contaminado, perderia toda a autoridade. A desconfiança abateria seu estoque de imagem. Não enfrentaria esse risco. Glutão E o Centrão? Vai esticar a nota de cobrança por cargos? É tão glutão, a ponto de mandar a opinião pública às favas? Com a palavra, seus líderes. Minha visão é a que a sociedade tende a se manifestar ante um banquete pantagruélico. Cuidado, governantes Governantes, quando se cercam de uma corte de bajuladores, tendem a criar uma camada de insensibilidade. Deixam de perceber as críticas que começam a ofuscar sua imagem. São imbuídos do espírito do "eu sei, eu posso, eu quero assim, muito obrigado, mas sei disso melhor que vocês". Emerge desse caldo de autossuficiência um conjunto de valores negativos: arrogância, orgulho, falta de modéstia, ambição desmesurada, narcisismo, onipotência. Nesse momento, eles avocam todos os espaços de comunicação para enaltecerem uma imagem que começa a descer o precipício.
quarta-feira, 29 de abril de 2020

Porandubas nº 663

Abro a coluna com pequena história de um ditador. O ditador vai ao médico: - E a pressão, doutor? - O senhor sabe o que faz, meu marechal. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem. Quanto mais muda Plus ça change, plus c'est la même chose. Quanto mais muda, mais fica a mesma coisa. O ditado francês por aqui poderia ser esse: quanto mais muda, fica pior. É assim que se pode ler a bateria de mudanças realizadas por Bolsonaro, com a saída de dois ícones de seu governo: Luiz Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça e Segurança. No meio da pandemia, a crise política ganha fogo. O presidente dá mostras em seu dia a dia de que seguirá rigidamente a linha radical que traçou para sua administração: ele é quem manda, mesmo que, vez ou outra, diga que dá liberdade a seus ministros. Guedes Veja-se, por exemplo, a situação que quase abateu Paulo Guedes. No meio de uma entrevista sobre a pandemia, o general Braga Netto tirou do bolso do colete um mirabolante Plano Pró-Brasil, que teria sido engendrado sem a participação da equipe econômica. Coisa em torno de R$ 215 bilhões. O secretário Mansueto, do Tesouro, teria exclamado: de onde vamos tirar essa dinheirama para pagar uma montanha de obras? Deu-se ao pacotão uma alcunha: PAC 3 de Dilma. A encomenda, segundo se lê, teria sido inventada pelo hoje ministro Rogério Marinho, ex- subordinado de Guedes. Ao que se diz, os dois se afastaram. Sentindo a indisposição do ministro da Economia, Bolsonaro saiu-se com essa: quem manda na economia é Paulo Guedes. Teme reação drástica do açodado carioca. Impeachment sem condição É evidente que as acusações do ex-ministro Moro ao presidente - de querer, por exemplo, interferir nas investigações da PF - seriam motivo para levar a pauta do afastamento do presidente do cargo ao Congresso. Mas não há condições de que esse tema seja apreciado no momento. A pandemia é o foco. E não se pense que estamos nos aproximando de seu final. Seus efeitos correrão por todo o ano. Ademais, teremos uma eleição municipal no segundo semestre. Mas tudo vai depender da disposição do STF sobre o cronograma das investigações para apurar as acusações de Sergio Moro. Eleições em novembro Será muito difícil fazer eleição municipal em princípios de outubro. A data mais provável é 15 de novembro ou um uma data nos meados do mês. Mobilizar estruturas, preparar urnas eletrônicas ainda sob a fumaça da paisagem desolada, provocada pelo covid-19, animar candidatos, enfim, criar um clima eleitoral em tempos de medo e depressão são coisas que atrapalham as previsões. Quanto ao adiamento do processo eleitoral, impossível. Seria um golpe. Os eleitos de 2018 não ganharam esse esticamento por parte do eleitor. Olheiras Um pequeno detalhe: a crise abriu olheiras profundas nos membros do governo. Vejam as olheiras de Bolsonaro. A cara pálida do ministro Nelson Teich, da Saúde. Paulo Guedes, com sapato com cara de meia e de máscaras, resume a cena do momento. Polarização tende a arrefecer A clássica polarização que dividiu o país entre nós e eles, na época do PT, e hoje se faz presente com eles e nós, nesses tempos turbulentos do capitão Bolsonaro, pode, até, continuar, porém, em intensidade menor. Percebe-se cheiro de saturação. Esse clima de guerra amortece o espírito nacional. As margens estão saturadas de falsos profetas. E os habitantes do meio da pirâmide querem calçar novas sandálias. Ao PT, interessa a polarização. Ao bolsonarismo, interessa a polarização. Os extremos se tocam e se abraçam nos objetivos. Choque de renovação Um aviso: as eleições municipais darão um choque de renovação. O tradicional está saindo do cenário. Perfis novos, vacinados contra os velhos padrões, gente sem trocados no bolso para dar a cegos em porta de igreja, podem surpreender. A crise sanitária avoluma o repertório de queixumes e indignação contra perfis comprometidos com a velhíssima política. E não pensem que os candidatos com mais chances serão bolsonaristas. Economia, a bússola A recuperação da economia será a bússola do amanhã. Não será recuperada em pouco tempo. O país está ficando mais pobre. Só os muito ricos serão pouco afetados. A amargura brotará nos corações. Um sentimento de revolta calibrará os rumos. 2020 será um ano desastroso. 2021, pequena recuperação. 2022, país começará a se recompor. Não é fácil apontar futuros protagonistas. Lula estará onde? Onde estiver, sem chance. Bolsonaro estará onde? Na mesma linha, acho difícil que continue liderando um país-continente. Sua estatura é pequena. Melhores serviços Para não dizerem que só vejo desgraças, diviso no amanhã cheio de cinzas e flores mortas um painel de coisas positivas: a consciência com a eficiência do Estado será mais aguda. O Estado-provedor será mais forte, aumentando o colchão social. A iniciativa privada terá mais consciência de seu papel. Os empreendimentos coletivos, em parceria, se multiplicarão. A solidariedade se intensificará. A humanidade ganhará o centro dos corações. Não sou adivinho. Mas lido com meus pressentimentos. O relaxamento Tenho outro temor. O de que a índole expansiva do homo brasiliensis - voltada para o laissez faire, o divertimento, a descontração, a farra, o descompromisso com obrigações, a falta de zelo e de disciplina, sejam alavancas para a quebra da ordem estabelecida. O relaxamento antecipado poderá gerar uma segunda onda da pandemia. Desta feita, deixando milhares de vítimas nas margens e no interiorzão do país. Deus, nos salve. Um registro O Exército homenageou o desembargador Fábio Prieto, ex-presidente do TRF-3 com o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito Militar, a mais alta distinção da instituição. Prieto, um juiz bem preparado e culto, foi o único da classe homenageado este ano. Ele sustenta a tese de que a reforma do Judiciário criou uma elite de sindicalistas de toga para intimidar e subordinar o que chama de magistratura séria e trabalhadora. Critica ainda a realização de políticas públicas por decisões judiciais, que considera prerrogativa dos cidadãos, a serem exercidas por meio de representantes eleitos. Fábio Prieto, um grande perfil na Galeria do Judiciário. Indignação Este analista repudia a expressão irresponsável da deputada Carla Zambelli, que acusa o ministro Alexandre de Moraes de ser ligado ao PCC. Nunca se viu disparate tão estapafúrdio. Quatro chinelas Fecho a coluna com uma historinha do Ceará. O médico Francisco Ibiapina, de Jaguaribe, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. Fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaídas. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa e atenta aos conselhos do doutor. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha: - Seu dotô, fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede?
quarta-feira, 15 de abril de 2020

Porandubas nº 662

Abro com mais uma historinha do RN. O deputado potiguar desceu no aeroporto Santos Dumont, no Rio, e pegou um táxi: - Hotel Zero Quilômetro. - Zero Quilômetro? Não tem esse hotel, não. - Tem, sim. Em frente ao hotel Ambassador. -Ah, hotel OK. Senador Dantas, não é? - Não, senhor. Deputado Antônio Bilu, de Natal. O painel da crise Cientistas sociais têm se dedicado, nesta quadra de tormentos, angústia e medo, a tentar desvendar os efeitos da pandemia da covid-19 sobre a moldura das Nações. Tarefa complexa, eis que agrega fatores imponderáveis. Mas algumas variáveis podem entrar na análise com razoável dose de probabilidade, a partir da premissa geral: o mundo ingressará numa era de muitas mudanças nas áreas da economia, da política e dos costumes. Alguns parâmetros têm sido consensuais. Vejamos alguns. Fechamento x abertura: A antinomia Há uma visível antinomia a ser debatida. De um lado, a pandemia tem mostrado o despreparo dos países para enfrentar com força a paisagem de devastação. Ou tomaram consciência muito tarde do que poderia acontecer ou não dispunham de meios suficientes para atenuar os danos. Ambas as hipóteses são críveis. Essa situação sinaliza, portanto, para um horizonte carregado com as nuvens da solidariedade e da cooperação. Ou seja, é plausível a ideia de um planeta mais parceiro e solidário, o que levaria os países, de certa forma, a romper seu isolamento. Mas uma forte corrente irá na linha contrária, pregando o fechamento de fronteiras físicas e comportamentais. O nacionalismo Os países, sob o argumento de que o novo coronavírus é fruto da migração de pessoas pelo mundo, a partir de sua saída da China, tenderiam a instalar rigorosos controles de suas fronteiras terrestres e aéreas. À sombra dessa posição, floresceria o reforço das políticas de obstrução a imigrantes com forte amparo no nacionalismo. Os nativos defenderão o ideário do "o país é nosso" e cada um deve defender o que é seu. Na União Europeia, pode se avolumar a política de saída de países do bloco, na esteira do "Brexit". Os Estados Unidos, principalmente com Donald Trump, estarão liderando essa corrente de fechar espaços. Na cooperação Se for essa a prática a vingar, fica a questão: e como permanecerão as relações internacionais, particularmente nos campos das tecnologias, da medicina, do meio ambiente? Haveria maior intercâmbio nessas áreas, sim, pelo receio de que novos grandes eventos hão de exigir, desde já, maior troca de informações entre os níveis científicos. Ou seja, a interlocução nos campos da ciência não seria óbice para a aplicação de políticas rígidas de controle das fronteiras entre as Nações. Haveria um pacto de convivência. Na economia A recuperação dos vetores econômicos, por seu lado, não será tarefa exclusiva de um país. Mesmo com arrefecimento do conceito de globalização e fortalecimento do nacionalismo, a economia dependerá do desempenho global dos PIBs nacionais. Os grupos e corporações continuarão a querer resultados rentáveis de seus produtos, com bom desempenho no mercado financeiro. O FMI, a China, os Estados Unidos e a União Europeia intensificarão esforços para fazer crescer suas economias. Haverá, assim, um acórdão tácito sobre a necessidade de crescimento e resgate do poder econômico dos países, claro, sem deixar de lado a competitividade entre os respectivos mercados. Na política I A primeira leitura é a de que a sociedade mundial tentará passar a limpo sua moldura de líderes. Estariam todos, ou a ampla maioria, com seus portfólios e currículos corroídos pelo "status quo". Seriam substituídos por novos perfis, um grupamento mais centrípeto do que centrífugo - ou seja, mais das margens e núcleos organizados e menos dos velhos e centrais espaços. Observa-se acentuado revigoramento dos perfis comunitários, quadros das regiões, municípios e localidades. A política ganharia força com a distritalização do voto. Os eleitores, por sua vez, estariam propensos a prestigiar perfis mais fortes, sob o apelo da autoridade (não confundir com autoritarismo ditatorial), da respeitabilidade da competência. Na política II Os partidos de massa estarão dando adeus a um ciclo. Já os partidos nucleares - de grupos, setores, regiões, representativos de entidades e profissões - tendem a se multiplicar sob a égide de um colchão social mais próximo às demandas das sociedades organizadas. Teríamos menor polarização entre duas posições - esquerda/direita - e maior pulverização de ideários mais pragmáticos em todo o espectro partidário. A hipótese que se levanta é a da organicidade social. Teremos sociedades mais organizadas, atentas, críticas e com incisiva participação no processo político. E com forte rejeição aos populistas. Na mudança política Leva-se em conta de que as Nações haverão de engrossar o colchão social - de ajuda aos contingentes mais carentes, aqueles mais sujeitos às intempéries. A partir de uma situação de melhor assistência às margens, é razoável apostar em uma movimentação centrípeta - das margens para o centro - com poder de definição de comandos de governos e representantes congressuais. Projeta-se uma sociedade mais solidária e fortalecimento dos programas de assistência social por partes de governos e universo produtivo. A desigualdade estará no alvo das instituições nacionais e internacionais. No mundo do trabalho Parcela do setor produtivo debaterá com as bases de trabalhadores novas relações e mudanças no mundo do trabalho. A criatividade ganhará ênfase. O home office será alavancado. O empreendedorismo no campo dos pequenos negócios será impulsionado. Novas áreas serão abertas, principalmente no setor de serviços. Os sindicatos, para ganhar legitimidade, tenderão a oferecer serviços úteis às suas bases. O mundo do trabalho, como se vê hoje, absorverá muitas mudanças. O Brasil I A crise impactará a esfera política e governamental. Não há como se livrar de impactos negativos. Se o governo está pensando em alavancar sua imagem positiva com a recuperação da economia, pode esquecer. Primeiro, a economia não vai se recuperar no curto prazo. Segundo, o universo do desemprego tende a aumentar. Terceiro, mesmo com resgate estreito da economia, isso não vai se transformar em votos. Os 30% do presidente Bolsonaro só vingam se o PT continuar a ser adversário competitivo. Não é o caso. O petismo está fechando uma era. Não dá para acreditar que volte tão cedo ao poder. O Brasil II A direita conservadora tende a manter viva sua chama, mas se não contar com efetiva adesão das classes médias, entrará em erosão. A esquerda radical também perderá volume. Os núcleos centrais, a partir do poderoso contingente de profissionais liberais, crescerão na paisagem. Os atuais governadores poderão ganhar força, caso administrem muito bem a crise. E saibam lidar com o fenômeno da rejeição. Novos quadros estão sendo buscados. Ainda não apareceram no cenário. São Paulo, papel decisivo Com o maior contingente eleitoral - 45 milhões de eleitores - e que agrega os maiores núcleos organizados da sociedade, São Paulo terá papel decisivo no futuro da política. Tudo vai depender de como o Estado lidará com a crise até o final. As eleições deste ano Deverão ser adiadas. Haverá pouco espaço para sua organização. Devem ocorrer em novembro. E a componente crise estará no centro do processo decisório. Lembrando: as categorias que exercem serviços médios serão muito prestigiadas. Fecho a coluna com pequena lição de Carlos Matus, cientista social chileno. A viabilidade política A viabilidade de um ator na política tem muito a ver com princípios estratégicos: a) Avaliar a situação; b) adequar a relação recurso/objetivo; c) concentrar-se no foco; d) planejar rodeios táticos e explorar a fraqueza de adversários; e) economizar recursos; f) escolher a trajetória de menor expectativa; g) multiplicar os efeitos das decisões; h) relacionar estratégias; i) escolher diversas possibilidades; j) evitar o pior; k) não enfrentar o adversário quando ele estiver esperando; l) não repetir, de imediato, uma operação fracassada; m) não confundir "reduzir a incerteza" com "preferir a certeza"; n) não se distrair com detalhes insignificantes; o) minimizar a capacidade de retaliação do adversário.
quarta-feira, 8 de abril de 2020

Porandubas nº 661

Historinha do RN Governador do RN, Dinarte Mariz foi a Macau para a festa de inauguração da cadeia pública. O prefeito Venâncio Zacarias, ex-sindicalista salineiro, tascou o verbo no discurso de recepção: - Governador, a cadeia está inaugurada e o senhor pode se sentir em sua Casa. Risos gerais. O sangue de Churchill "Espero que meus amigos e colegas, ou colegas de outrora, que tenham sido afetados pela reconstrução política, sejam tolerantes e me desculpem por qualquer falta de cerimônia na maneira por que fui compelido a agir. Eu diria a esta Casa, como disse àqueles que passaram a formar este governo: - Eu nada mais tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas". (Winston Churchill) Quarentena meia boca O Brasil poderia alcançar resultados mais expressivos no combate ao covid-19, achatando de maneira mais rápida a curva do crescimento da epidemia. PODERIA. Mas não vai alcançar essa meta por algumas razões: 1. Nosso ethos tende a não seguir rigidamente as normas; somos um povo muito voltado para as transgressões; 2. A sociedade, mesmo apoiando com força o isolamento social, não age como impõem as regras. Em alguns espaços, até parece que o povo está gozando férias, indo às praias, fazendo festinhas; 3. O presidente da República, ele mesmo, funciona como aríete do escudo de defesa. Defende o fim do isolamento, com exceção da população idosa. E muita gente leva em conta a garantia de Bolsonaro de que só a volta ao trabalho evitará a ruína do país. Crise política Há uma crise política que acaba corroendo o esforço sanitário. Essas duas ondas - a favor e contra o ministro Luiz Mandetta - se chocam, geram atritos e certamente criam um impacto negativo nos quadros de vanguarda que estão à frente da batalha. Mandetta conta com maciço apoio social, mas ao ser comandado por um governante que não aprova sua conduta, sente-se inseguro. Bolsonaro pôs o ministro na panela e o caldo, já quente, pode entornar. Felizmente, o ministro tem o apoio de colegas importantes do Ministério, com exceção da "corte de bajulação", formada por figuras de comportamento polêmico. E esse Weintraub, hein? Esse ministro da Deseducação, Abraham Weintraub, deveria ser submetido a um teste psicológico. Como é que um sujeito como ele faz gozação com os chineses, ironizando sua maneira de falar português? Ora, e logo no momento em que o Brasil carece importar produtos chineses para a batalha contra o coronavírus? Não bastasse a gafe - a deselegância do deputado Eduardo Bolsonaro - , cometida há dias contra a China, agora esse ministro que aprecia deseducar aparece com mais uma brincadeira de mau gosto contra o nosso maior parceiro comercial. E o que diz seu chefe, o presidente? Nada. O que significa que apreciou a brincadeira. Até quando o Brasil vai suportar tanta insanidade? O pico da crise Projeta-se para o final deste mês de abril o pico da pandemia. São Paulo teria, segundo cálculos de especialistas, cerca de 1.300 mortos. O que se observa é que os atuais números se referem aos habitantes do meio da pirâmide, o habitat das classes médias. E quando as margens entrarem fortes no circuito? Será uma avalanche? Haverá leitos para abrigar as ondas das margens? A curva já estaria achatada de forma a disponibilizar leitos em UTIs? E a tal da segunda onda? Já estamos convivendo com ela? A nova ordem O termo começa a se espalhar: o mundo implantará uma Nova Ordem que mudará o vértice de costumes e modos, relações entre nações, universo do trabalho, parcerias estratégicas, pesquisas nas áreas das ciências, tecnologia e biotecnologia, turismo, imigração, redefinição de papéis sociais das organizações, redefinição de políticas sociais, o mundo do teletrabalho, o nacionalismo, as redefinições partidárias, o presidencialismo e o parlamentarismo, a proteção de fronteiras, as forças de segurança, os novos alcances dos organismos internacionais, ocidentalismo x países asiáticos, os conflitos comerciais entre as grandes potências, entre outros temas. A Nova Ordem nasce no horizonte de um Novo Tempo. Sequência de crises Fareed Zakaria é uma boa referência de colunista em The Washington Post. Ele prevê uma constelação de crises. Esta é a crise sanitária. Devastadora. A próxima é a econômica. Ligeiro pano de fundo: os EUA já perderam 10 milhões de empregos, superando os 8,8 milhões de 2008/2010, ciclo da recessão. Depois, teremos a crise do endividamento. Muitos países, a partir dos europeus, entrarão em colapso fiscal. A Alemanha sofrerá uma contração de 5%. Na sequência, a crise dos países em desenvolvimento. Serão atingidos com violência e empurrados para a Grande Depressão. Inclusive, o Brasil. Ao pano de fundo, os países do petróleo. O barril, hoje em torno de US$ 65, pode vir abaixo de US$ 15. Um desastre, eis que as empresas produtoras só conseguem lucrar com o barril acima de US$ 65. Endividamento O endividamento público e privado subirá às alturas. Com o PIB global de US$ 90 trilhões, o endividamento chegará a US$ 260 trilhões. EUA e China apresentarão dívidas a taxas do PIB de 210% e 310% respectivamente. Mais um pano de fundo: a cooperação global entrou em colapso. China e EUA vivem estado de tensão. A União Europeia às voltas com quedas graves no mercado acionário. Melhoria no horizonte cinzento? Sim. Quando as Nações tomarem consciência da necessidade de maior cooperação com a descoberta e tratamentos eficazes e vacinas. E, claro, a partir da reabertura das economias. Perfis em crescimento Ronaldo Caiado, em Goiás; João Doria, em SP; Wilson Witzel, no RJ; governadores do Nordeste; quadros médicos que estão no campo de batalha contra o coronavírus; empresas e empresários que fizeram e fazem doações; laboratórios e instituições que pesquisam vacinas contra a pandemia; Rodrigo Maia, presidente da Câmara e Davi Alcolumbre, presidente do Senado; imprensa, com destaque para alguns colunistas; o bom humor de alguns blogs. Perfis em baixa Alas radicais da política, que se digladiam nas redes sociais; teia de robôs a serviço do ódio; certos ministros que não acertam o passo aos novos tempos; gente treinada para produzir fake news e versões estapafúrdias. Invasões Pode haver algum tumulto, mais adiante, face à ameaça de desabastecimento no setor de alimentos. Mas esse cenário é pouco provável se a produção retomar seu fluxo. Urge lembrar que a indústria continua a funcionar. Poderia haver barulho grande se categoria como a dos caminhoneiros fechar as estradas. Legislativo e Judiciário Esses dois Poderes têm se adaptado à dinâmica da crise. A ação via internet joga os poderes no centro do mundo digital. Parlamentares e ministros deveriam aproveitar para refletir sobre seu trabalho nos dias de amanhã. Renúncia do prefeito O povo de Varginha/MG está atento. O prefeito Antônio Silva (PTB) assinou decreto permitindo a retomada do funcionamento do comércio durante a atual pandemia do coronavírus. O povo reagiu. Foi intensa a repercussão negativa. O prefeito ficou no canto do ringue. E renunciou ao cargo. O povo brasileiro expande o vigor crítico. Lição para o presidente Jair. Títono "Formosa fábula, a que se conta de Títono. Estando por ele apaixonada, a Aurora, desejosa de lhe gozar a companhia, implorou a Júpiter que seu amado jamais morresse. Mas, em seu açodamento, esqueceu-se de acrescentar à súplica que ele também não padecesse as agruras da idade. De modo que Títono se viu livre da condição mortal. Sobreveio-lhe, porém, uma velhice estranha e miserável, como a que toca aqueles a quem a morte foi negada e que carregam um fardo de anos cada vez mais pesado. Então Júpiter, condoído, transformou-o finalmente em cigarra". (Francis Bacon, A Sabedoria dos Antigos)