COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Porandubas nº 677

Abro a coluna com duas historinhas, uma de Alagoas, outra do Rio Grande do Norte. Passado a limpo Em Alagoas, um dos políticos que marcou época foi Sandoval Caju. Na campanha para a prefeitura de Maceió, da qual foi cassado em 1964, cometeu tiradas engraçadas. Uma vez, chegou a um comício vestido totalmente de branco: calça, camisa, chapéu, sapatos, tudo branquinho. Foi logo explicando à multidão que cercava o palanque: - Vim de branco para ser mais claro! Pois é, se o país precisa de algo, neste momento, é de muita brancura. Precisa aparecer cada vez mais branco para se tornar cada vez mais passado a limpo. Os coronéis O coronel Lucas Pinto, que comandava a UDN no Vale do Apodi/RN, não dormia em serviço. Quando o Tribunal Eleitoral exigiu que os títulos eleitorais fossem documentados com a foto do eleitor, mandou um fotógrafo "tirar a chapa" do seu rebanho, aliás, do seu eleitorado. Numa fazenda, um eleitor tirava o leite da vaca quando foi orientado a posar para a foto. Não teve dúvida: escolheu a vaca como companheira do flagrante. Mas o fotógrafo, por descuido, deixou-o fora. O coronel Lucas Pinto não teve dúvida. Ao entregar as fotos aos eleitores, deparando-se com a vaca, não perdeu tempo e ordenou ao eleitor: "prega a foto aí, vote assim mesmo, na próxima eleição, nós arrumamos a situação". Noutra feita, o coronel levou as urnas de Apodi para o juiz, em Mossoró, quase 15 dias após as eleições. Tomou uma bronca. - Coronel, isso não se faz. As eleições ocorreram há 15 dias. - Pode deixar, seu juiz. Na próxima, vou trazer bem cedo. Não deu outra. Na eleição seguinte, três dias antes do pleito, o velho Lucas Pinto chegava com um comboio de burros carregando as urnas. Chegando ao cartório, surpreendeu o juiz: - Tá aqui, seu juiz, as urnas de Apodi. - Mas coronel, as eleições serão daqui a três dias. - Ah, seu juiz, não quero levar mais bronca. Tá tudo direitinho. Todos os eleitores votaram. Trouxe antes para não ter problema. Idos das décadas de 50/60. Não havia empreiteiras financiando campanhas. A empreitada ficava mesmo a cargo dos coronéis. Agosto decisivo Entramos em um mês decisivo. Também conhecido como o mês do desgosto, o mês do cachorro louco, o mês das tragédias. Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciava à presidência da República. Carmen Miranda morreu em agosto de 1955. Getúlio Vargas praticou suicídio em 24 de agosto de 1954. No dia 2 de agosto, Hitler se tornava líder da Alemanha. Em 6 e 9 de agosto, Hiroshima e Nagasaki foram atacadas com bombas atômicas, uma das maiores tragédias da Humanidade. Portanto, é bom dar três batidas na mesa antes de continuar a ler este texto. Feito isso, lembremos que neste mês ocorrerão as convenções partidárias para escolha de candidatos a prefeito e vereador nos 5.570 municípios. Mês de definição da base governista. Mês de debate sobre reforma tributária, com uma grande pergunta no ar: vem mais imposto por aí? Aras na defesa Augusto Aras está em evidência. Sua expressão e suas atitudes parecem querer puxar o tapete dos procuradores que integram o batalhão de choque da Lava Jato. Está pareado com o Palácio do Planalto, pelo que se lê. A esfera política tem apreciado as decisões do PGR, sob a crença de que a operação já deu o que tinha de dar. E também em função da antipatia do perfil de Deltan Dallagnol, que está sendo submetido a uma ação no CNMP. STF na linha de frente Quem também protagoniza no palco da política é o STF. Sua visibilidade, como Corte que politiza seus atos, é intensa. Críticas à atuação de seus quadros se espalham. Vídeos e falas de extremo mau gosto, envolvendo alguns ministros, invadem as redes sociais. E quando se pensa que os fulanos serão apenados por causa de declarações ofensivas (e homofóbicas), eis que aparecem novos vídeos. Ao que parece, os ministros não querem responder às ofensas. A desmoralização da nossa mais alta Corte sobe ao pico da montanha. E a vida continua seguindo seu ritmo de tiros, bombas, ataques, calúnias. É o Brasil. Sem coligação Este ano, na área das eleições proporcionais, o princípio a ser seguido é aquele que vem da boca do povo: é tempo de murici, cada um cuide de si. Ou seja, candidato a vereador não será eleito na sombra de coligações, que poderão ainda ser feitas para a área majoritária, a dos prefeitos. Por isso, essa campanha traduzirá o país real da política. Cada partido vai medir efetivamente seu peso na balança política. Como tem sido de praxe, afora algumas praças, onde velhas rixas partidárias ainda se repetem, os nomes dos candidatos puxarão os votos. Será uma campanha nominal, com maior força dos líderes locais. Nacionalização Tenho dito e escrito que a campanha municipal será influenciada, em parte, pelo discurso nacional. Ou seja, os mandatários federais, a partir do presidente Jair Bolsonaro, serão cabos eleitorais em muitos municípios. O voto será dado aos candidatos municipais, sob o espelho do presidente ou de outros protagonistas, como Lula. O país ainda continua muito polarizado, bastando ver a carga de adjetivos e substantivos raivosos que saem nas redes sociais. Até parece que vamos continuar o terceiro tempo da campanha de 2018. Isso é muito ruim. Ódio destilado A carga de ódio que as duas alas do extremo ideológico destilam por dia transforma o país em um território de intensa beligerância, fato que escamoteia nossos verdadeiros problemas, as demandas sociais, os serviços públicos essenciais. Fôssemos uma sociedade apaziguada, seríamos uma gente mais solidária. Vivemos um dos momentos mais trágicos de nossa história e a beligerância em um Brasil dividido acaba banalizando a tragédia, os riscos, a morte que locupleta os cemitérios. Até quando viveremos sob estado de guerra permanente? 2º turno Ao que se percebe, examinando as primeiras planilhas em capitais e cidades grandes, a grande quantidade de candidatos tende a levar o pleito de novembro ao 2º turno. Será muito difícil a um candidato vencer na 1ª rodada da eleição. Vejo assim: os extremos do arco ideológico, em torno de 10% do eleitorado, emplacarão os perfis com os quais se identificam; as margens sociais, em torno de 40%, tendem a escolher perfis que estão mais próximos a elas e, se possível, com feitos em suas regiões; o meio da pirâmide, incluindo o poderoso segmento de profissionais liberais, em torno de 45%, tende a selecionar perfis mais avançados no campo da cultura política; o topo vai de candidato conservador. Variações para lá e para cá. Mas a análise nesse momento é que um sopro de grande renovação depure mais os ares poluídos das municipalidades. Trump e a pandemia Por não estar gerindo bem a pandemia nos EUA, Donald Trump está em queda nas pesquisas. Um pandemônio açoita a sociedade norte-americana. Se Biden, o ex-vice de Obama e candidato democrata, vencer, o Brasil vai ter de rearrumar sua diplomacia, que se isola do concerto das Nações por obra e graça do chanceler Ernesto Araújo. Fake news Como analista de política e conhecendo um pouco nossa cultura política, não tenho dúvidas: teremos uma lei sobre fake news, punindo seus difusores, mas alerto: elas não morrerão. A versão ou as versões sobre um determinado fato fazem parte do DNA do ser humano. Integram o impulso combativo/defensivo dos indivíduos. As histórias, muitas, transformam-se em estórias, "causos", nas versões de uma retórica política. De tempos imemoriais até hoje, os relatos sobre um mesmo acontecimento dividem as opiniões. Recomendo a leitura de um texto de B. Brecht: "Cinco maneiras de dizer a verdade". A cloroquina Pois é, essa tal de cloroquina e a hidroxicloroquina permanecerão em nosso sistema cognitivo por muito tempo. Mesmo depois da pandemia - se ela passar - continuará frequentando nossas mentes. Quando o presidente da República, do alto de sua posição, garante que se curou tomando aquele remédio, o povo mais ignaro acredita mesmo. Agora surgiu mais uma droga receitada pelo prefeito de Itajaí/SC: uma pílula (comprimido, algo assim) que se introduz no reto por 10 dias. Brincadeira? Não. Recebi um vídeo. E deve ter muitos adeptos esse prefeito. Fecho a coluna com Cabralzinho. Cuidado com os ladrões... Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província: - Ladrões! A praça, apinhada de gente, levou o maior susto. - Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração! Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso: - Ladrões! Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total. - Cambada de ladrões! Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava: - Espera que eu explico! Espera que eu explico! Explicou. Ao médico, no hospital. (A historinha é narrada pelo insuperável Sebastião Nery).
quarta-feira, 29 de julho de 2020

Porandubas nº 676

Abro a coluna com duas historinhas: uma, da Bahia de Otávio Mangabeira, outra de Jânio Quadros. O professor Nelson Valente, quem mais conhece a história de JQ, tem um grande repertório de casos e "causos". E livros. Vieram e não me encontraram Otávio Mangabeira foi governador da Bahia, ministro de Relações Exteriores e um sábio da velha política. Tinha um amor todo especial à língua. E cuidava do português a todo preço. Chega uma comissão de professoras ao palácio, Mangabeira as recebe no salão. - Governador, nós viemos aqui conversar com V. Excelência sobre a situação do ensino na Bahia. (Deviam, claro, ter dito "vimos", que é o presente. "Viemos" é o passado.). Mangabeira respondeu apenas: - Que pena, senhoras professoras, vieram e não me encontraram. E voltou para o gabinete. Adão O agricultor Antenor Vieira Borges, residente em Santa Catarina e que mandou ao presidente Jânio Quadros uma maçã de 850 gramas, colhida em sua plantação, recebeu o seguinte bilhete do presidente da República: "Prezado Antenor: Abraços. Recebi a maçã de 850 gramas, que você enviou, produto da técnica e das terras catarinenses. Um colosso! Não há Adão que resista a essa fruta". Ânimo e desânimo O ânimo perde para o desânimo nesse estágio em que estamos. A pandemia está começando a tirar os mais jovens das casas, o que gera maior propensão à contaminação. O clima de irritação se soma a uma atitude "seja o que Deus quiser", um certo conformismo com a situação. A angústia reluta em ir embora. E os números surpreendentes que lotam os cemitérios vão se tornando coisas banais. Mais afetados Registro mensagem que recebi. Os países mais afetados pela Covid-19 são Estados Unidos, Brasil, Rússia, Índia, Espanha, Reino Unido, Itália e França. Comandados por Donald Trump, Jair Bolsonaro, Vladimir Putin, Narendra Modi, Pedro Sanchez, Boris Johnson, Giuseppe Conte e Emmanuel Macron. Mulheres: melhores Já os países que melhor administram a pandemia são: Alemanha, Taiwan, Nova Zelândia, Islândia, Finlândia, Noruega e Dinamarca. Sob a gestão de Angela Merkel, Tsai Ing-wen, Jacinda Ardern, Sanna Marin, Erna Solberg e Helle Thorning-Schmidt. Imagem do Brasil Nunca o Brasil teve imagem tão ruim no concerto das Nações como neste momento. E o governo, a partir do presidente, não tem dado nenhum sinal de preocupação. O chanceler Ernesto Araújo mostra-se incapaz de acompanhar a diplomacia internacional. Faz do Ministério das Relações Exteriores um ambiente hostil aos diplomatas que não comungam com seu credo ultraconservador. Desprezando o tabuleiro da diplomacia internacional, ameaça jogar o Brasil para fora do jogo das Nações. Haia A denúncia contra o presidente no Tribunal Internacional de Haia não mereceu de Bolsonaro nenhuma palavra. Seus assessores julgam a questão como coisa menor, insignificante. Terrível: quem passa por aquela Corte são os piores ditadores do planeta, alguns considerados genocidas. Guedes perde gente O ministro Paulo Guedes perdeu mais um quadro de sua equipe: Caio Megale, da Secretaria Econômica. Já perdera Mansueto de Almeida, do Tesouro, e Marcos Troyjo, do Comércio Exterior. E quem está saindo também é o presidente do BB, Rubem Novaes. Diz Guedes que está elevando ainda mais o nível de sua equipe. Conversa mole pra boi dormir. Impressão é que a turma que deixa o governo, o faz não apenas por questão de salário. A taxa média de felicidade no governo Bolsonaro deve ser abaixo de 5. Recursos para a campanha A campanha municipal deste ano será uma das mais baratas e modestas que o país terá. Municípios quebrados, cofres vazios, saúde devastada com estabelecimentos hospitalares sem equipamentos, pandemia provocando retração do eleitorado, eleitor mais consciente e exigente, candidatos sem os dribles verbais do passado - essa será a paisagem de novembro. Grandes, médios e pequenos Teremos uma campanha centrada em nomes e não em partidos. Grandes e médios partidos poderão se surpreender com o desprezo que o eleitor tende a demonstrar na campanha. As aglomerações serão poucas, o temor da pandemia esvaziará comícios. O que ouviremos será forte buzinaço, com eleitores dentro de carros sentindo-se seguros contra o novo coronavírus. Marcos da Costa O advogado Marcos da Costa, que comandou a OAB/SP por dois mandatos, deverá ser o candidato do PTB à prefeitura de São Paulo. Marcos está à frente de um bom programa de debates - "Conversa entre Amigos" - onde recebe políticos, empresários, advogados e quadros da comunicação para debater questões nacionais. É reconhecido como um grande gestor. Bruno Covas Quem será o vice na chapa de Bruno Covas? Pensam em Marta Suplicy, que tem boa imagem nas margens. Mas as pressões são intensas. Mulher terá boa votação esse ano. Basta ver o número de mulheres a disputar as prefeituras de capitais. Mais de 10. Chapa pura só de tucanos não seria boa coisa. O tucanato está em queda. As margens seguram Muita gente intrigada com a performance de Jair Bolsonaro na faixa dos 30% de aprovação do governo. Explicação plausível: o auxílio emergencial de R$ 600,00. O Nordeste, onde o presidente teve votação mais baixa, aplaude o auxílio. Esse programa deve se tornar o símbolo social do governo. Chama-se Renda Brasil e substituirá o Bolsa Família. Cada governante com seu bornal a tiracolo. Lembrem-se de minha repetida equação: BO+BA+CO+CA=Bolso Cheio, Barriga Satisfeita, Coração Agradecido, Cabeça decidindo votar no patrono do bolso. Guedes liberal E o Paulo Guedes com sua bandeira liberal, hein? Era a coluna vertebral do governo Bolsonaro. Um amplo programa de privatização que previa a privatização de cerca de 600 empreendimentos governamentais. Até o BB estava nessa. Mas aí chegou para nos visitar o Senhor Imponderável dos Infernos, com a capa da morte que cobre os cemitérios do planeta. Pior, esse senhor, de nome Covid-19 não tem pressa para ir embora. Vai aumentar o seu círculo de mortos e contaminados por um longo tempo. Centrão se quebra O Centrão, que reúne em torno de 250 deputados, começa a afinar com a saída do bloco do MDB e do DEM. O Bloco é liderado pelo deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas, que também age como líder informal de Bolsonaro. Lira sonha em presidir a Câmara, mas, ao que sabe, não combinou com os russos, no caso o poderoso comandante da Câmara, Rodrigo Maia. Quando se pensa que Rodrigo perde força, eis que demonstra vigor. Trata-se do mais forte articulador do Congresso Nacional. Planejamento de campanhas Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar cria um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; ante a pandemia, aglomerações e concentrações serão evitadas; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo de planejamento. Marketing : os 5 eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos (redes sociais), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões... muito cuidado - carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. Mas nesse ano, esta área deverá ser reformulada. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado. Ênfases O planejamento de uma campanha abriga todos os aspectos de uma campanha política, com a inclusão das metas, objetivos, estratégias, táticas, meios e recursos, equipes e estrutura de operação, sistema de marketing, estudo dos adversários etc. O mais importante é o foco sobre os eixos do marketing eleitoral, acima apresentados: a pesquisa, a proposta de discurso (os programas), a comunicação, a articulação e a mobilização. A pesquisa objetiva mapear interesses e expectativas do eleitorado. É vital para estabelecer e/ou ajustar o discurso do candidato. O que e como pensam as classes médias? E as margens como e o que pensam dos candidatos? Sem pesquisa, atira-se no escuro. A pesquisa qualitativa tem a vantagem de descobrir os mapas cognitivos dos eleitores, aquilo que eles estão pensando. É fundamental, na medida em que o mapeamento do sistema de interesses e expectativas do eleitorado deverá ser o centro do discurso. A pesquisa quantitativa, essa será bastante maquiada, servindo apenas para medir intenção de voto, em determinado instante. Na campanha desse ano, o voto decisivo aparecerá apenas no final.
quarta-feira, 22 de julho de 2020

Porandubas nº 675

Abro a coluna com uma historinha do Paraná. A conversa do jardim Manuel Ribas, interventor no Paraná (1932/1935), depois governador (1935/1937), despachava no palácio, mas gostava de morar em sua casa. Bem cedinho, chega um rapaz e encontra o jardineiro regando o jardim: - Seu Ribas está? Sou filho de um grande amigo dele. Meu pai me mandou pedir um emprego a ele. Eu podia falar com ele? - Poder, pode. Mas, e se ele não lhe arrumar o emprego? - Bem, meu pai me disse que, se ele não arranjasse o emprego, eu mandasse ele à merda. - Olhe, rapaz, passe às 4 da tarde lá no palácio, que é a hora das audiências, e você fala com ele. Às 4 horas, o rapaz estava lá. Deu o nome, esperou, esperou. No salão comprido, sentado atrás da mesa, o jardineiro. Ou seja, o governador. O rapaz ficou branco de surpresa. - O que é que você quer mesmo? Repetiu a história. "Meu pai me mandou pedir um emprego ao senhor". - E se eu não arranjar o emprego? - Então, seu Ribas, fica valendo aquela nossa conversa de hoje de manhã, lá no jardim. Luz no fim do túnel Primeiro, notícias auspiciosas. O Brasil começa a testar vacinas contra a Covid-19: uma, produzida pela Universidade de Oxford, em parceria com a Astrazeneca, considerada segura, com poucos efeitos colaterais, e que estimula a produção de anticorpos e células do sistema de defesa; outra, desenvolvida pela CanSino Biologics e pela área militar da China, com resultados animadores. Vamos esperar os testes dessa fase, considerada a de número três. Há, ainda, uma terceira vacina, com bom perfil de resposta imune, fabricada pela alemã BioNTech com a multinacional Pfizer. Os testes com a fórmula chinesa começam a ser aplicados em São Paulo. Um dos cinco Estados, além do DF, a receber as vacinas para testes. Portanto, começa a aparecer uma luz no fim do túnel. Sem processo O eleitor de Donald Trump se compromete a não processar o candidato caso pegue a Covid-19. Trump passou a fazer comícios em ambientes fechados. Diz o documento apresentado ao eleitor: "Ao clicar na confirmação abaixo, você reconhece que existe um risco inerente de exposição à Covid-19. Ao participar do comício, você e todos os seus convidados declaram voluntariamente não acionar judicialmente Donald J. Trump pelos riscos relacionados à Covid-19". Coisas do Brasil I A reabertura de atividade no comércio e em áreas de serviços está ocorrendo sem muita preocupação com os picos de mortos e contaminados pela Covid-19. Pressão de setores. Olho nas urnas de novembro. Demagogia e populismo. Muitos setores deveriam continuar fechados. Brasil da improvisação. Coisas do Brasil II O surto de contaminados e mortos subiu em Minas Gerais. O poder executivo municipal, comandado pelo prefeito Alexandre Kalil, determinou, nos termos da decisão do STF que autoriza governos e municipalidades a tomar medidas para conter a pandemia, o fechamento de bares e restaurantes. E eis que um juiz, alegando "tirania" de Kalil e "desespero" imposto pela mídia, autoriza a reabertura de bares e restaurantes. Medidas semelhantes estão sendo tomadas Brasil a fora. O nosso Judiciário parece desconhecer a tragédia que contabiliza mais de 80 mil mortos. Coisas do Brasil III Um desembargador, Eduardo Siqueira, considerado "um sujeito desprezível" por sua colega de Corte, desembargadora Maria Lúcia Pizotti, flagrado sem máscara na orla da praia de Santos, hostilizou um guarda metropolitano, chamando-o de "analfabeto", rasgou o papel que lhe foi apresentado, telefonou para o secretário de Segurança da cidade, enfim, desprezando a ação do fiscal. O país clama por uma lei de abuso da autoridade. Onde está este instrumento normativo? Ou vamos continuar cultivando: "você sabe com quem está falando"? Coisas do Brasil IV Entidades ligadas à saúde, aqui e alhures, desaconselham o uso da cloroquina pelos graves efeitos colaterais que pode provocar. O nosso presidente Bolsonaro não só defende o remédio publicamente como anda dizendo que está se curando da Covid-9 graças a ele. Entre abril e junho, o governo recebera 2,5 milhões de comprimidos do Exército. E já havia encomendado, segundo o jornalista José Casado, de O Globo, 3 milhões de unidades à Farmanguinhos para combate à malária. E eis que os EUA doam mais 2 milhões de comprimidos. A soma daria para abastecer por 38 anos o mercado nacional. E há mais desatino: como os frascos vem com 100 comprimidos, é necessário o fracionamento em doses individuais. O general Pazuello, da Saúde, quer que Estados e municípios façam e paguem por isso. Esse remédio, leio, precisa ser manipulado de modo especial. Quem vai fazer isso? Coisas do velho Brasil. Coisas do Brasil V Em São Paulo, a pessoa que circula em áreas públicas sem máscara recebe uma multa de R$ 500,00. Basta uma ligeira olhada nos transeuntes em parques e nas ruas para ver o descumprimento das normas. E não se veem fiscais multando. Eita, Brasil velho. A quarta sociedade Esse velho Brasil nos coloca na moldura da quarta sociedade mundial. Quem acompanha esta coluna deve lembrar desse retrato do nosso país. Há quatro tipos de sociedade no mundo: o primeiro é a sociedade inglesa, onde tudo é permitido, salvo o que for proibido; o segundo é a sociedade alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; o terceiro é a totalitária, ditatorial, onde tudo é proibido, mesmo o que for permitido; e o quarto tipo é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que for proibido. Mais ou menos Por nossas plagas grassa a desconfiança, estiola-se a crença nas autoridades, quebram-se a todo o momento os elos da cadeia normativa. "É para fazer isso conforme prescreve a lei?". Mesmo tendo um olho no malfeito, o transgressor não quer saber. Pratica o que acha mais conveniente. E o bom senso não é respeitado? Apenas quando não fere o que a pessoa acha seu direito. Por isso mesmo, o advérbio talvez seja mais apreciado do que a certeza impressa na cultura anglo saxã: sim, sim, não, não. Experimente perguntar a um brasileiro quantas horas trabalha por semana. Ele vai responder: "trabalho mais ou menos 40 horas". O senhor é religioso? "Sou católico, mas não tenho ido à missa". Ranking de governadores Semana passada, fiz um roteiro com os nomes de governadores dos Estados e solicitei aos leitores que dessem uma nota ao desempenho do governador de seu Estado e a outros, caso tivessem conhecimento de sua performance. Hoje, apresento o resultado desta enquete. Vejam bem: enquete. Não se trata de pesquisa com rigor metodológico. Deixei de fora os governantes que receberam até 5 respostas. A coluna obteve 181 votantes. Governador UF Partido Média Eduardo Leite RS PSDB 6,96 Renato Casagrande ES PSB 6,47 Ronaldo Caiado GO DEM 6,27 Romeu Zema MG NOVO 6,17 Ratinho Junior PR PSD 5,68 João Doria SP PSDB 4,48 Flávio Dino MA PCdoB 4,46 Ibaneis Rocha DF MDB 4,31 Camilo Santana CE PT 4,19 Fátima Bezerra RN PT 4,19 Carlos Moisés SC PSL 3,86 Paulo Câmara PE PSB 3,46 Wellington Dias PI PT 3,20 Rui Costa BA PT 3,03 Renan Filho AL MDB 3,02 Helder Barbalho PA MDB 2,83 Wilson Lima AM PSC 2,40 Wilson Witzel RJ PSC 1,09 Leite e Witzel A performance de Eduardo Leite ganha certo destaque no conjunto votado. É um nome que cresce na floresta dos tucanos. Mas o que chamou a atenção deste analista político foi o número de notas baixas atribuídas aos governantes. Merece atenção, ainda, o péssimo conceito atribuído ao governador do Rio de Janeiro. Mais adiante, perto das eleições, faremos nova enquete. Boulos e Erundina O PSOL fechou com a chapa Guilherme Boulos, cabeça de chapa, e Luiza Erundina, que tem uma boa votação nas margens. Boulos está mais moderado. Marta vereadora? Se Marta Suplicy não conseguir ser vice de Bruno Covas na chapa, pode se candidatar a vereadora. Tatto Gilmar Tatto não tem perfil para disputar a prefeitura de São Paulo pelo PT. O problema é que Fernando Haddad, o sonho de Lula como candidato, rejeita a hipótese. O partido tem em São Paulo seu maior bastião oposicionista do Brasil. Covas Bruno Covas tomou novo fôlego após mostrar coragem e disposição no combate ao câncer. Lembra a índole do avô Mário Covas. Tem grande chance de se reeleger. Suplicy e Bolsonaro Leio que o vereador Eduardo Suplicy mandou o livro Utopia, de Thomas Morus, ao presidente Jair Bolsonaro. Com sua histórica recomendação em defesa da renda mínima. Este analista político desconhecia a faceta humorística do ex-senador.
quarta-feira, 15 de julho de 2020

Porandubas nº 674

Abro a coluna com uma historinha de São Paulo. "Me ajude, governador, me ajude" Geraldo Alckmin é um colecionador de "causos". Todas as vezes em que nos encontramos, saca logo a pergunta: "E as Porandubas?". O ex-governador de São Paulo é dos nossos colaboradores. Leiam este "causo" de sua verve. Um prefeito de São Paulo chega ao então governador, e, sem delongas, expressa a sua angústia: - Governador, pelo amor de Deus, me ajude, me ajude, me socorra! Estou perdido! - Por que tanta aflição, prefeito, afinal você está apenas no meio do mandato. Há dois anos ainda pela frente. O prefeito, cochichando no ouvido do governador, em tom de confessionário, conta o motivo: - Governador, eu exagerei. Prometi demais, governador. Muito mais do que podia cumprir. E hoje estou apertado por todos os lados. Não tenho condição de pleitear um novo mandato. Me ajude, governador, me socorra! Alckmin abriu os braços, balançou a cabeça em sinal de dúvida, mas não teve coragem para dizer: "quem pariu Mateus que o embale". Preferiu abrir uma ruidosa gargalhada! Prefeitos, as cobranças vão continuar. Panorama geral Clima menos pesado A sensação é a de que o país começa a viver um clima menos pesado nos últimos dias. Em parte, pela reabertura gradual de atividades no comércio e nos serviços e em parte porque a população parece ter se acostumado com a rotina ditada pela pandemia, a partir do uso de máscaras. Mas não é o caso de relaxar. Em nove Estados, os números cresceram na última semana. O fato é que as regiões apresentam impactos diferenciados. Manaus, por exemplo, onde a situação era devastadora, entrou em queda. Já o Centro-Oeste vive momentos de altos números. Em Minas, ante a gravidade da pandemia, as autoridades pensam em resgatar o lockdown. Perspectivas boas e ruins Os horizontes sinalizam esperança e certo desânimo. A esperança emerge na onda de vacinas que começam a ser testadas em alguns países. Os relatos são otimistas. A Rússia entra na terceira fase de testes. Na Europa, Alemanha e Reino Unido avançam. Na China, os testes também estão avançados e contam até com a parceria brasileira. Em alguns países, a barreira sanitária tem impedido a disseminação da Covid-19. O lado pessimista aponta rebaixamento da imunidade das pessoas que desenvolveram anticorpos contra o vírus. Depois de alguns meses - falam em três - a pessoa poderá cair novamente doente. Uma espécie de vaivém. A mostrar que esse danado de bicho tem condições de ganhar força na esteira das fragilidades humanas. Pós-pandemia A cada dia aumentam as projeções de que o mundo jamais voltará a ser o que era. Há quem fale em uma ruptura que abrirá espaços a uma "explosão de inovação e uma política não binária". Quem diz isso é um dos mais renomados analistas da cena internacional, Thomas Friedman, colunista do New York Times, em conversa com Luciano Huck. Para o analista, a pandemia vai levar a uma demolição criativa e exigir uma visão ecossistêmica da realidade. O home office, por exemplo, veio para ficar, chegando-se a calcular que seja algo entre 30% a 40%. Os cuidados com a natureza redobrarão. A saúde estará em primeiro lugar das prioridades. Gilmar x Forças Armadas Mais uma pendenga no ar. Em uma conversa virtual, falando do vazio na política da saúde e no ministério ainda ocupado por um interino, o general Eduardo Pazuello, o ministro do STF, Gilmar Mendes, fez um comentário que desagradou às Forças Armadas. Teria sugerido que, a continuar a escandalosa situação, o Exército seria associado ao genocídio. O ministro das Forças, general Fernando Azevedo, fez nota de protesto. O vice, general Mourão, disse que Gilmar se excedeu. O mal-estar permanece no ar, esperando-se que o presidente do Supremo, Dias Tofolli, que já foi assessorado pelo general Azevedo, ponha panos molhados para abafar a fogueira. Agora... Sem querer entrar no mérito da questão, urge perguntar: por que isso ocorre? Ora, pelo excesso de militares no governo. Li que já passam de três mil colaboradores. É inevitável que se faça uma associação entre políticas de governo - fracasso ou sucesso - ao desempenho dos militares. Mesmo que se lembre o fato - militar reformado é civil no governo - de que eles integram o corpo governamental. Essa tentativa de separação é um drible expressivo. Com todo respeito. Encolhimento Mais um cálculo se apresenta: os donos de fortunas financeiras vão encolher cerca de 6% na esteira da pandemia. Ou seja, essa montanha de dinheiro descerá para US$ 300 bilhões, subindo novamente ao patamar de US$ 490 bilhões apenas em 2024, com expansão anual média de 13,2%. Testando A coluna sempre acompanhou o desempenho dos governadores, assinalando resultados de pesquisas e até de enquetes, levantamentos sem critérios científicos. Hoje, propõe aos leitores dos Estados para darem uma nota de 0 a 10 ao desempenho de seus governantes. Se tiverem conhecimento do desempenho de outros figurantes, podem atribuir também uma nota. Enviar questionário por e-mail (clique aqui). - Eduardo Leite- Rio Grande do Sul - ( ) - Carlos Moisés- Santa Catarina - ( ) - Fátima Bezerra -Rio Grande do Norte ( ) - Wilson Witzel - Rio de Janeiro ( ) - João Doria - São Paulo ( ) - Wellington Dias - Piauí ( ) - Paulo Câmara - Pernambuco ( ) - Ratinho Junior - Paraná ( ) - João Azevedo - Paraíba ( ) - Helder Barbalho - Pará ( ) - Romeu Zema - Minas Gerais ( ) - Reinaldo Azambuja - Mato Grosso do Sul - Mauro Mendes - Mato Grosso ( ) - Flávio Dino - Maranhão ( ) - Ronaldo Caiado - Goiás ( ) - Renato Casagrande - Espírito Santo ( ) - Ibaneis Rocha - Distrito Federal ( ) - Camilo Santana - Ceará ( ) - Rui Costa - Bahia ( ) - Wilson Lima - Amazônia ( ) - Waldez Goes- Amapá ( ) - Renan Filho - Alagoas ( ) - Gladson Cameli - Acre ( ) - Mauro Carlesse - Tocantins ( ) - Belivaldo Chagas- Sergipe - Antonio Dennarium - Roraima ( ) - Marcos Rocha - Rondônia ( ) O papel dos governadores Será vital o papel dos governadores na eleição de 15 de novembro. Desta feita, há um tema posto na mesa da política e que reúne todos os protagonistas: governadores, prefeitos e vereadores - a Covid-19. (Livrem-se desse número rsrs). Portanto teremos uma campanha municipal com toques estaduais. Se o governador é bem avaliado no combate à pandemia, passará sua boa imagem aos seus candidatos. A recíproca é verdadeira. Mas a micropolítica deverá também dar o tom: os benefícios às cidades, bairros e regiões. O atendimento às demandas rotineiras do eleitorado. Polarização nas grandes cidades Questão recorrente: a polarização estará nas urnas? Sim. Mas restritas às grandes cidades. Os conflitos entre bolsonaristas e esquerdistas não refluirão no curto prazo. A polarização é o pasto onde se refestelam os bandos extremos. O eterno conflito alimenta os dois lados do cabo de guerra. Com o tempo, haverá arrefecimento deste posicionamento, sob a saturação que sobe aos sistemas cognitivos das classes médias, a partir da teia gigantesca dos profissionais liberais. Um ano mais triste Mesmo a campanha eleitoral entrará na queda das folhas mortas de outono ou nos ares mais gélidos do inverno. E nem a primavera de setembro será capaz de transferir cores vivas à campanha. Vivemos um ano triste sob a visão de milhares de covas ao nosso redor. Não será simples apagar visões lúgubres. Curtiremos o inverno de nossas desesperanças e não celebraremos a primavera como nos anos passados. Não se trata de entrar em sofrimento. Mas os tempos de angústia não passam tão rápido como as ventanias desse assombrado inverno. Que a natureza se renove, traga-nos ares mais puros e nos aponte, até o Natal de dezembro, um fio capaz de nos levar ao campo de novas esperanças. Buscar a felicidade é um ato de lindeza do ser humano. Homenagens São muitos os brasileiros e instituições que merecem homenagens por terem, ao longo de suas vidas, dedicado esforços em prol do desenvolvimento do nosso país. Em muitas Nações democráticas, a partir dos EUA, esse denodado espírito cívico é intenso e constantemente lembrado. Por aqui, os benfeitos são quase sempre jogados na vala do esquecimento. Neste momento de valorização de perfis cívicos, faço questão de citar uns poucos para tentar enaltecer o orgulho que temos de algumas instituições e perfis de grandeza: 1. Pesquisadores de Institutos, hospitais, associações e afins dedicados às descobertas sobre a pandemia que nos consome. 2. Profissionais da Saúde, a partir da valorosa categoria de enfermeiras (os). 3. CIEE - A maior ONG brasileira, focada na educação e desenvolvimento do jovem. 4. Instituto Mais Plural - Espaço de Debates sobre Realidade Brasileira, reunindo pensadores dos melhores quadros do país e comandado pelo advogado, ex-presidente da OAB/SP, Marcos da Costa. 5. Instituto Baccarelli - Que abriga a Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Exemplo magnífico de empreendimento social. 6. Profissionais do cotidiano, com destaque aos entregadores de comidas e produtos que abastecem famílias. Pessoas físicas 7. Antônio Ermírio de Moraes - (Homenagem Póstuma) - Benemerência - O mais integrado empresário brasileiro à causa da saúde. Exemplo de grandeza, simplicidade e dedicação. 8. Jorge Gerdau - Empresário que pensa grande sobre o país. 9. Juca de Oliveira - Ator e autor de grandes peças que elegem o riso como ferramenta crítica. 10. Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF, um humanista de primeira grandeza. 11. Drauzio Varella - Um médico que faz da expressão um remédio para salvar vidas. 12. Luiz Trabuco - Um profissional respeitado e do mais alto nível que ajuda o país com sua identidade ligada às finanças. Bom pensador. 13. José Pastore - Um iluminado analista das questões do trabalho. Um sábio. 14. Dom Fernando Figueiredo - O bispo da Zona Sul com sua simplicidade para levar Deus aos mais carentes. Simpatia irradiante. 15. Luiz Carlos Hauly- Ex-deputado, que faz da reforma tributária o credo de sua vida. 16. Roberto Dualibi - Um publicitário que conferiu grandeza e respeito à arte publicitária. 17.Marcelo Alecrim - Um dos melhores exemplos do empreendedorismo nacional. 18. Renato Meirelles - Alto executivo, um sábio da malha ferroviária do país. 19. Ignacio Loyola Brandão - Um cronista que faz bem à nossa alma com seus belos textos sobre a vida cotidiana. 20. Walter Maierovitch - Jurista, ex-desembargador, comentarista de alto nível da CBN, intérprete de complexos problemas que envolvem a teia institucional. Campanha eleitoral Estratégias e táticas Candidatos de todos os partidos ganham mais força quando estabelecem planejamento de suas campanhas. Pequeno roteiro: - Buscar o apoio de entidades organizadas da municipalidade - sindicatos, associações, federações, clubes, movimentos, núcleos; - Montar sistema de aferição (pesquisa) de modo a mapear demandas e interesses dos bairros e regiões; - Estabelecer um programa abrigando ações e projetos específicos para as áreas e elegendo como focos determinados setores da sociedade (mulheres, crianças, jovens, etc.); - Criar agenda de eventos - pequenos eventos, bem articulados, com pequenos grupos, de forma a estabelecer forte interação entre os interlocutores; mais eventos pequenos funcionam melhor que eventos grandes; - Criar forte identidade - eleger dois ou três grandes eixos que possam identificar rapidamente o candidato, de forma a estabelecer um diferencial em relação a outros; - Escolher um grupo de conselheiros entre os nomes mais respeitados da comunidade e que sirva de referência; - Estabelecer um fluxo de comunicação para a campanha, obedecendo aos ciclos: lançamento do nome; crescimento da campanha; consolidação da visibilidade; maturidade; clímax da campanha e declínio. Deixar volumes maiores para as últimas fases; - Formar ampla rede de apoiadores/cabos eleitorais de confiança, fazendo com que cada eleitor seja, ele mesmo, um cabo eleitoral; - Formar uma teia de divulgadores/trombetas de campanha, pessoas que começam a falar das virtudes e qualidades do candidato, de modo natural, conquistando, assim, a simpatia dos ouvintes. Sem demonstrar arrogância; - Planejar o dia D. Dia das Eleições. Logística, visibilidade/publicidade (controlada), sistemas de articulação/mobilização/apuração, etc.
quarta-feira, 8 de julho de 2020

Porandubas nº 673

Abro com historinhas do Pará. E as crianças? O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral: - Como vai? E a senhora sua esposa? E as crianças? - Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo? - E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos? Por unanimidade Outra figura folclórica do Pará foi Magalhães Barata, revolucionário em 1924 e 1930, interventor, constituinte em 46, senador e governador. Tinha ele um candidato a prefeito de Santarém. Mas o diretório local do PSD queria outro. Ia perder. Foi lá, conversou, pediu votos. Não teve jeito. Perdeu a eleição no diretório: 15 a 5. Pegou o microfone: - Meus senhores, pela primeira vez a minoria vai ganhar. Está escolhido o candidato que perdeu. A plateia bateu palmas. O velho Barata encerrou os trabalhos: - E, pela primeira vez, a minoria ganhou por unanimidade. Bolsonaro com Covid-19 Pois é, depois de tanta polêmica o vírus chega ao presidente, que deverá anunciar, depois de alguns dias, que foi curado pela cloroquina. A pandemia agora chegou ao gabinete presidencial. Vem mais polêmica pela frente. É o Brasil. Aberturas e risco A pressão política e a situação de aperto que aflige setores produtivos com a virulência da pandemia do Covid-19 têm empurrado governadores e prefeitos de praticamente todas as regiões do país a aliviar o distanciamento social e autorizar a abertura de diversos setores, como a de bares, restaurantes e academias. Mas a realidade tem sido cruel para a sociedade. Repiques e aumento nos volumes de contaminados e mortos ocorrem em diversas praças. As aglomerações se multiplicam, quebrando as taxas razoáveis de isolamento social. O Brasil está na linha de frente das maiores ocorrências. E um clima de festa toma conta das ruas, principalmente à noite. Porém.... Mas há um contraponto em São Paulo. Vejam. "As mortes por Covid-19 atingiram o pico entre 2 e 4 de junho e, desde a segunda quinzena do mês passado, estão em queda na cidade de São Paulo", revela um novo estudo do epidemiologista Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP, com base em dados recolhidos pelo Programa de Aprimoramento de Informações da Mortalidade (PRO-AIM), da Secretaria Municipal da Saúde paulistana. A análise é corroborada por um mapeamento ainda não publicado do Imperial College londrino. "A retomada das atividades sociais e econômicas em São Paulo está acontecendo de modo planejado, prudente e responsável, com protocolos de saúde e faseamento baseado em dados e critérios científicos". Trump e o Corcovado Até agora não entendi bem o propósito de Donald Trump, em campanha nos EUA, em anunciar que "vai defender isto". Ao lado, uma foto do Cristo no Corcovado, designado por isto, que estaria ameaçado pela extrema esquerda. Desvario. Loucura. Ou desespero. Livro devastador Mary Trump, psicóloga, sobrinha de Donald Trump, está lançando um livro devastador nos EUA: "Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man" (Demais e Nunca o Suficiente: Como Minha Família Criou o Homem Mais Perigoso do Mundo). Filha de Fred, o irmão mais velho do presidente, diz que o livro é a descrição de um "pesadelo de traumas, relacionamentos destrutivos e uma trágica combinação de negligência e abuso". A imagem do Brasil A imagem do Brasil na textura internacional está no fundo do poço. O mal que a visão do presidente Bolsonaro defende sobre o combate à epidemia vai ficar gravada por décadas. Na ONU, as manifestações contra a maneira com que o país está tratando do Covid-19 são intensas. O prejuízo abalará nossa identidade. Eleições municipais O adiamento das eleições municipais para 15 e 29 de novembro será benéfico para os candidatos novos, que terão um tempinho maior para expor suas ideias ao eleitorado. Os atuais prefeitos e vereadores já contam com o conhecimento do eleitor, apesar da inexorável inclinação do cidadão de passar uma vassoura nos velhos padrões. Quem mais poderá se beneficiar do momento e das circunstâncias de uma eleição "contaminada" pelo danado do novo coronavírus? Tendências Um apontamento sobre tendências haverá de considerar o que este analista batiza de Produto Nacional Bruto da Felicidade, que abriga vetores da saúde, educação, alimentação, mobilidade urbana, dinheiro no bolso, satisfação social. Abaixo de 5, a desgraceira será geral, com alto índice de renovação nos perfis dos alcaides. Acima de 5, teremos uma mescla de gente nova, prefeitos reeleitos e até velhos nomes de volta ao palco. Alguns perfis podem ser beneficiados. As mulheres, por exemplo, ganharam evidência na conjuntura de crise. Falantes e valentes na crítica aos precários serviços públicos apareceram com grande visibilidade. Avoca-se, ainda, condição feminina nas atividades do cotidiano. É a mulher que se apresenta falando na educação dos filhos, no trabalho que se torna mais difícil, na azáfama que ela tenta organizar para diminuir as intempéries enfrentadas pela família. Serão reconhecidas como tal, merecendo o voto de fortes parcelas eleitorais. O perfil dos movimentos Um fenômeno que se expande no país, ao sabor dos movimentos que se multiplicam no contexto das Nações, é o da organicidade social. Observo esta tendência, já consolidada na Europa e nos EUA e atravessando novas fronteiras nos países orientais - vejam Hong-Kong -, e que se desenvolve no Brasil de maneira mais consistente desde a Constituição de 1988. A chamada Constituição Cidadã abriu um imenso leque de direitos individuais e sociais que, nos últimos anos, se tornaram movimentos organizados, com personalidade jurídica, capazes de fazer mobilizações de rua. Os políticos estão desacreditados. A descrença na política abriu imenso vácuo entre a sociedade e o universo político. E quem ocupou este vácuo? Exatamente as entidades organizadas, que fundaram novos polos de poder. Frentes parlamentares A intermediação social entrou forte nas frentes de pressão. Os corredores do Congresso tornaram-se passarela para o desfile de associações, sindicatos, federações, núcleos, grupos, movimentos de todos os tipos. Pois bem, o voto em novembro terá essa forte alavanca organizativa. Outro vetor de peso eleitoral é o das frentes parlamentares, formadas por bancadas de defesa de círculos de negócios. Os deputados tentarão aumentar suas bases, elegendo vereadores e prefeitos de bancadas organizadas, como a religiosa, do agronegócio, dos servidores públicos, dos militares, do setor de serviços, dos profissionais liberais etc. Voto distrital Essas bancadas tendem a se consolidar na moldura organizativa do país, seguindo uma tendência mundial, muito característica dos EUA, onde o voto vai geralmente para o representante dos interesses locais e das regiões. Nesse sentido, podemos deduzir que o voto distrital tende a se fortalecer na paisagem social, onde as classes sociais se subdividem em núcleos específicos. Os deputados querem aumentar suas bases. Candidatos a vereador, com intensa presença em determinados bairros, serão aquinhoados. Voto racional A par dessas projeções, podemos divisar uma composição ditada pelo modo como categorias enxergam a política. Os profissionais liberais, por exemplo, tendem a depositar na urna um voto mais racional que emocional. A escolha no Brasil está deixando o coração para subir à cabeça. Significa que estamos subindo degraus na escada da racionalidade. Esse tipo de voto se concentra nas grandes e médias cidades, mais abertas aos meios de comunicação e às críticas aos governantes. No contraponto, enxergamos traços do passado em rincões que pararam no tempo. Aí estarão em disputa nacos de administrações falidas. "Eu salvo a República" Anotação de Lauro Jardim em O Globo: "Paulo Guedes continua insistindo: a recuperação da economia brasileira será em V, ou seja, vai cair no fundo do poço e depois, com a mesma velocidade, vai empinar. Repete isso seja diante das câmeras de TV, seja em conversas reservadas com empresários ou jornalistas. Discorda, por exemplo, da avaliação do diretor de Política Monetária do BC, Fabio Kanczuk, para quem a recuperação se dará não em 'V', mas no formato do swoosh, o símbolo da Nike". Guedes, no entanto, segue confiante. Anteontem, disse a um interlocutor: - Eu salvo a República de duas a três vezes por semana. O vaivém de ministros A dificuldade do presidente em encontrar o ministro da Educação deriva das querelas que movem a administração Federal: a ala ideológica, "olavista", quer um perfil alinhado à extrema direita; os evangélicos defendem um perfil de sua ligação; os generais do entorno presidencial - atordoados com a brigalhada sem fim entre os grupos - querem um nome técnico; os políticos gostariam que o ministro saísse da esfera parlamentar. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, tinha a intenção de topar o desafio. Quando viu o bombardeio sobre ele, "escafedeu-se". O nome - seja qual for - vai enfrentar um corredor polonês, tapas e socos por todos os lados. Guru ao relento? Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo, enfrenta problemas na Justiça. Tem perdido causas. E mostra-se raivoso ao se sentir ao relento. Colaborou para a vitória de Bolsonaro, juntando núcleos de extrema direita. Processos continuam na Justiça, a partir do mais volumoso, aberto por Caetano Veloso. Sentindo-se abandonado, deve disparar artefatos verbais. A não ser que os amigos façam uma "vaquinha". Atenção, prefeitada O ciclo de vida da administração - A maximização de um programa de marketing para prefeitos implica compreender o ciclo de vida da gestão. Como no ciclo de vida de um produto, podemos distinguir seis fases: 1. O lançamento - Os primeiros seis meses são dedicados ao diagnóstico e ao ajustamento da administração. O marketing deverá procurar trabalhar com o campo das dificuldades. 2. O ajuste da identidade - Na segunda metade do primeiro ano começam a aparecer os primeiros sinais de visibilidade e os primeiros programas de ação. Trata-se da fase propícia para ajustar a identidade. 3. Fase de crescimento - No segundo ano, as administrações começam a operar, de modo mais firme, seus programas, com destaque para as prioridades. O conceito da administração deve emergir de modo forte. 4. A fase da consolidação e maturidade - O terceiro ano é o ciclo das realizações, quando se procura consolidar os programas. A administração está madura, a equipe ganha experiência e a identidade da administração ganha destaque no sistema cognitivo do eleitor. 5. Clímax/auge - O último ano é, geralmente, o ciclo mais político, com a administração voltada para programas de inaugurações e demandas políticas. Se até o presente a administração não ganhou um conceito, perdeu a chance. Passará em branco. 6. Declínio - O governante entra no despenhadeiro e joga sua imagem nas profundezas. Quando isso ocorre ao final da gestão, é pouco provável que se reeleja ou faça o sucessor. A exceção é quando o candidato consegue descolar sua imagem da imagem do patrocinador.
quarta-feira, 1 de julho de 2020

Porandubas nº 672

Abro com uma historinha de JK e Jânio no Ceará. O guidão de fora Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora: - Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque porquê do resto ando cheio. Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um cantador o vê, saúda: - Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora. Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará. Entrando em julho Julho chega com inverno e poucas esperanças. Os governos, a partir do Estado de São Paulo, o mais populoso da Federação, decidiram abrir as atividades negociais, mesmo sob regime de progressão. Mas a expansão dos números de mortos e contaminados mostram que a decisão foi um pouco apressada. O fato é que os governos notaram que suas decisões vinham sendo quebradas pela reação do comércio. A essa altura, mesmo com receio de contaminação, as pessoas fazem pressão para abertura de seus pequenos e médios negócios. A morte, de tão banalizada, já não é um bicho-papão: fulano morreu, que pena... Esse é o ligeiro desabafo de uma sociedade que se torna fria, calculista, pragmática. Tempos duros os nossos. Eleições à vista Mais ao fundo, começa-se a ver a onda eleitoral. De início, partidos do Centrão queriam realizar as eleições em outubro. Agora, com a promessa do governo de liberar R$ 5 bilhões para as prefeituras combaterem a pandemia da Covid-19, já aceitam o adiamento para novembro. Claro, com grana a mais nos cofres candidatos à reeleição, principalmente, contam com mais chances de vitória. Mais adiante, voltarão a combater os males da administração, incluindo micro-ondas de vírus, que irão embora e voltarão, segundo os prognósticos. Campanha negativa Este ano a tendência é a da volta da propaganda eleitoral. Negociação dos partidos. No Brasil, é comum fazer-se propaganda negativa. Muito cuidado com isso. A Revolução Francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Biden e Trump devem abusar da propaganda negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia. Impactos I Os impactos a serem deixados pela pandemia serão de monta, principalmente na esfera de valores e costumes. A proximidade maior com a morte baixará uma cortina de frieza entre as pessoas. O pragmatismo se elevará no processo decisório, a exigir políticas de resultados. A pressa e ações intempestivas se expandirão na esteira de recuperação do tempo perdido. Alguns analistas chegam a projetar os efeitos em escala mundial. Impactos II Os EUA deixarão de ser o principal protagonista da política mundial ao perderem sua condição de fonte de estabilidade no planeta; a cooperação internacional definhará, eis que as Nações foram incapazes de lidar conjuntamente com as ameaças; a austeridade fiscal vai para o beleléu, ante a inevitável condição de governos aumentarem gastos para enfrentar as turbulências provocadas pela epidemia e a globalização, cantada e tão decantada, perderá seus eixos por conta dos controles rígidos que os países adotarão para proteger suas fronteiras e economias. Moisés Naím é um desses analistas. Novas ondas China, Índia e países europeus, como a Alemanha, começam a registrar novas ondas da pandemia. Na China, o vírus se espalha pelos porcos. Paz e amor? Lê-se que o presidente Jair Bolsonaro entrou na fase do "Jairzinho Paz e Amor". Está mais calmo e silente. Menos tosco e agressivo. Coisa de passagem. Bolsonaro cultua estratégia de guerra. Aprecia ir à luta. Guerra, guerra, guerra, ferocidade à moda Hitler. Sem medo de enfrentar as intempéries do inverno russo, por exemplo. Teria sido aconselhado pelos generais a maneirar sua índole. Precisa arrefecer o ânimo dos parlamentares, muitos ávidos para abocanhar nacos da administração. O Centrão está de olho nas sobras. Ele tem de enfrentar os casos que assombram o filho n° 1, o senador Flávio, cercado pela "rachadinha", caso Queiroz e, ainda, a CPI das fake news, que correrá pelo TSE. E a guerra é o palco onde Bolsonaro tenta segurar sua base de 30%. Lula sobrevivente O PT ainda não fez com que Lula descesse do altar onde está entronizado como salvador do lulopetismo. E ele continua a acreditar que é mesmo o Todo-Poderoso. Ora, Lula só tem chance em clima de débâcle geral, caos no país. Seu nome já não tem muito apelo para convocação de multidões. Soa como caneco enferrujado. Ideias são as mesmas. Fazer a revolução na política e nos costumes. Desbancar as elites. Não sente o que se passa ao redor dele. Tornou-se insensível. Não abre o partido para novas lideranças. E os novos, como Fernando Haddad, fazem loas e o aplaudem esperando sua benção para voltarem a ser candidatos. Bodódromo No meio da pandemia - o pico só virá no final de julho - o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, escolheu uma prioridade: investir R$ 30 milhões no bodódromo de Petrolina, onde se come um farto bode assado a céu aberto, como lembra o jornalista José Casado em O Globo. Início do marketing político "Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma) Frente pouco ampla A tão falada Frente Ampla, apontada como solução para sair do impasse dos extremos do arco ideológico em 2022, terá dificuldades para se constituir. Cada parceiro partidário quer ganhar uma grande fatia do bolo. Os partidos maiores pretendem dominar os protagonistas. É muito cedo ainda para uma tentativa de organização. Mas a bagunça no cenário inviabiliza por enquanto a ideia. Faltam líderes, sobra orgulho. Alcolumbre quer ficar O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, vai tentar mudar o regimento da Casa para poder se reeleger em fevereiro do próximo ano. Só poderia na legislatura seguinte. Tem chances de conseguir. Já Rodrigo Maia confessa ter dado sua cota de sacrifício, não desejando, assim, mudar o regimento da Câmara para poder se reeleger. Mas como ficará o princípio da igualdade? O que será permitido no Senado será proibido na Câmara? Estranho. Municipalização x nacionalização? Questões importantes que florescem na seara eleitoral: campanhas tendem a ser municipalizadas ou a receber inputs federais? Micropolítica - política das pequenas coisas - ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral - estado geral de satisfação/insatisfação - adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura ambiental será sentida); 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; 3) O discurso semântico - propostas concretas e viáveis - suplantará a cosmética; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações; 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado. Decotelli Acusado de ter feito plágio na dissertação de mestrado, flagrado na mentira pelo reitor da Universidade de Rosário, na Argentina, que desmentiu ser ele doutor, e também desmentido por não feito pós-doutorado na Alemanha, o quase ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, mentiu descaradamente. Como alguém diz ser doutor sem sê-lo? Como alguém se apresenta como mestre em uma dissertação plagiada? Logo alguém que vai comandar a Educação no Brasil? Que compromissos terá com o zelo, a verdade, a disciplina, a honestidade, a dignidade, a integridade? Professor, assuma seu erro, mas não assuma o Ministério. Foi o que fez. Pediu demissão. Essa mancha vai acompanhá-lo por toda a sua carreira. Bill Gates Bill Gates acredita que a situação atual dos Estados Unidos frente à pandemia do coronavírus é "mais sombria" do que imaginou no começo da crise. Em entrevista ao canal americano CNN, o fundador da Microsoft afirmou que os EUA não foram rigorosos o suficiente em questões de proteção, como o uso de máscaras, monitoramento do distanciamento social e esforços de quarentena no território. Aeroporto em terra alheia O novo aeroporto de Natal, em São Gonçalo do Amarante, foi construído pela iniciativa privada a partir de 2011, começou a operar em 2014 e é reconhecido como um grande incentivo para a indústria do turismo do Rio Grande do Norte. O terreno foi passado pelo Estado para a União. A empresa que o construiu e ainda opera, a Inframérica, está desistindo do negócio, pois o retorno é baixo. Negócios da privatização Diante da desistência da Inframérica, o Ministério da Infraestrutura resolveu relicitá-lo, dentro de seu programa de privatização. Só tem um detalhe: aquelas terras ainda pertencem a ¾ de seus originais proprietários, que há 20 anos lutam na Justiça pelo pagamento das desapropriações. O Estado se exime de culpa. E a União finge que não há nada, mas recorre de todos os processos. Uma notificação extrajudicial tenta barrar a relicitação, pois "conceder uso do que não lhe pertence é contra o princípio de moralidade pública e sem amparo legal". Fecho a Coluna com uma historinha da Bahia. Conjunção rachativa Grande de nome e pequeno de corpo. Magricela, esperto, inteligente, José Antônio Wagner Castro Alves Araújo de Abreu, sobrinho-neto de Castro Alves, herdou o DNA, o talento e a vadiagem existencial do poeta. Não gostava de estudar. No esporte, era bom em tudo. Colega de Sebastião Nery no primeiro ano do seminário menor, na Bahia, em 1942, na aula de português, o padre Correia lhe perguntou o que era "mas". - É uma conjunção. - Certo, mas que conjunção? Zé Antônio olhou para um lado, para o outro e respondeu: - Conjunção rachativa, professor. - Não existe isso, Zé Antônio. - Existe, professor. Quando a gente quer falar mal de alguém, sempre diz assim: - Fulano até que é um bom sujeito, mas... E aí racha com ele.
quarta-feira, 24 de junho de 2020

Porandubas nº 671

Abro a coluna com uma homenagem a um empreendedor que está na galeria dos grandes perfis que construíram o progresso do país e que nos deu adeus. Um orgulho para o Rio Grande do Norte. Nevaldo Rocha Um homem simples que enxergava longe. De origem pobre e nascido em pleno semiárido nordestino. Caraúbas, RN. Um visionário. De uma pequena loja de costura, plasmou um império, um dos maiores pilares do varejo do Brasil, as Lojas Riachuelo. Tive a oportunidade de conhecê-lo, uma vez em seu apartamento em São Paulo, onde ouvi seu desencanto com a política. Homem de poucas palavras. Mas preciso nas convicções. Outra vez, vi-o dirigindo seu carrinho elétrico na fábrica Guararapes, sendo aplaudido por uma multidão de costureiras. Controlava tudo e todos. Seu filho Flávio me dizia: fazia questão de ir à loja todos os dias para ver o andamento das coisas. E fazia mudanças até na disposição, que não gostava, de roupas nos manequins. Pontuou sua história com bons exemplos. Não desperdiçava tempo. Vivia cada momento como se fosse o mais importante de sua vida. Sóbrio. Esbanjava simplicidade. E não gastava dinheiro à toa. Bolso fechado. Dava valor às coisas essenciais, descartando o desnecessário. Dizem que tinha dois pares de sapato: um, velho, para o dia a dia; outro, novo, para comparecer a eventos importantes. Nevaldo Rocha. Um sobrenome que indica um inquebrantável caráter. Agora, minha costumeira introdução hilária. Onde mora o doutor? Quem entra no "Hotel Roma" de Alagoinhas, na Bahia, vai com os olhos a uma tabuleta agressiva em que peremptoriamente se adverte: PAGAMENTO ADIANTADO, HÓSPEDES SEM BAGAGENS E CONFERENCISTAS Também, em Pernambuco, o proprietário do hotelzinho de Timbaúba é, com carradas de razão, um espírito prevenido contra conferencistas que correm terras. Notei que se tornou carrancudo comigo quando lhe disseram que eu era conferencista, a pior nação de gente que ele contava em meio à sua freguesia. Supunha o hoteleiro de Timbaúba que eu fosse doutor de doença ou doutor de questão. Por falar em Timbaúba, há ali um sobrado, em cuja parte térrea funciona uma loja de modas, liricamente denominada "A Noiva". O andar superior foi adaptado para residência de uma família. Eu não sabia de nada disso quando, ao perguntar a Ulpiano Ventura onde residia o dr. Agrício Silva, juiz de Direito da comarca, recebi esta informação engraçada: - O Doutô Agriço? O Doutô Agriço está morando em riba d' "A Noiva". O inverno de nossa desesperança O inverno chegou, deixando para trás um outono de muito desespero. O título desta nota é do clássico livro de John Steinbeck, publicado em 1961, um ano antes de ele receber o Prêmio Nobel de Literatura, que, por sua vez, puxou a expressão da primeira fase da peça Ricardo III, de Shakespeare. Em sua obra, o magistral escritor norte-americano descreve e interpreta o mundo de um homem atormentado pelos dilemas impostos pelo dinheiro e pela moral, o protagonista Ethan Hawley, empregado de uma mercearia, casado, dois filhos, convivendo em uma comunidade de baleeiros, e atormentado pela ideia de melhorar sua vida e a da família. Até onde vão os escrúpulos e a vida digna e honesta quando se trata de conseguir dinheiro? Um ser humano pode suportar a pressão de seu meio social sem romper com a ética da decência? A lógica da pecúnia Façamos outra leitura da ética da decência. A lógica da pecúnia é pontuada em tom de desencanto, a traduzir o dilema entre seguir a trilha da ordem moral ou buscar o conforto material para si e os seus. O tema cai bem nesse momento em que o planeta mergulha em uma catástrofe que já é considerada a maior dos últimos 100 anos. E cai bem por nossas plagas em momentos em que o tema da rachadinha ressurge no palco da polêmica. E também no instante em que avançam as negociações com o Centrão. Afinal, a tal repartição z parte ou não do DNA de nossa política? O balcão de negócios para atender às demandas de partidos que formam o centrão é coisa normal? Tem sentido discutir esse tipo de política no percurso de gigantesca pandemia que já contaminou mais de um milhão de brasileiros e matou mais de 50 mil? E o que dizer da política e de seus conjuntos que disputam assentos nos espaços dos Poderes? Déficit de ética e pântano da moral Questões como essas batem em nossa mente nesse início de inverno, a prenunciar tempos de desesperança. O presidente está muito isolado, a tentar administrar a tal rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, no RJ. Fabrício Queiroz, que comandava o esquema, foi encontrado na casa do advogado que até então defendia a causa do atual senador. O presidente ainda teve de se desdobrar para resolver o pepino com nome de Abraham Weintraub, já nos EUA, onde irá ser diretor-executivo do Banco Mundial. Só conseguiu entrar no país com o drible do passaporte diplomático. Comprimido entre muitas paredes, Bolsonaro negocia apoio do centrão para construir uma fortaleza de apoio em caso de pedido de impeachment. Em suma, estampam-se o déficit de ética e o pântano da moral. Na política, um costume Pagar a um funcionário registrado apenas uma fração e alguém ficar com o restante é crime. Roubo. Mesmo que o funcionário aceite essa maneira torta de receber seu ganho. E mesmo que a justificativa seja para formar um fundo para a próxima campanha ou ainda ajudar uma organização beneficente, de caridade. Não disponho de dados para dizer que essa falcatrua é realizada por muitos. Mas, conhecendo como são nossos padrões de política, é razoável garantir que essa prática se desenvolve em muitos lugares. Rachadão I Assíduo leitor dessa coluna, ante o farto noticiário sobre a rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e dando ênfase à ideia de que não quer "passar o pano" na sujeira que ali teria sido cometida no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, envia sua explicação para rachadinha ou ao que também chamo de rachadão: "Você cria um programa do governo e intitula com um nome, MAIS MÉDICOS. E aí o governo contrata médicos de Cuba ao custo mensal de R$ 11.000,00 para cada um, aproximadamente. Rachadão II Desse valor o governo paga ao médico apenas R$ 3.000,00, o que constitui exploração de mão de obra análoga à escrava, repassando R$ 8.000,00 ao governo cubano, a quem se subordinam esses médicos. Chegando a Cuba o dinheiro é dividido com outros protagonistas servindo para alimentar a corrupção. O programa tinha 12.240 médicos, totalizando 135 milhões por mês. Era o que podemos chamar de "rachadão", o maior do país durante anos". E o Wassef, hein? Frederick Wassef desistiu da causa do senador Flávio Bolsonaro. Disse que querem "destruir" a imagem dele. Fabrício Queiroz foi encontrado na casa do advogado em Atibaia. Alega que não conversava com ele. Mas confessou que o abrigou por "questões humanitárias". O presidente se queixou que o advogado "falava demais". Teme ser a bola da vez. Essa história vai rolar. Leio que os Bolsonaros estão com medo. A verdade (ou parte dela) virá à tona. Interrogações multiplicam-se. E o Centrão está de olho nas expectativas. Desânimo? Paulo Guedes dá ares de desânimo. Rodrigo Maia, em suas falas, expressa um tom queixoso. O melhor quadro da área técnica, Mansueto Almeida, está de saída do governo. Alcolumbre parece cansado. Tenta ser ponte de diálogo, não consegue. STF parece incomodado com os recados do governo. Os ministros não vão transigir. Alexandre de Moraes está demonstrando firmeza. Os processos que afligem e incomodam Bolsonaro dão sinais de que seguirão adiante. O Centrão tem um olho à direita e outro à esquerda. As massas estão cansadas de ouvir lorotas, briguinhas e conflitos entre alas. Seu bolso está quase vazio. O presidente demonstra aborrecimento. Parece cansado da mesmice. Trump falou para seis mil pessoas em Tulsa, Oklahoma, EUA, no primeiro comício de campanha. Fracasso. Seis mil pessoas. Leio que Trump tem dito: se eu perder farei as coisas que sempre fiz e gosto de fazer. Sinal de conformismo. E uma eventual derrota em novembro aumentará o desânimo por aqui no verão de fim de ano. A força da palavra Não subestimem o poder da palavra. Certa feita, um amigo do poeta Olavo Bilac queria vender uma propriedade, que considerava um sítio que dava muito trabalho e despesa. Reclamava ser um homem sem sorte. Suas propriedades davam-lhe dores de cabeça e não valia a pena conservá-las. Pediu então ao amigo poeta para redigir o anúncio de venda do sítio. Acreditava que se ele descrevesse sua propriedade com palavras bonitas, seria muito fácil vendê-la. Olavo Bilac, que conhecia bem o sítio, redigiu o seguinte texto: "Vende-se encantadora propriedade onde cantam os pássaros, ao amanhecer, no extenso arvoredo. É cortada por cristalinas e refrescantes águas de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda." Meses depois, o poeta encontrou o amigo e perguntou-lhe se tinha vendido a propriedade. "Nem pensei mais nisso. Quando li o anúncio que você escreveu, percebi a maravilha que eu possuía". Algumas vezes, só conseguimos enxergar o que possuímos quando pegamos emprestados os olhos alheios. Os generais A imagem das Forças Armadas, principalmente a do Exército, com a maior visibilidade, está em descenso. É oportuno que a cúpula dessa Força analise com acuidade a questão e reforce o conceito: sua missão é a favor do Estado, não a favor de governos. Manter a segurança, a harmonia, a paz social e a defesa do país. Deveriam ter pensado em comedimento, razoabilidade. Locupletar as estruturas com quantidade exagerada de militares é um desatino. Os prefeitos Muitos devem permanecer, principalmente aqueles que administraram com eficiência o combate ao novo coronavírus. Mas a revoada será grande. O sentimento de renovação grassa por toda a parte. As mulheres O gênero feminino está ascendendo na política. As mulheres estarão em alta no próximo pleito. Centenas serão candidatas com boas possibilidades de eleição. E muitas serão convidadas a compor a chapa como vice. Em São Paulo, o nome de uma mulher para vice de Bruno Covas (PSDB) está sendo procurado. Marta Suplicy cairia como uma luva. Mas é provável que ela venha compor uma chapa de oposição. Nome para 2020 Ainda não apareceu um nome altamente competitivo para enfrentar Bolsonaro em 2022. Os que desfilam na passarela estão muito desgastados. E alguns são inexperientes. O bolsonarismo Tende a decrescer. Os bolsonaristas de raiz - firmes na ponta direita do reacionarismo conservador - continuarão firmes. Algo como 10%. Os bolsonaristas por conveniência - que votaram no atual presidente por ojeriza ao PT - tendem a procurar outro nome para enfrentar o lulopetismo. Algo como 15%. Os bolsonaristas que viram em Bolsonaro a possibilidade de corrigir certos padrões da política estão decepcionados e tendem a caminhar numa linha de independência, buscando um nome limpo, que encarne a nova realidade brasileira. Algo como 10%. São os racionais. Se as crises sanitária, econômica e política projetarem seus danos sobre o eleitorado até margens do pleito de outubro de 2022, nem candidato de extrema direita nem perfil de extrema esquerda terão chance. A polarização já deu o que tinha que dar. O livro de John Bolton Ontem foi lançado nos EUA o livro do ex-assessor de Segurança de Donald Trump, John Bolton, aquele do bigodão que foi recebido por Bolsonaro num café da manhã em sua casa, onde degustaram pão com doce de leite. O livro - The Room Where It Happened - coloca o Brasil no papel de coadjuvante de segunda classe. E fala mal do caráter do presidente. Deverá ter impacto (não tão forte) na campanha americana. Pequeno trecho: "O presidente elogiou Xi pela construção de campos de concentração em Xinjiang - vimos Trump fazer algo semelhante em relação à covid-19, elogiando muito a atuação de Xi, provavelmente, na esperança de preservar seu acordo comercial. Bolton descreve Trump "negociando com Xi para garantir sua reeleição".
quarta-feira, 17 de junho de 2020

Porandubas nº 670

Abro a coluna com uma deliciosa historinha de Pernambuco. "O carro se atolou-se" Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica, como conta Ivanildo Sampaio, ex-diretor de redação do Jornal do Commercio, de Pernambuco, e meu contemporâneo na faculdade. Um dia, dois vereadores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de se expressar era falar que "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica: - Escutem aqui. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os da frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"... Conter o ímpeto A prisão da chefona dos 300 do Brasil, Sara Giromini (de apelido Winter), dá uma segurada nesse movimento, que vinha desautorizando a ordem pública em Brasília. O tom desaforado com que a armamentista Sara tratou o ministro Alexandre de Moraes, prometendo desferir nele socos e porradas, e a confissão de que seus patrulheiros usavam armas, exigiam urgentes providências. Parecia, até, que a senhora "inverno" queria ser presa e subir ao palco das vítimas bolsonaristas. A prisão provisória (por 5 dias) pode ser transformada em preventiva, podendo permanecer mais tempo trancafiada. Sara tem evidente interesse em pavimentar a esfera da política. Vai ser alvo de manifestações e apoios de alas radicais. E, claro, sob as palmas da deputada Zambelli. P.S. Já foi do DEM, de onde foi expulsa, e candidata a deputada Federal. Teve 17 mil votos. Uma franco-atiradora. STF sob ataque Nunca se viu tanto desaforo ao STF quanto nesse ciclo bolsonariano. Pedidos de fechamento da Corte, frases desbocadas contra quadros, notas oficiais de generais ministros, notas de militares da reserva emolduram a paisagem em torno do Judiciário. Até a figura do presidente da República dá a impressão de que atiça a querela. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, rebate, Gilmar e Celso de Mello também manifestam contrariedade, Marco Aurélio faz pontuações acuradas e o vice-presidente Luiz Fux, em nota, ensina que as FFAA não exercem o papel de poder moderador, ensejando resposta em nota de militares da reserva. Essa tensão deve continuar. No pano de fundo, vê-se o inquérito das Fake News, a cargo do ministro Alexandre de Moraes. Ministro que está dando bem o recado. Elogiado desempenho. Atendendo à solicitação da PGR, autorizou busca e apreensão em uma leva de atiradores contra a democracia. Ministério das Comunicações A recriação do Ministério das Comunicações abrirá um novo espaço no capítulo da imagem do Governo. Como se sabe, as Comunicações, assim mesmo no plural, abrigam as estruturas técnicas, a saber: a radiodifusão, a teledifusão, as estruturas das comunicações telefônicas, os Correios, a Anatel, a política das telecomunicações - os leilões da banda larga etc. A novidade é a absorção pelo Ministério da fatia da Comunicação Social (no singular). Este universo é composto pelas áreas tradicionais de pesquisas de avaliação, mensagens, enfim, os conteúdos produzidos pela administração Federal e consequente transmissão desses pacotes para as mídias massivas, mídias regionais e redes sociais. Um desafio Um desafio e tanto. Para dominar essas duas frentes, foi escolhido o deputado Fábio Faria (PSD-RN). Trata-se de um parlamentar jovem, bem articulado e com facilidade no trato com os colegas, conhecedor dos meandros da política, filho do ex-deputado estadual e ex-governador Robinson Faria. E genro de Silvio Santos. O deputado terá a missão de burilar um espaço que, até agora, tem sido um problemão para o governo: a questão da imagem. Significa mexer em casa de abelhas por se saber que a área é povoada por quadros de grande influência junto ao presidente. Tem muitos mandões nesse departamento de imagem. Gente com poder destruidor. O general Ramos tira do colo um fardo. O jeitoso Fábio Faria calibrará as engrenagens desse poderoso motor? E mais: vem aí a disputa pelo domínio do 5G no Brasil. Chineses ou americanos? Fábio vai ter que aprender a dançar na corda bamba. Pandemia e política Infelizmente a Covid-19, esse bichinho microscópico, tem vestido o traje da política em nosso país. Não fosse isso, até poderia estar sendo derrotado. Mas, por interesses políticos, o danado está expandindo seu desfile de mortes. Os números crescem assustadoramente. O Brasil, por enquanto, só fica atrás dos EUA. Já passou o Reino Unido. São Paulo começou a flexibilização. Há quem projete aumento de 75% de vítimas na esteira da abertura de lojas, comércio de rua e shoppings. Nesse ano eleitoral, o Brasil sobe ao pódio da irresponsabilidade. Weintraub quase fora É possível que durante a leitura desta nota, o ministro da falta de educação, Abraham Weintraub já esteja fora do ministério. Quem se habilita a ingressar nesse ninho de cobras? Bolsonaro quer acarinhar o amigo com um cargo na estrutura. O sujeito vai estar na linha de frente do bolsonarismo. Entrará na política. Está na cara. A conferir. Trump tragado? Há quem esteja apostando da derrota de Donald Trump nas eleições americanas de novembro próximo. Não estaria comandando com sucesso a luta contra o novo coronavírus e tem sido um desastre na condução da política contra o racismo. Os EUA passaram a abrigar, quase todos os dias, manifestações contra o brutal assassinato de George Floyd. E mais um jovem negro foi morto por policiais semana passada. Trump representa o oposto ao que defendem as massas norte-americanas. Só tem agrado para suas bases conservadoras. Se a economia não melhorar e se a pandemia não arrefecer, sua derrota será inexorável. E o que dirá o nosso chanceler Ernesto Araújo ante a derrota do seu ídolo? O governo Bolsonaro perderá a biruta. Fux no comando Luiz Fux passa a comandar o STF em setembro. Considerado de linha mais dura, da ala punitivista, Fux pode mudar a cara da Suprema Corte, agindo com mais rigor na defesa da Casa. Depois dele, o tribunal será comandado por Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e o relator da Lava Jato, Edson Fachin. Quem vai para o lugar de Celso de Mello, a sair em novembro? Quem é o perfil "terrivelmente evangélico", anunciado pelo presidente como o perfil que deseja? Nomes Um dos nomes mais cotados para preencher a vaga de "ministro evangélico" é o do atual ministro da Justiça, André Mendonça. Considerado técnico e discreto, Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana em Brasília, servidor de carreira da AGU e possui bom trânsito tanto entre integrantes do STF e parlamentares. Outros nomes cotados para a vaga são o do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz Federal Marcelo Bretas e o procurador Guilherme Schelb, entusiasta do projeto Escola sem Partido, uma das bandeiras do presidente. Pagamento pelo WhatsApp O fim da moeda física está à vista. A cada dia, o uso de cédulas diminui. Agora, vem o pagamento via WhatsApp. O Brasil será o laboratório nessa área, promete Mark Zuckerberg, o programador e empresário norte-americano, que ficou conhecido internacionalmente por ser um dos fundadores do Facebook, a rede social mais acessada do mundo. "O WhatsApp é muito usado no Brasil, tanto por pessoas como por pequenas empresas", disse. "Acreditamos que podemos ajudar a aumentar os pagamentos digitais para pequenas empresas e apoiar a inclusão financeira". Chances Questões postas ao analista em lives e interlocuções nos últimos tempos. Afinal, quais são as chances de fulano, beltrano e sicrano em 2022. Respondo: é muito cedo. O que posso é sugerir um roteiro de ideias. Vamos lá. Sem dar nomes aos bois, levantemos algumas hipóteses. Uso as variáveis: 1. Economia recuperada às margens de outubro de 2022. 2. Economia no fundo do poço às margens do fundo do poço. 3. Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF)- Alto: abrange satisfação social, estabelecimentos de saúde atendendo bem a população, mobilidade urbana sem congestionamentos, paz e harmonia social. 4. PNBF - Baixo. Clima de indignação social. 5. Surtos e ondas da pandemia aqui e ali. Ressurgência da crise. 6. Segurança Pública- Menor violência. 7. Segurança Pública - Expansão da violência. Medição Uma régua de 0 a 100 cm. Perfis A) Candidato da situação - Direita radical Alternativa 1 - Economia recuperada - Régua de 0 a 100, 80 cm. Alternativa 2 - Economia no fundo do poço - Régua de 0 a 100: 20 cm. Alternativa 3 - PNBF alto - Régua de 0 a 100: 80 cm Alternativa 4 - PNBF baixo - Régua de 0 a 100: 10 cm Alternativa 5 - Régua de 0 a 100: 30 cm Alternativa 6 - Régua de 0 a 100: 70 cm Alternativa 7 - Régua de 0 a 100: 30 cm B) Candidato da oposição - Esquerda tradicional Alternativa 1 - Régua: 15 cm Alternativa 2 - Régua: 70 cm Alternativa 3- Régua: 20 cm Alternativa 4- Régua: 70 cm Alternativa 5 - Régua: 40 cm Alternativa 6 - Régua: 20 cm Alternativa 7 - Régua: 40 cm C) Candidato do centro - Grandes e médios partidos Alternativa 1- Régua: 50 cm Alternativa 2 - Régua: 80 cm Alternativa 3 - Régua: 70 cm Alternativa 4- Régua: 80 cm Alternativa 5- Régua: 60 cm Alternativa 6 - Régua: 60 cm Alternativa 7 - Régua: 70 cm Post Scriptum - Como se percebe, o esgotamento da polarização eleva as chances (pontuação melhor) para uma candidatura do meio. - O candidato do PT teria extremas dificuldades. Nem que o partido seja recriado. - Bolsonaro só leva a melhor se as alternativas acima lhe forem favoráveis. Este painel é mero exercício de projeção. Sem rigor científico. Feeling. Observação de cenários.
quarta-feira, 10 de junho de 2020

Porandubas nº 669

Nesses tempos de uso da caneta para mascarar a verdade, abro a coluna com uma historinha de Zé Abelha. Lei da Gravidade A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. E a lei da gravidez, essa, nem se fala. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água lá embaixo e a cidade lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões e, sinceramente, achava o problema de difícil solução a curto prazo, conforme desejavam: - Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo? - O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade. - Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição, visando perseguir o PSD. O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche, que "o governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal". E está encerrada a sessão. (A historinha está no livro A Mineirice) Brasil mais isolado Não pensem que o título acima se refira a isolamento social. Não, trata-se de isolamento na esfera das Nações. A pandemia mata milhares pelo mundo. O Brasil se torna o epicentro, com liderança no ranking de mortos em 24 horas. E o que faz o governo? Ordena atrasar a publicação dos dados e manipular as informações. Não dá para acreditar que o presidente tenha exigido o teto de mortes em 24 horas: mil. Dou esse número porque foi publicado. O ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, é um técnico de logística. Cheio de boas intenções. Mas nesse jogo de esfriar os números desfere um tiro na imagem. O Estado de Roraima acabou pagando o pato. Teria fornecido números errados. As autoridades de saúde de RR refutam. E o mundo, de queixo caído, indaga: existe democracia no Brasil? Olavo furioso O guru da família Bolsonaro e admiradores do atirador de Virgínia, EUA, Olavo Carvalho, que diz sobreviver com cursos online, tiveram que ouvir, por enquanto calados, o maior desaforo que já se ouviu de um brasileiro sobre o governo Bolsonaro. Disse ele que o governo é covarde, que obedece aos generais que o cercam, que se não mudar, ele mesmo, Olavo, derruba "esse governo de m....". O que faz o presidente? Bico calado. O empresário Luciano Hang, que se veste todo de verde, e tem uma cadeia de lojas, rico, ganhou também uns bofetes de Olavo, que disse não ser amigo dele e assim por diante. O que faz Hang? Pediu a amigos empresários que mandem um dinheirinho para Olavo. Belisco-me para saber se isso é sonho ou realidade. Pois é verdade. Olavo se julga o dono do governo. O suprassumo. O onipotente. O onisciente. Com direito a dizer como quer que seja o governo, que ele formou. Os generais Falar mal de um general, até pouco tempo atrás, era um ato considerado louco. Quando se vê um sujeito como Olavo de Carvalho desancar os generais que integram o governo, principalmente os que estão no Palácio do Planalto, a pergunta tem sentido: e os generais vão ficar em silêncio? Não haverá nenhuma reação? Por essa e por outras é que ganha força a ideia de que as Forças Armadas perdem prestígio, com suas fardas enlameadas por figuras sem ética, sem moral e compostura. E, mais ainda, por interlocutores que usam baixo calão. Linguagem que dá asco. Ondas repetidas Começa-se a formar a ideia de que esse novo coronavírus vai e vem. Desaparecerá em algumas regiões ou diminuirá sua matança, mas reaparecerá em ondas pequenas, aqui e ali. E esse trajeto tortuoso deverá ser enfrentado pelos governos. A vacina, que só chegaria ao mercado em um ano, deverá ser acompanhada por novas políticas públicas. Até porque os cientistas preveem a mutação do vírus, com formas até mais agressivas. A Humanidade tende a ver uma escalada de tragédias. Que a medicina e as pesquisas científicas nos tragam um pouco de esperança. A volta às ruas O país começa a se energizar com a movimentação das ruas. Vejamos a quem interessa essa agitação. Primeiro, ao presidente Bolsonaro, que tem a meta de segurar seus 30% até 2022. Se for às urnas com esse índice, garante posição no segundo turno. Comete o desatino de jogar o país no caldeirão da efervescência. O governo chegará trôpego às margens eleitorais. Segundo, interessa aos radicais de esquerda, que desejam manter a polarização como meio de viabilização de seus potenciais. Terceiro, interessa ao grupo alinhado à ideia do "quanto pior, melhor". As hipóteses têm como pano de fundo as variáveis: a) a pandemia e seus efeitos, com respectivas responsabilidades dos governantes nas três esferas - União, Estados e municípios; b) a economia, sob o risco de refluxo monumental ou resgate de seu potencial; c) as políticas sociais em 2021/2022 - saúde, educação e segurança. Mapa em branco Em matéria de liderança, o Brasil é um mapa em branco. O país caminha às escuras por faltar um líder confiável, competente, capaz de comandar um Projeto de Nação. A questão brasileira esbarra na falta de lideranças. Os quadros que temos à vista não preenchem a planilha dos valores que ilustram a grandeza de um perfil, entre os quais destaco quatro: Valores - Sapiência - Mais que domínio do conhecimento, sapiência é sabedoria, a habilidade no manejo da política, a capacidade de entender o mundo, de liderar um grande programa de reformas, de elevar a confiança social. - Dignidade - Vida decente, história de bons feitos, passado limpo, reconhecimento do traçado reto que marca a trajetória do protagonista. - Elevação espiritual - Pode parecer um valor religioso, mas no sentido que se coloca aqui é a capacidade do político de mostrar desprendimento das coisas materiais, despojamento, simplicidade, disciplina, diálogo. - Autoridade - Não significa autoritarismo, a vontade de reprimir, lutar, guerrear, mas a capacidade de ser ouvido com respeito, sua voz ser seguida e suas ordens cumpridas, sem uso da força. Perfis do momento - Fernando Henrique - O tucano-mor expressa uma visão abrangente, tem prestígio junto ao empresariado, mídia, intelligentsia. Sempre ouvido e procurado pelos tucanos. Mas sem poder de mobilização. Não une partidos. - Lula - Cada vez mais se isola. Entende o Brasil como território perdido pelo PT, mas possível de ser resgatado. Sem sintonia com a realidade. Não quer ceder espaço a outros. O ciclo Lula passou. Difícil ganhar papel de comando de uma Frente Ampla. - João Doria - Governador de São Paulo, Estado mais forte do país - 46 milhões de votos - potencial candidato à presidência da República em 2022, Doria pode se tornar uma opção do centro-direita. Mas se avoluma teor crítico contra ele. Considerado extremamente ambicioso e sem querer repartir poder. Imagem muito ligada à nata do empresariado mais jovem. Não tem forte adesão popular. - Fernando Haddad - O quadro mais preparado do PT. Mas uma ilha. Carece de apoio intenso no próprio partido, mas sobre sua imagem derrama-se parcela da imagem do PT, sempre lembrado por falcatruas. - Wilson Witzel - Era uma esperança no início do governo, envolve-se em uma teia de acusações. Um ex-juiz que não carrega a boa imagem da magistratura. Acusado de prestigiar velhos esquemas. - Ciro Gomes - Polêmico, linguagem desabrida, muito questionado por lideranças políticas. Bem informado, boa bagagem acadêmica, respeitado por economistas, sempre atento à pauta nacional. Mas é alvo de intenso tiroteio. Velha carta do baralho. - Jair Bolsonaro - O mandatário-mor é uma fonte inesgotável de crises. Visão radical, armamentista, forte influência dos filhos (filhocracia), cercado de generais, passa a imagem de ser um transtorno à política e um risco à governabilidade. Interesse em manter a polarização com o PT. Mostra-se despreparado. E responsável pela imagem negativa do Brasil na paisagem internacional. - Marina Silva - Perfil que denota fragilidade. Imagem positiva na esfera ambientalista. Não tem capacidade aglutinativa. Era Marina passou. - Luciano Huck - Empresário e apresentador de programa popular na maior TV do país, um perfil apolítico, mas sem densidade no espaço do conhecimento da realidade nacional. Imagem de que pode ser o testa de ferro de poderoso grupo de mídia. Passível de questionamentos. - Rodrigo Maia - Com uma boa folha de serviços prestados ao país, no comando da Câmara Federal, carece de apoio popular. Tem uma agenda cheia e pode ser um eficiente quadro na articulação para 2022. - Flávio Dino - Imagem que se projeta além da fronteira do Maranhão, o governador pode ser componente de uma chapa majoritária Federal, mas é pequeno para encabeçar o posto principal de candidato a presidente. Boa fluência. Mas, sob o aspecto partidário, restrito. - Rui Costa e Camilo Santana- Os governadores petistas da Bahia e do Ceará seriam naturais lideranças arejadas para ocupar espaço no PT, mas Lula não dá condições. Faltam a ambos visibilidade mais ampla no país. E sua performance dependerá dos resultados a serem alcançados pelo combate à epidemia em seus Estados. - Paulo Câmara - Limitado a Pernambuco, o governador do PSB é um quadro ainda pouco conhecido, podendo vir a ser estrela do partido mais adiante. Ao PSB falta densidade nacional. - ACM Neto - O prefeito de Salvador e presidente do DEM, ACM Neto, pode entrar bem na articulação política de 2022, e tem apoio popular na Bahia. Também não representa novidade na política. - Davi Alcolumbre - Ganhou imagem no comando do Senado, mas com pequena possibilidade de ter dimensão nacional. - Guilherme Boulos - Perfil contundente do MTST, restrito a pequeno espaço numa das extremidades do arco ideológico. - Eduardo Leite - O governador do RS, do PSDB, tem perfil jovial, mas limita-se à região Sul. - Romeu Zema- Esperava-se mais do governador mineiro, mas o Novo, seu partido, não tem sobressaído na esfera política e governativa. - Paulo Hartung - O ex-governador do Espírito Santo é um nome de respeito, agindo hoje como conselheiro político. Parece desinteressado em perfilar na linha de frente. - Sergio Moro - Sem o palanque da visibilidade como ministro, pode perder espaço e ser canibalizado por outros nomes. Perfil apolítico, tem condições de ser atraído por algum partido e entrar na arena de 2022. Dependerá da situação do país.
quarta-feira, 3 de junho de 2020

Porandubas nº 668

Abro a coluna com uma historinha sobre o marechal Dutra. O C pelo X O marechal Eurico Gaspar Dutra (1945/1951), como poucos sabem, trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51: Voxê qué xabêVoxê qué xabêNão pixija sabêPra que voxê qué xabê? Osman Cartaxo, velho amigo da Paraíba, pinça do arquivo de seus engraçados "causos" uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou: - Bom dia, coronel. O velho marechal respondeu de pronto: - Não xô coronel. Xô o presidente da República. O matuto emendou: - Mas não é coronel porque não quer. Cenário sangrento Não há perspectiva de melhoria na temperatura política. O cenário exibe sinais de ódio e tiroteio recíproco entre as alas bolsonarista e oposicionista. O último episódio da guerra foi a batalha do domingo, 31 de maio. As torcidas de times de futebol, principalmente Gaviões da Fiel e Mancha Verde, do Corinthians e Palmeiras, se uniram em raro momento de suas histórias, e foram à avenida Paulista desfraldar a bandeira pró-democracia e com slogans fortes contra o governo Bolsonaro. Um grupo bolsonarista se formou, com pequeno número, e a batalha começou. A PM apareceu e o pau comeu. As primeiras análises davam conta de que os policiais bateram apenas nos torcedores, e, com um escudo, protegeram os bolsonaristas. Mas um olhar imparcial para a cena permite dizer que a turma das torcidas bagunçou o coreto. Com depredações e violência. Os generais A guerra, até agora contida na frente da política, ganha dimensões mais graves. O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, era exemplo de moderação no início do governo. Palavra de harmonia e equilíbrio. Depois de manifestações de insatisfação por parte de seu chefe, o capitão-presidente, Heleno tomou o lugar do general Otávio Rêgo Barros, o porta-voz, e passou a fazer defesa candente de Jair Bolsonaro. O general Rêgo recolheu-se, até para tratar da Covid-19, que o pegou. E, para surpresa geral, o ministro da Casa Civil, general Luiz Fernando Ramos, que faz articulação política, aparece agora no front como mais um mensageiro: "respeite o presidente". Pareceu um puxão de orelhas no ministro Celso de Mello, que teve uma mensagem vazada comparando o Brasil com a República de Weimar, Alemanha, golpeada por Hitler. Luta aberta Em suma, o que era coisa de bastidor, de conversa entre quatro paredes, vira discurso público. Os generais no entorno do presidente mostram a cara de guerreiros defensores do presidente. Até o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa, que até então se comportava como fortaleza constitucional, tendo produzido três notas com o conceito de que as FA são entidades do Estado e não de governo, apareceu no sábado último, ao lado do presidente, no helicóptero que os transportava a uma manifestação de apoio a Bolsonaro. Sinalização de que as Forças perfilam ao lado do chefe do Estado. E assim a luta se escancara. O presidente, a toda hora, lembra que tem o apoio das FA. O que quer dizer isso? Temor de impeachment? Um autogolpe? Mourão olhando O fato é que inexistem condições - políticas, sociais - para qualquer ato de intervenção por via militar. Os generais do entorno tomam posição ao lado do presidente, o que não significa, segundo os próprios, adesão a uma ação contra a Constituição. Chama a atenção que o vice-presidente, general Mourão, que era muito expressivo quando dirigia o Clube Militar, hoje é o quadro que expressa moderação. Começa a formar um grupo de admiradores, que o veem como um perfil bem encaixado em eventual vacância da cadeira presidencial. Maia, a palavra política Quem interpreta bem o papel das Forças Armadas é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, nesse início de semana, fez adequada ponderação. Para ele, generais que estão no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não representam as Forças Armadas. A declaração de Maia foi feita ao jornalista Tales Faria, do UOL: "Um ministro que é general da reserva, ou ainda está na ativa e vira ministro de um governo, não representa as Forças Armadas. Elas [as Forças Armadas] representam o Estado brasileiro. 57 milhões de votos? Nos idos do passado, quando um político se vangloriava de seus feitos, desfilando milhares de votos, Tancredo Neves, o sábio, retrucava: - Você teve, mas não tem mais. Pois bem, os bolsonaristas repetem e repetem o bordão: nosso presidente tem 57 milhões de votos. Ora, isso não é mais verdade. Se ainda tem 30% de apoiadores (e há dúvidas se ainda é esse número), haveria 70% contrários. Todas as pesquisas mostram que cresce sua rejeição. Portanto, há de se ter cuidado no uso das quantidades favoráveis a Bolsonaro. Os próximos tempos exibirão a verdade. Pressão sobre os governos A pressão sobre os governadores para que sejam flexíveis à política do isolamento começa a dar resultados. Alguns já tomaram decisões para reabrir áreas do comércio e dos serviços, mesmo de maneira gradativa. Ocorre que, segundo a OMS e outras instituições, não chegamos ainda ao pico da pandemia. Os recordes de casos - mais de meio milhão de infectados, beirando 35 mil mortos - aparecem dia a dia. Governadores e prefeitos estão com um olho na saúde e outro nas urnas de novembro ou dezembro, de acordo com decisão a ser tomada pelo TSE. Ninguém quer se aventurar no canto extremo de uma decisão mais radical. O lockdown - medida mais forte de isolamento - foi rompido nas praças onde foi adotado. O assassinato de Floyd O imponderável é um fenômeno que visita países de facetas múltiplas. O assassinato de um homem negro, George Floyd, em Minneapolis, EUA, por um policial branco, que o sufocou por quase 9 minutos, colocando seu joelho sobre o pescoço da vítima, era a pólvora que faltava para incendiar a fogueira que se expande pela nação americana. Trump, que já vinha em queda por seu desleixo na adoção de medidas contra o Covid-19, agora é alvo da indignação social. Milhares de pessoas nas ruas, juntando tanto democratas quanto republicanos, podem se transformar na arma letal contra a candidatura de Donald Trump em novembro. O povo está acompanhando os fatos da política, aqui e alhures. As ruas no Brasil Por aqui, emerge a sensação de que as multidões, que não passavam de grupos pequenos até recentemente, começam a redescobrir as ruas. Em junho de 2013, as massas foram às ruas. E agora, manifestações a favor e contra o governo, redescobrem a rua como caminho a seguir para expressar satisfação/insatisfação com o estado das coisas. Bolsonaro tem interesse em motivar sua galera. Mas comete o erro de antecipar por muito tempo o pleito de 2022. Poucos eleitores têm propensão para aguentar climas eleitorais por muito tempo. O copo da paciência transbordará. Mas há algo que pode ser o carro-puxador das massas: a pandemia e a economia. Mortes e mortes, com medidas que não estão dando certo, causam revolta. E barriga roncando, com pouco dinheiro no bolso para comprar o básico, também enfurece o coração e o sangue sobe à cabeça. Logo.... Tudo não será como antes "Tudo como antes no quartel d'Abrantes". Como se sabe, a frase quer dizer: nada mudou. E tem uma história por trás. Portugal foi invadido por tropas francesas porque demorou a obedecer ao bloqueio imposto por Napoleão. O general Jean Junot, braço-direito de Napoleão, ocupou a cidade de Abrantes, onde instalou seu quartel. Nomeou-se duque. D João VI havia fugido para o Brasil. Ninguém se opunha ao general. Tudo era tranquilo. E quando se perguntava sobre novidades, vinha a resposta: "está tudo como dantes no quartel d'Abrantes". Pois bem, leitoras e leitores, não pensem que, após a pandemia, tudo será como antes. O Novo Normal não fará uma devastação sobre o mundo anterior, mas haverá mudança nos costumes, no trabalho, nas formas de produção, nos costumes e comportamentos e até na política. O Novo Normal não nos levará ao mal. Um tempo de bonança poderá nascer numa era de temperança. Em alta - Médicos, enfermeiros(as), profissionais da saúde - Trabalho em casa - Reflexão sobre a vida - Família - Jardins e plantas - Delivery - Redescoberta das ruas - Expressão escrita - Contemplação do pôr do sol - Filmes na TV - Valores: solidariedade, amizade, simplicidade, integração de esforços, disciplina, despojamento Em baixa A Coluna deixa esse espaço em branco. Que cada um faça sua lista. Pequenas lições para candidatos (as) - Saber ler corretamente o meio ambiente, os novos valores do eleitorado e as motivações de voto. - Escolher o discurso para o momento adequado. - Definir segmentos-alvo do eleitorado. O Brasil torna-se mais racional. - Selecionar sólidos reforçadores de decisão de voto. - Descentralizar a campanha para multiplicar pontos de eco e agregar organizações intermediárias. - Compor programa simples, objetivo, factível. Atenção na área da Saúde. - Trabalhar com modelos diferenciados de pesquisa. - Programar ações de impacto. - Organizar estrutura adequada e estabelecer cronograma prevendo: lançamento da campanha (junho/julho); crescimento (julho/agosto); consolidação/maturidade (setembro); clímax (segunda quinzena de outubro - últimas semanas antes eleição); declínio (evitar que esta fase ocorra antes da eleição - novembro ou dezembro). - Garantir meios e recursos. T.S. Elliot "Somente aqueles que se arriscam a ir longe, sabem até onde podem chegar".
quarta-feira, 27 de maio de 2020

Porandubas nº 667

A coluna abre com um pedido de desculpas à família de Fernando Prado Leite, pela historinha da semana passada. A médica Carmem Luiza Leite envia esta mensagem: "Sou Carmem Luiza Leite, médica, residente em Aracaju/ SE e filha de Fernando Prado Leite. Parabéns pelas suas Porandubas políticas, histórias ou estórias? "Hilário" como assim se referiu em um texto sobre meu Pai, foi destruidor de uma família que tem o orgulho de toda uma história essa sim verdadeira. Peço o direito de resposta para que você mesmo possa conhecer melhor quem foi Fernando Prado Leite. Quem sabe você pode, através do livro O Chefe Invisível, conhecer todo esse capítulo que você publicou com toda a sua galhardia. Convicta de sua capacidade literária, e desse site "Migalhas", solicito a retratação legal dessa reportagem 'Morra tranquila, mamãe'. Agradeço antecipadamente". P.S. Cometi um lapso. Na verdade, o relato da semana passada está no clássico livro Folclore Político, de Sebastião Nery, sob o número 1692. No que me cabe, faço este registro com meus respeitos e minhas homenagens à família. Vai mesmo à Brasília Esta também é da lavra de Sebastião Nery, mas há uma versão original russa. 31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte: - Alkmin, para onde você vai? - Para Brasília. - Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília. Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond: - O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília. Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A primeira historinha é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações: "Que mentira, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai a Minsk". Cenário político: os pontos nos is Vamos à leitura sobre os fatos e suas versões. O vídeo da destemperada reunião do presidente e seus ministros baliza a linguagem de gregos e troianos. Os gregos, digamos que sejam os simpatizantes do governo, refestelam-se nas comemorações, vendo naquela gravação o eco de seus urros e loas ao bolsonarismo. Os troianos, integrados pelas hostes das oposições e de núcleos localizados no meio da pirâmide social e a mídia, reverberam seu espanto com a dose cavalar de palavrões, posições duras contra juízes, meio ambiente e políticos - governadores e prefeitos -, arrematando sua perplexidade com a ideia de que o governante-mor do país bateu no seu limite. Ambas as alas deixaram cair nas redes sociais seu verbo ácido. Mas as ondas radicais do bolsonarismo, sob a órbita dos robôs, ganharam em quantidade com uma frase que se repetiu indefinidamente. 10 minutos com a mesma frase Um controlador das mensagens aponta que, durante 10 minutos, leu a mesma mensagem em pretensos apoiadores de Bolsonaro: "não conheço um eleitor de Bolsonaro que viu o vídeo e esteja arrependido, pelo contrário, já iniciamos a campanha para 2022. É a melhor propaganda de todos os tempos". Marcelo Adnet, o comediante, joga nas redes um vídeo com a mesma frase e nomes de seguidores, alguns repetidos. Uma farsa, que deve ter o dedo do comandante das redes sociais do presidente. A linha de abordagens contrárias ficou mais restrita aos comentaristas de TV e de jornais. Além de articulistas de renome. Eleições dirigidas? Imaginem agora essa ferramenta tecnológica. Os pleitos eleitorais, aqui e alhures, têm ganho o impulso das máquinas robóticas. Aconteceu nos EUA e aconteceu aqui. Vamos ter, doravante, eleições sob a batuta desses cabos eleitorais eletrônicos? Essa é uma ameaça concreta aos sistemas democráticos. Terrível será enfrentar uma bateria tecnológica de robôs promovendo a mistificação das massas, induzindo a decisão de eleitores, manipulando gostos, atitudes e comportamentos. Daí a necessidade de se apontar os caciques dessa "eleição tecnológica". Alguns deles estão no entorno dos governantes em todas as esferas do planeta. Cadê a CPI das Fake news? E a pandemia? O paradoxo fica escancarado. A pandemia ganhando força em todo o país, mas não se viu naquela reunião ministerial nenhuma ênfase ao esforço para combatê-la. Naquele momento, assumia o Ministério da Saúde o médico Nelson Teich, que parecia um peixe fora d'água. Ou seja, foi uma reunião para desabafo do presidente sobre sua insatisfação com segurança, sobre sua visão armamentista (facilitar o acesso de armas e munição ao povo), e instrumentalizar os serviços de segurança e inteligência para servir a si e aos seus. O vídeo é uma peça que entra na história do nosso presidencialismo, com direito a lances escatológicos, como a afirmação de que os inimigos (????) querem a "nossa hemorróida". ( ???????). Um bom analista de índoles pode explicar esta estapafúrdia referência. Se não conseguir, é só remeter o caso ao velho Freud. Exército e a imagem Que os generais sejam convocados para trabalhar no governo, é coisa compreensível. A partir do fato de que somos governados por um ex-tenente, aposentado como capitão, do nosso Exército, o Exército de Caxias. Mas a convocação de um número de militares (a maior de reformados), acima de uma quantidade que se considere razoável, causa estranheza. É como se o governante quisesse construir uma fortaleza só com ferro, e não com cimento e cal. A denotar certa necessidade de proteção, receio de ser deposto por algum processo, inclusive um processo que caminhe pela via democrática como um impeachment, por exemplo. Afinal, o que poderá ocorrer? À luz do que conhecemos sob a cultura política por essas plagas, cheguemos às inferências. O risco de o presidente Jair Bolsonaro perder o mandato, com eventual impeachment, é menos de 10 cm em uma régua de 100. O presidente conta com forte parcela das massas. E mais: gosta de se infiltrar na massa, ao modo do antigo Lula. Usa palavreado torto e cheio de palavrões, identificando-se com a linguagem popular. Vestiu bem a camisa do anti-Lula. Interpreta o antilulismo, o anticomunismo, o antisocialismo, tudo que se relacione aos ideais, partidos e abordagens que lembrem a esquerda. Virou um guerreiro das Cruzadas contra o esquerdismo. Despertou a velha direita, uns 10% da sociedade, que vivia em estado vegetativo. Agregou um núcleo jovem, que nunca acompanhou política. Atraiu setores que já haviam se afastado da política. Ganha apoio junto ao empresário pragmático. Assediado por siglas amorfas e sem verniz ideológico, Bolsonaro tende a sobreviver. Em suma, Jair tem cacife para se sustentar. A não ser que... 1 - A economia degringole Pensemos em um atoleiro sem condição de deixar sair o carro. Devastação imensa no bolso do contribuinte, queda brutal de investimentos. 2- A pandemia não for contida por erros da gestão. Descontrole geral e mortes continuam até bem mais adiante. 3- As carências de saúde chegam às margens de 2021/22. O caos social leva clamor às ruas, com o povo indo às ruas pedindo o "fora Bolsonaro". 4- Os grandes centros urbanos ampliam seu estado de deterioração, com sensível piora dos serviços públicos. 5- Bolsonaro não consegue consolidar uma base política no Congresso, afastando-se da esfera parlamentar. 6- A situação do Brasil na paisagem internacional é vexatória, com imagem negativa em todos os quadrantes. Sob essa moldura, torna-se bastante viável um impedimento via Congresso Nacional. E um golpe? Ainda sob essa moldura, os militares não teriam motivação/condição de dar a ele sustentação pela força. O Brasil tem hoje uma classe média, que é a maior parcela da população. Com forte poder de difusão do pensamento. Sergio Moro tem chance? O perfil do ex-juiz e ex-ministro da Justiça terá força decrescente ao longo dos próximos tempos. Já não contará com a fosforescência das luzes midiáticas. E receberá críticas acirradas de um contingente de peso e voz: os advogados, principalmente os criminalistas. O pleito municipal Teremos provavelmente o pleito municipal em início de dezembro, por volta do dia 6. Será o pleito do rebate, com um voto de protesto do eleitor à forma como tem sido tratado e um desabafo ao modus operandi da mesmice política. Jovens e mulheres com boas chances de votação. E a PF? A Polícia Federal ganha força institucional nos próximos tempos. Vai ganhar aplausos por sua conduta republicana, agindo com independência e autonomia. Segunda-feira, seis agentes da PF apreenderam a câmera do cinegrafista Andriely Cirino, na Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto. O cinegrafista teria registrado a famosa reunião ministerial do dia 22 passado. E ontem passou a fazer buscas junto à família do governador Witzel. Fecho a coluna com pequenas lições de marketing eleitoral Marketing: os eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado. Ênfases O planejamento de uma campanha abriga todos os aspectos, com a inclusão das metas, objetivos, estratégias, táticas, meios e recursos, equipes e estrutura de operação, sistema de marketing, estudo dos adversários, etc. O mais importante é o foco sobre os eixos do marketing eleitoral, acima apresentados: a pesquisa, a proposta de discurso (os programas), a comunicação, a articulação e a mobilização. A pesquisa objetiva mapear interesses e expectativas do eleitorado. É vital para estabelecer e/ou ajustar o discurso do candidato. Sem pesquisa, atira-se no escuro. A pesquisa qualitativa tem a vantagem de descobrir os mapas cognitivos dos eleitores, aquilo que eles estão pensando. É fundamental, na medida em que o mapeamento do sistema de interesses e expectativas do eleitorado deverá ser o centro do discurso. A pesquisa quantitativa mede apenas intenção de voto, em determinado instante. Municipalização x Nacionalização das campanhas? Ligeira resposta: o pleito deste ano será nacionalizado. Na esteira da intensa polarização que impregna a sociedade. Micropolítica - política das pequenas coisas - ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, Federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral - estado geral de satisfação/insatisfação - adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura geral será medida; 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; saúde será o foco. 3) O discurso semântico - propostas concretas e viáveis - suplantará a cosmética, que consiste no modo de se apresentar aos eleitores; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações. Não haverá motivação para isso. 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado.
quarta-feira, 20 de maio de 2020

Porandubas nº 666

Nesses dias de pandemia, abro a coluna com uma historinha hilária de Sergipe. Morra tranquila, mamãe Nas dobras do passado, Fernando Leite, filho do senador Júlio Leite, presidia a Assembleia Legislativa de Sergipe, quando Seixas Dória era governador. Seixas teve de viajar ao Rio de Janeiro, enquanto o vice-governador Celso Carvalho estava no Rio Grande do Norte, onde foi ao enterro da sogra. Fernando Leite, presidente da AL, assumiu o governo por dois dias. Passou telegrama para Deus e o mundo, para as embaixadas, federações, partidos políticos, comunicando a sua governança. Como bom filho, orgulhoso, telegrafou à mãe, internada e gravemente enferma, em um hospital do Rio: - Mamãe, pode morrer tranquila. Seu filho é governador. Beijos, Fernando. O estado da Nação O termômetro social marca alta temperatura. A angústia se acumula. O medo se espraia. O uso de máscara se expande, mesmo sob a descrença e o desleixo de muitos, que costumam deixá-la sob o queixo. Os dias passados em casa puxam uma certa dormência coletiva, a trazer desânimo. O desemprego sobe. O empobrecimento é geral com perdas sentidas principalmente nas camadas da base da pirâmide. O número de mortes cresce exponencialmente. O Brasil já chega no ranking dos mais afetados pela pandemia. SP, 324 mortos em 24 horas. O estado geral da Nação é de gigantesca dúvida sobre o amanhã. Isolamento social O isolamento social se estreita. Mesmo sob as estatísticas mais altas, a índole nacional carrega um DNA regado pela fonte da rebeldia e pelo vento da fuga à ordem estabelecida. "Fulano, não saia porque ali adiante você vai enfrentar um tiroteio". O fulano, curioso, acaba pensando: "vou ver para crer". E escapa. Sai sorrateiramente. Ademais, a imensa desigualdade propicia mais rupturas. Afinal, os pobres e carentes têm que se virar. Como pedir para não sair de casa a alguém que não tem suprimentos, em um barraco onde habita a carência de tudo? Uma coisa é isolamento na Alemanha, no Reino Unido ou em países desenvolvidos, outra coisa é pedir para ficar em casa no Brasil. A revelação de Marinho O empresário e consultor Paulo Marinho jogou a bomba: a PF antecipou para Flávio Bolsonaro a operação que faria para investigar eventuais ilícitos que teriam sido cometidos pelo seu então assessor, Fabrício Queiroz. A operação foi adiada para após a eleição em 2º turno, decisão tomada para não prejudicar a campanha do candidato Jair Bolsonaro em outubro de 2018. Por que Marinho só abriu o bico agora? Por que não fez essa revelação antes? Não teria prevaricado? Questões no ar São perguntas que se fazem. Respostas óbvias: o empresário rompeu com a família Bolsonaro, mesmo sendo suplente do senador Flávio. Filiou-se ao PSDB de João Doria. É candidato a prefeito do Rio de Janeiro. Portanto, é evidente que a informação tem caráter político e estará no palanque eleitoral do pleito municipal. Nem por isso deve deixar de ser investigada, incluindo ilícito eventualmente praticado por Marinho por ter escondido o fato até hoje. Centrão toma assento O Centrão, onde estão os partidos fisiológicos (há algum que não seja?), começa a tomar assento nas cadeiras do governo. Não se acomodam nas cadeiras da primeira fila, urge reconhecer, mas em cadeiras de fileiras mais ao fundo. Mas esses cargos de segundo e terceiro escalões, nas mãos de um hábil artesão da política, costumam se transformar em balcão de oportunidades. Por isso, é do interesse de siglas que rezam pela cartilha franciscana do "é dando que se recebe". Até no espaço da Educação, mesmo sob o escudo do raivoso e contestado Abraham Weintraub, os centristas estão chegando. Covas e o feriadão Teste polêmico. O prefeito tucano Bruno Covas, de São Paulo, vai antecipar os feriados de Corpus Christi e do dia da Consciência Negra para hoje, quarta, e concedendo sexta como ponto facultativo. O feriadão tem o objetivo de esvaziar as ruas da capital. Será um teste para ver se essa decisão se transforma em um lockdown. Apostam, ele e Doria, na hipótese de que muito poucos viajarão nesta semana. Tenho a impressão de que pode haver refluxo de carros, mas não nos níveis desejados. Baleia: 2 bilhões para saúde O projeto relatado pelo deputado Baleia Rossi, MDB-SP, que garante o repasse de R$ 2 bilhões para Santas Casas e hospitais filantrópicos foi sancionado pelo governo Federal. A nova lei determina que o auxílio financeiro emergencial seja destinado para o combate à pandemia do Covid-19 nas instituições que atendem pelo SUS. Iniciativa digna de aplausos. Incrível Que o novo ministro da Saúde seja um médico ou uma médica, é coisa previsível e perfeitamente condizente com a praxe. Mas incluir entre os candidatos um 'youtuber' é uma piada de péssimo gosto. Pois não é que as redes bolsonaristas estão indicando o nome de Ítalo Marsili como ministro da Saúde! É médico, sim, mas sua atividade mais importante é a de youtuber. Um médico influenciador nas redes? Cloroquina e Heparina Constata-se uma queda de braço entre a cloroquina e o anticoagulante heparina no combate ao novo coronavírus. Quem está levando a melhor, por enquanto, é a cloroquina, que tem como seu principal defensor o próprio presidente Bolsonaro. Trata-se de uma guerra onde as principais armas são escassas: falta de respiradores, leitos em UTI, etc. Mas a guerrilha química é a que vale. Agora é o presidente dos EUA, Donald Trump, quem diz que passou a tomar uma pílula de cloroquina por dia como medida preventiva. A ciência não dá esse endosso. O Conselho Federal de Medicina, do Brasil, discute a questão. E seu presidente, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, aponta a heparina como mais eficaz do que a cloroquina. Vacina O laboratório Moderna, dos EUA, anuncia resultados promissores nos primeiros testes feitos em humanos para a vacina contra o Covid-19. Suas ações na Bolsa tiveram um salto de 241%. Mais guerra química Os EUA e mais alguns países iniciaram uma guerra química contra a China: estão deixando de comprar remédios naquele país, na esteira da politização que tomou conta do debate sobre o Covid-19. E se a China descobrir, antes que outros, a vacina? Os países por pirraça deixarão da adquiri-la? E assim bestamente caminha a Humanidade. É claro que nessa guerra há muito interesse - $$$$$$$$$ - em jogo. Bolsonaro sobrevive Este analista não acredita em impeachment do presidente Bolsonaro, mesmo que ele continue com o pavio aceso e tocando fogo na floresta. Decidiu falar para suas bases. Não quer governar para todos os brasileiros. É um direito que tem de escolher sua plateia. Mas é um erro que, mais cedo ou mais tarde, pagará. Impeachment no meio de uma pandemia seria um processo caótico. Ampliaria o volume das crises. E não haverá clima para se debater um afastamento do presidente. A impressão é a de que ele seguirá, claudicante, o seu caminho. Pode até não querer se candidatar. A depender da sua avaliação mais adiante. As perspectivas não são boas. Mourão mais solto O vice-presidente, general Mourão, parece ter voltado à velha forma: lépido e faceiro, dá entrevistas a torto e a direito. Conta com a simpatia de parcelas substantivas da sociedade, a partir de núcleos do empresariado. Guedes mais contrito Paulo Guedes, o mandão da Economia, está mais contrito, mesmo continuando com a verve azeitada. Está diante de uma projeção que o incomoda: queda de 5% do PIB este ano. Desemprego aumenta. Guedes tem afirmado que o país "foi atingido por um meteoro" se referindo ao impacto do coronavírus nas intenções econômicas do governo. Frente à crise, reformas que estavam em avaliação, como a tributária, ficaram em segundo plano. O esforço da União e dos poderes Legislativo e Judiciário se concentram em combater a epidemia. O frio aperto de mão Fecho a coluna com uma historinha da Bahia. Um deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu com outro cartão: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas festas, esperando encontrá-lo muito em breve nessas paragens para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005. O deputado leu a mensagem. Espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão.
quinta-feira, 14 de maio de 2020

Porandubas nº 665

Abro a coluna com a verve mineira. Mariana, Minas Gerais, já foi chamada de Roma brasileira. Terra de fé. Velhas e monumentais igrejas. Cheia de placas com nomes engraçados nas ruas: - Cônego Amando - Armando Pinto - Monsenhor Amâncio Pinto Cônego Amando era conhecido pela verve, um brincalhão. Um dia, viajando pelo interior do município, uma de suas assistentes caiu do cavalo. Rapidamente ficou em pé. Meio sem graça, perguntou: - Cônego, o senhor viu a minha agilidade? - Minha filha, eu até que vi. O que eu não sabia é que agilidade tinha mudado de nome. (Zé Abelha em A Mineirice) Panorama visto do alto Daqui do alto, vejo quase todo o centro expandido, os bairros mais centrais: Itaim, Moema, Paraíso, Ibirapuera, Jardins, Indianópolis, Vila Mariana, prédios da av. Paulista, a Faria Lima, e lá nos fundões, Pinheiros, Morumbi e as torres da serra da Cantareira. A cidade parece quieta. Só impressão. Menos carros, menos barulho. Mas, em suas casas, as pessoas estão atônitas, medrosas, estampando um aparente conformismo que as catástrofes costumam puxar. Se as nossas vidas precisam desse recolhimento, que o acolhamos. Muitos se rebelam. A paisagem é sombria. Um ou outro urubu cruza seus voos sobre o parque do Ibirapuera. O campo do ginásio quase todo coberto com um gigantesco toldo branco, onde um hospital de campanha abriga contaminados pelo vírus. Quando, quando, quando respiraremos ares mais saudáveis? Panorama de Laurie Garret Laurie Garrett é uma jornalista premiada. Também conhecida como Cassandra, aquela profetisa grega que previa o futuro. Ganhou o Prêmio Pulitzer de jornalismo, tendo previsto não apenas o impacto do HIV, como também o surgimento e a propagação em todo o globo de patógenos mais contagiosos. E também previu a pandemia atual. Suas previsões: = durará cerca de 36 meses, no melhor cenário possível. =aparecerá em ondas. = o sistema de transporte de massas será reavaliado. = os homens de negócios reverão a necessidade de encontros de negócios pessoalmente. = se depois de 11 de Setembro, não podemos entrar em um edifício sem mostrar a identidade e passar por um detector de metais, e não podemos mais entrar em um avião como sempre fizemos, tudo isso ocorrerá novamente. = não serão detectores de metais, mas uma mudança sísmica em relação às nossas expectativas, ao que suportamos, à maneira como nos adaptamos. Talvez também no engajamento político. = 25% de desempregados nos EUA. = a China minimizou o que estava ocorrendo e a reação em vários países foi descuidada e lenta. = Entre os destaques, em sentido negativo, está a aceitação inicial do presidente Donald Trump das garantias feitas pelo presidente Xi Jinping de que tudo se resolveria bem; sua escandalosa complacência, do final de janeiro até meados de março; sua defesa de tratamentos não comprovados; suas reflexões sobre curas absurdas; sua abdicação da sólida orientação federal aos Estados; e o fato de ele se furtar, mesmo neste momento, a apresentar uma ampla e detalhada estratégia para conter o coronavírus. Bolsonaro, vai e vem O capitão tem uma índole guerreira. Não é de paz. Não procura a paz. Talhado para guerrear nas emboscadas do disse-não-disse, onde a versão apaixonada toma o lugar dos fatos, não se preocupa com questões de imagem e não aprecia raciocinar pela via do bom senso. A troca de comandos na PF, pois, nada tem a ver com afinidades, ligações familiares, proteção em investigações. Tudo é pautado pelo maior profissionalismo. Portanto nunca existiu pressão sobre o ex-ministro Moro. Tudo é fantasia. E a fantasia ainda consegue arrebanhar um bocado de gente. P.S. Sugiro ouvir o vídeo sobre reunião ministerial, que deve ser liberado pelo ministro Celso de Mello. A fatia de Bolsonaro O presidente tem razoável fatia do eleitorado. Expliquemos. Sempre existiu um denso núcleo localizado à direita do arco ideológico que praticamente se manteve calada nos 13 anos em que o petismo-lulismo tomou assento na cadeira presidencial. O PT rachou o país quando usou o manto de vestal, pura, séria, ética, cheia de dignidade. Erigiu um castelo de mentiras sobre o imaginário nacional. Era exclusivista. Não aceitava qualquer um. Exibia uma aura de sagrado. Até o castelo desmoronar. A roubalheira veio à tona. Seu maior líder, Lula, caiu nas barras da Justiça. Incrível. Eles continuam acreditando que o petismo-lulismo é uma graça do céu. Bolsonaro foi eleito na onda antipetista. Encarnou o tom do novo. A direita conservadora marcou um encontro com os indignados. Essa é a fatia de Bolsonaro. Resiliência Os bolsonaristas são resilientes. Não temem enfrentar dissabores. Se seu comandante diz alguma bobagem, puxam um argumento para dar razão a ele. Está havendo certo refluxo, tanto que as mais recentes pesquisas mostram uma queda de 10 pontos na avaliação positiva do governo, coisa de 44% de negatividade contra 31% de avaliação positiva. Ademais, a polarização interessa a Bolsonaro, que gostaria de enfrentar novamente o PT. E para fechar a corrente de apoiadores, o governo continua com a rede de proteção social. Esses R$ 600,00, distribuídos como auxílio emergencial, caíram bem no coração das massas. No Nordeste, onde o presidente não tem boa votação, o dinheiro foi recebido com muitas loas. Pendenga com Moro I A pendenga com Sergio Moro poderá ampliar as sequelas na imagem de Bolsonaro além das já abertas pelo episódio de saída do ex-juiz. O procurador-Geral da República, Aras, tende a arrefecer o caso. Os generais que o cercam, em seus depoimentos, fazem sua defesa ao não terem visto sinais de pressão sobre a PF. Mas o vídeo da reunião ministerial que Moro sugeriu como prova de que o presidente queria trocar a direção da PF é comprometedor, Moro, por sua vez, tentou não se complicar em seu depoimento, negando "crime" por parte do presidente no caso de troca de comandos. Imaginou que a narrativa que lhe interessa será produzida naturalmente pela mídia, tendo à frente a TV Globo. Pendenga II E o STF, mesmo dando guarida às investigações, tende a dar tempo ao tempo. Celso de Mello, que se aposenta em novembro próximo, tem interesse em deixar um lastro forte em sua despedida. A palavra do ministro da Educação, numa reunião no Palácio do Planalto, pedindo prisão para muita gente, a começar pelos ministros da suprema Corte, deve influir nas decisões do ministro Celso. A pororoca pode aumentar. Golpe? O presidente precisa evitar esse discurso de golpe. É pura bobagem denunciar que Rodrigo Maia, João Doria e Wilson Witzel querem dar um golpe para tirá-lo da presidência. Algo impensável e impraticável. Não há a mínima condição para que essa ideia prospere. Seria péssimo para o país. Se Bolsonaro quer antecipar a campanha, que busque nova modelagem de slogans, expressões e fraseado. O presidente descobriu que não governa sem a esfera política. Mas deve ter cuidado para não ressuscitar perfis da velhíssima política. O Congresso Os congressistas, por sua vez, tomam consciência das novas prioridades do país: falta de estrutura nos estabelecimentos hospitalares, economia aos trambolhos, queda do PIB em mais de 5%, desemprego crescente, municípios e Estados quebrados, infraestrutura carecendo de investimentos, políticos recriminados, Executivo sem rumos, improvisação por todos os lados. O que fazer? Rodrigo Maia, muito atuante, aponta: a reforma tributária está madura. Que se comece por ela. O problema é saber até onde Paulo Guedes fará concessões. E o Teich, hein? O ministro da Saúde, Nelson Teich, médico afamado, a cada dia, mostra-se mais atoleimado. Olha para o abstrato. E confessa que está confuso. Não tinha tomado conhecimento da decisão de Bolsonaro de incluir academias de ginástica e salões de beleza na categoria de atividades essenciais. O ministro mais parece peixe fora do aquário. A filhocracia Altas patentes do Exército dizem com muito jeito: os filhos do presidente estão causando grandes estragos ao seu governo. A frase vai sem aspas, mas é uma tradução até leve do que se capta de fontes credenciadas. O farol de Huck Luciano Huck, eventual candidato à presidência da República, está com farol baixo. Um midiático inteligente, que até surpreende com ótimas entrevistas junto a pensadores, mas não conhece a realidade brasileira. Cadê o Paulo Hartung? Amigo, leve seu amigo, apaziguada a pandemia, para uma volta pelo país. Você, sim, seria um bom candidato. Nomes Helder Barbalho, o governador, faz um grande trabalho para amenizar os efeitos da pandemia no Pará. Arthur Virgílio, o prefeito, se esforça para enfrentar o caos que a pandemia produz em Manaus. Bruno Covas, o prefeito, apesar das boas intenções, parece sem rumos para diminuir os efeitos da tragédia em São Paulo, capital. João Doria desenvolve uma ação abrangente e forte. E, com o prestígio que tem, consegue recursos. O problema: seu discurso é sempre interpretado como voltado para a política, mais exatamente 2022. ACM Neto, prefeito, bem avaliado em Salvador. Grupos empresariais: grandes doações e ações. Destaco o Grupo Itaú: 1 bilhão de reais. Todos merecem parabéns. Adeus, amigo João Claudino Deu-nos adeus um dos maiores empreendedores brasileiros: João Claudino. Construiu um império. Muitos empreendimentos. Nasceu em minha querida serra de Luís Gomes, na tromba do elefante como é designado o extremo oeste do RN. Fronteira com Paraíba e Ceará. Seu pai, Joca, era amigo meu, Gaudêncio, que o recebeu vindo da Paraíba. Joca fez um pequeno negócio em Luís Gomes, onde João nasceu, mas decidiu voltar à PB. Foi para Cajazeiras e começou um empreendimento que viria a se tornar um dos maiores, se não o maior, da região norte: os Armazéns Paraíba. O maior ICMS do Norte. Sede principal em Teresina, Piauí. Fábricas em muitos setores. Um homem de visão social. A Fundação que criou e tem seu trabalho na região é um fenômeno de grandeza. Uma orquestra sinfônica com adolescentes é convidada para se apresentar nos principais palcos do mundo. E João, empreendedor e mecenas, nos deixou há duas semanas. Merece figurar no altar mais alto de minha admiração.
quarta-feira, 6 de maio de 2020

Porandubas nº 664

Abro a coluna com a sabedoria de José Maria Alkmin, uma das mais afamadas raposas da política mineira. Serve de adjutório para que suportemos com mais tranquilidade esses momentos tormentosos da pandemia. Em tempos de forte crise político-econômica, ele ensinava: - Calma, gente, a crise não atacará de forma tão violenta como se proclama. Cada um vai vivenciá-la de modo diferente. Se durar 6 meses, passaremos boa parte do nosso tempo dormindo. Em outras ocasiões, comendo e bebendo. Outro naco de tempo será dedicado a conversas (atualizo: usando o WhatsApp e redes sociais). Teremos muito tempo de lazer - leituras, filmes. E mais, gente: a crise será vivida dia a dia, dia a dia. Suavemente.... A crise se aprofunda Ao que tudo indica, a índole do presidente da República é imune ao bom senso. Quando se tem a impressão de que não haverá repetição de eventos negativos, perpetrados por Sua Excelência, eis que as coisas se repetem. No Dia do Soldado, o presidente foi para a frente da sede do Exército em Brasília, o Forte Apache, para se juntar aos manifestantes em ato contra o Congresso Nacional e contra o STF. No Dia da Imprensa, no último fim de semana, o gesto se repetiu em manifestação de simpatizantes em carreata na Esplanada dos Ministérios. O foco foi novamente Congresso e STF. Foram cometidas agressões contra jornalistas. Bolsonaro disse que sua paciência se esgotara. E que não iriam dar um golpe contra ele. Os ânimos estão acirrados. O poder é todo dele O presidente carrega uma expressão recorrente: ele é quem manda e o poder é dele. De nomear, demitir, etc. Mas quando os princípios da impessoalidade e da moralidade na administração pública são atingidos, a autoridade, seja que cargo ocupe, é chamado às barras da Justiça. Foi por isso que o ministro Alexandre de Moraes acatou a liminar impetrada pelo PDT para sustar a nomeação do sr. Alexandre Ramagem para a Superintendência da PF. Acabou sendo nomeado um outro Alexandre, Rolando, que era o braço direito do Ramagem na ABIN. E a posse não foi aberta ao público. Interpretação: o presidente terá todo o controle que deseja sobre a PF. Mais militares Se somarmos os militares que trabalham no Ministério da Defesa, o número que ocupa cargos no Executivo deve ultrapassar três mil. O capitão militariza a estrutura administrativa para evitar a pressão dos partidos que querem cargos no governo, a partir das siglas que formam o Centrão. Nesse sentido, cria um escudo protetor. Como os partidos reagirão? Ficarão conformados com os postos menores? Que tamanho de base parlamentar Bolsonaro pretende compor? Afinal, o tal presidencialismo de coalizão terá alguma continuidade no governo Bolsonaro? Só depois da pandemia, a verdade preencherá as perguntas. Blindagem? A pergunta, porém, que não quer calar é: ante um cataclisma, algo extraordinário, por exemplo, a possibilidade de um impeachment, a fortaleza militar daria efetivamente proteção ao presidente? À primeira vista, permanece a impressão de que uma sólida barragem tem condições de sustar eventuais rompimentos do açude. Os militares assegurariam a continuidade do governo? A resposta não é assim tão simples. Depende. Primeiro, há de se fazer a distinção entre militares da ativa e da passiva. Estes últimos são considerados civis fazendo parte da administração. A Constituição Já os generais da ativa têm proclamado estrita obediência aos preceitos constitucionais. O ministro da Defesa soltou até uma nota nessa direção. Portanto, se houver esta condição, não entrariam na guerra parlamentar. Há, ainda, o clima a ser vivido pelo país nos próximos tempos: o estado da economia, a insatisfação/satisfação social, a mobilização das ruas, o empresariado, as lideranças institucionais, o Judiciário e, claro, a disposição do Parlamento. O fato é que o Imponderável paira sobre nossas cabeças. Banalização da morte Todos dias, a contagem: mais de 100 mil contaminados, mais de 7 mil mortos, hoje, 330, ontem 450. E a assim a escalada da morte exibe seu desfile numérico no meio de nossas tardes quarentênicas. Os números tornaram-se rotina. Vez ou outra, disparam uma exclamação: Meu Deus, quanta gente morrendo. A 200 metros um hospital de campanha, todo coberto de branco. E lá pelo início da atormentada noite, a interrogação sobe à cabeça: será que a Covid-19, ali tão pertinho, não sobe até aqui carregado por esse vento outonal? Deus nos livre. E, com medo e dúvidas, o sono aparece tropeçando no turbilhão de dúvidas. Lockdown? Se a pandemia subir aos píncaros, o governador João Doria (SP) e o prefeito da capital, Bruno Covas, pensam decretar lockdown. Nesse caso, seriam proibidas saídas de automóveis, todo tipo de aglomeração, obrigando-se o uso de máscaras, só funcionando os serviços essenciais, enfim, um arrocho na quarentena. Aliás, ontem, terça, Doria baixou decreto exigindo máscaras para todas as pessoas que circulam nas ruas. Minha rua mostra-se vazia. Vazia? Que nada. Um carro ali, outro acolá, uma pessoa sem máscaras, duas, dez, contei em menos de dois minutos. Difícil reprimir a índole do homo brasiliensis, um péssimo cumpridor de normas. Farrear, sim, até nos cemitérios. O fato é que o desfile da morte mostra na primeira fila um ministro, grande médico, Nelson Teich, com cara de atoleimado. Parece navegando nas nuvens do pensamento. Sem rumo. Nem plano. O "novo normal" Já escrevi muito sobre os dias de amanhã. Os meus leitores que o digam. Não vou usar minha bola de cristal. Mas ninguém pense em fazer as mesmas coisas, à moda a antiga, da maneira como viveu até agora. Façam esta reflexão: como serei eu amanhã? Como posso e devo mudar? Farei ou faremos? Mudanças drásticas nos verbos de campanha eleitoral, considerando que o pleito, pelo visto, será adiado para 15 de novembro. Arquivem o individualismo, a primeira pessoa. Substituam o "farei isso e aquilo, prometo alhos e bugalhos, fiz isso e farei aquilo" por um discurso participativo: "faremos isso e aquilo, corrigiremos isso e aquilo, vamos governar juntos". Participação social Se há uma consequência que soma os componentes das três crises em curso, esta é o avanço da participação social no processo político. Saturada de promessas não cumpridas, indignada com a má qualidade dos serviços públicos, descrente com as figuras que, periodicamente, aparecem no cenário como "salvadores da Pátria", a sociedade decide participar com mais força do sistema de decisões. A autogestão técnica Em alguns países, este direcionamento é bem desenvolvido, ganhando a designação de "autogestão" técnica, pela qual as pessoas escolhem seus objetivos e os meios para alcançá-los, não aceitando mais a tutela dos políticos. O sentimento é de que a água transbordou no copo. Tal tendência exibe maior organicidade social. Grupos, núcleos, setores, desencantados com os obsoletos e tradicionais padrões de operar a política, querem, eles mesmos, definir suas ações. Poder centrípeto A sociedade se organiza em entidades de referência, como sindicatos, associações, federações, grupos e movimentos, novos núcleos de poder. Uma força que nasce nas margens, ensejando o que podemos chamar de "poder centrípeto", em contraposição ao "poder centrífugo", este formado pelas instituições centrais, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O eleitor raciocina: se meu representante ou o governante não conseguem atender as necessidades, vou bater na porta de minha entidade. Sob tal configuração, desenvolver-se-á a ação da política no Brasil, com alteração de comportamentos, mudança na feição dos protagonistas. Oportunidade de mudar A democracia participativa finca estacas profundas na seara social. O que vai reforçar os três instrumentos que, hoje, a ancoram: o referendo, o plebiscito e o projeto de lei de iniciativa popular. Aparece aqui um dos significados da expressão japonesa para a palavra crise: oportunidade. Extrair das crises a oportunidade para o se refazer o seu modus faciendi da política. E a saúde do capitão? Este analista tem opinião de que o capitão não teve a Covid-19. É uma carta na manga. Se a Justiça insistir na ideia de pedir seus exames, ele tirará a carta do bolso e dirá: "está aqui. Viram que não menti?". Será consagrado pela galera que o aplaude. A imprensa, que tanto faz cobranças, será execrada pelos bolsonaristas. O capitão faz um papel. P.S. Se os exames mostrarem que ele foi contaminado, perderia toda a autoridade. A desconfiança abateria seu estoque de imagem. Não enfrentaria esse risco. Glutão E o Centrão? Vai esticar a nota de cobrança por cargos? É tão glutão, a ponto de mandar a opinião pública às favas? Com a palavra, seus líderes. Minha visão é a que a sociedade tende a se manifestar ante um banquete pantagruélico. Cuidado, governantes Governantes, quando se cercam de uma corte de bajuladores, tendem a criar uma camada de insensibilidade. Deixam de perceber as críticas que começam a ofuscar sua imagem. São imbuídos do espírito do "eu sei, eu posso, eu quero assim, muito obrigado, mas sei disso melhor que vocês". Emerge desse caldo de autossuficiência um conjunto de valores negativos: arrogância, orgulho, falta de modéstia, ambição desmesurada, narcisismo, onipotência. Nesse momento, eles avocam todos os espaços de comunicação para enaltecerem uma imagem que começa a descer o precipício.
quarta-feira, 29 de abril de 2020

Porandubas nº 663

Abro a coluna com pequena história de um ditador. O ditador vai ao médico: - E a pressão, doutor? - O senhor sabe o que faz, meu marechal. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem. Quanto mais muda Plus ça change, plus c'est la même chose. Quanto mais muda, mais fica a mesma coisa. O ditado francês por aqui poderia ser esse: quanto mais muda, fica pior. É assim que se pode ler a bateria de mudanças realizadas por Bolsonaro, com a saída de dois ícones de seu governo: Luiz Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça e Segurança. No meio da pandemia, a crise política ganha fogo. O presidente dá mostras em seu dia a dia de que seguirá rigidamente a linha radical que traçou para sua administração: ele é quem manda, mesmo que, vez ou outra, diga que dá liberdade a seus ministros. Guedes Veja-se, por exemplo, a situação que quase abateu Paulo Guedes. No meio de uma entrevista sobre a pandemia, o general Braga Netto tirou do bolso do colete um mirabolante Plano Pró-Brasil, que teria sido engendrado sem a participação da equipe econômica. Coisa em torno de R$ 215 bilhões. O secretário Mansueto, do Tesouro, teria exclamado: de onde vamos tirar essa dinheirama para pagar uma montanha de obras? Deu-se ao pacotão uma alcunha: PAC 3 de Dilma. A encomenda, segundo se lê, teria sido inventada pelo hoje ministro Rogério Marinho, ex- subordinado de Guedes. Ao que se diz, os dois se afastaram. Sentindo a indisposição do ministro da Economia, Bolsonaro saiu-se com essa: quem manda na economia é Paulo Guedes. Teme reação drástica do açodado carioca. Impeachment sem condição É evidente que as acusações do ex-ministro Moro ao presidente - de querer, por exemplo, interferir nas investigações da PF - seriam motivo para levar a pauta do afastamento do presidente do cargo ao Congresso. Mas não há condições de que esse tema seja apreciado no momento. A pandemia é o foco. E não se pense que estamos nos aproximando de seu final. Seus efeitos correrão por todo o ano. Ademais, teremos uma eleição municipal no segundo semestre. Mas tudo vai depender da disposição do STF sobre o cronograma das investigações para apurar as acusações de Sergio Moro. Eleições em novembro Será muito difícil fazer eleição municipal em princípios de outubro. A data mais provável é 15 de novembro ou um uma data nos meados do mês. Mobilizar estruturas, preparar urnas eletrônicas ainda sob a fumaça da paisagem desolada, provocada pelo covid-19, animar candidatos, enfim, criar um clima eleitoral em tempos de medo e depressão são coisas que atrapalham as previsões. Quanto ao adiamento do processo eleitoral, impossível. Seria um golpe. Os eleitos de 2018 não ganharam esse esticamento por parte do eleitor. Olheiras Um pequeno detalhe: a crise abriu olheiras profundas nos membros do governo. Vejam as olheiras de Bolsonaro. A cara pálida do ministro Nelson Teich, da Saúde. Paulo Guedes, com sapato com cara de meia e de máscaras, resume a cena do momento. Polarização tende a arrefecer A clássica polarização que dividiu o país entre nós e eles, na época do PT, e hoje se faz presente com eles e nós, nesses tempos turbulentos do capitão Bolsonaro, pode, até, continuar, porém, em intensidade menor. Percebe-se cheiro de saturação. Esse clima de guerra amortece o espírito nacional. As margens estão saturadas de falsos profetas. E os habitantes do meio da pirâmide querem calçar novas sandálias. Ao PT, interessa a polarização. Ao bolsonarismo, interessa a polarização. Os extremos se tocam e se abraçam nos objetivos. Choque de renovação Um aviso: as eleições municipais darão um choque de renovação. O tradicional está saindo do cenário. Perfis novos, vacinados contra os velhos padrões, gente sem trocados no bolso para dar a cegos em porta de igreja, podem surpreender. A crise sanitária avoluma o repertório de queixumes e indignação contra perfis comprometidos com a velhíssima política. E não pensem que os candidatos com mais chances serão bolsonaristas. Economia, a bússola A recuperação da economia será a bússola do amanhã. Não será recuperada em pouco tempo. O país está ficando mais pobre. Só os muito ricos serão pouco afetados. A amargura brotará nos corações. Um sentimento de revolta calibrará os rumos. 2020 será um ano desastroso. 2021, pequena recuperação. 2022, país começará a se recompor. Não é fácil apontar futuros protagonistas. Lula estará onde? Onde estiver, sem chance. Bolsonaro estará onde? Na mesma linha, acho difícil que continue liderando um país-continente. Sua estatura é pequena. Melhores serviços Para não dizerem que só vejo desgraças, diviso no amanhã cheio de cinzas e flores mortas um painel de coisas positivas: a consciência com a eficiência do Estado será mais aguda. O Estado-provedor será mais forte, aumentando o colchão social. A iniciativa privada terá mais consciência de seu papel. Os empreendimentos coletivos, em parceria, se multiplicarão. A solidariedade se intensificará. A humanidade ganhará o centro dos corações. Não sou adivinho. Mas lido com meus pressentimentos. O relaxamento Tenho outro temor. O de que a índole expansiva do homo brasiliensis - voltada para o laissez faire, o divertimento, a descontração, a farra, o descompromisso com obrigações, a falta de zelo e de disciplina, sejam alavancas para a quebra da ordem estabelecida. O relaxamento antecipado poderá gerar uma segunda onda da pandemia. Desta feita, deixando milhares de vítimas nas margens e no interiorzão do país. Deus, nos salve. Um registro O Exército homenageou o desembargador Fábio Prieto, ex-presidente do TRF-3 com o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito Militar, a mais alta distinção da instituição. Prieto, um juiz bem preparado e culto, foi o único da classe homenageado este ano. Ele sustenta a tese de que a reforma do Judiciário criou uma elite de sindicalistas de toga para intimidar e subordinar o que chama de magistratura séria e trabalhadora. Critica ainda a realização de políticas públicas por decisões judiciais, que considera prerrogativa dos cidadãos, a serem exercidas por meio de representantes eleitos. Fábio Prieto, um grande perfil na Galeria do Judiciário. Indignação Este analista repudia a expressão irresponsável da deputada Carla Zambelli, que acusa o ministro Alexandre de Moraes de ser ligado ao PCC. Nunca se viu disparate tão estapafúrdio. Quatro chinelas Fecho a coluna com uma historinha do Ceará. O médico Francisco Ibiapina, de Jaguaribe, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. Fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaídas. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa e atenta aos conselhos do doutor. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha: - Seu dotô, fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede?
quarta-feira, 15 de abril de 2020

Porandubas nº 662

Abro com mais uma historinha do RN. O deputado potiguar desceu no aeroporto Santos Dumont, no Rio, e pegou um táxi: - Hotel Zero Quilômetro. - Zero Quilômetro? Não tem esse hotel, não. - Tem, sim. Em frente ao hotel Ambassador. -Ah, hotel OK. Senador Dantas, não é? - Não, senhor. Deputado Antônio Bilu, de Natal. O painel da crise Cientistas sociais têm se dedicado, nesta quadra de tormentos, angústia e medo, a tentar desvendar os efeitos da pandemia da covid-19 sobre a moldura das Nações. Tarefa complexa, eis que agrega fatores imponderáveis. Mas algumas variáveis podem entrar na análise com razoável dose de probabilidade, a partir da premissa geral: o mundo ingressará numa era de muitas mudanças nas áreas da economia, da política e dos costumes. Alguns parâmetros têm sido consensuais. Vejamos alguns. Fechamento x abertura: A antinomia Há uma visível antinomia a ser debatida. De um lado, a pandemia tem mostrado o despreparo dos países para enfrentar com força a paisagem de devastação. Ou tomaram consciência muito tarde do que poderia acontecer ou não dispunham de meios suficientes para atenuar os danos. Ambas as hipóteses são críveis. Essa situação sinaliza, portanto, para um horizonte carregado com as nuvens da solidariedade e da cooperação. Ou seja, é plausível a ideia de um planeta mais parceiro e solidário, o que levaria os países, de certa forma, a romper seu isolamento. Mas uma forte corrente irá na linha contrária, pregando o fechamento de fronteiras físicas e comportamentais. O nacionalismo Os países, sob o argumento de que o novo coronavírus é fruto da migração de pessoas pelo mundo, a partir de sua saída da China, tenderiam a instalar rigorosos controles de suas fronteiras terrestres e aéreas. À sombra dessa posição, floresceria o reforço das políticas de obstrução a imigrantes com forte amparo no nacionalismo. Os nativos defenderão o ideário do "o país é nosso" e cada um deve defender o que é seu. Na União Europeia, pode se avolumar a política de saída de países do bloco, na esteira do "Brexit". Os Estados Unidos, principalmente com Donald Trump, estarão liderando essa corrente de fechar espaços. Na cooperação Se for essa a prática a vingar, fica a questão: e como permanecerão as relações internacionais, particularmente nos campos das tecnologias, da medicina, do meio ambiente? Haveria maior intercâmbio nessas áreas, sim, pelo receio de que novos grandes eventos hão de exigir, desde já, maior troca de informações entre os níveis científicos. Ou seja, a interlocução nos campos da ciência não seria óbice para a aplicação de políticas rígidas de controle das fronteiras entre as Nações. Haveria um pacto de convivência. Na economia A recuperação dos vetores econômicos, por seu lado, não será tarefa exclusiva de um país. Mesmo com arrefecimento do conceito de globalização e fortalecimento do nacionalismo, a economia dependerá do desempenho global dos PIBs nacionais. Os grupos e corporações continuarão a querer resultados rentáveis de seus produtos, com bom desempenho no mercado financeiro. O FMI, a China, os Estados Unidos e a União Europeia intensificarão esforços para fazer crescer suas economias. Haverá, assim, um acórdão tácito sobre a necessidade de crescimento e resgate do poder econômico dos países, claro, sem deixar de lado a competitividade entre os respectivos mercados. Na política I A primeira leitura é a de que a sociedade mundial tentará passar a limpo sua moldura de líderes. Estariam todos, ou a ampla maioria, com seus portfólios e currículos corroídos pelo "status quo". Seriam substituídos por novos perfis, um grupamento mais centrípeto do que centrífugo - ou seja, mais das margens e núcleos organizados e menos dos velhos e centrais espaços. Observa-se acentuado revigoramento dos perfis comunitários, quadros das regiões, municípios e localidades. A política ganharia força com a distritalização do voto. Os eleitores, por sua vez, estariam propensos a prestigiar perfis mais fortes, sob o apelo da autoridade (não confundir com autoritarismo ditatorial), da respeitabilidade da competência. Na política II Os partidos de massa estarão dando adeus a um ciclo. Já os partidos nucleares - de grupos, setores, regiões, representativos de entidades e profissões - tendem a se multiplicar sob a égide de um colchão social mais próximo às demandas das sociedades organizadas. Teríamos menor polarização entre duas posições - esquerda/direita - e maior pulverização de ideários mais pragmáticos em todo o espectro partidário. A hipótese que se levanta é a da organicidade social. Teremos sociedades mais organizadas, atentas, críticas e com incisiva participação no processo político. E com forte rejeição aos populistas. Na mudança política Leva-se em conta de que as Nações haverão de engrossar o colchão social - de ajuda aos contingentes mais carentes, aqueles mais sujeitos às intempéries. A partir de uma situação de melhor assistência às margens, é razoável apostar em uma movimentação centrípeta - das margens para o centro - com poder de definição de comandos de governos e representantes congressuais. Projeta-se uma sociedade mais solidária e fortalecimento dos programas de assistência social por partes de governos e universo produtivo. A desigualdade estará no alvo das instituições nacionais e internacionais. No mundo do trabalho Parcela do setor produtivo debaterá com as bases de trabalhadores novas relações e mudanças no mundo do trabalho. A criatividade ganhará ênfase. O home office será alavancado. O empreendedorismo no campo dos pequenos negócios será impulsionado. Novas áreas serão abertas, principalmente no setor de serviços. Os sindicatos, para ganhar legitimidade, tenderão a oferecer serviços úteis às suas bases. O mundo do trabalho, como se vê hoje, absorverá muitas mudanças. O Brasil I A crise impactará a esfera política e governamental. Não há como se livrar de impactos negativos. Se o governo está pensando em alavancar sua imagem positiva com a recuperação da economia, pode esquecer. Primeiro, a economia não vai se recuperar no curto prazo. Segundo, o universo do desemprego tende a aumentar. Terceiro, mesmo com resgate estreito da economia, isso não vai se transformar em votos. Os 30% do presidente Bolsonaro só vingam se o PT continuar a ser adversário competitivo. Não é o caso. O petismo está fechando uma era. Não dá para acreditar que volte tão cedo ao poder. O Brasil II A direita conservadora tende a manter viva sua chama, mas se não contar com efetiva adesão das classes médias, entrará em erosão. A esquerda radical também perderá volume. Os núcleos centrais, a partir do poderoso contingente de profissionais liberais, crescerão na paisagem. Os atuais governadores poderão ganhar força, caso administrem muito bem a crise. E saibam lidar com o fenômeno da rejeição. Novos quadros estão sendo buscados. Ainda não apareceram no cenário. São Paulo, papel decisivo Com o maior contingente eleitoral - 45 milhões de eleitores - e que agrega os maiores núcleos organizados da sociedade, São Paulo terá papel decisivo no futuro da política. Tudo vai depender de como o Estado lidará com a crise até o final. As eleições deste ano Deverão ser adiadas. Haverá pouco espaço para sua organização. Devem ocorrer em novembro. E a componente crise estará no centro do processo decisório. Lembrando: as categorias que exercem serviços médios serão muito prestigiadas. Fecho a coluna com pequena lição de Carlos Matus, cientista social chileno. A viabilidade política A viabilidade de um ator na política tem muito a ver com princípios estratégicos: a) Avaliar a situação; b) adequar a relação recurso/objetivo; c) concentrar-se no foco; d) planejar rodeios táticos e explorar a fraqueza de adversários; e) economizar recursos; f) escolher a trajetória de menor expectativa; g) multiplicar os efeitos das decisões; h) relacionar estratégias; i) escolher diversas possibilidades; j) evitar o pior; k) não enfrentar o adversário quando ele estiver esperando; l) não repetir, de imediato, uma operação fracassada; m) não confundir "reduzir a incerteza" com "preferir a certeza"; n) não se distrair com detalhes insignificantes; o) minimizar a capacidade de retaliação do adversário.
quarta-feira, 8 de abril de 2020

Porandubas nº 661

Historinha do RN Governador do RN, Dinarte Mariz foi a Macau para a festa de inauguração da cadeia pública. O prefeito Venâncio Zacarias, ex-sindicalista salineiro, tascou o verbo no discurso de recepção: - Governador, a cadeia está inaugurada e o senhor pode se sentir em sua Casa. Risos gerais. O sangue de Churchill "Espero que meus amigos e colegas, ou colegas de outrora, que tenham sido afetados pela reconstrução política, sejam tolerantes e me desculpem por qualquer falta de cerimônia na maneira por que fui compelido a agir. Eu diria a esta Casa, como disse àqueles que passaram a formar este governo: - Eu nada mais tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas". (Winston Churchill) Quarentena meia boca O Brasil poderia alcançar resultados mais expressivos no combate ao covid-19, achatando de maneira mais rápida a curva do crescimento da epidemia. PODERIA. Mas não vai alcançar essa meta por algumas razões: 1. Nosso ethos tende a não seguir rigidamente as normas; somos um povo muito voltado para as transgressões; 2. A sociedade, mesmo apoiando com força o isolamento social, não age como impõem as regras. Em alguns espaços, até parece que o povo está gozando férias, indo às praias, fazendo festinhas; 3. O presidente da República, ele mesmo, funciona como aríete do escudo de defesa. Defende o fim do isolamento, com exceção da população idosa. E muita gente leva em conta a garantia de Bolsonaro de que só a volta ao trabalho evitará a ruína do país. Crise política Há uma crise política que acaba corroendo o esforço sanitário. Essas duas ondas - a favor e contra o ministro Luiz Mandetta - se chocam, geram atritos e certamente criam um impacto negativo nos quadros de vanguarda que estão à frente da batalha. Mandetta conta com maciço apoio social, mas ao ser comandado por um governante que não aprova sua conduta, sente-se inseguro. Bolsonaro pôs o ministro na panela e o caldo, já quente, pode entornar. Felizmente, o ministro tem o apoio de colegas importantes do Ministério, com exceção da "corte de bajulação", formada por figuras de comportamento polêmico. E esse Weintraub, hein? Esse ministro da Deseducação, Abraham Weintraub, deveria ser submetido a um teste psicológico. Como é que um sujeito como ele faz gozação com os chineses, ironizando sua maneira de falar português? Ora, e logo no momento em que o Brasil carece importar produtos chineses para a batalha contra o coronavírus? Não bastasse a gafe - a deselegância do deputado Eduardo Bolsonaro - , cometida há dias contra a China, agora esse ministro que aprecia deseducar aparece com mais uma brincadeira de mau gosto contra o nosso maior parceiro comercial. E o que diz seu chefe, o presidente? Nada. O que significa que apreciou a brincadeira. Até quando o Brasil vai suportar tanta insanidade? O pico da crise Projeta-se para o final deste mês de abril o pico da pandemia. São Paulo teria, segundo cálculos de especialistas, cerca de 1.300 mortos. O que se observa é que os atuais números se referem aos habitantes do meio da pirâmide, o habitat das classes médias. E quando as margens entrarem fortes no circuito? Será uma avalanche? Haverá leitos para abrigar as ondas das margens? A curva já estaria achatada de forma a disponibilizar leitos em UTIs? E a tal da segunda onda? Já estamos convivendo com ela? A nova ordem O termo começa a se espalhar: o mundo implantará uma Nova Ordem que mudará o vértice de costumes e modos, relações entre nações, universo do trabalho, parcerias estratégicas, pesquisas nas áreas das ciências, tecnologia e biotecnologia, turismo, imigração, redefinição de papéis sociais das organizações, redefinição de políticas sociais, o mundo do teletrabalho, o nacionalismo, as redefinições partidárias, o presidencialismo e o parlamentarismo, a proteção de fronteiras, as forças de segurança, os novos alcances dos organismos internacionais, ocidentalismo x países asiáticos, os conflitos comerciais entre as grandes potências, entre outros temas. A Nova Ordem nasce no horizonte de um Novo Tempo. Sequência de crises Fareed Zakaria é uma boa referência de colunista em The Washington Post. Ele prevê uma constelação de crises. Esta é a crise sanitária. Devastadora. A próxima é a econômica. Ligeiro pano de fundo: os EUA já perderam 10 milhões de empregos, superando os 8,8 milhões de 2008/2010, ciclo da recessão. Depois, teremos a crise do endividamento. Muitos países, a partir dos europeus, entrarão em colapso fiscal. A Alemanha sofrerá uma contração de 5%. Na sequência, a crise dos países em desenvolvimento. Serão atingidos com violência e empurrados para a Grande Depressão. Inclusive, o Brasil. Ao pano de fundo, os países do petróleo. O barril, hoje em torno de US$ 65, pode vir abaixo de US$ 15. Um desastre, eis que as empresas produtoras só conseguem lucrar com o barril acima de US$ 65. Endividamento O endividamento público e privado subirá às alturas. Com o PIB global de US$ 90 trilhões, o endividamento chegará a US$ 260 trilhões. EUA e China apresentarão dívidas a taxas do PIB de 210% e 310% respectivamente. Mais um pano de fundo: a cooperação global entrou em colapso. China e EUA vivem estado de tensão. A União Europeia às voltas com quedas graves no mercado acionário. Melhoria no horizonte cinzento? Sim. Quando as Nações tomarem consciência da necessidade de maior cooperação com a descoberta e tratamentos eficazes e vacinas. E, claro, a partir da reabertura das economias. Perfis em crescimento Ronaldo Caiado, em Goiás; João Doria, em SP; Wilson Witzel, no RJ; governadores do Nordeste; quadros médicos que estão no campo de batalha contra o coronavírus; empresas e empresários que fizeram e fazem doações; laboratórios e instituições que pesquisam vacinas contra a pandemia; Rodrigo Maia, presidente da Câmara e Davi Alcolumbre, presidente do Senado; imprensa, com destaque para alguns colunistas; o bom humor de alguns blogs. Perfis em baixa Alas radicais da política, que se digladiam nas redes sociais; teia de robôs a serviço do ódio; certos ministros que não acertam o passo aos novos tempos; gente treinada para produzir fake news e versões estapafúrdias. Invasões Pode haver algum tumulto, mais adiante, face à ameaça de desabastecimento no setor de alimentos. Mas esse cenário é pouco provável se a produção retomar seu fluxo. Urge lembrar que a indústria continua a funcionar. Poderia haver barulho grande se categoria como a dos caminhoneiros fechar as estradas. Legislativo e Judiciário Esses dois Poderes têm se adaptado à dinâmica da crise. A ação via internet joga os poderes no centro do mundo digital. Parlamentares e ministros deveriam aproveitar para refletir sobre seu trabalho nos dias de amanhã. Renúncia do prefeito O povo de Varginha/MG está atento. O prefeito Antônio Silva (PTB) assinou decreto permitindo a retomada do funcionamento do comércio durante a atual pandemia do coronavírus. O povo reagiu. Foi intensa a repercussão negativa. O prefeito ficou no canto do ringue. E renunciou ao cargo. O povo brasileiro expande o vigor crítico. Lição para o presidente Jair. Títono "Formosa fábula, a que se conta de Títono. Estando por ele apaixonada, a Aurora, desejosa de lhe gozar a companhia, implorou a Júpiter que seu amado jamais morresse. Mas, em seu açodamento, esqueceu-se de acrescentar à súplica que ele também não padecesse as agruras da idade. De modo que Títono se viu livre da condição mortal. Sobreveio-lhe, porém, uma velhice estranha e miserável, como a que toca aqueles a quem a morte foi negada e que carregam um fardo de anos cada vez mais pesado. Então Júpiter, condoído, transformou-o finalmente em cigarra". (Francis Bacon, A Sabedoria dos Antigos)
quarta-feira, 1 de abril de 2020

Porandubas nº 660

Abro a coluna com algumas questões que estarão no ar nos próximos tempos: 1. Quais são as grandes lições trazidas pela pandemia do covid-19? 2. Como serão as relações internacionais nos tempos do amanhã? 3. A globalização tende a ceder espaços ao nacionalismo e fechamento de fronteiras? 4. Como serão tratados os refugiados? 5. Que ferramentas da democracia serão aperfeiçoadas? 6. A família, como célula mater, ganhará destaque na nova paisagem? 7. Quanto tempo o mundo terá para recuperar perdas nos PIBs das Nações? 8. O mundo do trabalho será bem diferente do que temos hoje? 9. A China tomará o lugar dos EUA como primeira potência econômica? 10. E quais as áreas das ciências e da tecnologia ganharão grandes avanços? Diego e o mar "Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava frente a seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! (Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços) Crise dentro da crise Alastra-se uma crise dentro da crise da pandemia. E o presidente da República é o fator gerador. Ele defende o isolamento vertical - apenas dos idosos - e volta às atividades das pessoas abaixo de 60 anos. Seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, seguindo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), defende o isolamento social, afastamento de todos das ruas, forma que tem sido adotada pelas Nações mais poderosas do mundo. Como um ministro tem visão diferente? Por usar critérios científicos e racionais. Como um presidente vai na onda contrária? Por temer, diz ele, uma convulsão social, com saques a supermercados e lojas, se houver desabastecimento do mercado. Moro e Guedes E o que pensam os dois ministros mais afamados (antes do Mandetta), Sergio Moro, da Justiça e Segurança, e Paulo Guedes, da Economia? Mostram-se favoráveis ao isolamento social, na linha divergente da defendida por Bolsonaro. Já o entorno militar, conforme se pode depreender da nota feita pelo assessor do GSI, general Vilas Bôas, ex-comandante do Exército, apoia a abordagem de Bolsonaro. O empresariado está dividido. As redes sociais, idem, mas o teor crítico ao presidente tem se mostrado mais forte. As bases bolsonaristas se agitam para responder à onda negativa. Uma questão levantada: se até o ídolo Donald Trump teve que recuar e estender o isolamento social até 30 de abril, porque seu pupilo, Jair, não faz o mesmo? Birra. Encurralado O fato é que o presidente parece um animal acuado. E como é previsível numa fera cercada por outros animais, tende a atacar. Agirá com a síndrome do touro: pensa com o coração e ataca com a cabeça. Quem levará a melhor? Ele tem a arma capaz de matar: a caneta. Pode simplesmente dizer: "quem manda sou eu. Vocês estão fora". Fácil, não? Difícil. Muito difícil. Tirar um ou dois ministros nesse momento seria jogar um tonel de pólvora na fogueira. Mesmo sem clima para impeachment, o tema agitaria a esfera congressual. O país, já tenso, veria o fogo aumentar. E não espere Bolsonaro que as massas acorrerão para salvá-lo. Movimentos pequenos, certamente. Para onde vamos? Eis o X do problema. Uma linha com o mínimo consenso tem de ser encontrada. Bolsonaro pode simplesmente lavar as mãos se continuar com as perdas que seu governo registra no Judiciário, onde o STF tende a dar ganho de causa a governadores e prefeitos, entendendo que cabe a essas esferas o poder de decidir sobre isolamento, a partir da área técnica federal, concentrada no Ministério da Saúde. Temos duas, no máximo, três semanas para vermos o desfecho dessa pendenga. O pano de fundo para a vitória dessas linhas de ação será o próprio cenário nacional e internacional da pandemia. Bolsonaro, a essa altura, surge na paisagem das Nações como o governante mais destrambelhado da atualidade. Não será fácil redecorar sua imagem. E a economia? Há uma parcela ponderável de pensadores - empresários, economistas, comerciantes - que sinalizam a necessidade de se cuidar da economia. Não deixar que o remédio se transforme em veneno. Daí a urgência em amparar os setores mais frágeis, os trabalhadores informais, o pequeno comércio, os prestadores de serviços. Sem produtos essenciais no mercado, os consumidores poderão criar uma rebelião. Uma catástrofe dentro da catástrofe. Daí a necessidade de adotar o bom senso. As duas vertentes - saúde do povo e saúde da economia - podem ser trabalhadas simultaneamente. Não são excludentes. O importante é que o STF e o Congresso já deram sinal verde para se gastar o que for necessário, saindo da Lei da Responsabilidade Fiscal. São Paulo O governador João Doria, de São Paulo, está praticamente voltado para administrar a pandemia no Estado. Todos os dias, em regime de mutirão permanente, faz reuniões, libera recursos, inspeciona hospitais de campanha que estão sendo instalados sob a ordem de urgência, dá entrevistas coletivas, em total transparência. Tem sido bastante elogiado por sua agilidade e conjunto de medidas adotadas. Trabalha em consonância com o prefeito Bruno Covas, que já transferiu sua cama para o próprio gabinete na prefeitura. O que provoca por parte dos adversários ataques com a sordidez das emboscadas. Cenas ocorridas há muitos, do tempo em que Doria dirigia a Embratur, mentiras e versões maldosas. A fábrica de destruição de reputações, alimentada por figuras plantadas no centro do poder, trabalha as 24 horas do dia. Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel também lidera o exército de combate à epidemia. Inclusive, mostra-se disposto a estender a quarentena. Vê-se ali uma clara divergência entre o prefeito Marcelo Crivella e o governador. O prefeito alia-se ao presidente Bolsonaro e a seus filhos. Minas Gerais Uma dúvida é sobre o que pensa o governador de MG, Romeu Zema. Foi o único do Sudeste que não assinou um documento encaminhado ao governo Federal. Nos últimos dias, deu sinais de recuo e tende a concordar com o isolamento social. Nordeste Já os governadores do Nordeste estão unidos nas estratégias e ações. Fecharam posição a favor do isolamento social e pleiteiam recursos do governo Federal. A poderosa bancada nordestina oferece respaldo ao conjunto de governadores. Bruno, sensível aos empregos O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decidiu manter os serviços de limpeza na cidade, por entender que eles propiciam enorme contribuição ao combate à disseminação da pandemia do novo coronavírus, além de manter a empregabilidade e a renda de milhares de pessoas das classes sociais menos favorecidas. Por isso, o SEAC (Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo), ao lembrar que o setor é o maior fomentador de emprego e renda do país, encaminhou um documento com os agradecimentos à sensibilidade do chefe da municipalidade. Fantasma do desemprego Diz o texto, assinado por Rui Monteiro e Carlos Guimarães, respectivamente presidente e vice-presidente do sindicato: "a atividade tem enfrentado dificuldades severas para a manutenção do emprego e renda de seus colaboradores em decorrência da decretação de confinamento da população, que vive um isolamento social jamais presenciado. Reconhece que esse isolamento é indispensável para o combate à pandemia e causa danos severos à população paulista, não apenas pela contaminação e suas consequências à saúde, mas também pelo fantasma do desemprego e ausência de renda para o sustento das famílias". Ressalta que o prefeito determinou a manutenção regular dos pagamentos dos contratos, como medida a contribuir para a manutenção do maior volume de empregos, evitando demissões em larga escala.
quarta-feira, 18 de março de 2020

Porandubas nº 659

Abro a coluna com Confúcio. Governantes Quando Confúcio visitou a montanha sagrada de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. Perguntou: - Por que não se muda daqui para um lugar onde haja mais governo? - Porque os governantes são mais ferozes que os tigres. Estado de pânico O Brasil começa a adentrar o território do pânico. Pode até haver certa dose de exagero nas medidas tomadas por governantes. Pode até estar superdimensionada a extensão da crise deflagrada por esse Convid-19. Mas o fato é que o mundo todo se desdobra na análise e decisão sobre o que fazer para atenuar os efeitos da pandemia. A China está provando que medidas drásticas dão certo. Confinou toda a região de Wuhan, o epicentro do novo coronavírus. O pico passou. A situação por lá mostra declínio. O dano psicológico? Qual o efeito da epidemia sobre a psique dos humanos? O que o medo provoca? Que estados d'alma se desenvolvem a partir do pânico? Eis uma hercúlea tarefa para analistas - psicólogos, psiquiatras, cientistas sociais/sociólogos/antropólogos. Quebra-se algum elo na corrente da confiança, da autoestima, da imagem dos governantes? Recriam-se novas formas de poder? Trilhões na economia A Itália torna-se centro da pandemia no mundo. Cerca de 400 mortes por dia. Cidades fechadas. Ruas desertas. Índices alarmantes. Os EUA baixam juros. O FED despeja 700 bilhões de dólares, pequena parte dos trilhões de dólares que somam as perdas em bolsas e em negócios prejudicados. Exportações e importações paralisadas. Trabalhadores faltam ao trabalho. Mas passam a realizar tarefas administrativas em suas casas. Epílogo "Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto". (Jorge Luis Borges) O mundo é outro O mundo hoje é bem diferente do planeta que tínhamos até um mês atrás. Costumes tradicionais são mudados. Eventos sociais, praças, parques, cinemas, teatros, escolas públicas e privadas integram a cadeia de fechamento. Perdas no organograma escolar. Até crianças morrendo. Isso mesmo, crianças. Futuro de milhões passa a ser reprojetado. Viagens marcadas são suspensas. Cruzeiros marítimos procuram portos para atracar. Mais parecem prisões em alto mar. Governantes e seus quadros são contaminados. A escala de contaminação aritmética vira escala geométrica, mais densa. A gigantesca tribo global vai se tornando um arquipélago de centenas de ilhas. Uma nova ordem mundial O fato é que se desenha um novo mapa-múndi, cujos traços certamente serão registrados pela história. Mesmo que, com o tempo, se desenvolva forte esquecimento dos efeitos da pandemia, marcas profundas serão deixadas em cada território. Entre esses traços, podem ser apontadas mudanças no eixo geopolítico, com redefinição de relações entre países, particularmente no campo da migração, exportação/importação, bens culturais, sob a égide de maiores controles. Advirá um surto nacionalista, que já embasa a política em algumas Nações, como os EUA e o Reino Unido. Os sistemas de saúde, com ênfase na política de prevenção, deverão receber reforço. A competitividade animará a indústria farmacêutica. Idas e vindas de pessoas e grupos entre países receberão maior atenção. Os aparatos do terrorismo poderão se utilizar dos ciclos endêmicos para desenvolver ações terroristas. A globalização e o que representa passarão por intenso debate. Uma barreira - ideológico/cultural/ideias/pensamento- provocará danos sobre o concerto das Nações. Trump nas cordas Depois de ter subdimensionado o efeito da pandemia, o mais poderoso líder do mundo ocidental se corrige ante as evidências e convoca o mundo político dos EUA para se dar as mãos nas estratégias de combate ao Covid-19. De imediato, saca do Tesouro 50 bilhões de dólares para as primeiras providências. Ao fundo, sua reeleição no pleito de novembro. A depender de como enfrentará a questão, poderá voltar à Casa Branca ou aos seus resorts. Para piorar, membros de sua equipe e de políticos republicanos são contaminados por... quem? Ora. Pela comitiva do seu amigo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. (Deve estar furioso... que amigo da onça...). P.S. Ou a comitiva foi infectada por americanos? Bolsonaro e seus cavalos de Tróia A equipe de Jair Bolsonaro, que já teria dito "I love you, Trump", teria levado a pandemia para a Casa Branca? A confraternização foi plena naquele belo resort do bilionário presidente dos EUA. Um "presente de grego" de Bolsonaro para Trump? Lembremos a Ilíada de Homero. O cavalo de Tróia, feito de madeira e oco por dentro, ideia do soldado grego Odisseu, levava centenas de soldados em seu interior. Os troianos aceitaram o presente e o levaram para dentro das muralhas de Tróia. Enquanto os troianos se refestelavam de bebida comemorando a rendição do inimigo, os gregos saíram do cavalo e atacaram a cidade. Tróia foi totalmente destruída. Bolsonaro e seus "gregos" teriam deixado membros da equipe do amigo Trump carimbados com a pandemia que assombra o mundo? Quem diria, hein? Mas o pior aconteceu Quem com ferro fere, com ferro será ferido. O ditado baixou como praga pelo Planalto de Brasília. Pois não é que o Covid-19 também entrou no corpo de parte das equipes que acompanharam Bolsonaro aos EUA? O secretário da comunicação, Fábio Wajngarten, foi o primeiro. Até um senador, Nelsinho Trad (PSD-MS) também foi contaminado. E o que diz o presidente? Exageros da mídia, fantasia, histeria. Pressionado, chegou a aconselhar a desmobilização de um movimento em seu favor, domingo, 15. Conselhos às favas E o que aconteceu? O presidente manda às favas os conselhos que recebeu para se precaver e vai às ruas de Brasília confraternizar e cumprimentar o povo. Afinal, ele passará por nova bateria de testes. "Eu sou do povo", justifica. E se for contaminado, ele será o responsável. Claro, cada qual seu bornal. E mandou bala nos presidentes da Câmara e do Senado. "Agora, prezado Davi Alcolumbre, prezado Rodrigo Maia, querem sair às ruas? Saiam às ruas e vejam como vocês são recebidos". Bolsonaro está na contramão do bom senso. Até quando poderá defender essa postura de enfrentamento? A querela política O que há, no fundo, é uma querela política. O presidente quer que as casas parlamentares, Câmara e Senado, aprovem in totum os projetos e medidas que o Executivo encaminha. E joga na cesta do lixo o chamado "presidencialismo de coalizão". O Parlamento, de troco, derruba seus vetos. O general Augusto Heleno chegou a chamar os parlamentares de "chantagistas". E assim as tensões sobem ao pico. Onde isso vai dar? Há quem comece a falar em impeachment. Por ora, hipótese completamente afastada. Mas o distanciamento entre o presidente e o conjunto parlamentar tende a se agravar. Paulo Guedes já não é tão aclamado. Parece cansado. Coronavírus, a balança Nesse ponto, volta ao tabuleiro do jogo a pandemia do coronavírus. Se for bem administrada, sob o comando do competente ministro da Saúde, ex-deputado Luiz Henrique Mandetta, o Executivo recuperará seus vetores de força. Dizem, porém, que Bolsonaro está incomodado com a boa imagem do ministro da Saúde. Se o governo for bem sucedido no combate à pandemia, tenderá a consolidar sua força, empurrando as massas para fazer pressão sobre Congresso. A recíproca é verdadeira. Se a pandemia der sinais de descontrole e subir de maneira avassaladora o número de mortos e suspeitos de contaminação, será um deus nos acuda. O buraco negro a se formar pode engolir gregos e troianos, com um formidável choque eleitoral nas eleições municipais de outubro. Nunca uma eleição agrega tantos componentes. Teoria conspiratória De Tales Faria, colunista do UOL: "Oficialmente não deve sair nenhuma manifestação nesse sentido. Mas nas suas conversas reservadas com assessores e até com políticos mais próximos, o presidente Jair Bolsonaro associa a pandemia do novo coronavírus a um plano de recuperação econômica do governo chinês. A teoria conspiratória corre solta entre os bolsonaristas e é compartilhada pelo presidente e seus filhos. Basicamente diz o seguinte: toda vez que a China tem problemas econômicos aparece uma grande doença que se espalha pelo mundo causando crise nos mercados globais e diminuição no valor dos produtos importados pelos chineses". SP: 460 mil casos Mesmo com as medidas que estão sendo tomadas em São Paulo, o infectologista David Uip, que coordena o Grupo de Trabalho criado para administrar a pandemia do Covid-19, faz uma projeção de 460 mil casos no Estado. Esse número equivale a 1% da população. O prefeito Bruno Covas decretou estado de emergência na capital com a finalidade de diminuir a circulação de pessoas. O jumento e o sal "Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade". (Esopo) Fecho a coluna com Napoleão. A derrota A derrota de Napoleão costuma ser atribuída ao inverno russo. Aliás, esse sempre foi o argumento usado pelo próprio. Mas o exército napoleônico estava arrasado bem antes de o inverno chegar. Napoleão deixou Moscou com cerca de cem mil homens. Em 12 de novembro de 1812, primeiro dia em que a temperatura caiu abaixo de zero, haviam sobrado apenas quarenta e um mil. Não foi apenas o frio do inverno que matou os soldados. Foram as doenças. O clima enfraqueceu os homens de Napoleão, mas a temperatura não estava fria o suficiente para matá-los. O exército de George Washington, décadas antes, sobreviveu a clima muito pior. A descoberta mais interessante dos historiadores é que o exército napoleônico provavelmente sofreu tanto com o calor como com o frio. O verão russo de 1812 foi tão quente que dezenas de milhares de seus soldados morreram de insolação e desidratação.
quarta-feira, 11 de março de 2020

Porandubas nº 658

Antes das notas sobre a gravidade do nosso momento, um pouco de humor. Ô jardineira... Na cidadezinha do norte do Rio de Janeiro, a procissão de Senhor Morto caminhava lenta e piedosa, na sexta-feira da Paixão, com o povo cantando, de maneira compungida, os hinos sacros. O velho padre na frente, o sacristão ao lado e os fiéis atrás, cantando as músicas que o vigário puxava. De repente um pequeno ônibus, que na região chamam de "jardineira", passou perto e começou a subir a íngreme ladeira da igreja, bem em frente da procissão. No meio da ladeira, a "jardineira" afogou, encrencou, parou, deu aceleradas fortes e inúteis e começou a dar marcha-ré. Os fiéis não viram, mas o padre, atento, ficou apavorado. A "jardineira" já despencava numa grande velocidade. O padre gritou: - Olha a jardineira! E os fiéis começaram a cantar, em ritmo de samba: - Ô jardineira, por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu. A "jardineira" descambou ladeira abaixo, até que parou. Não atropelou ninguém. Sob o olhar do Senhor Morto! Mas os fiéis não aguentavam de tanto rir. Chegando ao pico da gravidade A situação é mais grave do que os fatos aparentes indicam. Os fatos: uma denúncia feita pelo presidente Jair Bolsonaro em sua viagem última aos Estados Unidos. Disse de maneira clara, sem meios termos, que foi eleito no primeiro turno das eleições de outubro de 2018. Portanto, o pleito foi fraudado. Antes de sair do Brasil, em Boa Vista, Roraima, convocou o povo a ir às ruas em 15 de março. Intenção: mobilizar suas bases. E mais: a pandemia do coronavírus é mais uma fantasia. A crise das bolsas? Ah, para ele é coisa normal. P.S. Vejam a normalidade: entre 23 de janeiro e o pregão de segunda-feira, as companhias listadas no Ibovespa perderam R$ 1 trilhão em valor de mercado. Militares incentivando Os círculos militares, ao que se parece, incentivam o acirramento. Ontem, terça, o presidente do Clube Militar, general da reserva Eduardo José Barbosa criticou o que designou de "parlamentarismo branco", afirmando que o Congresso está tentando desempenhar uma função atribuída ao Executivo. Na segunda-feira, a associação divulgara um comunicado de "solidariedade" aos atos convocados para o dia 15 de março em apoio ao governo do presidente. General Heleno O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, aparecia na abertura do governo como o conselheiro-mor, a voz do bom senso, a balança da moderação. Depois da desastrada fala em que disse que os parlamentares "chantageiam", o general passou a ser visto de maneira atravessada pela esfera congressual. Os fatos estão a mostrar que interessa ao Executivo, a partir de seu núcleo duro, o acirramento da polarização, o que abre algumas linhas de pensamento. A economia na ladeira O primeiro argumento que se põe sobre a régua da análise é o fator econômico. Se a economia continuar a não dar os resultados tão esperados, e a falta de dinheiro no bolso apertar os estômagos, seria do interesse do Executivo pôr a culpa no Congresso. As bases bolsonaristas tomariam as ruas e a campanha de 2022, com o prelúdio de outubro deste ano, seria antecipada. Especula-se, até, com a saída de Paulo Guedes, que resultaria em caos político. O coronavírus Ao dizer que o coronavírus é mais fantasia, Bolsonaro aposta na administração da pandemia, com efeitos positivos no curto prazo. Uma aposta e tanto. E se recrudescer em nível internacional, poderá fazer a comparação com o Brasil. Se recrudescer por aqui, apontará novamente culpados na área política. Pelo visto e revisto, o capitão segue rigidamente a cartilha militar, com olhos no endurecimento, combate às esquerdas, eliminação das oposições. O quadro é tétrico. Quando se imagina que o mandatário-mor da Nação vai expressar uma palavra de paz, harmonia, equilíbrio, lá vem ele com mensagem de guerra. TSE refuta, mas e daí? O Tribunal Superior Eleitoral rebate a declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que a eleição de 2018 foi fraudada e reafirma que o sistema de urnas eletrônicas é confiável e auditável. "Ante a recente notícia, replicada em diversas mídias e plataformas digitais, quanto a suspeitas sobre a lisura das eleições 2018, em particular o resultado da votação no 1º turno, o Tribunal Superior Eleitoral reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização", afirma o TSE, presidido pela ministra Rosa Weber. O texto tem também a autoria do ministro Luís Roberto Barroso, que assume o posto em maio. Os dois defenderam pessoalmente a segurança do sistema eleitoral brasileiro. Mas isso adianta alguma coisa? Onde estão as provas? E o que dizem as entidades de renome da sociedade civil? Para onde vamos? A repetição de expressões que provocam polêmica e geram tensões não vai parar. A índole presidencial não é de paz. E o capitão parece disposto a prosseguir nessa rota de tensões e rompimento de barreiras diplomáticas entre os três Poderes. Se o Congresso não avançar no capítulo das reformas, ficará com a pecha de ser contra o Brasil. Bolsonaro entraria de vez na vestimenta do embate, iria às ruas comandando suas tropas e algum impasse institucional ficaria à vista no horizonte. Onde está o bom senso das tropas? O parlamento Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, pisam em ovos. Qualquer votação que possa ser considerada derrota do governo será fatalmente usada como argumento de que o Congresso atrapalha, dando vazão a essa última acusação feita pelo presidente do Clube Militar. Paulo Guedes perdeu força junto aos parlamentares. O general Luiz Eduardo Ramos, da articulação política, ainda não tomou rumo. O general Walter Braga Netto, que assumiu a função de coordenação dos ministérios, toma pé no terreno espinhoso. O trunfo é paus A frase mete medo, mas é necessária. Thomas Hobbes dizia: "Quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus". Maquiavel "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". Conselho do velho Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las." Efeitos no meio da pirâmide Que efeitos a estratégia de Bolsonaro e seu entorno terá junto a alguns estratos sociais? Vejamos. Quem acompanha de maneira mais atenta os fluxos e refluxos da política são os grupamentos que integram o meio da pirâmide. Aí estão as classes médias. O núcleo mais expressivo é formado pela intelligentzia, professores, acadêmicos, comunicadores, profissionais liberais, estes repartidos em uma miríade de constelações. As mais progressistas circulam no campo da produção e disseminação de ideias. Núcleos mais contrários ao governo de direita conservadora, que tendem a expandir sua indignação. Setores conservadores Mas há um forte nicho conservador no meio da pirâmide, particularmente representado por proprietários rurais, pequenos e médios comerciantes, empresários do setor urbano, redutos tradicionais que anseiam por ordem e disciplina, entre outros. É evidente que exercem influência em seu entorno. Tendem a reforçar o discurso autoritário do capitão. E, claro, há os ativistas e militantes que voltaram a circular no roçado da política. As pesquisas mostram que cerca de 30% do eleitorado estão na órbita do bolsonarismo. Mas contingentes que nele votaram se afastaram. O mandatário perdeu parcela de seu núcleo. As margens As margens periféricas são pragmáticas. Se o bolso puder arcar - e bem -com as despesas, Bolsonaro será prestigiado, com amplas possibilidades de vir a ser contemplado com o voto mais adiante. A recíproca é verdadeira. Fatores de influência: desemprego, economia na ladeira, fila do Bolsa Família, fila do INSS, renovação do Fundeb, endemias e pandemias. O governo e os políticos tendem a ser o alvo das coisas ruins que ocorrem no terreno das massas. Coisas ruins? Fantasia Em suma, o presidente Jair Bolsonaro acha que tudo vai às mil maravilhas; que seu governo é o melhor de todos os tempos (Lula também dizia a mesma coisa de seu governo); que o Congresso e o Judiciário atrapalham; que a imprensa é mentirosa; que os jornalistas são uns pândegos; enfim, que as coisas ruins não passam de ficção. Guerra do petróleo? Besteira. Coronavírus? Fantasia. Baque das bolsas? Exagero. E tome fala desembestada. Fecho com uma pequena lição. Esmagando o passarinho Inflamado, o candidato eleva a fala no palanque. Argumentava que o povo livre sabe escolher seus governantes. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso. No momento certo, tirou o pássaro e com ele, na mão direita, tascou: "a liberdade do homem é o sonho, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência. Deus (citar Deus é sempre bom) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal da liberdade. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir a soltura desse passarinho, que vai ganhar os céus". Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. A frustração por ter matado o bichinho foi um anticlímax. Vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. Assim é o fim de candidatos que não controlam a emoção.
quarta-feira, 4 de março de 2020

Porandubas nº 657

Abro a coluna com o RN, nosso querido Estado. "Aposentem o homem " Dinarte Mariz governava o Rio Grande do Norte. Em uma de suas visitas à Caicó, visitou a feira da cidade, acompanhado da sempre presente Dona Nani, secretária de absoluta confiança. Dá de cara com um amigo de infância e logo pergunta: - "Como vai, Zé Pequeno?" O amigo, tristonho e cerimonioso, responde: - "Governador, o negócio não tá fácil; são oito filhos mais a mulher... tá difícil alimentar essa tropa vivendo de biscate. Mas vou levando até Deus permitir". Dinarte o interrompe de pronto: - "Zé, que é isso, homem, deixe essa história de governador de lado. Sou seu amigo de infância, sou o Didi"! Vira-se para Dona Nani e ordena: - "Anote o nome do Zé Pequeno e o nomeie para o cargo de professor do Estado". Na segunda-feira, logo no início do expediente, Dona Nani entra na sala de Dinarte e informa: - "Governador, temos um problema, o Zé Pequeno, seu amigo, é analfabeto; como podemos nomear...". Antes que concluísse a fala, o governador atalha: - "Virge Maria, Dona Nani! O Rio Grande do Norte não pode ter um professor analfabeto. Aposente o homem imediatamente". E assim foi feito! (Historinha enviada por Lindolfo Sales). A trama Nunca se viu uma campanha tão infame contra o Congresso Nacional e, em escala um pouco menor contra o STF, como esta que aparece nas mídias sociais, onde se identifica o dedo claro do bolsonarismo radical. Nessa segunda, um vídeo com um trecho do filme Os Vingadores faz a dublagem com os atores ouvindo de um comparsa a trama, com os "10 mandamentos da maldade", onde o mocinho é o presidente Jair Bolsonaro e o vilão é Rodrigo Maia, apresentado como o golpista que pretende instalar o parlamentarismo no país, e ele mesmo, presidente da Câmara, assumindo o cargo de primeiro-ministro. A propósito de RM Aliás, um dos alvos dos petardos palacianos e das hordas radicais, Rodrigo Maia, tem sido o principal artífice do avanço das pautas reformistas no Parlamento. Por isso mesmo, tem recebido tanta pancada do bolsonarismo, que não quer vê-lo como o grande articulador na Câmara dos Deputados, onde exerce liderança junto a todos os grupamentos da Casa. Tornou-se fiador dos avanços desde os tempos do governo Michel Temer. Ganhou respeito dos pares, o que provoca ciúmes e indignação dos extremados da claque bolsonarista. O que está por trás O vídeo tem um claro objetivo: dar forças às manifestações de rua, convocadas pelo bolsonarismo para o dia 15 de março, e apelar para que o povo entre na guerra contra o Congresso, que segundo a trama narrada e referendada por um locutor de rádio, de nome Fábio, tem por trás a aprovação de recursos do orçamento impositivo, a derrota de matérias de interesse do governo, e o consequente impeachment do presidente da República. O locutor arremata com a ideia de "destituir" Rodrigo Maia do posto de presidente da Câmara. Uma aberração. O dedo do palácio Como tem sido veiculado, é notório o interesse do Palácio do Planalto em adensar a onda contra os Poderes Legislativo e Judiciário. O próprio Bolsonaro tem dado guarida à trama, fazendo circular junto "aos amigos", que o acompanham nas redes sociais, vídeos e convocações para o dia 15. Nos últimos dias, a massa crítica que se formou contra a estratégia bolsonarista arrefeceu os ânimos, mas parcela ponderável da militância radical continuou a alimentar o circuito social. A extremidade O fato é que a estratégia dos radicais é de extrema gravidade, eis que apela para que as massas abram guerra contra as instituições de nossa democracia, a partir do Legislativo e do Judiciário, sob o argumento de que o presidente da República carece de condições para governar. De maneira descarada, os radicais intensificam seu discurso, agem como a campanha de 2022 já estivesse nas ruas, formam uma corrente em torno do presidente, execram a representação política e magistrados da Suprema Corte, enfim, parecem querer resgatar os tempos de chumbo. 13 mil? Comenta-se que o general Luiz Eduardo Ramos, que faz articulação política, tem uma pasta com uma lista de 13 mil cargos do governo de Bolsonaro ocupados por afilhados de políticos dos partidos. E que, portanto, a rixa entre Executivo e Legislativo não é para valer. Com a palavra, o ministro. O que pode acontecer? Imaginem, agora, o que pode acontecer se o Congresso vier a desaprovar os vetos, emendas e projetos do Executivo? As ruas tendem a ganhar movimentações barulhentas das galeras que formam as divisões do exército bolsonarista, mas grupos contrários se sentirão motivados a dar o troco. Não se pense que a maré bolsonarista está cheia. Pelo andar da carruagem, os segmentos contrários ao presidente - não ao governo, de forma ampla - formam boa maioria. Juntam-se, nesse caso, parcelas fortes dos blocos centrais aos de oposição. A polarização aumentará. O efeito coronavírus Os próximos tempos elevarão as inquietações. E se o coronavírus se expandir pelo território? O pânico terá efeitos sobre a cadeia econômica. E se a economia não apresentar crescimento - mesmo tênue - o foco da contrariedade recairá sobre o Executivo. Ainda bem que o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, age com cautela, seriedade e didatismo. Tem se mostrado capacitado a enfrentar o medo que a pandemia provoca. Corre a versão de que o calor dos Trópicos será barreira à propagação acelerada do vírus. Mas, e se o meado do ano, no inverno, for propício à sua expansão? Tempos difíceis. Rememorando: o coronavírus, presente em todos os continentes, já infectou quase 90 mil pessoas, matando 3.046 pessoas. Na Europa, os países relatam aumento constante do número de casos e as autoridades alertam a população para se preparar para grandes surtos. Impacto na economia A tensão provocada pelo avanço do coronavírus fez com que o mercado financeiro cortasse mais uma vez a projeção para o crescimento da economia brasileira em 2020. A expectativa é que o Produto Interno Bruto (PIB) avance 2,17% neste ano. Antes, a previsão de crescimento era de 2,2%. É a terceira semana consecutiva que analistas financeiros consultados pelo Banco Central apostam em lentidão maior para a economia. Brasil preparado Sônia Racy, do Estadão, perguntou, e o médico Drauzio Varella respondeu: O Brasil está mesmo preparado para combater o coronavírus? Está. Acho que o mundo, de um modo geral, está mais preparado. E o SUS tem condições de atender. Só vai depender da quantidade de casos. Agora, a repercussão do coronavírus está em dissintonia com a realidade dos dados. Não há essa calamidade. Todo mundo que espirra vai para o pronto-socorro. Aliás, se você estiver tossindo e correr para o pronto socorro, lá é o melhor lugar pra pegar coronavírus. O que se sabe de mais novo para enfrentar isso? Estão tentando desenvolver antivirais que possam reduzir a patogenicidade do vírus. A taxa de mortalidade não é alta. Dados da China mostram que não há mortes de crianças de 10 anos pra baixo. Acima dos 80, o índice de morte é 4,8%. É parecido com índice de infecções respiratórias. E 90% das pessoas que venham a pegar esse vírus, transformarão isso num resfriado comum. Acordo Mesmo sob tensão, Poderes Executivo e Legislativo encontram pontos de acordo em torno do chamado orçamento impositivo das emendas parlamentares na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Governo e Congresso sinalizam concordância sobre o controle de cerca de R$ 30,1 bilhões do Orçamento deste ano. Proposta mantém nas mãos do Congresso os R$ 15 bilhões realocados de outras pastas e devolve ao Planalto a execução do restante. O governo encaminhou projeto regulamentando como os recursos previstos para 2020 serão executados. Ideia é que texto feche acordo com Câmara e Senado e os vetos de Bolsonaro sejam mantidos. Lembrando: Bolsonaro barrou o dispositivo que dava prazo de 90 dias para o Executivo liberar emendas ao Orçamento sugeridas pelos parlamentares. (Até o fechamento da coluna, nada se votou). A competência de Guedes Em meio às conversações sobre o veto ao Orçamento impositivo, o presidente Bolsonaro suspendeu "por tempo indeterminado" os poderes do ministro da Economia, Paulo Guedes, de abrir créditos orçamentários e remanejar gastos entre as áreas do Orçamento de 2020. O despacho foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) de ontem. Mas a explicação não demorou: sem segurança jurídica sobre o que pode e não pode na gestão do Orçamento impositivo, o governo foi obrigado a retirar, por prazo indeterminado, a competência delegada ao ministro da Economia. Portanto, a coisa estava combinada com Guedes. Linha Moro Diretor da Força Nacional, o coronel da PM-CE, Antônio Aginaldo de Oliveira chamou os policiais militares amotinados no Ceará de "gigantes" e "corajosos" pelo movimento salarial e melhores condições de trabalho. A Constituição Federal proíbe greve desses profissionais. Esse coronel da PM no Ceará se casou no mês passado com a deputada Federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das parlamentares mais próximas ao presidente Jair Bolsonaro. O ministro da Justiça Sergio Moro foi um dos convidados da cerimônia. A linha Moro em plena ação. Mas, e a Constituição? Proteína extraterrestre? Pelo ineditismo, faço o registro. Usando nova técnica de análise, cientistas afirmam ter encontrado pela primeira vez na história uma proteína de origem extraterrestre. O material analisado pertencia a um meteorito que atingiu a Terra há cerca de 30 anos. Segundo um artigo publicado no site de coletas de pesquisas científicas ArXiv, a Hemolithin é uma proteína que contém ferro e lítio. O texto também afirma que o agrupamento das moléculas do meteorito é capaz de absorver fótons e dividir água em porções de hidroxila e hidrogênio. Fechando com um pouco de humor. De cócoras Plínio Gomes Barbosa era juiz de Direito em Monte Aprazível, São Paulo. Chegou um promotor novo: Edgar Magalhães Noronha. Na primeira audiência, o promotor estava todo cerimonioso: - Doutor juiz, devo requerer de pé ou sentado? - O senhor se formou há pouco? Onde? - Minha escola o MEC fechou. - Então requeira de cócoras. Eu me retiro Numa Vara da Fazenda, no interior de São Paulo, o perito era coronel do Exército e o juiz, Plínio Gomes Barbosa, não sabia. Houve discussão, o coronel começou a gritar, o juiz bateu a mão na mesa: - Se o senhor continuar nesse tom, ponho-o daqui para fora. - Não saio, não. Sou coronel do Exército. - Então quem se retira sou eu, que sou reservista da 3ª categoria. E deixou o coronel sozinho.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Porandubas nº 656

Abro a coluna com uma historinha do meu RN. Barbeirinho de uma figa Djalma Marinho, deputado estadual de 1947 a 1950 e Federal de 1951 a 1981, (avô do hoje ministro Rogério Marinho, da Integração), era compadre do barbeiro de Nova Cruz, sua cidade natal. Um dia, cortando o cabelo, ouviu o apelo: - Compadre, vi nos jornais que você vai para Roma visitar o papa. Ele é meu ídolo. Olhe aqui a foto dele. Vou lhe fazer um pedido: peça para ele autografar essa foto e escrever uma dedicatória à minha família. Não esqueça. Você é meu maior amigo e não vai me decepcionar. (Foto do Papa com dedicatória era, outrora, a maior honra que uma família nordestina poderia exibir na parede da sala de visitas.) O deputado viajou e encaixou o pedido tresloucado na mala do esquecimento. O tempo passou. Dois meses depois, ao voltar a Nova Cruz e ao sentar na cadeira da barbearia, recebeu a cobrança: - E aí, compadre, o senhor foi a Roma? Viu o Papa? E minha foto com a assinatura dele? E a dedicatória? - Pois é, compadre. Vi o Papa. Só me lembrei de você. Falei de sua família, de seu trabalho, da admiração que você tem por Sua Santidade. E ele me olhava com aquele olhar de santo. Quando ia pedir a assinatura dele na foto, ele olhou para minha cabeça exatamente no momento em que me curvei para beijar o anel e, compadre, me deixou sem ação. Pois me perguntou muito contrariado: - Senhor deputado, que barbeirinho filho de uma figa fez esse estrago em sua cabeça? - Você há de compreender, não tive nenhuma condição de fazer o pedido. Não queria comprometer o compadre. Desta vez, olhe bem, compadre, muito cuidado no corte, viu? Brasil na folia O carnaval é uma festa esticada no Brasil. Pelo menos, o espírito carnavalesco está na índole nacional. Faz-se presente na antecipação da folia e na continuidade após a quarta-feira de cinzas. Tem muita gente que emenda os feriados, esticando folga e folguedos até o final da semana carnavalesca. Mesmo assim, o nível político ganha certa musculatura com a chama acesa dos grupos que maquinam entendimentos sobre candidatos e seus vices. Quem será o quê? Esse é o eixo das conversas. Inclusive no carnaval. São Paulo de momo Sem querer puxar a sardinha para a metrópole, São Paulo ganha volume no ranking carnavalesco. Blocos já estão nas ruas. SP já não é o túmulo do samba, como se dizia. Nesses dias pré-folia, a região do Ibirapuera junta multidões. Outras regiões entram na algazarra. O carnaval de rua está animado. Sob o som, aqui e ali, de refrãos e slogans contra e a favor dos principais protagonistas da política. Para não perder a tradição. Bruno, cauteloso Quem está sob cautela é o prefeito Bruno Covas. Subiu em um palco para falar a 500 convidados, sem ninguém ao lado. Precaução. Evita contaminação. Está com as reservas baixas por causa do tratamento do câncer. Mas conversa em particular. A última conversa foi com o apresentador Datena, que está conversando com gente de muitos partidos. A mosca azul está baixando na cabeça de midiáticos. Luciano Huck, então, é um todo ouvidos. Conversa muito. Bolsonaro e suas bananas Bolsonaro não tem jeito, pelo menos no que diz respeito à relação com a imprensa. Manda banana para os jornalistas naquele gesto que, antigamente, era desrespeitoso. E ainda é. Mas a galera está se acostumando. Faz parte da índole. E se houver alguma resposta de algum repórter mais desembestado? O que poderá ocorrer? Nesse caso, o ditado "olho por olho, dente por dente" não será aceito. O "pobre" do mal-educado deverá ser proibido de frequentar os minicomícios diários do presidente. O Brasil sob nuvens Não dá para fazer grandes projeções sobre o país. Nunca os horizontes foram tão fechados. Nuvens grossas impedem visão de enxergar distâncias maiores. E nem mesmo as curtas. Um maluco - com ideias estapafúrdias - pode se eleger prefeito ou, mais adiante, deputado. A campanha municipal será um oceano de surpresas. Daqui a pouco a direita pode tomar o lugar da esquerda em algumas matérias e vice-versa. Este analista confessa que nunca viu horizontes tão obnubilados. Zema Romeu Zema, o governador de MG, o maior ícone do Novo, partido em crescimento, deu um big aumento aos policiais militares. Imaginem a confusão. As pedrinhas do dominó começam a cair em muitos Estados, onde as polícias querem o mesmo aumento - mais de 40% - concedido por Zema. MG é um Estado-síntese do Brasil. Perfil ideal Pergunta recorrente a este consultor. Qual o perfil ideal para ser candidato este ano? Na ponta da língua: - símbolo da renovação - vida bem-sucedida no campo profissional - passado limpo, vida decente - boa expressão - capacidade de comunicação - eficiente articulação - apresentação de propostas que entrem na cachola do eleitor - condições para fazer uma boa campanha Cabral na real Sérgio Cabral teve aprovada sua delação premiada à PF. E na maior ligeireza "entregou" a mulher Adriana Ancelmo, dizendo que ela sabia de todas as falcatruas que cometia. "O homem é o lobo do homem", já ensinava Thomas Hobbes, o autor do clássico Leviatã. A frase original, traduzida para o latim como "homo homini lupus", pertence ao dramaturgo romano Plautus (254-184 a.C.). O homem é a ameaça contra a própria espécie. O continuísta Candidato à reeleição na prefeitura, máquina a serviço da candidatura, cabos eleitorais multiplicados, o continuísta tem grandes vantagens sobre outros. Principalmente se construiu forte identidade junto à comunidade. Pontos fortes: ações e obras a mostrar. Pontos fracos: mesmice, esgotamento do perfil e eventuais denúncias de corrupção/nepotismo, etc. O oposicionista Deve encarnar situação de mudança, troca de peças velhas na máquina administrativa. Para ter sucesso, precisa captar o espírito da comunidade, auscultar demandas, mostrar-se ao eleitor, ganhar confiança. Pontos fortes: alternativa à velha ordem; encarnação do espírito do novo. Se for um perfil já conhecido, impregná-lo com o verniz da renovação. Pontos fracos: pequena visibilidade (hoje, pode usar bem as redes sociais); estruturas de apoio mais tênues. A terceira via O candidato da terceira via apresenta-se como perfil para quebrar a polarização entre situação e oposição. Para angariar apoio de todos os lados, carece organizar um discurso moderado, ouvindo todos os segmentos, buscando uma linha intermediária. Demonstrar que tem melhor programa do que os dois candidatos. Pontos fortes: bom-senso, alternativa à polarização acirrada entre grupos, inovação. Pontos fracos: falta de apoios das estruturas. Disfarce O ministro Abraham Weintraub, da Educação, entra na história como o maior trapalhão da Pasta em todos os tempos. Seus erros de português ganharam manchetes. Suas provocações caíram no vazio. Continuará ministro, garante Bolsonaro. Pois bem, ontem, o ministro produziu mais uma de suas aberrações. Desta feita, uma mensagem de Twitter com erros de português seguidos. Claro, foi proposital. Mas o recurso é infantil. Quis tirar sarro da mídia que o critica pelos erros. Mas o recurso exibe o disfarce. Quis dizer, estou errando de propósito para vocês se divertirem. Ninguém engoliu a manobra. O ministro contribui para manchar a imagem do governo. Humanas em ascensão Nos últimos tempos, o Brasil passou a ser passado a limpo nas conversas, palestras e interlocuções. Quem se beneficia com isso é a área de Ciências Humanas. Política é discutida ao lado de comportamentos, gestos, atitudes. Claro, economia tem sempre seu lugar de destaque. Uma observação: a área de Filosofia ganhou notas mais elevadas no ENEM. Mais procura, mais gente engajada no debate. PS: os filósofos estão em destaque. Cito três: Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé e Mário Sérgio Cortella. Califon em Pau dos Ferros Aliás, esse último amigo, Cortella, me conta uma boa recordação. Nos tempos do Paulo Freire, foi até Pau dos Ferros, onde aprendeu que sutiã ali é chamado de califon. Quando soube que nasci numa cidadezinha da Tromba do Elefante (Luis Gomes), me contou a história do califon. Para quem não sabe, o RN tem o formato de um elefante. Nasci na ponta da tromba, na serra que faz muito frio no mês de julho. Falsidades Nem bem o general Braga Netto toma posse na Casa Civil e os desembestados radicais já enchem as redes sociais com fake news. Um vídeo mostra o general falando em linguagem que, na visão de um colega dele, não corresponde ao "linguajar castrense". Na falsidade, tentam colocar o general Braga contra os 20 governadores que assinaram uma carta discordando do presidente Jair Bolsonaro. Mais um insulto O presidente continua a expressar linguagem incongruente com o alto cargo que desempenha. Ontem, voltou a cometer o gesto deselegante de insultar a repórter da Folha de S.Paulo, Patrícia Campos Mello. Manchete do jornal: "Bolsonaro insulta repórter da Folha com insinuação sexual". Nunca se viu tão baixo nível. O primeiro manual O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Três coisas Naquele Manual, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".  
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Porandubas nº 655

Abro a coluna com a malandragem mineira. 31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte: - Alkmin, para onde você vai? - Para Brasília. - Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília. Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond: - O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília. Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. Essa é uma historinha que expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações. O primeiro relato foi assim: "Perguntei para o senhor onde iria. Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Ora, acontece que o senhor vai mesmo a Minsk". Bomba em Bruno O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, até estava com seus índices de aprovação em franco crescimento. Enfrenta o câncer com coragem e disposição. O fator emocional impulsiona o apoio da população. Mas essa chuvarada que inundou a cidade vai ser uma bomba de efeito retardado sobre o prefeito. A mídia mostra que deixaram de ser gastos com obras de prevenção de enchentes algo em torno de R$ 2,7 bilhões. A aflição das comunidades periféricas se expande. A indignação ganha imprecações. Não adianta culpar o céu ou S. Pedro, o abridor das torneiras. O eleitor, em outubro, vai lembrar que faltou, bem antes, um bombeiro para evitar a tragédia. PIBINF Produto Interno Bruto da Infelicidade (PIBINF): esse é o nome do destruidor de candidatos. Claro, há outros como a gestão do administrador público, a má avaliação, o oportunismo de candidatos que só aparecem em tempo de eleição. Mas as tragédias são grandes eleitoras. Derrubam candidatos de todos os espectros: gordos e magros, feios e bonitos, jovens e velhos, bons e ruins de voto. São Paulo foi travada pela chuvarada que continua a cair na região. O PIBINF aumenta em escala geométrica. Esse eleitor vai correr o país e sujar candidaturas. A geografia das tragédias As tragédias produzem impactos horizontais e verticais. Horizontais, porque correm pela geografia do território, geralmente do berço onde nascem - capitais ou regiões sujeitas a abalos, como Brumadinho, em Minas Gerais -, correndo por regiões vizinhas. Verticais, na medida em que castigam grupos e classes da pirâmide social. Os mais necessitados têm suas casas inundadas. Carros das classes médias e inundações das ruas onde moram somam perdas e geram indignação. Os que habitam o alto da pirâmide acabam tendo suas rotinas alteradas sob o fluxo de tumultos nas regiões afetadas. O ano de 2020 não será simpático a milhares de candidatos. Vem muita renovação por aí. Muita ambição No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder". Políticos, bons A fama (boa ou má) de um perfil político, em ano eleitoral, corre em círculos. Cada um possui uma imagem, que resulta do conhecimento que dele tem o povo. Esse conhecimento, por sua vez, decorre dos atos que o político realizou, dos serviços prestados à comunidade, da ajuda e das promessas cumpridas, enfim, da história da pessoa. Essa imagem pode povoar o território do bem ou do mal. As imagens são associadas aos sentimentos do ser humano, de prosperidade e felicidade, de generosidade e de bons feitos, de boa saúde e de bons negócios. Políticos, maus E, de outro lado, as imagens são associadas às coisas ruins, de perdas e empobrecimento, de dor e angústia, de infelicidade e tragédias. Cada cidadão (ã) guarda certa imagem do político que conhece. Aquele que ajuda as pessoas em sua luta é "bom"; o que não o faz é "mau". Em tempos de crise, é preto no branco, pró ou contra, "quem não está conosco, está contra nós". A fama em círculos Ocorre que esta imagem corre em círculos, saindo de uma fonte (uma pessoa), chegando a um grupo, que já funciona como pequena tuba de ressonância, até se espraiar pelas massas dispersas. A fama (boa ou má) se difunde, ganha novos trombones, vai correndo pela geografia dos espaços e pelas classes sociais. O destaque é o poder das classes médias para difusão em massa da imagem. Como estão no meio da pirâmide, as classes médias sopram ideias para cima e para baixo, atingindo ricos e pobres. Esta é a pedra jogada no meio da lagoa. O conteúdo expresso pelas classes médias forma ondas que chegam às margens de cima e de baixo. Daí a importância de avaliar o pensamento das correntes que habitam o meio da pirâmide, a partir do poderoso segmento de profissionais liberais. Se um político começa a ser mal avaliado pela classe média, esta avaliação sai do meio para as margens. Democracia participativa Faz anos que o Brasil tenta alavancar o conceito de democracia participativa. Como se sabe, esta é a democracia semeada na Ágora, a praça central de Atenas, onde os cidadãos convocados expressavam aos senadores o que queriam em matéria de obras e tributos. As Diretas Já, no Brasil de ontem, já sinalizavam a vontade do povo de se fazer presente na vida política. O poder centrípeto Mais recentemente, tivemos as jornadas de junho de 2013, que integraram a onda mundial de manifestações explodidas nos quadrantes do planeta. Tudo isso está por trás da revitalização da democracia, que hoje é firmada sobre poderes centrais (poder centrífugo). Mas começa a ecoar pelo mundo afora gritos do poder centrípeto (das margens para o centro), sinalizando que a sociedade quer revigorar a democracia participativa. A base organizada Há cerca de meio milhão de ONGs no Brasil. Essas Organizações Não Governamentais reúnem entidades de intermediação social e tentam fazer o que os partidos políticos e seus integrantes não conseguem: ampliar e defender a faixa de direitos e garantir os preceitos constitucionais. Antes, essas entidades se formavam nos núcleos das classes médias; hoje, há centenas de entidades estabelecidas nas periferias. Esse é o novo e extraordinário poder das bases no Brasil. Não somos mais o país do "Maria vai com as outras", que significava subordinação, um bando de ovelhas pastoradas no campo. Hoje, as mulheres como os homens agem sob os princípios da autonomia, harmonia e igualdade. Quem não enxerga esse fenômeno estará fora do processo político. Os credos Força política crescente, os credos religiosos constituem outro fenômeno que deve ser inserido no tabuleiro do poder no país. No Brasil governado por Bolsonaro, tendem a ganhar força. Mais um pouco, os evangélicos superarão os católicos. Eles não estão nem um pouco incomodados com essa história de que o Estado brasileiro é laico. Sob as cúpulas dos credos, germina a estratégia de infiltração evangélica nas veias do corpo nacional, a partir das periferias e dos cárceres. A bancada religiosa cresce sob a força do dízimo e, também, sob o refrão de Luiz Gonzaga, nosso cancioneiro maior: "Uma pra mim, uma pra mim; uma pra tu, outra pra mim; uma pra mim, outra prá tu; uma pra mim, outra pra mim". Protagonistas na paisagem # Governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro: acendendo polêmicas e procurando compor perfil para 2022. # Sérgio Cabral - Um tonel de bombas, sua delação. Incluindo a mulher. # Paulo Guedes - Começa a acender um fósforo contra a fogueira que o cerca. Chamar servidores públicos de "parasitas" pegou mal. # João Doria - Mídia começa a empacotar sua imagem em celofane multicolor. Identidade ainda não firmada. # Paulo Skaf - Mais uma tentativa de entrar na política pelas portas partidárias, desta vez com a chave do Aliança pelo Brasil, partido de Bolsonaro. Parece receoso de enfrentar as urnas mais uma vez. # Gilberto Kassab -Anda adormecido. O que está articulando? # Luiz Inácio - Quer fazer imensa bacia de prefeitos com água requentada. Ele, primeiro e único. Não admite renovação. # Tarso Genro - Afastando-se do PT, à procura de um novo caminho. # Amoedo, do Novo - Endinheirado, pode fazer um bom número de prefeitos. Parece organizado. # Luciano Huck -Um ator à procura de coadjuvantes. E de um palco. Tem muito a comprovar. # Flávio Dino - Esquentando as baterias para decolar. Quer subir na política. # Rodrigo Maia - Muito poder este ano. Fundamental na articulação. # Davi Alcolumbre - Cheio de dúvidas. Tomou gosto pelo poder. # Romeu Zema - Dá-se conta de que não é fácil governar um Estado como MG sem cair na realidade. # Rui Costa - Ansioso para estar entre os presidenciáveis do PT. # Ciro Gomes - Os mesmos índices de ontem e antes de ontem. Parece não sair do lugar. # Bolsonaro - Os generais tentam amaciar sua expressão. Mas continua duro na queda. Inflexível. Fecho com pequeno conselho. Campanha eleitoral Ancorado em vivência, chamo a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga metas como estas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Porandubas nº 654

Abro a coluna com hilária discussão em Paulista/PE. E verbo não 'vareia' A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens". - Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa. - Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia". (Historinha contada por Ivanildo Sampaio) Abre-se o ano político O ano político começou com o fim do recesso parlamentar. De volta à Brasília, deputados e senadores captaram o "estado d'alma" de suas bases. E pelo que se conhece da índole de brasileiras e brasileiros, ênfases foram anotadas: as mulheres mostram mais indignação que os homens, principalmente nas áreas mais carentes; a população reclama do abandono de espaços urbanos muito deteriorados; reclama que políticos só voltam a querer conversa com o povo em ano eleitoral; constata-se sentimento de que a reeleição de prefeitos e vereadores será mais difícil que em pleitos anteriores. Clima político A temperatura no território da política será mais quente que a do ano passado. O corpo parlamentar dividirá sua agenda entre contatos frequentes com as bases e as tarefas congressuais. O governo deverá enfrentar um paredão mais exigente, crítico e pragmático. A cobrança dos congressistas ao governo será dura. Não aceitarão conversa mole. Desejarão o troco, com juros e correção monetária, sob pena de faltar votos para que o governo aprove suas pautas. De pronto, o governo tentará aprovar a lei do saneamento. Grande debate haverá sobre as reformas tributária e administrativa, do alto interesse do ministro Paulo Guedes. O clamor das bases Parte do tempo parlamentar, principalmente a partir do segundo semestre, será dedicada ao giro nas bases, que terão uma cesta de pedidos, demandas velhas e novas, reivindicações que integram a micropolítica. Candidatos à prefeitura e à Câmara de Vereadores farão enorme pressão sobre governadores, deputados estaduais, Federais e senadores. O confessionário será longo e a fila que quer indulgências atravessará quarteirões. Afinal, a base a ser escolhida é quem sustentará o edifício político de 2022. Bolsonaro diz que não vai se intrometer na campanha. Balela. E como vai... Trata-se de construir a fortaleza que o resguardará para a campanha da reeleição. Federalização da campanha Como se infere facilmente, o Brasil polarizado levará esse contexto para a campanha municipal. O verbo e a verba, portanto, deverão ser reforçados com o empuxo da máquina federal. O PT e oposições se preparam para articular o discurso. Pinçarão as coisas ruins, desastres e eventos negativos que bateram nas portas do Palácio do Planalto, a partir da desastrada atuação do ministro da Educação. O governo puxará o Bolsa Família, com o 13º, o aumento do salário mínimo acima da inflação, o resgate (mesmo lento) do emprego, a moralização (??) da administração, dados que mostrem avanços. E a linha central? Os dois lados da polarização, portanto, preparam estratégias, táticas, programas, projetos, pacotes embrulhados com os celofanes do céu. Claro, sob a perspectiva das duas bandas. Mas as cores do inferno serão exibidas. E a linha da moderação, do bom senso, da harmonia, racionalidade? Poderá ser engolida (canibalizada, como se diz em marketing) pela estridência das duas grandes tubas de ressonância que tocarão nas extremidades do arco ideológico. São Paulo, pleito emblemático No arquipélago eleitoral, São Paulo será uma ilha muito observada. Na metrópole, vivem os maiores conjuntos de trabalhadores braçais, as maiores classes médias (A, B e C), as massas mais carentes, as mais fortes organizações sociais, os maiores redutos de profissionais liberais etc. Tudo é grande em São Paulo, a começar por sua densidade eleitoral, cerca de nove milhões de votos. Portanto, a tendência eleitoral no epicentro das mídias tradicionais e das redes tecnológicas deverá ter algum efeito sobre outros centros. Efeito da pedra jogada no meio do lago. Batalha contundente Bruno Covas, o prefeito tucano, deverá defender o continuísmo de sua administração. Um político em franco combate à doença que o aflige. Do lado do PT, a tentativa de escolher um perfil com chances. Fernando Haddad ou mesmo Marta Suplicy, que já foi do PT. Haddad não quer. Prefere se preservar para o pleito presidencial de 2022. Marta é rejeitada por alas do PT. Mas Lula é simpático à candidatura da ex-prefeita. Os outros pré-candidatos petistas não têm grandes balaios de votos. Celso Russomanno, deputado e populista, do partido Republicanos, é cobiçado pelos tucanos, que querem vê-lo na chapa de Bruno Covas. Salvador, também emblemática Outra campanha emblemática será a de Salvador. De um lado, o candidato (ou candidata) do governador Rui Costa, do PT, de outro, o candidato do prefeito ACM Neto. Rui parece simpatizar com a candidatura de uma mulher, Denice Santiago, negra e major da Polícia Militar da Bahia. Grande apelo popular. ACM Neto, presidente nacional do Democratas, quer eleger o vice-prefeito Bruno Reis como candidato da legenda. A campanha medirá forças entre as duas maiores lideranças políticas da Bahia. E será acompanhada com atenção especial. Bolsonaro mais flexível Como se comportará o presidente Jair neste 2º ano político? Mais flexível, sem dúvida, sob pena de ver aumentada a oposição ao governo no Congresso. Mas não se espere dele mudanças na "arte" de produzir peripécias: falas polêmicas, recados diretos e indiretos, frituras de ministros. Uma no cravo, outra na ferradura. O capitão tem um foco: a base radical que se engaja de coração em sua defesa. Fala todo tempo para ela. E, apesar de ter havido alguma contração nesse núcleo, as pesquisas ainda o mostram como favorito ou perto do favorito, sendo Moro candidato. Este ministro tem um índice de avaliação melhor que o de Bolsonaro. Neste 2º ano, a articulação do governo junto ao Congresso tende a melhorar. Até porque se não melhorar, mudanças virão. Até se encontrar o perfil adequado para a tarefa. Moro no STF A nomeação do ministro Sérgio Moro para o STF entra na casa de 85, entre 0 e 100. O ideal dos ideais para Bolsonaro? Moro como vice. Mas quem garantiria que, não sendo indicado para o STF, ele continuaria no governo? Até poderia ficar mais um tempo. Mas, na política, há uma mosca de olho azul. A quarentena O Governo decidiu trazer os brasileiros que estão em Wuhan, na China, epicentro do coronavírus. Ponto para o Governo. Eles serão isolados numa quarentena de 18 dias. Um desafio. Há infectologistas como David Uip, que questiona a eficácia da quarentena sanitária prevista pelo Ministério da Saúde. Diz que há pouca informação sobre o tempo de incubação do novo coronavírus, não existindo de que o período de transmissão seria coberto. PT e seu retrofit O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, sugere uma ampla aliança entre as oposições. E pede ao PT que tente mudar sua cara, a partir da mudança de nome. O que se chama de "retrofit", termo surgido na Europa e Estados Unidos, que significa "colocar o antigo em forma" (retro do latim "movimentar-se para trás" e fit do inglês, significando adaptação, ajuste). Na arquitetura, abriga um conjunto de ações de modernização e readequação de instalações. O objetivo é preservar o que há de bom na velha construção e adequá-la às exigências atuais. Dará certo? Ora, colocar uma embalagem nova num produto desgastado mais parece um drible para enrolar eleitor. Mudar nome de partido sem mudar as pessoas ou reinserir um programa ideológico é querer dar uma solução perfunctória, inútil. Como se diz no vulgo: tapar o sol com peneira. Convém lembrar o conceito de identidade e de imagem. Identidade é a soma do escopo programático, tradição, lutas, história de sucesso e insucesso, quadros, enfim, tudo que lembre a grandeza do partido. Imagem, por sua vez, é a projeção da identidade, a percepção sensitiva captada pelos cidadãos, a ideia que se tem da agremiação. Mudar a imagem sem resgatar a identidade é coisa inútil. A persistência Fecho a coluna com um valor apreciado na política: a persistência. E lembro: na política, nem sempre a menor distância entre dois pontos é uma reta como na geometria euclidiana. É uma curva. Por exemplo: Fernando Henrique só chegou à presidência da República depois de ter perdido a eleição de prefeito para Jânio Quadros, em São Paulo. Uma curva em sua vida. Colombo A persistência é uma das principais virtudes dos grandes homens. Cristóvão Colombo aferrava-se à obsessão de que poderia chegar ao Oriente pelo caminho do Ocidente. O pensamento não lhe dava trégua. Esta foi a diferença entre Colombo e os seus contemporâneos. Estava convencido. Queria partir. Mas seria forçado a esperar muito. Enquanto aguardava, falava do sonho. D. João II, rei de Portugal, interessou-se pelo assunto e submeteu o projeto de Colombo a uma junta de sábios. Estes condenaram a ideia. Quando morreu a esposa, Colombo gastou a maior parte de suas economias com o enterro. E foi para a Espanha. Fernando e Isabel Fernando e Isabel, empenhados em dispendiosa guerra com os mouros, deram apenas meio ouvido à proposta do genovês. A rainha, entretanto, foi simpática a ele. Concedeu-lhe uma pensão, enquanto a junta de notáveis do Reino estudava o assunto. Depois de dois anos, a pensão foi suspensa. Obrigado a se manter sem ajuda, durante os oito anos seguintes vendeu livros e mapas que confeccionava. Seus cabelos ficaram brancos. Foi atacado pelo artritismo. Mas nunca desesperou. E, um dia, realizou seu sonho.
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Porandubas nº 653

Abro a coluna com o folclórico paraibano, Zeca Boca de Bacia. Zeca I Zeca Boca de Bacia fazia a alegria do povo em Campina Grande/PB. Personagem folclórico, amigo de políticos. Dava assessoria informal a Ronaldo Cunha Lima e a seu filho Cássio, prestes a ganhar o mandato de senador. Quando Zeca abria a boca, a galera caía na risada. Certa vez, numa de suas internações na clínica Santa Clara, em Campina Grande, a enfermeira foi logo perguntando: - Zeca, qual o seu plano (de saúde)? E ele: - Ficar bom! Outra vez, Zeca pegou um táxi em Brasília para ir à casa de Ronaldo Cunha Lima. Em frente à casa do poeta, o taxista cobrou R$ 15. Zeca só tinha R$ 10. Sem acordo, disparou: - Então, amigo, dê cinco reais de ré! Mais Zeca Em João Pessoa, num restaurante chique, Zeca pediu um bode assado. O garçom retrucou: - Desculpe-me, senhor, aqui só servimos frutos do mar. Zeca emendou sem dar tempo: - Então me traz uma água de coco. Muita gente matada O Estado de Minas Gerais anda pagando um preço alto demais por um pecado que não se sabe qual. Em parte, talvez, pela riqueza de seu solo, que não deveria ser pecado, mas virtude, se tratada com respeito. O fato é que nenhum povo merece tal castigo, como a sequência de tragédias a que o Estado vem sendo submetido desde o rompimento da barragem de Mariana, em 2015. Morreram 19 pessoas. Depois, Brumadinho, com 270 mortos e onze pessoas ainda desaparecidas. Neste começo de ano, o maior índice de chuvas em toda a história da Grande BH. São contados até agora 56 mortes e milhares de desalojados e desabrigados. "Minas não há mais", dizia Carlos Drummond de Andrade. Não para de morrer gente E até a cerveja entrou na lista macabra dos mineiros: quatro pessoas morreram e 21 estão infectadas pela substância dietilenoglicol, encontrada em amostras da cerveja Belorizontina e outros produtos da cervejaria Backer, que se diz artesanal. Como desgraça pouca é bobagem, a doença que hoje ameaça o mundo, o coronavírus, parece ter entrado no Brasil pela porta de Minas, com uma estudante de 22 anos de Belo Horizonte que veio da China, exatamente da cidade de Wuhan, de onde o vírus se espalhou. Há mais dois casos suspeitos no Brasil, em Curitiba e Porto Alegre. E então, no meio de tanta tragédia, cabe a frase do mineiro Guimarães Rosa em seu "Grande Sertão: Veredas": "Um dia ainda entra em desuso matar gente". O inferno de Bolsonaro Depois de atacar adversários, de levar ao extremo a polarização política, de esbravejar contra a imprensa e a todos os de bom senso que não elevam seu governo ao pedestal - e sem nenhuma elegância ou respeito à liturgia do cargo -, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta agora seus próprios fantasmas. Caso 1: Enem Ainda é um mistério o que ocorreu com o Enem. O fato é que houve erro, e grave. Tanto que, em razão das falhas na correção das provas, a Justiça mandou suspender e depois liberou a divulgação do resultado do Sisu, sistema em que o estudante concorre a vagas em universidades públicas com a nota do Enem. Bolsonaro disse que o governo vai apurar se houve um erro de gestão, falha humana ou sabotagem na correção da prova: "Tenho que conversar com ele [ministro da Educação, Abraham Weintraub] para ver o que está acontecendo. Se realmente foi uma falha nossa, se tem alguma falha humana, sabotagem... Seja lá o que for. Temos que chegar no final da linha e apurar isso daí". Quando as provas do Enem 2019 se encerraram, o ministro Abraham Weintraub declarou em rede nacional: "Foi o melhor Enem de todos os tempos". Caso 2: BNDES O governo anterior havia tentado abrir a tão falada caixa-preta do BNDES ao contratar uma auditoria ao custo de R$ 16 milhões. Não deu em muito. Bolsonaro insistiu no assunto. Nova auditoria e o custo passou a R$ 48 milhões por causa de dois aditivos, um deles assinado pelo atual presidente do banco, Gustavo Montezano, 39 anos, amigo dos filhos do presidente. Comentário de Bolsonaro: "Tem coisa esquisita aí. Parece que alguém quis raspar o tacho... É o garoto lá, foi o garoto, porque, conheço por coincidência desde pequeno, o presidente do BNDES é um jovem bem intencionado... A ordem é não passar a mão na cabeça de ninguém". O fato é que a caixa-preta do BNDES parece virar caixa-preta do governo Bolsonaro. Caso 3: Mordomia em casa Dessa vez o presidente agiu rápido e demitiu Vicente Santini, ministro interino da Casa Civil da Presidência. O titular Onyx Lorenzoni está de férias. Mas mandou dizer que o subordinado usou legalmente portaria regulamentando viagens. Santini usou um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) sem o consentimento da Presidência da República para ir à Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial, e depois para a Índia, onde integrou comitiva do presidente. Custo aproximado de R$ 740 mil. Bolsonaro criticou Santini e classificou sua atitude como "imoral" e "inadmissível". Na condição de chefe interino da Casa Civil, o subordinado foi o único a viajar em aeronave oficial. As demais autoridades utilizaram companhias aéreas comerciais. Santini também é da turma dos filhos do presidente. Caso 4: A mão na cabeça "Não passar a mão na cabeça de ninguém" foi a frase do presidente ao analisar o caso BNDES. O jeito de tirar a caixa-preta ou o bode dali é afastar o "garoto" amigo da família. Mas, por mais que Bolsonaro pareça intransigente com traquinagens de integrantes de seu governo - como na demissão do secretário da Cultura, Roberto Alvim, patético imitador de Joseph Goebbels -, o presidente tem sido bastante leniente com alguns dos seus. Caso 5: Os bichos desiguais Por exemplo, com Abraham Weintraub, o arrogante ministro da Educação, área em que o governo tem sido considerado um desastre, fora o Enem. E com o ministro do Turismo, Álvaro Ângelo Antônio, indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais sob acusação de comandar o laranjal mineiro. Como se percebe, "os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais que outros", como dizia George Orwell em seu "A Revolução dos Bichos". Guedes, altos e baixos Paulo Guedes, do alto suas qualidades como economista, professor e comandante de uma boa equipe técnica no Ministério da Economia, comete pecadilhos, só explicáveis à luz da afobação. A declaração que deu em Davos, ao jogar a devastação na floresta como necessidade de sobrevivência dos pobres, em vez de convencer, mexeu negativamente na cabeça dos investidores. Quem lá esteve cochichou no ouvido deste consultor: "foi um zum-zum geral nos corredores e momentos de descontração. Todos balançando a cabeça em gesto de desaprovação". Campanha antecipada Incrível, porém verdadeiro. A campanha de 2022 ganha mais conversa do que o pleito de outubro próximo. Na mesa, o assunto de sempre: quem Bolsonaro vai enfrentar? Moro? Ou este acabará indo para o STF? Se não for indicado, será candidato. (Nove entre dez apostam nessa alternativa). Bolsonaro teria essa saída, para escapar de um confronto com o mais admirado ministro, ou, ainda, escolher o ex-juiz como vice em sua chapa. Essa segunda alternativa amedronta todos os campos, ou seja, os outros pré-candidatos rezam para que isso não ocorra. Por isso, a fofocagem tende a aumentar para azedar as relações entre chefe e subordinado. Bruno sobe O brasileiro é solidário, sim, com quem enfrenta grandes dissabores, principalmente aqueles com marca de doenças que ameaçam a vida. Bruno Covas era um até pouco tempo e virou outro. Pois bem, a disposição do neto de Covas de enfrentar o câncer deu a ele uma nova face. Sorridente, enfrenta a doença com disposição e garra. Não dá ideia de abatimento, recuo, medo, sofrimento. Bruno passou a ganhar solidariedade do paulistano. Pesquisas mostram uma boa subida nos índices. É franco favorito como candidato à reeleição. Efeito cascata Pois é, confirma-se, a cada dia, a hipótese: um espirro na China tem reflexos em todo o mundo. O tal coronavírus já chegou em quase 20 países. O mundo não tem fronteiras para sustar o efeito cascata de vírus, bactérias, gripes e fenômenos que assolam, periodicamente, a Humanidade. Há quem jogue esses males que matam milhões na conta do equilíbrio do planeta. Arre....há cada teoria estapafúrdia... Decalagem? Perguntinha marota: o que é um governo que dá resultados? Resposta: é aquele com aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Usa a técnica da "decalagem" (avanço), a capacidade do atirador de calcular a distância e a trajetória do alvo móvel, acertando-o em cheio ao disparar um pouco a frente do ponto escolhido. Mas a ausência de planejamento se faz ver em toda a parte. Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. Um eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço. Convite ao leitor: faça uma análise de alguns governos: estão avançando ou em retrocesso? Alavancas do discurso Nesse ano eleitoral, muitas perguntas ficarão no ar. Uma delas: como ajustar o discurso para atender ao espírito do tempo? A ciência política sugere mexer com quatro alavancas. Ou seja, existem alguns símbolos detonadores e indutores do entusiasmo das massas em, pelo menos, quatro categorias. Adesão Discurso voltado para fazer com que a população aceite os programas, associando-se a valores considerados bons. Nesse caso, o candidato precisa demonstrar a relação custo-benefício da proposta ou da promessa. Rejeição Discurso voltado para o combate a coisas ruins (administrações passadas, por exemplo). Aqui, o candidato passa a combater as mazelas de seus adversários, os pontos fracos das administrações, utilizando, para tanto, as denúncias dos meios de comunicação que funcionam como elemento de comprovação do discurso. Autoridade Abordagem em que o candidato usa a voz da experiência, do conhecimento, da autoridade, para procurar convencer. Sob essa abordagem, entram em questão os valores inerentes à personalidade do ator, suas qualidades pessoais. Quando se trata de figura de alta respeitabilidade, o discurso consegue muita eficácia. Conformizãção Abordagem orientada para ganhar as massas e que usa, basicamente, os símbolos da unidade, do ideal coletivo, do apelo à solidariedade. É quando o político apela para o sentimento de integração das massas, a solidariedade grupal, o companheirismo, as demandas sociais homogêneas. Fecho a coluna com Einstein. A minha beleza Certa vez, Einstein recebeu uma carta da Miss New Orleans onde dizia a ele: "Prof. Einstein, gostaria de ter um filho com o senhor. A minha justificativa se baseia no fato de que eu, como modelo de beleza, teria um filho com o senhor e, certamente, o garoto teria a minha beleza e a sua inteligência". Einstein respondeu: "Querida miss New Orleans, o meu receio é que o nosso filho tenha a sua inteligência e a minha beleza".
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Porandubas nº 652

Abro a coluna com um "causo" que presenciei Um jumento bêbado no Piauí 1986. Comício de encerramento da campanha de Freitas Neto (PFL) ao governo do Piauí. Desde cedo, carros de som anunciavam monumental comício. Um showmício da grande Elba Ramalho. Carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, 10 dias antes da data. Fortes chuvas atrapalharam o transporte, atrasando a chegada. O som chegou quase na hora do comício na Praça do Marquês. Coordenador da campanha, cheguei ao local um pouco antes para ver o ambiente. Técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos. 18 horas. Um toró (como se diz no Nordeste) começa a cair. A chuva torrencial faz a festa. Praça lotada. Três mil piauienses gritando sob a água que caía. Garrafas de cachaça corriam de mão a mão. De repente, um estrondo. Fogo e fumaça nos cabos. Corre- corre dos técnicos. Um aviso: "Acabou o som. Não há condição para o showmício." Elba Ramalho atirou: - Está aqui meu contrato. Sem som, não canto. Muita conversa. Até que admite: - Cantarei uma música e me arranjem um acompanhamento. Saiu não sei de onde um cara com um banjo. O povão pedia: - Elba, Elba, Elba, cadê a Elba? Que começou a cantar: - Bate, bate, bate, coração... Nem bem terminou a estrofe, parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa: - Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas? O que era aquilo? Por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi a cena: - Um sujeito abrindo a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina respirava um ar de gozação. O showmício de Freitas Neto foi um desastre. Senti o ar pesado. Pesquisas nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre virou o clima. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me pergunta: - Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral? Respondo: - Um jumento bêbado no Piauí. P.S. O Imponderável nos visitou na campanha de Bolsonaro O espírito do tempo Vivemos tempos de intensa expectativa. Há gente esperançosa por todos os lados. Uns, acreditando que virão coisas boas pela frente. Outros, imaginando que, mesmo sem ganhar na loteria, avançarão um pouco no caminho das coisas boas. Mas há também gente pessimista. Por isso mesmo, a expressão crítica não tira férias. O brasileiro, regra geral, aprecia a linguagem do esculacho. Da ironia e do chiste. Os whatsapps se enchem de brincadeiras e vídeos engraçados. Funcionam como o vapor da panela de pressão. Servem como contraponto ao azedume. Esse é o espírito do nosso tempo. Rir e chorar, debochar e falar sério. Política esquenta A essa altura, nem bem janeiro termina, chama atenção o fato de que 2022 abre os primeiros horizontes. Nunca se viu, nos últimos tempos, uma campanha tão antecipada. A ponto de se concluir que este ano começa antes do carnaval. Já começou pra valer. A expressão política está na boca de muitos. Já se fala em candidatos a presidente em 2022, enquanto milhares de pré-candidatos se preparam para o pleito de outubro deste ano. A aurora eleitoral Por que estamos vivendo a aurora eleitoral de 2022, sem nem termos passado, ainda, pelo corredor de 2020? Porque a eleição de Bolsonaro quebrou paradigmas e, agora, expande a cobiça que penetra nos corações de mil e um protagonistas. Se uma figura que habitava o território do baixo clero foi eleita, por que eu não posso me eleger? Esta é a interrogação feita por gente plantada na roça da política. O ethos nacional é mutante, vai de A a Z, podendo eleger perfis dos mais extravagantes aos mais simples. Dinheiro, já se sabe, não é fator condicionante para uma eleição. Bolsonaro, foco em 2022 O presidente Jair lapida, a cada dia, sua identidade. Um composto de gestos, atitudes, expressões obtusas, rituais que colam no gosto popular. O presidente é o principal porta-voz do governo. E inventou uma bizarra liturgia para entrar nos espaços midiáticos: o papo solto na saída do Palácio da Alvorada, onde responde o que quer, foge de perguntas, massacra a imprensa com adjetivos pouco educados, dando recados a torto e a direito. Anuncia, em discursos oficiais, que seu governo pode ter 4 ou 8 anos. Ou seja, pensa em se reeleger. O que não será difícil caso consiga fechar a equação que temos apresentado: BO+BA+CO+CA= Bolso Cheio, Barriga Satisfeita, Coração Agradecido, Cabeça Votando em quem proporciona essa felicidade. Sérgio Moro Será uma incógnita até as margens eleitorais, lá pelos idos de abril/maio de 2022. Quem viu o ministro da Justiça no Roda Viva desta semana, pode concluir que ele é candidatíssimo. Saiu pela tangente. Uma enguia ensaboada. Wilson Witzel O governador do Rio tem sido generoso com seu Ego. Acredita piamente que será viável em 2022. Ora, o Rio de Janeiro vive um estado de grande deterioração. E a cada dia a situação parece degringolar. Não será fácil limpar os entulhos que se amontoam sobre o mapa do Estado. Nem para a reeleição - a considerar a moldura de hoje - ele teria condições. Mas política é cheia de imprevistos. Mesmo assim, não dá para acreditar nele. O juiz Witzel parece ter perdido o bom senso, ante a espetacularização de sua imagem. (A imagem desastrada do governador saltando de um carro na ponte Rio-Niterói, dando pulinhos de alegria com a morte do sequestrador). Luciano Huck É o nome que agrada próceres do centrão político, a partir do ex-governador Paulo Hartung, do ex-presidente Fernando Henrique, do economista Armínio Fraga. Huck, em seu Caldeirão, programa na TV Globo, tem uma expressão popularesca. Rico, pode se dar ao luxo de migrar para a política. Agrega alta visibilidade e pode usufruir do esgotamento entre os polos ideológicos de esquerda e direita; conta com apoio midiático, envolvimento de parcela do empresariado e, claro, o apelo emotivo das margens que, todos os sábados, pregam os olhos no seu Caldeirão. Mas a principal barreira é o gap entre sua identidade e os desafios de um país gigante como o Brasil. Explicarei. À altura do Brasil? De pronto, podemos lembrar que astros de rádio e TV estão migrando do espaço do entretenimento para a arena política. Na Europa, temos visto isso em alguns países como Itália. Entre nós, essa migração também ocorre, bastando ver nomes que pularam da mídia para a política. Mas a dúvida persiste: a identidade de Huck - domínio da temática brasileira, conhecimento do país, experiência na administração, discernimento, enfim, estofo - preenche as necessidades nacionais? Teria ele condições de governar um país do tamanho de um continente? Ele pode até responder: serei líder de uma equipe. Mesmo assim, nuvens pesadas se projetam sobre ele. João Doria O governador de São Paulo já demonstrou que é competitivo. Ganhou uma eleição para a maior metrópole do país e, a seguir, o pleito no Estado-líder. Mas a renúncia à Prefeitura deixou sequelas. Ganhou por pouco a eleição no Estado. Doria sabe lidar com marketing, conservando interlocução com influentes intermediadores sociais. Mas não chega à base da pirâmide. Não se trata de um perfil a circular no meio do povão. Cumpre bem as obrigações oficiais, faz inaugurações, é uma locomotiva que todos os dias se desloca em muitas direções. Onipresente. Noutras regiões, é um desconhecido. E precisa arrumar a união entre os tucanos. O Lulo-Petismo Para começar, o PT continua desalinhado. As alas estão em disputa, apesar do esforço da deputada Gleisi Hoffman para costurar a unidade. Fernando Haddad ainda é o perfil que obtém maior conhecimento, claro, depois de Lula e Dilma. Não quer se candidatar este ano à Prefeitura paulistana, preservando-se para 2022. Lula continua a ser a carta do baralho que decide o jogo do partido. Se seu caso nos tribunais descer para a primeira instância, o PT vai tentar anular condenações já impostas, essas que tiram sua viabilidade. Difícil. Mais provável é que sua função seja de puxador de votos. Tasso e Rodrigo Começa a ganhar volume nos meios empresariais e de formação de opinião a chapa Tasso Jereissati e Rodrigo Maia. Há um núcleo nos dois partidos - PSDB e DEM - que começa a trabalhar com essa composição. É evidente que se travará uma luta sangrenta entre a ala de João Doria e a de Tasso e Aécio Neves. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está muito bem na fita, pelo trabalho de boa articulação e resultados que vem apresentando no Parlamento. Aliás, seja qual for o candidato a presidente, Rodrigo tem boa chance de compor como vice. Polarização Como esta Coluna já disse em outras ocasiões, a campanha municipal deste ano ocorrerá na esteira da polarização aberta na campanha de 2018. Teremos um pleito federalizado. O papel das mídias sociais será forte. Mas os controles deverão colocar uma lupa nos exageros- calúnias, difamação, versões mirabolantes, fake news de todos os tamanhos. A base a ser eleita este ano criará a imensa estrutura municipal para a decolagem de 2022. Chances Agora, as chances de cada um. 1. Bolsonaro - O presidente será o principal protagonista de 2022. Portanto, teoricamente sai na frente. O que não é muito confortável como se pensa. Pois, quem vem bem atrás pode encarnar o espírito do tempo e crescer. Quem tem uma pontuação pequena, algo como 7% ou 8%, ao chegar a 14% ou 16%¨, ganha o destaque da mídia: subiu 100%. E esta onda crescente pode empurrar um candidato que começou em baixo para a beira do pódio. Bolsonaro precisa contar com ambiente econômico favorável e nível de críticas menor do que o de hoje. Polêmicas empanarão seus horizontes. Administrar a linguagem será um grande desafio. 2. Moro - Pode vir a disputar a eleição. Fidelidade em política é coisa relativa. Mais adiante, ele teria condições de alegar: infelizmente, não recebi os instrumentos para cumprir minhas tarefas de acordo com o que planejei. E aceitei minha candidatura como uma imposição do povo. Entro na arena. Moro agregaria o discurso do combate à corrupção com o discurso de combate à bandidagem. Com grande viabilidade eleitoral. 3. Witzel- Sem possibilidades de ascender à moldura presidencial. Os problemas do Rio tenderão a permanecer como estão. E engolfarão o governador. 4. Huck - Tem chances de crescer e ser a alternativa contra a polarização. Pesará sobre ele a pecha de ser "o candidato da Rede Globo". O cenário econômico em queda o ajudaria a acender a tocha da esperança. Economia garantindo ambiente de estabilidade tira dele parcela do protagonismo. 5. Doria - Terá problemas no PSDB e em outros partidos grandes. O DEM, por exemplo, tende hoje a apostar em Tasso Jereissati. Mas o governador paulista é um bom negociador. Para entrar no páreo, precisaria ser bem avaliado pelos 35 milhões eleitores de São Paulo. Com a candidatura do Huck, João Doria perde muito. Fossem apenas candidatos Bolsonaro, um petista ou um candidato apoiado pelo PT, e João, ele teria boas chances. Claro, se emplacar a candidatura dele. 6. Tasso - Disputará com Doria a candidatura. Se ganhar, teria condições de vir a ser o perfil de centro e uma opção ao extremismo das margens. 7. O candidato de oposição - Do PT ou outro apoiado pelo PT- Só tem chances ante uma débâcle da economia. O Brasil no despenhadeiro. Nesse caso, quem for o contraponto a Bolsonaro poderia conquistar as massas. O imponderável O Brasil tem sido visitado, nos últimos tempos, pelo Senhor Imponderável dos Anjos. 2022 está tão distante que não permite afirmações categóricas. Um desastre, um acidente ou incidente no percurso, uma jogada de mestre, enfim, um evento imprevisível é capaz de mudar o panorama. Lembrete: muito cuidado com um Jumento bêbado no Piauí.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Porandubas nº 651

Abro a coluna com um "causo" engraçado nas terras da Bahia Bucéfalo Maetinga, no centro-sul da Bahia, a 609 quilômetros de Salvador, tinha, em 2000, segundo o IBGE, 13.686 habitantes. Já o censo de 2010 apurou 7.038 moradores, redução de 48,58%. O caso abriu imensa polêmica entre os vereadores. Mané de Zacarias dissera que os pesquisadores do IBGE erraram na contagem. Chicão gostava de pronunciar palavras difíceis para deixar o interlocutor em maus lençóis. E pede um aparte. Chicão pede a palavra: - Vossa excelência me dá um aparte? - Pois não, mas seja rapidinho. Não venha enrolar. Chicão: - Ninguém pode negar a sabedoria irreprochável do pesquisador do IBGE. Vossa Excelência é um bucéfalo. Pego de surpresa, Mané retrucou: - Queria saber de Vossa Excelência que diabo significa isso? Se o termo for adulativo, muito obrigado a Vossa Excelência, meus cumprimentos à sua mãe e aos irmãos; agora, se for atacativo, vá para a p.... seu fdp...... O barulho tomou conta do plenário. Interrompendo a sessão, o presidente mandou buscar um dicionário. Lá estava: "Bucéfalo - indivíduo ignorante, rude, pouco inteligente, malcriado, agressivo, estúpido". Era atacativo. Os dois se atracaram no plenário. Quase saiu tiro. A palavra bucéfalo foi eliminada do dicionário de Maetinga. O ano eleitoral Comecemos com a observação de que o país caminhará este ano na trilha eleitoral, com desfecho no pleito que terá o 1º turno em 4 de outubro e o 2º turno em 25 de outubro. Será, portanto, um ano de intensa sensibilidade. Significa que: - a esfera política será instada a votar no Congresso de maneira alinhada com as demandas do povo; - o presidente terá mais cuidado em sua peroração diária, na porta do Palácio da Alvorada, evitando expressões que possam desagradar núcleos eleitorais; - reformas de alta complexidade, como a reforma administrativa, que, no fundo, será a reforma do Estado brasileiro, não passarão facilmente pelo crivo parlamentar. A reforma tributária, de alto impacto, estará também na linha de fogo; - as eleições municipais, ante o clima de polarização que impregna o país, tenderão a ser federalizadas, ou seja, o tom nacional baixará sobre os territórios municipais. A reforma administrativa Querem ver quão complexa será a reforma administrativa? Vejamos. Há, na órbita da administração pública, cerca de 11,4 milhões de pessoas com vínculo formal. Desse contingente, 57,3% estão nas prefeituras, 32,3% na administração dos Estados e 10,4% na área federal. Urge implantar critérios que redundem em maior igualdade entre funções e salários. A disparidade é enorme. Urge concentrar setores, com processos racionais, evitando dispersão e improdutividade. Estado pesado Veja-se, por exemplo, o tamanho da máquina. Só na área da Saúde há 1.358 organismos com poderes na execução da política setorial. Só no sistema de Transportes, 1.024 instâncias; no território da Educação, 1.036 instâncias, enquanto na Segurança Pública esse número vai para 2.375 segmentos operacionais. Vocês, leitores, já pensaram nas pressões de servidores das três esferas administrativas para evitar o dedo racional em seus domínios? Um servidor público ganha, em média, 36% a mais do que um assalariado do setor privado. Os parlamentares aguentarão o rolo compressor dos servidores públicos? Só vendo para crer. Mas o ministro Paulo Guedes é muito otimista. Prometeu que em fevereiro mandará ao Congresso as propostas de reforma administrativa e reforma partidária. 2º ano de Bolsonaro O presidente Jair Bolsonaro dá constantes sinais de que tentará a reeleição em 2022. Pois bem, o pleito municipal, com a escolha de 5.570 prefeitos e cerca de 57 mil vereadores, é a base do edifício político. O jogo do dominó, portanto, começa com o time de vereadores, que custam ao Estado cerca de R$ 10 bilhões anuais. O vereador empurra o prefeito, que empurra os deputados estaduais, federais e senadores, que empurram o governador e cada um destes também dá seu empurrão para a eleição do presidente da República e seu vice. Assim, o capitão terá de se esforçar muito para puxar o apoio de governadores, senadores, deputados e prefeitos. Quanto maior sua fonte, mais água eleitoral entrará nas urnas. A questão O maior empreendimento e legado que Bolsonaro deixaria ao país seria uma reforma administrativa. Mas o vereador, o prefeito, os deputados, os senadores e os governadores, mesmo sob o convencimento de que essa reforma se faz absolutamente necessária, certamente estarão com os ouvidos acesos para a pressão dos servidores. Que até poderá ganhar um contraponto com o clamor social a favor das reformas. A questão é que em ano eleitoral é muito difícil contornar as pressões contrárias. Mais dificuldades Outras dificuldades deverão surgir: o partido que o presidente quer criar para chamar de seu, o Aliança pelo Brasil, será criado até maio? Muito difícil. A economia crescerá em ritmo mais acelerado de forma a chegar em outubro em ótimas condições e, deste modo, produzir aplausos para o presidente? Os parlamentares estarão satisfeitos com o atendimento de suas demandas e, nesse caso, dispostos a sacramentar a agenda do Executivo? O ano do executivo 2020 será um ano decisivo para o governo. Até este momento, a impressão que se tem é que o governo tateia na escuridão. Está à procura de um rumo. Navega com o piloto automático. Mas é oportuno esclarecer que um sentimento de moralidade permeia a administração federal. E que a equipe econômica, muito bem avaliada pelo mercado, trabalha para colocar a locomotiva nos eixos. Se o Executivo, por meio de alguns perfis, incluindo o do próprio presidente, tivesse evitado metade da polêmica criada por expressões e estocadas dadas em adversários e antipatizantes, a polarização seria menor. Sob um clima de harmonia, o país estaria melhor posicionado para avançar. O ano do legislativo Na esfera do Legislativo, 2020, como já sinalizamos nas notas anteriores, deverá ser um ano de cobranças. As demandas parlamentares não foram plenamente atendidas ou não foram implementadas no devido tempo. E essa situação deixa o Parlamento mais recuado, desconfiado, atento ao jogo de cena. A pauta do Executivo junto ao Legislativo fica ainda na dependência dos próximos presidentes das casas congressuais. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre até poderiam encarar mais um pleito se houver mudanças no regimento da Câmara e do Senado. Rodrigo faz objeções, mas a decisão fica sob o clima - positivo ou negativo -, dentro de pouco mais de duas semanas. O ano do Judiciário 2020 será um ano de mudanças no Judiciário. Na Suprema Corte, o ministro Luiz Fux entrará no lugar de Dias Toffoli e, em novembro, o ministro Celso de Mello se aposentará. Toffoli está bem desgastado com críticas que ainda o vinculam ao seu passado na advocacia. Tem sido alvo de bombardeio, ele e o ministro Gilmar Mendes, nas redes sociais. Fux, por sua vez, tem dado no STF um voto contrário ao voto de Toffoli. Nos termos da entrevista dada pelo ministro Gilmar Mendes ao Poder 360, comandado pelo jornalista Fernando Rodrigues, neste ano o STF se dedicará a temas ligados à economia, direito tributário e direito processual penal. No ar, expande-se a polêmica sobre a constitucionalidade do juiz de garantias, a par da crítica de que não há recursos para bancar essa figura. Mesmo em São Paulo, tomado como exemplo de sucesso, a situação do juiz de garantias, por falta de orçamento, é precária. A frente partidária No arquipélago partidário, a contenda se voltará este ano para o pleito municipal, sob a hipótese de que cada ente se esforçará para fazer uma grande bancada de prefeitos e vereadores. A solidez de um partido começa com as estacas fincadas no território municipal. Fazer apenas uma forte bancada federal nem sempre gera resultados no médio e longo prazo. Veja-se a bancada de 54 parlamentares eleitos pelo PSL, ex-partido de Bolsonaro. Hoje, o PSL está rachado. O PT quer aumentar a sua cota de prefeitos. E, para tanto, tentará se aproximar dos evangélicos. O MDB, por muitos anos, tem a maior bancada de prefeitos e vereadores, lutará para continuar forte nas bases. Terá dificuldades. O DEM também objetiva crescer na base municipal. União de partidos O pleito deste ano poderá abrir campo para uma fusão de partidos. O clima de polarização, que puxará as correntes bolsonaristas e oposicionistas (PT, PSOL, PDT, PC do B), será fator de alavancagem entre siglas que estarão nessas duas bandas. Mas é possível que outras tentem se agregar, após os resultados do pleito, visando, sobretudo, um bom desempenho em 2022. O DEM, por exemplo, é a noiva com quem o PSDB gostaria de casar. Para onde irão siglas como PP, PRB, Solidariedade, Cidadania, Podemos e outras? Todas essas perguntas permanecerão no ar até se saber quem serão os protagonistas presidenciais de 2022. Temáticas de 2020 Quais são os eixos do discurso neste ano eleitoral? Alinhemos alguns: - Demandas da micropolítica municipal (saúde, educação, transportes/infraestrutura urbana, alimentação, habitação, bolsas/subsídios, etc). Cuidado com a mesmice, a de recitar soluções genéricas para as demandas da população. Urge trabalhar com pontos concretos. - Grandes cidades e metrópoles - A par das demandas da micropolítica, meio ambiente, limpeza urbana/lixo, segurança, emprego, lazer, cultura, esportes. Fatores de credibilidade A análise sobre as razões que jogam políticos no poço da descrença é a chave para reencontrar o tempo perdido. As situações descritas podem aumentar a credibilidade dos políticos: Promessas - Não se deve prometer o que não se poderá cumprir. Identidade - Um político deve ter identidade, personalidade, eixo. Uma coluna vertebral torta gera desconfiança. Coluna vertebral reta incorpora as costelas da lealdade, da coerência, da sinceridade, da honestidade pessoal e do senso do dever. Representação - Representar o povo significa escolher as melhores alternativas para seu bem-estar. Político sério se preocupa com rumos permanentes. Organização e controle - O cidadão quer ver para onde vão os recursos dos orçamentos. Autoridade -As pessoas querem ordem, disciplina, o atendimento a seus direitos fundamentais. Essa demanda converge para o perfil da autoridade, presente na figura do pai protetor da família. Experiência - Para se contrapor ao improviso, ao imprevisível e ao inusitado, exige-se experiência, estilo bem sucedido. Inovação - Há grande espaço para novatos, principalmente perfis com posturas não comprometidas com a velha política. Perfis novos, com discursos claros e objetivos. Equilíbrio - Pessoas destemperadas, que ameaçam virar a mesa, amedrontam. Despojamento - Valor desse ciclo de grandes carências. Objetividade, clareza - Nada de embromação, enrolação, promessas mirabolantes. Jovialidade - O eleitorado quer ser atraído pela jovialidade, disposição para enfrentar os desafios. Coragem - Os desafios estão a exigir posturas corajosas, fortes, determinadas, capazes de vencer as intempéries. Brilho - O carisma é um dom escasso. Mas quem tem brilho carismático aumentará o cacife. Sapiência - Sapiência não significa vivacidade. Sabedoria é mistura de aprendizagem, compromisso, equilíbrio, administração de conflitos, busca de conhecimentos, capacidade de convivência e decisão racional. Junto ao povo - Estar junto ao povo para apurar suas demandas mais urgentes. O povo sabe quem está ao seu lado. Discurso - O discurso que vinga é um conjunto de propostas concretas, viáveis, simples e de metas temporais. Simplicidade e modéstia - Um homem público não precisa se vestir com a roupagem divina. Simplicidade é o ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas e maquiagens. O marketing da atualidade se inspira na verdade.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Porandubas nº 650

Abro a primeira coluna do ano com Cabralzinho. Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província: - Ladrões! A praça, apinhada de gente, levou o maior susto. - Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração! Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso: - Ladrões! Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total. - Cambada de ladrões! Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava: - Espera que eu explico. Deixe eu terminar. Espera que eu explico. Explicou. Ao médico, no hospital. Projeção para 2020 Já dissemos nesta coluna que fazer previsão no Brasil é um exercício que requer muitos cuidados. Até porque nossa índole abarca alguns valores que prejudicam esforços de interpretação. Somos, por exemplo, uma gente que aprecia improvisar, inventar, mudar de posição. Nossa cultura política não se alimenta dos eixos que formam a identidade de populações de países com sólidas instituições. Os anglo-saxões, a título de comparação, respondem sim ou não diante de questões que exigem uma das duas opções. Nós preferimos o talvez. Sob essa condição, farei hoje uma tentativa de interpretar 2020, a partir da análise do comportamento de 13 protagonistas. 1. O Poder Executivo - o presidente O presidente Jair Bolsonaro até será orientado a mudar de postura, aliviando suas declarações e ataques, como este último que fez à imprensa: "vocês, jornalistas, são uma raça em extinção. Ler jornais envenena". Mas a índole de escorpião de Bolsonaro não permitirá mudanças. Continuará a "picar" adversários que encontre no meio do caminho. Daí a inferência: momentos de tensão continuarão a cercar os Palácios da Alvorada e do Planalto. A depender de quem seja o alvo (o Congresso, por exemplo), poderá haver retaliação. 2. O Poder Executivo - ministros e assessores Há de distinguir ministros de perfil essencialmente técnico, com bom nível de desempenho, como o ministro da Infraestrutura, Tarcisio Gomes de Freitas, e ministros de perfil polêmico, como o da Educação, Abraham Weintraub. A elevação do deboche, se for o caso, expandirá as tensões, sendo bastante prováveis mudanças na Esplanada dos Ministérios. Alguns perdem muito tempo com a produção de falas polêmicas e que acabam impactando sua própria imagem. A tendência aponta para o arrefecimento dos conflitos e maior foco no trabalho. Ademais, o presidente deverá cobrar resultados. 3. O Poder Executivo - os militares A ala do entorno presidencial, particularmente os generais, já foi mais forte no início do governo. O general Augusto Heleno, que responde pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, parecia o perfil mais forte do entorno presidencial. Ostentava a flâmula de poder moderador. Hoje, alinha-se completamente à linguagem do presidente, inclusive nos ataques a certas figuras da imprensa. Militares que saíram passaram a ser críticos. Ou seja, transparece certa divisão na frente de apoios. 4. Congresso Os parlamentares, já afeitos ao estilo rompante do presidente, cobrarão com mais força as demandas feitas junto ao articulador, ministro Luís Eduardo Ramos, e mesmo ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O orçamento impositivo será, nesse sentido, uma ferramenta de pressão. O que está dentro do Orçamento terá de ser cumprido. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mexerão no regimento para tentar se reeleger? Alcolumbre topa, Maia é mais precavido. Em caso de novos dirigentes, a perspectiva é de que estejam mais alinhados ao discurso de autonomia e independência do Parlamento. Tempos de valorizar os conjuntos parlamentares e evitar que o Judiciário invada a esfera parlamentar. 5. Poder Judiciário Continuará sendo alvo da mídia e de parcela da esfera política, não conformada com suas decisões no âmbito da Lava Jato. Expande-se a sensação de que alguns ministros agem de maneira parcial e sob viés político. A substituição no final do ano do ministro Celso de Mello, decano do STF, abrirá o leque de especulações. Quem seria o perfil "terrivelmente evangélico" para entrar em seu lugar, conforme há tempos ao substituto se referiu o capitão presidente? O atual advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça? 6. Mídia massiva Os meios de comunicação deverão fazer cobranças mais duras do Executivo, ante a insistência do presidente Bolsonaro de fustigá-los. O teor crítico deverá se expandir não apenas no que concerne ao Poder Executivo, nas três instâncias da Federação, mas em relação aos Poderes Legislativo e Judiciário. O espírito eleitoral de 2020 abrirá os espaços de investigação da mídia, que deverá aumentar o teor de denúncias. O TSE será muito demandado. Partidos em formação farão pressão por seus interesses junto ao Tribunal Eleitoral. 7. Mídias sociais Na arena das redes sociais, deverão acontecer batalhas sangrentas. De todos os lados, o embate será ferrenho, com denúncias, fake news, especulações, pesquisas encomendadas, processos acusatórios. As lutas deverão ser travadas no campo Federal, com aliados e simpatizantes de Bolsonaro e adversários; no campo estadual, onde se repetirá o destampatório; e na área municipal, onde as contendas locais ganharão um tom Federal. As mídias sociais puxarão para os municípios os cenários desenhados no plano Federal. 8. O povo Difícil inferir sobre o comportamento do povo, pela complexidade do conceito. Afinal, povo abarca as massas carentes e periféricas, que habitam na base da pirâmide; os setores médios, incluindo o expressivo contingente de profissionais liberais, as camadas e níveis gerenciais do comércio e da indústria, pequenos e médios proprietários e outros segmentos de vulto. Os setores médios farão o papel de pedra jogada no meio do lago: as marolas formadas correrão até as margens. O fato é que as massas das margens avançam em suas posturas, não mais sendo engolfadas pela mistificação política. O voto sai do coração para subir à cabeça. Por isso mesmo, é forte a possibilidade de vermos o povo, em suas diversas roupagens, engrossando as mobilizações de rua. Sinal de tempos de democracia participativa. 9. Igrejas, credos Nos últimos tempos, as igrejas e credos religiosos têm frequentado com mais disposição os palcos e espaços da política. Há igrejas evangélicas, como a Universal do Reino de Deus, que explicita publicamente seu interesse na política. Até um bispo da IURD, Marcelo Crivella, dirige uma importante prefeitura, a do Rio de Janeiro. E há quem aponte nela interesse maior: eleger um dos seus para governar o país. Os católicos, por sua vez, estão de olho nesse processo. Por tudo isso, pode-se aferir que os credos agirão como cabos eleitorais. O Estado laico, aos poucos, cede espaço ao Estado religioso. 10. As organizações sociais Um dos mais significativos fenômenos da atualidade brasileira é a organicidade social. Dando as costas aos políticos, que não têm dado respostas satisfatórias às suas demandas, cidadãos e cidadãs recolhem-se em entidades intermediárias - associações, sindicatos, federações, grupos, núcleos, movimentos. Há cerca de 500 mil ONGs formais no Brasil e outro tanto de entidades informais. O povo vê essas entidades como a ferramenta para abrir portas e oferecer resultados. Esse imenso arquipélago tende a movimentar as ruas e praças. E a servir de suporte de candidaturas nesse ano eleitoral. 11. Os partidos políticos São 33 os partidos políticos em condições de operar no Brasil. E há mais 70 em estágio de organização. Servem, hoje, apenas como abrigo formal de candidatos. Cedem a legenda para candidatos e os grandes partidos ajudarão alguns nomes com recursos do Fundo Partidário, que deve ser de R$ 2 bilhões. A meta de algumas siglas é fazer uma grande floresta de prefeitos. PT, PSL, MDB, PSDB, DEM, PPB, PP, PTB, Solidariedade, Cidadania, Podemos, PSOL estão no rol dos mais competitivos. 12. Governadores Os governadores agirão, este ano, como os maiores cabos eleitorais. Afinal, a eleição municipal é o campo de decolagem do pleito de 2022. Daí a meta de eleger um grande número de prefeitos. Ocorre que os Estados estão de cofres vazios. Alguns em situação pré-falimentar. Mas o esforço dos governadores deve incluir uma bacia de promessas. Muitos desejarão se reeleger em 2022. Não se pode esquecer que, por estas plagas, há muito respeito e consideração para quem tem o poder da caneta. Claro, caneta com muita tinta atrai mais apoios. 13. Prefeitos Por último, a prefeitada. Este ano serão eleitos 5.570 prefeitos. Este será o maior exército de cabos eleitorais de 2022. Haja mão de obra. Prefeitos farão gigantesco esforço para se reeleger ou eleger um correligionário. As prefeituras estão praticamente quebradas, mas há sempre por parte do eleitor a expectativa de poder, de um dia ganhar um bom cargo ou bom "adjutório". Quem apitou bem na orquestra formada em 2016 tem condições de continuar a ser maestro. Quem saiu do tom e não cumpriu suas promessas se candidata a receber um passaporte para suas casas. Sucesso Este consultor político deseja muito sucesso a todos os protagonistas alinhados nesta coluna. Pequena ajuda Notas para ajudar o planejamento de campanhas Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse é um resumido escopo de planejamento. Marketing: os 5 eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral:1) pesquisa; 2) formação do discurso (propostas), 3) comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos), mídias sociais; 4) articulação política e social e 5) mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. Já a articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Porandubas nº 649

Perspectivas Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em 2020? As minhas, ufa, são positivas. Mas a de Luís Pereira, infelizmente, é negativa. Veja o que ele pensava anos atrás. Pintor de parede, Luís Pereira dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho, da revista Manchete, melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta feita de maneira abrupta: - Deputado, como vai a situação? Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, escolheu as duas palavras que considerava muito difíceis, mas à altura de um deputado que tenta impressionar o interlocutor: - As perspectivas são piores do que as características. ??????? Nesse momento, há muito Luís Pereira perorando por aí... Luz no fim do túnel 2019 chega ao final sob a impressão de que começamos a divisar uma tocha acesa no fim do túnel. O ano começou com muita turbulência. De um lado, a luta desvairada entre simpatizantes do presidente Jair e seus opositores, incluindo contingentes dos partidos de oposição, como o PT e PSOL, e de núcleos que não simpatizam com o lulopetismo. 2020 mais otimista De outro lado, a incerteza sobre a conduta do presidente, que mostrou ao correr dos meses uma identidade embalada por muita polêmica, com expressões que fustigam adversários e elevam valores conservadores. No final do seu primeiro ano, a impressão é de que o governo, mesmo sob solavancos, sinaliza 2020 mais otimista. As projeções incluem um crescimento de até 2,5% no PIB. Índice muito positivo que aceleraria a volta dos investidores internacionais. A economia, o destaque A economia pode ser considerada a porta da esperança do governo. Inflação sob controle, não passando de 4% ao ano, taxa Selic chegando aos 4,5%; projetos que objetivam resgatar a empregabilidade em pleno andamento; sinais muito positivos na frente do agronegócio; boas perspectivas para o comércio nesse final de ano (aumento de 10% sobre vendas do ano passado); construção civil recuperando seu vetor de força; serviços e indústria com ligeiros índices positivos; bolsa subindo; acenos aos investidores, a partir dos leilões do pré-sal etc. O crédito ao ministro da Economia, Paulo Guedes, é alto. A política, tropeços O calcanhar de Aquiles do governo é a articulação política. Nessa frente, viu-se muita falta de traquejo. As mudanças na Casa Civil apontam para o experimentalismo que o governo tem tentado para aprovar sua agenda no Congresso. Depois de fraquejar na articulação, o ministro Onyx Lorenzoni viu suas funções políticas passarem para a área de articulação, hoje comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos. Mesmo assim, tropeços continuam. Liberação de recursos A base política cobra liberação de recursos de suas emendas. A faixa de manobra do governo é estreita. O cabresto do cavalo é curto. Matérias importantes acabam sendo desidratadas por deputados e senadores. Afinal, a esfera política, acostumada com os tempos do presidencialismo de coalizão, não tem visto com bons olhos a atitude do governo, de exigir votos sem a devida compensação. Justiça e segurança O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, é o mais popular da Esplanada dos Ministérios, ou, em outros termos, é quem tem mais prestígio junto ao público. Moro substituiu a linguagem de juiz pela linguagem política. Não tem conseguido aprovar tudo o que quer, com seus pacotes encaminhados ao Legislativo, mas pouco a pouco avança na construção de uma agenda de combate à corrupção e à insegurança pública. Moro na chapa? O ministro começa a tomar gosto pela política, a ponto de se tornar, ao final do primeiro ano do governo, no nome mais viável para vice na chapa de Bolsonaro em 2022. A indicação para o STF vai se tornando inviável, não apenas pelo "jeitão" político que começa a assumir como pela promessa do presidente de nomear para a Alta Corte um "ministro terrivelmente evangélico". Este nome seria o de André Luiz de Almeida Mendonça, advogado e pastor presbiteriano brasileiro, hoje advogado-Geral da União do Brasil. Infraestrutura A melhor avaliação da performance administrativa é do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, que encarna o perfil do administrador comprometido com resultados. Sua meta para 2020 é a de realizar 44 leilões em 2020: 22 aeroportos, 9 terminais portuários, 7 rodovias e 6 ferrovias. A estimativa é alcançar R$ 101 bilhões em investimentos. Imagem externa negativa Pela defesa de uma posição de extrema-direita, o chanceler Ernesto Araújo contribui para a imagem negativa do Brasil. Mesmo considerando que a direita vem ganhando eleições nos continentes, a visão do ministro de Relações Exteriores suscita controvérsia. Ele diz que o Ocidente está em decadência e que só os EUA podem salvá-lo, sob a liderança de Trump. Acusa a ordem internacional como adversa à soberania brasileira. Elege como governos nacionalistas, além dos EUA, Israel, Itália, Polônia e Hungria, regimes onde, segundo o ex-embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, a democracia está sendo substituída por duras autocracias. Processo de retração Para Abdenur, o Brasil de Bolsonaro se transforma em uma espécie de "Internacional" da extrema-direita. "Com o ideário apresentado pelo chanceler, a política externa sofrerá processo de retração, de encolhimento. Importantes postulados dessa política serão erodidos ou abandonados: o multilateralismo, os direitos humanos, a sustentabilidade, o apoio às Nações Unidas e aos organismos a ela vinculados". Algumas decisões podem, até, afetar os negócios do país. A mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, terá o condão de desagradar o mundo árabe, considerado um grande mercado para produtos brasileiros, a partir da carne. Direitos Humanos Outra área que formou muita polêmica ao correr do ano abriga o Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos. Mesmo com a defesa de posições muito conservadoras, a ministra Damares Alves até aliviou a carga negativa que pesava sobre ela, nos primeiros meses de sua gestão. Ela se faz presente em muitos eventos e denota sinceridade em suas convicções. Um ponto que gera tensão é o da Comissão de Anistia, que indeferiu 85% dos 2.717 pedidos de indenização, reconhecendo apenas 388 deles. A comissão mudou de perfil sob comando da ministra e endureceu critérios. Os filhos Parcela ponderável das tensões e nervosismo que impregnaram a locução do governo com a sociedade se deve ao comportamento dos três filhos do presidente que militam na política: Flávio, o senador; Eduardo, o deputado Federal e Carlos, o vereador no Rio de Janeiro. Este último, segundo se diz, gerencia a conta do pai nas redes sociais. E abriu muita polêmica com suas mensagens, com tiros nos adversários. Flávio enfrenta o dissabor gerado pela "rachadinha", repartição de salários dos funcionários do gabinete do então deputado estadual. Caso que mexe com o ex-assessor de Flávio, o policial militar aposentado Fabrício Queiroz. Já o deputado Eduardo é fonte de atritos com parte da bancada do PSL, partido que ameaça expulsá-lo. Depois de ter sido desbancado como líder, acaba de voltar à liderança do PSL na Câmara, derrotando Joice Hasselmann na luta esganiçada entre as duas alas. Ambientalismo O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é uma fonte inesgotável de polêmica. Ao correr do ano, viu-se o ministro negando aumento de queimadas na Amazônia e respondendo com certa virulência às denúncias sobre as ações lesivas ao meio ambiente no Brasil. O ministro acaba de voltar da 25ª Conferência do Clima (COP 25) da Organização das Nações Unidas, na Espanha, reunindo representantes de cerca de quase 200 países, totalizando 29 mil pessoas, em debates e articulações. O principal desafio da COP 25 é acelerar o combate às mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos no mundo inteiro, como enchentes e queimadas, estão ligados ao aquecimento global causado pelo ser humano. O Brasil se ateve a um pedido de recursos para a preservação ambiental. O que o ministro disse sobre a COP 25? "Não deu em nada". Área cultural Na área da Cultura, registra-se um monumental retrocesso na esfera do pensamento. O secretário da Cultura, Roberto Alvim, chegou a postar contra a respeitada dama das artes cênicas no país: "A 'intocável' Fernanda Montenegro faz uma foto pra capa de uma revista esquerdista vestida de bruxa". Um outro assessor, dublê de maestro e youtuber, Danton Mantovani, nomeado para dirigir a Funarte, prega que a terra é plana. E associa Elvis Presley, Beatles, drogas, sexo, satanismo e até a CIA em um conluio contra a moralidade dos jovens. Um terceiro, indicado para a Fundação Palmares, Sérgio de Camargo, disse que a escravidão fez bem aos descendentes dos escravos. Por enquanto Camargo está impedido de assumir pela Justiça, mas Bolsonaro diz que vai insistir na sua nomeação. Um rol de falas estúpidas. A área da cultura, perplexa e chocada, nunca viu tanto disparate. Deseducação Por último, mais um polo de tensões: o ministro Abraham Weintraub, que atira, desagrada, comete erros, brinca de palhaço, entra em matéria que não é sua. E acaba sob apupos. O ministro está de férias. É possível que não volte. Mas o presidente garante que ele é "excelente". Em que área, presidente? Na educação, ele mais deseduca. Os militares Os militares que atuam no entorno do presidente estão se saindo bem. O vice-presidente Hamilton Mourão surpreende pela disposição de falar à imprensa. Tem adquirido prestígio no meio empresarial. Os outros ministros agem como civis sem demonstrar sentimento de tutela e proteção ao governo. Abrem-se aos meios de comunicação. Transparentes. O teste de 2019 Como se percebe, 2019 foi um ano cheio de tumultos e tensões. O país recrudesceu o embate entre duas alas, a ala que o petismo criou - "Nós e Eles" - e a ala que o bolsonarismo faz questão de inserir no foro da discussão nacional - "Eles e Nós". O verbo foi ácido. As redes sociais expuseram uma guerra com intenso tiroteio. Persiste a denúncia de que os tiros são realizados por uma bateria de robôs. Os canhões atiram com mentiras, falsidades de todos os tamanhos, injúria, calúnia, difamação. Sob nuvens pesadas, o brasileiro não perde a esperança, que começa a aparecer com alguns reais a mais que entram no seu bolso. A torcida Há uma enorme torcida para que o presidente Jair amenize sua expressão cheia de contundência. Torcida também para que seus filhos falem menos e contribuam para desarmar (e não armar) os espíritos. Se o objetivo é agradar apenas aos torcedores, então não teremos saída: a guerra será total até 2022. É isso que os oposicionistas ao governo estão desejando. Ou seja, os extremos querem clima de embate todo tempo. Isso será um perigo. O Brasil precisa de harmonia, paz social, um pouco de consenso. O caos poderá nos levar ao abismo. Fecho a coluna com uma historinha das Minas Gerais. Suavemente.... José Maria Alkmin foi advogado de um crime bárbaro. No júri, conseguiu oito anos para o réu. Recorreu. Novo júri, 30 anos. O réu ficou desesperado: - A culpa foi do senhor, dr. Alkmin. Eu pedi para não recorrer. Agora vou passar 30 anos na cadeia. - Calma, meu filho, não é bem assim. Nada é como a gente pensa da primeira vez. Primeiro, não são 30, são 15. Se você se comportar bem, cumpre só 15. Depois, esses 15 são feitos de dias e noites. Quando a gente está dormindo tanto faz estar solto como preso. Então, não são 15 anos, são 7 e meio. E, por último, meu filho, você não vai cumprir esses 7 anos e meio de uma vez só. Vai ser dia a dia. Suavemente.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Porandubas nº 648

Abro a coluna com um truque do Padre Vieira. O Padre Antônio Vieira, o célebre pregador, escritor, político e diplomata jesuíta, subindo certa vez ao púlpito, iniciou estranhamente o seu sermão exclamando: - Maldito seja o Pai!... Maldito seja o Filho!... Maldito seja o Espírito Santo!... E quando a assistência, horrorizada, pensava que o grande orador houvesse enlouquecido, ele tranquilamente prosseguiu: - Essas, meus irmãos, são as palavras e as frases que se ouvem com mais frequência nas profundezas do inferno. Houve um suspiro de alívio no templo, mas com esse recurso teve Vieira despertada e presa a atenção dos fiéis como poucas vezes, por outra via, houvera conseguido. Impasses aos avanços A palavra da moda no ciclo de transformações vividas pelo país é REFORMA. Fala-se todo tempo em reformas: política, econômica, trabalhista, administrativa. Os impasses se acumulam. Não tem havido razoável consenso em algumas áreas. Em parte, porque ninguém quer perder. Reforma, como se sabe, abriga mudança de valores e padrões de comportamento tradicionais, substituição de critérios políticos por desempenho, mérito e distribuição mais equitativa de recursos materiais e simbólicos. Maquiavel e Richelieu Maquiavel já alertava: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. Na verdade, o reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem". Nessa mesma linha, o cardeal Richelieu, primeiro-ministro e braço direito de Luis XIII, lembrava em seu testamento político: "O que é apresentado de súbito em geral espanta de tal maneira que priva a pessoa dos meios de fazer oposição, ao passo que quando a execução de um plano é empreendida lentamente, a revelação gradual do mesmo pode criar a impressão de que está sendo apenas projetado e não será necessariamente executado". Nem lá, nem cá Entre as trilhas abertas por esses dois grandes formuladores da ciência política caminha o Brasil. Quem garante que o país não se tem esforçado para abrir uma nova ordem de coisas pode estar acometido de cegueira partidária, essa que confere aos adversários dos governos a capacidade de enxergar apenas por um olho, o da oposição. E quem defende a tese de que o edifício das reformas já está construído - e que tudo anda às mil maravilhas - é um habitante passional do condomínio governamental. Por sua lupa de lentes grossas, os feitos batem nas alturas. Nem uma coisa nem outra. Caminhando devagar O país faz consertos nas estruturas, mas o trabalho é devagar. Os avanços não seguem o modelo "arrombar a porta" da blitzkrieg. Por aqui, a estratégia mais lembra a do general Quintus Fabius (275 a.C.-203 a.C.), conhecido por fustigar o cartaginês Aníbal Barca nas guerras do sul da Itália, nunca recorrendo ao confronto direto, mas "comendo pelas bordas". Faz mais o nosso estilo. Os políticos, para caminharem mais depressa, só mesmo com empuxo e pressão da sociedade. Agora, é oportuno reconhecer. O Congresso assumiu o protagonismo à frente das reformas, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O Executivo, com articulação política capenga, não tem papel de liderança nessa área. Na política I: doutrina O fato é que esbarramos na muralha dos impasses. Na esfera política, por exemplo, as situações ocorrem à maneira de conta-gotas, uma gotinha por vez. Se os partidos carregassem substância doutrinária, poderíamos até ter as 32 siglas registradas no TSE. Mas elas não possuem. Mais parecem geleia geral. E atenção: há 75 pedidos no TSE para formação de novas siglas. Em outros países, a moldura também é cheia de partidos. Na Argentina, há 37, na França, o número é de 14 e, nos Estados Unidos, são mais de 30. Mas nesse país, o sistema é praticamente bipartidário, com os partidos Democrata e Republicano fazendo rodízio. E, claro, com programas que todo norte-americano conhece. Portanto, a reforma política deve prover os partidos de doutrina. Na política II: voto, direito ou dever? O voto é um dever ou um direito? Pela Constituição o voto é um dever, exceção feita aos jovens entre 16 e 18 anos, eleitores com mais de 70 anos e analfabetos. Quem deixar de votar e não apresentar justificativa plausível estará sujeito a sanções. Ora, o voto, apesar de obrigatório, queima considerável parcela da votação, por conta do índice de não comparecimento às urnas. Na política III: voto facultativo Já o voto facultativo, significando a liberdade de escolha, o direito de ir e vir, de participar ou não do processo eleitoral, abriga a decisão da consciência, calibrada pelo amadurecimento. É falaciosa a tese de que a obrigatoriedade do voto fortalece a instituição política. Fosse assim, os EUA ou os países europeus, considerados territórios que cultivam com vigor as sementes da democracia, adotariam o voto compulsório. Na política IV: minoria ativa Na Grã-Bretanha, que adota o sufrágio facultativo, a participação eleitoral pode chegar a 70% nos pleitos para a Câmara dos Comuns, enquanto na França a votação para renovação da Assembleia Nacional alcança cerca de 80% dos eleitores. Portanto, não é o voto por obrigação que melhorará os padrões políticos. O que é melhor para a democracia? Uma minoria ativa ou a maioria passiva? A liberdade para votar ou não causaria um choque de mobilização, levando lideranças e partidos a conduzir um processo de motivação das bases. Na política V: candidatos avulsos Partido é parte, parcela, fatia. O partido político é um canal de representação de parcela do pensamento social. Mas que parcela de pensamento é essa quando as siglas são uma gelatina, sem cheiro, cor ou sabor? Ou seja, são desprovidas de doutrina. Diz-se, ainda, que a política gira em torno de partidos. E quando estes perdem sua identidade? Os países democráticos, a partir da maior democracia no mundo, os EUA, abrem espaços para as candidaturas avulsas, pessoas não engajadas na vida partidária, que podem ser candidatos se conseguirem obedecer a determinadas regras do pleito, como número de assinaturas proporcionais ao total dos votos para governador em Estados. Por aqui, o debate se abre. O relator da questão é o ministro Luís Roberto Barroso. Em tempo: legislar sobre isso não é tarefa do Legislativo? Por que o Judiciário entra nesse tema? Na política VI: voto e suplente Há outros temas de relevo, entre eles, o sistema de voto. Já está na hora de definir que tipo de voto é o mais adequado ao país, aquele que mais atende ao espírito cívico: o voto distrital misto (com parcela dos candidatos sendo eleita pelo voto majoritário e parcela pelo voto proporcional) ou o atual modelo? Essa figura de suplente de senador não pode ser objeto de extinção? O suplente não é votado. E muitos suplentes acabam chegando à Câmara Alta, geralmente os financiadores das campanhas. Por que não escolher o segundo mais votado para tomar o assento caso o eleito saia do posto para ocupar cargos nos Executivos estaduais ou em casos de morte e pedidos de licença? (Pequeno respiro entre notas monótonas) Pra caçar rato Seu Lunga andava com sua bota com par de esporas. Um amigo joga a pergunta: - Lunga, para quê essas esporas? O velho responde: - É pra caçar rato! O rapaz pergunta: - Como o senhor caça rato? Seu Lunga na ponta da língua: - Primeiro, você põe um queijo amarrado na sua parte traseira. Quando o rato vier, você chuta de calcanhar o rato com as esporas. Na economia I: tributos O Brasil possui uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Já está mais do que madura a ideia de o país avançar no caminho de uma reforma tributária em profundidade. No Senado, tramita a PEC 110, baseada em texto de um grande estudioso do tema, o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que corre o país discorrendo sobre o tema, e que tem como relator o senador Roberto Rocha, do Maranhão. Na Câmara, tramita o projeto do deputado Baleia Rossi, já aprovado na CCJ e que tem como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro, da Paraíba. Os dois projetos têm em comum a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços, com a unificação de diversos tributos. O país precisa desenrolar esse nó. Na administração: racionalidade O Estado brasileiro carece de profundas reformas para ganhar eficiência, agilidade, transparência. Precisa de reformas sob a égide da racionalidade. Daí a importância de organizar a composição dos espaços e cargos de acordo com critérios da meritocracia. A política do mérito, a nomeação de especialistas, o fator técnico predominando sobre o fator político. Urge enxugar a máquina administrativa, diminuir os excessos burocráticos que emperram os processos. Na área trabalhista I: avanços O Brasil avançou bem na linha trabalhista, com a reforma trabalhista ocorrida em 2018. Fez importante mudança na estrada da contratação de trabalhadores, por meio da Lei da Terceirização. A reforma do trabalho contou com o esforço magistral do então deputado Rogério Marinho, relator do projeto. E com a costura bem feita do deputado Laércio Oliveira, que foi relator da Terceirização. Mudanças continuam sendo feitas, agora sob a égide da Secretaria da Previdência e do Trabalho, sob o comando de Marinho. Na área trabalhista II: o mundo do trabalho Ocorre que o pensamento reformista ainda não baixou nas frentes do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho. O primeiro continua multando empresas, sem considerar as mudanças feitas pela reforma trabalhista, onde se configura uma nova modelagem do emprego. Já o TST também começa a desconsiderar a nova composição do trabalho, alinhada pela Lei da Terceirização. Recentemente, decidiu que terceirizados de uma empresa de entregas devem ser contratados pela TST, o que deve repercutir em todo o universo do trabalho no país. Nota Final - o desemprego em alguns países Estados Unidos - 3,5% - só em novembro foram abertas 266 mil vagas. Em 2009, a taxa era de 10%. Reino Unido- 3,8% França - 8,4% Alemanha -3,1% Portugal - 6,6% Espanha - 14,2% Grécia - 16,9% Brasil - 11% (12,5 milhões de desempregados) Fecho a coluna com o ditador. O ditador vai ao médico: - E a pressão, doutor? - O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.