COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 16 de junho de 2021

Porandubas nº 720

A ignorância é mãe dos delinquentes. O não saber é pai da barbárie. Seus filhos são delinquentes incapazes de adaptar sua conduta à moral e aos bons costumes. Refugiam-se na sombra da mediocridade. Sob a escuridão das noites. Orgulham-se de seus atos torpes e criminosos. Quando apanhados pelas malhas da Justiça, choramingam sua covardia. Infelizmente, desfilam cada vez em maior número numa macabra legião que marcha, atropeladamente, em direção à ignomínia. (Pequeno texto inspirado em O Homem Medíocre, de José Ingenieros, para dizer que o vandalismo chega aos cantos mais remotos do país, como a serra onde nasci, Luís Gomes, extremo oeste do Rio Grande do Norte, bucólica, em tempos idos, e hoje com suas praças devastadas pela delinquência). Aos leitores, aviso que o humor está no final da coluna. É um "causo" hilário. Aglomerações Em nossas plagas, a banalização da ilegalidade faz escola. Costumo lembrar os quatro tipos de sociedade existentes no mundo: o primeiro é a sociedade inglesa, onde tudo é permitido, salvo o que for proibido; o segundo é a sociedade alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; o terceiro é a totalitária, ditatorial, onde tudo é proibido, mesmo o que for permitido; e o quarto tipo é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que for proibido. E o pior é que o mau exemplo vem de cima. Da mais alta autoridade da República, o senhor presidente, que continua a fazer aglomerações e a não usar máscaras em seus eventos de rua. Até quando? Quando veremos o império da ordem e da Justiça? Ou será que as leis não pegam? Perguntaram a Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, se havia produzido boa legislação para os atenienses. Respondeu: "Dei-lhes as melhores leis que podiam suportar". Perguntaram ao barão de Montesquieu, o formulador da teoria da separação dos Poderes, quais as boas leis que um país deve ter. A resposta: "Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que existem, pois há boas normas por toda parte". Pois é, por aqui, a quebra da norma começa com os poderosos. Quantas leis o senhor fez? Pergunte-se a um representante do povo no Parlamento brasileiro que critérios guiam a tarefa legislativa. É provável que aponte o número de projetos apresentados - sem destaque para o mérito -, corroborando a ideia de que, em nossa seara parlamentar, vale mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do qual pouco se aproveita, do que a qualidade da semente. A extravagância Amparadas pela "força" (?) da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da Jóia Folheada (toda última terça-feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a Semana do Bebê e outras esquisitices povoam a roça do joio legislativo, cultivada por parcela ponderável do corpo parlamentar. Instados fossem a discorrer sobre a natureza de nossas leis, os Sólons tupiniquins poderiam sacar uma resposta como esta: "São as leis que os brasileiros têm de aguentar". Cada povo com sua medida e capacidade legislativa. Silêncio dos animais Há tempos, em Santa Maria/RS um vereador propôs a "lei do silêncio dos animais" para evitar latidos de cachorros após as 22h; em Catanduva/SP um projeto determinava que os doentes deveriam morrer em cidades vizinhas por causa da superlotação das sepulturas (nesse momento, então, a lei seria rapidamente aprovada); em Sobral/CE, sugeriu-se construir torres gêmeas para abrigar a prefeitura e as secretarias; em Manaus um vereador queria instalar um neutralizador de odores nos caminhões de lixo; e em Porto Alegre cavalos e burros teriam de usar fraldas, "com exceção dos que participarem de eventos". Incrível, porém verdadeiro. Burocracia Padecemos de aberrações como as descritas acima e de outras herdadas do nosso passado colonial. Somos um país que ainda não cortou as amarras da secular árvore do carimbo, "preciosidade" trazida pelos colonizadores portugueses. O carimbo foi criado por dom Diniz nos idos de 1305 para conferir autenticidade a documentos. Concedido a "homens bons", nomeados pelo rei, que juravam fidelidade aos santos Evangelhos, incrustou-se na vida brasileira a ponto de atravessar, incólume, mais de cinco séculos. Deixa sua tinta forte na própria era digital. Falsa autoridade A autenticação e os selinhos de cartórios trazem obsoletos costumes ao nosso cotidiano, pavimentando os caminhos da burocracia. Explica-se o cartorialismo ainda pela capacidade de fortalecer a estrutura de autoridade; esta, por sua vez, se expande na esteira de leis que procuram impor a ordem do mundo ideal. Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por força da lei. A célebre pergunta "você sabe com quem está falando?" expressa a ideia de que o poder deriva do cargo de quem o detém. O brasileiro, mais que outros povos, desfralda essa bandeira. Morrer pela pátria Daqui a pouco, chegaremos aos 500 mil mortos pela foice do corona-19. "Dulce et decorum est pro pátria mori" - Doce e digno é morrer pela Pátria - escreveu Horácio, o poeta romano em verso que traduz um dos mais nobres sentimentos políticos. Nos idos contemporâneos, este sentimento é um arrazoado de palavras ao vento. Multas O presidente Bolsonaro e dois ministros foram multados pelo governo do Estado de São Paulo por descumprirem a regra de uso de máscara em aglomerações. Perguntas com respostas já sabidas: quando serão pagas essas multas? Para onde foram enviadas? Ou tudo não passa de encenação? Se chegarem aos destinatários, o que estes farão com elas? Nas antessalas dos Palácios, ouvem-se gargalhadas. O nome Será extremamente difícil chegar-se a um nome político que possa canalizar partidos e facções. Principalmente se este nome já tem história na agenda eleitoral. O ideal seria um perfil asséptico, não contaminado pelo vírus da política, de uma idade entre 40 e 60 anos, empreendedor, com origem profissional na área privada. Se vier da política, que seja o mais limpo possível. Aceitam-se sugestões. Disputa por antecipação O governador João Doria antecipou em um mês o calendário de vacinação no Estado, prometendo vacinar todos os adultos até 15 de setembro. O prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, chamou Doria de "pai das vacinas", mas topou o desafio, devendo também antecipar o calendário da capital. Boa disputa. Deve ser estimulada pela comunidade. Quem não deve.... Por que algumas figuras se negam, com veemência, a prestar depoimentos na CPI da covid-19? O ditado reclama: "quem não deve, não teme". Siga o dinheiro Esse também é um bom conselho para os integrantes da CPI. Sigam a rota do dinheiro, corram na pista do dinheiro. Deve aparecer falcatruas. Para muitos brasileiros, a curva é uma larga reta. Balas perdidas A tragédia se expande com essas balas perdidas atiradas a todo momento por policiais e bandidos no Rio de Janeiro. Sonhos desfeitos, dores no seio familiar. Vidas destruídas. Santos Cruz O nome do general Santos Cruz, que chefiou a Casa Civil no governo Bolsonaro, tem se mostrado uma voz de alerta contra a politização das Forças Armadas. Recebe o respeito da sociedade. Esse militar, da reserva, tem todas as condições de pleitear um cargo na esfera político-institucional. Bom senso e equilíbrio. André Mendonça Está chegando a hora da nomeação de um perfil "terrivelmente evangélico" ser nomeado para o STF na vaga do ministro Marco Aurélio, que se aposenta. Quem? O favorito é André Mendonça, ministro-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União). Mas o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, também está no páreo. Os dois fazem telefonemas para os senadores. O número 3 O vereador Carlos Bolsonaro, leio, não perde uma viagem do pai. Fica todo tempo calado e observando as cenas. Teria sido o autor da engrenagem do presidente nas redes sociais. O rapaz sabe lidar com essas coisas. Integrado ao mundo digital. Melhor seria se assumisse de maneira oficial o papel do estrategista do governo. Primórdios "Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma) O marketing de campanha O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Nas campanhas, o marketing segmentado acaba assumindo tanta importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. Fecho a coluna com uma historinha do Paraná. Promessa de campanha A historinha foi enviada por um leitor do Paraná. Candidatos de duas famílias disputavam a prefeitura de uma pequena cidade. Final de campanha. A combinação era de que os dois candidatos e seus familiares teriam de usar o mesmo palanque. Discursou, primeiro, o candidato que tinha 70% de preferência dos votos: - Povo da minha amada terra, povo ordeiro, trabalhador, religioso e cumpridor de suas obrigações. Se eleito, irei resolver o problema de falta de água e de coleta de esgoto. Farei das nossas escolas as melhores da região, educação em tempo integral. Vou construir uma escola técnica do município... E arrematou: - E tem mais, meus amigos, ordeiros, religiosos e cumpridores de seus deveres morais, vocês não devem votar no meu adversário. Ele não respeita nossa gente, nossas famílias, nossos costumes. Ele desrespeita nossa igreja. Ele nem se dá ao respeito. Vocês não devem votar nele. Porque ele tem duas mulheres. O adversário, com 20% de intenção de voto, quase enfartou quando viu a mulher, ao seu lado, cair no palanque. Ela não aguentara ouvir a denúncia do adversário de que o marido tinha uma amante. A desordem ganhou o palanque. A multidão aplaudia o candidato favorito e vaiava o adversário. Cabos eleitorais começaram a se engalfinhar. Passado o susto, com muita dificuldade, o estonteado candidato acusado de ter duas mulheres começa seu discurso, depois de constatar que a esposa estava melhor: - Meu amado povo, de bons costumes e moral ilibada, religioso e cumpridor de seus deveres morais, éticos e religiosos. Quero dizer aos senhores e senhoras aqui presentes, que, se agraciado com seus votos me tornar o prefeito desta cidade, farei uma mudança de verdade. Não só resolverei o problema da falta de água, como farei também o tratamento de todo o esgoto do município, construirei uma escola técnica e um novo hospital. A multidão caçoava do coitado e de sua mulher. Mas ele não desistiu e foi em frente : - Vou melhorar o salário dos professores, a merenda das crianças e ainda vou instituir o Bolsa Cidadão! Agora, prestem bem atenção. Se os amigos acharem que não podem votar em mim porque tenho duas mulheres, votem no meu adversário! Mas saibam que a mulher dele tem dois maridos. A galera veio abaixo. O pau comeu. Brigalhada geral. Urnas abertas. O adúltero ganhou com 76% dos votos.
quarta-feira, 9 de junho de 2021

Porandubas nº 719

Abro a coluna de hoje com uma historinha do Paraná. Conversa de jardim Manuel Ribas, interventor no Paraná (1932/1935), depois governador (1935/1937), despachava no palácio, mas gostava de morar em sua casa. Bem cedinho, chega um rapaz e encontra o jardineiro regando o jardim: - Seu Ribas está? Sou filho de um grande amigo dele. Meu pai me mandou pedir um emprego a ele. Eu podia falar com ele? - Poder, pode. Mas, e se ele não lhe arrumar o emprego? - Bem, meu pai me disse que, se ele não arranjasse o emprego, eu mandasse ele à merda. - Olhe, rapaz, passe às 4 da tarde lá no palácio, que é a hora das audiências, e você fala com ele. Às 4 horas, o rapaz estava lá. Deu o nome, esperou, esperou. No salão comprido, sentado atrás da mesa, o jardineiro. Ou seja, o governador. O rapaz ficou branco de surpresa. - O que é que você quer mesmo? Repetiu a história. "Meu pai me mandou pedir um emprego ao senhor". - E se eu não arranjar o emprego? - Então, seu Ribas, fica valendo aquela nossa conversa de hoje de manhã, lá no jardim. Cordão esgarçado O cordão umbilical que ligava Jair Bolsonaro ao Exército está esgarçado. Não a ponto de se romper, mas deixando a ver fiapos. A entrevista do ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, passando uma toalha sobre a ferida, pode ter acalmado a cúpula das FFAA, mas a sensação é a de que altas patentes - da ativa e da reserva - estão aborrecidas com o affaire Pazuello, ou seja, com o deixa pra lá que o comandante do Exército determinou ao não dar punição ao ex-ministro da Saúde por ter participado de ato político por ocasião da motociata no Rio de Janeiro. Afastamento Multiplicam-se as vozes que interpretam as constantes falas do presidente sobre eventuais fraudes a ocorrerem no processo eleitoral de outubro de 2022 como aceno longínquo a "um golpe" engendrado pelo sistema cognitivo do capitão. Vocação para o embate, cooptação do "meu exército", culto ao passado de chumbo, esforço quase diário para endurecer a linguagem e animar suas bases- seria o pano de fundo da maquinação. Parcelas das Forças, porém, parecem querer distância da política. Sob pena de verem naufragados todos os esforços realizados nas últimas décadas na meta sempre almejada de impregnar sua imagem com densa camada de profissionalismo. Haveria condições? Não é fácil responder à questão: haveria condições para um ato golpista? Ora, não se trata apenas de querer e fazer. Trata-se de querer e poder. O conceito de poder, nesse caso, abriga ponderáveis - elementos determinantes e componentes - que ultrapassam os limites de uma visão conservadora, ideológica, radical. De direita ou de esquerda. Estariam em jogo o estágio civilizatório do país, o grau de amadurecimento político, o estado geral da economia, a satisfação/insatisfação das classes sociais, a organicidade social, a pressão dos grupamentos organizados, o rolo compressor das classes médias, a fome e a miséria e a vinculação das mazelas sociais às administrações. E quem diria que o clamor social, em uma crise, seria a favor de um golpe desferido pelo governante do dia? Seja quem for? O Brasil no mundo Outra face a se contemplar seria a do papel do Brasil no mundo, a inserção na ordem planetária, seus parceiros e compromissos, suas políticas em todos os campos, moldura que certamente impactaria na hora de desfechar um golpe. As FFAA são integradas por perfis de alta qualificação, figuras que vão a fundo na análise das revoluções e contrarrevoluções. Imaginar que um golpe é um ato vapt-vupt sacramentado pela sociedade organizada é pensamento de ignaros e radicais, que têm soluções guardadas no bolso furado ou em mente distorcida. Terceira via? É cedo A esta altura, políticos e analistas estão dando à polarização entre direita e esquerda, Bolsonaro e Lula, como coisa certa e acabada. Não compartilho desta tese. É muito cedo para definir rumos. O vento que hoje corre numa direção tomará outros rumos amanhã. E sabendo como se faz política no Brasil, nada se define de antemão. Peru não morre de véspera. Os finais de história são decididos em instantes finais. O Senhor Imponderável costuma nos visitar. E o país está com um imenso vazio a ser ocupado no meio da sociedade. Que processos cognitivos poderão ocorrer? Faço curtas observações. Instinto de sobrevivência Sergei Tchakhotine, cuja obra A Mistificação das Massas pela Propaganda Política é meu livro de cabeceira, lembra os quatros instintos estudados por Pavlov: a) o instinto combativo; b) o instinto nutritivo; c) o instinto sexual e d) o instinto paternal. Os dois primeiros ligados à conservação do indivíduo e os dois últimos relacionados à preservação da espécie. Fiquemos com os dois primeiros. O ser humano combate para sobreviver. Ante uma ameaça, pega a arma mais próxima para vencer o inimigo. Vê-se acuado. Duas feras tentam abrir a bocarra em sua direção. Como sair? Ora, se a saída da emboscada é o aceno de uma pessoa que aparece na paisagem de medo e horror, ela corre, pressurosa. O salvador o chama: corre pra cá, corre pra cá. Ela aceita e foge na direção do figurante, que parece a única alternativa para escapar da enrascada. O figurante E quem seria esse figurante? Ora, alguém que o desesperado até então não conhecia. Só o viu até deparar com a ameaça fatal de duas feras de boca arreganhada. Uma pessoa nova nesse canto da floresta, com jeito de ser gente do bem, disposta a ajudar o medroso a fugir do perigo. Esse figurante não ocupava espaço central na paisagem e foi se aproximando, chegando. Seria a melhor opção. Ou seja, era um terceiro lugar por onde se refugiar. Lá estaria ele com seu aceno: um homem ou até uma mulher (sim, não se descarta essa possibilidade), com jeito de que não é caçador voraz como outros da floresta política. E em que tempo poderia aparecer? Março, abril, maio? Até as convenções partidárias. A barriga Atentaram para o segundo impulso ligado à sobrevivência? Pois é, o instinto nutritivo. Ou seja, as pessoas vão buscar no alimento a seiva da vida. Sem alimento, o ser humano não sobrevive. Donde tenho insistido na equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Se as famílias brasileiras estiverem com suas barrigas satisfeitas nas margens de outubro de 2022, podem, até, caminhar na direção de uma das feras da floresta, no caso, o governante que proporcionou o alimento. Mas se as barrigas estiverem roncando, o desesperado faminto e seus vizinhos tenderão a correr na direção do figurante que acena com a saída. Este consultor acha que a pandemia implicará refluxo da economia, não havendo tempo para sua recuperação até outubro de 2022. Dito isto, emerge a hipótese: a terceira via será viável. Kassab, o articulador Gilberto Kassab tem demonstrado ser um dos mais hábeis articuladores da política brasileira. Nesses tempos de pandemia, com CPI da Covid e seus reflexos, Kassab tem se desdobrado para adensar o seu PSD, atraindo nomes de alto coturno, como Eduardo Paes, prefeito do RJ, Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara, possivelmente Geraldo Alckmin, ex-governador de SP, e outros. Ex-ministro dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, Kassab é ponderado, sabe ouvir, tem palavra firme e joga todo tempo na costura de situações. Será parceiro fundamental na montagem das peças do pleito de 2022. Muito sigilo O processo envolvendo o ex-ministro Pazuello no ato político do presidente Bolsonaro ganhou um século para vir à tona. Isso mesmo, alto segredo de Estado. 100 anos sob uma capa de silêncio. Mozart Esta Coluna presta uma homenagem especial a um amigo que parte: Mozart Vianna, o braço direito de 12 presidentes da Câmara há quatro décadas. Educado, afável, voz baixa, competente, sabia o regimento da Câmara do capítulo 1º ao último. "Meu amigo, me explique esse PL". Cerimonioso: dava todas as explicações. E sempre acrescentava: "leio todos os seus artigos semanais". Que tristeza. P.S.: Faço observação do ex-deputado, sociólogo, grande pensador e amigo Paulo Delgado: "No Brasil, infelizmente, o elogio vem sempre em hora errada". Fecho com um "causo" de Pernambuco. O verbo não "vareia" A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens". - Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa. - Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia".
quarta-feira, 2 de junho de 2021

Porandubas nº 718

Abro a coluna com a matreirice mineira. O milagre José Maria Alkmin, a raposa mineira, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A Alfândega quis saber o que era. - Água milagrosa de Fátima. - Mas tudo isso? - Lá em Minas o pessoal acredita muito nos milagres da água de Fátima. Não dá para quem quer. - O senhor pode desenrolar? - Pois não, meu filho. - Mas, deputado, isso é uísque. - Ué, não é que já se deu o milagre? Cepa América Cartas marcadas. O jogo tem jeito de contaminação e matança. Bolsonaro decide abrigar a Cepa América (isso mesmo, Cepa). Resta gritar como os condenados no Coliseu Romano: "Ave, Caesar, morituri te salutant" ("Salve, César, aqueles que vão morrer te saúdam"). Oposições nas ruas Sábado último abriu a mobilização das oposições nas ruas. Causou surpresa pelo número de cidades - mais de 200 - em todos os Estados. Houve, sim, uma grande mobilização. Bolsonaro e o clamor pela vacina deram o tom. O comparecimento esteve acima da expectativa tendo em vista o pano de fundo pandêmico e a emergência de uma terceira onda. As oposições, no entanto, perdem o discurso de defensores da luta contra o coronavírus. Houve, sim, aglomerações. Tal constatação iguala os oposicionistas aos bolsonaristas em matéria de respeito às restrições. Cisão? Não? Sim Cisão nas Forças Armadas? Tema proibidíssimo. Forças Armadas significam disciplina, ordem unida, respeito à Constituição, defesa da Pátria. E quando um componente da corporação infringe uma de suas normas? Claro, deve ser punido. Ora, o general Eduardo Pazuello, ainda na ativa, teria ferido uma norma. Mas o comandante geral das Forças Armadas, o senhor presidente da República, vetaria eventual punição. O que fazer? Como se comportar? Essa situação, alvo da mídia, escancara a inferência: há, sim, uma cisão entre componentes da cúpula das FFAs a respeito desse assunto. Insanidade Se a Ciência já tomou posição contra a cloroquina e outros remédios incluídos no pacote antipandêmico, defendido pelo presidente e seu entorno; se o presidente continua a menosprezar as medidas de precaução, como o uso de máscara e o distanciamento; se a gestão governamental sobre o combate ao corona-19 tem sido considerada um pandemônio; se o mundo inteiro vai por um caminho e o Brasil se esforça para avançar na contramão... e outras coisas que causam perplexidade. O que dizer? Alguém ou alguéns padecem de insanidade. Caso de internação. O Estado-Espetáculo O Estado-Espetáculo tem sido construtor e destruidor de imagens. No Estado-Espetáculo, os atores são políticos, cantores e compositores, atores, atrizes e produtores do mundo cinematográfico, jogadores de futebol e de outras modalidades, empresários e demais perfis dos círculos de negócios. A mídia os tem transformado em olimpianos, na acepção de Edgar Morin, aqueles que vivem no Olimpo da cultura de massas, com uma faceta humana e uma faceta divina. São admirados e aplaudidos. Solicitados a dar autógrafos. A histeria provocada por alguns integra o espetáculo. Até pedaços de suas vestes são disputados por mãos e braços de galeras histéricas. A imagem desaba De repente, a faceta divina entra na lama. Uma denúncia, flagrante de assédio (moral, sexual), corrupção, propina, atos considerados abusivos, imorais e condenáveis jogam o olimpiano no banco dos réus. Da noite para o dia, a imagem do protagonista desaba. Alguns vão diretamente para a prisão, outros, para o banco dos réus. E aguardam a decisão da Justiça. Aquela aura recheada de carisma, brilho, simpatia, empatia, admiração escapa do perfil como uma nuvem passageira. Os ídolos de barro desmoronam com a chuvarada de críticas. Tipologia da queda Os perfis no vale dos caídos têm algumas particularidades: Política - Atingido por um flagrante - escândalo, propina, desvio de verbas - o político entra no inferno dos malvistos. A depender do volume midiático e da importância da pessoa, a suja imagem tende a permanecer muito tempo boiando no pântano. Alguns carregam a fama por toda a vida. Adhemar de Barros puxa o troféu do "rouba, mas faz". O tempo o cobriu com o manto do folclore. Virou governante simpático. Paulo Maluf também ganhou essa embalagem. Orestes Quércia, idem. O fluir do tempo limpa a parede suja na medida em que a corrupção banaliza padrões e costumes ilícitos; regra geral, os políticos, como uma coletividade, são jogados no mesmo saco. A imagem também é compartilhada pelo escopo ideológico que envolve o protagonista: comunista, esquerdista, fascista, nazista, direitista, conservador, negacionista (novo atributo). Atores/atrizes - Na contemporaneidade, os integrantes desse universo têm sido flagrados pela lupa do assédio (sexual, moral/ético). Exemplos de personagens que borraram sua imagem: Woody Allen, o grande diretor e um talento de criatividade, acusado de abusar de Dylan Farrow, filha dele com Mia Farrow. Alyssa Milano juntou 80 mulheres que denunciaram abusos do produtor de Hollywood, Harvey Weinstein. Kevin Spacey, muitos filmes e House of Cards, foi acusado de assediar sexualmente diversos homens. Ben Affleck, acusado de tocar os seios da atriz Hilarie Burton quando ela tinha 18 anos. Jamie Foxx, acusado de bater com o pênis em um rosto de uma mulher. Michael Douglas, acusado de usar linguagem sexual para parceiras. Morgan Freeman, acusado de assédio sexual por oito mulheres em entrevista à CNN. Roman Polanski, detido sob a acusação de drogar e estuprar uma jovem de 13 anos durante uma sessão de fotos na casa do ator Jack Nicholson. Sylvester Stallone, alvo de denúncia de abuso sexual contra adolescentes. E muitos outros. Alguns provaram sua inocência. Mas a mancha fica. P.S. Woody Allen, mesmo com criatividade, parece rejeitado em seu mundo. Brasil O caso mais recente no Brasil é o que envolve o humorista Marcius Melhem, denunciado pela atriz Dani Calabresa e outras colegas de trabalho dele por assédio sexual. Outro caso que mexeu muito com a classe artística foi o do famoso ator José Mayer, também acusado de assédio sexual. Saiu da TV Globo e ainda hoje está fora do vídeo. Há casos em todos os quadrantes. Nessa esfera artística, a limpeza de imagem é complexa. Depende muito da complacência da mídia. Depois de certo tempo, e pedidos de perdão, alguns acabam voltando a lograr simpatia de suas antigas comunidades, apesar de ser impossível resgate completo de imagem. Esportes - Quem continua na crista da onda - mídia e adjacência - em matéria de sexo (assédio) é Neymar, do PSG. Há uma década que circula pelo Olimpo da cultura de massa, alvo de intenso tiroteio. A torcida (parte apenas) acaba perdoando as diatribes por conta de sua performance futebolística e a aura divina que o envolve. Círculo de negócios - Morreu na prisão aos 82 anos, faz pouco tempo, Bernie Madoff, criminoso que deu o maior golpe financeiro de todos os tempos. Estava preso desde 2008 e havia sido condenado a 150 anos de prisão por ter enganado 30 mil pessoas que participaram de uma pirâmide financeira e de um rombo de 65 bilhões de dólares. Recuperar a imagem dele, tarefa impraticável. Odebrecht, no Brasil, e outros grupos, foram envolvidos com corrupção e acabaram alvo da operação Lava Jato. Resgatar imagem? Será possível. Medidas: reconhecimento público do erro, mudança de nome, adoção de novos métodos de gestão, rígidos controles, campanhas de marketing social intensas. A Vale do Rio Doce está limpando a imagem usando esses métodos. Campanhas de utilidade pública nesse ciclo de pandemia caem bem. Conveniência Há um aspecto pouco considerado no capítulo da imagem. Há figuras que fazem questão de passar uma imagem para a sociedade não compatível com parâmetros éticos, morais e até legais. Na política, essa observação é mais compreensível quando se selecionam perfis que procuram andar na contramão do bom senso: incentivar a violência pelo uso de armas, vituperar contra a ciência, usar linguagem inapropriada e até de baixo calão e assim por diante. O que explica tal contrafação? Alimentar as bases populares com os sentimentos que as empolgam: violência, ataque, medo, ameaça de morte a adversários, sob uma pseudo linguagem de moralização. Fatores comportamentais Mas há gente séria e competente que apresenta imagem negativa, apesar do reconhecimento sobre suas qualidades. O que explica sua inserção no poço da imagem? Resposta: por não conseguirem entrar na equação interativa da comunicação. O jeito, a postura, a forma de se apresentar, o maneirismo nas explanações, o estilo professoral/didático (que passa ideia de onisciência e onipotência) integram a escala de valores em questão. Em vez de transmitir sinceridade, transmitem impressão de artificialismo, marketing, autoglorificação, hosanas para si próprio. Essa é uma barreira de difícil ultrapassagem. Os protagonistas tendem a não aceitar mudar de comportamento. O novo livro do Maierovitch "Máfia, Poder e Antimáfia, um olhar pessoal sobre uma longa e sangrenta história" é um livro-ensaio-grande reportagem do jurista Walter Fanganiello Maierovitch, conhecido nacionalmente por nos brindar, na CBN, com a mais competente análise dos fatos políticos e sociais, sob a ótica do Direito e da Justiça. Com prefácio do jornalista Fernando Gabeira, a obra, sob o selo da editora UNESP, é um painel pleno de informações, casos e histórias envolvendo a máfia italiana, porém com um algo a mais que não se lê em outros compêndios: a vivencia e o domínio do juiz Maierovitch sobre a temática da violência e do terrorismo, eis que ele, também cidadão italiano, é amigo dos juristas que investigaram a Cosa Nostra siciliana, a partir do juiz Giovanni Falcone, assassinado em 1992, e que aqui esteve para tratar da extradição de Tommaso Buscetta, preso em São Paulo em 1983. Brasil no mapa das drogas A obra do analista jurídico resgata a história da máfia e seus personagens, ao lado dos temas sobre violência na contemporaneidade, como o combate às drogas, a política criminal, o Estado e o terrorismo, as Convenções Internacionais contra o crime organizado, abarcando até questões nossas, como a Cracolândia, que tem sido contemplada com políticas que Walter Maierovitch designa de "enxuga gelo". A leitura, fácil e convidativa, mostra como o Brasil se inseriu no mundo da violência como um entreposto de drogas. Um trabalho de grande fôlego. O fecho vem também de Minas. Desde que o dinheiro venha Mais uma da matreirice mineira. Benedito Valadares chegou a Curvelo/MG, para visitar a exposição de gado do município. Na hora do discurso, atrapalhou-se: - Quero dizer aos fazendeiros aqui reunidos que já determinei à Caixa Econômica e aos bancos do Estado a concessão de empréstimos agrícolas a prazos curtos e juros longos. Lá do povo, alguém corrigiu: - É o contrário, governador! Empréstimo a prazo longo e juro curto. - Desde que o dinheiro venha, os pronomes não têm importância.
quarta-feira, 26 de maio de 2021

Porandubas nº 717

Panorama Burrice ou estultice? Depois de comparecer duas vezes à CPI da Covid-19, o ex-ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, compareceu ao ato de domingo passado, um evento de motoqueiros em homenagem ao presidente Bolsonaro. Erro crasso. Militar na ativa não pode comparecer a evento político. Pior é que essa subida em palanque ocorre depois de Pazuello ter dito e repetido que Bolsonaro e ele defendem o uso de máscara. Pois nem ele nem o presidente usaram máscara. O general confessa que errou. Errou na logística do comparecimento? Burrice ou estultice? Uma asneira arrematada. Punição Se o general errou, deve ser punido. Mourão, o vice-presidente, deu a pista: sair logo da ativa para aliviar a pena. O respeitado general Santos Cruz proclama: um erro que não pode passar em branco sob pena de desmoralizar a Força. P.S. O presidente Jair Bolsonaro ordenou a lei do silêncio nas investigações sobre a participação do general Pazuello na "motorciata", domingo passado, no Rio de Janeiro. P.S. E se o general enveredar pelos caminhos da política, hein? Mosca azul? A lei do 1/3 Está na boca dos analistas políticos: as oposições à esquerda contam, hoje, com 1/3 do eleitorado e simpatizantes (PT, PSOL, parte do PSB); os núcleos de centro contam com 1/3 (PSDB, MDB, DEM, parte do PSD e outros) e os governistas, à direita, partidos no entorno do presidente agregariam também 1/3 (PP na liderança e parcelas de outros). Essa equação dos três terços é a mais referenciada (não reverenciada). A mais repetida. Quem vai desarrumar a equação para lá ou para cá é o motor da economia. A conferir. Lula de centro? Minha querida mãe, que Deus levou aos 102 anos, sempre me dizia: "meu filho, nunca diga - desta água não beberei". Popular e sábia advertência. Lula ser considerado, hoje, um perfil de centro, é uma entortada no canivete suíço. Lâminas indobráveis. Mas o próprio já chegou a dizer que é a própria "metamorfose ambulante". Desgaste de material Eis o imbróglio que pegará muita gente pelo gogó. O eleitor/consumidor vota, convive, consome o mesmo produto por anos a fio. Com o tempo, uma crosta de bolor se forma em torno dele. Parede velha, esburacada, carecendo de reboco. Pintar sobre a parede sem cuidar do reboco é gastar tinta. O tempo desgasta os materiais. Por isso, as paredes precisam receber um tratamento mais adequado. Com argamassa nova e resistente. Cimento de boa qualidade. Pensem, agora, quem está rebocando suas paredes? Lista do reboco Quem, entre esses, vocês acham que carece de fina (F), média (M) ou grossa argamassa (G)? Um lembrete: perfis apontados como G tendem a sofrer maior resistência do eleitor/consumidor. Minhas pontuações: - Luiz Inácio Lula da Silva - G; - Ciro Gomes - G; - João Doria - M; - Sérgio Moro - F; - Luiz Mandetta - F;- ACM Neto - M; - Jaques Wagner - M; - Fernando Haddad - M - Jair Bolsonaro- G; - Rui Costa - F; - Eduardo Leite - F; - Eduardo Paes- M; - General Mourão - G. O paradoxo do mentiroso Em época de muita mentira e lero-lero, vale a pena lembrar o quebra-cabeças atribuído a Eubulides, aluno de Euclides, conhecido como "o paradoxo do mentiroso". Se alguém (escolha um político ou governante, ministro ou ex-ministro) disser "essa afirmação é falsa", estaremos diante do seguinte paradoxo. Se a afirmação for falsa, então a afirmação do emissor é verdadeira, pois foi o que ele disse. Mas se ele falou verdadeiramente, a afirmação tem de ser falsa, porque ele falou que era falsa. Arremate: se é falsa, conclui-se que a afirmação é verdadeira; e se é verdadeira, segue-se que é falsa afirmação. Deixemos que os senadores quebrem a cabeça na CPI da Covid-19. Diógenes Governo parece querer oxigenar os espaços do patrimônio cultural. O advogado, poeta, escritor e presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Diógenes da Cunha Lima, foi convidado para integrar o Instituto Histórico e Artístico Nacional. O Iphan cuida do patrimônio cultural do país. Diógenes é o escritor que mais escreveu sobre Câmara Cascudo, com quem conviveu. E guarda uma coleção de histórias e depoimentos sobre o maior folclorista brasileiro, orgulho do Rio Grande do Norte. Cascudo Vejam este depoimento, pinçado do livro "Câmara Cascudo, um Brasileiro Feliz", colhido por Diógenes da Cunha Lima: "Eu só escrevi, pesquisei, trabalhei naquilo que amava. De maneira que não posso escolher entre meus livros aquele que mais amo. Todos foram feitos com amor, com a mesma técnica de pesquisa. O povo, depois a pesquisa bibliográfica. O povo entrava com 70% e depois vinha a identificação no tempo e no espaço do que eu tinha ouvido do povo. Eu tenho um livro, Trinta Histórias Brasileiras, que foi editado em Portugal e lá se esgotou. São estórias contadas pela mesma velha, uma velha de Ceará-Mirim, branca. Analfabeta, cuja área de percurso na vida era de Ceará-Mirim a Natal. Foi uma das minhas professoras do ponto de vista de literatura oral". A médica Mayara A médica Mayara Pinheiro, que comanda uma Secretaria no Ministério da Saúde (Gestão do Trabalho e na Educação da Saúde) e que depôs ontem na CPI da Covid-19, muito falante, relativizou os conceitos por trás das perguntas que lhe foram feitas. A verdade é relativa; a ciência não tem respostas para muitas questões; nenhum país é obrigado a seguir as orientações da OMS; Manaus foi a maior experiência de sua vida profissional; há mais de mil textos defendendo a cloroquina no combate à Covid-19; foi convidada pelo então ministro Luiz Mandetta, a quem tem respeito e apreço e assim por diante. Defendeu com veemência o uso da cloroquina, inclusive para crianças. Deve entrar na política. Terceira dose? Ante evidência de que algumas vacinas apresentam baixa eficiência em idosos, especialistas começam a pensar e a falar sobre uma terceira dose. Pesquisas preliminares. É uma hipótese bastante viável mais adiante. Transformista A maior performance do transformismo na frente da administração Federal cai no perfil do ministro da Economia, Paulo Guedes. O pleno liberal privativista é um camaleão, um bicho mimético que ganha as cores das folhas ao seu redor. Não é de admirar que acabe pregando o Estado paquidérmico, com reabsorção de empresas de todos os tamanhos. Pessimismo e otimismo Os vetores de decisão do eleitorado são influenciados por dois elementos que parecem paradoxais. De um lado, um pessimismo galopante, que se faz presente nas locuções de que o "o país não tem jeito, estamos todos perdidos, não vale a pena lutar por isso, a roubalheira vai continuar, etc.". De outro, um otimismo extravagante, que evidencia a superlativa dose emotiva da alma nacional. Nesse sentido, as alavancas de força se apresentam nas festas de época e fora de época, no carnaval, nas antigas folias cotidianas dos bares e até na esteira da bagunça que, em maior ou menor grau, transparece na fisionomia das cidades, na improvisação dos motoristas de trânsito e na linguagem desabrida das ruas. A pandemia, porém, deixou o país mais pessimista e triste. Bandeira Hora de puxar para a paisagem o lamento de Manuel Bandeira: "que adianta a glória, a poesia, a beleza, a linha do horizonte? Eu só vejo o triste beco". Juro dizer a verdade Juro dizer a verdade, nada mais que a verdade. O Brasil é a terra da ética, do respeito aos valores morais que dignificam o homem e do cumprimento exemplar das leis. O caráter de seu povo é reto e imaculado, fruto de uma herança cultural profundamente alicerçada no civismo, na solidariedade, no culto às tradições, na religiosidade, no respeito aos mais velhos, no carinho e proteção às crianças e na repartição justa dos bens produzidos. Neste país, atingir a honra de um cidadão equivale a ferir a alma da pátria. Aqui, preserva-se e cumpre-se o abençoado lema "todos por um e um por todos". A ironia também se faz presente na paisagem institucional. A grandeza de uma nação A grandeza de uma Nação não é apenas a soma de suas riquezas materiais, o produto nacional bruto. É o conjunto de seus valores, o sentimento de pátria, a fé e a crença do povo, o sentido de família, o culto às tradições e aos costumes, o respeito aos velhos, o amor às crianças, o cumprimento da lei, o culto à liberdade, a chama cívica que faz correr nas veias dos cidadãos o orgulho pela terra onde nasceram. A anulação de alguns desses valores faz das Nações uma terra selvagem. Responsabilidade que se deve, em grande parte, à incúria dos governantes, cujo olhar se descola da realidade social para mirar o espelho narcisista das ambições pessoais. Curto conto Uma parábola: "há pessoas que não conseguem perceber o que se passa ao redor. Não veem que não veem, não sabem que não sabem". Zé cai em um poço e está a 10 metros de profundidade. Olha para os céus e não vê o buraco. Desesperado, começa a escalar as paredes. Sobe um centímetro e escorrega. Passa o dia fazendo tentativas. As energias começam a faltar. No dia seguinte, alguém que passa pelo lugar ouve um barulho. Olha para o fundo do poço. Enxerga o vulto de Zé. Corre e pega uma corda. Lança-a no buraco. Concentrado em seu trabalho, esbaforido, cansado, Zé não ouve o grito da pessoa: "pegue a corda, pegue a corda". Surdo, sem perceber a realidade, Zé continua a tarefa de escalar, sem sucesso, as paredes. O homem na beira do poço joga uma pedra. Zé sente a dor e olha para cima, irritado, sem compreender nada. Grita furioso: - O que você quer? Não vê que estou ocupado? O desconhecido se surpreende e volta a aconselhar: - Aí tem a corda, pegue-a, que eu puxo. Mais irritado ainda, Zé responde sem olhar para cima: - Não vê que estou ocupado, ó cara. Não tenho tempo para me preocupar com sua corda. E recomeça seu trabalho.
quarta-feira, 19 de maio de 2021

Porandubas nº 716

Abro a coluna com a noiva. A morada do doutô Agriço Mais uma do mestre Leonardo Mota. Quem entra no "Hotel Roma" de Alagoinhas, na Bahia, vai com os olhos a uma tabuleta agressiva em que peremptoriamente se adverte: Pagamento adiantado, hóspedes sem bagagens e conferencistas Também em Pernambuco, o proprietário do hotelzinho de Timbaúba é, com carradas de razão, um espírito prevenido contra conferencistas que correm terras. Notei que se tornou carrancudo comigo quando lhe disseram que eu era conferencista, a pior nação de gente que ele contava em meio à sua freguesia. Supunha o hoteleiro de Timbaúba que eu fosse doutor de doença ou doutor de questão. Por falar em Timbaúba, há ali um sobrado, em cuja parte térrea funciona uma loja de modas, liricamente denominada "A Noiva". O andar superior foi adaptado para residência de uma família. Eu não sabia de nada disso quando, ao indagar ao major Ulpiano Ventura onde residia o dr. Agrício Silva, juiz de Direito da comarca, recebi esta informação que me deixou tonto: - O Doutô Agriço? O Doutô Agriço está morando em riba d'A Noiva... Panorama Terceira onda? Nos últimos 15 dias os hospitais privados de São Paulo registraram alta de 7% de contaminados de Covid-19 com ingresso em leitos e UTIs. Interrogações dos médicos: seria uma terceira onda? O relaxamento aumentou bastante. E os vacinados com segunda dose se achando imunizados. Não é bem assim. CPI da Covid-19 Em uma semana pouca coisa mudou no front da política. A CPI da Covid-19 continua a mobilizar as atenções, os bolsonaristas tentam sair pela tangente no banco de testemunhas e, ao que se infere, o relatório final incriminará o governo e membros de sua equipe apontando má gestão da pandemia e provas recaindo sobre a responsabilidade de gestores e ex-gestores. Indagação que se impõe: o presidente será responsabilizado, além de seus auxiliares? Sim. Mas será punido com impeachment? Não. Não haveria tempo e condições objetivas para uma decisão com tal dimensão. Pazuello O depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello, hoje, é o que cria maior expectativa. O ministro tem um salvo-conduto para não se incriminar. Mas é obrigado a falar sobre terceiros. A questão de fundo é: falando ou silenciando, o general terá curta sombra para se abrigar. Aliás, o silêncio, como já acentuei neste espaço, é uma grande forma de expressão, traduzindo coisas como medo, insegurança, versão distante da verdade, escapadas ao fogo interrogativo. Esta também é a alternativa da "Capitã Cloroquina", que enviou carradas do remédio para Manaus, no auge da crise, orientando sobre sua adoção. O Centrão de olho O Centrão, com eixo central no PP, está de olhos esbugalhados: um focado em Bolsonaro e em seu governo, outro fixado nas pesquisas que mostram imagem em queda na avaliação da administração. Como se sabe, a tendência de integrantes do bloco é de caminhar na direção apontada pelo peso da balança. Caso seja o da oposição a Bolsonaro, lá pelos meados de 2022, talvez até antes, o desembarque dos participantes do Centrão é algo previsível. Primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. Este é o velho lema do blocão. Perspectiva de poder - eis a bússola que orienta a esfera política. Lula submergindo Para evitar desgaste com lançamento prematuro, Luiz Inácio foi aconselhado a mergulhar. Sair a campo muito cedo é se sujeitar a bombardeios prévios. Ademais, Lula não está seguro sobre sua condição de elegibilidade. A primeira instância voltará a analisar seus casos. Mas, e a pressão da opinião pública? Já começa a funcionar a favor dele. Lula inicia um discurso de vítima, de inocente. A OP tende a favorecê-lo, como indicam as pesquisas. É evidente que os juízes balizarão em suas decisões por impulsos dos balões de pressão social. DEM Padece sua maior crise dos últimos tempos. PRTB Esnobou e decidiu não entregar a legenda para Bolsonaro. Continuará nas mãos da família de Levy Fidelix. Historinha: por ocasião do lançamento do meu livro - Era uma Vez Mil Vezes - na livraria Cultura, Levy chegou trovejando sua voz: "desculpem, tenho outro compromisso. Vou furar a fila e cumprimentar meu amigo". Passou bom tempo posando para fotos ao lado da mesa. E a gritaria o impediu de ficar mais tempo. Uma figura. Alckmin Geraldo Alckmin está entre a cruz e a caldeirinha. Se permanecer no PSDB, ameaça perder a condição de candidato ao governo de São Paulo, posição hoje nas mãos de Rodrigo Garcia, que deixa o DEM pelo tucanato. Se sair, pode ser candidato da sigla em que ingressar. E vai brigar contra João Doria, seu discípulo. O que seria melhor? Bolsonaro Cai o índice de avaliação positiva de Jair Bolsonaro. Poderá cair mais ou ele terá condições de resgatar o prestígio anterior? Em política, tudo pode ocorrer. Mas, a continuar seu destampatório, emerge a alternativa de perder o favoritismo. Lula, para ele, seria o candidato ideal. Há quem não acredite nesta hipótese. Mourão Hamilton Mourão, o vice-presidente da República deverá ser candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul. Opção mais atrativa. Não integrará a chapa de Bolsonaro. Militares Alas insatisfeitas com os "feitos" do capitão se espalham. Classes médias Continuam a observar o cenário e a aguardar momento de descer do muro da indecisão. Hoje, pendem para Lula por falta de opção. E parcela vai de Bolsonaro, por convicção. Pobreza Aumentando a olhos vistos. Os pedintes agora querem víveres, comida, em vez de dinheiro. Em São Paulo, na porta de supermercados, os famintos marcam ponto. Redes sociais Decrescem ímpeto e tom violento das brigadas bolsonaristas nas redes sociais. Sinal dos tempos. Bruno Covas Certo dia, em evento num sindicato, disse para ele: "Bruno, siga o exemplo de firmeza de seu avô, Mário". Ele me respondeu: "Gaudêncio, ele me inspira na vida. É minha bússola". Bruno era um homem corajoso, determinado, transparente e simples. Sem arrogância. Teria um grande amanhã na política. Muito ligado ao avô. Renan O relator da CPI da Covid-19, senador Renan Calheiros (MDB-AL), passa a ganhar simpatia em setores que o recriminavam. É a gangorra da política. Angarita Liguei, ontem, para cumprimentar meu amigo Antônio Angarita, ex-presidente da Vasp, ex-professor da FGV, ex-secretário de Estado em São Paulo, tendo ajudado muito o governo Mário Covas. Lembrei os velhos tempos em que me acolheu para integrar a equipe de preparação do programa do governo, levado que fui por João Doria. Viva Angarita. Fatores da eficácia eleitoral Pré-candidatos já começam a pôr os ouvidos junto aos bochichos das ruas. Pedem a este consultor para dizer o que pode acontecer em outubro de 2022. Consulto minha bola de cristal e vejo apenas nuvens plúmbeas. Mas arrisco o alinhamento de 10 fatores que jogarão/não jogarão votos nas urnas: 1. Economia - dinheiro no bolso, barriga satisfeita. 2. Pandemia - Gestores bem avaliados serão bafejados. 3. Cobertor social - Quanto menos curto, melhor, permitindo cobrir pés e cabeça. 4. Mais ação, menos discurso - Tempos de observação para quem age e para quem fica no blá blá blá. 5. Inovação - Palavra enganadora. Não adiantará dizer que vai inovar. A boca expressiva deve garantir credibilidade. 6. Tendência de caras novas ganharem preferência. Mas as caras antigas, respeitadas, terão sucesso. 7. Partidos políticos - Sem grande importância, mas serão alavanca em termos de espaço midiático. 8. Polarização do discurso - Abrigo de 15% do eleitorado. A maioria não engrossará turbas radicais. 9. Dinheiro/Recursos - Continua abrindo porta, mas bolso largo deixou de ser decisivo. 10. Circunstâncias - O espírito do tempo. O Produto Nacional Bruto da Felicidade, conjunto de situações vividas naquele momento eleitoral. O Senhor Imponderável, que costuma nos fazer visitas, deve aparecer em algumas regiões. Fecho a coluna com uma historinha das Minas Gerais. Da burrice e da engenharia Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada: - Esta estrada vai até onde? - Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras. - Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição? - Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando. - E quando não tem burro? - Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo. O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia.
quarta-feira, 12 de maio de 2021

Porandubas nº 715

Abro a coluna com Tebet. O besourão Abro a coluna com uma historinha que me foi contada pelo ex-senador Ramez Tebet, saudoso amigo. Por ocasião da criação do Estado do MS, em 1979, a população de Campo Grande ficava assombrada com a caravana dos 17 grandes carrões pretos dos deputados estaduais que paravam diante da Assembleia Legislativa. Os carros ganharam logo o nome de "besourão" e, ao passarem pelas ruas, as pessoas logo faziam o sinal da cruz, na tentativa de afastar o medo daqueles carros que mais pareciam transporte de defunto. Ninguém se atrevia a andar num carro daqueles. Até que um dia, ao comparecer ao velório de um correligionário, numa cidade do interior, dirigindo um desses carros, o então deputado Ramez Tebet teve que atender ao pedido da família do defunto. Queriam que o defunto fosse levado naquele carro. Nessa hora, não dá para negar. E lá se vai o deputado carregando o caixão de defunto em seu "besourão". A história se espalhou por todo o Estado. Assim a fama negativa do carrão preto foi dissipada. O "besourão" passou a ser visto com outros olhos. A boa fama só veio depois de ter conduzido um defunto. Crises se imbricam Uma crise entrando na outra. É assim que se desenha a paisagem dos últimos dias. Convivemos com a maior crise sanitária dos últimos 100 anos; sofremos com a crise na economia, que não dá sinais de grande alento; padecemos de uma crise crônica na política, que continua a operar os velhos métodos, e reabre o que já se chama de "tratoraço", nos moldes dos tempos dos "anões do orçamento"; e, o que não é novidade, a crise hídrica, com a carência de chuva em algumas regiões e que, segundo palavras do próprio presidente da República, vai dar "de cabeça" na população. Sob essa teia emaranhada espraia-se a crise social, com o empobrecimento de milhões de habitantes do meio-baixo da pirâmide, a classe média C. O "tratoraço" Esse "orçamento secreto" está assim carimbado porque a enxurrada de emendas para aquisição de tratores, a pedido de parlamentares, foi feita de modo escondido, como se houvesse a intenção de não dar muito na vista. Mas um repórter do Estadão teve acesso à papelada. O caso está sendo considerado "muito grave". Sob essa ênfase, já corre uma lista de pedidos de uma CPI. O que se mostra nesse "adjutório" é o dedo do superfaturamento, chegando a 259% por cento no caso da compra de um trator, duas vezes e meia, segundo se mostra. O caldeirão ameaça ferver com a água em ebulição jorrada da CPI da Covid-19. O Centrão aliviando Mas o Centrão tem o condão de aliviar as tensões. Afinal ele entrou de sola na Codevasf - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco -, jogando seus quadros na estrutura da companhia e, desse modo, formando uma barreira sólida para aguentar o tranco que virá da base oposicionista do governo. Será a hora para Arthur Lira, presidente da Câmara, usar sua "lábia de convencimento" com a ajuda da caneta governamental, e aliviar as tensões. Vai ser difícil puxar o tapete do governo. Mas a barulheira que esse assunto vai provocar deve compor a argamassa eleitoral de 2022, que já começa a se formar. O cordão das crises, puxado do rolo, pode gerar um efeito dominó. Uma pedra batendo na outra e produzindo uma fileira de quedas. Essa hipótese entra no cenário, mas, como já se acentuou, poderá dar em nada por obra e graça do Centrão. E a CPI da Covid? O trio que comanda a CPI - Omar Aziz, presidente, Randolfe Rodrigues, vice, e Renan Calheiros, relator, estão afinados e dispostos a gerar resultados. Dizem isso quase todos os dias. Assim, é pouco crível apostar numa pizza com muitos sabores. Se as chamadas "provas cabais" de responsabilidade pela má gestão da pandemia foram evidentes, claras e de contundência inquestionável, os resultados se dariam no campo da punição. Quem e como? Mais uma vez, acentuo, a margem para um pedido de impeachment do presidente é muito estreita. A elevação do clima ambiental dará um nó cego na arena institucional. O Imponderável estará de olhos abertos. Lula faz campanha Este analista não teme ser repetitivo: na régua de 100 centímetros, a possibilidade de Luiz Inácio ser candidato está entre 10% e 15%. Lula está fazendo articulações, abraçando todos os ombros do arco ideológico, porque entende que uma frente ampla de oposição será vital para tirar o assento presidencial de Bolsonaro. Nesse sentido, defende a polarização. Mas uma aguerrida luta entre a direita radical contra pedaços do centro, da esquerda e até um pedacito do centro-direita. E por que Lula não seria candidato? Porque seria levado novamente ao banco dos réus por causa dos grandes lances que ditaram os eventos de corrupção no Brasil nos últimos anos. Lula ainda não se livrou da balança da Justiça. E, por volta da campanha, seu caso será novamente elevado à mídia massiva. O calvário será remontado. Os 10 a 15% de possibilidade de Lula vir a ser candidato apostam na hipótese: ou tudo ou nada. Se ganhar, voltará aos braços do povo; se perder, se enfia no baú das velhas lembranças. Sob as alegrias da vida privada. Mulher Este analista também se inclina a favor de outra hipótese: as chapas para a presidência deverão intensificar seus esforços na busca de uma mulher como candidata à vice-presidência. Rodrigo Pacheco Olhem para este nome. Presidente do Senado, jovem, moderado, boa fluência, de Minas Gerais, 2º maior colégio eleitoral do país, encarnaria muito bem o papel de candidato do lema: in media, virtus. A virtude está no meio. Entrave: o DEM, que perde quadros. Mas ele poderia não resistir ao imã de outro partido competitivo. Imunidade de rebanho Atentem para este conceito: estará no centro da polêmica nos próximos tempos. Defender a imunidade de rebanho é querer que o vírus contamine rapidamente a população. Nesse caso, conviria ir contra a ciência. Mirabolância O PDT, Carlos Lupi e Ciro Gomes entraram na "carruagem do espetáculo" do marqueteiro João Santana, o chamado "mago da mirabolância". Vídeos espetaculares, imagens de comoção, adoçamento de perfis, fantasias, hosanas. O Brasil deixou para trás esses enredos miraculosos. A conferir. Rejeição João Doria vai ter de reaprender lições de simplicidade, modéstia, harmonia, humildade, falas com menor grau de autoelogio. É uma tarefa que consumiu a vida de alguns protagonistas. O problema é o tempo até a campanha de 2022. Passando no exame Ouço que o governador do Maranhão, Flávio Dino, PC do B, passou na primeira fase do teste "gestão da pandemia". Ganha cacife para entrar como vice numa chapa presidencial. Talvez vindo para o PSB. Fábio Faria Fala-se que é candidato a senador no RN. O ministro das Comunicações está no PSD de Kassab. Mas também se fala na candidatura de Robinson Faria, seu pai, a deputado Federal. Aí fica difícil. Um senador e um deputado? Um dos dois terá de fazer um sacrifício. Tudo vai depender do chapão bolsonarista a se formar para a campanha de 2022. Fátima A governadora do RN, Fátima Bezerra, irá para a reeleição. Diz-se que não vai bem na avaliação popular. Muito mal. Mas, e se a economia despencar de vez, o governo Federal (Bolsonaro) seja execrado, será que ela, com a caneta (mesmo sem tinta), não teria chance? Mais, se Lula for candidato? O Imponderável estará de olhos abertos. Castro A política é uma Caixa de Pandora. Esconde surpresas. Esse Claudio Castro, vice que assumiu o cargo de governador com o impeachment de Wilson Witzel, vai se candidatar ao governo do Rio de Janeiro. Desconhecido e desprestigiado. Pois não é que a tragédia de Jacarezinho alavancou seu nome? No Rio, o tiro da polícia dá votos a favor. E assim caminha a Humanidade. Leite Será difícil sustentar no PSDB o governador do Rio Grande do Sul, o jovem Eduardo Leite. Tem convites de outros partidos. E é um perfil em ascensão. Alckmin O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quadro histórico do PSDB, poderá sair do partido. Tem boas chances para o Senado e, ainda, para o próprio governo. Geraldo é algodão entre vidros. Zema Faz um bom governo em MG. Candidato à reeleição. Mas pode ter um forte candidato contra ele: Alexandre Kalil, prefeito de BH. Muito bem avaliado. Atenção: Kalil pode ser uma opção para a presidência em 2022. Fecho com Jesus de Nazaré. I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum Conta Leonardo Mota que o mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; se queixava da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis... O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido: - Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro? - Você não sabe, não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque...
quarta-feira, 5 de maio de 2021

Porandubas nº 714

Abro com o meu RN. "Da casa do cacete" No primeiro mandato de Garibaldi Filho como governador deu-se a largada dos projetos de recursos hídricos, com as adutoras que se tornaram marca registrada do seu governo. Em Pau dos Ferros, na inauguração oficial, Garibaldi foi cobrado de público pelo abastecimento d'água da cidade. Sem se afobar, como é do seu hábito, o governador pegou carona na cobrança popular com indisfarçável irritação: "Vou botar água em Pau dos Ferros nem que a água venha da casa...". Aí parou. Sentindo que não podia ir além, repetiu a frase: "Já autorizei Rômulo Macêdo a elaborar o projeto e vou botar água em Pau dos Ferros nem que a água venha da casa do...". Parou de novo. Populares de raciocínio apressado completaram: "Da casa do cacete...". O orador foi sutil e perspicaz: "Eu não queria dizer essa palavra...". Risos gerais. "Gari" guardara a postura e conseguiu o resultado. (História contada pelo espirituoso escritor e acadêmico da ANRL (Associação norte-rio-grandense de Letras, Valério Mesquita). Panorama Pandemia Tudo como d'antes no quartel d'Abrantes. A CPI começou e as primeiras oitivas se comportam como o previsível. O barulho ainda não ensurdece. O governo tem minoria na Comissão. Independentes e opositores somariam sete, governistas, quatro. Mas o governo conta com sua artilharia pesada, menos falas de seu grupo e mais cargos. Daqui a um mês, será possível a regularização da remessa de vacinas. E o passado transformar-se-á em nuvem fugidia. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco não teriam disposição para abrir um processo de impeachment se o relatório final da CPI apontar para este caminho. Ruas Convém ouvir o murmúrio das ruas. No 1º de maio, as ruas de diversas cidades foram ocupadas por militantes bolsonaristas. Com todas as imperícias e falas desastradas do mandatário-mor, não se pode fechar os olhos para sua militância, algo em torno de 25%. Quem viu as maiores manifestações da história do Brasil, como alguns torcedores fanáticos do bolsonarismo fizeram questão de dizer a este analista, estava com os olhos embaçados. Tinha bastante gente na avenida Paulista, algo como três quarteirões cheios. Mas o chutômetro costuma aparecer jogando a bola para o teto ou para as laterais. Temos, geralmente, três faixas de números: uma da PM, outra dos organizadores (ONGs, movimentos) e Institutos de Pesquisa. Cálculos Usando imagens de satélite, pesquisadores e medições, o Instituto Datafolha apura que a av. Paulista tem 136.000 metros quadrados disponíveis para a concentração de pessoas, incluindo calçadas, canteiro central e vias, vão livre do MASP e até espaços dos túneis. Para comportar 1 milhão de pessoas, a Paulista deveria abrigar concentração de 7,5 pessoas por metro quadrado ao longo de toda a área disponível. Coisa inviável. Nos horários de pico do metrô, a concentração nos vagões é algo entre 6 e 7 pessoas por metro quadrado. Para abrigar 1 milhão, deveriam os estatísticos dos eventos na Paulista considerar toda a extensão da avenida da Consolação e 7 pessoas por metro quadrado. Geralmente, esse número oscila entre 3 e 5. Nos EUA Para aperfeiçoar a contagem e reduzir a margem de erro, o arquiteto Curt Westergard, fundador da empresa Digital Design and Imaging Service (DDIS), desenvolveu, segundo a Veja, uma nova metodologia. A emissora CBS News contratou a empresa para estimar o número de pessoas que se reuniu em uma manifestação organizada por um apresentador da Fox News e em outra coordenada por comediantes. No primeiro evento, os organizadores anunciaram 500.000 pessoas; Westergard e sua equipe contaram 87.000, com uma margem de erro de 9.000 pessoas para mais ou menos. Na segunda manifestação, visivelmente mais numerosa, um dos comediantes brincou que havia 10 milhões de pessoas; mas a DDIS contou 250.000, com uma margem de erro de 10%. Em suma, o chutômetro fica por conta dos torcedores a favor e contra. Sudeste mais Nordeste Tem sido assim nas últimas décadas. Os eventuais candidatos presidenciáveis procuram arrumar suas chapas com a tentativa de inserir perfis a vice com visibilidade e domínio político em duas regiões: Sudeste e Nordeste. Apenas São Paulo tem 46 milhões de votos, com Minas Gerais, em segundo lugar, com cerca de 17 milhões e o Rio de Janeiro, com 12 milhões. O Nordeste soma mais de 27% dos votos. Nessa região o favoritismo de Lula já foi maior. O porcentual de intenções de voto no petista representa uma perda na fatia do eleitorado de 2020 até agora. Em maio do ano passado, por exemplo, o ex-presidente tinha ali 38,4%. No mesmo período, Bolsonaro avançou de 16,6% para 26,8%. Nomes O PSDB tem três nomes para disputar prévias: Tasso Jereissati, João Doria e Eduardo Leite. Tasso começa a ser chamado de "Biden brasileiro". Seria um nome forte para mobilizar o Nordeste. Caso escolhido, seu vice seria naturalmente da região Sudeste. Já se o candidato for o governador de São Paulo, João Doria, inverte-se: o vice deveria ser do Nordeste. A região Sul tem a terceira posição no ranking eleitoral. Leite, escolhido candidato, deveria compor com um nome do Sudeste ou do Nordeste. Mais especulação: Minas Gerais, desde a morte de Tancredo, crê que o Brasil lhe deve um tributo, a vaga que perdeu. Dilma, mesmo tendo nascida em Minas, não é considerada como tal para efeitos de composição política. Cheguemos ao Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, boa pinta, boa expressão, perfil moderado. Vai depender de sua atuação no comando da Câmara Alta. Escolhido, puxaria um bom nome do Nordeste ou mesmo de São Paulo, um leite com café retemperado. E Bolsonaro, hein? Com o vice Mourão praticamente descartado de sua chapa, Jair Bolsonaro teria de escolher um político com o pé no Nordeste ou mesmo em São Paulo para enfrentar os adversários. De pronto, deve excluir a possibilidade de mais um militar compondo sua chapa. A não ser que decidisse "engrossar o caldo" e "remilitarizar" o governo com novas levas de quadros das Forças Armadas. Para aliviar a identidade pesada, um bom nome deveria agregar valores como renovação, assepsia política, respeitabilidade, inserção nas camadas jovens, visão avançada, empreendedorismo. Alckmin e França Acabo de receber de Murilo Hidalgo a pesquisa do Paraná Pesquisas, dando Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB) como líderes na disputa para o governo de São Paulo em outubro de 2022. No principal cenário, Alckmin tem 19,9% das intenções de voto contra 15,4% de França. Tecnicamente empatados. Fernando Haddad (PT) tem 13,4% e Guilherme Boulos (PSOL) soma 11,4%, também ambos empatados. Paulo Skaf, por enquanto ainda no MDB, tem 10,2%. Rodrigo Garcia (DEM), atual vice-governador, tem 3,1% e o deputado estadual Arthur do Val (Patriota), Mamãe Falei, tem 6,4%. Skaf, pelo que se comenta, gostaria de ser o candidato bolsonarista em São Paulo. Bolsonaro Segundo a pesquisa, Bolsonaro lidera a eleição em SP, mas 49,4% desaprovam o seu governo. Presidente aparece com 32% das intenções de voto contra 23,7% do ex-presidente Lula em levantamento feito no estado pelo Instituto. Bruno Covas O prefeito de São Paulo, o tucano Bruno Covas, enfrenta com firmeza e disposição o câncer que o ataca. Tirou licença de 30 dias. O prefeito interino Ricardo Nunes (MDB) cumprirá a agenda de Bruno. Nossos votos de plena recuperação ao prefeito. Um homem de coragem como seu avô, Mário Covas. Aécio recuperando Aécio Neves, passo a passo, recupera sua capacidade de articulação nos bastidores da política. Voltará ao palco principal. Hauly Um destemido, resiliente e respeitado tributarista, o ex-deputado Luiz Carlos Hauly. O Brasil muito deve a ele pelo esforço que vem fazendo para lapidar a reforma tributária. BO+BA+CO+CA Minha velha equação Bolso, Barriga, Coração, Cabeça, aguarda com muita expectativa os próximos tempos. A classe média C caiu de posição e adentra na D. Auxílio Emergencial, Bolsa Família e que tais estão de olho nos governos e na burocracia, que impede rapidez no acesso aos parcos recursos. Tempos pandêmicos, barriga roncando. Ainda bem que a solidariedade brasileira se faz presente na seara das doações de alimentos. Catacumbas do desperdício Jogamos fora 50% dos alimentos produzidos (perda estimada em R$ 15 bilhões anuais, o que daria para alimentar 30 milhões de pessoas), 40% da água distribuída, 30% da energia elétrica. Os cálculos foram feitos pelo professor de Engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro José Abrantes, autor do livro Brasil, o País dos Desperdícios. Há simplesmente um bom pedaço do PIB desperdiçado, ou seja, jogam-se no lixo R$ 4,0 trilhões. Se a montanha de riquezas perdidas pudesse ser preservada, o país estaria, há tempos, no ranking das potências. Res privada A que se deve isso? Primeiro, a uma cultura política plasmada no patrimonialismo, assim explicada: a res publica é entendida como coisa nossa, o dinheiro dos cofres do Tesouro tem fundo infinito, o Estado é um ente criado para garantir nosso alimento e bem-estar. O jeito perdulário de ser do brasileiro começa, portanto, com a visão do Estado-mãe, providencial e protetor, no seio do qual se abrigam a ambição das elites políticas e o utilitarismo de oportunistas. O (mau) exemplo dado pelos faraós do topo da pirâmide acaba descendo pelas camadas abaixo, na esteira do ditado "ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos", que uns atribuem a Stanislaw Ponte Preta e outros ao Barão de Itararé. Municipalização x nacionalização das campanhas? Questões que florescerão no jardim do Marketing Eleitoral: campanhas próximas serão municipalizadas ou tenderão a receber inputs federais? Micropolítica - política das pequenas coisas - ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral - estado geral de satisfação/insatisfação - adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura ambiental será sentida); 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; 3) O discurso semântico - propostas concretas e viáveis - suplantará a cosmética; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações; 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado. Lições táticas As lições de táticas e estratégias dos clássicos da política e das guerras parecem não merecer nenhuma consideração por parte de nosso presidente. Lembremos conselhos de Sun Tzu: a) "Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas". b) "Não marche, a não ser que veja alguma vantagem; não use suas tropas, a menos que haja alguma coisa a ser ganha; não lute, a menos que a posição seja crítica. Nenhum dirigente deve colocar tropas em campo apenas para satisfazer seu humor; nenhum general deve travar uma batalha apenas para se vangloriar. A ira pode, no devido tempo, transformar-se em alegria; o aborrecimento pode ser seguido de contentamento. Porém, um reino que tenha sido destruído jamais poderá tornar a existir, nem os mortos podem ser ressuscitados". Para a cidade inteira Volte sua atenção para a cidade inteira, todas as associações, todos os distritos e bairros. Se você atrair à sua amizade seus líderes, facilmente vai ter nas mãos, graças a eles, a multidão restante. (Cícero - Manual do candidato às eleições, 34 A.C.) Defesa e ataque "A invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória, no ataque. Quem se defende mostra que sua força é inadequada; quem ataca, mostra que ela é abundante". (Sun Tzu) Sinal de derrota "O maior sinal da derrota é quando já não se crê na vitória". (Montecuccoli)
quarta-feira, 28 de abril de 2021

Porandubas nº 713

Abro a coluna com Zeca de Campina Grande. Zeca de Campina Em João Pessoa, num restaurante chique, Zeca pediu um bode assado. O garçom retrucou: - Desculpe-me, senhor, aqui só servimos frutos do mar. Zeca emendou sem dar tempo: - Então me traz uma água de coco. _________ Um dia, outro taxista cobrou R$ 20. Zeca, liso, só tinha R$ 10. E pagou. - Cadê o resto? - pergunta o taxista. Zeca não hesita: - E eu vim sozinho. Vamos rachar! CPI e a luz midiática CPI da Covid-19 instalada, o governo toma assento a cadeira dos réus. Governadores, idem. Mas as luzes midiáticas focarão com mais intensidade o espaço Federal. A imagem do governo vai ser plasmada com o pincel a ser usado pelos investigadores, no caso, um seleto grupo de 11 senadores titulares e sete suplentes. O governo tem minoria e o grupo independente abarca o maior número. Foi um erro crasso do governo tentar, por liminar impetrada pela deputada novata Carla Zambelli, vetar o senador Renan Calheiros como relator. Apenas exacerbou os ânimos. Os resultados da CPI levarão em conta os fatores: pressão da opinião pública, pressão parlamentar, presidentes das Casas Congressuais. CPI Covid-19: OP+PP+PCS. A terceira via Comecemos com a recorrente dúvida que percorre a esfera política: será viável a terceira via no pleito de 2022? Ou será mais viável apostar todas as fichas na polarização Bolsonaro x Lula? Aos argumentos. A terceira via se apresenta absolutamente viável como hipótese a vingar na eleição presidencial. 1) O eleitorado tende a se libertar de opções entre polos extremos do arco ideológico; 2) o lulopetismo não tem condições de resgatar sua simbologia de esperança dos tempos antigos; 3) o bolsonarismo terá seu bloco de ativos participantes, mas seu comandante-capitão se mostrou aquém das necessidades do país, a partir da má gestão na frente da pandemia; 3) a sociedade está saturada com o tiroteio entre as duas alas, sinalizando o desejo de respirar outros ares; 4) o país se mostra preparado para buscar uma nova alternativa que abrigue valores da ponderação/moderação/equilíbrio/menor tensionamento social. A esperança Este é um valor sempre presente na seara da política. O PT dos tempos idos sinalizava com a esperança de mudança. Aliás, mudança foi a palavra usada por Lula para iniciar seu discurso de posse em 1º de janeiro de 2003. O eleitorado acabou o reelegendo e ele, mesmo sob atropelos, conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff. Foram 13 anos de gestão petista. E em sua esteira inaugurou-se uma era de grandes escândalos, tendo como centro a Petrobras. Caímos na operação Lava Jato. A imagem do lulopetismo ficou na lama. Lula foi condenado. E agora, com sua absolvição pelo STF da condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro, ganha condições de elegibilidade, que pode ser retirada por novas condenações. Novos julgamentos A mídia tem dado cobertura às recentes decisões do STF como se elas já fossem algo definitivo. Há, assim, um imenso prejulgamento midiático, que coloca novamente o foguete Luiz Inácio na plataforma de lançamento. Ora, tudo será reiniciado na vara de Brasília ou, até, em São Paulo. Mesmo que o vento corra, hoje, na direção do líder maior do PT, este analista acredita que Lula, por enquanto, está no limbo, podendo voltar a frequentar o inferno. Alcançar as glórias do paraíso? Isso seria possível, sabendo-se como são instáveis nossas instituições e como o Senhor Imponderável costuma frequentar nossas plagas. Mas nova condenação não pode ser retirada do mapa das previsões. Dizer que nunca foi beneficiado pela "mão caridosa" de grupos que promoveram a roubalheira parece um grande drible na verdade. Como já se acentuou, acima, pode acontecer até isso. Enfim, com nova condenação ou não, Lula terá dificuldades para resgatar a aura do passado. Déjà vu O sentimento que percorre as veias sociais, sempre com referência aos fluxos mais fortes, é o de figura já vista, conhecida, saturada. O tempo de Lula na cadeira do Planalto faz parte de um tempo que passou. Mas será decisivo no jogo eleitoral, eis que ainda toma banho nas águas do carisma, beneficiando-se, sobretudo, com a deterioração do perfil do capitão Jair, um incorrigível na arte de atirar a esmo, gerando polêmica e exibindo imensa falta de preparo para administrar este país. Cravar um voto em Lula é tirar do velho baú de lembranças o estilo "nós e eles", erva daninha plantada na seara da consciência das maiores fatias que habitam a pirâmide social. A imagem do capitão No início, contava Jair com a boa vontade, a paciência e certo apoio de parcelas que, inclusive, não chegaram a sufragar seu nome. Voltemos a uma análise já aqui descrita. Ele foi eleito pelos erros e defeitos dos outros - o lamaçal da Petrobras e adjacências - do que por suas qualidades. Identifica-se um conjunto de situações assemelhadas ao quadro eleitoral norte-americano, com a eleição de Donald Trump. Thomas Frank, respeitado analista político, argumenta que o megaempresário foi eleito por "conservadores em um movimento de contrarreação". Uma onda para a direita Nesse rolo compressor social, movido à contrariedade em relação ao status quo, reuniram-se norte-americanos brancos, parcela da classe operária, parcela das classes médias, faixas que sentiram perda de status e de renda. A raiva, indignação, a constatação de que o bolso se esvaziava, não dando para cumprir obrigações com a família - alimentação, saúde, educação - motivaram a identificação desses grupos com Deus, com as Forças Armadas e com os valores pátrios, principalmente aqueles com foco na defesa do emprego e contrários à invasão do território por estrangeiros. Afastando-se de suas associações de referência, aquelas que defendiam seus interesses, a onda voltou-se para a direita e refugiou-se numa asa do partido republicano. Deu no que vimos, Trump na Casa Branca. Contra o petismo Por aqui, os sentimentos difusos confluíram também para a via conservadora, onde se abrigam núcleos religiosos, com destaque para os credos evangélicos, as Forças Armadas e a defesa dos eixos centrais da família, sob um clima geral de rechaço ao lulopetismo, então identificado com os escândalos da operação Lava Jato. A mídia expôs massivamente a ligação do lulopetismo com a corrupção. E, hoje, garantindo a ascensão de Lula, o STF marca a testa de Sergio Moro com o ferro da suspeição. Lula resgata, por enquanto, o manto de candidato em 2022. E Bolsonaro, que canalizava a contrariedade nacional, transformando-se em extensão dos contingentes que se mostravam dispostos a "aceitar tudo contra o PT", começa a ver faltar arroz e feijão nos pratos dos eleitores que nele votaram. O meio puxando as bases O desgaste dos polos extremos do arco ideológico recompõe traços da cultura política nacional de buscar a moderação, a harmonia e fugir do foguetório comum às crises. A polarização, sentida por meio de acusações recíprocas, bate boca nas redes sociais, falas intempestivas dos protagonistas do discurso radical, dá sinais de saturação. De um lado, referências ao poder da força, o pano de fundo de volta de tempos obscuros, quarteladas e canhões nas ruas; de outro, a lengalenga contra as elites, o vermelho e seus símbolos ocupando as ruas, o desfraldar de surrados slogans e refrãos do socialismo. Para fugir a esses contrapontos, uma corrida para o centro é o movimento mais antenado com as demandas sociais do momento. Quem, quem? O fator que contribui para o descrédito desta hipótese gira em torno da pergunta: quem seria o perfil a canalizar a maior parte do eleitorado? Não há, hoje, alguém que possa juntar as forças centrais. Há um conjunto de nomes jogados no balão de ensaio. A economia e a pandemia certamente estarão no tabuleiro do jogo quando o jogo começar para valer. Por enquanto, assistimos a uma preleção envolvendo figuras com pequeno e médio prestígio. Mas o ciclo da articulação já está dando os sinais de que as conversas começam. Não se chegará a um nome no curto prazo, pois as variáveis da economia e da pandemia certamente terão influência na definição do ator principal. Os nomes sobre a mesa tentam, por hora, se manter no tabuleiro. Dentre eles, Tasso Jereissati, Ciro Gomes, Luiz Inácio (seria milagre se puxasse o centro), Luiz Mandetta, Sergio Moro, Luciano Huck, João Doria, Guilherme Boulos (sem condição de atrair o centro), João Amoedo. Pequena moldura A imagem dos políticos Em recente live, fui surpreendido com a pergunta: "a vida privada do homem público deve ser objeto de interesse social?". Minha resposta, que surpreendeu meu interrogador foi sim. O homem público tem o dever de compatibilizar a vida privada e a pública, na medida em que ambas são forjadas por valores e princípios que expressam seu caráter. A Constituição expressa serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. É inquestionável tal pletora de direitos. Mas estes devem ser exercidos para garantir a cidadania. Vida privada I "O estadista deve trazer o coração na cabeça". A frase de John Kennedy, o mais querido presidente dos EUA, possivelmente explica por que sua vida íntima era um mistério, cercada por intrincada teia de boatos, que abrigaria um relacionamento com a mais famosa ícone da sensualidade feminina no cinema, Marilyn Monroe. O ex-presidente Bill Clinton teve um caso com a estagiária Monica Lewinsky, no gabinete anexo ao famoso Salão Oval da Casa Branca. O mundo tomou conhecimento de conversa picante, gravada em dezembro de 1989, entre o príncipe Charles da Inglaterra, então casado com a princesa Diana, e sua amante (hoje sua mulher), Camila Parker Bowles. A mídia fez uma algazarra. Vida privada II Líderes que procuram "humaniza" a imagem são, em geral, aplaudidos e admirados, eis que despertam nas massas sentimentos de familiaridade, simplicidade e proximidade. Na França, o presidente Giscard d'Estaing costumava sair pelas ruas, participar de partidas de futebol, exibir-se em festivais de acordeão, visitar prisões, convidar varredores de rua para tomar café da manhã no Palácio Eliseu. O presidente Miterrand teve uma filha fora do casamento e a imprensa francesa soube respeitar sua vida privada. Outros exageram nos gestos, resvalando, por conseguinte, pelo perigoso terreno da galhofa. Pierre Trudeau, então primeiro-ministro do Canadá, e pai do atual primeiro ministro, em recepção cerimoniosa, chegou a escorregar pelo corrimão de uma escada. Outra feita, ocupou lugar na Câmara dos Comuns envergando camisa polo, paletó esporte e sandálias. Vida privada III Thomas Jefferson, um dos homens mais admirados dos EUA, protagonizou um "escândalo" amoroso, o caso com uma de suas escravas, Sally Hemings, que fora a Paris cuidar da filha mais velha do presidente, na época com nove anos de idade. Já o político inglês John Profumo, que tinha o cargo equivalente ao de ministro da Guerra, um dos heróis do Dia D (desembarque aliado na Normandia durante a 2ª Guerra Mundial), foi protagonista de um grande escândalo: o envolvimento com a modelo Christine Keeler, no começo dos anos 60. Ouve-se, aqui e acolá, um zunzum envolvendo figuras de destaque na política. No Brasil Aqui em nossas bandas, os feitos amorosos de figuras públicas já não geram a comoção do passado. O carisma do governante ajuda a aplainar arestas. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, vale recordar, foram presidentes namoradores, o que não lhes corroeu a fama. Falava-se de Jango como namorador. O general Médici usava um radinho para acompanhar os jogos de seu time, o Grêmio. Afinal, quais os limites da vida privada que devem ser preservados? Espírito do tempo A rejeição a comportamentos de governantes tem que ver com o espírito do tempo. A percepção sobre esses feitos já não gera tanta negatividade quanto no passado. Mas a comunidade política precisa tomar conhecimento da vida privada, até para poder fazer justa avaliação de sua conduta. Veja-se o caso de Tancredo Neves nas horas antes de tomar posse. A informação deu lugar a boataria. O prefeito Bruno Covas, de São Paulo, por sua vez, dá completa transparência ao tratamento do câncer a que se submete. Guardar o coração na cabeça Urge pontuar: uma coisa é o ato particular, que ocorre no sagrado espaço do lar ou no ambiente pessoal de trabalho, outra é o evento privado que se desenvolve em território público. E mesmo em locais privados a conduta do homem público há de ser condizente com os valores republicanos e com preceitos éticos e morais da sociedade. Quando altas autoridades de uma nação são flagradas em situações torpes, despencam no ranking da credibilidade social. Passam a ser motivo de vergonha e chacota. É bastante tênue, como se pode perceber, a linha divisória que separa o comportamento íntimo do ator político de sua vida pública. Na história dos governantes, alguns souberam tirar proveito (e fazer marketing) de situações privadas, principalmente por meio de gestos, atitudes e manifestações voltadas para conquistar a simpatia. Desvios de padrão são denunciados pelo caleidoscópio social. Quem se arrisca nos descaminhos afunda, inexoravelmente, no poço do descrédito. Se quiserem galgar os degraus mais altos do poder, vale apreender a lição de Kennedy: guardem o coração na cabeça.
quarta-feira, 14 de abril de 2021

Porandubas nº 712

Abro a coluna com este lindo poema enviado pelo amigo Antônio Imbassahy. De acordo com a agência Lupa, o texto é de autoria do poeta cubano Alexis Valdés, publicado originalmente em 21 de março deste ano, em sua conta pessoal no Instagram, sob o título de "Esperança" e também no site Periódico Cubano, em 28 de março. Esperança Quando a tempestade passar,as estradas se amansarem,E formos sobreviventesde um naufrágio coletivo,Com o coração chorosoe o destino abençoadoNós nos sentiremos bem-aventuradosSó por estarmos vivos. E nós daremos um abraço ao primeiro desconhecidoE elogiaremos a sorte de manter um amigo. E aí nós vamos lembrar tudo aquilo que perdemos e de uma vez aprenderemos tudo o que não aprendemos. Não teremos mais inveja pois todos sofreram.Não teremos mais o coração endurecidoSeremos todos mais compassivos. Valerá mais o que é de todos do que o que eu nunca consegui.Seremos mais generososE muito mais comprometidos Nós entenderemos o quão frágeis somos, e o quesignifica estarmos vivos!Vamos sentir empatia por quem está e por quem se foi. Sentiremos falta do velho que pedia esmola no mercado, que nós nunca soubemos o nome e sempre esteve ao nosso lado. E talvez o velho pobre fosse Deus disfarçado...Mas você nunca perguntou o nome delePorque estava com pressa... E tudo será milagre!E tudo será um legadoE a vida que ganhamos será respeitada! Quando a tempestade passarEu te peço Deus, com tristeza.Que você nos torne melhores.como você "nos" sonhou. Cenário brasileiro A banalidade do mal I O conceito de banalidade do mal foi analisado e aprofundado por Hannah Arendt no livro "Eichmann em Jerusalém", cujo julgamento histórico foi acompanhado pela filósofa por meio de artigos na revista The New Yorker. Ela defende a ideia de que, em virtude da massificação social, as massas são incapazes de fazer julgamentos morais, razão porque aceitam e cumprem ordens sem questionar. E assim, Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela solução final, não é avaliado como monstro, mas como um funcionário zeloso que foi incapaz de resistir às ordens que recebeu.                          A banalidade do mal II Tomo emprestado de Arendt o clássico conceito que a tornou famosa. Por nossas plagas, o mal está tão banalizado que perdeu peso na balança da gravidade. Veja-se esse surrealista diálogo, gravado, entre um senador e o presidente da República. Bolsonaro é contundente: que se paute no Senado o impeachment de ministros do STF. E que acabará na "porrada" com um senador "bosta", o parlamentar que pediu a CPI da Covid-19, Randolfe Rodrigues, do Amapá. E por aí vai. Os Poderes vivem alto grau de tensão. Será difícil realizar uma CPI presencial no cume da pandemia. O mal: interferência do Executivo no Legislativo; interferência no Judiciário; falta de decoro; gravação (combinada ou não) de uma conversa com o presidente da República; linguagem desaforada. Dias sombrios. Pátria, ih, o que é isso? Os países são expressões geográficas e os Estados formas de equilíbrio político. A Pátria, porém, transcende esse conceito: é sincronismo de espíritos e corações, aspiração à grandeza, comunhão de esperanças, solidariedade sentimental de uma raça. Enquanto um país não é Pátria, seus habitantes não formam uma Nação. Este breve resumo, pinçado de um dos mais belos ensaios sobre a mediocridade, de autoria do escritor argentino José Ingenieros, serve como lição aos nossos governantes. Construir a Pátria para se alcançar o nível de grandeza no concerto das Nações deveria ser o farol a iluminar os nossos representantes e governantes. Para eles, Pátria é um naco patrimonialista que lhes pertence. Que partido? O presidente Jair Bolsonaro continua sem partido. O Aliança pelo Brasil, que estava sendo criado, morre no nascedouro. O capitão está de olho em uns e outros. A propósito, lembro uma historinha com o ex-vice-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, que foi uma das alavancas do antigo PP. Em tempos idos, trabalhou para engordar o partido. Ligava para os prefeitos. "Fulano, já se inscreveu em algum partido?". "Não. Esperava as suas ordens". Lembo pede para ele entrar no PP. E lá vem a pergunta: "No PT do Lula?". Não estou ouvindo bem. O ex-vice-governador de São Paulo replica: "No PP". Matreiro, o amigo diz: "continuo a ouvir mal". O arremate é hilariante, segundo conta Sebastião Nery. "Vou soletrar alto e devagar: PP. P de partido e P de banco". O amigo prefeito entendeu ligeirinho a mensagem. Hora da virada? Impressão de que a virada nos rumos da política, tão esperada pela comunidade nacional após a eleição de Bolsonaro, não se deu. A cada dia, cresce o cordão dos desvalidos e zonzos com o estado da Nação. Muitos desistiram do sonho. Uma leva esperará por 2022. Os bolsonaristas acreditam que as coisas boas começaram a acontecer. Não é piada. É o que se ouve da boca dos radicais. Este analista de política prefere sentir o espírito aguerrido de Zaratustra, o profeta de Nietzsche, gritando no cume da montanha para fazer descer sua voz sobre a placidez dos vales: "Novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga; cansei-me das velhas línguas. Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas". Vida pregressa          O mais do mesmo. Essa é a impressão que se tem quando se tenta distinguir os avanços e inovações no cenário institucional. A crise da pandemia ocorre no pico de outra crise que se arrasta há décadas: a crise política. O que haverá de novidade pelas bordas de 2022, por exemplo? E a corrupção implicará novos perfis, mais assépticos e menos oportunistas? Ouvi um alto tribuno, que me passou essas ideias. Um candidato de vida pregressa, plena de desvios, deve ser inelegível. E exibe a força do argumento: os princípios constitucionais do direito coletivo, entre os quais o da soberania popular e a delegação para ser representado, devem sobrepor-se aos direitos individuais, como o princípio da não-culpabilidade. Não por acaso se inseriu na Carta de 88 (artigo 14, § 9º) uma cláusula com a finalidade de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Além disso, há referência explícita à vida pregressa do candidato. Aqui pra nós, tenho as minhas dúvidas. Credenda e miranda Para fechar a nota acima, uma lembrança. Há duas referências que ilustram o cenário da política: os "credenda", coisas a serem acreditadas, a partir do sistema legal; e os "miranda", coisas a serem admiradas, a partir dos símbolos. Daí a inescapável pergunta: o que há para crer na política brasileira e o que há para admirar? Abra os ouvidos: nada. As razões para tanto se abrigam em campos múltiplos, mas a origem dos males recentes é a continuidade de um alto PNBC - Produto Nacional Bruto da Corrupção. Recorde de mortos A cada dia, entre 20h30 e 21h40, aparece o refrão: Brasil atinge o recorde na média de mortos e na mortalidade em 24 horas de vítimas da Covid-19. E entre as cenas, algumas sobre aglomerações, desleixos, desvios na vacinação, malandragem na aplicação. A índole brasileira? Com a palavra, Roberto DaMatta. Crueldade Sobre essa índole, costumo pinçar velha historinha. Um dia um maometano se encontra com um canibal. "Sois muito cruéis, pois comeis os cativos que fazeis na guerra", disse o maometano. "E o que fazeis com os de vocês?", indagou o canibal. "Ah, nós os matamos, mas depois que estão mortos não os comemos". Montesquieu arremata a passagem contada no livro Meus Pensamentos: "Parece-me que não há povo que não tenha sua crueldade particular". Tomemos emprestada a observação do pensador que inspirou os principais fatos políticos do século 18 para dizer que os governos podem se assemelhar a um dos interlocutores. Execram heranças malditas e acabam fazendo as suas. Escapismo Quem gostava de explicar a psique de países em desenvolvimento era Roberto Campos. Esses países, segundo ele, apresentam dois traços característicos: a ambivalência e o escapismo. Ambivalência é querer equacionar o descontrole aéreo, por exemplo, sem controlar os controladores. E escapismo é argumentar que os confrontos frequentes nas metrópoles ocorrem porque o poder do crime é maior que o poder de um Estado, cuja leniência torna-se cada vez mais patente ante a escalada de violência que se abate sobre a sociedade. O espaçoso terreno público se apresenta todo esburacado. Fecho a coluna com uma pitada de humor. Adiantando os resultados Há historinhas que merecem um repeteco. O coronel Lucas Pinto, que comandava a UDN no Vale do Apodi/RN, não dormia em serviço. Quando o Tribunal Eleitoral exigiu que os títulos eleitorais fossem documentados com a foto do eleitor, mandou um fotógrafo "tirar a chapa" do seu rebanho, aliás, do seu eleitorado. Numa fazenda, um eleitor tirava o leite da vaca quando foi orientado a posar para a foto. Não teve dúvida: escolheu a vaca como companheira do flagrante. Mas o fotógrafo, por descuido, deixou-o fora. O coronel Lucas Pinto não teve dúvida. Ao entregar as fotos aos eleitores, deparando-se com a vaca, não perdeu tempo e ordenou ao eleitor: "prega a foto aí, vote assim mesmo, na próxima eleição nós arrumamos a situação". Noutra feita, o coronel levou as urnas de Apodi para o juiz, em Mossoró, quase 15 dias após as eleições. Tomou uma bronca. - Coronel, isso não se faz. As eleições ocorreram há 15 dias. - Pode deixar, seu juiz. Na próxima, vou trazer bem cedo. Não deu outra. Na eleição seguinte, três dias antes do pleito, o velho Lucas Pinto chegava com um comboio de burros carregando as urnas. Chegando ao cartório, surpreendeu o juiz: - Taqui, seu juiz, as urnas de Apodi. - Mas coronel, as eleições serão daqui a três dias. - Ah, seu juiz, não quero levar mais bronca. Tá tudo direitinho. Todos os eleitores votaram. Trouxe antes para não ter problema. Idos das décadas de 50/60. Não havia grandes empreiteiras financiando campanhas. A empreitada ficava mesmo a cargo dos coronéis.
quarta-feira, 7 de abril de 2021

Porandubas nº 711

Hoje, a coluna está muito pretensiosa. Tentará explicar o fenômeno Brasil. O motivo: a razão pela qual os brasileiros tentam se desviar do manual de combate à epidemia. Arrisco-me a desvendar esse mistério, ou melhor, essa índole. Faça uma leitura, mesmo por cima. Antes, porém, notinhas de abertura. Kit Covid-19 Bolsonaro insiste em defender a cloroquina. Hoje, foi a Chapecó, levando a tiracolo o ministro da Saúde, Queiroga. P.S. Chapecó está com 100% dos leitos hospitalares ocupados, segundo o Estadão. Os catarinenses usaram muito a cloroquina. SC é motivo de visitas constantes do presidente. Empresariado Bolsonaro participará, hoje à noite, de jantar na casa do empresário Washington Cinel, da área de segurança. Cerca de 20 empresários devem estar presentes. Sua Excelência faz esforço para atrair o empresariado, que se mostra desconfiado. Cinel recebe regularmente governantes e políticos e sua casa é uma espécie de consulado de articulação política. Nunes Marques O ministro Kassio Nunes Marques, recém-escolhido por Bolsonaro para integrar o STF, mostra-se a cada dia afinado com o bolsonarismo. A liberação de cultos e missas nesse momento da pandemia é um soco na cara da sociedade. O dízimo, o dízimo, o dízimo, gritam os pastores. Silas Malafaia e Edir Macedo agradecem. O voto de Gilmar, proibindo os eventos em liminar para julgar decretos do governo de São Paulo, jogou a questão em plenário. Lula seria vice? Ciro Gomes pede a Lula que seja mais humilde e aceite dar um passo atrás. E mostra o caso da Argentina, onde Christina Kirchner entrou como vice na chapa de Alberto Fernandez. Lula como vice? O PT no bastidor: nem a pau, Juvenal. 5 mil A continuar o país com medidas meia-boca para combater a pandemia, chegaremos em julho com o índice de cinco mil mortos por dia. Covas distante de Doria? Bruno Covas tenta estabelecer cronograma de vacinação diferente do esquema organizado pelo governador João Doria, em São Paulo. Prefeito e governador parecem estar de birra. Mas sempre voltam às boas. Análise do fenômeno Brasil Crise de liderança A crise política, que se arrasta há décadas no país, decorre de nossa precária institucionalização. Não temos instituições sólidas, fincadas com firmeza no território, eis que nosso sistema democrático vive altos e baixos, intermediando tempos de autoritarismo com tempos de liberdade. Que lideranças novas podemos contar cenário? Os que sobraram são extensões dos tempos do golpe de 64, com destaque para Luiz Inácio, ainda gozando algum prestígio junto às massas. Fernando Henrique é um schollar, José Serra é um perfil forjado nas lides universitárias. Ciro Gomes teve vida na antiga Arena, João Doria é protagonista da atualidade. A crise de liderança no país está por trás de nossas mazelas. Sísifo e o eterno retorno O Brasil se parece com Sísifo. Como é sabido, em decorrência dos pecados que cometeu, os deuses aplicaram em Sísifo, que foi rei em Corinto, um castigo para jamais ser esquecido: carregar uma imensa pedra sobre os ombros até o cume da montanha. Tarefa que jamais conseguiria completar. Prestes a cumprir a missão, a pedra resvala dos ombros e rola ao sopé da montanha. Exercício que Sísifo repetirá por toda a eternidade. O Brasil tem semelhança com a execrável figura. A metáfora aponta para as mazelas que herdamos do nosso berço civilizatório, condenando-nos ao eterno retorno. Quando achamos que a coisa vai dar certo, tudo vai por água abaixo, e temos de recomeçar o que foi construído com sacrifício. As coisas não dão certo Para melhor compreensão de nossa vivência nesses tempos da Covid-19, relembro a historinha que diz haver quatro tipos de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo o que é proibido. A segunda é a alemã, sob rígidos controles, onde tudo é proibido, salvo o que é permitido. A terceira é a totalitária, pertinente às ditaduras, na qual tudo é proibido, mesmo o que é permitido. E, coroando a tipologia, a sociedade brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que é proibido. Como se explica o fato de o Brasil ser um país tão caricatura? Por quê, sob lockdown e mil recomendações sobre os cuidados que devemos ter, os jovens se juntam em festas de arromba no fim de semana? Nosso jeito de ser A explicação pode ser encontrada na composição do ethos nacional. A engenharia social brasileira, assentada sobre a miscigenação de raças (colonizadores portugueses, índios e negros), expressa heterogênea coleção de valores. Conservamos, porém, uma unidade étnica básica, apesar da confluência de variados matizes formadores, que poderiam, na visão de Darcy Ribeiro, resultar numa sociedade multiétnica, "dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis". Complementa o nosso famoso antropólogo e ex-senador em seu livro "O Povo Brasileiro": "Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, um Povo-Nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Somos o contrário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América, por exemplo, que são sociedades multiétnicas regidas por Estados unitários". O homo brasiliensis A adjetivação para qualificar o homo brasiliensis é vasta e, frequentemente, dicotômica: cordial, alegre, trabalhador, preguiçoso, verdadeiro, desconfiado, improvisado. Afonso Celso, em "Porque me Ufano do meu País", divide as características psicológicas do brasileiro entre positivas e negativas, dentre elas a independência, a hospitalidade, a afeição à paz, caridade, acessibilidade, tolerância, falta de iniciativa, falta de decisão, falta de firmeza, pouco diligente. Gilberto Freyre, em "Casa Grande & Senzala", pontifica: "Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo". O primeiro mito Três mitos formam o pano de fundo sobre o qual se teceu nosso tecido valorativo. Primeiro, o mito do Éden. Ao aportarem, os nossos colonizadores se depararam com a exuberância da natureza e seus habitantes, rudes e inocentes, índios sem vestes, uma paisagem deslumbrante, o jardim do paraíso, tão bem emoldurados por Sérgio Buarque de Holanda, no clássico Visão do Paraíso, ao mostrar a atmosfera mágica que as novas descobertas proporcionaram ao europeu: "o enlevo ante a vegetação sempre muito verde, o colorido, a variedade e estranheza da fauna, a bondade dos ares, a simplicidade e inocências das gentes", como, aliás, já escrevera Pero Vaz de Caminha. Sob essa primeira visão, a seara valorativa produziu seus primeiros frutos: o ócio, a indolência, a sensualidade, a voluptuosidade, a glutonaria, a improvisação, a festa, a dança, o eterno carnaval. O segundo mito O segundo mito abriga o Eldorado. As riquezas apareciam ao longo das descobertas do ouro e das pedras preciosas. Na esteira da exploração predatória, outro conjunto de valores tomou corpo: a cobiça, a ganância, a traição, a destruição da natureza, a ambição, a disputa, a guerra entre grupos, os conflitos. O terceiro mito O inferno verde é o terceiro mito. A cobiça levou os colonizadores ao interior profundo. A floresta despontava como ambiente inóspito, selvagem, agressivo. As doenças debilitaram corpos, fustigando as mentes. Claude Lévi-Strauss, em seu celebrado Tristes Trópicos, radiografava o Brasil como o lugar mais inabitável do planeta, onde seria impossível a um homem sobreviver. Na paisagem da conquista do interior do país, outro feixe de características aparece: a miséria, a desorganização, a improvisação, a sujeira, a marginalidade, o desleixo. A dubiedade Ao lado dos três mitos, outros conjuntos valorativos surgiam, frutos da miscigenação. Quem não conhece o perfil individualista e de grandeza do brasileiro? "Você sabe com quem está falando?". E a nossa propensão para a imprecisão, para a ausência de objetividade? "Quantas horas você trabalha por semana?". Eis a previsível resposta: "trabalho mais ou menos 40 horas". O mais ou menos é coisa muito nossa. O fingimento é outro traço. O político, ao cumprimentar o interlocutor, pisca para alguém que está ao lado. Quem não já se defrontou com a expressão catastrofista ou o complexo de grandeza, comuns em nossa interlocução diária? Somos os melhores e os piores do mundo em matéria disso e daquilo; temos os maiores potenciais, as maiores riquezas ou a mais degradante miséria. Não somos um povo do imediatismo. Mas treinados na arte da protelação. Traços de anarquia Cultivamos a semente da anarquia. Ou, como bem o diz Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil: "os elementos anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência displicente das instituições e costumes. As iniciativas, mesmo quando construtivas, foram continuamente no sentido de separar os homens, não de os unir". Gostamos de adiar atos e decisões. Apreciamos o apadrinhamento, o patrocínio dos favores, o ludismo. Somos o país do futebol. E um vulcão de explosões emotivas. Trocamos com facilidade o riso pelo choro. Na festa de arromba, costuma-se haver balbúrdia, briga. A árvore do patrimonialismo Para agravar, herdamos valores que plasmaram nosso caráter. A fonte inicial é o patrimonialismo, que alimenta o fisiologismo, mazela central do nosso sistema político, o qual remonta aos primórdios de nossa história. Diz-se, em tom de piada, que o primeiro índio a receber espelhos de Pedro Álvares Cabral, em 1500, na Bahia, emprestou o DNA às tribos políticas festejadas, hoje, com "pacotes mais substantivos" do Palácio do Planalto. Quem duvida que os presentinhos do início da colonização estejam na origem do troca-troca de hoje, apoios e benefícios, convênios entre Ministérios e organizações não governamentais? Capitanias Quando Dom João III dividiu o Brasil em 15 capitanias hereditárias, em 1534, semeava a cultura patrimonialista. Hoje, semente que se espalhou pelo território. A semente patrimonialista resultou na mistura entre o público e o privado, gerando os "ismos" (caciquismo, mandonismo, paternalismo, nepotismo, familismo, grupismo), que invadem a esfera política. Não há como deixar de registrar as profundas marcas deixadas pelo sistema de colonização do país, a partir do feudalismo indígena, gerado espontaneamente, segundo a expressão de Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, pela conjunção das mesmas circunstâncias que produziram o europeu. "Feudalismo renascido na América, renovação da velha árvore multissecular portuguesa. O quadro teórico daria consistência, conteúdo e inteligência ao mundo nostálgico de colonos e senhores de engenho, opulentos, arbitrários, desdenhosos da burocracia com a palavra desafiadora à flor dos lábios, rodeados de vassalos prontos a obedecer-lhes ao grito de rebeldia. Senhores de terras e senhores de homens, altivos, independentes, atrevidos - redivivas imagens dos barões antigos". As tetas do Estado Sob essa "herança maldita", descortina-se a fonte de egocentrismo, que se impregna nas instâncias da Federação. Temas transcendentais, como reestruturação produtiva da economia, reestruturação do Estado, inovações tecnológicas, relações de trabalho, segurança pública, pobreza e desigualdade social e até programas sociais acabam contaminados por visões personalistas, corporativistas, circunstanciais e eleitoreiras. Vejam-se os programas assistencialistas, como Bolsa Família, Auxílio Emergencial etc. Vão se perpetuar. Aqui, o maná cai do céu. Milhões esperam mamar nas tetas do Estado. Estadania, a inversão da lógica de Marshall Analisemos nossa modelagem política. José Murilo de Carvalho observa que, entre nós, a cultura do Estado prevalece sobre a cultura da sociedade. Os direitos políticos apareceram antes dos direitos sociais, gerando uma sobrevalorização do Estado. Ou seja, houve uma inversão da lógica descrita por Thomas Marshall, em Cidadania, Classe Social e Status. As nações democráticas, a partir da Inglaterra, implantaram, primeiro, as liberdades civis, a seguir, os direitos políticos e, por último, os direitos sociais. Por aqui, o Poder Executivo, operando as ações públicas, aparece como a salvaguarda das 'benesses'. Direitos são vistos como concessões, e não como prerrogativas da sociedade, criando uma 'estadania' que sufoca a cidadania. Tudo depende do Estado. Um processo de tutela amortece o ânimo social, dificultando sua emancipação política. Não por acaso, critica-se a força avassaladora do nosso presidencialismo de cunho imperial. Centrão, centrinho e otras cositas Não a toa, o nosso presidencialismo de coalizão agasalha muito bem os grupamentos que se formam na área parlamentar. Centrão, com sua bocarra, abocanha nacos de poder. E há centrinhos, aqui e ali, pegando as sobras. Sem estes grupamentos, é difícil governar. Para uns, impossível. A governabilidade é, assim, uma biruta de aeroporto, que muda de posição conforme o vento. Pergunta Deu para entender alguma coisa sobre o homo brasiliensis? Um pouco de humor. 5 minutos de silêncio A onda de um minuto de silêncio faz parte da liturgia do poder. Surfam nessa onda políticos de todos os espectros. Vereador, então, usa a onda para capturar todos os votos da família do morto. Vejam este caso que ocorreu na Vila São José, bairro periférico de Macaíba/RN. O ex-vereador e candidato Moacir Gomes, ao usar a palavra, inicia a oração rogando aos assistentes do comício um minuto de silêncio pelo falecimento de um morador do bairro. Seu assessor e cabo eleitoral, ao lado, pensando no tamanho da família do falecido, sopra no ouvido de Moacir: - Um minuto é pouco. Peça cinco. Tem muito voto lá! (Historinha de Valério Mesquita, ótimo contador de causos)
quarta-feira, 31 de março de 2021

Porandubas nº 710

Coisas do Brasil Um sujeito comprou uma geladeira nova e para se livrar da velha, colocou-a em frente a casa com o aviso: "De graça. Se quiser, pode levar". A geladeira ficou três dias sem receber um olhar dos passantes. Ele chegou à conclusão: ninguém acredita na oferta. Parecia bom demais pra ser verdade. Mudou o aviso: "geladeira à venda por R$ 50,00". No dia seguinte, a geladeira foi roubada! (Historinha enviada por Álvaro Lopes) Azevedo abrindo tensões O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, pediu o boné. Maneira de dizer que foi demitido. Surpresa. Não se esperava sua saída. Abrupta. Nota do Ministério: "Agradeço ao presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses mais de dois anos, a oportunidade de ter servido ao País, como ministro de Estado da Defesa. Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituição de Estado. O meu reconhecimento e gratidão aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e suas respectivas forças, que nunca mediram esforços para atender às necessidades e emergências da população brasileira". Ontem no fim da manhã, o Ministério da Defesa soltou uma nota dizendo que os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica serão substituídos. O comunicado dá a entender que a ordem veio de cima. Mas vale ainda a hipótese de terem pedido demissão. Os substitutos serão mais alinhados ao bolsonarismo? Vamos acompanhar sua trajetória. A mexida Mexer no Ministério nesse momento crítico que o país atravessa exige cautela, leitura adequada da moldura político-institucional, sensibilidade. E, sobretudo, consciência dos impactos da mexida em cada setor. No ambiente das Forças Armadas, a saída do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, seguida da saída dos três comandantes das Forças, azedou o ambiente. E a eventual confirmação dos motivos abrirão pontos de tensão. Comenta-se que o ministro não teria demitido o comandante Edson Pujol, do Exército, pois não estaria fazendo uma gestão ao gosto do presidente Bolsonaro. Pujol sempre se manifestou contrário ao papel político das Forças. Centrão com força A escolha da deputada Flávia Arruda (PL-DF) para a área da articulação é um gol do Centrão. Emplaca mais um dos seus quadros. A deputada é casada com o ex-governador do DF, José Roberto Arruda. Vai ser questionada. Mas tem a proteção de Arthur Lira, presidente da Câmara. André Mendonça desce de posto, deixando o Ministério da Justiça para a Advocacia-Geral da União, de onde saiu. Mas poderá subir mais adiante, chegando ao Supremo. Anderson Flores, da PF, ascende ao Ministério da Justiça. Teria o apoio da "bancada da bala". O general Braga Neto, na Defesa, seria uma forma de harmonizar o ambiente conturbado. E a entrega da Casa Civil ao seu colega de turma na AMAN, general Luiz Eduardo Ramos, Bolsonaro tenta deixar no entorno gente de confiança. Mas a marca dessa mexida sinaliza para as bases. O presidente Jair dá guarida ao seu clamor. Esse ministério estará no olho do furacão quando a campanha pré-eleitoral se iniciar. Ernesto e sua ideologia A saída do ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro significa um baque da ideologia de extrema direita que tenta fincar estacas no país e que tem no então chanceler um de seus pilares. Ernesto Araújo fechou fronteiras do multilateralismo, desdenhou das vacinas, isolou o Brasil da modelagem diplomática internacional e, como fecho de sua desastrada atuação no MRE, brigou com a área política. Sua saída era previsível a partir dos recados dados pelos presidentes da Câmara e do Senado. Há dias cerca de 300 diplomatas, em carta, pediam sua demissão. A tarefa do novo chanceler, mesmo que seja identificado com o bolsonarismo, será a de recompor as pontes destruídas no campo das relações internacionais. O novo chanceler, embaixador Carlos Alberto França, é comedido. Saúde O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem reuniões diárias com entidades e políticos. Muitas falas e pouca ação. Deveria, sim, estar na linha de frente, em hospitais, nas UPAs, vendo a tragédia que se espraia. De fora Triste notícia: o Brasil fica de fora de pacto internacional contra a epidemia. Sem rumo O governo Bolsonaro parece um dândi na escuridão. Procura um rumo. Guedes defronta-se com a questão do orçamento, inflação que sobe, perda de quadros. Auxílio emergencial abaixo das expectativas. Mesmo assim, mostra ainda certa esperança. Mas está angustiado com a situação. Pandemia no pico. Clamor da população sobe o tom. Bolsonaro preocupado com o Congresso. Perdeu a narrativa na frente da pandemia. Nomeou um Comitê, do qual não é o coordenador. A nau parece sem rumo. À procura de uma bússola. O jogo vai começar Os jogadores ainda estão no campo de treinamento. E os times começam a providenciar chuteiras e novos uniformes. Alguns começam a treinar imaginando que serão selecionados pelo técnico para compor o time. Outros já sabem que estarão no banco de reserva. E ainda um grupo de jogadores já sabe que só entrarão no jogo de final de campeonato se houver contusão de parceiros. O jogo é o campeonato eleitoral brasileiro, cujo final será disputado em outubro de 2022. Analisemos o panorama. Calendário I O jogo eleitoral tem um calendário, que nem a crise sanitária tem força para mudar, eis que tem data fixa para terminar. Sabemos que, por aqui, o processo eleitoral é ininterrupto. Termina um pleito e, no dia seguinte, começa outro. Esse fenômeno acaba deixando o país amarrado no tronco do patrimonialismo, pois os protagonistas só pensam em chegar ao poder central, desprezando agendas prioritárias e fechando os olhos para as grandes carências sociais. Calendário II Por isso, pode-se aduzir que estamos no estágio de pré-campanha, quando os nomes aparecem, alguns como balão de ensaio, para se conferir sua receptividade na opinião pública. As primeiras articulações se iniciam, prevendo-se interlocução que vai se fechando ao correr do ano até se compor a moldura com os mais prováveis jogadores. No final do ano, o corpo político, sondando suas bases, firma suas ideias, confirma ou desfaz impressões, compromete-se com alianças, enfim, junta os elementos para finalizar, até abril/maio de 2022, sua visão. A campanha terá início nesse tempo. Lula Este analista tem caminhado na direção oposta ao de vários comentaristas de política. Por exemplo, minha leitura sobre Lula é esta: só será candidato se houver uma forte e insuperável mobilização social. Articulações, alianças e compromissos, novas Cartas aos Brasileiros e outras ferramentas do arsenal da política não serão suficientes para tornar Lula candidato. Há um conjunto de fatores que ancoram esta hipótese, a saber: o espírito do tempo; a sombra do passado; a mesmice expressiva; a divisão do país. O espírito do tempo Cada ciclo tem sua identidade. Os fatos do presente podem até ter semelhança com o passado, mas o espírito do tempo respira os ares do hoje. O espírito do tempo, que acolheu Lula no passado, compunha-se de um conjunto de circunstâncias que empurravam o poder para seu colo. Depois de Lula e de Dilma, 13 anos, o país entrou em uma nova rota. Ares renovados, escândalos vindos à tona, vísceras expostas de líderes e partidos, versões dando lugar à verdade. Ninguém atravessa um rio duas vezes no mesmo lugar. Sombra do passado O passado tem duas facetas: a de saudades, dos entes queridos que se foram, do bucolismo e do atavismo que nos levam às pracinhas de nossa infância, do cheiro de terra molhada pela chuva, das brincadeiras e das músicas que nos embalavam. O passado que não volta mais. Mas há outra faceta: o tempo das coisas nefastas, dos grandes escândalos, da corrupção perversa, dos crimes, das traições e emboscadas, enfim, da maldade instalada nos espaços do nosso território. Esse passado é repelido. "Sai pra lá, peste". Pois bem, esse passado abriga os protagonistas que participaram dos acontecimentos. Não serão assépticos, limpos, em pouco espaço de tempo. O perfil de Lula estará sob a sombra do passado. Aristóteles pontuava: "pode-se considerar o caráter de uma pessoa como o mais eficiente meio de persuasão de que se dispõe". Mesmice expressiva O nosso sistema cognitivo é dotado de alavancas para aceitar ou rejeitar o discurso. Clyde Miller designa-as de alavancas psíquicas. A primeira é a adesão, fazendo que as pessoas aceitem ideias, por associá-las a coisas consideradas. Democracia, pátria, cidadania, liberdade, justiça estão nesta lista. Estamos falando de conceitos considerados positivos e bons. A segunda é a alavanca da rejeição, o contraponto, que procura convencer a massa a rejeitar pessoas, coisas, associando-as a símbolos negativos, como guerra, morte, fome, imoralidade, corrupção. A terceira é a autoridade, que traduz valores da experiência, conhecimento, sabedoria, domínio. Deus é a síntese desse escopo. Outros exemplos: Gandhi, Jânio Quadros. Por último, a alavanca da conformização, cujo apelo se volta para a solidariedade, a união, a irmandade. "A união faz a força". Procurem, agora, associar a voz rouca de Lula em palanque com algo. Identifica-se mais com aspectos positivos ou negativos? A divisão do país Lula é sempre lembrado pela divisão do país em duas bandas: nós e eles, mocinhos e bandidos. Essa imagem é muito ruim. Destrói a alavanca da unidade, da solidariedade, da harmonia social. E estamos vivenciando um momento em que o lema deve ser suprapartidário, acima das ideologias. Será muito difícil ao PT eliminar os vestígios dos tempos em que pregava "a luta contra a zelite". A favor de Lula Há um argumento que as margens podem correr na direção de Lula. Trata-se da hipótese que, há tempos, é inafastável de meus comentários: a equação BO+BA+CO+CA. Ou seja, o uso de instintos em campanhas eleitorais: combativo, nutritivo, sexual e paternal. Destaco o instinto nutritivo. Minha hipótese para explicar o processo de decisão de voto parte do cinturão econômico, ciclicamente usado por governos para afrouxar ou apertar a barriga do eleitor. O xis da questão resume-se na equação: bolso (BO) cheio enche a geladeira, satisfaz a barriga (BA), emociona o coração (CO) e induz a cabeça (CA) dos bem alimentados a recompensar os patrocinadores do pão sobre a mesa. E o troco, a recompensa? O voto na urna. A recíproca é verdadeira. Bolso vazio é reviravolta eleitoral. As massas podem fazer associação com Lula abrindo os dutos do consumo. Mesmo assim, este analista não crê em sua candidatura. Fecho a coluna com mais um pouco de humor. Idôneo, o comandante Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado: - Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo. O coronelão relaxou e gritou para a galera que o ouvia: - Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo. (Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre)
quarta-feira, 24 de março de 2021

Porandubas nº 709

Abro a coluna com "causos" do Pará. Um pouco de humor para adoçar nossa amargura nesses tempos turbulentos. E as crianças? O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral: - Como vai? E a senhora sua esposa? E as crianças? - Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo? - E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos? Outra figura folclórica do Pará foi Magalhães Barata, revolucionário em 1924 e 1930, interventor, constituinte em 46, senador e governador. Tinha ele um candidato a prefeito de Santarém. Mas o diretório local do PSD queria outro. Ia perder. Foi lá, conversou, pediu votos. Não teve jeito. Perdeu a eleição no diretório: 15 a 5. Pegou o microfone: - Meus senhores, pela primeira vez a minoria vai ganhar. Está escolhido o candidato que perdeu. A plateia bateu palmas. O velho Barata encerrou os trabalhos: - E, pela primeira vez, a minoria ganhou por unanimidade. Sinais de distância Tudo de acordo com o esperado. O Centrão começa a dar mostras que não é um bloco tão firme como alguns imaginam. É como um iceberg imenso descolando de uma geleira. Afasta-se suavemente do lugar e, ao sabor de ventos e vendavais, procura um lugar no oceano, agarrando-se a outros imensos pedaços de gelo. O Centrão não está muito contente com o governo Bolsonaro. O presidente da Câmara não conseguiu que sua indicada, dra. Ludhmila Hajjar, fosse escolhida para o Ministério da Saúde. A pandemia avoluma caixões nos cemitérios todos os dias. Cerca de três mil mortos por dia. Lula dá sinais de que ambiciona voltar ao Palácio do Planalto. E o Centrão passa a peneira em todos esses eventos. Para complicar, aparece Lula com seu discurso moderado, uma nova modalidade de Carta aos Brasileiros, expediente usado em tempos passados, quando cooptou o empresariado. E as fatias de poder? Alguém poderá objetar: e as fatias de poder já entregues aos partidos que compõem o Centrão? E as conversas intermitentes que o líder do Centrão, senador Ciro Nogueira, mantêm com o presidente Bolsonaro? Mas outros começam a raciocinar: que adianta acumular poder hoje se amanhã tudo poderá virar pó? O Centrão olha à direita, à esquerda, e avalia o espaço que ocupa. Seguirá em 2022 a onda do vento, a dinâmica da política. Vê, por exemplo, que o presidente cede pouco aos apelos para amainar o discurso radical e tomar decisões mais duras para dominar o diabo que poderá matar 500 mil brasileiros em curto espaço de tempo. O Centrão não é suicida. Pragmático, será parceiro do protagonista que melhores condições reúna para chegar ao pódio em 2022. Guedes mais fraco Paulo Guedes, comandante da economia, vê seus quadros voltando ao mercado: mais de 15. E essa debandada significa frustração de economistas de proa, insatisfeitos com o andamento da carruagem, decepcionados com o fato de que é difícil ganhar batalhas na arena de um governo que parece tatear na escuridão. Some-se a tudo isso o fato de que o tom do governo mostra desafinamento com os toques da banda de música das faixas sociais, à espera de avanços. As margens aguardam o auxílio emergencial. E haverá muita grita quando perceberem que seus bolsos continuarão vazios, mesmo com as parcelas do adjutório. Articulação capenga É evidente o esforço do ministro da Articulação, general Luiz Eduardo Ramos, para limpar os entulhos do caminho entre as Casas Congressuais e o Palácio do Planalto. A articulação é frágil por se saber que o presidente é de veneta: compromissos são desfeitos, a palavra que vale é a dele, não se subordina às pressões. "Vamos que vamos". Parece ser o refrão governamental, o que dá a entender um estilo improvisado de governar, empurrar de barriga, tampar buracos aqui e ali, sem saber quais os buracos rasos e fundos. Os basistas (que integram as bases do governo) desconfiam do prometido. Ou confiam com um pé atrás. Desaparecidos Há ministérios de peso, como o da Educação. Como é mesmo o nome do ministro da Educação? Um picolé de assaí para quem souber. O ministro do Meio Ambiente, por onde anda? O teor polêmico que saía das trombetas de alguns ministros arrefeceu. E se concentrou no protagonista que habita o 3º andar do Palácio do Planalto. Terceira via As pesquisas deixam ver um amplo espaço para uma terceira via, um candidato que possa quebrar a polarização entre os protagonistas das margens. Quem, quem, quem? Os atuais que poderiam disputar o lugar da terceira via criaram muitas arestas. Trajano A empresária Luiza Trajano, do conglomerado Magazine Luiza, tem mais vocação para estilingue que vidraça. Este analista teve oportunidade de conhecer Luiza em eventos empresariais. Tem a língua bem afiada. Sabe ir ao ponto, o centro da questão. Grande líder. Tirocínio. Não lhe convém entrar na liça de baixarias, truques e emboscadas. Por isso, é crível quando ela arreda a hipótese de compor chapas presidenciais. Seria um trunfo: mulher, bem-sucedida e articulada. Ciro Ciro Gomes é uma metralhadora ambulante. Atira bem. Mas seu estilo amedronta. Pode ser um nome a crescer nas margens esquerda e direita do centro. Vacinação As vacinas chegam a conta-gotas. Virão, não no ritmo que se espera. Mas milhares de brasileiros ainda morrerão por conta de um cronograma capenga. O pior De Jamil Chade, no UOL: "Na pior semana da pandemia no Brasil e sem um cenário de queda no número de novos casos, o país somou 25% das mortes no mundo no período entre 15 e 21 de março. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) apontam que, no total, 60,2 mil pessoas foram vítimas da Covid-19 no planeta nesse período -15,6 mil delas apenas no Brasil, país que representa apenas 2,7% da população mundial". Brasil invade EUA Desculpe se você se assustou. A variante brasileira da Covid-19 chegou aos EUA sem avisar. Uma invasão não detectada. Desembarcou em Nova Iorque. O caso foi identificado por cientistas do Hospital Mount Sinai, Nova York, e verificado pelo Departamento de Saúde do Wadsworth Center Laboratory. P.S: invasão brasileira nos EUA? Jamais. Só mesmo por meio de doenças. Efeitos Resultados projetados para os próximos tempos. 1. Queda no número de mortos e contaminados 2. Tombo nas atividades econômicas 3. Frustração das margens com o auxílio emergencial, pois será bem menor e não dará para pagar nem um terço da cesta básica. Entre R$ 150 e R$ 375 - durante quatro meses; no ano passado, foram pagas cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300. 4. 48 milhões de pessoas serão atendidas pelo auxílio emergencial, contra 68 milhões no ano passado 5. Crescimento do PIB de 3,2%. Renda básica e vacinas O Movimento Convergência, que agrega importantes figuras da área econômica, lança ofensiva junto aos Poderes Executivo e Legislativo para viabilizar um programa de renda básica. Os recursos viriam das privatizações e da reforma administrativa, considerada central para reduzir gastos com recursos humanos do Estado. Outro Movimento, reunindo banqueiros e economistas, faz uma Carta Aberta aos Poderes da República cobrando a adoção de medidas efetivas contra a Covid-19. As lideranças parecem despertar da letargia. Estão apavoradas. A carta dos economistas foi rechaçada pelo presidente. PT e PSDB Minha querida mãe sempre me dizia: "nunca diga - desta água não beberei". Aprendi o ditado e não me surpreendo com a gangorra da política. Para derrotar Bolsonaro, o PT abre diálogo com o PSDB. Sabemos que, nos últimos tempos, tucanos de alta plumagem fizeram intenso bombardeio sobre Lula e o petismo. Se há certa trégua, hoje, é porque as oposições, dispersas, perceberam que o todo é maior que as partes. A conferir o que ocorrerá na temporada de emboscadas que vai se estender até outubro de 2022. Visibilidade O governador do Rio Grande do Sul é destaque entre tucanos. Ganhou boa visibilidade com o recrudescimento da pandemia no Estado. Expressa uma linguagem de bom senso. João Doria continua no marco da visibilidade como "o senhor da vacina brasileira". O governo Federal teve de engolir a realidade da imunização liderada pela vacina Coronavac/Butantã. 10 dias de lazer? Essa decisão de governantes de juntar os feriados e formar um calendário com 10 dias de folga é considerada uma estratégia para diminuir a circulação de pessoas, evitando aglomerações. O RJ determinou que vai adotar um feriado de dez dias a partir da próxima sexta, 26. Os prefeitos do Rio e de Niterói endurecem medidas. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas faz o mesmo. Será que vai funcionar? E o ethos do homus brasiliensis, voltado para a farra e a quebra da ordem? Cena Hospitais do DF têm corpos armazenados no chão e fila de 400 pessoas esperando leitos de UTI. O Sistema de saúde no Distrito Federal vive situação de calamidade pública. Outros Estados também registram o colapso. Lei de Segurança A Lei de Segurança Nacional está defasada. Vem lá de trás. Não condiz com a contemporaneidade. Merece passar pelos filtros dos direitos e deveres. Uma adaptação à realidade fará bem. Alerta ao Brasil A pandemia do novo coronavírus somada a uma grave crise institucional fez com que indicadores da Turquia entrassem em pane, alertando para os riscos que grandes interferências podem ter na saúde econômica. A interferência do presidente brasileiro na Petrobras e no BB também deixa os agentes do tal "mercado" com a pulga atrás da orelha.
quarta-feira, 17 de março de 2021

Porandubas nº 708

Como os leitores sabem, abro a coluna com uma historinha engraçada e pitoresca, antes de fazer a leitura da política, do clima social e das circunstâncias. Um aperitivo. Vi, segunda-feira, a entrevista do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que tinha ao lado o assessor Airton Soligo, mais conhecido como Cascavel. Paranaense de Capanema/PR, em 1985 estabeleceu-se em Roraima, em virtude da expansão das linhas de ônibus da empresa paranaense União Cascavel de Transporte e Turismo (Eucatur), na qual trabalhava como assessor da direção. Conheci Cascavel em Boa Vista/Roraima, onde coordenei o marketing de quatro campanhas eleitorais. Cascavel foi eleito vice-governado na chapa de Neudo Campos. Foi também prefeito de Mucajaí e presidiu a Assembleia Legislativa. Agora, a historinha relembrada por um jornalista amigo. Povo de Roraima Comício no bairro popular, zona do meretrício. Chegara a vez de Cascavel dar seu recado. - Povo de 13 de setembro. Olhou para o lado, olhou para o outro, encarou a multidão e tascou: - Meu povo de 13 de setembro. - Heróis de 13 de setembro. Não satisfeito, continuou: - Meu povão de 13 de setembro. Parou. Faltava verbo. Na fila da frente do palanque, um bebum gritou: - Desembucha, Cascavel. Que danado de cobra você é. Foi você que pegou minha 86? Cascavel não perdeu a deixa: -Tá aí esse filho de uma égua que prova o próprio veneno. Vá se lascar, desgraçado. O fato é que a cachaça 86 era considerada a pior cachaça do mundo. Hoje, Cascavel é um próspero empresário do norte do país. Assessorava o então ministro Pazuello, a quem ajudou na tarefa de administrar a imigração de venezuelanos em RR. É simpático e tem veia política. A vida política A vida de um governo é uma gangorra. Vai ao alto e desce. Chega ao pico da montanha e ao fundo do poço. Lá e cá. Os ciclos obedecem ao espírito do tempo. Em início de gestão, os governantes estão no alto. Vivem a ressaca da vitória, as placas tectônicas da política vão se acomodando com a composição de ministérios e autarquias, o cobertor social é estendido para acolher as margens sociais e a locomotiva do governo - a economia - ajusta seus eixos. Noutra simbologia, podemos dizer que o carro dá partida. Ou, ainda, é a fase do lançamento do governo, quando todos os olhos se voltam para o protagonista principal do jogo. As visões se clareando Geraldo Vandré compôs Disparada, sua mais famosa música, que diz: "E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando, as visões se clareando, até que um dia acordei". Pois bem, ao completar um ano de administração, as visões começam a se clarear. E o eleitor a acordar. O carro está na segunda marcha, esperando a terceira, mas já dá para perceber como o motorista dirige, seu jeito, a maneira como pega a direção e avança na estrada. Percebe-se a identidade do governo. Identidade significa a coluna vertebral, o estilo, a substância governativa - programas, ações, fraseado, como se comporta ante elogios e críticas. É a etapa de crescimento. A terceira marcha O carro roda e ronca, pedindo mais velocidade. Terceira marcha, que permite saber a real performance do automóvel. Bom de subida, estável em descida e em curvas, respondendo bem ao que dele se espera. Essa fase abre oportunidade para que os consumidores, conhecendo as condições do carro, possam ou não comprá-lo ou recomendá-lo a um amigo. O carro ganha a chance de ser bem ou mal avaliado. Estamos no ciclo da maturidade. A opinião pública forma a imagem do governo, a percepção cognitiva do eleitorado. Imagem, portanto, é projeção da identidade, desenvolvida pela bateria de comunicação. O clímax A última fase é a do clímax, quando o carro, em quarta ou quinta marcha (se tiver), chega ao ápice da montanha, demonstrando todo o seu potencial e avançando terreno de maneira rápida e segura. Paremos, aqui, e puxemos essas fases para o governo Bolsonaro. O lançamento O governo saiu-se bem no lançamento, na esteira de amplo apoio social, depois de vencer uma guerra contra o PT, seu adversário, e em atendimento a uma poderosa visão crítica da sociedade, saturada com o lema "nós e eles". Esse fraseado foi martelado durante muito tempo, em clara divisão do Brasil em duas alas, a dos mocinhos e a dos bandidos. Ante os estrondosos escândalos que arrebentaram com a imagem do petismo-lulismo e que desbocaram na operação Lava Jato, o "nós e eles" perdeu sentido, até porque as tão combatidas elites, execradas por Lula e o PT, acabaram inseridas nos dutos da corrupção. Juntas com o PT. O crescimento O governo Bolsonaro, eleito com o apoio de milhões de brasileiros, de todas as classes, prometia renovação da política. Não fez e não faz isso. A decepção passou a forjar o espírito nacional. O presidente, confiante no antipetismo que se alastrou pelo território, passou a fazer um governo com as mesmas ferramentas que lapidaram os governos petistas, instalando um "eles e nós", eles, os bandidos, nós, os mocinhos. E passou a jogar no prato de suas bases simpatizantes o caldo apimentado de ódio, da vingança e da ferocidade. A identidade - conservadora nos costumes, dúbia no liberalismo, franciscana na política ("é dando que se recebe") - plasmou uma imagem desgastada, tosca, plena de versões e desmentidos. A pandemia Para coroar esse leque de situações desencontradas, apareceu a Covid-19, com seu poder mortífero, porém, desacreditada pelo presidente e seus ministros, abrindo a maior crise sanitária vivida pelo país em toda a sua história. A má gestão do governo na pandemia disparou gigantesca teia de críticas, deixando perplexa a comunidade internacional. A indecisão e a má vontade para a aquisição de vacinas se mostraram por meio de uma embalagem ideológica, como se vacina tivesse ideologia, religião, cor. O país está doente, sai mais um ministro da Saúde, a vacinação é lenta e o governo, mesmo a contragosto, teve de encarar a realidade, topando comprar vacinas antes rejeitadas e a apertar, repito, mesmo a contragosto, as mãos da ciência. Mudança de ministro sem mudança de comportamento de Bolsonaro é o mesmo que trocar seis por meia dúzia. E agora, José? Estamos, ainda, na fase três. A quarta marcha só será usada em 2022. Temos, agora, uma triste paisagem dos corpos político, econômico e social. Na política, fez-se um arranjo com o Centrão. Na economia, as interrogações aumentam: o bolso do consumidor continuará a esvaziar? A inflação sobe. Os preços dos alimentos, idem. Paulo Guedes engole sapos. O programa de privatizações emperra. Brasil é visto com desconfiança pelo mercado internacional. O pacote social será apertado ou suficiente? E agora, José? O Produto Nacional Bruto da Felicidade baixa, continuará na mesma ou sobe? Saúde O Ministério da Saúde é o calcanhar-de-Aquiles do governo. O general da área de logística que sai não mostrou competência para gerir a bagunça que toma conta da saúde no país. O general deveria ter pedido o boné bem antes. O que dizem seus companheiros? A médica Ludhmila Abrahão Hajjar, convidada, declinou do convite. Foi ameaçada de morte. Um grupo de ódio teria ameaçado, até, invadir o hotel onde se hospedou em Brasília. Milícias? De onde vêm ameaças desse tipo? Ao que se infere, o novo ministro Marcelo Queiroga, respeitado, já deu o aviso: governo define a política e Ministério da Saúde executa. Péssimo começo. A lógica recomenda que a Pasta especializada em saúde deve definir a política sobre saúde. Alternativa Os governadores e os líderes do Congresso podem avocar a gestão do combate à epidemia e constituir um grupo de comando. Chegou-se ao limite. Sob essa tempestade, aparece Lula como a bonança. Após seus processos terem sido anulados na vara de Curitiba pelo ministro Edson Fachin fez um grande discurso moderado e se posicionando como a virtude para esses tempos nebulosos. Lula prega uma frente ampla. Na visão deste analista, não será candidato, mas protagonista de proa na batalha eleitoral de 2022. Mais fogo A quebra de sigilos bancário e fiscal de pessoas e empresas ligadas ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) revela indícios de que o esquema da rachadinha também ocorria nos gabinetes do pai, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quando este era deputado Federal, e do irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A Ordem no Planalto é tratar rachadinhas como assunto "de fora do governo. O tema continua na mídia. O custo da descontinuidade Fecho a coluna com um alerta sobre o custo da descontinuidade administrativa. No Brasil, o custo atinge bilhões e bilhões de reais. Os sucessores na administração pública costumam apagar as ideias, mesmo ótimos programas, de seus antecessores. Dou um exemplo: o caso da EMPARN, dirigida no início dos anos 80 pelo prof. Benedito Vasconcelos Mendes. Ali, ele fez extraordinário trabalho de inovação da pesquisa agropecuária no Nordeste. Hoje, o professor Benedito dirige o Museu do Sertão, empreendimento exemplar, em Mossoró/RN. Importação de animais Na época, criou o Projeto de Introdução de Animais de Desertos, financiado pela FINEP e EMBRAPA e, na época, o mais arrojado para a ser implantado nos Estados nordestinos. Era proibido importar animais da África em razão de uma endemia, a doença do sono, transmitida pela mosca tsé-tsé. Daí ter se decidido pela compra junto a criadores americanos. O mestre conta: "tivemos de pagar ao Departamento de Agricultura Americano para fazer a quarentena e todas as imunizações necessárias para evitar introduzir novas doenças no Brasil. Foram 60 dias de quarentena nos Estados Unidos. Os 12 Elandes (10 fêmeas e 2 machos) e os 12 Órix-de-cimitarra vieram em avião fretado de Dallas para o aeroporto de Natal. Eu mesmo fui escolher os animais nos EUA, mas toda a transação comercial foi feita pela EMBRAPA". Adaptação Os animais foram introduzidos para pesquisa de adaptação, para saber se eles iriam se adaptar as condições edafoclimáticas do semiárido nordestino. Mas as pesquisas foram interrompidas depois que o professor deixou de dirigir a empresa. Tudo foi por água abaixo. Um desmonte. Inveja, despeito, apagar o sucesso da administração. Ora, seria muito útil ao semiárido se soubéssemos como estes animais se comportam nas condições do Nordeste. Curiosidades: o elande consome ramas espinhentas (como a rama da jurema), característica que lhe garantiria sobrevivência por ocasião das secas. Benedito arremata: "a jurema não é caducifólia e sim perenifólia, ou seja, não perde as folhas no segundo semestre do ano, nem durante as secas. Um copo de leite de elande seria suficiente para manter uma criança no que diz respeito à proteína e gordura".
quarta-feira, 10 de março de 2021

Porandubas nº 707

A coluna de hoje é dividida em duas partes. A primeira traz uma abordagem sobre os eventuais protagonistas que sonham com 2022. A segunda apresenta resumida visão histórica sobre as mulheres que, dia 8, segunda-feira, receberam homenagem pelo Dia Internacional da Mulher. Abro com uma fábula de Esopo. O jumento e o sal Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade. (Esopo) Parte I Os nomes Nos últimos tempos tem se avolumado o espaço de análise e especulação em torno dos nomes imaginados por uns e por outros para entrar na arena eleitoral de 2022. São estes os mais nomeados: Ciro Gomes, Fernando Haddad, Lula, Flávio Dino, Guilherme Boulos, Eduardo Leite, Jair Bolsonaro, João Amoedo, João Doria, Luciano Huck, Luiz Henrique Mandetta, Marina Silva e Sergio Moro.Tracemos algumas linhas sobre cada um. Ciro Pelo PDT, o candidato mais provável será o do ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes. Luta para ocupar o espaço de centro-esquerda, atraindo o centro e suas margens. Tem dito que fará tudo para bloquear o PT e essa promessa cai bem nas almas ponderadas. Ciro conhece o país e é bom de debate. Tem visão de economista e sociólogo. Precisa resgatar a confiança perdida junto a alguns setores por conta de sua linguagem exacerbada. Seu desafio: conseguir ser o candidato de uma frente. Haddad Mesmo considerado marxista, não tem a marca radical que, ao longo do tempo, se fixou na imagem de petistas, aos quais se atribui o lema: "nós e eles", nós, os mocinhos, eles, os bandidos. Não é radical e a imagem jovial conota um PT mais moderno, não com cara de ranço ou de lobo. Poderá ser o nome do PT, caso Lula desista ou seja instado a desistir em função de processos na Justiça. O problema é a imagem do PT, hoje estigmatizada. Lula I Uma bomba com impactos. Lula acaba de ver anuladas as condenações sobre suas costas, feitas pela 13ª vara Federal de Curitiba. O ministro Edson Fachin, relator do processo, acolhe habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em novembro do ano passado. Na verdade, Fachin não entrou no mérito, apenas decidiu que processos contra Lula, em Curitiba, fogem à alçada da 13ª vara Federal de Curitiba, eis que não estão relacionados à Petrobras, objeto central da Lava Jato. Lembrando: casos do Guarujá, sítio de Atibaia e terreno para o Instituto Lula. A decisão do ministro deverá ser referendada pelo plenário do STF. Os casos irão para o Juizado de 1ª instância em Brasília. Há possibilidade de prescrição. Na verdade, teria sido um golpe de mestre de Fachin, que sempre defendeu a operação Lava Jato e, com sua decisão, a livra de questões não referentes aos dutos da Petrobras. Lula vai esperar os próximos passos do Judiciário. Lula II Por enquanto Luiz Inácio ganha a condição de elegível. Tudo vai recomeçar na 1ª instância. E é também possível que a 2ª Turma do STF anule todas as acusações contra Lula, inviabilizando o uso de provas já coletadas. Tudo, então, recomeçaria do zero. O fato é que outros condenados poderão se ancorar na decisão de Fachin e pedir anulação de suas condenações. O PT, por sua vez, recebe com cautela a decisão, endossando e comemorando a decisão do ministro paranaense, e iniciando a campanha para inocentar Lula. E transformá-lo em vítima. Ganhando a condição de elegibilidade, Lula enfrentará o dilema de ser o candidato do PT ou entrar em eventual frente ampla contra Bolsonaro. Mas se os partidos de esquerda se dividirem - PSOL, PDT, PSB, PC do B - e ainda, se houver divisão nos partidos de centro e direita - MDB, DEM, PSD, PSL - o PT se aproveitará do racha para jogar Lula no páreo. Quanto maior a divisão, melhor para o PT. A imagem do PT, para a maior parcela do eleitorado, ainda é a de um demônio. Limpar esse traço é tarefa mais que complexa. O partido dividiu o país em duas bandas. (Imponderável) P.S. Este consultor considera que o desafio de limpar a imagem do PT, até as margens de outubro de 2002, será tarefa hercúlea. A depender da economia, Produto Nacional Bruto da Felicidade, desastre gigantesco do governo Bolsonaro, acesso das margens à mesa do pão, satisfação/insatisfação das classes médias, gestão da pandemia, sob a sombra do Senhor Imponderável, que costuma visitar o Brasil. Flávio Dino O governador do Maranhão, do PC do B, tem se destacado como voz do Nordeste. Com chance limitadas, pode vir a compor uma chapa majoritária, como candidato a vice-presidente. Não tem cacife para unir as esquerdas. É hábil na articulação, mas não tem entrada nos espaços do Sudeste, por exemplo. Guilherme Boulos Em ascensão, deixou de lado a linguagem contundente para ganhar a confiança de contingentes do meio da pirâmide. É inteligente, bom de debate, mas lhe falta conhecimento sobre a realidade brasileira. Tem um eleitorado fiel. Ainda não criou a imagem de um presidenciável. Mais parece um fomentador de massas. Eduardo Leite O governador do RS é o nome tucano em crescimento, opção ao governador de SP, João Doria. Jovial, boa aparência, fluente, consegue integrar grupos em conflito no PSDB. Perfil moderado, de centro. Seu cacife dependerá da maneira como será avaliado no ciclo da pandemia. Já entra na linha de tiroteio de Bolsonaro, que o considera "manso", em expressão depreciativa. Jair Bolsonaro Tem como meta manter a polarização com o PT e os partidos de esquerda, com um discurso ideológico e ameaçador. Suas condições dependerão do desempenho da economia, que pode se traduzir pela equação com que tenho condicionado a viabilidade dos protagonistas: BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Bolso cheio, barriga satisfeita, coração agradecido, cabeça votando no patrocinador da equação. Mas a corrosão mortífera da pandemia ameaça estraçalhar seu perfil. Bolsonaro é um atirador sem bom senso. Diz o que lhe vem à cabeça. E costuma desdizer o que disse. João Amoedo Um empresário à espera de uma oportunidade. Exibe uma receita ultraliberal. É desconhecido. E voluntarioso. João Doria Tem vontade, determinação, gosta da luta. E faz um bom trabalho de combate à pandemia, sendo até a ele atribuído o acesso do Brasil à vacina Coronavac, que Bolsonaro execrou como a "vacina chinesa". Mas fica tão patente a intenção de ser o candidato do PSDB, que propicia a formação de grupos contrários dentro do próprio partido. Enfrenta um exército de bolsonaristas que o xingam nas redes sociais. Luciano Huck Endinheirado, o apresentador de TV tem como âncora um programa de TV. É admirado pelas margens. Mas a identidade ficará sempre repartida entre o mundo dos espetáculos e o mundo da política. Seria um outsider. Pode se arriscar, eis que seu ciclo na TV se mostra em declínio. Sairia da campanha igual, sem grandes perdas. Insere-se no centro, com apelo às adjacências. Luiz Henrique Mandetta Pode vir a ser o nome do DEM, caso este não entre numa Frente Ampla. Ganhou fama e respeito como ministro da Saúde do governo Bolsonaro, de onde foi defenestrado. Simpático, irradia sinceridade. Marina Silva Passou sua vez. Frágil, sem articulação política. Mas conserva a imagem de limpa, digna, séria. Sergio Moro A grande incógnita. Se a economia despencar e se mostrar disposição, tem chance de ser chamado por algum partido para se candidatar. Também deve ser alvo do bombardeio político, a partir da suspeita de que teria havido conluio com os procuradores de Curitiba para apertar o cerco contra Lula. Beneficiado também por esta decisão do ministro Fachin. Desvia-se da linha de tiro. Mas tudo pode recomeçar, sob a decisão de Gilmar Mendes de levar a (de Moro) suspeição para a 2ª Turma e ele ser condenado. O abacaxi seria descascado no Plenário da Corte. Se for condenado, SDS: Só Deus Saberá. A interrogação se agiganta. Parte II - A luta das mulheres Luta contra a escravidão A luta da mulher pelo ideário de igualdade tem longa história. Seja na frente do direito ao voto, seja na frente do direito por salários iguais aos dos homens, seja no combate à discriminação que enfrenta na labuta cotidiana, a mulher conquista, passo a passo, papel central na construção de um planeta mais solidário e justo. Valho-me de um ensaio do pesquisador e consultor Antônio Sérgio Ribeiro para anotar alguns desses eventos, a começar pelo combate à escravidão, onde se destacam, inicialmente, Susan Brownell Anthony e Elizabeth Cady Stanton. Ambas, em um encontro em 1851, em Seneca Falls, Estado de New York (EUA), iniciaram a jornada de lutas contra a escravidão. Susan queria ver aprovada uma emenda constitucional pelo direito de voto às mulheres. A ideia culminou com a aprovação da emenda nº 13, pelo Congresso, extinguindo a escravidão nos Estados Unidos. Nísia Floresta Abro espaço para falar da luta das mulheres no meu Rio Grande do Norte, começando com a professora Nísia Floresta Brasileira Augusta. Próxima a Augusto Comte, o primeiro teórico a fincar as bases do positivismo. Em 1832, traduziu a obra da feminista inglesa Mary Wollstonecraft e passou a ser considerada uma das primeiras defensoras da emancipação feminina no Brasil. Com ideias, Nísia Floresta lutou para que as representantes do sexo feminino tivessem direito ao voto. Voto que, a partir de 1932, através de um decreto de Getúlio Vargas - decreto este que foi confirmado pela Constituição de 1934 - veio a eleger Alzira Teixeira Soriano para prefeita do município de Lajes. Nordestina e lutadora, foi alçada à condição de primeira prefeita eleita no Brasil. Alzira Soriano Filha mais velha de influente líder político regional, Alzira nasceu e cresceu em Jardim de Angicos, um distrito de Lajes, no Rio Grande do Norte. Aos 17 anos de idade, casou-se com um promotor pernambucano, com quem teve três filhas. Ficou viúva aos 22 anos quando seu esposo morreu vítima da Gripe Espanhola. Um detalhe: em 1928, Bertha Lutz fez uma visita ao Rio Grande do Norte. Ativista feminista, bióloga, filha de Adolfo Lutz, pioneiro da medicina tropical, influenciou a fundação de uma associação de eleitoras, promovendo ainda a candidatura de Alzira Soriano à prefeitura de Lajes. Juntamente com Juvenal Lamartine, governador do Estado, Bertha Lutz fez uma visita ao "coronel" Miguel Teixeira de Vasconcelos, pai de Alzira, que à época, tinha 31 anos. "Esta é a mulher que estamos procurando", teria dito Bertha Lutz à Juvenal Lamartine. O direito de votar Aliás, no RN, em 25 de outubro de 1927, pela Lei estadual 660, as mulheres brasileiras puderam, pela primeira vez, ter o direito de votar e serem votadas. Infelizmente, viram seus votos anulados. A Comissão de Poderes do Senado Federal, no ano de 1928, ao analisar essas eleições realizadas no Estado, requereu em seu relatório a anulação de todos os votos que haviam sido dados às mulheres, sob a alegação da necessidade de uma lei especial a respeito. O projeto que concedia esse direito à mulher norte-rio-grandense foi de autoria do deputado Juvenal Lamartine de Faria, o mesmo que, como relator do projeto de 1921 na Câmara Federal, havia dado parecer favorável ao pleito, e fora aprovado pelo legislativo estadual e sancionado pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Os pioneiros A batalha pelo voto, como se vê, teve retas e curvas. No então território de Wyoming no ano de 1869, EUA, a mulher obteve o direito ao voto. Posteriormente mais três Estados do Oeste também seguiriam o exemplo. A Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a conceder o direito ao voto às mulheres no ano de 1893. A Austrália concedeu o voto em 1902, com restrições. Na Europa, o primeiro país em que as mulheres obtiveram o direito ao voto foi a Finlândia em 1906. Na Inglaterra, as mulheres iniciavam a sua luta mais acirrada. Já em 1866 John Stuart Mill, jurista, economista e filósofo, eleito para o Parlamento, apresentou emenda que dava o direito à mulher inglesa, assinada também por miss Sarah Emily Davies e pela dra. Garret Anderson. Foi derrotado por 194 votos contra e 73 a favor. Finalmente, em 1918, ao término da 1ª Grande Guerra, que contou com a participação decisiva do sexo feminino na retaguarda do conflito, deu-se o direito do voto às mulheres inglesas com mais de 30 anos, sendo eleitas três mulheres para a Câmara dos Comuns. Em 1928, a idade foi reduzida para 21 anos. Na AL, o Equador, em 1929, foi o primeiro país. Já a Argentina, em 1947, sob uma campanha liderada por Eva Perón, conseguiu aprovar o voto feminino. Junta feminina No Brasil, a emancipação feminina teve como precursora a educadora baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que vivia no Rio de Janeiro. A fim de colaborar na campanha eleitoral para a presidência da República, fundou, em 1910, a Junta Feminina Pró-Hermes da Fonseca, de quem era amiga da família. Com a vitória de seu candidato, continuou sua campanha pela participação da mulher brasileira na vida política do país. Concorreu como candidata à Constituinte no ano de 1933. Com o advento da Revolução de 30, novos ventos sopraram. Nathércia da Cunha Silveira e Elvira Komel, esta líder feminista em Minas Gerais, formaram uma comissão para atuar junto a autoridades Federais e pedir o apoio da igreja ao cardeal D. Sebastião Leme. Berta Lutz No princípio dos anos 30, Bert Lutz fundou no Rio de Janeiro a Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, quando expressou: "é um fato interessante, que as revoluções de pós-guerra têm favorecido a mulher". O presidente Getúlio Vargas suprimiu restrições às mulheres. Em 1932, uma comissão de mulheres foi recebida no Palácio do Catete pelo presidente, que acatou um memorial com mais de 5.000 assinaturas, no qual pleiteava-se a indicação da líder Bertha Lutz como participante da comissão para elaborar o anteprojeto da nova Constituição. Em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, a mulher pela primeira vez, em âmbito nacional, votou e foi votada. A médica paulista Carlota Pereira de Queirós foi eleita a primeira deputada brasileira. Disparidades No mercado de trabalho, a luta das mulheres por salários iguais aos dos homens continua. Desempenham as mesmas funções, cumprem a mesma carga horária, têm responsabilidades similares, mas, ao final do mês, quase sempre, recebem contracheques com salário menor que seus pares. A renda média dos homens é 76% maior que a renda das mulheres, o que comprova que as mulheres são o elo mais frágil na corrente salarial. Luta árdua A luta por espaço no mercado de trabalho é tão árdua que, de acordo com um levantamento recente da OIT (Organização Internacional do Trabalho), 67% das mulheres que trabalham no Brasil estão no setor informal. Um percentual superior ao masculino, que é de 55%. Ou seja, na hora de contratar, apesar das mulheres serem maioria, os homens têm a preferência. Preferência, de certa forma injustificada, uma vez que as mulheres investem mais em educação do que os homens: 45% das mulheres têm mais de oito anos de estudo contra 36% dos homens. De 195 países no mundo, apenas 22 são comandados por mulheres. Na Academia A coluna presta sua homenagem às mulheres do RN, com referência à sua participação na Academia de Letras do nosso Estado. Transcrevo a homenagem da Academia para as Mulheres de Letras: Auta, Nísia, Carolina, Palmira, Anna, Eugênia, América, Eulália, Sônia, Diva e Leide. Um acinte O afastamento por apenas quatro meses do deputado Fernando Cury (Cidadania), de São Paulo, por ter apalpado sua colega Isa Penna (PSOL), no plenário da Assembleia Paulista, é um escárnio. Decisão da Comissão de Ética. Deveria ter sido cassado. Samba do crioulo doido O governo vive seu pior momento. A paisagem da epidemia mostra destruição e desorganização por todos os lados. Governadores isolam o presidente. O pico de mortes parece coisa banal. Uma viagem de 10 pessoas para ver um spray em Israel é maluquice. Esse remédio ainda está em fases iniciais de teste. Usado para combater câncer. Samba do crioulo doido. E assim caminha a humanidade!
quarta-feira, 3 de março de 2021

Porandubas nº 706

Abro a coluna com uma historinha do Ceará. Quatro chinelas O médico Francisco Ibiapina, do Jaguaribe/CE, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. O clínico fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaída. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa, silenciosa e atenta aos conselhos do médico. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha: - Seu doutô: fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede? (Causo contado pelo historiador Leonardo Mota) Duas questões centrais O escritor israelense Yuval Noah Harari (Homo Deus, Homo Sapiens, 21 Lições para o Século XXI) levanta duas questões essenciais que certamente balizarão o nosso futuro: a aparente dicotomia entre a crescente autonomia dos cidadãos e a também tendência em expansão de vigilância totalitária por parte do Estado; e o isolacionismo de viés nacionalista e a globalização solidária. Quem vai predominar nesse conflito e que desenho podemos pintar do amanhã que nos espera? Esse é o dilema que merece nossa reflexão. A identidade Na expressão recorrente de nossas análises, temos discorrido sobre a mudança de parâmetros na escala de costumes e valores humanos. O homem-massa, como temos destacado, quer resgatar seu empoderamento, seus potenciais, capacidades, enfim, sua identidade. E isso ocorre nesse oceano turbulento em que navega a Humanidade. Vivemos o maior conjunto de crises da vida contemporânea. A identidade tem sido resgatada pela conquista, mesmo lenta, de direitos, defesa do habitat humano, defesa da privacidade, expansão das condições que formam o Produto Nacional Bruto da Felicidade. Esse grau civilizatório tem balizado as aspirações do conglomerado humano em todos os pedaços do planeta, incluindo territórios marcados pela barbárie. Os olhos do Estado Ao mesmo tempo em que se desenvolve tal fenômeno, os olhos do Estado sobre os cidadãos tornam-se mais perscrutadores, querendo saber o que fazem, para onde vão, como estão seu pulso e seu coração, o que comem, quando comem, que meio de transporte usam, com quem se relacionam, quantas vezes vão ao banheiro, qual a cor dos excrementos (tudo importa), para onde olham nas gôndolas de supermercados, que produtos guardam na geladeira, o que difere um queijo de outro, quantas garfadas de alimentos por dia, enfim, tudo, o conjunto de ações do cotidiano das pessoas. Finalidades Veja-se a dimensão do conflito: de um lado, os cidadãos na luta por seu pleno empoderamento; de outro, o Estado na luta por pleno domínio de seus entes. O argumento do Estado é denso e vasto: luta contra as mazelas - males, epidemias, pandemias -; realocação de bens e recursos para melhorar o nível de vida das populações; descobertas científicas para a cura de doenças graves; uso de algoritmos extraídos da "grande visão" do Big Brother para definir rumos, novos caminhos, rotas e veredas a serem seguidas ou evitadas. Sob a hipótese de melhorar a vida no planeta, esconde-se o total domínio da vida humana. Daí para o Estado Totalitário, um passo. O Estado totalitário Sempre visto como ameaça que paira sobre a Humanidade, chega mais perto com o avanço do sistema tecnológico que se instala na vida cotidiana. A questão é saber se o ser humano, mesmo com a identidade plenamente resgatada, conseguirá evitar os olhos do Grande Irmão e preservar sua privacidade. Lembrando a pergunta de Bobbio: "quis custodiet custodes?" ("quem vigia o vigilante"?) A resposta, pois, pressupõe um controlador superior. O filósofo indaga: Deus, o herói fundador de Estados, o mais forte, o partido revolucionário que conquistou o poder, o povo entendido como a coletividade que se exprime por meio do voto? Teríamos um vidente visível ou invisível? Poderes invisíveis Outra escala de problemas é operada nas entranhas do Estado, quando políticos, burocratas e os círculos de negócios, juntos ou separados, exercem um "poder invisível" para defender interesses seus ou de outros, apresentando-se, assim, com força que age contra o "poder visível", este simbolizado pelas instituições de Estado, os poderes constitucionais. Há, ainda, os conglomerados organizados por ondas mafiosas, criminosos de todos os tipos, cartéis de armas e de drogas, que também exercem "poderes invisíveis". O Estado, impregnado desses "exércitos", que lutam nas malhas escondidas das máquinas administrativas, consegue vencer a guerra contra os feitos do mal? A globalização Para tornar mais nebulosa a paisagem, eis que a tão aclamada globalização solidária, que poderia ser o espaço de acolhimento ao sonho de ajuda recíproca entre as Nações, de interlocução amigável, parcerias comuns, mãos juntas para fazer avançar a ciência, está ameaçada. E a ameaça começou a surgir antes mesmo da pandemia da Covid-19, quando o isolamento dos países entrou na agenda de grupos populacionais e de políticos populistas. Estamos voltando à era do "quanto mais só, melhor", cada qual com sua realidade. Trata-se, na verdade, de um gesto egoísta, relacionado ao fechamento de fronteiras, um muro que se constrói a cada dia para evitar a imigração de povos em busca de sobrevivência. Como conjugar? Como conjugar as necessidades e demandas urgentes de populações em busca de um novo habitat com o ideário de contingentes que se enrolam nas bandeiras do nacionalismo, defesa de empregos exclusivos para os nativos, redomas construídas para abrigar apenas os originários de cada Nação? Um mundo menos solidário causará que tipos de impacto na vida cotidiana? Conservação das culturas ou expansão do egocentrismo, de conflitos entre países, guerras étnicas e raciais? Para onde caminhará a solidariedade? O dilema está à vista: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come. Meditemos. O Brasil solidário Puxando o fio da meada para as nossas plagas, de pronto aparecem nesgas no horizonte. No lado da sociedade, vê-se alargar o espaço solidário, as mãos dadas de tantos quantos, em desespero, clamam aos céus por mais empregos, mais saúde, domínio da pandemia, remédios, mais vacinas. Do lado do Estado, observa-se uma teia de fatores que contribuem para aumentar a descrença na política: leniência dos governantes, desprezo pela ciência, descaso para com a res publica, enfim, des...des..des..des - prefixo para designar desistir, desprezar, destruir etc. Temos dois Brasis: um, solidário, outro, desordeiro. O primeiro agrega os espíritos conviviais; já o segundo agrega o arbítrio, o descumprimento das normas, a permissividade, o ódio, governantes sem escrúpulo. Notinhas Preço dos combustíveis A Petrobras vai entrar na política de ajustes determinada pelo presidente. A conferir. Pazuello O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenta se agarrar nos números prometidos de vacinas que virão até meados de julho. 80 milhões até junho, é a promessa. Secretários de Saúde dos Estados perderam o prumo. Luiz Carlos Trabuco Cappi - Em O Estado de S.Paulo, segunda-feira "As condições objetivas existem. O Brasil tem dois centros de excelência na produção de vacinas - Fiocruz, no Rio de Janeiro, e Butantan, em São Paulo. No segundo semestre, os dois institutos devem inaugurar novas fábricas, capazes de criar também o ingrediente farmacêutico ativo (IFA), necessário para a fabricação das vacinas da Oxford-AstraZeneca e da chinesa Sinovac. A vacina resolve a crise". Faria O ministro Fábio Faria, das Comunicações, tem se revelado um perfil eficiente. Seu gol de placa será a implantação do 5G. Fez uma incursão internacional para medir parâmetros. Pandemia Ao que parece, os descrentes começam a acreditar nos efeitos mortais da Covid-19. Jovens morrem mais que no primeiro ciclo e abrem pânico. Frente ampla Na paisagem das parcerias, Ciro Gomes avança. Disse que seu projeto é tirar o PT do segundo turno de 2022. A declaração passou a impactar setores antes arredios a seu nome. Variantes As variantes do novo coronavírus se espalham. A boa notícia é que vacinas mais avançadas estão em fase final de teste. Vacina da Johnson Mais uma boa notícia: a vacina em dose única da Janssen-Cilag, do grupo Johnson & Johnson, passa a ser considerada a mais viável para a imunização em massa do planeta. O Brasil não a comprou até agora. Já o comitê da FDA recomendou que EUA autorizem. O teste clínico fase 3 - do qual o Brasil participou - mostra 66% de eficácia. Garcia Rodrigo Garcia, vice-governador de SP, do DEM, está em dúvida: sair para entrar no PSDB ou permanecer onde está? E se João Doria não viabilizar a candidatura dele à presidência? Rodrigo começa a procurar PMDB e outros partidos. Mandetta O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, começa a se movimentar sob o olhar de 2022. O DEM tem chances de ter candidato? Essa é a questão. Bolsonaro Não fecha a expressão. Continua dando corda ao relógio dos simpatizantes. Não percebe que esse tipo de atitude gera bumerangue. Volta-se contra ele. "Mijar sangue" 'A OAS tem que mijar sangue', diz procurador em diálogos da Lava Jato. Novas mensagens enviadas pela defesa de Lula ao STF mostram Lava Jato discutindo como 'bater, bater e bater' em investigados. Imposto sobre bancos Governo deve aumentar impostos sobre bancos para compensar desoneração do diesel e gás de cozinha. De acordo com fonte da equipe econômica, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido deve subir para zerar tributação dos combustíveis, medida que tem custo total de R$ 3,6 bi. Conflito federativo Acirra-se a divisão no campo da gestão da pandemia entre governadores e presidente da República. Governadores pedem mais ação, mais firmeza, mais vacinas. Presidente anima suas bases. Pano de fundo: conflito federativo. Lockdown Pedido geral de especialistas: lockdown entre 18 horas e 5 da manhã durante 16 dias. Março é mês do pico agudo. Fecho a coluna com um "causo" paulista. Eu e Deus O "causo" ocorreu em Conchas/SP. Era a audiência de um processo - requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso para um senhor alto, velho, magro, negro, humilde e muito simpático, tipo folclórico da cidade. Antes da audiência, o advogado lembrou ao seu cliente para afirmar perante o juiz morar sozinho e não ter renda para manter a subsistência. Nisso residiria o sucesso da causa. Na audiência, veio a pergunta: - O senhor mora sozinho? - Não! respondeu ele (o advogado sentiu que a coisa ia degringolar). - Hum, não? Então, com quem o senhor mora? - Eu e Deus, respondeu o matreiro velhinho. O advogado tomou um baita susto. Mas a causa foi ganha. O juiz considerou procedente a ação. (Historinha enviada por Éder Caram e contada pelo pai dele).
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Porandubas nº 705

Abro a coluna com um pouco de riso, com esta historinha do Jânio Quadros. Obrigado, colega O próprio presidente Jânio Quadros, às vezes, transmitia seus bilhetinhos para os ministros por meio do aparelho de Telex que mandou instalar em seu gabinete, ligado diretamente com os ministérios em Brasília e no Rio de Janeiro. Ele mesmo datilografava os "memorandos". Transmitiu ele um bilhete para um ministro e na mesma hora recebeu a seguinte resposta, pelo telex: "Prezado colega. Não há mais ninguém aqui". Ao que o presidente respondeu: "Obrigado, colega. Jânio Quadros". Do outro lado do fio, porém, o outro não se perturbou: "De nada, às ordens. John Kennedy...". (Nelson Valente, jornalista e escritor, em seu livro Jânio Quadros - O Estadista) O homem e suas circunstâncias A expressão com sua hipótese é do filósofo espanhol Ortega Y Gasset (1883-1955). Do começo ao fim da vida, o homem navega por um oceano de aprendizado. Está sempre em mudança. E daí emerge o conceito de que a verdade depende de cada um. Nunca esse axioma foi tão recorrente. O ritmo de mudanças vivenciado no planeta é acelerado. Nos campos tecnológico, biogenético e de sondagem sobre a natureza do universo, os avanços são extraordinários. O que não se pode dizer na área dos valores. Este escriba aprecia fazer leituras sobre esse pano de fundo. O que está ocorrendo, onde iremos parar com o gigantesco volume de conflitos na sociedade? As circunstâncias entre nós Pois é, o Brasil desta semana é diferente do país de uma semana atrás. As circunstâncias nos levam a lembrar que: 1. Atingimos o pico da pandemia, com os índices mais avassaladores desde seu início. O colapso das estruturas de hospitais é geral. Mortes e internações sobem ao cume da montanha. 2. Mesmo assim, certo amortecimento impregna a alma social, a indicar a conformidade e a resignação ante esse clima de devastação. 3. A taxa de autoritarismo do governo, com a intervenção no comando da Petrobras, chega também ao auge, fazendo derreter resultados positivos que marcavam determinados setores. 4. A Petrobras teve o segundo maior tombo de sua história, com o derretimento de R$ 102 bilhões de seu preço de mercado. 5. O governo coleciona, esta semana, críticas ácidas sobre seu desempenho, chegando ao momento mais conflituoso de sua gestão. 6. Avoluma-se o teor crítico sobre a cooptação do presidente junto aos militares, com evidente prejuízo à imagem das Forças Armadas. 7. A imagem de governantes, em todos os Estados, começa a descer o despenhadeiro sob a aceleração dos índices pandêmicos. 8. O mercado dá recados concretos ao presidente, já desconfiado de sua ideologia liberal. 9. A perplexidade se volta também para o ministro Paulo Guedes, que não está conseguindo segurar suas intenções e seus amigos. 10. A desconfiança e o descrédito avançam celeremente. Voltemos ao plano global das mudanças em curso no planeta. A escala de valores Tendo como mote a moldura das mudanças no campo dos valores, permito-me retomar a leitura, que sempre faço, sobre o espírito do tempo. Muda o planeta, Marte recebe a visita de três artefatos da Terra; Joe Biden assina decretos anulando políticas de Donald Trump; este continua a fazer campanha eleitoral, mesmo recolhido em seu resort; a Europa debate seu futuro e a gestão da pandemia, que consome milhões de vidas e trilhões de dólares das economias mundiais; a China sempre de olho no ranking das maiores economias mundiais; sinais de esperança no campo da imunização. A espetacularização A desideologização, que impregnou os sistemas políticos no século XX, amalgamando partidos, esfacelando os mecanismos clássicos da política - engajamento das bases, firmeza das oposições, grandeza dos Parlamentos, harmonia e independência dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) - mudou os rumos da democracia. Os entes coletivos cedem lugar ao individualismo. Ressurgem os perfis populistas, demagógicos, que atuam sob a perspectiva do EU sobre o NÓS. Pessoas tomam o lugar de partidos. Nesse eu voto, diz o eleitor. E a força do personalismo resgata o conceito de política como espetáculo. O ator político está no palco, usando sua arte manipulativa para engabelar as massas e expandir o descrédito geral, que se espraia na base, no meio e no cimo da pirâmide social. Os figurantes Os figurantes usam a linguagem da oportunidade. Cobertor social, cestas básicas, auxilio emergencial, demissão sumária de figuras da administração, eleição de personagens identificados com o selo "pagou, levou". Salvadores da Pátria, heróis de coragem, justiceiros, pais da pátria e suas bandeiras: combate à corrupção, defesa do patrimônio nacional, defesa do Estado-liberal, de um lado, e defesa do Estado-patrimonial, de outro. A receita de uns e outros. O ódio O ódio passa a ser destilado nas fontes de apoio - bases e simpatizantes - e distribuído em imensos jorros pelas redes sociais e nos contatos entre interlocutores, que queimam velhas amizades em nome da defesa de seus "heróis-patrocinadores". Pessoas de quem se imaginava terem uma cota mínima de racionalidade embarcam nas caravanas da bajulação. A convivialidade, que se apresenta como grau elevado do estágio civilizatório, vai para o buraco. As correntes do ódio assumem posicionamentos que mais se assemelham à volta da barbárie sobre o planeta. O velho habitat O mundo, até pouco, era carimbado como aldeia global. Todos por um, um por todos. Vimos, maravilhados, a quebra de fronteiras físicas e espirituais, com a ascensão de pobres e necessitados ao banquete dos ricos. Grandes nações acolhiam imigrantes. Davam-lhes teto e comida. E o que temos visto hoje nos quadrantes do planeta? O isolamento. O fechamento de fronteiras. Filhos pequenos separados dos pais. Renasce a noção de que a pátria é nossa. Não de estranhos. Cada nação com sua gente. Os pobres? Que fiquem onde nasceram. P.S. Lembrete histórico: conta-se que o marechal Erwin Rommel, a raposa do deserto, ao contemplar em cima de um morro os aliados destroçados por seus panzers no norte da África, teria dito: "os pobres nunca deveriam fazer guerra". Os pobres, como pensa Trump, deveriam voltar ao seu velho habitat. O consumo da informação A pressa, a rapidez, a competição desvairada em um mundo de carências crescentes impedem que a natureza seletiva do homem exerça sua função de enxergar conceitos de certo e errado, viável e inviável, justo e injusto. A abundância informativa acaba entupindo os filtros que purificam as águas. As pessoas acabam misturando coisas, sorvendo misturas maléficas. Paradoxo: em plena era da informação, o grau de aprendizagem não acompanha o ritmo das novidades e mudanças. A defasagem entre o que se consome e o que é necessário assume proporções extraordinárias. Feita a digressão, passemos novamente ao nosso cotidiano. Centralização A inferência é decorrente da troca de comando na Petrobras: o presidente tende a ser mais centralizador nos próximos tempos. Pensa assim: fui eleito, devo meu cargo ao povo, não aos políticos, vou agora governar ao modo Bolsonaro. Troca aqui, troca ali, troca acolá. Parece querer se aproximar do sistema de governo que anunciou, há dias, não esse que temos. Se der certo, tudo bem. Se não der certo, pode dizer que tentou. Paulo Guedes, nesse cenário, não terá alternativa que a de entregar o boné. Questão de tempo. A não ser que decida fazer como os três macaquinhos: não vi, não ouvi, não falei. Queda de 102 bilhões As ações da Petrobras sofreram queda gigantesca. O preço da petrolífera caiu em cerca de mais de R$ 100 bilhões com as falas de Bolsonaro, que também viu sua avaliação positiva cair para 33%. A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro subiu mais de 8 pontos percentuais em quatro meses e atingiu 35,5%, segundo a última pesquisa CNT/MDA. Já a positiva caiu quase nove pontos. O advogado André de Almeida, um dos idealizadores da ação coletiva (class action) que levou a Petrobras a pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar uma disputa judicial com acionistas nos Estados Unidos em 2018, já mira uma nova batalha na Justiça em Nova York contra a estatal. Guedes será vital Paulo Guedes será peça importante na engrenagem de 2022. Para Bolsonaro confirmar seu favoritismo, precisa administrar uma economia em franca recuperação. Se Guedes não conseguir, o presidente buscará perfil mais populista. Capaz de passar marchas de aceleração no carro da economia, no qual devem caber as demandas populares. Sem cobertor social extenso, Bolsonaro não terá chances. O voto das margens decidirá o rumo do país. BB, o próximo? O falatório em Brasília se avoluma: a próxima mudança/intervenção seria no comando do Banco do Brasil. A conferir. Pfizer A Pfizer diz que não aceita condições de Bolsonaro para vender vacina ao Brasil. A farmacêutica anuncia que, na América Latina, apenas o Brasil, a Venezuela e a Argentina não aceitaram as cláusulas de seu contrato. Vamos ver se o Congresso muda os paredões legais. P.S. A Anvisa decidiu liberar a vacina, mesmo sob o imbróglio burocrático. O símbolo I: Lippmann O emprego de símbolos é um dos estratagemas mais eficazes preferidos pelos líderes para dirigir as massas, para aspirar e inspirar as emoções das multidões (to siphon emotion), segundo a expressão de Walter Lippmann (96) [306]. "É um truque para criar o sentimento da solidariedade e, ao mesmo tempo, explorar a excitação das massas". O símbolo II: Tchakhotine "O símbolo pode desempenhar, na formação de reflexos condicionados (como decorre de todo nosso raciocínio) o papel de fator condicionante, que, enxertando-se sobre um reflexo preexistente, absoluto, ou sob um reflexo condicionado constituído anteriormente, adquire, por sua vez, a possibilidade de tornar-se um excitante, determinando essa ou aquela reação desejada por quem faz esse símbolo sobre a afetividade de outros indivíduos. A palavra, falada ou escrita, pode ser utilizada para representar um fato concreto, único e simples, ou um conjunto de fatos, mais ou menos complexos, assim como uma abstração ou todo um feixe de ideias abstratas, científicas ou filosóficas". (Serge Tchakhotine In Mistificação das Massas pela Propaganda Política). Canetti A massa I "A ânsia de crescer constitui a primeira e suprema qualidade da massa. Ela deseja abarcar todo aquele que esteja ao seu alcance. Quem quer que ostente a forma humana pode juntar-se a ela. A massa natural é a massa aberta: fronteira alguma impõe-se ao seu crescimento. Ela não reconhece casas, portas ou fechaduras; aqueles que se fecham a ela são-lhe suspeitos. A palavra aberta deve ser entendida aqui em todos os sentidos: tal massa o é em toda parte e em todas as direções. A massa aberta existe tão somente enquanto cresce. Sua desintegração principia assim que ela para de crescer. Sim, pois tão subitamente quanto nasce a massa também se desintegra". A massa II "Seu caráter aberto, que lhe possibilita o crescimento, representa-lhe também um perigo. A massa traz sempre vivo em si um pressentimento da desintegração que a ameaça e da qual busca escapar através do rápido crescimento. Enquanto pode, ela absorve tudo; uma vez, porém, que tudo absorve, tem ela também de, necessariamente, desintegrar-se. Em contraposição à massa aberta - que é capaz de crescer até o infinito, está em toda parte e, por isso mesmo, reclama um interesse universal - tem-se a massa fechada. Esta renúncia ao crescimento, visando sobretudo a durabilidade. O que nela salta aos olhos é, em primeiro lugar, sua fronteira. A massa fechada se fixa. Ela cria um lugar para si na medida em que se limita; o espaço que vai preencher foi-lhe destinado". (Elias Canetti in Massa e Poder).
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Porandubas nº 704

Abro a coluna com uma historinha de Tancredo Neves, que mostra a índole matreira do grande político das Minas Gerais. Um disfarçado sorriso No segundo semestre de 1984, como chefe do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, coordenei um debate com os presidenciáveis Tancredo Neves e Paulo Maluf. Eram candidatos à presidência em eleição indireta, que ocorreria em 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo venceu Maluf com 480 contra 180 votos e 26 abstenções. Salão nobre do Teatro Gazeta, enorme, lotado. Tancredo veio primeiro. Aplaudido de pé após um debate que terminou por volta de 23h. Por sugestão do banqueiro e ex-prefeito de São Paulo, Olavo Setúbal, fomos (pequeno grupo de professores) jantar com ele no elegante restaurante-pub de Geraldo Alonso, o famoso publicitário, o Santo Colomba, na rua Padre João Manoel. Sentei-me ao lado dele. Puxei conversa. Falamos de política. "Gaudêncio, de onde você é?", indagou. Observara o sotaque. Respondi: "Sou do RN". A conversa girou então sobre Dinarte, Aluízio, Djalma Marinho, os Rosados etc. O vinho bom descia suave. De repente, no meio de animado papo, Tancredo fecha os olhos e abre um leve bocejo. Nem houve aviso prévio. Fiquei preocupado. Será que a conversa está chata? Setúbal, sentado na nossa frente, com sua voz de barítono, pisca o olho e avisa, sabendo que ele iria ouvir: "professor, não se incomode. É assim mesmo. Quando ele quer ir embora, não fala. Simplesmente, inventa que está dormindo". Mas era visível seu cansaço. Olhei de leve para nosso ex-primeiro-ministro e confesso ter observado um disfarçado sorriso nos lábios. Setúbal pagou a conta e saímos. Felizes por termos participado de um histórico encontro com a matreirice mineira. Lição de sabedoria Do padre João Medeiros Filho, em "Uma Vacina em Prol da Ética e da Moralidade", no jornal Tribuna do Norte (RN): "Além das vacinas contra a epidemia que grassa pelo Brasil, necessita-se também imunizá-lo contra o ódio, radicalismo, egoísmo, interesses escusos, desrespeito, injustiças e mentira. É incontestável que a fragilidade da saúde pública é um problema crônico, que se arrasta há décadas. Não faltam alertas e denúncias de profissionais e líderes. Não se improvisam soluções duradouras, nem existem respostas automáticas e mágicas. Urge uma dose maior de solidariedade e otimismo. É necessário crescer no altruísmo, inoculando na sociedade mais respeito, diálogo e amor." Marés altas e baixas Vamos ao cenário nacional. A pandemia vai e vem, não dando sinais de que vai amainar em curto prazo. Os dados exibem picos de mortes e contaminados, a ponto de os gráficos mostrados nas TVs começarem a gerar o efeito de "dormência", a repetição rotineira que já não impacta, causa susto ou sensação de coisa nova. O registro nas últimas semanas é de mais de mil mortes por dia. Uma estatística que causaria pânico fosse banhada por um toque de originalidade. Temos de nos acostumar com a ideia de que conviveremos com esse bicho feroz durante todo o ano. Não nos enganemos. E mesmo após vacinadas, as pessoas não se livrarão das variantes desse corona mortífero. O Carnaval vem aí, mesmo proibidas as concentrações populares. Não se espere bom senso na folia. Mas o Brasil... Costumo lembrar os quatro tipos de sociedade no planeta: 1. a inglesa, liberal, onde tudo é permitido, exceto o que é proibido; 2. a alemã, rígida, onde tudo é proibido, exceto o que for permitido; 3. a ditatorial, fechada, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido; e 4. a brasileira, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido. Pois bem, por causa dessa extrema liberalidade, do desrespeito às leis e implantação de um estado de anomia, a paisagem nacional é propícia para ruptura da norma. As pessoas costumam praticar pequenos delitos, ponte para os médios e grandes ilícitos. Donde emerge o conceito de "país da impunidade". Panorama político Não há como abrir um grande sorriso quando se tenta ver nosso amanhã na política. Os protagonistas mudam de posição, mas não de índole. A agenda do Parlamento na esfera das reformas caminhará a passos de tartaruga. Arthur Lira, mesmo com vontade de mostrar algum grau de independência, estará ao lado do Palácio do Planalto. Rodrigo Pacheco terá uns centímetros a mais de independência, nada que ameace as intenções do Poder Executivo. O que pode ocorrer é um certo remanejamento no traçado partidário. O DEM, por exemplo. Depois de atravessar um bom tempo numa posição mais central do arco ideológico, na vivência de Rodrigo Maia como presidente da Câmara, mostra-se inclinado a habitar o espaço da direita, após a liberação da bancada para votar em qualquer candidato na Câmara. Despejaram o voto em Lira, em explícita traição ao acordo firmado por Maia para votar em Baleia Rossi, MDB. O DEM com Bolsonaro Trata-se de uma decisão que aproxima os demistas do governo Bolsonaro. O presidente do partido, ACM Neto, por mais que diga que comanda a entidade, mas não é seu proprietário, cometeu explícita traição. Na verdade, agiu de acordo com as vontades dos correligionários, que tentam assegurar posições na administração. O DEM poderá, até, ser o partido de Bolsonaro, caso o presidente queira. ACM Neto deverá recebê-lo sem objeções. Já se fala até na entrega ao DEM do Ministério da Cidadania. Especula-se, ainda, com a hipótese de Neto vir a ser vice na chapa de Bolsonaro. Mas ele pretende, mesmo, é ser governador da Bahia. Rodrigo Maia, por sua vez, promete sair do DEM, tendo como opção preferencial o PSDB. O fato é que os partidos iniciam uma atividade de agregação de perfis, em um processo de engorda que tem como mira o pódio de 2022. É muito cedo para decisões de alianças e parcerias. Um xeque em Garcia O DEM criou um imbróglio com o vice-governador de SP, Rodrigo Garcia, fiador de João Doria para 2022, sendo ele mesmo o nome preferido pelo governador para disputar o governo paulista em 2022. E como ficará a questão? Garcia teria condição de permanecer no DEM ou é mais provável que saia e ingresse no PSDB? A decepção de Doria com o DEM foi grande e a parceria com o partido em 2022 subiu ao muro. A aproximação dos antigos pefelistas com Bolsonaro, nos últimos dias, elimina essa hipótese. Por isso, Rodrigo Garcia também tende a deixar a sigla. Não vai se afastar de João Doria. O PSDB sem escopo Os tucanos estão perdidos na floresta. Não sabem que rumo tomar, eis que o leit motiv da sigla, hoje, é o personalismo, o quem, os possíveis nomes que estarão no palco presidencial. Perdeu o PSDB sua bandeira social-democrata, como, aliás, outros partidos também enfiaram na gaveta seus escopos programáticos. Qual é o programa para o país? Qual seria a extensão do cobertor social? Qual o tamanho do Estado? O que e como privatizar? Quais as ações a serem empreendidas no tempo, hoje, amanhã e depois de amanhã? Afinal, como deve ser refeita a bandeira social-democrata? Como estão mudando os entes social-democratas nas democracias ocidentais? MDB vai para onde? A mesma indefinição impregna o espírito emedebista. O que fazer, para onde ir, com quem fazer parcerias? É cedo, pode-se alegar, para fazer composição. Mas onde está o MDB velho de guerra? Tinha um plano - Ponte para o Futuro, coordenado pelo ex-presidente Michel Temer. E hoje, ante a mudança de cenários, qual é a proposta do partido para o país? Enfim, o que se observa nos grandes entes partidários é um imenso vazio programático, onde estão poucos nomes de expressão. As massas sumiram. Em suma, os partidos carecem de um cimento programático. Como lesmas, derretem facilmente com um punhado de sal. Viraram o que Otto Kirchheimer, um dos grandes constitucionalistas alemães, designa de "catch all parties" ("partidos do agarra tudo"). PSD: um olho no norte, outro no sul Gilberto Kassab é, reconhecidamente, um hábil articulador. O PSD entrou na composição de Arthur Lira. Kassab teria uma aliança com João Doria. Mas os últimos acontecimentos o afastam do governador, eis que seu PSD está de mãos dadas com o Centrão, hoje comprometido com o bolsonarismo. Mas o PSD herdou do seu homônimo do passado o estilo do matreiro Tancredo Neves. Um olho no norte, outro no sul. A bancada na Câmara é grande. Gilberto Kassab se mostra hábil na formação e no crescimento da sigla. Até 2022, passará um oceano de água por baixo da ponte. O ex-prefeito de São Paulo sabe a hora em que tem de submergir e de emergir. O partido também carece de escopo programático. PDT com chances O PDT está com posição bem localizada no espectro ideológico. Habita o centro-esquerda. Basta, agora, preencher as lacunas de seu escopo. Carlos Lupi conseguiu atrair e sustentar Ciro Gomes no partido. Um perfil preparado. Precisa, apenas, conter a língua. Mas o ex-ministro da Fazenda conhece bem o riscado. E em São Paulo há um moço bem talhado no métier da política: Gabriel Chalita, que cai bem no papel de candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2022. A régua dividida Em 2002, o sonho de Bolsonaro é polarizar novamente com o PT, como temos dito e repetido. Da mesma forma, o sonho do PT é enfrentar o bolsonarismo, mas contando com uma ampla frente das oposições. Lula ainda pensa em concorrer. Este analista não acredita que, condenado em 2ª instância, ele possa vir a ganhar a condição de candidato. Será difícil que o STF anule os processos a que se submete. Por isso, Lula já sinalizou com o nome de Fernando Haddad. Ocorre que a mancha suja sobre a imagem do PT enfraquece, e muito, sua ambição. O lulismo parece fadado a um ciclo mais longo de afastamento do centro do poder. Então, olhemos para a régua: se os candidatos do centro - e suas margens direita e esquerda - forem muitos, com tendência à dispersão, os candidatos das extremidades terão mais chances de disputar um segundo turno. A economia e as circunstâncias no segundo semestre de 2022 definirão o rumo do páreo. O centro só leva a melhor se seus integrantes formarem um grupão. Toma lá... O populismo afeta a ação dos governantes. Em um momento tormentoso como o que vivemos, deixar de tecer o cobertor social seria o suicídio de um governante. Eis porque o governo Bolsonaro deverá implantar um novo pacote social. Já estão batizando o programa com o nome de Bônus de Inclusão Social - BIP. Seriam três parcelas de R$ 200,00, que se vincularão à obrigatoriedade de um curso de qualificação profissional. Esse BIP entraria na PEC do Pacto Federativo. Fecho a coluna com o mineiro monsenhor Aristides. Mata o bicho O monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma pequena barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fiéis que lotavam a capela, ele pegou a garrafinha e, num gole só, sorveu todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice).
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Porandubas nº 703

Abro a coluna com uma historinha de Tancredo Neves. "Os livros errados" Brasília, Congresso Nacional, 11 de abril de 1964. Castello Branco não teve o voto de Tancredo Neves, seu amigo pessoal de longa data, companheiro na Escola Superior de Guerra, em 1956. Tancredo bateu o pé. Comunicou ao PSD que votaria em branco, apesar dos méritos e credenciais do general Castello Branco. Questão de princípio: era contra o golpe. Não queria nem um minuto de regime militar, não abria mão da democracia. Conta-se que, esgotados todos os argumentos dos pessedistas para convencê-lo, o amigo e ex-chefe JK, então senador por Goiás, fez um apelo: "Mas, Tancredo, o Castello é um sorbonniano, estudou na França. É militar diferente, um intelectual como você. Já leu centenas de livros!". Tancredo: "É verdade, Juscelino. Só que ele leu os livros errados". Dois meses depois o governo cassou o mandato e os direitos políticos de JK, que partiu para o exílio e o sofrimento sem fim. (Caso narrado por Ronaldo Costa Couto). Dualibi, lenda da propaganda Segunda feira, dia 1º, foi o Dia do Publicitário. Em 1º de fevereiro de 1966 a profissão foi regulamentada pelo decreto-lei 57.690. A coluna tem a alegria de fazer singela homenagem aos publicitários brasileiros na figura de um perfil emblemático da profissão: Roberto Dualibi. O famoso "D"da DPZ (fundador da Agência com Francesc Petit e José Zaragoza) é uma lenda na publicidade brasileira. Pinço de uma entrevista antiga em Época Negócios duas considerações sobre sua profissão. O que encantou você na publicidade? Duailibi - Na loja de meus pais tínhamos muito material promocional das Linhas Corrente, das agulhas Guterman, da Colgate, além dos manequins de cera e das vitrines sempre renovadas. E um irmão desenhava muito bem, e eu aprendi com ele a fazer caricaturas. Comecei aos 14 anos a propor material para algumas lojas vizinhas na Vila Mariana, mas nunca fui bem-sucedido. Depois trabalhei no jornal do bairro, e além de escrever matérias, tinha de vender espaço. Finalmente, fui trabalhar na Colgate Palmolive - e tive a sorte de ser aprovado na Escola de Propaganda. E me encantavam as aulas com profissionais tão consagrados, Alfredo da Silva Carmo, José Kfouri, Renato Castelo Branco, Rodolfo Lima Martensen, Caio Domingues, Gherard Wilda, e tantos outros. Ao mesmo tempo, fazia o curso na Escola de Sociologia e Política. E o que desencantou (se desencantou)? Duailibi - Nunca me desencantei da publicidade, com exceção de um período em que as boas agências foram afastadas das contas governamentais, que passaram a ser cuidadas por agências sem credenciais, mas alinhadas ideologicamente com políticos ou políticas. Mas hoje vejo que, no fundo, foi uma sorte não ter participado dos negócios desse período. Outro desencanto foi ver, em algumas empresas, pessoas que pediam propina. Perdemos, ou deixamos de ganhar, algumas contas por causa disso, mas nunca cedemos. Acho que também foi uma sorte. Vi grandes marcas serem destruídas por administradores corruptos. Seleciono três citações de um dos seus mais famosos livros (Livro das Citações): "Sempre peça emprestado a um pessimista. Ele nunca espera receber". "Ninguém jamais morreu afogado em seu próprio suor". "A chave para o sucesso nos negócios é reservar oito horas por dia para o trabalho e oito para dormir e ter certeza de que não são as mesmas". Panorama da política VITÓRIAS e vitórias Há VITÓRIAS, como a dos aliados na II Guerra Mundial contra Hitler e seu nazismo, e há vitórias como a de Pirro, o rei grego que comandou seu exército contra os romanos, chegando a esmagá-los, mas com a perda de muitos generais. Os romanos conseguiram rapidamente repor suas baixas, mas não Pirro, que viu Roma se tornar uma potência. O que pode parecer uma espetacular vitória, hoje, a depender das condições dos adversários e suas circunstâncias, ameaça, tempos depois, ser humilhante derrota. Vejam o caso da vitória de Napoleão Bonaparte na Rússia. Em setembro de 1812, ganhou a luta contra os russos, que custou aos franceses a perda de 35 mil vidas, enquanto os adversários contabilizaram 40 mil mortos. Moscou foi incendiada. Rapidamente, os russos repuseram seus efetivos, enquanto os franceses, não suportando o rigoroso inverno, entraram em Paris humilhados. Imensa catástrofe. Vitórias como as de Pirro ocorrem aqui e ali. P.S. É oportuno lembrar a guerra dos EUA no Vietnã. Vitória de Bolsonaro O governo Bolsonaro acaba de registrar grande vitória na guerra pelo comando do Senado e da Câmara. A conversa à boca pequena é: ele fez barba, cabelo e bigode. Será? É claro que Bolsonaro ganhou. E ganhou bem, derrotando figuras de porte, como o ex-presidente e prócer do DEM, Rodrigo Maia. Teria usado armas pesadas, do tipo R$ 3 bilhões, para atrair votos que iriam para Baleia Rossi, MDB-SP, e Simone Tebet, MDB-MT. E mais: puxou o apoio do Centrão. Esse ente que monta no cavalo do poder, livra-se do cavalo cansado e pega adiante outra montaria cheia de saúde e viço. O Centrão é assim. Muda de posição como as nuvens. Hoje, é governo, amanhã será governo, arrumando sempre um jeito de se acomodar. O Centrão indiano O Centrão é um ente amalgamado. Tem um pouco de tudo. E possui três olhos, o terceiro no meio da testa, o bindi. Maneira fácil de identificar sua religião franciscana: é dando que se recebe. Lembrando: o terceiro olho é aquela pinta que indianas usam para mostrar que seguem o hinduísmo. No caso do Centrão, é um olho que enxerga coisas do arco da velha, apetrechos que os olhos comuns não conseguem ver. O olho da direita detecta as coisas que vão bem; o olho da esquerda aponta o que está errado, as ruindades de governos e suas administrações. Os dois olhos mandam as informações para o cérebro dos membros do Centrão. O terceiro olho aponta qual o caminho a seguir. Pois bem, Bolsonaro tem hoje o apoio desse bloco. Não haverá impeachment. A agenda do Executivo será cumprida. Porém, no curto prazo. No médio prazo, se os olhos do Centrão detectarem ameaças de perigo, a corrida para outro lugar será bem previsível. Mudanças O fato é que as eleições no Senado sinalizam mudanças na paisagem da política: 1. Extingue-se o que Bolsonaro designava, em sua campanha, como a nova política ou a antipolítica, como queiram; 2. Vai para o lixo a prerrogativa, no Senado, de conceder ao maior partido o comando da Casa (hoje é o MDB); 3. O conceito de independência do Legislativo continuará a ser peça de ficção; 4. O Centrão dará as cartas em um primeiro momento, mas será um milagre se continuar cacifando o jogo por mais de um ano; 5. Grandes partidos, como PSDB, DEM e o próprio MDB, assumem explicitamente sua identidade de Janus, o deus de duas caras: uma, a de um homem velho, de cabelos longos e enorme barba; outra, um rosto jovial, de cabelos não tão longos e sem pelo na face. Janus é a entrada e a saída; 6. Em suma, as eleições no Legislativo confirmam a hipótese da sentença: plus ça change, plus c'est la même chose (quanto mais muda, mais permanece a mesma coisa). O divisionismo A atração do Centrão para fincar estacas na administração de Bolsonaro atende ao seguinte pressuposto: quanto maior a divisão de alas que habitam o centro do arco ideológico, com ramificações à esquerda e à direita, maior a probabilidade de o capitão-presidente levar a melhor no pleito de 2022. Ou seja, ele prevê que a dispersão do centro produzirá um conjunto de candidatos nessa esfera, deixando que ele e o PT voltem a ser os polos de uma batalha contundente: nós, os libertários, contra eles, os comunistas, os destruidores dos valores da família. O comandante parece esquecer a lição de Heráclito de Éfeso: ninguém entra em um rio duas vezes no mesmo lugar. As águas serão outras. O espírito do tempo puxa suas circunstâncias. Ou seja, a economia, a alegria ou a tristeza, a felicidade ou a infelicidade, uma quantidade maior ou menor de dinheiro no bolso, os impactos duradouros da gestão/congestão da economia, o rolo das pressões e contrapressões, o estágio civilizatório do país - serão, entre outros, fatores a determinar a caminhada dos eleitores em outubro de 2022. O perfil do líder Nessa moldura, a própria índole de Sua Excelência estará sob o olhar das massas. Continuará a ser o fogueteiro que incendeia o ânimo de um grupo que habita a parte da extrema direita do arco ideológico? Terá adocicado a língua amarga? Seus filhos persistirão no monitoramento da administração? O presidente ainda ouvirá o eco dos gritos clamando pelo "mito"? O senador Flávio, o número 1, já teria resolvido seu caso na Justiça? Paulo Guedes ainda estará no leme na economia? O auxilio emergencial continuará bancando o apoio de parcela ponderável das massas? Respostas a essas questões influirão na avaliação positiva/negativa do líder. (É possível que vejamos certo impulso ao neopopulismo). Maia Rodrigo Maia deixa a presidência da Câmara muito comovido. Chorou em seu discurso, o que é compreensível ante a traição que sofreu com a debandada de muitos de seus aliados, incluindo seu próprio partido, o DEM, que liberou a bancada para votar em Arthur Lira. Maia foi um dos melhores presidentes da Câmara. Merece figurar na galeria dos grandes. Será difícil permanecer no DEM. Para onde ir? Mais adiante, conhecendo bem o corpo parlamentar, poderá se transformar em exímio articulador das forças de centro-direita e centro-esquerda. A conferir. Homenagem a Nelson Dia 10 de fevereiro, quarta-feira, às 17h, será realizada pela Academia Norte-rio-grandense de Letras a homenagem in memoriam ao acadêmico Nelson Ferreira Patriota Neto, sucessor 3 da cadeira 8, que tem como patrona Isabel Gondim. A Saudação de Louvor será proferida pelo acadêmico Lívio Oliveira, que ocupa a cadeira 15. Nelson, escritor, jornalista, sociólogo, tradutor e crítico literário, faleceu aos 71 anos, dia 6 de janeiro, deixando uma vasta obra, com destaque para Livro das Odes; Colóquio com um Leitor Kafkiano-Contos; Uns Potiguares- Escrito sobre as Letras Norte-rio-grandenses; Um Equívoco de Gênero e Outros Contos e Tribulações de um Homem chamado Silêncio.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Porandubas nº 702

Abro a coluna com uma historinha sobre o mestre Câmara Cascudo, contada com a verve do presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Diógenes da Cunha Lima, no livro "Câmara Cascudo, um Brasileiro Feliz". Exposição Uma artista famosa reclamou a ausência de Cascudo na sua exposição: - Você não veio ver os meus quadros. Prometeu e não veio. Esperei até tarde da noite. - Não fui pela impossibilidade material de ver os seus quadros. Ficaria olhando exclusivamente para você. Vamos à análise política. O estado do país As coisas melhoraram em uma semana? Um pouco mais de esperança irriga as veias sociais com a chegada das primeiras (e pequenas) doses de vacina. E a má gestão da epidemia abate alguns pontos no ranking da imagem positiva do governo. A querela entre Bolsonaro e João Doria sobre os vencedores da "guerra da vacina" deu ao governador paulista alguns pontos de vantagem. Mas o PNBF - Produto Nacional Bruto da Felicidade ainda está muito baixo e não sinaliza expansão no curto prazo. Adjutório emergencial O auxílio emergencial continua na gangorra. Ora, sobe a possibilidade de renascer sob a nova designação - Renda Brasil - incorporando o Bolsa Família, ora desce com as referências crescentes ao teto de gasto. Paulo Guedes está de olho no Tesouro e põe a boca no mundo ante a ameaça de se furar o bloqueio imposto pelo teto. Mas a tábua de salvação de Bolsonaro foi e continuará a ser o cobertor social. Sem ele, de corpos expostos aos impactos das crises (sanitária, econômica, política etc), os contingentes mais carentes abrirão o berro. E nenhum governante se elege ou se reelege sem o apoio das massas. Economia frágil A economia, por sua vez, não será alavancada no curto prazo. Os empresários indicam a continuidade de graves distorções. Os investidores, com seus mega investimentos, fogem do país. Até a substituição de Guedes volta a frequentar os corredores da rádio-peão. Este consultor não aposta na hipótese, apesar de estar à vista uma mexida na Esplanada dos Ministérios. Pazuelo esgotou seu tempo na administração. A cúpula das Forças Armadas está insatisfeita com sua ação, e não são poucos os que discordam de sua continuidade como um general ainda na ativa. O militar recusa-se a usar o pijama de aposentado. A briga pelo comando das Casas O remanejo ministerial levará em conta a estratégia de ampliar e consolidar a base de apoio ao governo, começando com a eleição do presidente da Câmara, nesse caso, Arthur Lira, do PP de Alagoas, sobre o qual recaem denúncias que estão no STF. O opositor, Baleia Rossi, MDB-SP também é alvo de acusações. Mas o vitorioso ganhará com o voto de uma parcela que tende a decidir caminhar na rota das benesses. Já no Senado, a força de Rodrigo Pacheco, do DEM-MG, é mais visível, eis que conta com o rolo compressor do Davi Alcolumbre (DEM-AP), atual presidente, e o próprio apoio do governo, mesmo que o senador Fernando Bezerra, MDB-PE, líder do governo no Senado, tenha garantido seu apoio à senadora Simone Tebet (MDB-Mato Grosso do Sul). Reeleição no tabuleiro Pois é, as pedras do pleito de 2022 já estão no tabuleiro. Condições positivas para Bolsonaro: 1. Recuperação da economia; 2. Remontagem do cobertor social - Renda Brasil; 3. Presidentes da Câmara e do Senado do seu lado; 4. Recuperação do desgaste com a gestão da economia; 5. Melhoria da imagem do Brasil no conjunto das Nações, com mudanças na condução do meio ambiente e das relações exteriores; 6. Absorção de facções do centro, agregando eleitores centristas e ampliando sua base radical; 7. Grande divisão da direita, centro e centro-esquerda, o que pode lhe render maior apoio e unidade. 8. Menor radicalização da política. Condições negativas para Bolsonaro: moldura acima não será como a descrita. Desabafo Um renomado professor e médico virologista da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, desabafou: "o saco encheu, no seu c..". Assim, de forma curta e direta, o médico Maurício Lacerda Nogueira respondeu às mentiras que viu no Facebook sobre a vacina contra o coronavírus. A mentira: duas pessoas teriam morrido após serem imunizados. O pesquisador diz que não planejou nada e apenas vocalizou o que pensam milhões de brasileiros contra os negacionistas. A resposta viralizou nas redes. Barbárie Nesses tempos de pandemia, resta esperança de voltarmos aos tempos da convivialidade, quando a solidariedade, o respeito ao próximo, o exemplo do bom viver nos envolvia? Ortega y Gasset, há 95 anos, quando começou a escrever "A Rebelião das Massas", parecia já não acreditar no homem fraterno. Enxergava a barbárie, a incivilidade, o homem-massa, em quem via o novo protagonista da vida pública. E lembrava Hegel, apocalíptico: "sem um novo poder espiritual, nossa época produzirá uma catástrofe". E também apontava para Nietsche berrando num penhasco de Engadine, na Suíça: "vejo subir a preamar do niilismo". Academia I Mas a Humanidade sempre encontra no meio do deserto de ideias uma fonte para saciar a sede do saber: os centros e espaços da ciência e da cultura, onde as descobertas estendem os limites da vida humana. No campo das artes, das letras e da cultura, emergem, por exemplo, as academias, essa bela herança que os gregos antigos nos deixaram. Sócrates andava pelas ruas de Atenas, dialogando e tentando se descobrir: "só sei que nada sei". Platão, seu maior discípulo, formou o "Jardim de Academus". Academia vem daí. Aristóteles deixou também seu "Liceu", onde praticava a arte da educação. Academia II E, desde então, as academias se espalharam. No caso das Academias Literárias, adotamos o modelo francês, criação de Richelieu em 1635, organizada com número fixo de membros e patronos, com vitaliciedade acadêmica. A teia das academias se espalhou pela Europa. Por aqui, uma ganhou muita importância, a Academia Real da História Portuguesa (1720 - 1776), em Lisboa. Em março de 1724, na cidade de Salvador, Bahia, fundou-se a "Academia dos Esquecidos". Em junho de 1759, um grande intelectual, José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho Melo, fundou a Academia dos Renascidos. Pombal mandou então "sepultá-lo vivo". A barbárie voltava. Até que em 1894, foi fundada a Academia Cearense de Letras, três anos antes da Academia Brasileira de Letras, criada em 20 de julho de 1897. A academia potiguar E aí chegamos à ANRL, a academia do meu torrão potiguar, criada em 1936, por inspiração e iniciativa de um grupo de amigos, liderados por um dos maiores gênios da cultura brasileira, Câmara Cascudo. Seu contemporâneo, o também fundador Onofre Lopes, o chamava de "nossa mais antiga universidade". Nesse ciclo de pandemia, que se alimenta de desinformação, mentiras (fake news) e falsas versões, devemos enaltecer os espaços onde se cultuam valores nobres, como a pluralidade das ideias, a elevação das letras e das artes, a promoção do saber, o convívio com perfis que emolduram a galeria da grandeza de um Estado. Murilo Reverencio a memória do querido amigo Murilo Melo Filho, um potiguar que representou a nossa terra na Academia Brasileira de Letras, um mestre do jornalismo, com suas célebres entrevistas na revista Manchete, com a cobertura de grandes eventos internacionais, com seus livros e com seu amor ao torrão potiguar. Encontro com a emoção Esta semana tive oportunidade de mergulhar profundamente no poço da emoção. Fiz um mergulho no Museu do Sertão, em uma surpreendente viagem virtual, onde me deparei com coisas da minha infância em Luis Gomes: cerca de 3 mil pec¸as distribuídas em 11 pavilhões temáticos, abrigando casa de taipa, mobília típica, pátio de artes ao ar livre, plantas, objetos e utensílios do semiárido nordestino, implementos agrícolas, equipamentos e máquinas das agroindústrias do passado (casa de farinha, engenho de rapadura, alambique de cachac¸a, oficina de carne de charque, cozinha de queijo de coalho e de manteiga de garrafa, descaroc¸ador de algodão, casa de beneficiamento de cera de carnaúba, usina de preparação de óleo de oiticica, galpão de beneficiamento de fibra de caroá, galpão de preparo de borracha de manic¸oba e sala de fiar e tecer. P.S. Meu pai tinha bolandeira (casa de farinha), engenho (rapadura, alfenim) e comercializava algodão. Um obstinado professor A fundação e a manutenção desse Museu se devem a um obstinado cearense, o professor Benedito Vasconcelos Mendes, (que foi colega de escola de Belchior, falecido), quando chegou a Mossoró, na década de 70, para ensinar na Escola Superior de Agricultura, hoje UFERSA - Universidade Federal do Semi-Árido. Aberto ao público em 3 de agosto de 2003, por ocasião dos 58 anos do mestre Benedito, mantido com seus proventos do professor, o visitante, para entrar, leva um kg de alimento não perecível, destinado ao Lar da Criança pobre de Mossoró. Uma aula magna sobre o semiárido Uma obra admirável sobre o homem e a cultura do semiárido e um empreendimento de inestimável valor social. Assim se deu meu recente reencontro com a querida cidade, onde estudei no Seminário Santa Terezinha, dirigido por padres holandeses, do preliminar ao último ano do ginásio. Desde cedo tive contato com latim e grego. Obrigado, professor Benedito, também pelas interessantes aulas sobre Civilização da Seca e Religiosidade. Tenho aprendido muito com suas palestras virtuais e exposições. O sertão decifrado. Um modelo para outros Estados.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Porandubas nº 701

Abro a coluna com uma historinha de PE, já contada e sempre requisitada. "O verbo não vareia" A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens". - Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa. - Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia". (Historinha de Ivanildo Sampaio). Ufa, a vacina chega Depois de querelas e muita polêmica, a vacina chega aos postos de saúde e hospitais. Vestida do vermelho chinês da Sinovac e de verde e amarelo do Butantã, é aprovada pela Anvisa e abre o processo de vacinação no país. Houve uma queda de braço entre Jair Bolsonaro e João Doria. Este venceu. A vacina da AstraZeneca, sob o selo da Fiocruz, ostentada como trunfo do governo, está em compasso de espera. Os atores são chamuscados. Bolsonaro e Pazuello O militar que Bolsonaro impôs no Ministério da Saúde ganha o TI - Troféu da Incompetência. Diz e desdiz o que disse. Entra bem no traje de comediante. Ou de uma personagem mais tétrica, porque o país vive uma tragédia, não uma comédia. O Imponderável pregou mais uma das suas. A "vacina chinesa de João Doria", que o Brasil não compraria, segundo promessa do presidente, acabou se tornando a grande esperança nacional. E os chineses, agora, terão condições de esnobar. Como? Insumos Lembra a professora Margareth Dalcomo, da Fiocruz, que todas as vacinas, repito, todas usam insumos produzidos na China. O Brasil não fabrica insumos para doenças pandêmicas. De modo que o mundo todo usa vacinas com o tempero chinês. E qual a melhor vacina, professora? Ela responde: a primeira que chegar. Uma vacina que propicia 50% de possibilidade de uma pessoa não ser afetada é, segundo ela, uma enorme vantagem. Ainda sob as hipóteses de que alguns podem ter leves/moderados danos ou graves, mas estes não morrerão por Covid-19. Viva a Coronavac. Heróis do momento Vale homenagear os heróis do momento: os contingentes mobilizados na frente da saúde, aqueles que estão nos hospitais, enfermeiras (os) e médicas (os), e os cientistas que comparecem aos meios de comunicação para explicar, de forma didática, todo o aparato informativo necessário para os leigos entenderem melhor o fenômeno. A Anvisa Merece os aplausos dos brasileiros por ter dado uma decisão sob parâmetros técnicos, condenando, ainda, as alternativas de tratamento precoce como cloroquina, vermífugos e quetais. Um tapa com mão de luva nos cloroquínicos e adjacentes. E agora, José Tentarei responder Drummond. A festa não acabou. A fogueira vai continuar acesa por todo o ano de 2021. Queimará as pestanas de alguns protagonistas da política, a partir de Bolsonaro. E esquentará os corações das pessoas de fé. A luz apagou. Apagou no Amapá, um pouco em Teresina e continuará a apagar com os danos em equipamentos mal conservados. O povo sumiu. Sumiu nada. Vai reaparecer em alguns espaços, bastando a confiança voltar a habitar suas cabeças. E vai voltar reivindicando outras coisas, como auxílio emergencial. A noite esfriou. Pouco, esse ano. Apenas em partes do sul do país. E agora, José? E agora, Pazuello? Qual a logística para vacinar todo o país, se vocês execram a China? E agora, Bolsonaro? Você que é sem nome. Sem nome? Ora, carrega o nome de Messias. Que zomba dos outros. Pois é, Excelência, não zombe dos outros, dos que tomarão vacina, daqueles que põem fé na Ciência. E acreditam que a terra é redonda. Impactos na política Bolsonaro será atingido por respingos de protestos e indignação de milhões de brasileiros que enxergam incúria, desleixo, má gestão no enfrentamento da pandemia. Pazuello descarrega um caminhão de lixo sobre a imagem das Forças Armadas. A curto prazo, o desgaste na frente política será pequeno, não devendo mudar o curso das eleições na Câmara e no Senado. Mas os pontinhos de queda na pesquisa do Antonio Lavareda, esta semana, serão atentamente acompanhados pelo corpo parlamentar. Os políticos são pragmáticos. Com um olho, enxergam benesses da máquina governamental; com outro, a reação das ruas. Se a economia não melhorar a condição do bolso das margens carentes, auxílio emergencial acabando, pandemia ainda com seus surtos, ante um quadro como esse, a esfera política acaba tomando distância de Bolsonaro. Governadores Os governadores, uns mais, outros menos, procurarão tirar algum proveito da vacinação em seus Estados. Entrarão nas molduras fotográficas sob certa desconfiança. 2021 será um laboratório de experiências. Saúde estará liderando o rol de demandas. Deverá ocorrer um realinhamento partidário, com a saída e entrada de representantes e governantes. Mas a pandemia marcará a política com sinais de desconfiança, descrédito, certo desprezo e até rancor. O milagre de Maomé Alguns tentarão fazer como Maomé, que levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. Do cume, faria preces para aqueles que o seguissem. O povão reuniu-se. Maomé chamou a montanha diversas vezes. E a montanha quieta desafiava o profeta, que não se deu por vencido. Gritou para a massa: "se a montanha não quer vir até Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Ensina Francis Bacon: "assim, esses homens que prometem grandes prodígios e falham vergonhosamente, passam por cima de tudo, dão meia volta e realizam os seus feitos". São audaciosos. O espírito da nação A fé é a mola que impulsiona a vida social. Por mais que seja amortecida por crises intermitentes - sanitária, econômica, política - a fé tem a capacidade de renascer e fortalecer os ânimos. O povo brasileiro padece de uma grande crise de fé. Futricas, apropriação do bem público, conluios, emboscadas, traições, maquinações são alguns dos ingredientes que entram nesse caldeirão da fé. É evidente que a autoestima do brasileiro está em baixa. Uma questão de ausência de fé no amanhã. O Produto Nacional Bruto da Felicidade está entre 0 e 3 numa escala de 10. Enem, um fracasso Aplicou-se a lei. Fez-se o Enem, o exame do Ensino Médio. Mas a voz do bom senso pedia o adiamento desse exame, ameaça nesse momento em que a epidemia volta ao pico. Mais de 50% de abstenção. E onde está ou esteve o Ministério da Educação? Ganha um picolé de araçá (ih, como eu apreciava essa frutinha na infância) quem disser, agora, o nome do ministro da Educação. Trump saindo pelos fundos O general Figueiredo detestava Sarney. Saiu por uma porta lateral do Palácio do Planalto, não por uma porta dos fundos, como se conta para aumentar o impacto. Mas Donald Trump está saindo, com sua trupe, de forma a evitar flagrantes. Sai pelos fundos. Mas vai ser difícil escapar ao retrato. Trump tem ainda um batalhão de simpatizantes, proprietários rurais e desempregados do Círculo da Ferrugem (Arizona, Ohio,etc.). Sai de forma arrogante, com seu sobretudo preto, que não consegue apagar o contraponto: um sobrenada (rsrs). Reversão de expectativas Roberto Campos era um crânio, como se diz na linguagem para designar um homem de extraordinários conhecimentos. Ele sempre dizia que a pior coisa que pode ocorrer com um governo/governante é "uma reversão de expectativas". Ou seja, o governante promete tudo. E o povo recebe nada. Ministro do Planejamento do presidente Castelo Branco, foi a Recife, em 1965, e na Sudene fiz a ele a pergunta: "ministro, sua estratégia é a de pulverizar a distribuição de verbas no Nordeste"? Embutia a ideia de uma distribuição pequena, migalhas, para cada Estado. Pegou este iniciante de surpresa, gerando uma reversão de expectativas. Ao lado esperando resposta, ouvi dele: "o que o jovem entende por pulverização"? Fiquei pasmo e mudo. Fecho a coluna com mais uma historinha de PE. "Só expectorante" Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra: - E você, amigo, não tem nada a dizer? O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu: - Não, doutor, estou apenas expectorante. Abriu a gargalhada dos companheiros espectadores. ("Causo" contado por Marco Maciel e relatado à Coluna por Geraldo Alckmin.)
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Porandubas nº 700

Abro a coluna com uma historinha do Piauí. Hermenegildo Recebi de Raimundo Junior uma historinha do Piauí que foi contada por seu pai, Raimundo Dias, ao nosso amigo Sebastião Nery, com quem estudou no Seminário. Vejam o inelegível: O candidato contra Jorcelino chamava-se Hermenegildo. O advogado de Hermenegildo, na impugnação de Jorcelino, era Benjamin Lustosa. O dr. Benjamin ficou a audiência inteira tentando provar que Jorcelino era "inelegível". Era "inelegível prá cá, inelegível prá lá". Quando saíram, Jorcelino disse a seu advogado, Raimundo Dias: - Doutor, o senhor viu como o Dr. Benjamin está louco? - Por quê? - Ele passou o tempo todo dizendo que eu era Hermenegildo. (A fonética entrou mal nos ouvidos de Jorcelino). Panorama Como tenho dito e escrito, projetar cenários é um desafio dos mais instigantes para os analistas da política. Principalmente quando fatores imprevisíveis baixam sobre o planeta. Mesmo assim, arriscamo-nos a fazer o exercício. Na esfera mundial, são visíveis certos fenômenos que tendem a se avolumar na esteira da desigualdade, que se expande na economia e seus impactos sobre as Nações. Dentre estes, podemos apontar a polarização política, o enfraquecimento dos partidos de esquerda e centro-esquerda, o declínio das ideologias, a indignação das bases com entes partidários e seus protagonistas, a fragmentação das classes médias, enfim, o solapamento de valores clássicos da democracia. A crise da democracia Em seu clássico Sociologia Política, Roger-Gérard Schwartzenberg descreve com primor alguns desses fenômenos, mostrando a ascensão de outros vetores da política - como a emergência dos técnicos/burocratas, firmada sobre a aliança entre políticos e círculos de negócios. Norberto Bobbio, por sua vez, em O Futuro da Democracia, mostrou as promessas não cumpridas pelos sistemas democráticos: a educação para a cidadania, o combate ao poder invisível, a transparência dos governos, a permanência das oligarquias. Já Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, ao analisar a recente invasão do Capitólio, a sede do Poder Legislativo, é peremptório: "agora os EUA não podem mais se vender como bastião da democracia". Afinal, o que está acontecendo lá fora e por aqui? O fanatismo O fracasso dos governos contemporâneos tem expandido a ira social. Ira que se transforma em busca de "novos profetas e salvadores da Pátria", manifestações populares e mesmo a devastação de espaços públicos. Claro, com a eleição de figuras que mais se identificam com o estilo outsider, como Trump e Bolsonaro, mesmo sendo este um político que passou quase três décadas no Parlamento. Esse fanatismo se encontra com outros eixos, como o religioso, particularmente os credos engajados na extrema direita e comprometidos com defesa da família e de valores tradicionais. O nacional-populismo Onde esses grupos encontram um escoadouro para jogar as suas mágoas e encontrar motivação para seu engajamento na vida político-institucional? Na corrente nacional-populista, que defende um escopo pátrio, de fundo populista, com políticas que venham ao encontro de seus anseios, como defesa do emprego para os nativos, não para imigrantes, que deverão ser proibidos de entrar no país. "Cinturão da ferrugem" É o caso dos Estados Unidos, onde Trump, na campanha de 2016, foi intensamente votado no "cinturão da ferrugem", região localizada no Nordeste dos Estados Unidos, composta pelos Estados de Michigan, Minnesota, Ohio, Iowa, Pensilvânia e Wisconsin, que tiveram uma indústria bem desenvolvida até o século 20, mas depois sofreram com o declínio da economia, desemprego, redução da população e decadência urbana. O nome faz referência às fábricas hoje abandonadas na região. Aí Trump, em 2016, foi consagrado sob o lema o lema "Keep America First" ("Os Estados Unidos em primeiro lugar"). O empobrecimento das classes médias As classes médias têm perdido seu poder de fogo. Na esteira da crise que se expande para além da pandemia, deteriorando as economias, a sociedade busca novas fontes de poder. As classes médias, que sempre exerceram seu papel de pedra jogada no meio do lago para formar ondas que correm até as margens, dividem-se em grupos com afinidades profissionais, dando origem às bancadas especializadas de representação política, como médicos, advogados, ruralistas, mulheres, transgêneros etc. Ou seja, as vozes que tocam na tuba de ressonância social agora fazem parte de orquestras mais fechadas. As massas acorrem às ruas quando convocadas por suas categorias profissionais. O empobrecimento das classes médias integra o painel do empobrecimento global. Os tais três trilhões de dólares que corriam, como nuvens, para descer nos mercados mais promissores, estão se evaporando. Outra tuba Quem está enriquecendo, e muito, são os empreendedores nas áreas do conhecimento tecnológico e inteligência artificial, os promotores de negócios nas áreas de serviços, os apostadores nas invenções que poderão mudar o curso da Humanidade, como carros elétricos, aeronaves para prospectar condições sobre o futuro da civilização noutros planetas e aqueles que se aproveitam para atender novas demandas dos consumidores. Esse bloco tem como suporte a nova tuba de ressonância social, as redes tecnológicas da Internet. Explosão As massas carentes juntam-se aos grupos insatisfeitos e, em caso de agravamento de sua situação - hipótese que leva em conta o destroço das economias - podem formar um gigantesco barril de pólvora. Sinais de erupção já se vêem aqui e ali. Se o "mundo de cima" não der respostas satisfatórias ao "planeta de baixo", não podemos esperar que cresça o Produto Nacional da Felicidade nas Nações. Canaliza-se a insatisfação para os tanques dos movimentos populistas, que poderão eleger figuras estrambóticas e escandalosas. E pior é quando tais figuras ameaçam mobilizar seus simpatizantes com propostas antidemocráticas. Atentem: a invasão do Capitólio ocorreu no seio da maior democracia ocidental, como é conhecida a Pátria de George Washington. Haverá perigo? Adam Przeworski acha que a democracia não está em perigo. Suas palavras: "nos últimos 20 anos, mais ou menos, houve um aumento claro de partidos radicais de direita, mas parece que o apoio para esse tipo de radicalismo de direita fica sempre na faixa de 20% a 25%. O fato é que as instituições representativas tradicionais não funcionam muito bem. Se você é uma pessoa pobre no Brasil, no México, na Espanha, na Grécia, e se pergunta o que essas instituições fizeram por você ao longo da vida, a resposta será 'muito pouco'. Desigualdade em alta é sintoma de algo errado com as instituições. A crise veio para ficar, mas não ameaça a existência da democracia na maior parte dos países". E por aqui? Por nossas plagas, os fatos ocorridos na contemporaneidade se relacionam a alguns fatores acima citados. Mas algumas situações merecem destaque. Por exemplo, a gestão governamental Federal no combate à pandemia é um caso sui generis de despreparo, desleixo, incúria, irresponsabilidade. Um país de 210 milhões de habitantes, um território continental de riquezas inigualáveis, uma economia que, apesar dos pesares, ainda é uma das maiores do mundo vive um clima de futrica em torno das vacinas e de seus protagonistas. Quem vacinará primeiro? O governo Federal ou o governo de São Paulo? Triste ver o nosso mandatário-mor usar a vacina como mote de suas piadas e os mais de 200 mil mortos como coisa absolutamente natural. "Vacina transformará a pessoa em jacaré". Autoritarismo Quase todos os dias vemos cenas de descontrole e falta de planejamento por parte das autoridades Federais. E, no meio da bagunça, sobram espaços para piadas e chistes, declarações que não dizem nada - "a vacinação vai começar no dia D na hora H". Essa pérola de autoria do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, deve brilhar no museu da esquisitice. Mas é preocupante a relação de coisas absurdas que se espraiam: uma investigação criminal sobre os jornalistas Ruy Castro e Ricardo Noblat, o primeiro por ter sugerido, em artigo na FSP, que tanto Trump e Bolsonaro poderiam seguir o caminho do suicídio para ganhar fama na história. O segundo, Noblat, por ter publicado o texto em seu blog. O tom de galhofa com que Castro se refere a Bolsonaro é bem diferente da defesa da tortura que o presidente sempre fez e faz questão de fazer nos tempos do regime militar. Ausência de líderes Infelizmente, nos horizontes de nossa política, não se enxergam líderes, perfis de respeito, autoridade e sapiência que possam traduzir a chama da esperança. Os nossos representantes vivem na arena da política de interesses, saindo de uma eleição e já se preparando para outra, não dando tempo nem para limpar destroços das administrações em fim de mandato. Uma eleição atrás da outra, com poucas opções de escolha, acaba amortecendo a motivação de eleitores. E quando o bolso apertar mais ainda, com a extinção ou diminuição do auxílio emergencial, é possível prever contingentes desesperados saindo às ruas para cobrar o que lhes prometeram. Da mesma forma, a fome, como a vacina, não tem ideologia. Na padaria Conversa entre dois senhores de cabelos grisalhos esperando pelo pão. "Fulano, como eu tenho também a nacionalidade portuguesa, corri a Lisboa para me vacinar. Me vacinei e aqui estou de volta". Números de contaminados sobem diariamente.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Porandubas nº 699

Abro a primeira coluna do ano com uma historinha de Caruaru. Uma infelicidade Em Caruaru/PE, o coronel João Guilherme, senador estadual e chefe político, comprou a um matuto um cavalo de sela. Cavalo bonito, mas com a pálpebra caída. Cego de uma das vistas. Ao descobrir o logro, o coronel ficou indignado. Fez vir à sua presença o espertalhão. Ameaçou-o de cadeia. - Você teve a coragem de me vender um cavalo cego dum olho! Isso é uma falta de seriedade! Você fez negócio com um homem e não com um tratante da sua laia! Por que você não teve a franqueza de me dizer que o cavalo tinha esse defeito? - Mas, seu coronéu, vamincê me desculpe que eu lhe diga: o cavalo que eu lhe vendi não tem defeito, não! - Não tem defeito? Não tem defeito? Então, você acha que um cavalo cego dum olho não tem defeito? - Seu coronéu, vamincê me desculpe, mas eu acho que não tem não! Ser cego não é defeito: ser cego é uma infelicidade... (Historinha de Leonardo Mota em Sertão Alegre) 2021 sob olhar desconfiado Começa 2021. Os olhares diferem de foco e perspectivas. Uns olham para as cargas de vacinas que já chegaram e as que vão chegar. Há dúvidas sobre os rumos a seguir. O olho federal enxerga a imunização de um jeito. Os olhos de Estados e municípios não sabem bem para qual direção fixar sua atenção. Parcela da população nem pelas vacinas perde tempo, sob o descrédito da algaravia criada em seu entorno. O Brasil abre as cortinas do novo ano sob uma imensa sombra, que fecha os horizontes e turva a visão. Que vacina tomar? Alguns estão na dúvida: que vacina tomar? A pergunta que muitos fazem leva em conta a disponibilidade para escolher a vacinas. Pois vamos lá: não haverá essa possibilidade. Quem não tomar a que estará à disposição, perderá a vez. Daí a sugestão do bom senso: tome a primeira a que você, leitora/leitor, tiver acesso. Claro, depois de referendada pela agência de controle, a Anvisa. Se a eficácia for de 70%, vá em frente. Não espere a de eficácia de 95%. Um dia, uma semana ou um mês a mais poderá fazer diferença. E ninguém pode ser dar ao luxo de esperar pela vacina de maior eficácia. A segunda onda, pelo que se apura, está sendo mais perigosa do que a primeira. Bolsonaro O presidente continua a fazer muxoxo ante vacina a, b ou c. Está firme em sua posição - fazer aglomeração, não usar máscara ou usá-la apenas em eventos no Palácio do Planalto, considerar besteira essa ansiedade para tomar a vacina (no que é imitado por seu ministro da Saúde, Pazuello), não induzir ninguém à vacinação, muito pelo contrário. Seu foco é o encontro com as massas, uma escapada do Palácio ou um nado no mar para abraçar e ser abraçado pela galera na praia para ouvir o grito de guerra: mito, mito, mito. É o mito Jair Bolsonaro é um mito? Será que pode ser comparado a Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Getúlio Vargas, que tinham a admiração das massas? Está a léguas de distância. Não pode ser comparado nem aos generais dos tempos de chumbo, que tinham um programa a cumprir e até certo espírito democrático, como historiadores atribuíam, por exemplo, a Castelo Branco. Na verdade, o capitão está muito embaixo da régua do preparo e da competência, não apenas pela pequena formação obtida até o grau de tenente, sua patente antes de se aposentar, mas pela conduta que foge completamente à liturgia que deve cercar a figura do presidente da República e de um chefe de Estado. Por que o mito? Porque era a opção que o eleitorado enxergou para evitar a volta do PT ao poder. Ganhou em 15 Estados e no DF de Fernando Haddad. Encaixa-se na historinha: quem não tem cão caça com gato. Preencheu, ao mesmo tempo, o sonho da direita, que esteve recôndita ao longo de décadas. Valores tradicionais foram encarnados por Bolsonaro, que mediu o tamanho oceânico do vácuo entre a classe política e a sociedade. Tapou o buraco com sua presença. Mas o tampo não foi uma roda completa. Digamos que tenha sido uma roda um pouquinho maior do que a metade. Hoje, a maior parte da roda está contra ele. Puxar o passado Outra pergunta recorrente: e por que o capitão continua desaforado, xingando uns e outros, vituperando contra adversários, batendo em teclas de uma obsoleta máquina de escrever, quando todos (ou quase) preferem usar o teclado do computador? A imagem serve apenas para dizer que o presidente tem obsessão por coisas ultrapassadas. E não adianta dizer para ele que parceiros que gostam das mesmas coisas, como o ricaço Donald Trump, perdeu a eleição norte-americana por não querer ver traços de modernidade na sociedade e por um estilo arrogante com o qual passa a imagem de onipotente. Não é que, a essa altura, o cara ainda acha que ganhou a eleição no território da maior democracia do planeta? Segurar a base Mas não é apenas esse gosto de ressuscitar o passado, na forma de elogios e defesa da tortura e outras maluquices, que distingue a índole do capitão. Ele sentiu que uma base de apoio popular se faz necessária para criar o clima de campanha permanente. Nesse sentido, faz o que Lula, do PT, sempre fez. Campanha todo tempo, palanque como candidato e palanque como presidente. Bolsonaro precisa oferecer alimento para as galeras que o aplaudem. E veste-se com a roupa do homem comum, "uma pessoa como nós", que mergulha no mar, faz piadas, levanta e beija criancinhas, toma café na padaria, corta o cabelão com Mané Barbeiro, chega de surpresa nos ambientes e, sob os gritos de "é ele mesmo", puxa o laudatório "é o mito, é o mito, é mito". Refrão de campanha política. Equivale ao "Lula-lá" e ao "oPTei", criados pelo publicitário Carlito Maia, décadas passadas. Aliás.... Essa mania de apontar o candidato ou o governante como sendo isso e aquilo faz tradição por nossas plagas. Gleiber Dantas de Melo, em sua dissertação de mestrado, (Análise Discursiva do Governo do Monsenhor Walfredo Gurgel-1966-1971), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Avançado Profa. "Maria Elisa de Albuquerque Maia" (CAMEAM), como requisito para o título de mestre em letras, narra o seguinte sobre a campanha de 1965 para o governo do RN, disputada por Dinarte Mariz e Monsenhor Walfredo Gurgel. É o velho, é o padre - Não obstante serem Dinarte e Walfredo quase de uma mesma idade - aquele, nascido em 1903; este, em 1908 -, logo, e quase espontaneamente, se definiram os gritos da guerra eleitoral que estava por começar. Os correligionários de Dinarte, àquela altura com bastantes cabelos embranquecidos, gritavam: "É o velho, é o velho, é o velho!"; era mais fácil dizer assim do que repetir todo o slogan de sua campanha política: "O velho tinha razão!". Os eleitores de monsenhor Walfredo faziam a ofensiva, bradando: "É o padre, é o padre, é o padre!". O velho outra vez Mais uma de velho, desta feita com o mito Getúlio Vargas. Durante o Estado Novo (1937-1945), o retrato oficial de Getúlio Vargas, com a faixa presidencial, tirado em 1934, figurava também na parede dos lares, até de não-simpatizantes, por precaução. Com a deposição de Getúlio, após quinze anos no poder, o retrato saiu de cena. Mas, em 1950, Getúlio volta à chefia da Nação, agora eleito pelo povo, e o resultado foi uma marchinha de sucesso, cantada por Francisco Alves na folia de 51, conclamando a volta do retrato e ironizando os antigetulistas. (Letra: Bota o retrato do velho outra vez; bota no mesmo lugar; bota o retrato do velho outra vez; o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar. O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar; eu já botei o meu; e tu não vais botar; eu já enfeitei o meu e tu não vais enfeitar. O sorriso do velhinho faz a gente se animar). O espírito do ano Como fica implícito nas notas acima, o espírito do ano será impregnado pela política. Podemos prever o acirramento entre bolsonaristas e contrários. Poderia haver certo arrefecimento em caso de harmonia social, fruto, por sua vez, de economia alavancada. Essa possibilidade é remota. Será desafio o destravamento das engrenagens da economia. Os blocos partidários na Câmara e no Senado afiarão as suas espadas. O tom de beligerância seguirá em um crescendo até 2022. Reforma ministerial Para tentar adensar sua base política, o presidente deverá promover trocas de ministros. Não deu resultados, ministro cairá fora. A troca será constante, o que ocasionará muita desconfiança à esfera política. E à medida que o presidente vá esgarçando sua teia de apoio popular, os políticos tendem a se afastar do Palácio do Planalto. Olho por olho, dente por dente. Enem O Ministério da Educação acaba de apresentar o calendário do ENEM. Abaixo algumas pérolas dos testes do passado, enviadas por leitores: - A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos. - Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia. - O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas. - A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva. - O ateísmo é uma religião anônima. - A respiração anaeróbica é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos. - O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo. - Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto. - Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais. - Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio. - A harpa é uma asa que toca. - O vento é uma imensa quantidade de ar. - O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas. - Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor. - Péricles foi o principal ditador da democracia grega. - O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades. - A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário. - Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso. - O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro. - A febre amarela foi trazida da China por Marco Polo.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Porandubas nº 698

A última coluna do ano será um remix com comentários. Um ano novo pleno de saúde! Imagem das Forças Armadas Em janeiro, na nota sobre "O Poder Executivo - os militares", dizia que a ala do entorno presidencial, particularmente os generais, era mais forte no início do governo. O general Augusto Heleno, que responde pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, parecia o perfil mais poderoso do entorno presidencial. Ostentava a flâmula de poder moderador. Hoje, alinha-se completamente à linguagem do presidente, inclusive nos ataques a certas figuras da imprensa. Militares que saíram passaram a ser críticos. Transparece certa divisão na frente de apoios. Pois bem, a situação continua a mesma, com visível desprestígio para as Forças Armadas. Congresso Sobre o corpo parlamentar, escrevi que os representantes, já afeitos ao estilo rompante do presidente, cobrarão com mais força as demandas feitas junto ao articulador, ministro Luís Eduardo Ramos, e mesmo ao então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mexerão no regimento para tentar se reeleger? Alcolumbre topa, Maia é mais precavido. Em caso de novos dirigentes, a perspectiva é de que estejam mais alinhados ao discurso de autonomia e independência do Parlamento. Tempos de valorizar os conjuntos parlamentares e evitar que o Judiciário invada a esfera parlamentar. Continua a argumentação valendo. Uma Câmara independente - eis o discurso de Arthur Lira e Baleia Rossi, candidatos à presidência da Casa. Poder Judiciário Continuará sendo alvo da mídia e de parcela da esfera política, não conformada com suas decisões no âmbito da Lava Jato. Expande-se a sensação de que alguns ministros agem de maneira parcial e sob viés político. A substituição no final do ano do ministro Celso de Mello, decano do STF, abrirá o leque de especulações. Quem seria o perfil "terrivelmente evangélico" para entrar em seu lugar, conforme há tempos ao substituto se referiu o capitão presidente? O atual advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça? Pois é, acabou sendo escolhido um juiz alinhado com o presidente, mas o perfil "terrivelmente evangélico" continua na cabeça de Bolsonaro. 2º ano de Bolsonaro Dizia que Bolsonaro dá constantes sinais de que tentará a reeleição em 2022. Pois bem, o pleito municipal, com a escolha de 5.570 prefeitos e cerca de 57 mil vereadores, é a base do edifício político. O jogo do dominó, portanto, começa com o time de vereadores, que custam ao Estado cerca de R$ 10 bilhões anuais. O vereador empurra o prefeito, que empurra os deputados estaduais, Federais e senadores, que empurram o governador e cada um destes também dá seu empurrão para a eleição do presidente da República e seu vice. Assim, o capitão terá de se esforçar muito para puxar o apoio de governadores, senadores, deputados e prefeitos. Quanto maior sua fonte, mais água eleitoral entrará nas urnas. O presidente acabou não obtendo os louros de uma grande vitória. A quarentena Em fevereiro, escrevi que o Governo decidiu trazer os brasileiros que estão em Wuhan, na China, epicentro do coronavírus. Ponto para o Governo. Eles serão isolados numa quarentena de 18 dias. Um desafio. Há infectologistas como David Uip, que questiona a eficácia da quarentena sanitária prevista pelo Ministério da Saúde. Diz que há pouca informação sobre o tempo de incubação do novo coronavírus, não existindo de que o período de transmissão seria coberto. Essa foi a maior polêmica do ano: fazer ou não lockdown, esticar ou não a quarentena. Com a 2ª onda em curso, o relaxamento versus isolamento está na ordem do dia. PT e seu retrofit O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, sugere uma ampla aliança entre as oposições. E pede ao PT que tente mudar sua cara, a partir da mudança de nome. O que se chama de "retrofit", termo surgido na Europa e Estados Unidos, que significa "colocar o antigo em forma" (retro do latim "movimentar-se para trás" e fit do inglês, significando adaptação, ajuste). Na arquitetura, abriga um conjunto de ações de modernização e readequação de instalações. O objetivo é preservar o que há de bom na velha construção e adequá-la às exigências atuais. O PT foi um dos derrotados na campanha municipal e a sugestão de Flávio Dino não entrou na cuca de Lula. Perfil ideal Ainda em fevereiro tracei o perfil ideal para um bom candidato à prefeito: - símbolo da renovação - vida bem-sucedida no campo profissional - passado limpo, vida decente - boa expressão - capacidade de comunicação - eficiente articulação - apresentação de propostas que entrem na cachola do eleitor - condições para fazer uma boa campanha Os pontos, de certa forma, foram destacados, mas representantes do passado foram contemplados. Quarentena meia boca Em março, argumentei que o Brasil poderia alcançar resultados mais expressivos no combate à Covid-19, achatando de maneira mais rápida a curva do crescimento da epidemia. PODERIA. Mas não vai alcançar essa meta por algumas razões: 1. Nosso ethos tende a não seguir rigidamente as normas; somos um povo muito voltado para as transgressões; 2. A sociedade, mesmo apoiando com força o isolamento social, não age como impõem as regras. Em alguns espaços, até parece que o povo está gozando férias, indo às praias, fazendo festinhas; 3. O presidente da República, ele mesmo, funciona como aríete do escudo de defesa. Defende o fim do isolamento, com exceção da população idosa. E muita gente leva em conta a garantia de Bolsonaro de que só a volta ao trabalho evitará a ruína do país. Não tiro uma vírgula do que disse. Eleições municipais Em abril, frisei que seria muito difícil fazer eleição municipal em princípios de outubro. A data mais provável é 15 de novembro ou um uma data nos meados do mês. Mobilizar estruturas, preparar urnas eletrônicas ainda sob a fumaça da paisagem desolada, provocada pela Covid-19, animar candidatos, enfim, criar um clima eleitoral em tempos de medo e depressão são coisas que atrapalham as previsões. Quanto ao adiamento do processo eleitoral, impossível. Seria um golpe. Os eleitos de 2018 não ganharam esse esticamento por parte do eleitor. Na mosca. Panorama visto do alto Em maio, desenhei: São Paulo parece quieta. Só impressão. Menos carros, menos barulho. Mas, em suas casas, as pessoas estão atônitas, medrosas, estampando um aparente conformismo que as catástrofes costumam puxar. Se as nossas vidas precisam desse recolhimento, que o acolhamos. Muitos se rebelam. A paisagem é sombria. Um ou outro urubu cruza seus voos sobre o parque do Ibirapuera. O campo do ginásio quase todo coberto com um gigantesco toldo branco, onde um hospital de campanha abriga contaminados pelo vírus. Quando, quando, quando respiraremos ares mais saudáveis? Até hoje, a indagação continua na mente. 10 minutos com a mesma frase Ainda em maio, observei: Um controlador das mensagens aponta que, durante 10 minutos, leu a mesma mensagem em pretensos apoiadores de Bolsonaro: "não conheço um eleitor de Bolsonaro que viu o vídeo e esteja arrependido, pelo contrário, já iniciamos a campanha para 2022. É a melhor propaganda de todos os tempos". Marcelo Adnet, o comediante, joga nas redes um vídeo com a mesma frase e nomes de seguidores, alguns repetidos. Uma farsa, que deve ter o dedo do comandante das redes sociais do presidente. A linha de abordagens contrárias ficou mais restrita aos comentaristas de TV e de jornais. Além de articulistas de renome. Pois essa linha perdura até hoje. Brasil mais isolado Em junho, fiz a nota com o título acima. Trata-se de isolamento na esfera das Nações. A pandemia mata milhares pelo mundo. O Brasil se torna o epicentro, com liderança no ranking de mortos em 24 horas. E o que faz o governo? Ordena atrasar a publicação dos dados e manipular as informações. O ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, é um técnico de logística. Cheio de boas intenções. Mas nesse jogo de esfriar os números desfere um tiro na imagem. O Estado de Roraima acabou pagando o pato. Teria fornecido números errados. As autoridades de saúde de RR refutam. E o mundo, de queixo caído, indaga: existe democracia no Brasil? E complementei: em matéria de liderança, o Brasil é um mapa em branco. O país caminha às escuras por faltar um líder confiável, competente, capaz de comandar um Projeto de Nação. Esperança e desânimo Em julho, vi nos horizontes certa esperança e certo desânimo. A esperança emerge na onda de vacinas que começam a ser testadas em alguns países. Os relatos são otimistas. A Rússia entra na terceira fase de testes. Na Europa, Alemanha e Reino Unido avançam. Na China, os testes também estão avançados e contam até com a parceria brasileira. Em alguns países, a barreira sanitária tem impedido a disseminação da Covid-19. O lado pessimista aponta rebaixamento da imunidade das pessoas que desenvolveram anticorpos contra o vírus. Depois de alguns meses - falam em três - a pessoa poderá cair novamente doente. Uma espécie de vaivém. A mostrar que esse danado de bicho tem condições de ganhar força na esteira das fragilidades humanas. Ainda hoje as dúvidas formam polêmica. Bolsonaro e a base do lulismo Em agosto, acentuei coisas desse tipo: num curto espaço de tempo, o território do lulopetismo por excelência, o Nordeste, 27% da população do país, é invadido pelo novo governante que passa a ocupar o trono do pernambucano Luiz Inácio. Bolsonaro tem sido mais festejado do que Lula dos velhos tempos, quando era um Deus, o Pai dos Pobres, o salvador da Pátria para os nordestinos. É ovacionado aos gritos de mito, mito, mito. Põe chapéu de couro e cai nos braços da massa que espera por ele nos aeroportos. A ponto de um atento olheiro da cena política regional confessar, perplexo, a este consultor: o cenário é do frei Damião do passado. Bolsonaro vai ao Nordeste pela 4ª vez em 19 dias. Hoje, o auxílio emergencial é a tábua de prestígio presidencial. E quando acabar? BO+BA+CO+CA Ainda em agosto, voltei a falar na minha equação: Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. O auxílio emergencial na paisagem da pandemia cai dos céus como maná no deserto. E como cai. Permite que famílias carentes abasteçam a velha geladeira desprovida de alimentos. Ademais, o lulismo tem perdido fôlego na região desde os turbulentos tempos de Dilma e escândalos que cercaram o PT. Lula, por seu lado, não abriu o partido para novas lideranças. Os governadores petistas da região até se esforçam para fazer um bom governo, mas a crise econômica, ao lado da crise política e da crise sanitária, solapam as estruturas estaduais. Governar nesses nebulosos tempos tem sido um exercício de arte, técnica e sorte. Corrupção Em setembro, anotei: de tanto ser prato diário na mídia - Lava Jato, Witzel, outros governadores, delações premiadas, ações de busca e apreensão pela PF -, a corrupção vai diminuindo o tamanho do seu território no país. Não é o caso de garantir que vai ser extirpada. O jeitinho brasileiro, os dribles que os espertos costumar usar para cometer ilícitos, a sinuosidade no comportamento integram a alma brasileira. E nessa hora, Deus avisa que não é tão brasileiro, como alguns garantem. Isso é mais coisa pro Belzebu e seus capetas. Mas os crimes contra a administração pública tendem a diminuir. Mais controles, maior transparência, cidadão mais racional e exigente. Nesse item, recoloco a questão: a corrupção diminuiu. Ou não? Que convívio, hein? Em outubro, mostrei a competição entre os ministros do STF. Nota-se certa indisposição de uns ministros para com outros. Há um plus de vaidades, brios feridos, algo como - sou melhor do que você; ou ainda - cale a boca, quem é dono da flauta dá o tom. Pasmem. Como um corpo de 11 ministros, convivendo anos a fio, um ao lado do outro, conhecendo as têmperas, índoles e cacoetes mentais dos pares, ainda abre querelas em seu dia a dia? Não há amizade ou mesmo respeito que faça sucumbir qualquer tentativa de agressão pela palavra? Pois o que se lê e se ouve é algo como "esse ministro é caçador com ç". Verve maligna? Depois, Suas Excelências brindam no cafezinho. A vida institucional é mesmo um teatro. Recados do eleitor Em novembro, fiz uma leitura do processo eleitoral. Dizia: entre mortos e feridos, uns e outros, com salvação para alguns. Quer dizer, um pouco de tudo atingiu a todos. O eleitor foi mais racional que emotivo. Em certas praças, como havíamos previsto, uma abstenção recorde de mais de 30%. O que não significa falta de interesse. Não votar, anular ou votar em branco são atitudes que expressam desencanto, desilusão, indignação. Recados foram dados às pencas. a. Política tradicional - Em 2018, Jair Bolsonaro levantou a bandeira da antipolítica, ou, nos termos que usou, a velha política. O eleitor, com sua arma democrática, disse: "espere aí, não é bem assim. Devagar com o andor". E deu um voto intenso na política tradicional. b.Testado e experiente - Entre um novato, inexperiente, e um perfil já testado na administração, o eleitor preferiu este último. Muitos candidatos são da velha escola. c.Viés plebiscitário - A eleição, a par de se constituir um freio de arrumação no sistema político, preenchendo lacunas e abrindo portas, teve também um certo viés plebiscitário, que se interpreta como endosso/apoio ou desaprovação ao presidente Bolsonaro, que não conseguiu eleger nem 10 prefeitos e uma leva pequena de vereadores nos 5.567 municípios do país. De 78 candidatos que registram Bolsonaro como sobrenome, apenas 1 foi eleito: o filho Carlos. d. Partidos repartidos - DEM, PSD e PP são alguns partidos que ganharam musculatura. O PSDB poderá recuperar terreno com Bruno Covas em São Paulo. Elegeu até agora 497. O MDB continuará como o partido de maior número de prefeitos - 777 - mas perdeu 25% de sua bancada no comando municipal. Nenhum partido fez mais de mil prefeitos. No RS, o MDB obteve a melhor performance, com 130 vitórias. O PSDB caiu de 804 para 519 prefeituras. e. Centrão cresceu. O eleitor decidiu dar mais fôlego ao Centrão, que ganhou volume. O PP fez 672 prefeitos. O PSD, do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, subiu de 539 para 652. O DEM ampliou sua quantidade de prefeitos em 70%, chegando a 458. Vacina politizada Voltei a falar de vacina agora em dezembro. A vacina ganhou epítetos: vacina comunista, chinesa de João Doria, tem chips para controlar a vida das pessoas, muda o DNA humano, e mais um lote de besteiras. E sabe quem propagou toda essa descrença? Nossa autoridade máxima, o presidente, que acha bobagem vacinar em massa, fazer lockdown, essa dureza de proibição de circulação de carros e pessoas que a primeira-ministra Merkel determina na Alemanha. Por aqui, mais de 20% da população diz que não vai receber a vacina. Só quero ver quando a foice da morte pairar em suas casas.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Porandubas nº 697

Com estas Porandubas, fecho 2020.Desejando felicidades a Todos. "Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade". Mario Quintana À guisa de balançoTentar fazer um balanço sobre o Brasil e seus protagonistas em tempos de crise - sanitária, política, econômica e social - é um desafio dos mais instigantes. Baterá no sistema de cognição de uns com vieses; de outros, os resultados do balanço poderão até ser aprovados; de um terceiro grupo, posso ganhar uma não-leitura. Como aprendi a conviver com os contrários, irei em frente. Para começar: o Brasil perdeu e muito. O mundo também perdeu, mas não há de se negar os ganhos com a descoberta das vacinas. Se as Nações perderam trilhões, o planeta caminhou na trilha da ciência.O Brasil perdeu maisA perda brasileira foi maior. Porque o país deixou de caminhar na vereda civilizatória. Ao final, o que se anota no caderninho da história é um país isolado do mundo, atolado numa crise econômica, sufocado por UTIs locupletadas de contaminados pela Covid-19, deteriorado nas contas públicas, sem ainda apresentar um plano seguro e claro sobre a vacinação em massa. O Brasil já foi exemplo de território que soube combater epidemias. Essa imagem dá lugar a um vazio, uma caminhada sem rumos.O presidente açodadoTemos um presidente da República que, de maneira proposital, fez questão de exibir um discurso radical, agradando sua base popular, fechando o circuito de interesses de conservadores, sinalizando para que o país cumprisse a mais retrógrada política de relações exteriores de toda a nossa história.Ministros desajustadosEquação do atraso: o chanceler Ernesto Araújo e a figura destruidora do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, com seus olhos complacentes para a corrosão dos nossos biomas. Como o país ganhará uma roupagem de respeito, de autoridade, de seriedade no concerto das Nações? Esses dois ministros estão abaixo de todas as expectativas. Os piores figurantes da Esplanada dos Ministérios.Guedes na bicicletaO ministro Paulo Guedes sai com a imagem deslustrada. Foi embora o brilho que irradiava no início da administração. Vem tentando equilibrar uma bicicleta desgovernada, tateando à esquerda e à direita e sofrendo quedas aqui e ali. O fabuloso programa de privatização não foi cumprido. A ponto de o secretário nomeado para acioná-lo, o dono da Localiza, Salim Mattar, ter desistido da tarefa e saído do governo. Guedes vive às turras com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com quem hoje pouco fala. Guedes pode se orgulhar de ter aprovado a Reforma da Previdência - é um fato - ou gastado 7,5% do PIB no enfrentamento da pandemia. Mas há um gap, um vazio entre expectativas e resultados. Perdeu bons quadros de sua equipe.O cobertor socialUm dos destaques positivos do governo tem sido o cobertor social que teceu para acolher as comunidades carentes. O auxílio emergencial e o 13º do Bolsa Família garantiram razoável avaliação positiva ao governo Bolsonaro. Mas esse cobertor será encurtado nos próximos tempos em função de cofres vazios. O cenário econômico, com a continuidade da pandemia ainda por um tempo, será um gargalo para o cenário social. 2021 ameaça ser pior do que 2020. É o que projetam alguns analistas econômicos.As forças sem forçasAs Forças Armadas, que tanto prezam sua imagem de profissionalismo, respeito à Constituição, exibem uma mancha suja nas fardas de seus contingentes, por integrarem um governo que parece sem rumos, cuja linguagem cotidiana fere todos os princípios da liturgia do poder. Para piorar, um general da ativa, ministro da Saúde, de quem se esperava um formidável planejamento logístico, sua especialidade, não o faz, merecendo críticas de colegas de farda.A paisagem socialNas frentes sociais, o país caminhou muito bem na trilha da organicidade. As organizações, principalmente as não-governamentais, fizeram pressão, acenderam suas fogueiras expressivas com críticas, denúncias e casos de discriminação contra identidade de gêneros - mulheres, negros, LGBTs, - violência policial, assédio de personalidades do mundo das artes, da cultura e da política. Nunca se viu tantas manifestações críticas.A luta antirracistaO ano de 2020 escancarou a luta antirracista, aqui e alhures. Desde os Estados Unidos ("vidas negras importam") até em nossas plagas as manifestações contra a discriminação racial chegaram ao clímax. Nunca se viu a negritude manifestar tão intensamente seus valores e a defender sua identidade. A luta pela igualdade ganhou amplos espaços. Viva!A política vaivémO trem da política correu para a frente e para trás. Apesar do esforço de Rodrigo Maia para organizar uma pauta de reformas e avanços na Câmara, os tropeços e querelas com a equipe econômica atrapalharam o calendário. Nesse momento, o debate foca nos perfis que deverão se engalfinhar na luta pelo comando das casas congressuais. O Senado tem uma balança mais governativa do que a Câmara, mas a derrota do presidente Alcolumbre no pleito de Macapá, onde seu irmão foi ultrapassado pelo médico Dr. Furlan, atenua seu poder de barganha no processo eleitoral da Câmara Alta. O fato é que a política não avançou de maneira que possa ser elogiada. O pleito municipal de novembro não fechou um ciclo,como se esperava, não podendo ser considerado o início de uma nova era.A judicialização da políticaO Judiciário termina o ano com a imagem de que entrou com tudo na esfera do Parlamento. Legislou às pencas, tentando aliviar a situação de protagonistas às voltas com a Operação Lava-Jato. O último ato nessa direção foi a decisão do ministro novato, Kássio Marques, nomeado por Bolsonaro, suspendendo trecho da Lei da Ficha Limpa que determina que o prazo de inelegibilidade de oito anos para condenados por órgãos colegiados terá efeitos após o cumprimento da pena. Marques segue a linha dos ministros Gilmar Mendes e Lewandowski. Para o presidente Bolsonaro, quem comete crimes "não pode pagar ad eternum".O empresariadoO empresariado, que aclamava Bolsonaro no início do governo, subiu no muro. Faz pressão para aliviar a carga de tributos, mas sente que não pode confiar no destempero presidencial. Os empresários agem pragmaticamente. Mas cresce a insatisfação com medidas tomadas, entre as quais as desonerações de tributos para importação de determinados produtos. E teme restrição do nosso maior parceiro comercial, linguagem ferina usada pelo presidente e ministros quando se referem à China.A guerra das vacinasO troféu da estupidez do ano vai para a guerra das vacinas. O presidente se refere à coronavac como "a vacina chinesa de Doria", o que leva seu núcleo de apoiadores a rejeitar o uso daquele medicamento. E mais: o próprio presidente, que bate de frente na abordagem científica, diz que não tomará nenhuma vacina e ponto final. Seu ministro, general Pazuello, como barata tonta, dissera que a vacina chinesa seria comprada, depois afirmou que não seria adquirida e, só recentemente, ante balbúrdia que criou, acabou garantindo que a "vacina brasileira" (a chinesa) também será usada. O governador de São Paulo, João Doria, que não é bobo, deixa que a futrica do governo federal ganhe visibilidade, enquanto diariamente anuncia a chegada de mais doses vindas da China. O Instituto Butantã ganha prestígio com o selo "vacina brasileira". Até o final do ano, o estoque de São Paulo chegará aos 10,5 milhões de doses.Tributo de PorandubasA Coluna presta sua homenagem, o TROFÉU DE GRANDEZA, a protagonistas que fizeram o Brasil avançar em 2020:    - Profissionais de Saúde - que estão no front da guerra contra a pandemia.    - Fontes especializadas- Médicos, pesquisadores, infectologistas que têm se dedicado a explicar os fenômenos da pandemia.    - Mulheres - Lideraram os espaços de denúncias em defesa da igualdade de gêneros, contra o assédio e a discriminação.    - Trabalhadores - Contingentes do trabalho formal e informal, mesmo com sacrifício de perda de parte substantiva de seus salários, têm se esforçado para não deixar o país travado.    - Jornalistas - Destaque para os jornalistas, que têm buscado informar e explicar os fenômenos atuando na linha de frente da guerra.    - Líderes mundiais - Grandes protagonistas que dão exemplo de respeito à ciência e mostram a importância da vacinação, entre os quais, Joe Biden, Ângela Merkel, Boris Johnson e Benjamin Netanyahu.    - Luiza Trajano - Empresária que faz crescer seu grupo e implanta políticas de integração/inserção social em seus empreendimentos.    - João Doria - Governador que teve a coragem de buscar de maneira ágil a vacina que deverá salvar milhões de vida, enfrentando dissabores e a politização da ciência.    - Rodrigo Maia - Presidente da Câmara, estabeleceu uma pauta de votações com temas que ajudaram o Brasil a avançar.    - Padre Júlio Lancelotti - Um guerreiro anônimo na luta em defesa dos sem teto e sem alimento, os moradores de rua.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Porandubas nº 696

Abro com uma historinha de São Paulo. Tape os ouvidos Em Morro Agudo, a 80 quilômetros de Ribeirão Preto/SP, havia um comerciante e chefe político muito ativo, de muito prestígio, mas analfabeto. Tinha um empregado que lia as coisas para ele. Um dia, o comerciante brigou com a mulher, separaram-se, contrataram advogados, foram para a Justiça. E, de repente, chegou uma carta dela de inúmeras folhas, passando a limpo (ou a sujo) os longos anos de vida em comum. Ele não poderia dar ao empregado para ler, chamou o melhor amigo: - Você pode ler esta carta para mim? Mas você vai me fazer um favor. Eu sei que ela vem falando tudo, contando tudo. -Então, amigo, leia alto para mim, mas tape os ouvidos. A vacina, expectativas A vacina está sendo aguardada com muita expectativa. O Reino Unido e os Estados Unidos já iniciaram a vacinação em massa. Dá gosto ver mudança de discurso. Trump vai à TV para anunciar, orgulhoso e portentoso, que ele estava proporcionando a salvação de milhares de norte-americanos. Quem diria, hein, logo ele que não acreditava que a covid-19 era um bichão papão de vidas. Pois é, as vacinas são um avanço extraordinário da ciência. O mundo civilizado aplaude. O mundo da barbárie acha um paliativo inócuo. A vacina, politizada Já por nossas plagas, a vacina ganhou epítetos: vacina comunista, chinesa de João Doria, tem chips para controlar a vida das pessoas, muda o DNA humano, e mais um lote de besteiras. E sabe quem propagou toda essa descrença? Nossa autoridade máxima, o presidente, que acha bobagem vacinar em massa, fazer lockdown, essa dureza de proibição de circulação de carros e pessoas que a primeira-ministra Angela Merkel determinou na Alemanha. Também voltando no Reino Unido. Por aqui, mais de 20% da população diz que não vai receber a vacina. Só quero ver quando a foice da morte pairar em suas casas. Qual, quantas? Afinal, qual a vacina, em que quantidade o Brasil deve importar ou comprar do próprio Instituto Butantã? Primeiro, todas as vacinas que demonstrarem eficácia devem ser adquiridas e usadas. Sem restrição. Vacina não tem ideologia. Misturar ciência com fofocagem de grupos de viseira é pensar de forma errática. Mas temos, entre nós, alguns jardins de dinossauros, que estão fossilizados e ainda querem pensar. O Instituto Butantã, ministro Pazuello, integra a estrutura do Governo de São Paulo. A não ser que o governo Federal faça um confisco. Quanta burrice se espraiando no deserto de parvoíces. Mutante O Reino Unido acaba de descobrir que a covid-19 é mutante. Transforma-se, ganha novas formas. Por isso, a atenção deve ser redobrada. Imagino que essa pandemia vai durar muito tempo. E novas vacinas deverão ser criadas para enfrentar a pandemia. Trata-se de um luta entre o homem e a natureza, o homem e os males que o cercam, o homem e as incertezas e acidentes que assolam a Humanidade. Chegamos a uma encruzilhada: ou a Ciência continua a avançar, sob a pressão dos bons, ou as doenças acabarão com a existência humana no planeta, sob os aplausos dos maus. General Santos Cruz Vi, domingo à noite, a entrevista do general Santos Cruz a Andréia Sadi, da GloboNews. Ali aparece um brasileiro destemido, um homem das nossas Forças Armadas, com linguagem fácil e densa, cheia de hipóteses e conceitos, com números que explicam nossos descaminhos. Como um perfil com essa envergadura pode ser descartado de um governo? Combate a corrupção, a ideologização da vacina, os males que mancham a bandeira nacional. Está acima de um grupo que parece fruir o prazer de ter o poder. Ex-ministro da Casa Civil, com um histórico de trabalho e luta pela paz em países estrangeiros, o general Cruz deve ser ouvido todo tempo por suas oportunas observações. Governo imprensado Não dá para apostar em um governo altaneiro, firme, com programas e propostas aprovadas no Congresso Nacional. Esse é o retrato que se flagra nesse momento em que o presidente e seu núcleo duro tentam emplacar os novos presidentes da Câmara e do Senado. Rodrigo Maia continua detendo força, mesmo que não consiga fazer seu sucessor na Câmara. Alcolumbre rejeita a ideia de ganhar um posto na Esplanada dos Ministérios e vir a perder a chance de eleger seu sucessor no Senado. Seja qual for o desfecho das operações, sobra a impressão de que os dois últimos anos de Governo enfrentarão um Congresso mais aguerrido. Economia em dificuldades Como tenho repetido, a economia é a locomotiva que puxa o trem da política. A pandemia está deixando marcas fortes na paisagem das Nações. O prejuízo não será reparado em curto prazo. Nossa dívida chega a 96% do PIB. Inflação ameaça subir. Os setores econômicos se levantam devagar. 2021 poderá não abrir muito espaço para folgas. O terceiro ano de governo é o de abertura de cofres para tentar fechar alianças e apoios. Sob pressão das margens sociais carentes, classes médias empobrecidas e corpos políticos famintos. Poupança, teto fechado para gastos ou abertura dos cofres? Só populismo não elege mais. Centros A previsão deste consultor é a de que, com o olhar de hoje, dá para ver um arco político dividido entre extrema direita, esquerda, centro-direita e centro-esquerda. Protagonistas: Bolsonaro (sem partido) pela extrema direita, um perfil de esquerda ainda não definido, o centro-esquerda apresentando Ciro Gomes (PDT) e o centro-direita, João Doria (PSDB). O centro, portanto, com suas bandas esquerda e direita, terão dois candidatos. A esquerda, com PT e PSOL, talvez mais uns agregados, vai olhar a cena e deixar para indicar em cima da hora. Bolsonaro contará com seus 20% ou um pouco mais. Tende a disputar com o candidato de um desses dois centros. IDH Brasil cai cinco pontos no ranking do desenvolvimento humano, medido por órgão da ONU. Baixa da 79ª para a 84ª posição. Fator principal: estagnação na educação. E aí, Biden será cumprimentado? E agora, presidente. Joe Biden foi confirmado vitorioso do pleito. Recebeu, ontem, cumprimentos de Putin, da Rússia, por ter recebido 306 votos do Colégio Eleitoral, que rejeitou qualquer denúncia de fraude. Bolsonaro é o último da fila. Orlando Duarte Meu adeus a Orlando Duarte, grande comentarista esportivo, meu aluno de pós-graduação na Cásper Líbero. Ceifado pelo demônio da pandemia. Chance de vir a ser candidato (visão de hoje) De 1 a 10 Luciano Huck - 3Luis Inácio - Lula - 2Fernando Haddad - 5Guilherme Boulos - 6Jair Bolsonaro - 9João Doria - 8Ciro Gomes - 9Álvaro Dias - 4Eduardo Leite - 4Romeu Zema - 3ACM Neto - 4Rodrigo Maia -3Ronaldo Caiado - 1Paulo Hartung - 2Paulo Câmara - 3Camilo Santana - 1Sérgio Moro - 3Luiz Mandetta - 2 O voto pandêmico O final de 2022 ainda puxará as sequelas da pandemia. Daí a inferência de que o coronavírus vai passar um bocado de tempo dando seus recados aqui e ali. Com a aplicação de vacinas, análises de seus efeitos, poderemos distinguir um processo de engajamento mais forte na frente da ciência. O que significará a aprovação aos cientistas e desaprovação ao negacionismo. Os negacionistas sairão manchados desses tempos de pandemia, quando queimaram todos os seus esforços para desacreditar os avanços científicos. Nietzsche - Não devo ser pastor nem coveiro. Não quero mais, sequer, falar novamente ao povo; pela última vez, falei a um morto. Quero unir-me aos que criam, que colhem, que festejam; quero mostrar-lhes o arco-íris e todas as escadas do super-homem. (Assim Falou Zaratustra) Fecho a coluna com Sócrates. (Atenas, 469-399 a.C.) Discípulos que visitavam Sócrates na prisão e o aconselhavam a fugir. Ele respondia: - Uma das coisas em que acredito é no reinado da lei. Bom cidadão como tantas vezes vos tenho dito, é aquele que obedece às leis de sua cidade. As leis de Atenas condenaram-me à morte, e a inferência lógica é que, como bom cidadão, eu deva morrer. Ao se aproximar a hora fatal, rodeado de amigos, chega o carcereiro, a quem pergunta: - Agora, você que entende dessas coisas, diga-me o que fazer. - Beba a cicuta, depois levante-se e ande um pouco até sentir as pernas pesadas. Então, deite-se e o torpor subirá ao coração. Fez o que foi recomendado. Quando andava, lembrou-se de algo: - Crito, devo um galo a Esculápio. Providencie para que a dívida seja paga. Deitou-se, fechou os olhos e quando Crito lhe perguntou se havia mais recomendações, ele já não respondia. Morreu o mais justo e o mais sábio dos homens - diria depois Platão.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Porandubas nº 695

Abro a coluna com um "causo" da Paraíba. Cancelo chuvas A seca era medonha. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo: "Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa". Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo: "Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito". Sangue, trabalho, suor e lágrimas "Espero que meus amigos e colegas, ou colegas de outrora, que tenham sido afetados pela reconstrução política, sejam tolerantes e me desculpem por qualquer falta de cerimônia na maneira por que fui compelido a agir. Eu diria a esta Casa, como disse àqueles que passaram a formar este governo: - Eu nada mais tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas". (Winston Churchill) Um olhar na paisagem Um olhar na paisagem política nacional é como contemplar as nuvens. Ora, vemos caras de bichos, ora vemos feições de pessoas, principalmente velhos de barba. As imagens mudam a cada instante. Na semana passada, por exemplo, víamos as caras de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre sentados às mesas das presidências da Câmara e do Senado, respectivamente. Hoje estamos vendo as cadeiras presidenciais vazias, sem ocupantes. Víamos Bolsonaro abraçando efusivamente Alcolumbre pela vitória no Senado e hoje vemos o presidente de cara fechada, preocupado. O que tem acontecido nos horizontes da política? STF sob pressão da OP Corria a impressão de que nossa mais alta Corte iria acabar aprovando a possibilidade de Maia e Alcolumbre tentarem a reeleição em fevereiro, abrindo uma fissura na CF de 88. O ministro Gilmar deu parecer nesse sentido, permitindo a continuidade de reeleições subsequentes na mesma legislatura e estabelecendo uma proibição apenas em 2023. Parecia que as articulações já estariam fechadas com outros ministros, inclusive sob a versão corrente de que o voto do presidente Fux seria a favor. A mídia caiu de pau na continuidade. Juristas fizeram chover críticas. Resultado. Ministros mudaram de posição. E o voto contrário venceu. O jurista fala A Carta Constitucional é clara, como lembra o jurista Walter Maierovitch: É vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição subsequente. E aduz o grande jurista: "como ensinavam os pretores romanos - in claris cessat interpretatio. Na democracia, como revela seu étimo, o comando é do povo e se exerce por meio de seus representantes. Ministros do STF são representantes do povo, não têm poder próprio, mas outorgados pelos cidadãos. No Brasil, ministro da alta Corte tem de ser guardião da Constituição e não pode fazer acrobacias jurídicas para atender interesses pessoais, políticos, conjunturais". Placar final E a situação ficou assim. Sobre uma eventual reeleição de Rodrigo Maia:  7 votos contra: Nunes Marques, Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux.  4 votos a favor: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. Sobre uma eventual reeleição de Davi Alcolumbre:  6 votos contra: Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux.  5 votos a favor: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. E agora? Agora, os efeitos começarão a ser sentidos. No Supremo, a divisão vai impactar a gestão do presidente Luiz Fux. Dois grupos acentuarão visões contrárias. Vai sobrar para Fux, que terá que se desdobrar para harmonizar as alas em confronto. Na Câmara, Rodrigo Maia terá de fazer esforço extraordinário para eleger seu sucessor. No Senado, idem. Alcolumbre não vai querer ser derrotado com seu candidato. Afasta-se do Palácio do Planalto. As posições começam a ser negociadas. Antes do recesso parlamentar de fim de ano, o jogo estará iniciado com a bola rolando no campo. Na Câmara Arthur Lira é o candidato de Bolsonaro. É o líder informal do PP. Mas, nas últimas semanas, teve seu nome envolvido em denúncias de "rachadinha" na época em que era deputado estadual em Alagoas. O processo foi arquivado por falta de provas. Mas com a recorrência do MP, prevê-se a continuidade do caso nas Cortes Superiores. Portanto, Lira exibe essa mancha na imagem. Aguinaldo Ribeiro, do PP-PB, é o líder formal do partido. E conserva boa amizade com Maia. Não teria estofo, porém, para arrebanhar a maioria de seu partido. Há Elmar Nascimento, do DEM-BA, também sem grandes apoios. Emerge nesse cenário a figura de Baleia Rossi, MDB-SP, amigo de Maia, e com o desafio de conquistar apoios do PSDB, DEM, PSD, PSB, PDT e outros. Por último, o pastor Marcos Pereira, atual vice-presidente da Câmara e presidente do PR. Ligado à Igreja Universal. No Senado Dois Eduardos, Gomes (MDB-TO), Braga (MDB-AM), o primeiro sendo líder do governo no Senado, estão na lista, onde figura, ainda, o nome da respeitada senadora Simone Tebet, MDB-MT, que comanda a importante CCJ. Fala-se, ainda, no nome do senador Espiridião Amin, PP-SC, que tem muita experiência. O jogo no Senado parece mais fácil de ganhar do que o da Câmara. Assim pensa o governo. Desde já, as moedas de troca - ministérios e cargos - são mostradas. Mineirinhas Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas - político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernizou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice. "Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar diz ser técnico". "O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro". "Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos". "Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado". "Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria". (Pinçadas de A Mineirice, de José Flávio Abelha) A guerra das vacinas O governo Federal ainda não possui um plano estratégico para a vacinação em massa da população brasileira. E, olhem lá, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, é um especialista em logística. Portanto, não é por falta de conhecimento que a administração resvala por esse terreno. É mesmo falta de rumo, politiquice, politização da vacina. Ficar apenas com três vacinas é muito pouco, quando deverão estar disponíveis depois da fase 3 pelo menos umas 10 vacinas. A vacina da Pfizer seria a quarta. Em janeiro João Doria, governador de SP, anuncia para 25 de janeiro o início da vacinação em SP, com 10 milhões de doses, caso a Anvisa acolha a qualidade técnica e dê sua autorização para uso da Coronavac, o remédio chinês. Mas a Anvisa soltou nota: só liberará após avaliar os resultados da fase 3. Doria, em caso de grande atraso pela agência, irá bater nas portas do Supremo. O fato é que o governador de São Paulo marcou um gol de placa. No mesmo dia do anúncio do Doria, o presidente e a primeira dama, Michelle, em evento prestigiado, fizeram o lançamento das vestimentas que os dois usaram na posse. Coisa de Odorico Paraguaçu na cidade de Sucupira. Filas, fura-filas, confusão A projeção é natural: haverá confusão na vacinação. Filas enormes serão formadas, outros vão tentar furar a fila, enquanto alguns mais atrevidos até podem provocar deliberadamente bagunça. O processo de vacinação vai despertar os ânimos já nervosos de protagonistas. E se habitantes de alguns Estados quiserem se vacinar em outro? Em São Paulo, pelo que se sabe, vacinar quem aqui estiver e quiser será permitido. Veremos uma guerra de verbos e advérbios entre os lutadores da arena política. Climão pesado Pois bem, a partir da pequena leitura que fazemos sobre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, podemos contemplar as nuvens plúmbeas que escurecem os horizontes. A inflação dá sinais de retomada. O governo é uma orquestra desafinada. O maestro não domina todos os instrumentos e com sua varinha, não dá equilíbrio aos metais, às cordas e aos tambores. Com exceção de três ou quatro, os ministros não apresentam resultados. O cobertor social ameaça encurtar. A infraestrutura, grande esperança no início, fraqueja. O final de ano será pesadão. Papais Noéis virtuais sinalizam um tempo meio frio. De poucas alegrias. Aglomeração Mesmo assim, não se pense em duro isolamento social neste fim de ano. As aglomerações vão ocorrer. A 25 de março em São Paulo que o diga. Lembra uma Torre de Babel ou um corredor da pandemia. A era do rancor Aqui, ali e acolá, o rancor brota. Como semente de um tempo regado pela descrença na política, quebra de valores do passado - o respeito, a disciplina, a força da palavra dada, a honestidade, o zelo, a modéstia, a humildade, a Justiça. Será que começamos a vivenciar o "paradigma do caos", criação do professor Samuel P. Huntington? A forca mais alta "Canuto, Rei dos Vândalos, mandando justiçar uma quadrilha, e pondo um deles embargos de que era parente del-Rei, respondeu: Pois se provar ser nosso parente razão é que lhe façam a forca mais alta." Padre Manuel Bernardesc Fecho a coluna com uma historinha do Geraldo Alckmin. "Me ajude, governador" Geraldo Alckmin é um colecionador de "causos". Quando o encontro, ouço a pergunta: "E as Porandubas?". Alckmin é leitor assíduo da coluna. E tem muitas historinhas para contar. Vejam esta. Um prefeito chega ao governador, e, sem mais delongas, expressa sua angústia: - Governador, pelo amor de Deus, me ajude, me ajude, me socorra! Estou perdido! - Por que tanta aflição, prefeito, afinal você está apenas no meio do mandato. Há dois anos, ainda, pela frente. O prefeito, cochichando no ouvido do governador, em tom de confessionário, conta o motivo: - Governador, eu exagerei. Prometi demais, governador. Muito mais do que podia cumprir. E hoje, estou apertado por todos os lados. Não tenho condição de pleitear um novo mandato. Me ajude, governador, me socorra! Alckmin abriu os braços, balançou a cabeça em sinal de dúvida. Mas não teve coragem para dizer: "quem pariu Mateus que o embale". Preferiu abrir uma ruidosa gargalhada.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Porandubas nº 694

Abro a coluna de análise do processo eleitoral com o saudoso Newton Cardoso, uma grande figura da política mineira. Helicóptero Newtão, como era chamado, assumiu o governo de Minas e, no dia seguinte, foi ao aeroporto para viajar no helicóptero da administração estadual. Ao tomar conhecimento de que aquele "trem" tinha o nome de seu adversário, foi logo dando bronca no piloto: - Não entro de jeito nenhum nesse trem com o nome do Hélio (Hélio Garcia era o governador anterior). O piloto, constrangido, respondeu: - Mas governador, esse helicóptero é do governo do Estado e não do ex-governador Hélio. Newtão não quis saber: - Esse trem agora vai se chamar Newtoncóptero. Falei e tá falado. *** Outra historinha envolvendo o folclórico ex-governador. Resolveu passear de carro com a família. O carro pifou na estrada. O mecânico, que o socorreu, diagnosticou: - São os burrinhos dos freios; estão danificados. Acho bom trocar logo esses burrinhos. Cardoso deu a bronca: - Calma, seu mecânico, meus filhos não descerão dos burrinhos de jeito nenhum. Uma leitura das eleições O Brasil foi mais uma vez às urnas e mostrou compromisso com a ordem democrática. É verdade que a abstenção foi a mais alta das últimas décadas, superando em algumas capitais os votos dos vencedores, algo como 45%. Mas esse crescimento da pandemia dá medo. E milhões de eleitores, principalmente idosos, deixaram de lado seu direito ao voto. Felizmente, a polarização maldita entre os extremos do arco ideológico não ganhou intensidade. Não se viram grupos brigando nas ruas. O eleitorado, regra geral, contemplou os perfis que encarnam avanços e boa gestão. Alguns fenômenos merecem destaque. O centro político O eleitorado, em sua maioria, demonstrou preferir o centro da política, evitando escolher, com exceção de um ou outro caso, os perfis radicais. Não me refiro propriamente ao Centrão, que tem o PP como principal eixo, mas ao centro partidário, que reúne PSDB, MDB, PSD e DEM. Esses partidos somaram mais de 50 milhões de votos, força considerável. Claro, o PP do Centrão também foi bem contemplado. Está comprometido com Bolsonaro. Frente ampla É razoável projetar uma ampla frente dos grandes e médios partidos com vistas a 2022, integrando as forças de oposição ao governo bolsonarista. Essa frente cobriria os espaços de centro-direita e centro-esquerda, razão pela qual é possível a agregação de partidos como o PSB e o PDT. Mas estes dois poderão também se inclinar em direção à esquerda, juntando-se ao PSOL e ao PT. Petismo em declínio Como a própria presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reconhece, o partido não morreu, mas precisa de uma chacoalhada. E essa movimentação exige formação de novos líderes, preparação de quadros, quebra da redoma em que se refugia uma pequena cúpula chefiada pelo Todo Poderoso, Luiz Inácio. E, sobretudo, arrumar uma nova bandeira: vermelha-socialista? Revolucionária? A favor da engorda do Estado? Com pregação da luta de classes? Uma volta às origens? São dilemas que o PT terá de enfrentar. PSOL como protagonista de esquerda O PSOL emerge como o protagonista de esquerda, capaz de atrair a atenção dos jovens e das camadas da formação de opinião, cultura e artes. Guilherme Boulos mostra musculatura nesses espaços. Teve mais de dois milhões de votos, mesmo perdendo pela diferença de um milhão para Bruno Covas, do PSDB. O prefeito Edmilson Rodrigues, de Belém, é a chama do PSOL nos fundões. Alguns vereadores farão barulho em capitais de peso, como São Paulo e Rio. Mesmo assim, será tarefa complexa se o partido continuar a desfraldar a bandeira da radicalização. Haverá invasão de propriedades? Fadiga de material Este consultor sinaliza aos vitoriosos o risco de descerem pelo desfiladeiro antes de prazos aceitáveis. Ao iniciarem suas gestões em 2021, precisarão dar uma arrumada geral na casa, se possível, agregando novas ideias, novos projetos, na esteira de novidades. Correm o perigo de entrarem no terreno que se chama de "fadiga de material". Principalmente os gestores reeleitos. E, mais ainda, aqueles que são extensões de um domínio de mais de 20 anos. Base de 2022 É um erro imaginar que o pleito para as prefeituras e câmaras de vereadores não tem nada a ver com 2022. É claro que tem. O município é a casa política do eleitor. São prefeitos e vereadores os principais cabos eleitorais de deputados, senadores, governadores e presidente da República. Formam a base do edifício da política. E poderão ser mais adiante os influenciadores mais fortes do eleitor de 2022. Administrar na escassez Os prefeitos eleitos terão, necessariamente, de inaugurar o ciclo da escassez. Mesmo se a economia se recuperar - meta difícil - faltarão recursos para os programas. E não adiantará apelar para um governo Federal com cofres vazios. Daí o perigo de anteciparem o declínio. Uma administração tem cinco fases: 1. Lançamento - início da gestão; 2. Crescimento - projetado para o 2º ano da gestão; 3. Maturidade - 3º ano da administração; 4. Clímax - auge do prestígio, eficácia de programas e ações - último ano e 5. Declínio - que deveria ocorrer depois das eleições. Muitos prefeitos, porém, entram em declínio logo no 2º ano de governo. Governo Federal - direita volver? O panorama proporcionado pelas eleições mostra que a tendência do eleitorado é seguir o caminho do centro, como temos dito e repetido nesse espaço. Voltar à ponta-direita do arco ideológico é má aposta. Polarizar com a esquerda? Então, imaginemos: Bolsonaro na direita, apoiado por partidos do Centrão e nanicos; o candidato do PSOL/PT/PDT na esquerda; e um candidato do centro democrático, com perfil moderado e progressista. Este seria o vitorioso. O eleitor está saturado, cansado de ver tanta polarização animalesca. Um país tocado pelo medo Acabo de ler: o secretário-Geral da ONU, António Guterres, alerta que a crise causada pelo novo coronavírus é "a crise mais desafiadora que a humanidade enfrenta desde a Segunda Guerra Mundial, causando um impacto econômico 'sem precedentes' e pondo em risco a paz mundial". Teremos um 2021 ainda sob a pandemia e com sinalização de recessão. Vamos viver mais um ano de medo. Essa 2ª onda, não admitida por governantes, está mostrando ser mais violenta que a 1ª. Pesquisas falhas As pesquisas precisam arranjar uma metodologia capaz de fornecer dados mais confiáveis. No Recife e em Porto Alegre as distâncias entre o vitorioso e o perdedor foram bem acima do dado projetado. Pode haver mil motivos. Contanto que possam ser considerados nas projeções. Os extremos se encontram Pois é, o eleitor brasileiro é flexível. Idade não conta. Elegeu José Braz, de 95 anos, para a prefeitura de Muriaé, na zona da mata mineira. Feliz, anuncia: "Quero deixar um legado". E elegeu João Campos, 27 anos, prefeito do Recife, o mais jovem do país. O velho e o novo marcaram um encontro vitorioso nas urnas. Ganhadores e perdedores A grosso modo, sem entrar em detalhes, vamos aos ganhos e perdas: Perderam - Bolsonaro - Crivella/Igreja Universal Rio de Janeiro - PT - Lula - Radicais dos dois lados - Radicalização - PSL com recursos de R$ 200 milhões - Sergio Moro Ganharam - Partidos de centro - Centristas e seus lados - Bruno/Doria, ACM Neto, Rodrigo Maia, Baleia Rossi, Gilberto Kassab, Ciro Gomes (PDT) e João Campos (PSB). - Moderação Policiais Renato Sérgio de Lima, na Revista Piauí, mostra que foram eleitos 50 prefeitos e 807 vereadores oriundos da área de segurança. Dos cerca de oito mil profissionais ligados às forças de segurança (polícias e Forças Armadas) que se lançaram candidatos em 2020, cerca de 10,2% foram eleitos. Ganho de Visibilidade - Guilherme Boulos - PSOL/SP - Ingresso no tabuleiro
quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Porandubas nº 693

Véspera de eleição, uma historinha com um sábio da política mineira. Quiçá e cuíca Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver e leu alto: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção: - Não caio mais nessa não. Isto é quiçá! (Historinha enviada por J. Geraldo) Clima tépido Nem quente, a ponto de fervura, nem frio capaz de causar hipotermia. Digamos que o clima nesses dias que antecedem o segundo turno esteja tépido. Pelo menos por aqui na maior metrópole brasileira. Sinto um sopro - um vento que se espalha pelo centro da sociedade na direção de Guilherme Boulos -, o que não quer dizer que ele chegará ao pódio. Mas essa última pesquisa Datafolha lhe dando 45% de intenção de voto contra 55% de Bruno Covas é surpreendente. Surpresa? A causa: o rápido crescimento do candidato do Psol nas pesquisas. Interessante é analisar o perfil de ontem do Boulos: líder do MSTT, Movimento dos sem Terra e sem Teto, coordenou invasões em propriedades, enfrentou a polícia, sendo, na época, considerado radical, revolucionário, depredador de propriedade privada. Hoje é palatável. Moderou o discurso. Bom de debate. E representa o antibolsonarismo e o antidorismo. Contra Bolsonaro e Doria. Ambos com alta rejeição na capital. Imponderável Costumo lembrar que São Paulo é, por excelência, o espaço do Senhor Imponderável dos Anjos. Elegeu Maluf, depois elegeu Erundina, elegeu Jânio quando Fernando Henrique já havia feito pose na cadeira de prefeito, elegeu Marta Suplicy, elegeu Fernando Haddad, numa espécie de passeio pela gangorra. Apenas lembranças. Bruno Covas tem 10 pontos de diferença hoje. Tirar essa distância em quatro dias é ser maratonista melhor que Usain Bolt, o maior velocista de todos os tempos, sendo o único a vencer três vezes em Olimpíadas as provas de 100 m e 200 m. Antilulismo Mas Bruno Covas pegou a fama de corajoso, como o avô Mário, venceu um câncer, aparece bem na TV, e, de certa forma, encarna o perfil do antilulismo. São Paulo abriga a maior população antipetista do país. Portanto, ele também agrega um posicionamento que puxa uma carga grande de votos. O psolismo é primo-irmão do petismo. Mas o voto, desta feita, carrega intensa indignação. Quem causa maior furor hoje? Quem tem esse termômetro? O eleitor está furioso, raivoso, crítico, exigente. O bolsonarismo Bate no nosso sistema cognitivo uma forte sensação de que o bolsonarismo tende a entrar numa rota de declínio. Indico alguns fatores: a) a economia continuará tateando na escuridão; b) o Centrão ganhou força na eleição, o que lhe motivará a aumentar o custo da fatura política, gerando cofres abertos, divergências, apoios, de um lado, e desapoios, de outro; c) formação de um bloco central, unindo grandes partidos, com vistas a 2022; d) o desprestígio do Brasil no cenário internacional, a partir da vitória de Joe Biden; e) desentrosamento entre Bolsonaro e parcela vigorosa das Forças Armadas ; f) a indeclinável dureza da identidade bolsonarista, com viseira que só mostra a base de adeptos e simpatizantes. Cadete Leio texto de Thaís Oyama, colunista do UOL: "Diante da insatisfação dos generais, Bolsonaro procura os cadetes. Na noite de 16 de outubro Bolsonaro dormiu junto aos cadetes numa ala comum do Hotel de Trânsito da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende/RJ. Não foi a primeira vez que o presidente foi à academia participar da cerimônia de entrega dos espadins aos aspirantes a oficiais do Exército. A Aman é a incubadora dos oficiais e futuros comandantes da Força Terrestre". Cansaço da equipe No terceiro ano das administrações, os governantes se obrigam a mostrar seus feitos em todas as áreas. Se a folha de serviços não estiver cheia de coisas, ocorre o que se chama de "reversão de expectativas". Frustração. Decepção. Desprezo. Procura de novos protagonistas. A equipe ministerial, por seu lado, se esvai em cansaço. Indisposição. E até desejo de se retirar de campo. Um ou outro. Paulo Guedes, por exemplo, está frustrado com a derrota de seu programa de privatização. E se mostra esgotado. Começa a repetir as mesmas intenções, as mesmas previsões, o mesmo vocabulário. Linguagem tatibitate, que não leva a nada. Palavras, palavras, onomatopeias, exclamações, interrogações. O copo transborda O fato é que: ninguém suporta mais os pés de páginas transmitidos por Bolsonaro em seus encontros informais (mas combinados) com apoiadores e jornalistas; ninguém aguenta mais as frases de efeito ou palavras "bolsonárias" para abrir manchetes de jornais; só mesmo as duas bandas envolvidas suportam o bate boca diário pelas redes sociais; saturaram as sequências na mídia sobre rachadinhas, Flávio e Queiroz; até os programas de humor, com vozes imitando protagonistas, começam a perder a graça. O copo transborda. E ninguém vê isso? O Brasil em mutaçãoEm Barbacena/MG, terra de Andradas e Bias Fortes, donas do poder político desde o Império, foi eleito prefeito um professor de 28 anos, ex-vereador de uma única legislatura. Nesta mesma Barbacena, o segundo vereador mais votado, um palhaço ambulante (literalmente), com roupas e adereços próprios da figura representada, faz como o prefeito, representando os descrentes, insatisfeitos, e os eleitores que não aceitam o status quo da política. Mensagem enviada pelo advogado Júlio Azi Campos. Final de ano menos festivo As famílias vão entrar daqui a pouco no clima de confraternização. Mas o clima não será tão animado. A pandemia está aí com seus números ainda altos. A Covid-19 sai das ruas e entra nas casas. Agora, a contaminação chegou forte nos grupos do meio da pirâmide, que desleixaram suas atitudes prevencionistas. Está longe de ir embora. A briga das vacinas Politizaram as vacinas. Vacinas comunistas e vacinas liberais. Uma nova muralha, não da China, mas contra a China, se constrói por nossas plagas, a partir desse pedreiro, arquiteto e pintor, de nome Jair Bolsonaro, que tentará evitar que a tal vacina chinesa pule a muralha. Até prometeram comprá-la se for aprovada pela Anvisa. Promessa. Pois tudo será feito contra o que pode vir daquele território oriental. Teremos um 2021 pontuado por frases como: "já tomou sua vacina? A chinesa ou a inglesa? A chinesa ou a americana?" Doria x Bolsonaro Podem até não gostar do estilo João Doria de governar. Falam que abusa da publicidade, do modus operandi de sua comunicação autoelogiativa, etc. Há até um blog do Tom Cavalcanti, que imita o governador em suas entrevistas diárias sobre as ações de seu governo para combater o corona 19. Mas o fato é que ele lidera o esforço no país para trazer a vacina da China, fazendo negociações, parceria entre o laboratório chinês e o Instituto Butantã, que é um exemplo de seriedade no campo da imunologia. 2022, distante Cerca de seis milhões de doses já chegaram a São Paulo. Doria, por essas coisas, tornou-se alvo de Bolsonaro. Até o momento, o governador tem se ancorado, como frisa, na base da ciência, enquanto o presidente monta no cavalo da politiquice. Até 2022, tem um oceano para escoar por baixo da ponte. Olhem para a história. Napoleão Lembrem-se de Napoleão, que invadiu a Rússia em pleno inverno. Faltavam suprimentos para o Exército. Não era fácil para os franceses obter comida com os camponeses que viviam nas áreas agrícolas ao redor. Napoleão teve que repensar sua estratégia e decidiu não mobilizar seus soldados para tomar São Petersburgo. Eles não tinham mais energia para viajar até o norte, e muito menos pra enfrentar um potencial ataque das forças do marechal Kutuzov. Napoleão estava em território estrangeiro sob a sensação de derrota. Explodir o quê? Sem outra escolha senão recuar, os franceses começaram, em meados de outubro de 1812, a marchar rumo a oeste para a área entre os rios Dnieper e Dvina. Enfurecido pela situação, Napoleão ordenou que seus engenheiros explodissem o Kremlin após sua partida, mas eles conseguiram destruir apenas uma torre. Com pouco para comer e despreparados para o inverno, as forças de Napoleão voltaram para Paris, sofrendo grandes perdas ao longo do caminho. Candidatos: não cometam o desatino de invadir 2022 antes do tempo. Tendo alvos concretos para implodir ou explodir. Não há, na atual paisagem, condição de explodir algo concreto como barragens, adutoras, prédios. Fecho a coluna com um pouco de humor para adoçar a amargura da campanha eleitoral. Encenação da paixão O "causo" se deu na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na sexta-feira santa. Elenco escolhido dentre os moradores e no papel de Cristo, o cara mais gato da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que 'Jesus' estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do 'centurião'. - Como? - reclamaram - Você não ensaiou! - Não é preciso ensaiar, porque centurião não fala! O elenco teve que aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz ... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas. - Oxente, cabra, tá machucando! Reclamou Jesus, em voz baixa. - É pra dar mais veracidade à cena, devolveu o centurião. E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião: - Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso! O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando: - É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura, que aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não!
quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Porandubas nº 692

Abro a coluna com uma historinha de José Abelha, em A Mineirice.  As três pessoas  No confessionário, Monsenhor era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário, padroeira de uma cidadezinha de Minas Gerais. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: As três pessoas são o senhor, o Dr. Didico e o Dr. Zé Augusto.  Recados do eleitor Ufa. Entre mortos e feridos, uns e outros, com salvação para alguns. Quer dizer, um pouco de tudo atingiu a todos. O eleitor foi mais racional que emotivo. Em certas praças, como havíamos previsto, uma abstenção recorde de mais de 30%. O que não significa falta de interesse. Não votar, anular ou votar em branco são atitudes que expressam desencanto, desilusão, indignação. Recados foram dados às pencas. Eis alguns. 1. Política tradicional Em 2018, Jair Bolsonaro levantou a bandeira da antipolítica, ou, nos termos que usou, a velha política. O eleitor, com sua arma democrática, disse: "espere aí, não é bem assim. Devagar com o andor". E deu um voto intenso na política tradicional, escolhendo quadros conhecidos. 2.Testado e experiente Entre um novato, inexperiente, e um perfil já testado na administração, o eleitor preferiu este último. Muitos candidatos são da velha escola. E alguns correm na pista, mesmo com mais de 80 anos, como é o caso de Amazonino Mendes, que lidera a disputa do 2º turno em Manaus. 3.Viés plebiscitário A eleição, a par de se constituir um freio de arrumação no sistema político, preenchendo lacunas e abrindo portas, teve também um certo viés plebiscitário, que se interpreta como endosso/apoio ou desaprovação ao presidente Bolsonaro. Que não conseguiu eleger nem 10 prefeitos e uma leva pequena de vereadores nos 5.567 municípios do país. De 78 candidatos que registram Bolsonaro como sobrenome, apenas 1 foi eleito: o filho Carlos. A rejeição ao presidente é alta, como se viu em São Paulo, com o desastrado apoio ao candidato do Republicanos, Celso Russomano. O filho Carlos teve 35 mil votos a menos do que obteve na eleição de 2016 , índice que o colocava em 1º lugar. Agora, ficou em 2º. A mãe dos filhos 01, 02 e 03, Rogéria Nantes Bolsonaro, não foi eleita. 4. Partidos repartidos DEM, PSD e PP são alguns partidos que ganharam musculatura. O PSDB poderá recuperar terreno com Bruno Covas em São Paulo. Elegeu até agora 497. O MDB continuará como o partido de maior número de prefeitos - 777 - mas perdeu 25% de sua bancada no comando municipal. Nenhum partido fez mais de mil prefeitos. No RS, o MDB obteve a melhor performance, com 130 vitórias. O PSDB caiu de 804 para 519 prefeituras vencidas. 5. PT encolheu Nas eleições municipais de 2012, ápice da popularidade de Dilma e Lula, o PT venceu em 644 cidades. Neste ano, até agora, venceu em 178. E o PSL, rachado por querelas com os Bolsonaros, e com um fundão eleitoral de quase R$ 200 milhões, teve performance lamentável, elegendo apenas 87. Voltou a ser nanico. O Novo, que seria a esperança de novos costumes na política, por enquanto registra apenas uma vitória. E disputará o segundo turno em Joinville, município mais populoso de Santa Catarina. 6. Centrão cresceu O eleitor decidiu dar mais fôlego ao Centrão, que ganhou volume. O PP fez 672 prefeitos. O PSD, do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, subiu de 539 para 652. O DEM ampliou sua quantidade de prefeitos em 70%, chegando a 458. 7. PSOL vindo para o meio?  Uma das maiores novidades do pleito foi a chegada ao 2º turno de Guilherme Boulos, do PSOL. Quem diria que o líder do Movimento dos Sem Teto chegaria a uma ampla cobertura de mídia, ganhando a atenção do eleitorado jovem e muitos eleitores refinados das classes A e B da maior metrópole do país? Pois bem, correu um vento a favor dele, que lhe trouxe uma aura de mocidade, vigor, juventude, renovação. Bom de debate, canalizará os votos do petismo e das rodas intelectuais e artísticas. Na periferia, é carregado pela "tia Luiza" ( Erundina).  Lula, paciência O PT de José De Filippi disputará o 2º turno em Diadema com Taka Yamauchi, do PSD. Será a única chance do petismo resgatar uma nesga da grande nuvem que o acolhia no ABC paulista. O eleitor dá um recado ao lulismo: paciência, a vez de vocês passou.  8. Embalando acm neto  O eleitor, como já se disse antes, decidiu endossar as candidaturas de indicados por bons gestores. No caso da Bahia, Bruno Reis, o vice de ACM Neto, decidiu a parada no 1º turno. E assim, o DEM se habilita, a partir do maior colégio eleitoral do Nordeste e quarto do Brasil, a compor com o PSDB com vistas ao pleito de 2022.  9. O eleitor medroso  Tenho repetido que a pandemia também decidiu interferir no processo. Influenciou o não votante, o voto nulo e em branco, e ainda carregou o voto com a escolha de perfis mais comprometidos com a melhoria dos serviços públicos. Portanto, o voto dado ou não dado agregou a componente da crise sanitária. Punindo uns, parabenizando outros.  10. Ninguém é imbatível  Um recado fica muito patente: ninguém é imbatível. E pessoas autossuficientes caem do pedestal, ao perceberem que seus sonhos de grandeza não se realizam. Vejam o caso da Joice Hasselmann. PSL. Teve pouco mais de 82 mil votos, quando em 2018, concorrendo para deputada federal, teve cerca de 1 milhão de votos em São Paulo. 11. E agora, José?  Valho-me dos versos iniciais do poema do fabuloso Carlos Drummond de Andrade: E agora, José?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, José?e agora, você?você que é sem nome,que zomba dos outros,você que faz versos,que ama, protesta?e agora, José?  Fazer o quê?  Bolsonaro - vamos fazer as contas de ganhos, perdas e danos. Ganhos? Não os vejo. Candidatos ao 2º turno - Que verbos, adjetivos, ênfases, promessas e compromissos devemos anunciar? Centrão - Ante nosso avanço nas urnas, devemos renegociar nossos feudos no governo. Partidos grandes - MDB, DEM, PSD - Vamos olhar, com um olho, para o centro-direita; e com o outro para o centro-esquerda. Bruno Covas e Boulos - Como atrair votos conservadores do Russomano em São Paulo? Como atrair os votos da esquerda sem ganhar a pecha de extensões do petismo? Lula, Gleisi, José Dirceu - Que mudanças precisamos fazer? Como renovar o partido? Que bandeiras deveremos levantar? Redes bolsonaristas - Perdemos de goleada. Vamos incrementar as fake news? Com informações de fraudes eleitorais? Vamos insinuar que os ataques ao sistema do TSE têm a ver com fraudes? João Doria - O que devo fazer agora na campanha do 2º turno? Continuar escondido e aparecer apenas na frente da Coronavac ou aparecer de soslaio em alguns eventos? Gabinete do ódio - Vamos esperar pelas diretrizes dos nossos comandantes? Continuar a linha de ataques, com insinuações de conspiração ou dar um tempo para acomodação das placas tectônicas da política? Paulo Guedes - Paro o trem da economia até ver a onda passar ou continuo a correr na locomotiva? Afinal, perdedores e vencedores deverão chegar ao nosso confessionário, contar pecados ou desfilar hosanas. Os gastadores contarão com que armas? E os guardadores do cofre lutarão com que armas? E se o comandante das tropas decidir estourar os diques da contenção de gastos?  A geopolitica da intervenção Registro mais um livro na praça, que tem o título acima e o sub-título A Verdadeira História da Lava Jato, de Fernando Augusto Fernandes, um dos grandes criminalistas do país. Fernando acompanhou passo a passo o roteiro de investigações e, nesse livro, desvenda a complexa engrenagem formada (e combinada) para culpar os investigados. Esteve presente em muitos depoimentos. Trata-se de uma obra indispensável para quem deseja desvendar os subterrâneos da operação que se tornou bandeira política para alguns protagonistas.  Fecho a coluna com um pensamento  A ambição desmesurada  No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará, constantemente os que a apóiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder".
quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Porandubas nº 691

Abro a coluna com uma historinha do Ceará Meu povo e minha pova Em tempos de campanha eleitoral chegando ao fim, cai bem essa historinha. Parece absurda, mas é verdadeira. Deixamos de dar os nomes para evitar constrangimentos às famílias. Um ex-prefeito de Aracati, cidade litorânea do Ceará, em comício animado, gritou no palanque: "Meu povo e minha pova. Vou ser reeleito prefeito de Aracati com minha fé e as fezes de vocês". Flagrantes da paisagem 1. O freio de arrumação A vitória do democrata Joe Biden nos EUA funcionará como um freio de arrumação no sistema político internacional. De um lado, reforça as democracias, realinha as parcerias entre países amigos e parceiros, principalmente na Europa, e arrefece o ímpeto autoritário de governantes com propensão a radicalizar. Fará um bem enorme à política internacional. O empresariado também comemora o feito. 2. Não há bicho-papão Em alguns países, incluindo o Brasil, a mensagem é: não há bicho-papão na política, cara dura e recados enviesados, como Trump fazia e faz, não provocarão tanto medo. Pois o povo, na hora certa, corrigirá as distorções no sistema político-partidário. O que sobrará do trumpismo? 3. Supremacia branca O trumpismo não será extinto. Pois grupos fortes, de engajamento no nacionalismo exacerbado, contingentes ultra-conservadores tenderão a permanecer na vida política, tendo como símbolos a cara zangada e o topete agressivo de Donald Trump. Este, por sua vez, tem dois caminhos: continuar na política ou voltar a ser o magnata dos resorts e campos do divertimento. Escolhe a política. E faz da judicialização dos resultados eleitorais uma fogueira para chamar a atenção e mobilizar seus simpatizantes. Como pano de fundo, a supremacia dos brancos norte-americanos. 4. Deselegância Para liderar essa empreitada, o presidente raivoso comete atos deselegantes, como a falta de reconhecimento aos resultados eleitorais, a proibição de acesso de dados e informações à equipe que se instalará na Casa Branca, o gesto tresloucado de jogar tênis no meio do pandemônio que tenta provocar, um gesto calculado para dizer que está tranquilo e que ganhou as eleições. 5. Na marra Imaginem, agora, o que poderá ocorrer se os prazos constitucionais não forem cumpridos. Dia 12 de dezembro, deverá ocorrer a escolha do presidente pelos delegados. Poderá a justiça postergar essa escolha e atrasar todo o cronograma, que garante a posse do novo mandatário em 20 de janeiro de 2021? Difícil. A Corte Americana não se submeterá ao ridículo. Recontagens deverão ser feitas em alguns Estados, mas não se espere resultados tão diferentes do que se sabe. E se o azedume de Trump o mantiver sentado na cadeira do Salão Oval? Será escoltado para fora da Casa Branca na marra. Mas esse espetáculo está fora de qualquer previsão de bom senso. 6. No Brasil O Centrão, mais que as oposições, está vibrando com a vitória de Biden. Porque ganha força ao pensar: ora, o Trump daqui vai precisar mais de nós para aguentar o tranco dos contrários ao bolsonarismo. Afinal, a força de Bolsonaro poderá, mais adiante, escapar pelo ralo da política. Por isso, o Centrão deve ganhar mais musculatura, com fatias mais gordas de poder. 7. Realinhamento Por outro lado, o país estará ameaçado de imenso isolamento internacional, caso não faça um forte realinhamento de suas posições. As relações exteriores, sob a batuta desse senhor barbudo, o Ernesto Araújo, terão de reaver muita coisa do que o chanceler (??) chancelou. O conceito de Bolsonaro vaza como água na peneira. Estiola-se a cada dia. Vejamos o que vai ocorrer domingo, 15 de novembro. 8. Rejeição Anotem: a taxa de rejeição ao cabo eleitoral Bolsonaro é uma das maiores dos últimos pleitos municipais: em torno de 48%. O bolsonarismo como bússola da política não se sairá bem das urnas. Aliás, nem o PT. Até poderá se fortalecer mais adiante sob o impulso de uma economia revigorada. Mas quem acredita nisso, se a tendência em um país polarizado politicamente é a de se abrir o cofre e aumentar a gastança com o cobertor social? 9. Mosca azul A essa altura, tem muita gente na corte de Sua Excelência pensando com a possibilidade de dar um salto tríplice coroado em 2022, ganhando a condição de candidato a governador ou a senador. Há ministro com a mosca azul pousada no meio da testa. Alguns são tão explícitos nessa estratégia que provocam até queixas do presidente. "Fulano só pensa naquilo". O problema é saber se será uma aposta boa contar com a força presidencial em 2022. A água torrencial sob a ponte ofusca qualquer visão. 10. Vacina eleitoral Não podemos esquecer que a pandemia não será banida tão cedo. Vai entrar pelos próximos meses. O problema é a politização da vacina. Apesar de se saber que a Anvisa é um órgão sério, com técnicos e consultores de alto gabarito, não se descarta a pressão política sobre ela. A agência suspendeu, segunda, a continuidade dos testes com a Coronavac, a vacina chinesa, com a qual o também sério Instituto Butantã tem parceria. Alegação para a interrupção: "evento adverso grave". O que fez Bolsonaro dizer com a maior tranqüilidade: "ganhei do Doria". A vacina tem lado? 11. Sinuca de bico Ora, esse evento, segundo se noticiou, não tem relação com o teste da vacina. A Agência chinesa explicou o que ocorreu. Mas por aqui, com essa proibição, a Anvisa abre uma torneira de suspeitas. Por quê não fez isso antes, logo após o evento ter ocorrido? E que falta de habilidade e bom senso por parte de Bolsonaro ao levar esta proibição para a arena eleitoral. Ou seja, o governo de São Paulo vai receber dia 20 os primeiros seis milhões de doses da Coronavc. O presidente certamente ficará incomodado com a chegada antes do governador João Doria ao pódio da vacina. Esse é o Brasil. A Anvisa está numa sinuca de bico. 12. Moro na liça? Sérgio Moro abre o leque de articulação com vistas ao horizonte de 2022. Luciano Huck e o ex-juiz já conversaram sobre o futuro. Tenho dúvidas sobre a passagem tranquila de Moro sobre o Rubicão de 2022. Meu feeling é de que faltará oxigênio nas veias do paranaense para enfrentar a corrida. A propósito, leiam o que Rodrigo Maia acaba de dizer: "chance zero" de apoiar Moro em 2022. O DEM se sairá bem do processo eleitoral. 13. Eleições Celso Russomano, com meus respeitos aos paraguaios, é um cavalo paraguaio: bom de saída, ruim de chegada. Está definhando. Será difícil alguém ganhar de Bruno Covas no segundo turno. A eleição não tem empolgado. Abstenção, nulos e brancos subirão ao pico. 14. Alegria sufocada Minha percepção é a de que o humor do brasileiro chega a uma taxa muito baixa. O Produto Nacional Bruto da Felicidade - PNBF - está no fundo do poço. A ansiedade sobe. Haja rivotril. Fecho a Coluna com pequenas lições Buda - Existem três classes de pessoas que são infelizes: a que não sabe e não pergunta, a que sabe e não ensina e a que ensina e não faz. - O conflito não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância. - Persistir na raiva é como apanhar um pedaço de carvão quente com a intenção de o atirar em alguém. Confúcio "Aquele que busca garantir o bem-estar dos outros já garantiu o seu próprio bem-estar". "Exija muito de si mesmo e espere pouco dos outros. Isto vai lhe poupar muitos desgostos". "A natureza faz com que os homens se pareçam uns com os outros e que vivam juntos; a educação nos torna diferentes e nos afasta". "A natureza humana é boa, e a maldade é essencialmente antinatural". Santo Agostinho - O perdão "Confesso que tudo me foi perdoado: o mal que de livre vontade cometi e o que não pratiquei graças à vossa ajuda. Que homem há que, refletindo na sua enfermidade, ouse atribuir às próprias forças a sua castidade e inocência para vos amar menos, como se lhe fosse pouco necessária a misericórdia com que perdoastes os pecados aos que voltam para vós?" João XXIII "A medida que avanço, mais dou conta do que me falta." "Devo estar convencido de que meu próximo é sempre melhor do que eu, e por isso, digno do maior respeito." "A bondade atenta, paciente e generosa chega muito mais longe e mais rapidamente do que o rigor e o chicote." "A justiça se defende com a razão, e não com as armas. Não se perde nada com a paz, e pode se perder tudo com a guerra."