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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 10 de março de 2021

Porandubas nº 707

A coluna de hoje é dividida em duas partes. A primeira traz uma abordagem sobre os eventuais protagonistas que sonham com 2022. A segunda apresenta resumida visão histórica sobre as mulheres que, dia 8, segunda-feira, receberam homenagem pelo Dia Internacional da Mulher. Abro com uma fábula de Esopo. O jumento e o sal Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade. (Esopo) Parte I Os nomes Nos últimos tempos tem se avolumado o espaço de análise e especulação em torno dos nomes imaginados por uns e por outros para entrar na arena eleitoral de 2022. São estes os mais nomeados: Ciro Gomes, Fernando Haddad, Lula, Flávio Dino, Guilherme Boulos, Eduardo Leite, Jair Bolsonaro, João Amoedo, João Doria, Luciano Huck, Luiz Henrique Mandetta, Marina Silva e Sergio Moro.Tracemos algumas linhas sobre cada um. Ciro Pelo PDT, o candidato mais provável será o do ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes. Luta para ocupar o espaço de centro-esquerda, atraindo o centro e suas margens. Tem dito que fará tudo para bloquear o PT e essa promessa cai bem nas almas ponderadas. Ciro conhece o país e é bom de debate. Tem visão de economista e sociólogo. Precisa resgatar a confiança perdida junto a alguns setores por conta de sua linguagem exacerbada. Seu desafio: conseguir ser o candidato de uma frente. Haddad Mesmo considerado marxista, não tem a marca radical que, ao longo do tempo, se fixou na imagem de petistas, aos quais se atribui o lema: "nós e eles", nós, os mocinhos, eles, os bandidos. Não é radical e a imagem jovial conota um PT mais moderno, não com cara de ranço ou de lobo. Poderá ser o nome do PT, caso Lula desista ou seja instado a desistir em função de processos na Justiça. O problema é a imagem do PT, hoje estigmatizada. Lula I Uma bomba com impactos. Lula acaba de ver anuladas as condenações sobre suas costas, feitas pela 13ª vara Federal de Curitiba. O ministro Edson Fachin, relator do processo, acolhe habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em novembro do ano passado. Na verdade, Fachin não entrou no mérito, apenas decidiu que processos contra Lula, em Curitiba, fogem à alçada da 13ª vara Federal de Curitiba, eis que não estão relacionados à Petrobras, objeto central da Lava Jato. Lembrando: casos do Guarujá, sítio de Atibaia e terreno para o Instituto Lula. A decisão do ministro deverá ser referendada pelo plenário do STF. Os casos irão para o Juizado de 1ª instância em Brasília. Há possibilidade de prescrição. Na verdade, teria sido um golpe de mestre de Fachin, que sempre defendeu a operação Lava Jato e, com sua decisão, a livra de questões não referentes aos dutos da Petrobras. Lula vai esperar os próximos passos do Judiciário. Lula II Por enquanto Luiz Inácio ganha a condição de elegível. Tudo vai recomeçar na 1ª instância. E é também possível que a 2ª Turma do STF anule todas as acusações contra Lula, inviabilizando o uso de provas já coletadas. Tudo, então, recomeçaria do zero. O fato é que outros condenados poderão se ancorar na decisão de Fachin e pedir anulação de suas condenações. O PT, por sua vez, recebe com cautela a decisão, endossando e comemorando a decisão do ministro paranaense, e iniciando a campanha para inocentar Lula. E transformá-lo em vítima. Ganhando a condição de elegibilidade, Lula enfrentará o dilema de ser o candidato do PT ou entrar em eventual frente ampla contra Bolsonaro. Mas se os partidos de esquerda se dividirem - PSOL, PDT, PSB, PC do B - e ainda, se houver divisão nos partidos de centro e direita - MDB, DEM, PSD, PSL - o PT se aproveitará do racha para jogar Lula no páreo. Quanto maior a divisão, melhor para o PT. A imagem do PT, para a maior parcela do eleitorado, ainda é a de um demônio. Limpar esse traço é tarefa mais que complexa. O partido dividiu o país em duas bandas. (Imponderável) P.S. Este consultor considera que o desafio de limpar a imagem do PT, até as margens de outubro de 2002, será tarefa hercúlea. A depender da economia, Produto Nacional Bruto da Felicidade, desastre gigantesco do governo Bolsonaro, acesso das margens à mesa do pão, satisfação/insatisfação das classes médias, gestão da pandemia, sob a sombra do Senhor Imponderável, que costuma visitar o Brasil. Flávio Dino O governador do Maranhão, do PC do B, tem se destacado como voz do Nordeste. Com chance limitadas, pode vir a compor uma chapa majoritária, como candidato a vice-presidente. Não tem cacife para unir as esquerdas. É hábil na articulação, mas não tem entrada nos espaços do Sudeste, por exemplo. Guilherme Boulos Em ascensão, deixou de lado a linguagem contundente para ganhar a confiança de contingentes do meio da pirâmide. É inteligente, bom de debate, mas lhe falta conhecimento sobre a realidade brasileira. Tem um eleitorado fiel. Ainda não criou a imagem de um presidenciável. Mais parece um fomentador de massas. Eduardo Leite O governador do RS é o nome tucano em crescimento, opção ao governador de SP, João Doria. Jovial, boa aparência, fluente, consegue integrar grupos em conflito no PSDB. Perfil moderado, de centro. Seu cacife dependerá da maneira como será avaliado no ciclo da pandemia. Já entra na linha de tiroteio de Bolsonaro, que o considera "manso", em expressão depreciativa. Jair Bolsonaro Tem como meta manter a polarização com o PT e os partidos de esquerda, com um discurso ideológico e ameaçador. Suas condições dependerão do desempenho da economia, que pode se traduzir pela equação com que tenho condicionado a viabilidade dos protagonistas: BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Bolso cheio, barriga satisfeita, coração agradecido, cabeça votando no patrocinador da equação. Mas a corrosão mortífera da pandemia ameaça estraçalhar seu perfil. Bolsonaro é um atirador sem bom senso. Diz o que lhe vem à cabeça. E costuma desdizer o que disse. João Amoedo Um empresário à espera de uma oportunidade. Exibe uma receita ultraliberal. É desconhecido. E voluntarioso. João Doria Tem vontade, determinação, gosta da luta. E faz um bom trabalho de combate à pandemia, sendo até a ele atribuído o acesso do Brasil à vacina Coronavac, que Bolsonaro execrou como a "vacina chinesa". Mas fica tão patente a intenção de ser o candidato do PSDB, que propicia a formação de grupos contrários dentro do próprio partido. Enfrenta um exército de bolsonaristas que o xingam nas redes sociais. Luciano Huck Endinheirado, o apresentador de TV tem como âncora um programa de TV. É admirado pelas margens. Mas a identidade ficará sempre repartida entre o mundo dos espetáculos e o mundo da política. Seria um outsider. Pode se arriscar, eis que seu ciclo na TV se mostra em declínio. Sairia da campanha igual, sem grandes perdas. Insere-se no centro, com apelo às adjacências. Luiz Henrique Mandetta Pode vir a ser o nome do DEM, caso este não entre numa Frente Ampla. Ganhou fama e respeito como ministro da Saúde do governo Bolsonaro, de onde foi defenestrado. Simpático, irradia sinceridade. Marina Silva Passou sua vez. Frágil, sem articulação política. Mas conserva a imagem de limpa, digna, séria. Sergio Moro A grande incógnita. Se a economia despencar e se mostrar disposição, tem chance de ser chamado por algum partido para se candidatar. Também deve ser alvo do bombardeio político, a partir da suspeita de que teria havido conluio com os procuradores de Curitiba para apertar o cerco contra Lula. Beneficiado também por esta decisão do ministro Fachin. Desvia-se da linha de tiro. Mas tudo pode recomeçar, sob a decisão de Gilmar Mendes de levar a (de Moro) suspeição para a 2ª Turma e ele ser condenado. O abacaxi seria descascado no Plenário da Corte. Se for condenado, SDS: Só Deus Saberá. A interrogação se agiganta. Parte II - A luta das mulheres Luta contra a escravidão A luta da mulher pelo ideário de igualdade tem longa história. Seja na frente do direito ao voto, seja na frente do direito por salários iguais aos dos homens, seja no combate à discriminação que enfrenta na labuta cotidiana, a mulher conquista, passo a passo, papel central na construção de um planeta mais solidário e justo. Valho-me de um ensaio do pesquisador e consultor Antônio Sérgio Ribeiro para anotar alguns desses eventos, a começar pelo combate à escravidão, onde se destacam, inicialmente, Susan Brownell Anthony e Elizabeth Cady Stanton. Ambas, em um encontro em 1851, em Seneca Falls, Estado de New York (EUA), iniciaram a jornada de lutas contra a escravidão. Susan queria ver aprovada uma emenda constitucional pelo direito de voto às mulheres. A ideia culminou com a aprovação da emenda nº 13, pelo Congresso, extinguindo a escravidão nos Estados Unidos. Nísia Floresta Abro espaço para falar da luta das mulheres no meu Rio Grande do Norte, começando com a professora Nísia Floresta Brasileira Augusta. Próxima a Augusto Comte, o primeiro teórico a fincar as bases do positivismo. Em 1832, traduziu a obra da feminista inglesa Mary Wollstonecraft e passou a ser considerada uma das primeiras defensoras da emancipação feminina no Brasil. Com ideias, Nísia Floresta lutou para que as representantes do sexo feminino tivessem direito ao voto. Voto que, a partir de 1932, através de um decreto de Getúlio Vargas - decreto este que foi confirmado pela Constituição de 1934 - veio a eleger Alzira Teixeira Soriano para prefeita do município de Lajes. Nordestina e lutadora, foi alçada à condição de primeira prefeita eleita no Brasil. Alzira Soriano Filha mais velha de influente líder político regional, Alzira nasceu e cresceu em Jardim de Angicos, um distrito de Lajes, no Rio Grande do Norte. Aos 17 anos de idade, casou-se com um promotor pernambucano, com quem teve três filhas. Ficou viúva aos 22 anos quando seu esposo morreu vítima da Gripe Espanhola. Um detalhe: em 1928, Bertha Lutz fez uma visita ao Rio Grande do Norte. Ativista feminista, bióloga, filha de Adolfo Lutz, pioneiro da medicina tropical, influenciou a fundação de uma associação de eleitoras, promovendo ainda a candidatura de Alzira Soriano à prefeitura de Lajes. Juntamente com Juvenal Lamartine, governador do Estado, Bertha Lutz fez uma visita ao "coronel" Miguel Teixeira de Vasconcelos, pai de Alzira, que à época, tinha 31 anos. "Esta é a mulher que estamos procurando", teria dito Bertha Lutz à Juvenal Lamartine. O direito de votar Aliás, no RN, em 25 de outubro de 1927, pela Lei estadual 660, as mulheres brasileiras puderam, pela primeira vez, ter o direito de votar e serem votadas. Infelizmente, viram seus votos anulados. A Comissão de Poderes do Senado Federal, no ano de 1928, ao analisar essas eleições realizadas no Estado, requereu em seu relatório a anulação de todos os votos que haviam sido dados às mulheres, sob a alegação da necessidade de uma lei especial a respeito. O projeto que concedia esse direito à mulher norte-rio-grandense foi de autoria do deputado Juvenal Lamartine de Faria, o mesmo que, como relator do projeto de 1921 na Câmara Federal, havia dado parecer favorável ao pleito, e fora aprovado pelo legislativo estadual e sancionado pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Os pioneiros A batalha pelo voto, como se vê, teve retas e curvas. No então território de Wyoming no ano de 1869, EUA, a mulher obteve o direito ao voto. Posteriormente mais três Estados do Oeste também seguiriam o exemplo. A Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a conceder o direito ao voto às mulheres no ano de 1893. A Austrália concedeu o voto em 1902, com restrições. Na Europa, o primeiro país em que as mulheres obtiveram o direito ao voto foi a Finlândia em 1906. Na Inglaterra, as mulheres iniciavam a sua luta mais acirrada. Já em 1866 John Stuart Mill, jurista, economista e filósofo, eleito para o Parlamento, apresentou emenda que dava o direito à mulher inglesa, assinada também por miss Sarah Emily Davies e pela dra. Garret Anderson. Foi derrotado por 194 votos contra e 73 a favor. Finalmente, em 1918, ao término da 1ª Grande Guerra, que contou com a participação decisiva do sexo feminino na retaguarda do conflito, deu-se o direito do voto às mulheres inglesas com mais de 30 anos, sendo eleitas três mulheres para a Câmara dos Comuns. Em 1928, a idade foi reduzida para 21 anos. Na AL, o Equador, em 1929, foi o primeiro país. Já a Argentina, em 1947, sob uma campanha liderada por Eva Perón, conseguiu aprovar o voto feminino. Junta feminina No Brasil, a emancipação feminina teve como precursora a educadora baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que vivia no Rio de Janeiro. A fim de colaborar na campanha eleitoral para a presidência da República, fundou, em 1910, a Junta Feminina Pró-Hermes da Fonseca, de quem era amiga da família. Com a vitória de seu candidato, continuou sua campanha pela participação da mulher brasileira na vida política do país. Concorreu como candidata à Constituinte no ano de 1933. Com o advento da Revolução de 30, novos ventos sopraram. Nathércia da Cunha Silveira e Elvira Komel, esta líder feminista em Minas Gerais, formaram uma comissão para atuar junto a autoridades Federais e pedir o apoio da igreja ao cardeal D. Sebastião Leme. Berta Lutz No princípio dos anos 30, Bert Lutz fundou no Rio de Janeiro a Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, quando expressou: "é um fato interessante, que as revoluções de pós-guerra têm favorecido a mulher". O presidente Getúlio Vargas suprimiu restrições às mulheres. Em 1932, uma comissão de mulheres foi recebida no Palácio do Catete pelo presidente, que acatou um memorial com mais de 5.000 assinaturas, no qual pleiteava-se a indicação da líder Bertha Lutz como participante da comissão para elaborar o anteprojeto da nova Constituição. Em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, a mulher pela primeira vez, em âmbito nacional, votou e foi votada. A médica paulista Carlota Pereira de Queirós foi eleita a primeira deputada brasileira. Disparidades No mercado de trabalho, a luta das mulheres por salários iguais aos dos homens continua. Desempenham as mesmas funções, cumprem a mesma carga horária, têm responsabilidades similares, mas, ao final do mês, quase sempre, recebem contracheques com salário menor que seus pares. A renda média dos homens é 76% maior que a renda das mulheres, o que comprova que as mulheres são o elo mais frágil na corrente salarial. Luta árdua A luta por espaço no mercado de trabalho é tão árdua que, de acordo com um levantamento recente da OIT (Organização Internacional do Trabalho), 67% das mulheres que trabalham no Brasil estão no setor informal. Um percentual superior ao masculino, que é de 55%. Ou seja, na hora de contratar, apesar das mulheres serem maioria, os homens têm a preferência. Preferência, de certa forma injustificada, uma vez que as mulheres investem mais em educação do que os homens: 45% das mulheres têm mais de oito anos de estudo contra 36% dos homens. De 195 países no mundo, apenas 22 são comandados por mulheres. Na Academia A coluna presta sua homenagem às mulheres do RN, com referência à sua participação na Academia de Letras do nosso Estado. Transcrevo a homenagem da Academia para as Mulheres de Letras: Auta, Nísia, Carolina, Palmira, Anna, Eugênia, América, Eulália, Sônia, Diva e Leide. Um acinte O afastamento por apenas quatro meses do deputado Fernando Cury (Cidadania), de São Paulo, por ter apalpado sua colega Isa Penna (PSOL), no plenário da Assembleia Paulista, é um escárnio. Decisão da Comissão de Ética. Deveria ter sido cassado. Samba do crioulo doido O governo vive seu pior momento. A paisagem da epidemia mostra destruição e desorganização por todos os lados. Governadores isolam o presidente. O pico de mortes parece coisa banal. Uma viagem de 10 pessoas para ver um spray em Israel é maluquice. Esse remédio ainda está em fases iniciais de teste. Usado para combater câncer. Samba do crioulo doido. E assim caminha a humanidade!
quarta-feira, 3 de março de 2021

Porandubas nº 706

Abro a coluna com uma historinha do Ceará. Quatro chinelas O médico Francisco Ibiapina, do Jaguaribe/CE, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. O clínico fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaída. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa, silenciosa e atenta aos conselhos do médico. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha: - Seu doutô: fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede? (Causo contado pelo historiador Leonardo Mota) Duas questões centrais O escritor israelense Yuval Noah Harari (Homo Deus, Homo Sapiens, 21 Lições para o Século XXI) levanta duas questões essenciais que certamente balizarão o nosso futuro: a aparente dicotomia entre a crescente autonomia dos cidadãos e a também tendência em expansão de vigilância totalitária por parte do Estado; e o isolacionismo de viés nacionalista e a globalização solidária. Quem vai predominar nesse conflito e que desenho podemos pintar do amanhã que nos espera? Esse é o dilema que merece nossa reflexão. A identidade Na expressão recorrente de nossas análises, temos discorrido sobre a mudança de parâmetros na escala de costumes e valores humanos. O homem-massa, como temos destacado, quer resgatar seu empoderamento, seus potenciais, capacidades, enfim, sua identidade. E isso ocorre nesse oceano turbulento em que navega a Humanidade. Vivemos o maior conjunto de crises da vida contemporânea. A identidade tem sido resgatada pela conquista, mesmo lenta, de direitos, defesa do habitat humano, defesa da privacidade, expansão das condições que formam o Produto Nacional Bruto da Felicidade. Esse grau civilizatório tem balizado as aspirações do conglomerado humano em todos os pedaços do planeta, incluindo territórios marcados pela barbárie. Os olhos do Estado Ao mesmo tempo em que se desenvolve tal fenômeno, os olhos do Estado sobre os cidadãos tornam-se mais perscrutadores, querendo saber o que fazem, para onde vão, como estão seu pulso e seu coração, o que comem, quando comem, que meio de transporte usam, com quem se relacionam, quantas vezes vão ao banheiro, qual a cor dos excrementos (tudo importa), para onde olham nas gôndolas de supermercados, que produtos guardam na geladeira, o que difere um queijo de outro, quantas garfadas de alimentos por dia, enfim, tudo, o conjunto de ações do cotidiano das pessoas. Finalidades Veja-se a dimensão do conflito: de um lado, os cidadãos na luta por seu pleno empoderamento; de outro, o Estado na luta por pleno domínio de seus entes. O argumento do Estado é denso e vasto: luta contra as mazelas - males, epidemias, pandemias -; realocação de bens e recursos para melhorar o nível de vida das populações; descobertas científicas para a cura de doenças graves; uso de algoritmos extraídos da "grande visão" do Big Brother para definir rumos, novos caminhos, rotas e veredas a serem seguidas ou evitadas. Sob a hipótese de melhorar a vida no planeta, esconde-se o total domínio da vida humana. Daí para o Estado Totalitário, um passo. O Estado totalitário Sempre visto como ameaça que paira sobre a Humanidade, chega mais perto com o avanço do sistema tecnológico que se instala na vida cotidiana. A questão é saber se o ser humano, mesmo com a identidade plenamente resgatada, conseguirá evitar os olhos do Grande Irmão e preservar sua privacidade. Lembrando a pergunta de Bobbio: "quis custodiet custodes?" ("quem vigia o vigilante"?) A resposta, pois, pressupõe um controlador superior. O filósofo indaga: Deus, o herói fundador de Estados, o mais forte, o partido revolucionário que conquistou o poder, o povo entendido como a coletividade que se exprime por meio do voto? Teríamos um vidente visível ou invisível? Poderes invisíveis Outra escala de problemas é operada nas entranhas do Estado, quando políticos, burocratas e os círculos de negócios, juntos ou separados, exercem um "poder invisível" para defender interesses seus ou de outros, apresentando-se, assim, com força que age contra o "poder visível", este simbolizado pelas instituições de Estado, os poderes constitucionais. Há, ainda, os conglomerados organizados por ondas mafiosas, criminosos de todos os tipos, cartéis de armas e de drogas, que também exercem "poderes invisíveis". O Estado, impregnado desses "exércitos", que lutam nas malhas escondidas das máquinas administrativas, consegue vencer a guerra contra os feitos do mal? A globalização Para tornar mais nebulosa a paisagem, eis que a tão aclamada globalização solidária, que poderia ser o espaço de acolhimento ao sonho de ajuda recíproca entre as Nações, de interlocução amigável, parcerias comuns, mãos juntas para fazer avançar a ciência, está ameaçada. E a ameaça começou a surgir antes mesmo da pandemia da Covid-19, quando o isolamento dos países entrou na agenda de grupos populacionais e de políticos populistas. Estamos voltando à era do "quanto mais só, melhor", cada qual com sua realidade. Trata-se, na verdade, de um gesto egoísta, relacionado ao fechamento de fronteiras, um muro que se constrói a cada dia para evitar a imigração de povos em busca de sobrevivência. Como conjugar? Como conjugar as necessidades e demandas urgentes de populações em busca de um novo habitat com o ideário de contingentes que se enrolam nas bandeiras do nacionalismo, defesa de empregos exclusivos para os nativos, redomas construídas para abrigar apenas os originários de cada Nação? Um mundo menos solidário causará que tipos de impacto na vida cotidiana? Conservação das culturas ou expansão do egocentrismo, de conflitos entre países, guerras étnicas e raciais? Para onde caminhará a solidariedade? O dilema está à vista: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come. Meditemos. O Brasil solidário Puxando o fio da meada para as nossas plagas, de pronto aparecem nesgas no horizonte. No lado da sociedade, vê-se alargar o espaço solidário, as mãos dadas de tantos quantos, em desespero, clamam aos céus por mais empregos, mais saúde, domínio da pandemia, remédios, mais vacinas. Do lado do Estado, observa-se uma teia de fatores que contribuem para aumentar a descrença na política: leniência dos governantes, desprezo pela ciência, descaso para com a res publica, enfim, des...des..des..des - prefixo para designar desistir, desprezar, destruir etc. Temos dois Brasis: um, solidário, outro, desordeiro. O primeiro agrega os espíritos conviviais; já o segundo agrega o arbítrio, o descumprimento das normas, a permissividade, o ódio, governantes sem escrúpulo. Notinhas Preço dos combustíveis A Petrobras vai entrar na política de ajustes determinada pelo presidente. A conferir. Pazuello O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenta se agarrar nos números prometidos de vacinas que virão até meados de julho. 80 milhões até junho, é a promessa. Secretários de Saúde dos Estados perderam o prumo. Luiz Carlos Trabuco Cappi - Em O Estado de S.Paulo, segunda-feira "As condições objetivas existem. O Brasil tem dois centros de excelência na produção de vacinas - Fiocruz, no Rio de Janeiro, e Butantan, em São Paulo. No segundo semestre, os dois institutos devem inaugurar novas fábricas, capazes de criar também o ingrediente farmacêutico ativo (IFA), necessário para a fabricação das vacinas da Oxford-AstraZeneca e da chinesa Sinovac. A vacina resolve a crise". Faria O ministro Fábio Faria, das Comunicações, tem se revelado um perfil eficiente. Seu gol de placa será a implantação do 5G. Fez uma incursão internacional para medir parâmetros. Pandemia Ao que parece, os descrentes começam a acreditar nos efeitos mortais da Covid-19. Jovens morrem mais que no primeiro ciclo e abrem pânico. Frente ampla Na paisagem das parcerias, Ciro Gomes avança. Disse que seu projeto é tirar o PT do segundo turno de 2022. A declaração passou a impactar setores antes arredios a seu nome. Variantes As variantes do novo coronavírus se espalham. A boa notícia é que vacinas mais avançadas estão em fase final de teste. Vacina da Johnson Mais uma boa notícia: a vacina em dose única da Janssen-Cilag, do grupo Johnson & Johnson, passa a ser considerada a mais viável para a imunização em massa do planeta. O Brasil não a comprou até agora. Já o comitê da FDA recomendou que EUA autorizem. O teste clínico fase 3 - do qual o Brasil participou - mostra 66% de eficácia. Garcia Rodrigo Garcia, vice-governador de SP, do DEM, está em dúvida: sair para entrar no PSDB ou permanecer onde está? E se João Doria não viabilizar a candidatura dele à presidência? Rodrigo começa a procurar PMDB e outros partidos. Mandetta O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, começa a se movimentar sob o olhar de 2022. O DEM tem chances de ter candidato? Essa é a questão. Bolsonaro Não fecha a expressão. Continua dando corda ao relógio dos simpatizantes. Não percebe que esse tipo de atitude gera bumerangue. Volta-se contra ele. "Mijar sangue" 'A OAS tem que mijar sangue', diz procurador em diálogos da Lava Jato. Novas mensagens enviadas pela defesa de Lula ao STF mostram Lava Jato discutindo como 'bater, bater e bater' em investigados. Imposto sobre bancos Governo deve aumentar impostos sobre bancos para compensar desoneração do diesel e gás de cozinha. De acordo com fonte da equipe econômica, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido deve subir para zerar tributação dos combustíveis, medida que tem custo total de R$ 3,6 bi. Conflito federativo Acirra-se a divisão no campo da gestão da pandemia entre governadores e presidente da República. Governadores pedem mais ação, mais firmeza, mais vacinas. Presidente anima suas bases. Pano de fundo: conflito federativo. Lockdown Pedido geral de especialistas: lockdown entre 18 horas e 5 da manhã durante 16 dias. Março é mês do pico agudo. Fecho a coluna com um "causo" paulista. Eu e Deus O "causo" ocorreu em Conchas/SP. Era a audiência de um processo - requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso para um senhor alto, velho, magro, negro, humilde e muito simpático, tipo folclórico da cidade. Antes da audiência, o advogado lembrou ao seu cliente para afirmar perante o juiz morar sozinho e não ter renda para manter a subsistência. Nisso residiria o sucesso da causa. Na audiência, veio a pergunta: - O senhor mora sozinho? - Não! respondeu ele (o advogado sentiu que a coisa ia degringolar). - Hum, não? Então, com quem o senhor mora? - Eu e Deus, respondeu o matreiro velhinho. O advogado tomou um baita susto. Mas a causa foi ganha. O juiz considerou procedente a ação. (Historinha enviada por Éder Caram e contada pelo pai dele).
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Porandubas nº 705

Abro a coluna com um pouco de riso, com esta historinha do Jânio Quadros. Obrigado, colega O próprio presidente Jânio Quadros, às vezes, transmitia seus bilhetinhos para os ministros por meio do aparelho de Telex que mandou instalar em seu gabinete, ligado diretamente com os ministérios em Brasília e no Rio de Janeiro. Ele mesmo datilografava os "memorandos". Transmitiu ele um bilhete para um ministro e na mesma hora recebeu a seguinte resposta, pelo telex: "Prezado colega. Não há mais ninguém aqui". Ao que o presidente respondeu: "Obrigado, colega. Jânio Quadros". Do outro lado do fio, porém, o outro não se perturbou: "De nada, às ordens. John Kennedy...". (Nelson Valente, jornalista e escritor, em seu livro Jânio Quadros - O Estadista) O homem e suas circunstâncias A expressão com sua hipótese é do filósofo espanhol Ortega Y Gasset (1883-1955). Do começo ao fim da vida, o homem navega por um oceano de aprendizado. Está sempre em mudança. E daí emerge o conceito de que a verdade depende de cada um. Nunca esse axioma foi tão recorrente. O ritmo de mudanças vivenciado no planeta é acelerado. Nos campos tecnológico, biogenético e de sondagem sobre a natureza do universo, os avanços são extraordinários. O que não se pode dizer na área dos valores. Este escriba aprecia fazer leituras sobre esse pano de fundo. O que está ocorrendo, onde iremos parar com o gigantesco volume de conflitos na sociedade? As circunstâncias entre nós Pois é, o Brasil desta semana é diferente do país de uma semana atrás. As circunstâncias nos levam a lembrar que: 1. Atingimos o pico da pandemia, com os índices mais avassaladores desde seu início. O colapso das estruturas de hospitais é geral. Mortes e internações sobem ao cume da montanha. 2. Mesmo assim, certo amortecimento impregna a alma social, a indicar a conformidade e a resignação ante esse clima de devastação. 3. A taxa de autoritarismo do governo, com a intervenção no comando da Petrobras, chega também ao auge, fazendo derreter resultados positivos que marcavam determinados setores. 4. A Petrobras teve o segundo maior tombo de sua história, com o derretimento de R$ 102 bilhões de seu preço de mercado. 5. O governo coleciona, esta semana, críticas ácidas sobre seu desempenho, chegando ao momento mais conflituoso de sua gestão. 6. Avoluma-se o teor crítico sobre a cooptação do presidente junto aos militares, com evidente prejuízo à imagem das Forças Armadas. 7. A imagem de governantes, em todos os Estados, começa a descer o despenhadeiro sob a aceleração dos índices pandêmicos. 8. O mercado dá recados concretos ao presidente, já desconfiado de sua ideologia liberal. 9. A perplexidade se volta também para o ministro Paulo Guedes, que não está conseguindo segurar suas intenções e seus amigos. 10. A desconfiança e o descrédito avançam celeremente. Voltemos ao plano global das mudanças em curso no planeta. A escala de valores Tendo como mote a moldura das mudanças no campo dos valores, permito-me retomar a leitura, que sempre faço, sobre o espírito do tempo. Muda o planeta, Marte recebe a visita de três artefatos da Terra; Joe Biden assina decretos anulando políticas de Donald Trump; este continua a fazer campanha eleitoral, mesmo recolhido em seu resort; a Europa debate seu futuro e a gestão da pandemia, que consome milhões de vidas e trilhões de dólares das economias mundiais; a China sempre de olho no ranking das maiores economias mundiais; sinais de esperança no campo da imunização. A espetacularização A desideologização, que impregnou os sistemas políticos no século XX, amalgamando partidos, esfacelando os mecanismos clássicos da política - engajamento das bases, firmeza das oposições, grandeza dos Parlamentos, harmonia e independência dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) - mudou os rumos da democracia. Os entes coletivos cedem lugar ao individualismo. Ressurgem os perfis populistas, demagógicos, que atuam sob a perspectiva do EU sobre o NÓS. Pessoas tomam o lugar de partidos. Nesse eu voto, diz o eleitor. E a força do personalismo resgata o conceito de política como espetáculo. O ator político está no palco, usando sua arte manipulativa para engabelar as massas e expandir o descrédito geral, que se espraia na base, no meio e no cimo da pirâmide social. Os figurantes Os figurantes usam a linguagem da oportunidade. Cobertor social, cestas básicas, auxilio emergencial, demissão sumária de figuras da administração, eleição de personagens identificados com o selo "pagou, levou". Salvadores da Pátria, heróis de coragem, justiceiros, pais da pátria e suas bandeiras: combate à corrupção, defesa do patrimônio nacional, defesa do Estado-liberal, de um lado, e defesa do Estado-patrimonial, de outro. A receita de uns e outros. O ódio O ódio passa a ser destilado nas fontes de apoio - bases e simpatizantes - e distribuído em imensos jorros pelas redes sociais e nos contatos entre interlocutores, que queimam velhas amizades em nome da defesa de seus "heróis-patrocinadores". Pessoas de quem se imaginava terem uma cota mínima de racionalidade embarcam nas caravanas da bajulação. A convivialidade, que se apresenta como grau elevado do estágio civilizatório, vai para o buraco. As correntes do ódio assumem posicionamentos que mais se assemelham à volta da barbárie sobre o planeta. O velho habitat O mundo, até pouco, era carimbado como aldeia global. Todos por um, um por todos. Vimos, maravilhados, a quebra de fronteiras físicas e espirituais, com a ascensão de pobres e necessitados ao banquete dos ricos. Grandes nações acolhiam imigrantes. Davam-lhes teto e comida. E o que temos visto hoje nos quadrantes do planeta? O isolamento. O fechamento de fronteiras. Filhos pequenos separados dos pais. Renasce a noção de que a pátria é nossa. Não de estranhos. Cada nação com sua gente. Os pobres? Que fiquem onde nasceram. P.S. Lembrete histórico: conta-se que o marechal Erwin Rommel, a raposa do deserto, ao contemplar em cima de um morro os aliados destroçados por seus panzers no norte da África, teria dito: "os pobres nunca deveriam fazer guerra". Os pobres, como pensa Trump, deveriam voltar ao seu velho habitat. O consumo da informação A pressa, a rapidez, a competição desvairada em um mundo de carências crescentes impedem que a natureza seletiva do homem exerça sua função de enxergar conceitos de certo e errado, viável e inviável, justo e injusto. A abundância informativa acaba entupindo os filtros que purificam as águas. As pessoas acabam misturando coisas, sorvendo misturas maléficas. Paradoxo: em plena era da informação, o grau de aprendizagem não acompanha o ritmo das novidades e mudanças. A defasagem entre o que se consome e o que é necessário assume proporções extraordinárias. Feita a digressão, passemos novamente ao nosso cotidiano. Centralização A inferência é decorrente da troca de comando na Petrobras: o presidente tende a ser mais centralizador nos próximos tempos. Pensa assim: fui eleito, devo meu cargo ao povo, não aos políticos, vou agora governar ao modo Bolsonaro. Troca aqui, troca ali, troca acolá. Parece querer se aproximar do sistema de governo que anunciou, há dias, não esse que temos. Se der certo, tudo bem. Se não der certo, pode dizer que tentou. Paulo Guedes, nesse cenário, não terá alternativa que a de entregar o boné. Questão de tempo. A não ser que decida fazer como os três macaquinhos: não vi, não ouvi, não falei. Queda de 102 bilhões As ações da Petrobras sofreram queda gigantesca. O preço da petrolífera caiu em cerca de mais de R$ 100 bilhões com as falas de Bolsonaro, que também viu sua avaliação positiva cair para 33%. A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro subiu mais de 8 pontos percentuais em quatro meses e atingiu 35,5%, segundo a última pesquisa CNT/MDA. Já a positiva caiu quase nove pontos. O advogado André de Almeida, um dos idealizadores da ação coletiva (class action) que levou a Petrobras a pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar uma disputa judicial com acionistas nos Estados Unidos em 2018, já mira uma nova batalha na Justiça em Nova York contra a estatal. Guedes será vital Paulo Guedes será peça importante na engrenagem de 2022. Para Bolsonaro confirmar seu favoritismo, precisa administrar uma economia em franca recuperação. Se Guedes não conseguir, o presidente buscará perfil mais populista. Capaz de passar marchas de aceleração no carro da economia, no qual devem caber as demandas populares. Sem cobertor social extenso, Bolsonaro não terá chances. O voto das margens decidirá o rumo do país. BB, o próximo? O falatório em Brasília se avoluma: a próxima mudança/intervenção seria no comando do Banco do Brasil. A conferir. Pfizer A Pfizer diz que não aceita condições de Bolsonaro para vender vacina ao Brasil. A farmacêutica anuncia que, na América Latina, apenas o Brasil, a Venezuela e a Argentina não aceitaram as cláusulas de seu contrato. Vamos ver se o Congresso muda os paredões legais. P.S. A Anvisa decidiu liberar a vacina, mesmo sob o imbróglio burocrático. O símbolo I: Lippmann O emprego de símbolos é um dos estratagemas mais eficazes preferidos pelos líderes para dirigir as massas, para aspirar e inspirar as emoções das multidões (to siphon emotion), segundo a expressão de Walter Lippmann (96) [306]. "É um truque para criar o sentimento da solidariedade e, ao mesmo tempo, explorar a excitação das massas". O símbolo II: Tchakhotine "O símbolo pode desempenhar, na formação de reflexos condicionados (como decorre de todo nosso raciocínio) o papel de fator condicionante, que, enxertando-se sobre um reflexo preexistente, absoluto, ou sob um reflexo condicionado constituído anteriormente, adquire, por sua vez, a possibilidade de tornar-se um excitante, determinando essa ou aquela reação desejada por quem faz esse símbolo sobre a afetividade de outros indivíduos. A palavra, falada ou escrita, pode ser utilizada para representar um fato concreto, único e simples, ou um conjunto de fatos, mais ou menos complexos, assim como uma abstração ou todo um feixe de ideias abstratas, científicas ou filosóficas". (Serge Tchakhotine In Mistificação das Massas pela Propaganda Política). Canetti A massa I "A ânsia de crescer constitui a primeira e suprema qualidade da massa. Ela deseja abarcar todo aquele que esteja ao seu alcance. Quem quer que ostente a forma humana pode juntar-se a ela. A massa natural é a massa aberta: fronteira alguma impõe-se ao seu crescimento. Ela não reconhece casas, portas ou fechaduras; aqueles que se fecham a ela são-lhe suspeitos. A palavra aberta deve ser entendida aqui em todos os sentidos: tal massa o é em toda parte e em todas as direções. A massa aberta existe tão somente enquanto cresce. Sua desintegração principia assim que ela para de crescer. Sim, pois tão subitamente quanto nasce a massa também se desintegra". A massa II "Seu caráter aberto, que lhe possibilita o crescimento, representa-lhe também um perigo. A massa traz sempre vivo em si um pressentimento da desintegração que a ameaça e da qual busca escapar através do rápido crescimento. Enquanto pode, ela absorve tudo; uma vez, porém, que tudo absorve, tem ela também de, necessariamente, desintegrar-se. Em contraposição à massa aberta - que é capaz de crescer até o infinito, está em toda parte e, por isso mesmo, reclama um interesse universal - tem-se a massa fechada. Esta renúncia ao crescimento, visando sobretudo a durabilidade. O que nela salta aos olhos é, em primeiro lugar, sua fronteira. A massa fechada se fixa. Ela cria um lugar para si na medida em que se limita; o espaço que vai preencher foi-lhe destinado". (Elias Canetti in Massa e Poder).
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Porandubas nº 704

Abro a coluna com uma historinha de Tancredo Neves, que mostra a índole matreira do grande político das Minas Gerais. Um disfarçado sorriso No segundo semestre de 1984, como chefe do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, coordenei um debate com os presidenciáveis Tancredo Neves e Paulo Maluf. Eram candidatos à presidência em eleição indireta, que ocorreria em 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo venceu Maluf com 480 contra 180 votos e 26 abstenções. Salão nobre do Teatro Gazeta, enorme, lotado. Tancredo veio primeiro. Aplaudido de pé após um debate que terminou por volta de 23h. Por sugestão do banqueiro e ex-prefeito de São Paulo, Olavo Setúbal, fomos (pequeno grupo de professores) jantar com ele no elegante restaurante-pub de Geraldo Alonso, o famoso publicitário, o Santo Colomba, na rua Padre João Manoel. Sentei-me ao lado dele. Puxei conversa. Falamos de política. "Gaudêncio, de onde você é?", indagou. Observara o sotaque. Respondi: "Sou do RN". A conversa girou então sobre Dinarte, Aluízio, Djalma Marinho, os Rosados etc. O vinho bom descia suave. De repente, no meio de animado papo, Tancredo fecha os olhos e abre um leve bocejo. Nem houve aviso prévio. Fiquei preocupado. Será que a conversa está chata? Setúbal, sentado na nossa frente, com sua voz de barítono, pisca o olho e avisa, sabendo que ele iria ouvir: "professor, não se incomode. É assim mesmo. Quando ele quer ir embora, não fala. Simplesmente, inventa que está dormindo". Mas era visível seu cansaço. Olhei de leve para nosso ex-primeiro-ministro e confesso ter observado um disfarçado sorriso nos lábios. Setúbal pagou a conta e saímos. Felizes por termos participado de um histórico encontro com a matreirice mineira. Lição de sabedoria Do padre João Medeiros Filho, em "Uma Vacina em Prol da Ética e da Moralidade", no jornal Tribuna do Norte (RN): "Além das vacinas contra a epidemia que grassa pelo Brasil, necessita-se também imunizá-lo contra o ódio, radicalismo, egoísmo, interesses escusos, desrespeito, injustiças e mentira. É incontestável que a fragilidade da saúde pública é um problema crônico, que se arrasta há décadas. Não faltam alertas e denúncias de profissionais e líderes. Não se improvisam soluções duradouras, nem existem respostas automáticas e mágicas. Urge uma dose maior de solidariedade e otimismo. É necessário crescer no altruísmo, inoculando na sociedade mais respeito, diálogo e amor." Marés altas e baixas Vamos ao cenário nacional. A pandemia vai e vem, não dando sinais de que vai amainar em curto prazo. Os dados exibem picos de mortes e contaminados, a ponto de os gráficos mostrados nas TVs começarem a gerar o efeito de "dormência", a repetição rotineira que já não impacta, causa susto ou sensação de coisa nova. O registro nas últimas semanas é de mais de mil mortes por dia. Uma estatística que causaria pânico fosse banhada por um toque de originalidade. Temos de nos acostumar com a ideia de que conviveremos com esse bicho feroz durante todo o ano. Não nos enganemos. E mesmo após vacinadas, as pessoas não se livrarão das variantes desse corona mortífero. O Carnaval vem aí, mesmo proibidas as concentrações populares. Não se espere bom senso na folia. Mas o Brasil... Costumo lembrar os quatro tipos de sociedade no planeta: 1. a inglesa, liberal, onde tudo é permitido, exceto o que é proibido; 2. a alemã, rígida, onde tudo é proibido, exceto o que for permitido; 3. a ditatorial, fechada, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido; e 4. a brasileira, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido. Pois bem, por causa dessa extrema liberalidade, do desrespeito às leis e implantação de um estado de anomia, a paisagem nacional é propícia para ruptura da norma. As pessoas costumam praticar pequenos delitos, ponte para os médios e grandes ilícitos. Donde emerge o conceito de "país da impunidade". Panorama político Não há como abrir um grande sorriso quando se tenta ver nosso amanhã na política. Os protagonistas mudam de posição, mas não de índole. A agenda do Parlamento na esfera das reformas caminhará a passos de tartaruga. Arthur Lira, mesmo com vontade de mostrar algum grau de independência, estará ao lado do Palácio do Planalto. Rodrigo Pacheco terá uns centímetros a mais de independência, nada que ameace as intenções do Poder Executivo. O que pode ocorrer é um certo remanejamento no traçado partidário. O DEM, por exemplo. Depois de atravessar um bom tempo numa posição mais central do arco ideológico, na vivência de Rodrigo Maia como presidente da Câmara, mostra-se inclinado a habitar o espaço da direita, após a liberação da bancada para votar em qualquer candidato na Câmara. Despejaram o voto em Lira, em explícita traição ao acordo firmado por Maia para votar em Baleia Rossi, MDB. O DEM com Bolsonaro Trata-se de uma decisão que aproxima os demistas do governo Bolsonaro. O presidente do partido, ACM Neto, por mais que diga que comanda a entidade, mas não é seu proprietário, cometeu explícita traição. Na verdade, agiu de acordo com as vontades dos correligionários, que tentam assegurar posições na administração. O DEM poderá, até, ser o partido de Bolsonaro, caso o presidente queira. ACM Neto deverá recebê-lo sem objeções. Já se fala até na entrega ao DEM do Ministério da Cidadania. Especula-se, ainda, com a hipótese de Neto vir a ser vice na chapa de Bolsonaro. Mas ele pretende, mesmo, é ser governador da Bahia. Rodrigo Maia, por sua vez, promete sair do DEM, tendo como opção preferencial o PSDB. O fato é que os partidos iniciam uma atividade de agregação de perfis, em um processo de engorda que tem como mira o pódio de 2022. É muito cedo para decisões de alianças e parcerias. Um xeque em Garcia O DEM criou um imbróglio com o vice-governador de SP, Rodrigo Garcia, fiador de João Doria para 2022, sendo ele mesmo o nome preferido pelo governador para disputar o governo paulista em 2022. E como ficará a questão? Garcia teria condição de permanecer no DEM ou é mais provável que saia e ingresse no PSDB? A decepção de Doria com o DEM foi grande e a parceria com o partido em 2022 subiu ao muro. A aproximação dos antigos pefelistas com Bolsonaro, nos últimos dias, elimina essa hipótese. Por isso, Rodrigo Garcia também tende a deixar a sigla. Não vai se afastar de João Doria. O PSDB sem escopo Os tucanos estão perdidos na floresta. Não sabem que rumo tomar, eis que o leit motiv da sigla, hoje, é o personalismo, o quem, os possíveis nomes que estarão no palco presidencial. Perdeu o PSDB sua bandeira social-democrata, como, aliás, outros partidos também enfiaram na gaveta seus escopos programáticos. Qual é o programa para o país? Qual seria a extensão do cobertor social? Qual o tamanho do Estado? O que e como privatizar? Quais as ações a serem empreendidas no tempo, hoje, amanhã e depois de amanhã? Afinal, como deve ser refeita a bandeira social-democrata? Como estão mudando os entes social-democratas nas democracias ocidentais? MDB vai para onde? A mesma indefinição impregna o espírito emedebista. O que fazer, para onde ir, com quem fazer parcerias? É cedo, pode-se alegar, para fazer composição. Mas onde está o MDB velho de guerra? Tinha um plano - Ponte para o Futuro, coordenado pelo ex-presidente Michel Temer. E hoje, ante a mudança de cenários, qual é a proposta do partido para o país? Enfim, o que se observa nos grandes entes partidários é um imenso vazio programático, onde estão poucos nomes de expressão. As massas sumiram. Em suma, os partidos carecem de um cimento programático. Como lesmas, derretem facilmente com um punhado de sal. Viraram o que Otto Kirchheimer, um dos grandes constitucionalistas alemães, designa de "catch all parties" ("partidos do agarra tudo"). PSD: um olho no norte, outro no sul Gilberto Kassab é, reconhecidamente, um hábil articulador. O PSD entrou na composição de Arthur Lira. Kassab teria uma aliança com João Doria. Mas os últimos acontecimentos o afastam do governador, eis que seu PSD está de mãos dadas com o Centrão, hoje comprometido com o bolsonarismo. Mas o PSD herdou do seu homônimo do passado o estilo do matreiro Tancredo Neves. Um olho no norte, outro no sul. A bancada na Câmara é grande. Gilberto Kassab se mostra hábil na formação e no crescimento da sigla. Até 2022, passará um oceano de água por baixo da ponte. O ex-prefeito de São Paulo sabe a hora em que tem de submergir e de emergir. O partido também carece de escopo programático. PDT com chances O PDT está com posição bem localizada no espectro ideológico. Habita o centro-esquerda. Basta, agora, preencher as lacunas de seu escopo. Carlos Lupi conseguiu atrair e sustentar Ciro Gomes no partido. Um perfil preparado. Precisa, apenas, conter a língua. Mas o ex-ministro da Fazenda conhece bem o riscado. E em São Paulo há um moço bem talhado no métier da política: Gabriel Chalita, que cai bem no papel de candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2022. A régua dividida Em 2002, o sonho de Bolsonaro é polarizar novamente com o PT, como temos dito e repetido. Da mesma forma, o sonho do PT é enfrentar o bolsonarismo, mas contando com uma ampla frente das oposições. Lula ainda pensa em concorrer. Este analista não acredita que, condenado em 2ª instância, ele possa vir a ganhar a condição de candidato. Será difícil que o STF anule os processos a que se submete. Por isso, Lula já sinalizou com o nome de Fernando Haddad. Ocorre que a mancha suja sobre a imagem do PT enfraquece, e muito, sua ambição. O lulismo parece fadado a um ciclo mais longo de afastamento do centro do poder. Então, olhemos para a régua: se os candidatos do centro - e suas margens direita e esquerda - forem muitos, com tendência à dispersão, os candidatos das extremidades terão mais chances de disputar um segundo turno. A economia e as circunstâncias no segundo semestre de 2022 definirão o rumo do páreo. O centro só leva a melhor se seus integrantes formarem um grupão. Toma lá... O populismo afeta a ação dos governantes. Em um momento tormentoso como o que vivemos, deixar de tecer o cobertor social seria o suicídio de um governante. Eis porque o governo Bolsonaro deverá implantar um novo pacote social. Já estão batizando o programa com o nome de Bônus de Inclusão Social - BIP. Seriam três parcelas de R$ 200,00, que se vincularão à obrigatoriedade de um curso de qualificação profissional. Esse BIP entraria na PEC do Pacto Federativo. Fecho a coluna com o mineiro monsenhor Aristides. Mata o bicho O monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma pequena barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fiéis que lotavam a capela, ele pegou a garrafinha e, num gole só, sorveu todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice).
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Porandubas nº 703

Abro a coluna com uma historinha de Tancredo Neves. "Os livros errados" Brasília, Congresso Nacional, 11 de abril de 1964. Castello Branco não teve o voto de Tancredo Neves, seu amigo pessoal de longa data, companheiro na Escola Superior de Guerra, em 1956. Tancredo bateu o pé. Comunicou ao PSD que votaria em branco, apesar dos méritos e credenciais do general Castello Branco. Questão de princípio: era contra o golpe. Não queria nem um minuto de regime militar, não abria mão da democracia. Conta-se que, esgotados todos os argumentos dos pessedistas para convencê-lo, o amigo e ex-chefe JK, então senador por Goiás, fez um apelo: "Mas, Tancredo, o Castello é um sorbonniano, estudou na França. É militar diferente, um intelectual como você. Já leu centenas de livros!". Tancredo: "É verdade, Juscelino. Só que ele leu os livros errados". Dois meses depois o governo cassou o mandato e os direitos políticos de JK, que partiu para o exílio e o sofrimento sem fim. (Caso narrado por Ronaldo Costa Couto). Dualibi, lenda da propaganda Segunda feira, dia 1º, foi o Dia do Publicitário. Em 1º de fevereiro de 1966 a profissão foi regulamentada pelo decreto-lei 57.690. A coluna tem a alegria de fazer singela homenagem aos publicitários brasileiros na figura de um perfil emblemático da profissão: Roberto Dualibi. O famoso "D"da DPZ (fundador da Agência com Francesc Petit e José Zaragoza) é uma lenda na publicidade brasileira. Pinço de uma entrevista antiga em Época Negócios duas considerações sobre sua profissão. O que encantou você na publicidade? Duailibi - Na loja de meus pais tínhamos muito material promocional das Linhas Corrente, das agulhas Guterman, da Colgate, além dos manequins de cera e das vitrines sempre renovadas. E um irmão desenhava muito bem, e eu aprendi com ele a fazer caricaturas. Comecei aos 14 anos a propor material para algumas lojas vizinhas na Vila Mariana, mas nunca fui bem-sucedido. Depois trabalhei no jornal do bairro, e além de escrever matérias, tinha de vender espaço. Finalmente, fui trabalhar na Colgate Palmolive - e tive a sorte de ser aprovado na Escola de Propaganda. E me encantavam as aulas com profissionais tão consagrados, Alfredo da Silva Carmo, José Kfouri, Renato Castelo Branco, Rodolfo Lima Martensen, Caio Domingues, Gherard Wilda, e tantos outros. Ao mesmo tempo, fazia o curso na Escola de Sociologia e Política. E o que desencantou (se desencantou)? Duailibi - Nunca me desencantei da publicidade, com exceção de um período em que as boas agências foram afastadas das contas governamentais, que passaram a ser cuidadas por agências sem credenciais, mas alinhadas ideologicamente com políticos ou políticas. Mas hoje vejo que, no fundo, foi uma sorte não ter participado dos negócios desse período. Outro desencanto foi ver, em algumas empresas, pessoas que pediam propina. Perdemos, ou deixamos de ganhar, algumas contas por causa disso, mas nunca cedemos. Acho que também foi uma sorte. Vi grandes marcas serem destruídas por administradores corruptos. Seleciono três citações de um dos seus mais famosos livros (Livro das Citações): "Sempre peça emprestado a um pessimista. Ele nunca espera receber". "Ninguém jamais morreu afogado em seu próprio suor". "A chave para o sucesso nos negócios é reservar oito horas por dia para o trabalho e oito para dormir e ter certeza de que não são as mesmas". Panorama da política VITÓRIAS e vitórias Há VITÓRIAS, como a dos aliados na II Guerra Mundial contra Hitler e seu nazismo, e há vitórias como a de Pirro, o rei grego que comandou seu exército contra os romanos, chegando a esmagá-los, mas com a perda de muitos generais. Os romanos conseguiram rapidamente repor suas baixas, mas não Pirro, que viu Roma se tornar uma potência. O que pode parecer uma espetacular vitória, hoje, a depender das condições dos adversários e suas circunstâncias, ameaça, tempos depois, ser humilhante derrota. Vejam o caso da vitória de Napoleão Bonaparte na Rússia. Em setembro de 1812, ganhou a luta contra os russos, que custou aos franceses a perda de 35 mil vidas, enquanto os adversários contabilizaram 40 mil mortos. Moscou foi incendiada. Rapidamente, os russos repuseram seus efetivos, enquanto os franceses, não suportando o rigoroso inverno, entraram em Paris humilhados. Imensa catástrofe. Vitórias como as de Pirro ocorrem aqui e ali. P.S. É oportuno lembrar a guerra dos EUA no Vietnã. Vitória de Bolsonaro O governo Bolsonaro acaba de registrar grande vitória na guerra pelo comando do Senado e da Câmara. A conversa à boca pequena é: ele fez barba, cabelo e bigode. Será? É claro que Bolsonaro ganhou. E ganhou bem, derrotando figuras de porte, como o ex-presidente e prócer do DEM, Rodrigo Maia. Teria usado armas pesadas, do tipo R$ 3 bilhões, para atrair votos que iriam para Baleia Rossi, MDB-SP, e Simone Tebet, MDB-MT. E mais: puxou o apoio do Centrão. Esse ente que monta no cavalo do poder, livra-se do cavalo cansado e pega adiante outra montaria cheia de saúde e viço. O Centrão é assim. Muda de posição como as nuvens. Hoje, é governo, amanhã será governo, arrumando sempre um jeito de se acomodar. O Centrão indiano O Centrão é um ente amalgamado. Tem um pouco de tudo. E possui três olhos, o terceiro no meio da testa, o bindi. Maneira fácil de identificar sua religião franciscana: é dando que se recebe. Lembrando: o terceiro olho é aquela pinta que indianas usam para mostrar que seguem o hinduísmo. No caso do Centrão, é um olho que enxerga coisas do arco da velha, apetrechos que os olhos comuns não conseguem ver. O olho da direita detecta as coisas que vão bem; o olho da esquerda aponta o que está errado, as ruindades de governos e suas administrações. Os dois olhos mandam as informações para o cérebro dos membros do Centrão. O terceiro olho aponta qual o caminho a seguir. Pois bem, Bolsonaro tem hoje o apoio desse bloco. Não haverá impeachment. A agenda do Executivo será cumprida. Porém, no curto prazo. No médio prazo, se os olhos do Centrão detectarem ameaças de perigo, a corrida para outro lugar será bem previsível. Mudanças O fato é que as eleições no Senado sinalizam mudanças na paisagem da política: 1. Extingue-se o que Bolsonaro designava, em sua campanha, como a nova política ou a antipolítica, como queiram; 2. Vai para o lixo a prerrogativa, no Senado, de conceder ao maior partido o comando da Casa (hoje é o MDB); 3. O conceito de independência do Legislativo continuará a ser peça de ficção; 4. O Centrão dará as cartas em um primeiro momento, mas será um milagre se continuar cacifando o jogo por mais de um ano; 5. Grandes partidos, como PSDB, DEM e o próprio MDB, assumem explicitamente sua identidade de Janus, o deus de duas caras: uma, a de um homem velho, de cabelos longos e enorme barba; outra, um rosto jovial, de cabelos não tão longos e sem pelo na face. Janus é a entrada e a saída; 6. Em suma, as eleições no Legislativo confirmam a hipótese da sentença: plus ça change, plus c'est la même chose (quanto mais muda, mais permanece a mesma coisa). O divisionismo A atração do Centrão para fincar estacas na administração de Bolsonaro atende ao seguinte pressuposto: quanto maior a divisão de alas que habitam o centro do arco ideológico, com ramificações à esquerda e à direita, maior a probabilidade de o capitão-presidente levar a melhor no pleito de 2022. Ou seja, ele prevê que a dispersão do centro produzirá um conjunto de candidatos nessa esfera, deixando que ele e o PT voltem a ser os polos de uma batalha contundente: nós, os libertários, contra eles, os comunistas, os destruidores dos valores da família. O comandante parece esquecer a lição de Heráclito de Éfeso: ninguém entra em um rio duas vezes no mesmo lugar. As águas serão outras. O espírito do tempo puxa suas circunstâncias. Ou seja, a economia, a alegria ou a tristeza, a felicidade ou a infelicidade, uma quantidade maior ou menor de dinheiro no bolso, os impactos duradouros da gestão/congestão da economia, o rolo das pressões e contrapressões, o estágio civilizatório do país - serão, entre outros, fatores a determinar a caminhada dos eleitores em outubro de 2022. O perfil do líder Nessa moldura, a própria índole de Sua Excelência estará sob o olhar das massas. Continuará a ser o fogueteiro que incendeia o ânimo de um grupo que habita a parte da extrema direita do arco ideológico? Terá adocicado a língua amarga? Seus filhos persistirão no monitoramento da administração? O presidente ainda ouvirá o eco dos gritos clamando pelo "mito"? O senador Flávio, o número 1, já teria resolvido seu caso na Justiça? Paulo Guedes ainda estará no leme na economia? O auxilio emergencial continuará bancando o apoio de parcela ponderável das massas? Respostas a essas questões influirão na avaliação positiva/negativa do líder. (É possível que vejamos certo impulso ao neopopulismo). Maia Rodrigo Maia deixa a presidência da Câmara muito comovido. Chorou em seu discurso, o que é compreensível ante a traição que sofreu com a debandada de muitos de seus aliados, incluindo seu próprio partido, o DEM, que liberou a bancada para votar em Arthur Lira. Maia foi um dos melhores presidentes da Câmara. Merece figurar na galeria dos grandes. Será difícil permanecer no DEM. Para onde ir? Mais adiante, conhecendo bem o corpo parlamentar, poderá se transformar em exímio articulador das forças de centro-direita e centro-esquerda. A conferir. Homenagem a Nelson Dia 10 de fevereiro, quarta-feira, às 17h, será realizada pela Academia Norte-rio-grandense de Letras a homenagem in memoriam ao acadêmico Nelson Ferreira Patriota Neto, sucessor 3 da cadeira 8, que tem como patrona Isabel Gondim. A Saudação de Louvor será proferida pelo acadêmico Lívio Oliveira, que ocupa a cadeira 15. Nelson, escritor, jornalista, sociólogo, tradutor e crítico literário, faleceu aos 71 anos, dia 6 de janeiro, deixando uma vasta obra, com destaque para Livro das Odes; Colóquio com um Leitor Kafkiano-Contos; Uns Potiguares- Escrito sobre as Letras Norte-rio-grandenses; Um Equívoco de Gênero e Outros Contos e Tribulações de um Homem chamado Silêncio.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Porandubas nº 702

Abro a coluna com uma historinha sobre o mestre Câmara Cascudo, contada com a verve do presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Diógenes da Cunha Lima, no livro "Câmara Cascudo, um Brasileiro Feliz". Exposição Uma artista famosa reclamou a ausência de Cascudo na sua exposição: - Você não veio ver os meus quadros. Prometeu e não veio. Esperei até tarde da noite. - Não fui pela impossibilidade material de ver os seus quadros. Ficaria olhando exclusivamente para você. Vamos à análise política. O estado do país As coisas melhoraram em uma semana? Um pouco mais de esperança irriga as veias sociais com a chegada das primeiras (e pequenas) doses de vacina. E a má gestão da epidemia abate alguns pontos no ranking da imagem positiva do governo. A querela entre Bolsonaro e João Doria sobre os vencedores da "guerra da vacina" deu ao governador paulista alguns pontos de vantagem. Mas o PNBF - Produto Nacional Bruto da Felicidade ainda está muito baixo e não sinaliza expansão no curto prazo. Adjutório emergencial O auxílio emergencial continua na gangorra. Ora, sobe a possibilidade de renascer sob a nova designação - Renda Brasil - incorporando o Bolsa Família, ora desce com as referências crescentes ao teto de gasto. Paulo Guedes está de olho no Tesouro e põe a boca no mundo ante a ameaça de se furar o bloqueio imposto pelo teto. Mas a tábua de salvação de Bolsonaro foi e continuará a ser o cobertor social. Sem ele, de corpos expostos aos impactos das crises (sanitária, econômica, política etc), os contingentes mais carentes abrirão o berro. E nenhum governante se elege ou se reelege sem o apoio das massas. Economia frágil A economia, por sua vez, não será alavancada no curto prazo. Os empresários indicam a continuidade de graves distorções. Os investidores, com seus mega investimentos, fogem do país. Até a substituição de Guedes volta a frequentar os corredores da rádio-peão. Este consultor não aposta na hipótese, apesar de estar à vista uma mexida na Esplanada dos Ministérios. Pazuelo esgotou seu tempo na administração. A cúpula das Forças Armadas está insatisfeita com sua ação, e não são poucos os que discordam de sua continuidade como um general ainda na ativa. O militar recusa-se a usar o pijama de aposentado. A briga pelo comando das Casas O remanejo ministerial levará em conta a estratégia de ampliar e consolidar a base de apoio ao governo, começando com a eleição do presidente da Câmara, nesse caso, Arthur Lira, do PP de Alagoas, sobre o qual recaem denúncias que estão no STF. O opositor, Baleia Rossi, MDB-SP também é alvo de acusações. Mas o vitorioso ganhará com o voto de uma parcela que tende a decidir caminhar na rota das benesses. Já no Senado, a força de Rodrigo Pacheco, do DEM-MG, é mais visível, eis que conta com o rolo compressor do Davi Alcolumbre (DEM-AP), atual presidente, e o próprio apoio do governo, mesmo que o senador Fernando Bezerra, MDB-PE, líder do governo no Senado, tenha garantido seu apoio à senadora Simone Tebet (MDB-Mato Grosso do Sul). Reeleição no tabuleiro Pois é, as pedras do pleito de 2022 já estão no tabuleiro. Condições positivas para Bolsonaro: 1. Recuperação da economia; 2. Remontagem do cobertor social - Renda Brasil; 3. Presidentes da Câmara e do Senado do seu lado; 4. Recuperação do desgaste com a gestão da economia; 5. Melhoria da imagem do Brasil no conjunto das Nações, com mudanças na condução do meio ambiente e das relações exteriores; 6. Absorção de facções do centro, agregando eleitores centristas e ampliando sua base radical; 7. Grande divisão da direita, centro e centro-esquerda, o que pode lhe render maior apoio e unidade. 8. Menor radicalização da política. Condições negativas para Bolsonaro: moldura acima não será como a descrita. Desabafo Um renomado professor e médico virologista da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, desabafou: "o saco encheu, no seu c..". Assim, de forma curta e direta, o médico Maurício Lacerda Nogueira respondeu às mentiras que viu no Facebook sobre a vacina contra o coronavírus. A mentira: duas pessoas teriam morrido após serem imunizados. O pesquisador diz que não planejou nada e apenas vocalizou o que pensam milhões de brasileiros contra os negacionistas. A resposta viralizou nas redes. Barbárie Nesses tempos de pandemia, resta esperança de voltarmos aos tempos da convivialidade, quando a solidariedade, o respeito ao próximo, o exemplo do bom viver nos envolvia? Ortega y Gasset, há 95 anos, quando começou a escrever "A Rebelião das Massas", parecia já não acreditar no homem fraterno. Enxergava a barbárie, a incivilidade, o homem-massa, em quem via o novo protagonista da vida pública. E lembrava Hegel, apocalíptico: "sem um novo poder espiritual, nossa época produzirá uma catástrofe". E também apontava para Nietsche berrando num penhasco de Engadine, na Suíça: "vejo subir a preamar do niilismo". Academia I Mas a Humanidade sempre encontra no meio do deserto de ideias uma fonte para saciar a sede do saber: os centros e espaços da ciência e da cultura, onde as descobertas estendem os limites da vida humana. No campo das artes, das letras e da cultura, emergem, por exemplo, as academias, essa bela herança que os gregos antigos nos deixaram. Sócrates andava pelas ruas de Atenas, dialogando e tentando se descobrir: "só sei que nada sei". Platão, seu maior discípulo, formou o "Jardim de Academus". Academia vem daí. Aristóteles deixou também seu "Liceu", onde praticava a arte da educação. Academia II E, desde então, as academias se espalharam. No caso das Academias Literárias, adotamos o modelo francês, criação de Richelieu em 1635, organizada com número fixo de membros e patronos, com vitaliciedade acadêmica. A teia das academias se espalhou pela Europa. Por aqui, uma ganhou muita importância, a Academia Real da História Portuguesa (1720 - 1776), em Lisboa. Em março de 1724, na cidade de Salvador, Bahia, fundou-se a "Academia dos Esquecidos". Em junho de 1759, um grande intelectual, José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho Melo, fundou a Academia dos Renascidos. Pombal mandou então "sepultá-lo vivo". A barbárie voltava. Até que em 1894, foi fundada a Academia Cearense de Letras, três anos antes da Academia Brasileira de Letras, criada em 20 de julho de 1897. A academia potiguar E aí chegamos à ANRL, a academia do meu torrão potiguar, criada em 1936, por inspiração e iniciativa de um grupo de amigos, liderados por um dos maiores gênios da cultura brasileira, Câmara Cascudo. Seu contemporâneo, o também fundador Onofre Lopes, o chamava de "nossa mais antiga universidade". Nesse ciclo de pandemia, que se alimenta de desinformação, mentiras (fake news) e falsas versões, devemos enaltecer os espaços onde se cultuam valores nobres, como a pluralidade das ideias, a elevação das letras e das artes, a promoção do saber, o convívio com perfis que emolduram a galeria da grandeza de um Estado. Murilo Reverencio a memória do querido amigo Murilo Melo Filho, um potiguar que representou a nossa terra na Academia Brasileira de Letras, um mestre do jornalismo, com suas célebres entrevistas na revista Manchete, com a cobertura de grandes eventos internacionais, com seus livros e com seu amor ao torrão potiguar. Encontro com a emoção Esta semana tive oportunidade de mergulhar profundamente no poço da emoção. Fiz um mergulho no Museu do Sertão, em uma surpreendente viagem virtual, onde me deparei com coisas da minha infância em Luis Gomes: cerca de 3 mil pec¸as distribuídas em 11 pavilhões temáticos, abrigando casa de taipa, mobília típica, pátio de artes ao ar livre, plantas, objetos e utensílios do semiárido nordestino, implementos agrícolas, equipamentos e máquinas das agroindústrias do passado (casa de farinha, engenho de rapadura, alambique de cachac¸a, oficina de carne de charque, cozinha de queijo de coalho e de manteiga de garrafa, descaroc¸ador de algodão, casa de beneficiamento de cera de carnaúba, usina de preparação de óleo de oiticica, galpão de beneficiamento de fibra de caroá, galpão de preparo de borracha de manic¸oba e sala de fiar e tecer. P.S. Meu pai tinha bolandeira (casa de farinha), engenho (rapadura, alfenim) e comercializava algodão. Um obstinado professor A fundação e a manutenção desse Museu se devem a um obstinado cearense, o professor Benedito Vasconcelos Mendes, (que foi colega de escola de Belchior, falecido), quando chegou a Mossoró, na década de 70, para ensinar na Escola Superior de Agricultura, hoje UFERSA - Universidade Federal do Semi-Árido. Aberto ao público em 3 de agosto de 2003, por ocasião dos 58 anos do mestre Benedito, mantido com seus proventos do professor, o visitante, para entrar, leva um kg de alimento não perecível, destinado ao Lar da Criança pobre de Mossoró. Uma aula magna sobre o semiárido Uma obra admirável sobre o homem e a cultura do semiárido e um empreendimento de inestimável valor social. Assim se deu meu recente reencontro com a querida cidade, onde estudei no Seminário Santa Terezinha, dirigido por padres holandeses, do preliminar ao último ano do ginásio. Desde cedo tive contato com latim e grego. Obrigado, professor Benedito, também pelas interessantes aulas sobre Civilização da Seca e Religiosidade. Tenho aprendido muito com suas palestras virtuais e exposições. O sertão decifrado. Um modelo para outros Estados.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Porandubas nº 701

Abro a coluna com uma historinha de PE, já contada e sempre requisitada. "O verbo não vareia" A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens". - Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa. - Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia". (Historinha de Ivanildo Sampaio). Ufa, a vacina chega Depois de querelas e muita polêmica, a vacina chega aos postos de saúde e hospitais. Vestida do vermelho chinês da Sinovac e de verde e amarelo do Butantã, é aprovada pela Anvisa e abre o processo de vacinação no país. Houve uma queda de braço entre Jair Bolsonaro e João Doria. Este venceu. A vacina da AstraZeneca, sob o selo da Fiocruz, ostentada como trunfo do governo, está em compasso de espera. Os atores são chamuscados. Bolsonaro e Pazuello O militar que Bolsonaro impôs no Ministério da Saúde ganha o TI - Troféu da Incompetência. Diz e desdiz o que disse. Entra bem no traje de comediante. Ou de uma personagem mais tétrica, porque o país vive uma tragédia, não uma comédia. O Imponderável pregou mais uma das suas. A "vacina chinesa de João Doria", que o Brasil não compraria, segundo promessa do presidente, acabou se tornando a grande esperança nacional. E os chineses, agora, terão condições de esnobar. Como? Insumos Lembra a professora Margareth Dalcomo, da Fiocruz, que todas as vacinas, repito, todas usam insumos produzidos na China. O Brasil não fabrica insumos para doenças pandêmicas. De modo que o mundo todo usa vacinas com o tempero chinês. E qual a melhor vacina, professora? Ela responde: a primeira que chegar. Uma vacina que propicia 50% de possibilidade de uma pessoa não ser afetada é, segundo ela, uma enorme vantagem. Ainda sob as hipóteses de que alguns podem ter leves/moderados danos ou graves, mas estes não morrerão por Covid-19. Viva a Coronavac. Heróis do momento Vale homenagear os heróis do momento: os contingentes mobilizados na frente da saúde, aqueles que estão nos hospitais, enfermeiras (os) e médicas (os), e os cientistas que comparecem aos meios de comunicação para explicar, de forma didática, todo o aparato informativo necessário para os leigos entenderem melhor o fenômeno. A Anvisa Merece os aplausos dos brasileiros por ter dado uma decisão sob parâmetros técnicos, condenando, ainda, as alternativas de tratamento precoce como cloroquina, vermífugos e quetais. Um tapa com mão de luva nos cloroquínicos e adjacentes. E agora, José Tentarei responder Drummond. A festa não acabou. A fogueira vai continuar acesa por todo o ano de 2021. Queimará as pestanas de alguns protagonistas da política, a partir de Bolsonaro. E esquentará os corações das pessoas de fé. A luz apagou. Apagou no Amapá, um pouco em Teresina e continuará a apagar com os danos em equipamentos mal conservados. O povo sumiu. Sumiu nada. Vai reaparecer em alguns espaços, bastando a confiança voltar a habitar suas cabeças. E vai voltar reivindicando outras coisas, como auxílio emergencial. A noite esfriou. Pouco, esse ano. Apenas em partes do sul do país. E agora, José? E agora, Pazuello? Qual a logística para vacinar todo o país, se vocês execram a China? E agora, Bolsonaro? Você que é sem nome. Sem nome? Ora, carrega o nome de Messias. Que zomba dos outros. Pois é, Excelência, não zombe dos outros, dos que tomarão vacina, daqueles que põem fé na Ciência. E acreditam que a terra é redonda. Impactos na política Bolsonaro será atingido por respingos de protestos e indignação de milhões de brasileiros que enxergam incúria, desleixo, má gestão no enfrentamento da pandemia. Pazuello descarrega um caminhão de lixo sobre a imagem das Forças Armadas. A curto prazo, o desgaste na frente política será pequeno, não devendo mudar o curso das eleições na Câmara e no Senado. Mas os pontinhos de queda na pesquisa do Antonio Lavareda, esta semana, serão atentamente acompanhados pelo corpo parlamentar. Os políticos são pragmáticos. Com um olho, enxergam benesses da máquina governamental; com outro, a reação das ruas. Se a economia não melhorar a condição do bolso das margens carentes, auxílio emergencial acabando, pandemia ainda com seus surtos, ante um quadro como esse, a esfera política acaba tomando distância de Bolsonaro. Governadores Os governadores, uns mais, outros menos, procurarão tirar algum proveito da vacinação em seus Estados. Entrarão nas molduras fotográficas sob certa desconfiança. 2021 será um laboratório de experiências. Saúde estará liderando o rol de demandas. Deverá ocorrer um realinhamento partidário, com a saída e entrada de representantes e governantes. Mas a pandemia marcará a política com sinais de desconfiança, descrédito, certo desprezo e até rancor. O milagre de Maomé Alguns tentarão fazer como Maomé, que levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. Do cume, faria preces para aqueles que o seguissem. O povão reuniu-se. Maomé chamou a montanha diversas vezes. E a montanha quieta desafiava o profeta, que não se deu por vencido. Gritou para a massa: "se a montanha não quer vir até Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Ensina Francis Bacon: "assim, esses homens que prometem grandes prodígios e falham vergonhosamente, passam por cima de tudo, dão meia volta e realizam os seus feitos". São audaciosos. O espírito da nação A fé é a mola que impulsiona a vida social. Por mais que seja amortecida por crises intermitentes - sanitária, econômica, política - a fé tem a capacidade de renascer e fortalecer os ânimos. O povo brasileiro padece de uma grande crise de fé. Futricas, apropriação do bem público, conluios, emboscadas, traições, maquinações são alguns dos ingredientes que entram nesse caldeirão da fé. É evidente que a autoestima do brasileiro está em baixa. Uma questão de ausência de fé no amanhã. O Produto Nacional Bruto da Felicidade está entre 0 e 3 numa escala de 10. Enem, um fracasso Aplicou-se a lei. Fez-se o Enem, o exame do Ensino Médio. Mas a voz do bom senso pedia o adiamento desse exame, ameaça nesse momento em que a epidemia volta ao pico. Mais de 50% de abstenção. E onde está ou esteve o Ministério da Educação? Ganha um picolé de araçá (ih, como eu apreciava essa frutinha na infância) quem disser, agora, o nome do ministro da Educação. Trump saindo pelos fundos O general Figueiredo detestava Sarney. Saiu por uma porta lateral do Palácio do Planalto, não por uma porta dos fundos, como se conta para aumentar o impacto. Mas Donald Trump está saindo, com sua trupe, de forma a evitar flagrantes. Sai pelos fundos. Mas vai ser difícil escapar ao retrato. Trump tem ainda um batalhão de simpatizantes, proprietários rurais e desempregados do Círculo da Ferrugem (Arizona, Ohio,etc.). Sai de forma arrogante, com seu sobretudo preto, que não consegue apagar o contraponto: um sobrenada (rsrs). Reversão de expectativas Roberto Campos era um crânio, como se diz na linguagem para designar um homem de extraordinários conhecimentos. Ele sempre dizia que a pior coisa que pode ocorrer com um governo/governante é "uma reversão de expectativas". Ou seja, o governante promete tudo. E o povo recebe nada. Ministro do Planejamento do presidente Castelo Branco, foi a Recife, em 1965, e na Sudene fiz a ele a pergunta: "ministro, sua estratégia é a de pulverizar a distribuição de verbas no Nordeste"? Embutia a ideia de uma distribuição pequena, migalhas, para cada Estado. Pegou este iniciante de surpresa, gerando uma reversão de expectativas. Ao lado esperando resposta, ouvi dele: "o que o jovem entende por pulverização"? Fiquei pasmo e mudo. Fecho a coluna com mais uma historinha de PE. "Só expectorante" Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra: - E você, amigo, não tem nada a dizer? O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu: - Não, doutor, estou apenas expectorante. Abriu a gargalhada dos companheiros espectadores. ("Causo" contado por Marco Maciel e relatado à Coluna por Geraldo Alckmin.)
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Porandubas nº 700

Abro a coluna com uma historinha do Piauí. Hermenegildo Recebi de Raimundo Junior uma historinha do Piauí que foi contada por seu pai, Raimundo Dias, ao nosso amigo Sebastião Nery, com quem estudou no Seminário. Vejam o inelegível: O candidato contra Jorcelino chamava-se Hermenegildo. O advogado de Hermenegildo, na impugnação de Jorcelino, era Benjamin Lustosa. O dr. Benjamin ficou a audiência inteira tentando provar que Jorcelino era "inelegível". Era "inelegível prá cá, inelegível prá lá". Quando saíram, Jorcelino disse a seu advogado, Raimundo Dias: - Doutor, o senhor viu como o Dr. Benjamin está louco? - Por quê? - Ele passou o tempo todo dizendo que eu era Hermenegildo. (A fonética entrou mal nos ouvidos de Jorcelino). Panorama Como tenho dito e escrito, projetar cenários é um desafio dos mais instigantes para os analistas da política. Principalmente quando fatores imprevisíveis baixam sobre o planeta. Mesmo assim, arriscamo-nos a fazer o exercício. Na esfera mundial, são visíveis certos fenômenos que tendem a se avolumar na esteira da desigualdade, que se expande na economia e seus impactos sobre as Nações. Dentre estes, podemos apontar a polarização política, o enfraquecimento dos partidos de esquerda e centro-esquerda, o declínio das ideologias, a indignação das bases com entes partidários e seus protagonistas, a fragmentação das classes médias, enfim, o solapamento de valores clássicos da democracia. A crise da democracia Em seu clássico Sociologia Política, Roger-Gérard Schwartzenberg descreve com primor alguns desses fenômenos, mostrando a ascensão de outros vetores da política - como a emergência dos técnicos/burocratas, firmada sobre a aliança entre políticos e círculos de negócios. Norberto Bobbio, por sua vez, em O Futuro da Democracia, mostrou as promessas não cumpridas pelos sistemas democráticos: a educação para a cidadania, o combate ao poder invisível, a transparência dos governos, a permanência das oligarquias. Já Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, ao analisar a recente invasão do Capitólio, a sede do Poder Legislativo, é peremptório: "agora os EUA não podem mais se vender como bastião da democracia". Afinal, o que está acontecendo lá fora e por aqui? O fanatismo O fracasso dos governos contemporâneos tem expandido a ira social. Ira que se transforma em busca de "novos profetas e salvadores da Pátria", manifestações populares e mesmo a devastação de espaços públicos. Claro, com a eleição de figuras que mais se identificam com o estilo outsider, como Trump e Bolsonaro, mesmo sendo este um político que passou quase três décadas no Parlamento. Esse fanatismo se encontra com outros eixos, como o religioso, particularmente os credos engajados na extrema direita e comprometidos com defesa da família e de valores tradicionais. O nacional-populismo Onde esses grupos encontram um escoadouro para jogar as suas mágoas e encontrar motivação para seu engajamento na vida político-institucional? Na corrente nacional-populista, que defende um escopo pátrio, de fundo populista, com políticas que venham ao encontro de seus anseios, como defesa do emprego para os nativos, não para imigrantes, que deverão ser proibidos de entrar no país. "Cinturão da ferrugem" É o caso dos Estados Unidos, onde Trump, na campanha de 2016, foi intensamente votado no "cinturão da ferrugem", região localizada no Nordeste dos Estados Unidos, composta pelos Estados de Michigan, Minnesota, Ohio, Iowa, Pensilvânia e Wisconsin, que tiveram uma indústria bem desenvolvida até o século 20, mas depois sofreram com o declínio da economia, desemprego, redução da população e decadência urbana. O nome faz referência às fábricas hoje abandonadas na região. Aí Trump, em 2016, foi consagrado sob o lema o lema "Keep America First" ("Os Estados Unidos em primeiro lugar"). O empobrecimento das classes médias As classes médias têm perdido seu poder de fogo. Na esteira da crise que se expande para além da pandemia, deteriorando as economias, a sociedade busca novas fontes de poder. As classes médias, que sempre exerceram seu papel de pedra jogada no meio do lago para formar ondas que correm até as margens, dividem-se em grupos com afinidades profissionais, dando origem às bancadas especializadas de representação política, como médicos, advogados, ruralistas, mulheres, transgêneros etc. Ou seja, as vozes que tocam na tuba de ressonância social agora fazem parte de orquestras mais fechadas. As massas acorrem às ruas quando convocadas por suas categorias profissionais. O empobrecimento das classes médias integra o painel do empobrecimento global. Os tais três trilhões de dólares que corriam, como nuvens, para descer nos mercados mais promissores, estão se evaporando. Outra tuba Quem está enriquecendo, e muito, são os empreendedores nas áreas do conhecimento tecnológico e inteligência artificial, os promotores de negócios nas áreas de serviços, os apostadores nas invenções que poderão mudar o curso da Humanidade, como carros elétricos, aeronaves para prospectar condições sobre o futuro da civilização noutros planetas e aqueles que se aproveitam para atender novas demandas dos consumidores. Esse bloco tem como suporte a nova tuba de ressonância social, as redes tecnológicas da Internet. Explosão As massas carentes juntam-se aos grupos insatisfeitos e, em caso de agravamento de sua situação - hipótese que leva em conta o destroço das economias - podem formar um gigantesco barril de pólvora. Sinais de erupção já se vêem aqui e ali. Se o "mundo de cima" não der respostas satisfatórias ao "planeta de baixo", não podemos esperar que cresça o Produto Nacional da Felicidade nas Nações. Canaliza-se a insatisfação para os tanques dos movimentos populistas, que poderão eleger figuras estrambóticas e escandalosas. E pior é quando tais figuras ameaçam mobilizar seus simpatizantes com propostas antidemocráticas. Atentem: a invasão do Capitólio ocorreu no seio da maior democracia ocidental, como é conhecida a Pátria de George Washington. Haverá perigo? Adam Przeworski acha que a democracia não está em perigo. Suas palavras: "nos últimos 20 anos, mais ou menos, houve um aumento claro de partidos radicais de direita, mas parece que o apoio para esse tipo de radicalismo de direita fica sempre na faixa de 20% a 25%. O fato é que as instituições representativas tradicionais não funcionam muito bem. Se você é uma pessoa pobre no Brasil, no México, na Espanha, na Grécia, e se pergunta o que essas instituições fizeram por você ao longo da vida, a resposta será 'muito pouco'. Desigualdade em alta é sintoma de algo errado com as instituições. A crise veio para ficar, mas não ameaça a existência da democracia na maior parte dos países". E por aqui? Por nossas plagas, os fatos ocorridos na contemporaneidade se relacionam a alguns fatores acima citados. Mas algumas situações merecem destaque. Por exemplo, a gestão governamental Federal no combate à pandemia é um caso sui generis de despreparo, desleixo, incúria, irresponsabilidade. Um país de 210 milhões de habitantes, um território continental de riquezas inigualáveis, uma economia que, apesar dos pesares, ainda é uma das maiores do mundo vive um clima de futrica em torno das vacinas e de seus protagonistas. Quem vacinará primeiro? O governo Federal ou o governo de São Paulo? Triste ver o nosso mandatário-mor usar a vacina como mote de suas piadas e os mais de 200 mil mortos como coisa absolutamente natural. "Vacina transformará a pessoa em jacaré". Autoritarismo Quase todos os dias vemos cenas de descontrole e falta de planejamento por parte das autoridades Federais. E, no meio da bagunça, sobram espaços para piadas e chistes, declarações que não dizem nada - "a vacinação vai começar no dia D na hora H". Essa pérola de autoria do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, deve brilhar no museu da esquisitice. Mas é preocupante a relação de coisas absurdas que se espraiam: uma investigação criminal sobre os jornalistas Ruy Castro e Ricardo Noblat, o primeiro por ter sugerido, em artigo na FSP, que tanto Trump e Bolsonaro poderiam seguir o caminho do suicídio para ganhar fama na história. O segundo, Noblat, por ter publicado o texto em seu blog. O tom de galhofa com que Castro se refere a Bolsonaro é bem diferente da defesa da tortura que o presidente sempre fez e faz questão de fazer nos tempos do regime militar. Ausência de líderes Infelizmente, nos horizontes de nossa política, não se enxergam líderes, perfis de respeito, autoridade e sapiência que possam traduzir a chama da esperança. Os nossos representantes vivem na arena da política de interesses, saindo de uma eleição e já se preparando para outra, não dando tempo nem para limpar destroços das administrações em fim de mandato. Uma eleição atrás da outra, com poucas opções de escolha, acaba amortecendo a motivação de eleitores. E quando o bolso apertar mais ainda, com a extinção ou diminuição do auxílio emergencial, é possível prever contingentes desesperados saindo às ruas para cobrar o que lhes prometeram. Da mesma forma, a fome, como a vacina, não tem ideologia. Na padaria Conversa entre dois senhores de cabelos grisalhos esperando pelo pão. "Fulano, como eu tenho também a nacionalidade portuguesa, corri a Lisboa para me vacinar. Me vacinei e aqui estou de volta". Números de contaminados sobem diariamente.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Porandubas nº 699

Abro a primeira coluna do ano com uma historinha de Caruaru. Uma infelicidade Em Caruaru/PE, o coronel João Guilherme, senador estadual e chefe político, comprou a um matuto um cavalo de sela. Cavalo bonito, mas com a pálpebra caída. Cego de uma das vistas. Ao descobrir o logro, o coronel ficou indignado. Fez vir à sua presença o espertalhão. Ameaçou-o de cadeia. - Você teve a coragem de me vender um cavalo cego dum olho! Isso é uma falta de seriedade! Você fez negócio com um homem e não com um tratante da sua laia! Por que você não teve a franqueza de me dizer que o cavalo tinha esse defeito? - Mas, seu coronéu, vamincê me desculpe que eu lhe diga: o cavalo que eu lhe vendi não tem defeito, não! - Não tem defeito? Não tem defeito? Então, você acha que um cavalo cego dum olho não tem defeito? - Seu coronéu, vamincê me desculpe, mas eu acho que não tem não! Ser cego não é defeito: ser cego é uma infelicidade... (Historinha de Leonardo Mota em Sertão Alegre) 2021 sob olhar desconfiado Começa 2021. Os olhares diferem de foco e perspectivas. Uns olham para as cargas de vacinas que já chegaram e as que vão chegar. Há dúvidas sobre os rumos a seguir. O olho federal enxerga a imunização de um jeito. Os olhos de Estados e municípios não sabem bem para qual direção fixar sua atenção. Parcela da população nem pelas vacinas perde tempo, sob o descrédito da algaravia criada em seu entorno. O Brasil abre as cortinas do novo ano sob uma imensa sombra, que fecha os horizontes e turva a visão. Que vacina tomar? Alguns estão na dúvida: que vacina tomar? A pergunta que muitos fazem leva em conta a disponibilidade para escolher a vacinas. Pois vamos lá: não haverá essa possibilidade. Quem não tomar a que estará à disposição, perderá a vez. Daí a sugestão do bom senso: tome a primeira a que você, leitora/leitor, tiver acesso. Claro, depois de referendada pela agência de controle, a Anvisa. Se a eficácia for de 70%, vá em frente. Não espere a de eficácia de 95%. Um dia, uma semana ou um mês a mais poderá fazer diferença. E ninguém pode ser dar ao luxo de esperar pela vacina de maior eficácia. A segunda onda, pelo que se apura, está sendo mais perigosa do que a primeira. Bolsonaro O presidente continua a fazer muxoxo ante vacina a, b ou c. Está firme em sua posição - fazer aglomeração, não usar máscara ou usá-la apenas em eventos no Palácio do Planalto, considerar besteira essa ansiedade para tomar a vacina (no que é imitado por seu ministro da Saúde, Pazuello), não induzir ninguém à vacinação, muito pelo contrário. Seu foco é o encontro com as massas, uma escapada do Palácio ou um nado no mar para abraçar e ser abraçado pela galera na praia para ouvir o grito de guerra: mito, mito, mito. É o mito Jair Bolsonaro é um mito? Será que pode ser comparado a Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Getúlio Vargas, que tinham a admiração das massas? Está a léguas de distância. Não pode ser comparado nem aos generais dos tempos de chumbo, que tinham um programa a cumprir e até certo espírito democrático, como historiadores atribuíam, por exemplo, a Castelo Branco. Na verdade, o capitão está muito embaixo da régua do preparo e da competência, não apenas pela pequena formação obtida até o grau de tenente, sua patente antes de se aposentar, mas pela conduta que foge completamente à liturgia que deve cercar a figura do presidente da República e de um chefe de Estado. Por que o mito? Porque era a opção que o eleitorado enxergou para evitar a volta do PT ao poder. Ganhou em 15 Estados e no DF de Fernando Haddad. Encaixa-se na historinha: quem não tem cão caça com gato. Preencheu, ao mesmo tempo, o sonho da direita, que esteve recôndita ao longo de décadas. Valores tradicionais foram encarnados por Bolsonaro, que mediu o tamanho oceânico do vácuo entre a classe política e a sociedade. Tapou o buraco com sua presença. Mas o tampo não foi uma roda completa. Digamos que tenha sido uma roda um pouquinho maior do que a metade. Hoje, a maior parte da roda está contra ele. Puxar o passado Outra pergunta recorrente: e por que o capitão continua desaforado, xingando uns e outros, vituperando contra adversários, batendo em teclas de uma obsoleta máquina de escrever, quando todos (ou quase) preferem usar o teclado do computador? A imagem serve apenas para dizer que o presidente tem obsessão por coisas ultrapassadas. E não adianta dizer para ele que parceiros que gostam das mesmas coisas, como o ricaço Donald Trump, perdeu a eleição norte-americana por não querer ver traços de modernidade na sociedade e por um estilo arrogante com o qual passa a imagem de onipotente. Não é que, a essa altura, o cara ainda acha que ganhou a eleição no território da maior democracia do planeta? Segurar a base Mas não é apenas esse gosto de ressuscitar o passado, na forma de elogios e defesa da tortura e outras maluquices, que distingue a índole do capitão. Ele sentiu que uma base de apoio popular se faz necessária para criar o clima de campanha permanente. Nesse sentido, faz o que Lula, do PT, sempre fez. Campanha todo tempo, palanque como candidato e palanque como presidente. Bolsonaro precisa oferecer alimento para as galeras que o aplaudem. E veste-se com a roupa do homem comum, "uma pessoa como nós", que mergulha no mar, faz piadas, levanta e beija criancinhas, toma café na padaria, corta o cabelão com Mané Barbeiro, chega de surpresa nos ambientes e, sob os gritos de "é ele mesmo", puxa o laudatório "é o mito, é o mito, é mito". Refrão de campanha política. Equivale ao "Lula-lá" e ao "oPTei", criados pelo publicitário Carlito Maia, décadas passadas. Aliás.... Essa mania de apontar o candidato ou o governante como sendo isso e aquilo faz tradição por nossas plagas. Gleiber Dantas de Melo, em sua dissertação de mestrado, (Análise Discursiva do Governo do Monsenhor Walfredo Gurgel-1966-1971), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Avançado Profa. "Maria Elisa de Albuquerque Maia" (CAMEAM), como requisito para o título de mestre em letras, narra o seguinte sobre a campanha de 1965 para o governo do RN, disputada por Dinarte Mariz e Monsenhor Walfredo Gurgel. É o velho, é o padre - Não obstante serem Dinarte e Walfredo quase de uma mesma idade - aquele, nascido em 1903; este, em 1908 -, logo, e quase espontaneamente, se definiram os gritos da guerra eleitoral que estava por começar. Os correligionários de Dinarte, àquela altura com bastantes cabelos embranquecidos, gritavam: "É o velho, é o velho, é o velho!"; era mais fácil dizer assim do que repetir todo o slogan de sua campanha política: "O velho tinha razão!". Os eleitores de monsenhor Walfredo faziam a ofensiva, bradando: "É o padre, é o padre, é o padre!". O velho outra vez Mais uma de velho, desta feita com o mito Getúlio Vargas. Durante o Estado Novo (1937-1945), o retrato oficial de Getúlio Vargas, com a faixa presidencial, tirado em 1934, figurava também na parede dos lares, até de não-simpatizantes, por precaução. Com a deposição de Getúlio, após quinze anos no poder, o retrato saiu de cena. Mas, em 1950, Getúlio volta à chefia da Nação, agora eleito pelo povo, e o resultado foi uma marchinha de sucesso, cantada por Francisco Alves na folia de 51, conclamando a volta do retrato e ironizando os antigetulistas. (Letra: Bota o retrato do velho outra vez; bota no mesmo lugar; bota o retrato do velho outra vez; o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar. O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar; eu já botei o meu; e tu não vais botar; eu já enfeitei o meu e tu não vais enfeitar. O sorriso do velhinho faz a gente se animar). O espírito do ano Como fica implícito nas notas acima, o espírito do ano será impregnado pela política. Podemos prever o acirramento entre bolsonaristas e contrários. Poderia haver certo arrefecimento em caso de harmonia social, fruto, por sua vez, de economia alavancada. Essa possibilidade é remota. Será desafio o destravamento das engrenagens da economia. Os blocos partidários na Câmara e no Senado afiarão as suas espadas. O tom de beligerância seguirá em um crescendo até 2022. Reforma ministerial Para tentar adensar sua base política, o presidente deverá promover trocas de ministros. Não deu resultados, ministro cairá fora. A troca será constante, o que ocasionará muita desconfiança à esfera política. E à medida que o presidente vá esgarçando sua teia de apoio popular, os políticos tendem a se afastar do Palácio do Planalto. Olho por olho, dente por dente. Enem O Ministério da Educação acaba de apresentar o calendário do ENEM. Abaixo algumas pérolas dos testes do passado, enviadas por leitores: - A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos. - Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia. - O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas. - A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva. - O ateísmo é uma religião anônima. - A respiração anaeróbica é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos. - O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo. - Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto. - Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais. - Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio. - A harpa é uma asa que toca. - O vento é uma imensa quantidade de ar. - O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas. - Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor. - Péricles foi o principal ditador da democracia grega. - O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades. - A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário. - Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso. - O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro. - A febre amarela foi trazida da China por Marco Polo.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Porandubas nº 698

A última coluna do ano será um remix com comentários. Um ano novo pleno de saúde! Imagem das Forças Armadas Em janeiro, na nota sobre "O Poder Executivo - os militares", dizia que a ala do entorno presidencial, particularmente os generais, era mais forte no início do governo. O general Augusto Heleno, que responde pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, parecia o perfil mais poderoso do entorno presidencial. Ostentava a flâmula de poder moderador. Hoje, alinha-se completamente à linguagem do presidente, inclusive nos ataques a certas figuras da imprensa. Militares que saíram passaram a ser críticos. Transparece certa divisão na frente de apoios. Pois bem, a situação continua a mesma, com visível desprestígio para as Forças Armadas. Congresso Sobre o corpo parlamentar, escrevi que os representantes, já afeitos ao estilo rompante do presidente, cobrarão com mais força as demandas feitas junto ao articulador, ministro Luís Eduardo Ramos, e mesmo ao então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mexerão no regimento para tentar se reeleger? Alcolumbre topa, Maia é mais precavido. Em caso de novos dirigentes, a perspectiva é de que estejam mais alinhados ao discurso de autonomia e independência do Parlamento. Tempos de valorizar os conjuntos parlamentares e evitar que o Judiciário invada a esfera parlamentar. Continua a argumentação valendo. Uma Câmara independente - eis o discurso de Arthur Lira e Baleia Rossi, candidatos à presidência da Casa. Poder Judiciário Continuará sendo alvo da mídia e de parcela da esfera política, não conformada com suas decisões no âmbito da Lava Jato. Expande-se a sensação de que alguns ministros agem de maneira parcial e sob viés político. A substituição no final do ano do ministro Celso de Mello, decano do STF, abrirá o leque de especulações. Quem seria o perfil "terrivelmente evangélico" para entrar em seu lugar, conforme há tempos ao substituto se referiu o capitão presidente? O atual advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça? Pois é, acabou sendo escolhido um juiz alinhado com o presidente, mas o perfil "terrivelmente evangélico" continua na cabeça de Bolsonaro. 2º ano de Bolsonaro Dizia que Bolsonaro dá constantes sinais de que tentará a reeleição em 2022. Pois bem, o pleito municipal, com a escolha de 5.570 prefeitos e cerca de 57 mil vereadores, é a base do edifício político. O jogo do dominó, portanto, começa com o time de vereadores, que custam ao Estado cerca de R$ 10 bilhões anuais. O vereador empurra o prefeito, que empurra os deputados estaduais, Federais e senadores, que empurram o governador e cada um destes também dá seu empurrão para a eleição do presidente da República e seu vice. Assim, o capitão terá de se esforçar muito para puxar o apoio de governadores, senadores, deputados e prefeitos. Quanto maior sua fonte, mais água eleitoral entrará nas urnas. O presidente acabou não obtendo os louros de uma grande vitória. A quarentena Em fevereiro, escrevi que o Governo decidiu trazer os brasileiros que estão em Wuhan, na China, epicentro do coronavírus. Ponto para o Governo. Eles serão isolados numa quarentena de 18 dias. Um desafio. Há infectologistas como David Uip, que questiona a eficácia da quarentena sanitária prevista pelo Ministério da Saúde. Diz que há pouca informação sobre o tempo de incubação do novo coronavírus, não existindo de que o período de transmissão seria coberto. Essa foi a maior polêmica do ano: fazer ou não lockdown, esticar ou não a quarentena. Com a 2ª onda em curso, o relaxamento versus isolamento está na ordem do dia. PT e seu retrofit O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, sugere uma ampla aliança entre as oposições. E pede ao PT que tente mudar sua cara, a partir da mudança de nome. O que se chama de "retrofit", termo surgido na Europa e Estados Unidos, que significa "colocar o antigo em forma" (retro do latim "movimentar-se para trás" e fit do inglês, significando adaptação, ajuste). Na arquitetura, abriga um conjunto de ações de modernização e readequação de instalações. O objetivo é preservar o que há de bom na velha construção e adequá-la às exigências atuais. O PT foi um dos derrotados na campanha municipal e a sugestão de Flávio Dino não entrou na cuca de Lula. Perfil ideal Ainda em fevereiro tracei o perfil ideal para um bom candidato à prefeito: - símbolo da renovação - vida bem-sucedida no campo profissional - passado limpo, vida decente - boa expressão - capacidade de comunicação - eficiente articulação - apresentação de propostas que entrem na cachola do eleitor - condições para fazer uma boa campanha Os pontos, de certa forma, foram destacados, mas representantes do passado foram contemplados. Quarentena meia boca Em março, argumentei que o Brasil poderia alcançar resultados mais expressivos no combate à Covid-19, achatando de maneira mais rápida a curva do crescimento da epidemia. PODERIA. Mas não vai alcançar essa meta por algumas razões: 1. Nosso ethos tende a não seguir rigidamente as normas; somos um povo muito voltado para as transgressões; 2. A sociedade, mesmo apoiando com força o isolamento social, não age como impõem as regras. Em alguns espaços, até parece que o povo está gozando férias, indo às praias, fazendo festinhas; 3. O presidente da República, ele mesmo, funciona como aríete do escudo de defesa. Defende o fim do isolamento, com exceção da população idosa. E muita gente leva em conta a garantia de Bolsonaro de que só a volta ao trabalho evitará a ruína do país. Não tiro uma vírgula do que disse. Eleições municipais Em abril, frisei que seria muito difícil fazer eleição municipal em princípios de outubro. A data mais provável é 15 de novembro ou um uma data nos meados do mês. Mobilizar estruturas, preparar urnas eletrônicas ainda sob a fumaça da paisagem desolada, provocada pela Covid-19, animar candidatos, enfim, criar um clima eleitoral em tempos de medo e depressão são coisas que atrapalham as previsões. Quanto ao adiamento do processo eleitoral, impossível. Seria um golpe. Os eleitos de 2018 não ganharam esse esticamento por parte do eleitor. Na mosca. Panorama visto do alto Em maio, desenhei: São Paulo parece quieta. Só impressão. Menos carros, menos barulho. Mas, em suas casas, as pessoas estão atônitas, medrosas, estampando um aparente conformismo que as catástrofes costumam puxar. Se as nossas vidas precisam desse recolhimento, que o acolhamos. Muitos se rebelam. A paisagem é sombria. Um ou outro urubu cruza seus voos sobre o parque do Ibirapuera. O campo do ginásio quase todo coberto com um gigantesco toldo branco, onde um hospital de campanha abriga contaminados pelo vírus. Quando, quando, quando respiraremos ares mais saudáveis? Até hoje, a indagação continua na mente. 10 minutos com a mesma frase Ainda em maio, observei: Um controlador das mensagens aponta que, durante 10 minutos, leu a mesma mensagem em pretensos apoiadores de Bolsonaro: "não conheço um eleitor de Bolsonaro que viu o vídeo e esteja arrependido, pelo contrário, já iniciamos a campanha para 2022. É a melhor propaganda de todos os tempos". Marcelo Adnet, o comediante, joga nas redes um vídeo com a mesma frase e nomes de seguidores, alguns repetidos. Uma farsa, que deve ter o dedo do comandante das redes sociais do presidente. A linha de abordagens contrárias ficou mais restrita aos comentaristas de TV e de jornais. Além de articulistas de renome. Pois essa linha perdura até hoje. Brasil mais isolado Em junho, fiz a nota com o título acima. Trata-se de isolamento na esfera das Nações. A pandemia mata milhares pelo mundo. O Brasil se torna o epicentro, com liderança no ranking de mortos em 24 horas. E o que faz o governo? Ordena atrasar a publicação dos dados e manipular as informações. O ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, é um técnico de logística. Cheio de boas intenções. Mas nesse jogo de esfriar os números desfere um tiro na imagem. O Estado de Roraima acabou pagando o pato. Teria fornecido números errados. As autoridades de saúde de RR refutam. E o mundo, de queixo caído, indaga: existe democracia no Brasil? E complementei: em matéria de liderança, o Brasil é um mapa em branco. O país caminha às escuras por faltar um líder confiável, competente, capaz de comandar um Projeto de Nação. Esperança e desânimo Em julho, vi nos horizontes certa esperança e certo desânimo. A esperança emerge na onda de vacinas que começam a ser testadas em alguns países. Os relatos são otimistas. A Rússia entra na terceira fase de testes. Na Europa, Alemanha e Reino Unido avançam. Na China, os testes também estão avançados e contam até com a parceria brasileira. Em alguns países, a barreira sanitária tem impedido a disseminação da Covid-19. O lado pessimista aponta rebaixamento da imunidade das pessoas que desenvolveram anticorpos contra o vírus. Depois de alguns meses - falam em três - a pessoa poderá cair novamente doente. Uma espécie de vaivém. A mostrar que esse danado de bicho tem condições de ganhar força na esteira das fragilidades humanas. Ainda hoje as dúvidas formam polêmica. Bolsonaro e a base do lulismo Em agosto, acentuei coisas desse tipo: num curto espaço de tempo, o território do lulopetismo por excelência, o Nordeste, 27% da população do país, é invadido pelo novo governante que passa a ocupar o trono do pernambucano Luiz Inácio. Bolsonaro tem sido mais festejado do que Lula dos velhos tempos, quando era um Deus, o Pai dos Pobres, o salvador da Pátria para os nordestinos. É ovacionado aos gritos de mito, mito, mito. Põe chapéu de couro e cai nos braços da massa que espera por ele nos aeroportos. A ponto de um atento olheiro da cena política regional confessar, perplexo, a este consultor: o cenário é do frei Damião do passado. Bolsonaro vai ao Nordeste pela 4ª vez em 19 dias. Hoje, o auxílio emergencial é a tábua de prestígio presidencial. E quando acabar? BO+BA+CO+CA Ainda em agosto, voltei a falar na minha equação: Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. O auxílio emergencial na paisagem da pandemia cai dos céus como maná no deserto. E como cai. Permite que famílias carentes abasteçam a velha geladeira desprovida de alimentos. Ademais, o lulismo tem perdido fôlego na região desde os turbulentos tempos de Dilma e escândalos que cercaram o PT. Lula, por seu lado, não abriu o partido para novas lideranças. Os governadores petistas da região até se esforçam para fazer um bom governo, mas a crise econômica, ao lado da crise política e da crise sanitária, solapam as estruturas estaduais. Governar nesses nebulosos tempos tem sido um exercício de arte, técnica e sorte. Corrupção Em setembro, anotei: de tanto ser prato diário na mídia - Lava Jato, Witzel, outros governadores, delações premiadas, ações de busca e apreensão pela PF -, a corrupção vai diminuindo o tamanho do seu território no país. Não é o caso de garantir que vai ser extirpada. O jeitinho brasileiro, os dribles que os espertos costumar usar para cometer ilícitos, a sinuosidade no comportamento integram a alma brasileira. E nessa hora, Deus avisa que não é tão brasileiro, como alguns garantem. Isso é mais coisa pro Belzebu e seus capetas. Mas os crimes contra a administração pública tendem a diminuir. Mais controles, maior transparência, cidadão mais racional e exigente. Nesse item, recoloco a questão: a corrupção diminuiu. Ou não? Que convívio, hein? Em outubro, mostrei a competição entre os ministros do STF. Nota-se certa indisposição de uns ministros para com outros. Há um plus de vaidades, brios feridos, algo como - sou melhor do que você; ou ainda - cale a boca, quem é dono da flauta dá o tom. Pasmem. Como um corpo de 11 ministros, convivendo anos a fio, um ao lado do outro, conhecendo as têmperas, índoles e cacoetes mentais dos pares, ainda abre querelas em seu dia a dia? Não há amizade ou mesmo respeito que faça sucumbir qualquer tentativa de agressão pela palavra? Pois o que se lê e se ouve é algo como "esse ministro é caçador com ç". Verve maligna? Depois, Suas Excelências brindam no cafezinho. A vida institucional é mesmo um teatro. Recados do eleitor Em novembro, fiz uma leitura do processo eleitoral. Dizia: entre mortos e feridos, uns e outros, com salvação para alguns. Quer dizer, um pouco de tudo atingiu a todos. O eleitor foi mais racional que emotivo. Em certas praças, como havíamos previsto, uma abstenção recorde de mais de 30%. O que não significa falta de interesse. Não votar, anular ou votar em branco são atitudes que expressam desencanto, desilusão, indignação. Recados foram dados às pencas. a. Política tradicional - Em 2018, Jair Bolsonaro levantou a bandeira da antipolítica, ou, nos termos que usou, a velha política. O eleitor, com sua arma democrática, disse: "espere aí, não é bem assim. Devagar com o andor". E deu um voto intenso na política tradicional. b.Testado e experiente - Entre um novato, inexperiente, e um perfil já testado na administração, o eleitor preferiu este último. Muitos candidatos são da velha escola. c.Viés plebiscitário - A eleição, a par de se constituir um freio de arrumação no sistema político, preenchendo lacunas e abrindo portas, teve também um certo viés plebiscitário, que se interpreta como endosso/apoio ou desaprovação ao presidente Bolsonaro, que não conseguiu eleger nem 10 prefeitos e uma leva pequena de vereadores nos 5.567 municípios do país. De 78 candidatos que registram Bolsonaro como sobrenome, apenas 1 foi eleito: o filho Carlos. d. Partidos repartidos - DEM, PSD e PP são alguns partidos que ganharam musculatura. O PSDB poderá recuperar terreno com Bruno Covas em São Paulo. Elegeu até agora 497. O MDB continuará como o partido de maior número de prefeitos - 777 - mas perdeu 25% de sua bancada no comando municipal. Nenhum partido fez mais de mil prefeitos. No RS, o MDB obteve a melhor performance, com 130 vitórias. O PSDB caiu de 804 para 519 prefeituras. e. Centrão cresceu. O eleitor decidiu dar mais fôlego ao Centrão, que ganhou volume. O PP fez 672 prefeitos. O PSD, do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, subiu de 539 para 652. O DEM ampliou sua quantidade de prefeitos em 70%, chegando a 458. Vacina politizada Voltei a falar de vacina agora em dezembro. A vacina ganhou epítetos: vacina comunista, chinesa de João Doria, tem chips para controlar a vida das pessoas, muda o DNA humano, e mais um lote de besteiras. E sabe quem propagou toda essa descrença? Nossa autoridade máxima, o presidente, que acha bobagem vacinar em massa, fazer lockdown, essa dureza de proibição de circulação de carros e pessoas que a primeira-ministra Merkel determina na Alemanha. Por aqui, mais de 20% da população diz que não vai receber a vacina. Só quero ver quando a foice da morte pairar em suas casas.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Porandubas nº 697

Com estas Porandubas, fecho 2020.Desejando felicidades a Todos. "Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade". Mario Quintana À guisa de balançoTentar fazer um balanço sobre o Brasil e seus protagonistas em tempos de crise - sanitária, política, econômica e social - é um desafio dos mais instigantes. Baterá no sistema de cognição de uns com vieses; de outros, os resultados do balanço poderão até ser aprovados; de um terceiro grupo, posso ganhar uma não-leitura. Como aprendi a conviver com os contrários, irei em frente. Para começar: o Brasil perdeu e muito. O mundo também perdeu, mas não há de se negar os ganhos com a descoberta das vacinas. Se as Nações perderam trilhões, o planeta caminhou na trilha da ciência.O Brasil perdeu maisA perda brasileira foi maior. Porque o país deixou de caminhar na vereda civilizatória. Ao final, o que se anota no caderninho da história é um país isolado do mundo, atolado numa crise econômica, sufocado por UTIs locupletadas de contaminados pela Covid-19, deteriorado nas contas públicas, sem ainda apresentar um plano seguro e claro sobre a vacinação em massa. O Brasil já foi exemplo de território que soube combater epidemias. Essa imagem dá lugar a um vazio, uma caminhada sem rumos.O presidente açodadoTemos um presidente da República que, de maneira proposital, fez questão de exibir um discurso radical, agradando sua base popular, fechando o circuito de interesses de conservadores, sinalizando para que o país cumprisse a mais retrógrada política de relações exteriores de toda a nossa história.Ministros desajustadosEquação do atraso: o chanceler Ernesto Araújo e a figura destruidora do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, com seus olhos complacentes para a corrosão dos nossos biomas. Como o país ganhará uma roupagem de respeito, de autoridade, de seriedade no concerto das Nações? Esses dois ministros estão abaixo de todas as expectativas. Os piores figurantes da Esplanada dos Ministérios.Guedes na bicicletaO ministro Paulo Guedes sai com a imagem deslustrada. Foi embora o brilho que irradiava no início da administração. Vem tentando equilibrar uma bicicleta desgovernada, tateando à esquerda e à direita e sofrendo quedas aqui e ali. O fabuloso programa de privatização não foi cumprido. A ponto de o secretário nomeado para acioná-lo, o dono da Localiza, Salim Mattar, ter desistido da tarefa e saído do governo. Guedes vive às turras com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com quem hoje pouco fala. Guedes pode se orgulhar de ter aprovado a Reforma da Previdência - é um fato - ou gastado 7,5% do PIB no enfrentamento da pandemia. Mas há um gap, um vazio entre expectativas e resultados. Perdeu bons quadros de sua equipe.O cobertor socialUm dos destaques positivos do governo tem sido o cobertor social que teceu para acolher as comunidades carentes. O auxílio emergencial e o 13º do Bolsa Família garantiram razoável avaliação positiva ao governo Bolsonaro. Mas esse cobertor será encurtado nos próximos tempos em função de cofres vazios. O cenário econômico, com a continuidade da pandemia ainda por um tempo, será um gargalo para o cenário social. 2021 ameaça ser pior do que 2020. É o que projetam alguns analistas econômicos.As forças sem forçasAs Forças Armadas, que tanto prezam sua imagem de profissionalismo, respeito à Constituição, exibem uma mancha suja nas fardas de seus contingentes, por integrarem um governo que parece sem rumos, cuja linguagem cotidiana fere todos os princípios da liturgia do poder. Para piorar, um general da ativa, ministro da Saúde, de quem se esperava um formidável planejamento logístico, sua especialidade, não o faz, merecendo críticas de colegas de farda.A paisagem socialNas frentes sociais, o país caminhou muito bem na trilha da organicidade. As organizações, principalmente as não-governamentais, fizeram pressão, acenderam suas fogueiras expressivas com críticas, denúncias e casos de discriminação contra identidade de gêneros - mulheres, negros, LGBTs, - violência policial, assédio de personalidades do mundo das artes, da cultura e da política. Nunca se viu tantas manifestações críticas.A luta antirracistaO ano de 2020 escancarou a luta antirracista, aqui e alhures. Desde os Estados Unidos ("vidas negras importam") até em nossas plagas as manifestações contra a discriminação racial chegaram ao clímax. Nunca se viu a negritude manifestar tão intensamente seus valores e a defender sua identidade. A luta pela igualdade ganhou amplos espaços. Viva!A política vaivémO trem da política correu para a frente e para trás. Apesar do esforço de Rodrigo Maia para organizar uma pauta de reformas e avanços na Câmara, os tropeços e querelas com a equipe econômica atrapalharam o calendário. Nesse momento, o debate foca nos perfis que deverão se engalfinhar na luta pelo comando das casas congressuais. O Senado tem uma balança mais governativa do que a Câmara, mas a derrota do presidente Alcolumbre no pleito de Macapá, onde seu irmão foi ultrapassado pelo médico Dr. Furlan, atenua seu poder de barganha no processo eleitoral da Câmara Alta. O fato é que a política não avançou de maneira que possa ser elogiada. O pleito municipal de novembro não fechou um ciclo,como se esperava, não podendo ser considerado o início de uma nova era.A judicialização da políticaO Judiciário termina o ano com a imagem de que entrou com tudo na esfera do Parlamento. Legislou às pencas, tentando aliviar a situação de protagonistas às voltas com a Operação Lava-Jato. O último ato nessa direção foi a decisão do ministro novato, Kássio Marques, nomeado por Bolsonaro, suspendendo trecho da Lei da Ficha Limpa que determina que o prazo de inelegibilidade de oito anos para condenados por órgãos colegiados terá efeitos após o cumprimento da pena. Marques segue a linha dos ministros Gilmar Mendes e Lewandowski. Para o presidente Bolsonaro, quem comete crimes "não pode pagar ad eternum".O empresariadoO empresariado, que aclamava Bolsonaro no início do governo, subiu no muro. Faz pressão para aliviar a carga de tributos, mas sente que não pode confiar no destempero presidencial. Os empresários agem pragmaticamente. Mas cresce a insatisfação com medidas tomadas, entre as quais as desonerações de tributos para importação de determinados produtos. E teme restrição do nosso maior parceiro comercial, linguagem ferina usada pelo presidente e ministros quando se referem à China.A guerra das vacinasO troféu da estupidez do ano vai para a guerra das vacinas. O presidente se refere à coronavac como "a vacina chinesa de Doria", o que leva seu núcleo de apoiadores a rejeitar o uso daquele medicamento. E mais: o próprio presidente, que bate de frente na abordagem científica, diz que não tomará nenhuma vacina e ponto final. Seu ministro, general Pazuello, como barata tonta, dissera que a vacina chinesa seria comprada, depois afirmou que não seria adquirida e, só recentemente, ante balbúrdia que criou, acabou garantindo que a "vacina brasileira" (a chinesa) também será usada. O governador de São Paulo, João Doria, que não é bobo, deixa que a futrica do governo federal ganhe visibilidade, enquanto diariamente anuncia a chegada de mais doses vindas da China. O Instituto Butantã ganha prestígio com o selo "vacina brasileira". Até o final do ano, o estoque de São Paulo chegará aos 10,5 milhões de doses.Tributo de PorandubasA Coluna presta sua homenagem, o TROFÉU DE GRANDEZA, a protagonistas que fizeram o Brasil avançar em 2020:    - Profissionais de Saúde - que estão no front da guerra contra a pandemia.    - Fontes especializadas- Médicos, pesquisadores, infectologistas que têm se dedicado a explicar os fenômenos da pandemia.    - Mulheres - Lideraram os espaços de denúncias em defesa da igualdade de gêneros, contra o assédio e a discriminação.    - Trabalhadores - Contingentes do trabalho formal e informal, mesmo com sacrifício de perda de parte substantiva de seus salários, têm se esforçado para não deixar o país travado.    - Jornalistas - Destaque para os jornalistas, que têm buscado informar e explicar os fenômenos atuando na linha de frente da guerra.    - Líderes mundiais - Grandes protagonistas que dão exemplo de respeito à ciência e mostram a importância da vacinação, entre os quais, Joe Biden, Ângela Merkel, Boris Johnson e Benjamin Netanyahu.    - Luiza Trajano - Empresária que faz crescer seu grupo e implanta políticas de integração/inserção social em seus empreendimentos.    - João Doria - Governador que teve a coragem de buscar de maneira ágil a vacina que deverá salvar milhões de vida, enfrentando dissabores e a politização da ciência.    - Rodrigo Maia - Presidente da Câmara, estabeleceu uma pauta de votações com temas que ajudaram o Brasil a avançar.    - Padre Júlio Lancelotti - Um guerreiro anônimo na luta em defesa dos sem teto e sem alimento, os moradores de rua.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Porandubas nº 696

Abro com uma historinha de São Paulo. Tape os ouvidos Em Morro Agudo, a 80 quilômetros de Ribeirão Preto/SP, havia um comerciante e chefe político muito ativo, de muito prestígio, mas analfabeto. Tinha um empregado que lia as coisas para ele. Um dia, o comerciante brigou com a mulher, separaram-se, contrataram advogados, foram para a Justiça. E, de repente, chegou uma carta dela de inúmeras folhas, passando a limpo (ou a sujo) os longos anos de vida em comum. Ele não poderia dar ao empregado para ler, chamou o melhor amigo: - Você pode ler esta carta para mim? Mas você vai me fazer um favor. Eu sei que ela vem falando tudo, contando tudo. -Então, amigo, leia alto para mim, mas tape os ouvidos. A vacina, expectativas A vacina está sendo aguardada com muita expectativa. O Reino Unido e os Estados Unidos já iniciaram a vacinação em massa. Dá gosto ver mudança de discurso. Trump vai à TV para anunciar, orgulhoso e portentoso, que ele estava proporcionando a salvação de milhares de norte-americanos. Quem diria, hein, logo ele que não acreditava que a covid-19 era um bichão papão de vidas. Pois é, as vacinas são um avanço extraordinário da ciência. O mundo civilizado aplaude. O mundo da barbárie acha um paliativo inócuo. A vacina, politizada Já por nossas plagas, a vacina ganhou epítetos: vacina comunista, chinesa de João Doria, tem chips para controlar a vida das pessoas, muda o DNA humano, e mais um lote de besteiras. E sabe quem propagou toda essa descrença? Nossa autoridade máxima, o presidente, que acha bobagem vacinar em massa, fazer lockdown, essa dureza de proibição de circulação de carros e pessoas que a primeira-ministra Angela Merkel determinou na Alemanha. Também voltando no Reino Unido. Por aqui, mais de 20% da população diz que não vai receber a vacina. Só quero ver quando a foice da morte pairar em suas casas. Qual, quantas? Afinal, qual a vacina, em que quantidade o Brasil deve importar ou comprar do próprio Instituto Butantã? Primeiro, todas as vacinas que demonstrarem eficácia devem ser adquiridas e usadas. Sem restrição. Vacina não tem ideologia. Misturar ciência com fofocagem de grupos de viseira é pensar de forma errática. Mas temos, entre nós, alguns jardins de dinossauros, que estão fossilizados e ainda querem pensar. O Instituto Butantã, ministro Pazuello, integra a estrutura do Governo de São Paulo. A não ser que o governo Federal faça um confisco. Quanta burrice se espraiando no deserto de parvoíces. Mutante O Reino Unido acaba de descobrir que a covid-19 é mutante. Transforma-se, ganha novas formas. Por isso, a atenção deve ser redobrada. Imagino que essa pandemia vai durar muito tempo. E novas vacinas deverão ser criadas para enfrentar a pandemia. Trata-se de um luta entre o homem e a natureza, o homem e os males que o cercam, o homem e as incertezas e acidentes que assolam a Humanidade. Chegamos a uma encruzilhada: ou a Ciência continua a avançar, sob a pressão dos bons, ou as doenças acabarão com a existência humana no planeta, sob os aplausos dos maus. General Santos Cruz Vi, domingo à noite, a entrevista do general Santos Cruz a Andréia Sadi, da GloboNews. Ali aparece um brasileiro destemido, um homem das nossas Forças Armadas, com linguagem fácil e densa, cheia de hipóteses e conceitos, com números que explicam nossos descaminhos. Como um perfil com essa envergadura pode ser descartado de um governo? Combate a corrupção, a ideologização da vacina, os males que mancham a bandeira nacional. Está acima de um grupo que parece fruir o prazer de ter o poder. Ex-ministro da Casa Civil, com um histórico de trabalho e luta pela paz em países estrangeiros, o general Cruz deve ser ouvido todo tempo por suas oportunas observações. Governo imprensado Não dá para apostar em um governo altaneiro, firme, com programas e propostas aprovadas no Congresso Nacional. Esse é o retrato que se flagra nesse momento em que o presidente e seu núcleo duro tentam emplacar os novos presidentes da Câmara e do Senado. Rodrigo Maia continua detendo força, mesmo que não consiga fazer seu sucessor na Câmara. Alcolumbre rejeita a ideia de ganhar um posto na Esplanada dos Ministérios e vir a perder a chance de eleger seu sucessor no Senado. Seja qual for o desfecho das operações, sobra a impressão de que os dois últimos anos de Governo enfrentarão um Congresso mais aguerrido. Economia em dificuldades Como tenho repetido, a economia é a locomotiva que puxa o trem da política. A pandemia está deixando marcas fortes na paisagem das Nações. O prejuízo não será reparado em curto prazo. Nossa dívida chega a 96% do PIB. Inflação ameaça subir. Os setores econômicos se levantam devagar. 2021 poderá não abrir muito espaço para folgas. O terceiro ano de governo é o de abertura de cofres para tentar fechar alianças e apoios. Sob pressão das margens sociais carentes, classes médias empobrecidas e corpos políticos famintos. Poupança, teto fechado para gastos ou abertura dos cofres? Só populismo não elege mais. Centros A previsão deste consultor é a de que, com o olhar de hoje, dá para ver um arco político dividido entre extrema direita, esquerda, centro-direita e centro-esquerda. Protagonistas: Bolsonaro (sem partido) pela extrema direita, um perfil de esquerda ainda não definido, o centro-esquerda apresentando Ciro Gomes (PDT) e o centro-direita, João Doria (PSDB). O centro, portanto, com suas bandas esquerda e direita, terão dois candidatos. A esquerda, com PT e PSOL, talvez mais uns agregados, vai olhar a cena e deixar para indicar em cima da hora. Bolsonaro contará com seus 20% ou um pouco mais. Tende a disputar com o candidato de um desses dois centros. IDH Brasil cai cinco pontos no ranking do desenvolvimento humano, medido por órgão da ONU. Baixa da 79ª para a 84ª posição. Fator principal: estagnação na educação. E aí, Biden será cumprimentado? E agora, presidente. Joe Biden foi confirmado vitorioso do pleito. Recebeu, ontem, cumprimentos de Putin, da Rússia, por ter recebido 306 votos do Colégio Eleitoral, que rejeitou qualquer denúncia de fraude. Bolsonaro é o último da fila. Orlando Duarte Meu adeus a Orlando Duarte, grande comentarista esportivo, meu aluno de pós-graduação na Cásper Líbero. Ceifado pelo demônio da pandemia. Chance de vir a ser candidato (visão de hoje) De 1 a 10 Luciano Huck - 3Luis Inácio - Lula - 2Fernando Haddad - 5Guilherme Boulos - 6Jair Bolsonaro - 9João Doria - 8Ciro Gomes - 9Álvaro Dias - 4Eduardo Leite - 4Romeu Zema - 3ACM Neto - 4Rodrigo Maia -3Ronaldo Caiado - 1Paulo Hartung - 2Paulo Câmara - 3Camilo Santana - 1Sérgio Moro - 3Luiz Mandetta - 2 O voto pandêmico O final de 2022 ainda puxará as sequelas da pandemia. Daí a inferência de que o coronavírus vai passar um bocado de tempo dando seus recados aqui e ali. Com a aplicação de vacinas, análises de seus efeitos, poderemos distinguir um processo de engajamento mais forte na frente da ciência. O que significará a aprovação aos cientistas e desaprovação ao negacionismo. Os negacionistas sairão manchados desses tempos de pandemia, quando queimaram todos os seus esforços para desacreditar os avanços científicos. Nietzsche - Não devo ser pastor nem coveiro. Não quero mais, sequer, falar novamente ao povo; pela última vez, falei a um morto. Quero unir-me aos que criam, que colhem, que festejam; quero mostrar-lhes o arco-íris e todas as escadas do super-homem. (Assim Falou Zaratustra) Fecho a coluna com Sócrates. (Atenas, 469-399 a.C.) Discípulos que visitavam Sócrates na prisão e o aconselhavam a fugir. Ele respondia: - Uma das coisas em que acredito é no reinado da lei. Bom cidadão como tantas vezes vos tenho dito, é aquele que obedece às leis de sua cidade. As leis de Atenas condenaram-me à morte, e a inferência lógica é que, como bom cidadão, eu deva morrer. Ao se aproximar a hora fatal, rodeado de amigos, chega o carcereiro, a quem pergunta: - Agora, você que entende dessas coisas, diga-me o que fazer. - Beba a cicuta, depois levante-se e ande um pouco até sentir as pernas pesadas. Então, deite-se e o torpor subirá ao coração. Fez o que foi recomendado. Quando andava, lembrou-se de algo: - Crito, devo um galo a Esculápio. Providencie para que a dívida seja paga. Deitou-se, fechou os olhos e quando Crito lhe perguntou se havia mais recomendações, ele já não respondia. Morreu o mais justo e o mais sábio dos homens - diria depois Platão.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Porandubas nº 695

Abro a coluna com um "causo" da Paraíba. Cancelo chuvas A seca era medonha. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo: "Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa". Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo: "Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito". Sangue, trabalho, suor e lágrimas "Espero que meus amigos e colegas, ou colegas de outrora, que tenham sido afetados pela reconstrução política, sejam tolerantes e me desculpem por qualquer falta de cerimônia na maneira por que fui compelido a agir. Eu diria a esta Casa, como disse àqueles que passaram a formar este governo: - Eu nada mais tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas". (Winston Churchill) Um olhar na paisagem Um olhar na paisagem política nacional é como contemplar as nuvens. Ora, vemos caras de bichos, ora vemos feições de pessoas, principalmente velhos de barba. As imagens mudam a cada instante. Na semana passada, por exemplo, víamos as caras de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre sentados às mesas das presidências da Câmara e do Senado, respectivamente. Hoje estamos vendo as cadeiras presidenciais vazias, sem ocupantes. Víamos Bolsonaro abraçando efusivamente Alcolumbre pela vitória no Senado e hoje vemos o presidente de cara fechada, preocupado. O que tem acontecido nos horizontes da política? STF sob pressão da OP Corria a impressão de que nossa mais alta Corte iria acabar aprovando a possibilidade de Maia e Alcolumbre tentarem a reeleição em fevereiro, abrindo uma fissura na CF de 88. O ministro Gilmar deu parecer nesse sentido, permitindo a continuidade de reeleições subsequentes na mesma legislatura e estabelecendo uma proibição apenas em 2023. Parecia que as articulações já estariam fechadas com outros ministros, inclusive sob a versão corrente de que o voto do presidente Fux seria a favor. A mídia caiu de pau na continuidade. Juristas fizeram chover críticas. Resultado. Ministros mudaram de posição. E o voto contrário venceu. O jurista fala A Carta Constitucional é clara, como lembra o jurista Walter Maierovitch: É vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição subsequente. E aduz o grande jurista: "como ensinavam os pretores romanos - in claris cessat interpretatio. Na democracia, como revela seu étimo, o comando é do povo e se exerce por meio de seus representantes. Ministros do STF são representantes do povo, não têm poder próprio, mas outorgados pelos cidadãos. No Brasil, ministro da alta Corte tem de ser guardião da Constituição e não pode fazer acrobacias jurídicas para atender interesses pessoais, políticos, conjunturais". Placar final E a situação ficou assim. Sobre uma eventual reeleição de Rodrigo Maia:  7 votos contra: Nunes Marques, Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux.  4 votos a favor: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. Sobre uma eventual reeleição de Davi Alcolumbre:  6 votos contra: Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux.  5 votos a favor: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. E agora? Agora, os efeitos começarão a ser sentidos. No Supremo, a divisão vai impactar a gestão do presidente Luiz Fux. Dois grupos acentuarão visões contrárias. Vai sobrar para Fux, que terá que se desdobrar para harmonizar as alas em confronto. Na Câmara, Rodrigo Maia terá de fazer esforço extraordinário para eleger seu sucessor. No Senado, idem. Alcolumbre não vai querer ser derrotado com seu candidato. Afasta-se do Palácio do Planalto. As posições começam a ser negociadas. Antes do recesso parlamentar de fim de ano, o jogo estará iniciado com a bola rolando no campo. Na Câmara Arthur Lira é o candidato de Bolsonaro. É o líder informal do PP. Mas, nas últimas semanas, teve seu nome envolvido em denúncias de "rachadinha" na época em que era deputado estadual em Alagoas. O processo foi arquivado por falta de provas. Mas com a recorrência do MP, prevê-se a continuidade do caso nas Cortes Superiores. Portanto, Lira exibe essa mancha na imagem. Aguinaldo Ribeiro, do PP-PB, é o líder formal do partido. E conserva boa amizade com Maia. Não teria estofo, porém, para arrebanhar a maioria de seu partido. Há Elmar Nascimento, do DEM-BA, também sem grandes apoios. Emerge nesse cenário a figura de Baleia Rossi, MDB-SP, amigo de Maia, e com o desafio de conquistar apoios do PSDB, DEM, PSD, PSB, PDT e outros. Por último, o pastor Marcos Pereira, atual vice-presidente da Câmara e presidente do PR. Ligado à Igreja Universal. No Senado Dois Eduardos, Gomes (MDB-TO), Braga (MDB-AM), o primeiro sendo líder do governo no Senado, estão na lista, onde figura, ainda, o nome da respeitada senadora Simone Tebet, MDB-MT, que comanda a importante CCJ. Fala-se, ainda, no nome do senador Espiridião Amin, PP-SC, que tem muita experiência. O jogo no Senado parece mais fácil de ganhar do que o da Câmara. Assim pensa o governo. Desde já, as moedas de troca - ministérios e cargos - são mostradas. Mineirinhas Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas - político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernizou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice. "Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar diz ser técnico". "O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro". "Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos". "Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado". "Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria". (Pinçadas de A Mineirice, de José Flávio Abelha) A guerra das vacinas O governo Federal ainda não possui um plano estratégico para a vacinação em massa da população brasileira. E, olhem lá, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, é um especialista em logística. Portanto, não é por falta de conhecimento que a administração resvala por esse terreno. É mesmo falta de rumo, politiquice, politização da vacina. Ficar apenas com três vacinas é muito pouco, quando deverão estar disponíveis depois da fase 3 pelo menos umas 10 vacinas. A vacina da Pfizer seria a quarta. Em janeiro João Doria, governador de SP, anuncia para 25 de janeiro o início da vacinação em SP, com 10 milhões de doses, caso a Anvisa acolha a qualidade técnica e dê sua autorização para uso da Coronavac, o remédio chinês. Mas a Anvisa soltou nota: só liberará após avaliar os resultados da fase 3. Doria, em caso de grande atraso pela agência, irá bater nas portas do Supremo. O fato é que o governador de São Paulo marcou um gol de placa. No mesmo dia do anúncio do Doria, o presidente e a primeira dama, Michelle, em evento prestigiado, fizeram o lançamento das vestimentas que os dois usaram na posse. Coisa de Odorico Paraguaçu na cidade de Sucupira. Filas, fura-filas, confusão A projeção é natural: haverá confusão na vacinação. Filas enormes serão formadas, outros vão tentar furar a fila, enquanto alguns mais atrevidos até podem provocar deliberadamente bagunça. O processo de vacinação vai despertar os ânimos já nervosos de protagonistas. E se habitantes de alguns Estados quiserem se vacinar em outro? Em São Paulo, pelo que se sabe, vacinar quem aqui estiver e quiser será permitido. Veremos uma guerra de verbos e advérbios entre os lutadores da arena política. Climão pesado Pois bem, a partir da pequena leitura que fazemos sobre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, podemos contemplar as nuvens plúmbeas que escurecem os horizontes. A inflação dá sinais de retomada. O governo é uma orquestra desafinada. O maestro não domina todos os instrumentos e com sua varinha, não dá equilíbrio aos metais, às cordas e aos tambores. Com exceção de três ou quatro, os ministros não apresentam resultados. O cobertor social ameaça encurtar. A infraestrutura, grande esperança no início, fraqueja. O final de ano será pesadão. Papais Noéis virtuais sinalizam um tempo meio frio. De poucas alegrias. Aglomeração Mesmo assim, não se pense em duro isolamento social neste fim de ano. As aglomerações vão ocorrer. A 25 de março em São Paulo que o diga. Lembra uma Torre de Babel ou um corredor da pandemia. A era do rancor Aqui, ali e acolá, o rancor brota. Como semente de um tempo regado pela descrença na política, quebra de valores do passado - o respeito, a disciplina, a força da palavra dada, a honestidade, o zelo, a modéstia, a humildade, a Justiça. Será que começamos a vivenciar o "paradigma do caos", criação do professor Samuel P. Huntington? A forca mais alta "Canuto, Rei dos Vândalos, mandando justiçar uma quadrilha, e pondo um deles embargos de que era parente del-Rei, respondeu: Pois se provar ser nosso parente razão é que lhe façam a forca mais alta." Padre Manuel Bernardesc Fecho a coluna com uma historinha do Geraldo Alckmin. "Me ajude, governador" Geraldo Alckmin é um colecionador de "causos". Quando o encontro, ouço a pergunta: "E as Porandubas?". Alckmin é leitor assíduo da coluna. E tem muitas historinhas para contar. Vejam esta. Um prefeito chega ao governador, e, sem mais delongas, expressa sua angústia: - Governador, pelo amor de Deus, me ajude, me ajude, me socorra! Estou perdido! - Por que tanta aflição, prefeito, afinal você está apenas no meio do mandato. Há dois anos, ainda, pela frente. O prefeito, cochichando no ouvido do governador, em tom de confessionário, conta o motivo: - Governador, eu exagerei. Prometi demais, governador. Muito mais do que podia cumprir. E hoje, estou apertado por todos os lados. Não tenho condição de pleitear um novo mandato. Me ajude, governador, me socorra! Alckmin abriu os braços, balançou a cabeça em sinal de dúvida. Mas não teve coragem para dizer: "quem pariu Mateus que o embale". Preferiu abrir uma ruidosa gargalhada.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Porandubas nº 694

Abro a coluna de análise do processo eleitoral com o saudoso Newton Cardoso, uma grande figura da política mineira. Helicóptero Newtão, como era chamado, assumiu o governo de Minas e, no dia seguinte, foi ao aeroporto para viajar no helicóptero da administração estadual. Ao tomar conhecimento de que aquele "trem" tinha o nome de seu adversário, foi logo dando bronca no piloto: - Não entro de jeito nenhum nesse trem com o nome do Hélio (Hélio Garcia era o governador anterior). O piloto, constrangido, respondeu: - Mas governador, esse helicóptero é do governo do Estado e não do ex-governador Hélio. Newtão não quis saber: - Esse trem agora vai se chamar Newtoncóptero. Falei e tá falado. *** Outra historinha envolvendo o folclórico ex-governador. Resolveu passear de carro com a família. O carro pifou na estrada. O mecânico, que o socorreu, diagnosticou: - São os burrinhos dos freios; estão danificados. Acho bom trocar logo esses burrinhos. Cardoso deu a bronca: - Calma, seu mecânico, meus filhos não descerão dos burrinhos de jeito nenhum. Uma leitura das eleições O Brasil foi mais uma vez às urnas e mostrou compromisso com a ordem democrática. É verdade que a abstenção foi a mais alta das últimas décadas, superando em algumas capitais os votos dos vencedores, algo como 45%. Mas esse crescimento da pandemia dá medo. E milhões de eleitores, principalmente idosos, deixaram de lado seu direito ao voto. Felizmente, a polarização maldita entre os extremos do arco ideológico não ganhou intensidade. Não se viram grupos brigando nas ruas. O eleitorado, regra geral, contemplou os perfis que encarnam avanços e boa gestão. Alguns fenômenos merecem destaque. O centro político O eleitorado, em sua maioria, demonstrou preferir o centro da política, evitando escolher, com exceção de um ou outro caso, os perfis radicais. Não me refiro propriamente ao Centrão, que tem o PP como principal eixo, mas ao centro partidário, que reúne PSDB, MDB, PSD e DEM. Esses partidos somaram mais de 50 milhões de votos, força considerável. Claro, o PP do Centrão também foi bem contemplado. Está comprometido com Bolsonaro. Frente ampla É razoável projetar uma ampla frente dos grandes e médios partidos com vistas a 2022, integrando as forças de oposição ao governo bolsonarista. Essa frente cobriria os espaços de centro-direita e centro-esquerda, razão pela qual é possível a agregação de partidos como o PSB e o PDT. Mas estes dois poderão também se inclinar em direção à esquerda, juntando-se ao PSOL e ao PT. Petismo em declínio Como a própria presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reconhece, o partido não morreu, mas precisa de uma chacoalhada. E essa movimentação exige formação de novos líderes, preparação de quadros, quebra da redoma em que se refugia uma pequena cúpula chefiada pelo Todo Poderoso, Luiz Inácio. E, sobretudo, arrumar uma nova bandeira: vermelha-socialista? Revolucionária? A favor da engorda do Estado? Com pregação da luta de classes? Uma volta às origens? São dilemas que o PT terá de enfrentar. PSOL como protagonista de esquerda O PSOL emerge como o protagonista de esquerda, capaz de atrair a atenção dos jovens e das camadas da formação de opinião, cultura e artes. Guilherme Boulos mostra musculatura nesses espaços. Teve mais de dois milhões de votos, mesmo perdendo pela diferença de um milhão para Bruno Covas, do PSDB. O prefeito Edmilson Rodrigues, de Belém, é a chama do PSOL nos fundões. Alguns vereadores farão barulho em capitais de peso, como São Paulo e Rio. Mesmo assim, será tarefa complexa se o partido continuar a desfraldar a bandeira da radicalização. Haverá invasão de propriedades? Fadiga de material Este consultor sinaliza aos vitoriosos o risco de descerem pelo desfiladeiro antes de prazos aceitáveis. Ao iniciarem suas gestões em 2021, precisarão dar uma arrumada geral na casa, se possível, agregando novas ideias, novos projetos, na esteira de novidades. Correm o perigo de entrarem no terreno que se chama de "fadiga de material". Principalmente os gestores reeleitos. E, mais ainda, aqueles que são extensões de um domínio de mais de 20 anos. Base de 2022 É um erro imaginar que o pleito para as prefeituras e câmaras de vereadores não tem nada a ver com 2022. É claro que tem. O município é a casa política do eleitor. São prefeitos e vereadores os principais cabos eleitorais de deputados, senadores, governadores e presidente da República. Formam a base do edifício da política. E poderão ser mais adiante os influenciadores mais fortes do eleitor de 2022. Administrar na escassez Os prefeitos eleitos terão, necessariamente, de inaugurar o ciclo da escassez. Mesmo se a economia se recuperar - meta difícil - faltarão recursos para os programas. E não adiantará apelar para um governo Federal com cofres vazios. Daí o perigo de anteciparem o declínio. Uma administração tem cinco fases: 1. Lançamento - início da gestão; 2. Crescimento - projetado para o 2º ano da gestão; 3. Maturidade - 3º ano da administração; 4. Clímax - auge do prestígio, eficácia de programas e ações - último ano e 5. Declínio - que deveria ocorrer depois das eleições. Muitos prefeitos, porém, entram em declínio logo no 2º ano de governo. Governo Federal - direita volver? O panorama proporcionado pelas eleições mostra que a tendência do eleitorado é seguir o caminho do centro, como temos dito e repetido nesse espaço. Voltar à ponta-direita do arco ideológico é má aposta. Polarizar com a esquerda? Então, imaginemos: Bolsonaro na direita, apoiado por partidos do Centrão e nanicos; o candidato do PSOL/PT/PDT na esquerda; e um candidato do centro democrático, com perfil moderado e progressista. Este seria o vitorioso. O eleitor está saturado, cansado de ver tanta polarização animalesca. Um país tocado pelo medo Acabo de ler: o secretário-Geral da ONU, António Guterres, alerta que a crise causada pelo novo coronavírus é "a crise mais desafiadora que a humanidade enfrenta desde a Segunda Guerra Mundial, causando um impacto econômico 'sem precedentes' e pondo em risco a paz mundial". Teremos um 2021 ainda sob a pandemia e com sinalização de recessão. Vamos viver mais um ano de medo. Essa 2ª onda, não admitida por governantes, está mostrando ser mais violenta que a 1ª. Pesquisas falhas As pesquisas precisam arranjar uma metodologia capaz de fornecer dados mais confiáveis. No Recife e em Porto Alegre as distâncias entre o vitorioso e o perdedor foram bem acima do dado projetado. Pode haver mil motivos. Contanto que possam ser considerados nas projeções. Os extremos se encontram Pois é, o eleitor brasileiro é flexível. Idade não conta. Elegeu José Braz, de 95 anos, para a prefeitura de Muriaé, na zona da mata mineira. Feliz, anuncia: "Quero deixar um legado". E elegeu João Campos, 27 anos, prefeito do Recife, o mais jovem do país. O velho e o novo marcaram um encontro vitorioso nas urnas. Ganhadores e perdedores A grosso modo, sem entrar em detalhes, vamos aos ganhos e perdas: Perderam - Bolsonaro - Crivella/Igreja Universal Rio de Janeiro - PT - Lula - Radicais dos dois lados - Radicalização - PSL com recursos de R$ 200 milhões - Sergio Moro Ganharam - Partidos de centro - Centristas e seus lados - Bruno/Doria, ACM Neto, Rodrigo Maia, Baleia Rossi, Gilberto Kassab, Ciro Gomes (PDT) e João Campos (PSB). - Moderação Policiais Renato Sérgio de Lima, na Revista Piauí, mostra que foram eleitos 50 prefeitos e 807 vereadores oriundos da área de segurança. Dos cerca de oito mil profissionais ligados às forças de segurança (polícias e Forças Armadas) que se lançaram candidatos em 2020, cerca de 10,2% foram eleitos. Ganho de Visibilidade - Guilherme Boulos - PSOL/SP - Ingresso no tabuleiro
quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Porandubas nº 693

Véspera de eleição, uma historinha com um sábio da política mineira. Quiçá e cuíca Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver e leu alto: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção: - Não caio mais nessa não. Isto é quiçá! (Historinha enviada por J. Geraldo) Clima tépido Nem quente, a ponto de fervura, nem frio capaz de causar hipotermia. Digamos que o clima nesses dias que antecedem o segundo turno esteja tépido. Pelo menos por aqui na maior metrópole brasileira. Sinto um sopro - um vento que se espalha pelo centro da sociedade na direção de Guilherme Boulos -, o que não quer dizer que ele chegará ao pódio. Mas essa última pesquisa Datafolha lhe dando 45% de intenção de voto contra 55% de Bruno Covas é surpreendente. Surpresa? A causa: o rápido crescimento do candidato do Psol nas pesquisas. Interessante é analisar o perfil de ontem do Boulos: líder do MSTT, Movimento dos sem Terra e sem Teto, coordenou invasões em propriedades, enfrentou a polícia, sendo, na época, considerado radical, revolucionário, depredador de propriedade privada. Hoje é palatável. Moderou o discurso. Bom de debate. E representa o antibolsonarismo e o antidorismo. Contra Bolsonaro e Doria. Ambos com alta rejeição na capital. Imponderável Costumo lembrar que São Paulo é, por excelência, o espaço do Senhor Imponderável dos Anjos. Elegeu Maluf, depois elegeu Erundina, elegeu Jânio quando Fernando Henrique já havia feito pose na cadeira de prefeito, elegeu Marta Suplicy, elegeu Fernando Haddad, numa espécie de passeio pela gangorra. Apenas lembranças. Bruno Covas tem 10 pontos de diferença hoje. Tirar essa distância em quatro dias é ser maratonista melhor que Usain Bolt, o maior velocista de todos os tempos, sendo o único a vencer três vezes em Olimpíadas as provas de 100 m e 200 m. Antilulismo Mas Bruno Covas pegou a fama de corajoso, como o avô Mário, venceu um câncer, aparece bem na TV, e, de certa forma, encarna o perfil do antilulismo. São Paulo abriga a maior população antipetista do país. Portanto, ele também agrega um posicionamento que puxa uma carga grande de votos. O psolismo é primo-irmão do petismo. Mas o voto, desta feita, carrega intensa indignação. Quem causa maior furor hoje? Quem tem esse termômetro? O eleitor está furioso, raivoso, crítico, exigente. O bolsonarismo Bate no nosso sistema cognitivo uma forte sensação de que o bolsonarismo tende a entrar numa rota de declínio. Indico alguns fatores: a) a economia continuará tateando na escuridão; b) o Centrão ganhou força na eleição, o que lhe motivará a aumentar o custo da fatura política, gerando cofres abertos, divergências, apoios, de um lado, e desapoios, de outro; c) formação de um bloco central, unindo grandes partidos, com vistas a 2022; d) o desprestígio do Brasil no cenário internacional, a partir da vitória de Joe Biden; e) desentrosamento entre Bolsonaro e parcela vigorosa das Forças Armadas ; f) a indeclinável dureza da identidade bolsonarista, com viseira que só mostra a base de adeptos e simpatizantes. Cadete Leio texto de Thaís Oyama, colunista do UOL: "Diante da insatisfação dos generais, Bolsonaro procura os cadetes. Na noite de 16 de outubro Bolsonaro dormiu junto aos cadetes numa ala comum do Hotel de Trânsito da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende/RJ. Não foi a primeira vez que o presidente foi à academia participar da cerimônia de entrega dos espadins aos aspirantes a oficiais do Exército. A Aman é a incubadora dos oficiais e futuros comandantes da Força Terrestre". Cansaço da equipe No terceiro ano das administrações, os governantes se obrigam a mostrar seus feitos em todas as áreas. Se a folha de serviços não estiver cheia de coisas, ocorre o que se chama de "reversão de expectativas". Frustração. Decepção. Desprezo. Procura de novos protagonistas. A equipe ministerial, por seu lado, se esvai em cansaço. Indisposição. E até desejo de se retirar de campo. Um ou outro. Paulo Guedes, por exemplo, está frustrado com a derrota de seu programa de privatização. E se mostra esgotado. Começa a repetir as mesmas intenções, as mesmas previsões, o mesmo vocabulário. Linguagem tatibitate, que não leva a nada. Palavras, palavras, onomatopeias, exclamações, interrogações. O copo transborda O fato é que: ninguém suporta mais os pés de páginas transmitidos por Bolsonaro em seus encontros informais (mas combinados) com apoiadores e jornalistas; ninguém aguenta mais as frases de efeito ou palavras "bolsonárias" para abrir manchetes de jornais; só mesmo as duas bandas envolvidas suportam o bate boca diário pelas redes sociais; saturaram as sequências na mídia sobre rachadinhas, Flávio e Queiroz; até os programas de humor, com vozes imitando protagonistas, começam a perder a graça. O copo transborda. E ninguém vê isso? O Brasil em mutaçãoEm Barbacena/MG, terra de Andradas e Bias Fortes, donas do poder político desde o Império, foi eleito prefeito um professor de 28 anos, ex-vereador de uma única legislatura. Nesta mesma Barbacena, o segundo vereador mais votado, um palhaço ambulante (literalmente), com roupas e adereços próprios da figura representada, faz como o prefeito, representando os descrentes, insatisfeitos, e os eleitores que não aceitam o status quo da política. Mensagem enviada pelo advogado Júlio Azi Campos. Final de ano menos festivo As famílias vão entrar daqui a pouco no clima de confraternização. Mas o clima não será tão animado. A pandemia está aí com seus números ainda altos. A Covid-19 sai das ruas e entra nas casas. Agora, a contaminação chegou forte nos grupos do meio da pirâmide, que desleixaram suas atitudes prevencionistas. Está longe de ir embora. A briga das vacinas Politizaram as vacinas. Vacinas comunistas e vacinas liberais. Uma nova muralha, não da China, mas contra a China, se constrói por nossas plagas, a partir desse pedreiro, arquiteto e pintor, de nome Jair Bolsonaro, que tentará evitar que a tal vacina chinesa pule a muralha. Até prometeram comprá-la se for aprovada pela Anvisa. Promessa. Pois tudo será feito contra o que pode vir daquele território oriental. Teremos um 2021 pontuado por frases como: "já tomou sua vacina? A chinesa ou a inglesa? A chinesa ou a americana?" Doria x Bolsonaro Podem até não gostar do estilo João Doria de governar. Falam que abusa da publicidade, do modus operandi de sua comunicação autoelogiativa, etc. Há até um blog do Tom Cavalcanti, que imita o governador em suas entrevistas diárias sobre as ações de seu governo para combater o corona 19. Mas o fato é que ele lidera o esforço no país para trazer a vacina da China, fazendo negociações, parceria entre o laboratório chinês e o Instituto Butantã, que é um exemplo de seriedade no campo da imunologia. 2022, distante Cerca de seis milhões de doses já chegaram a São Paulo. Doria, por essas coisas, tornou-se alvo de Bolsonaro. Até o momento, o governador tem se ancorado, como frisa, na base da ciência, enquanto o presidente monta no cavalo da politiquice. Até 2022, tem um oceano para escoar por baixo da ponte. Olhem para a história. Napoleão Lembrem-se de Napoleão, que invadiu a Rússia em pleno inverno. Faltavam suprimentos para o Exército. Não era fácil para os franceses obter comida com os camponeses que viviam nas áreas agrícolas ao redor. Napoleão teve que repensar sua estratégia e decidiu não mobilizar seus soldados para tomar São Petersburgo. Eles não tinham mais energia para viajar até o norte, e muito menos pra enfrentar um potencial ataque das forças do marechal Kutuzov. Napoleão estava em território estrangeiro sob a sensação de derrota. Explodir o quê? Sem outra escolha senão recuar, os franceses começaram, em meados de outubro de 1812, a marchar rumo a oeste para a área entre os rios Dnieper e Dvina. Enfurecido pela situação, Napoleão ordenou que seus engenheiros explodissem o Kremlin após sua partida, mas eles conseguiram destruir apenas uma torre. Com pouco para comer e despreparados para o inverno, as forças de Napoleão voltaram para Paris, sofrendo grandes perdas ao longo do caminho. Candidatos: não cometam o desatino de invadir 2022 antes do tempo. Tendo alvos concretos para implodir ou explodir. Não há, na atual paisagem, condição de explodir algo concreto como barragens, adutoras, prédios. Fecho a coluna com um pouco de humor para adoçar a amargura da campanha eleitoral. Encenação da paixão O "causo" se deu na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na sexta-feira santa. Elenco escolhido dentre os moradores e no papel de Cristo, o cara mais gato da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que 'Jesus' estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do 'centurião'. - Como? - reclamaram - Você não ensaiou! - Não é preciso ensaiar, porque centurião não fala! O elenco teve que aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz ... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas. - Oxente, cabra, tá machucando! Reclamou Jesus, em voz baixa. - É pra dar mais veracidade à cena, devolveu o centurião. E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião: - Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso! O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando: - É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura, que aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não!
quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Porandubas nº 692

Abro a coluna com uma historinha de José Abelha, em A Mineirice.  As três pessoas  No confessionário, Monsenhor era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário, padroeira de uma cidadezinha de Minas Gerais. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: As três pessoas são o senhor, o Dr. Didico e o Dr. Zé Augusto.  Recados do eleitor Ufa. Entre mortos e feridos, uns e outros, com salvação para alguns. Quer dizer, um pouco de tudo atingiu a todos. O eleitor foi mais racional que emotivo. Em certas praças, como havíamos previsto, uma abstenção recorde de mais de 30%. O que não significa falta de interesse. Não votar, anular ou votar em branco são atitudes que expressam desencanto, desilusão, indignação. Recados foram dados às pencas. Eis alguns. 1. Política tradicional Em 2018, Jair Bolsonaro levantou a bandeira da antipolítica, ou, nos termos que usou, a velha política. O eleitor, com sua arma democrática, disse: "espere aí, não é bem assim. Devagar com o andor". E deu um voto intenso na política tradicional, escolhendo quadros conhecidos. 2.Testado e experiente Entre um novato, inexperiente, e um perfil já testado na administração, o eleitor preferiu este último. Muitos candidatos são da velha escola. E alguns correm na pista, mesmo com mais de 80 anos, como é o caso de Amazonino Mendes, que lidera a disputa do 2º turno em Manaus. 3.Viés plebiscitário A eleição, a par de se constituir um freio de arrumação no sistema político, preenchendo lacunas e abrindo portas, teve também um certo viés plebiscitário, que se interpreta como endosso/apoio ou desaprovação ao presidente Bolsonaro. Que não conseguiu eleger nem 10 prefeitos e uma leva pequena de vereadores nos 5.567 municípios do país. De 78 candidatos que registram Bolsonaro como sobrenome, apenas 1 foi eleito: o filho Carlos. A rejeição ao presidente é alta, como se viu em São Paulo, com o desastrado apoio ao candidato do Republicanos, Celso Russomano. O filho Carlos teve 35 mil votos a menos do que obteve na eleição de 2016 , índice que o colocava em 1º lugar. Agora, ficou em 2º. A mãe dos filhos 01, 02 e 03, Rogéria Nantes Bolsonaro, não foi eleita. 4. Partidos repartidos DEM, PSD e PP são alguns partidos que ganharam musculatura. O PSDB poderá recuperar terreno com Bruno Covas em São Paulo. Elegeu até agora 497. O MDB continuará como o partido de maior número de prefeitos - 777 - mas perdeu 25% de sua bancada no comando municipal. Nenhum partido fez mais de mil prefeitos. No RS, o MDB obteve a melhor performance, com 130 vitórias. O PSDB caiu de 804 para 519 prefeituras vencidas. 5. PT encolheu Nas eleições municipais de 2012, ápice da popularidade de Dilma e Lula, o PT venceu em 644 cidades. Neste ano, até agora, venceu em 178. E o PSL, rachado por querelas com os Bolsonaros, e com um fundão eleitoral de quase R$ 200 milhões, teve performance lamentável, elegendo apenas 87. Voltou a ser nanico. O Novo, que seria a esperança de novos costumes na política, por enquanto registra apenas uma vitória. E disputará o segundo turno em Joinville, município mais populoso de Santa Catarina. 6. Centrão cresceu O eleitor decidiu dar mais fôlego ao Centrão, que ganhou volume. O PP fez 672 prefeitos. O PSD, do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, subiu de 539 para 652. O DEM ampliou sua quantidade de prefeitos em 70%, chegando a 458. 7. PSOL vindo para o meio?  Uma das maiores novidades do pleito foi a chegada ao 2º turno de Guilherme Boulos, do PSOL. Quem diria que o líder do Movimento dos Sem Teto chegaria a uma ampla cobertura de mídia, ganhando a atenção do eleitorado jovem e muitos eleitores refinados das classes A e B da maior metrópole do país? Pois bem, correu um vento a favor dele, que lhe trouxe uma aura de mocidade, vigor, juventude, renovação. Bom de debate, canalizará os votos do petismo e das rodas intelectuais e artísticas. Na periferia, é carregado pela "tia Luiza" ( Erundina).  Lula, paciência O PT de José De Filippi disputará o 2º turno em Diadema com Taka Yamauchi, do PSD. Será a única chance do petismo resgatar uma nesga da grande nuvem que o acolhia no ABC paulista. O eleitor dá um recado ao lulismo: paciência, a vez de vocês passou.  8. Embalando acm neto  O eleitor, como já se disse antes, decidiu endossar as candidaturas de indicados por bons gestores. No caso da Bahia, Bruno Reis, o vice de ACM Neto, decidiu a parada no 1º turno. E assim, o DEM se habilita, a partir do maior colégio eleitoral do Nordeste e quarto do Brasil, a compor com o PSDB com vistas ao pleito de 2022.  9. O eleitor medroso  Tenho repetido que a pandemia também decidiu interferir no processo. Influenciou o não votante, o voto nulo e em branco, e ainda carregou o voto com a escolha de perfis mais comprometidos com a melhoria dos serviços públicos. Portanto, o voto dado ou não dado agregou a componente da crise sanitária. Punindo uns, parabenizando outros.  10. Ninguém é imbatível  Um recado fica muito patente: ninguém é imbatível. E pessoas autossuficientes caem do pedestal, ao perceberem que seus sonhos de grandeza não se realizam. Vejam o caso da Joice Hasselmann. PSL. Teve pouco mais de 82 mil votos, quando em 2018, concorrendo para deputada federal, teve cerca de 1 milhão de votos em São Paulo. 11. E agora, José?  Valho-me dos versos iniciais do poema do fabuloso Carlos Drummond de Andrade: E agora, José?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, José?e agora, você?você que é sem nome,que zomba dos outros,você que faz versos,que ama, protesta?e agora, José?  Fazer o quê?  Bolsonaro - vamos fazer as contas de ganhos, perdas e danos. Ganhos? Não os vejo. Candidatos ao 2º turno - Que verbos, adjetivos, ênfases, promessas e compromissos devemos anunciar? Centrão - Ante nosso avanço nas urnas, devemos renegociar nossos feudos no governo. Partidos grandes - MDB, DEM, PSD - Vamos olhar, com um olho, para o centro-direita; e com o outro para o centro-esquerda. Bruno Covas e Boulos - Como atrair votos conservadores do Russomano em São Paulo? Como atrair os votos da esquerda sem ganhar a pecha de extensões do petismo? Lula, Gleisi, José Dirceu - Que mudanças precisamos fazer? Como renovar o partido? Que bandeiras deveremos levantar? Redes bolsonaristas - Perdemos de goleada. Vamos incrementar as fake news? Com informações de fraudes eleitorais? Vamos insinuar que os ataques ao sistema do TSE têm a ver com fraudes? João Doria - O que devo fazer agora na campanha do 2º turno? Continuar escondido e aparecer apenas na frente da Coronavac ou aparecer de soslaio em alguns eventos? Gabinete do ódio - Vamos esperar pelas diretrizes dos nossos comandantes? Continuar a linha de ataques, com insinuações de conspiração ou dar um tempo para acomodação das placas tectônicas da política? Paulo Guedes - Paro o trem da economia até ver a onda passar ou continuo a correr na locomotiva? Afinal, perdedores e vencedores deverão chegar ao nosso confessionário, contar pecados ou desfilar hosanas. Os gastadores contarão com que armas? E os guardadores do cofre lutarão com que armas? E se o comandante das tropas decidir estourar os diques da contenção de gastos?  A geopolitica da intervenção Registro mais um livro na praça, que tem o título acima e o sub-título A Verdadeira História da Lava Jato, de Fernando Augusto Fernandes, um dos grandes criminalistas do país. Fernando acompanhou passo a passo o roteiro de investigações e, nesse livro, desvenda a complexa engrenagem formada (e combinada) para culpar os investigados. Esteve presente em muitos depoimentos. Trata-se de uma obra indispensável para quem deseja desvendar os subterrâneos da operação que se tornou bandeira política para alguns protagonistas.  Fecho a coluna com um pensamento  A ambição desmesurada  No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará, constantemente os que a apóiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder".
quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Porandubas nº 691

Abro a coluna com uma historinha do Ceará Meu povo e minha pova Em tempos de campanha eleitoral chegando ao fim, cai bem essa historinha. Parece absurda, mas é verdadeira. Deixamos de dar os nomes para evitar constrangimentos às famílias. Um ex-prefeito de Aracati, cidade litorânea do Ceará, em comício animado, gritou no palanque: "Meu povo e minha pova. Vou ser reeleito prefeito de Aracati com minha fé e as fezes de vocês". Flagrantes da paisagem 1. O freio de arrumação A vitória do democrata Joe Biden nos EUA funcionará como um freio de arrumação no sistema político internacional. De um lado, reforça as democracias, realinha as parcerias entre países amigos e parceiros, principalmente na Europa, e arrefece o ímpeto autoritário de governantes com propensão a radicalizar. Fará um bem enorme à política internacional. O empresariado também comemora o feito. 2. Não há bicho-papão Em alguns países, incluindo o Brasil, a mensagem é: não há bicho-papão na política, cara dura e recados enviesados, como Trump fazia e faz, não provocarão tanto medo. Pois o povo, na hora certa, corrigirá as distorções no sistema político-partidário. O que sobrará do trumpismo? 3. Supremacia branca O trumpismo não será extinto. Pois grupos fortes, de engajamento no nacionalismo exacerbado, contingentes ultra-conservadores tenderão a permanecer na vida política, tendo como símbolos a cara zangada e o topete agressivo de Donald Trump. Este, por sua vez, tem dois caminhos: continuar na política ou voltar a ser o magnata dos resorts e campos do divertimento. Escolhe a política. E faz da judicialização dos resultados eleitorais uma fogueira para chamar a atenção e mobilizar seus simpatizantes. Como pano de fundo, a supremacia dos brancos norte-americanos. 4. Deselegância Para liderar essa empreitada, o presidente raivoso comete atos deselegantes, como a falta de reconhecimento aos resultados eleitorais, a proibição de acesso de dados e informações à equipe que se instalará na Casa Branca, o gesto tresloucado de jogar tênis no meio do pandemônio que tenta provocar, um gesto calculado para dizer que está tranquilo e que ganhou as eleições. 5. Na marra Imaginem, agora, o que poderá ocorrer se os prazos constitucionais não forem cumpridos. Dia 12 de dezembro, deverá ocorrer a escolha do presidente pelos delegados. Poderá a justiça postergar essa escolha e atrasar todo o cronograma, que garante a posse do novo mandatário em 20 de janeiro de 2021? Difícil. A Corte Americana não se submeterá ao ridículo. Recontagens deverão ser feitas em alguns Estados, mas não se espere resultados tão diferentes do que se sabe. E se o azedume de Trump o mantiver sentado na cadeira do Salão Oval? Será escoltado para fora da Casa Branca na marra. Mas esse espetáculo está fora de qualquer previsão de bom senso. 6. No Brasil O Centrão, mais que as oposições, está vibrando com a vitória de Biden. Porque ganha força ao pensar: ora, o Trump daqui vai precisar mais de nós para aguentar o tranco dos contrários ao bolsonarismo. Afinal, a força de Bolsonaro poderá, mais adiante, escapar pelo ralo da política. Por isso, o Centrão deve ganhar mais musculatura, com fatias mais gordas de poder. 7. Realinhamento Por outro lado, o país estará ameaçado de imenso isolamento internacional, caso não faça um forte realinhamento de suas posições. As relações exteriores, sob a batuta desse senhor barbudo, o Ernesto Araújo, terão de reaver muita coisa do que o chanceler (??) chancelou. O conceito de Bolsonaro vaza como água na peneira. Estiola-se a cada dia. Vejamos o que vai ocorrer domingo, 15 de novembro. 8. Rejeição Anotem: a taxa de rejeição ao cabo eleitoral Bolsonaro é uma das maiores dos últimos pleitos municipais: em torno de 48%. O bolsonarismo como bússola da política não se sairá bem das urnas. Aliás, nem o PT. Até poderá se fortalecer mais adiante sob o impulso de uma economia revigorada. Mas quem acredita nisso, se a tendência em um país polarizado politicamente é a de se abrir o cofre e aumentar a gastança com o cobertor social? 9. Mosca azul A essa altura, tem muita gente na corte de Sua Excelência pensando com a possibilidade de dar um salto tríplice coroado em 2022, ganhando a condição de candidato a governador ou a senador. Há ministro com a mosca azul pousada no meio da testa. Alguns são tão explícitos nessa estratégia que provocam até queixas do presidente. "Fulano só pensa naquilo". O problema é saber se será uma aposta boa contar com a força presidencial em 2022. A água torrencial sob a ponte ofusca qualquer visão. 10. Vacina eleitoral Não podemos esquecer que a pandemia não será banida tão cedo. Vai entrar pelos próximos meses. O problema é a politização da vacina. Apesar de se saber que a Anvisa é um órgão sério, com técnicos e consultores de alto gabarito, não se descarta a pressão política sobre ela. A agência suspendeu, segunda, a continuidade dos testes com a Coronavac, a vacina chinesa, com a qual o também sério Instituto Butantã tem parceria. Alegação para a interrupção: "evento adverso grave". O que fez Bolsonaro dizer com a maior tranqüilidade: "ganhei do Doria". A vacina tem lado? 11. Sinuca de bico Ora, esse evento, segundo se noticiou, não tem relação com o teste da vacina. A Agência chinesa explicou o que ocorreu. Mas por aqui, com essa proibição, a Anvisa abre uma torneira de suspeitas. Por quê não fez isso antes, logo após o evento ter ocorrido? E que falta de habilidade e bom senso por parte de Bolsonaro ao levar esta proibição para a arena eleitoral. Ou seja, o governo de São Paulo vai receber dia 20 os primeiros seis milhões de doses da Coronavc. O presidente certamente ficará incomodado com a chegada antes do governador João Doria ao pódio da vacina. Esse é o Brasil. A Anvisa está numa sinuca de bico. 12. Moro na liça? Sérgio Moro abre o leque de articulação com vistas ao horizonte de 2022. Luciano Huck e o ex-juiz já conversaram sobre o futuro. Tenho dúvidas sobre a passagem tranquila de Moro sobre o Rubicão de 2022. Meu feeling é de que faltará oxigênio nas veias do paranaense para enfrentar a corrida. A propósito, leiam o que Rodrigo Maia acaba de dizer: "chance zero" de apoiar Moro em 2022. O DEM se sairá bem do processo eleitoral. 13. Eleições Celso Russomano, com meus respeitos aos paraguaios, é um cavalo paraguaio: bom de saída, ruim de chegada. Está definhando. Será difícil alguém ganhar de Bruno Covas no segundo turno. A eleição não tem empolgado. Abstenção, nulos e brancos subirão ao pico. 14. Alegria sufocada Minha percepção é a de que o humor do brasileiro chega a uma taxa muito baixa. O Produto Nacional Bruto da Felicidade - PNBF - está no fundo do poço. A ansiedade sobe. Haja rivotril. Fecho a Coluna com pequenas lições Buda - Existem três classes de pessoas que são infelizes: a que não sabe e não pergunta, a que sabe e não ensina e a que ensina e não faz. - O conflito não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância. - Persistir na raiva é como apanhar um pedaço de carvão quente com a intenção de o atirar em alguém. Confúcio "Aquele que busca garantir o bem-estar dos outros já garantiu o seu próprio bem-estar". "Exija muito de si mesmo e espere pouco dos outros. Isto vai lhe poupar muitos desgostos". "A natureza faz com que os homens se pareçam uns com os outros e que vivam juntos; a educação nos torna diferentes e nos afasta". "A natureza humana é boa, e a maldade é essencialmente antinatural". Santo Agostinho - O perdão "Confesso que tudo me foi perdoado: o mal que de livre vontade cometi e o que não pratiquei graças à vossa ajuda. Que homem há que, refletindo na sua enfermidade, ouse atribuir às próprias forças a sua castidade e inocência para vos amar menos, como se lhe fosse pouco necessária a misericórdia com que perdoastes os pecados aos que voltam para vós?" João XXIII "A medida que avanço, mais dou conta do que me falta." "Devo estar convencido de que meu próximo é sempre melhor do que eu, e por isso, digno do maior respeito." "A bondade atenta, paciente e generosa chega muito mais longe e mais rapidamente do que o rigor e o chicote." "A justiça se defende com a razão, e não com as armas. Não se perde nada com a paz, e pode se perder tudo com a guerra."  
quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Porandubas nº 690

Abro a coluna com o Ceará das boas histórias. Está distituído O major José Ferreira, cearense dos bons, amigo do padre Cícero, é quem relata: "Há muito matuto inteligente e sagaz, mas também há muito sujeito burro que, se a gente amarrar as mãos dele pra trás das costas, não sabe mais qual é o braço direito nem o esquerdo... Eu também conheço matuto que, abrindo a boca, já sabe: ou entra mosca ou sai besteira." O major continua a conversa: "Quando foi criado o município de Missão Velha, a escolha do primeiro intendente recaiu num velho honrado, benquisto e prestigioso, mas muitíssimo ignorante. Cabia-lhe o encargo de declarar instituído o município. Um dos "língua" do lugar seria o orador oficial. Ele, o chefe do Executivo municipal, deveria dizer simplesmente: "Está instituído o município de Missão Velha!". Levou quinze dias decorando a frase, e, na ocasião da solenidade, exclamou: "Está DISTITUÍDO o município de Missão Veia." A eleição bomba No momento em que escrevemos esta coluna, o clima de fim de mundo toma conta dos EUA. Biden ou Trump? Já se disse praticamente tudo a respeito dos efeitos da vitória de um ou outro sobre o conjunto das nações e sobre a democracia. Trump, populista e demagogo, em defesa de teses conservadoras. Biden, veterano da política e comprometido com os eixos da democracia. As circunstâncias cercam esta eleição, principalmente a gestão da pandemia e os tristes eventos envolvendo a comunidade negra, culminando com a morte de afrodescendentes. A nossa democracia A observação é unânime na pauta dos analistas: a vitória de Biden deixará o Brasil isolado da comunidade mundial; a vitória de Trump garante fôlego ao país e animará as bases bolsonaristas na caminhada até outubro de 2022. Bolsonaro fará o que estiver a seu alcance para continuar no assento presidencial, mesmo sob a teia de problemas que fechará muitas portas de seu governo: a questão da economia, o meio ambiente, os generais sob puxão de orelhas, a administração da vacina contra a Covid-19, as relações comerciais, o fechamento de fronteiras ao Brasil. Trafalgar errou? Perdeu ou ganhou? Ontem, li que, ao contrário dos institutos americanos, a consultoria Trafalgar Group prevê vitória de Donald Trump contra o democrata Joe Biden na eleição desta semana. A empresa é conhecida por divulgar pesquisas mais amigáveis aos republicanos. Em seu site, o Trafalgar afirma que teria acertado o sucesso de Trump nas eleições de 2016. Em favor do Trafalgar, há previsões realizadas em 7 de novembro no Twitter, um dia antes da eleição de 2016. Nelas, a empresa apontou vantagem de Trump sobre Hillary em Michigan e na Pensilvânia, onde a maioria dos institutos errou. Agora, mais uma vez, a consultoria calcula que o republicano está na frente de Biden nesses Estados, com margem de 48,3%-45,8% e 47,8%-45,9%, respectivamente. Centrão disperso Não será fácil para o governo conseguir formar uma base uníssona, firme, capaz de lhe dar todo conforto no que concerne a projetos de interesse do Palácio do Planalto. A esfera política se assemelha a uma peneira. Há muitos furos onde pode vazar água, apoio. Ademais os dados da economia refletirão o estágio do planeta em matéria de recuperação do sistema econômico, fragilizado com a pandemia. Teremos sinais de melhoria para mais adiante, mesmo que as atividades rotineiras do comércio, da indústria e dos serviços sejam retomadas. O país estará na corda bamba, entre o risco da gastança, com a quebra do teto de gastos, em atendimento à política, e o desafio de garantir acesso limitado aos cofres do Tesouro. O Centrão nunca será uma unidade. A bola na meia-esquerda Os exercícios futuristas no campo da política indicam que a bola tem condições de correr em três direções: 1) no meio, quando os jogadores taticamente jogarem a pelota para um centroavante de muito fôlego correr sem ser derrubado até o gol; 2) pela direita, sob o clima intensamente favorável ao governo Bolsonaro, com a economia dando saldos positivos e o povo de bolso suprido. O problema é saber se o presidente, candidato à reeleição, terá a habilidade de Garrincha, capaz de driblar os melhores zagueiros do mundo; 3) a bola pode ser conduzida por um meia-esquerda, um craque capaz de sair de seu espaço, correr também pelo centro, pela esquerda e até pela direita. Claro, se tiver a habilidade de Pelé. Extrema-esquerda? Nunca Sob qualquer cenário, inclusive uma paisagem desoladora, não se deve apostar em bola correndo pela ponta esquerda, quase pelas bordas do campo. A ponta esquerda fará papel de coadjuvante, jogando a pelota para a grande área para seus pares aproveitarem a cabeçada. Que os comentaristas esportivos usem suas expressões mais certeiras para abrir os espaços do campo e definir melhor os goleadores da disputa de 2022. Mourão O vice-presidente, general da reserva, Hamilton Mourão, tem firmeza na fala. Disse alto e bom som que se a vacina da China for aprovada pela Anvisa, o Brasil irá adquiri-la. Bolsonaro já havia dito que essa vacina não será comprada pelo governo. O destempero deixa o presidente no corner do ringue. Mourão exprimiu bom senso. P.S. Se Jair descartá-lo como candidato a vice, o general poderá se candidatar ao Senado. E dará tempo a escolher um Estado mais viável que o RJ. A conferir. Neutro Aliás, o vice-presidente diz que se as eleições presidenciais nos Estados Unidos terminarem em conflito, o Brasil deve adotar posição "neutra". Arremata: "Não temos nada a ver com as questões internas americanas. Isso é princípio constitucional nosso. A gente não admite ingerência nos nossos assuntos internos e também não fazemos nos assuntos internos dos outros". Lira tem chances? Por mais que tenha nas mãos a alavanca do Centrão, é complexa a tarefa de Arthur Lira de ganhar o comando da Câmara. O Centrão deve encontrar dificuldades em atrair o apoio de grandes legendas para a candidatura do líder do PP. Baleia Rossi, presidente do MDB, é uma opção que cresce na preferência de algumas siglas. E contaria com o apoio do presidente Rodrigo Maia. Base municipal A base de lançamento dos foguetes presidenciais será construída até o fim deste mês, quando teremos o segundo turno do pleito municipal. Ao que se sabe, a essa altura, é que o bolsonarismo não terá grande performance nas capitais e grandes cidades. O presidente, depois de analisar o quadro dos resultados, escolherá a sigla que o abrigará para o pleito de 2022. Nem todas as grandes siglas se oferecem para recebê-lo, ao contrário do que se ouve aqui e ali. São Paulo A campanha na capital paulista continua morna. Bruno Covas garante seu lugar no 2º turno. Contra quem? Russomano, como prevíamos, tem dificuldades de manter sua posição. A colagem em Bolsonaro não dá certo por aqui e, em muitos casos, por ali. Surpreende o crescimento de Boulos. Márcio França quer se esforçar para ser a terceira via, quebrando a polarização. Está difícil. TV ou redes? Quem está conseguindo ser mais influente na campanha? TV, rádio ou redes sociais? Tem analista apostando muito na TV e no rádio. Nesta eleição, não vejo tanta influência. Tudo está com cara de coisa já vista. As redes sociais criaram muita expectativa. Mas têm exercido pouca influência. São mais veículos de manutenção do ânimo de bases e simpatizantes. Não agregam votos novos. Violência aumentou Até o momento, 15 candidatos foram assassinados no país desde o dia 17 de setembro, primeiro dia após o fim das convenções. Foram mortos 14 candidatos a vereador e um candidato a prefeito em cidades de interior em 12 Estados, o que significa uma média de assassinato ligado à eleição a cada três dias. Registraram-se no mesmo período ao menos 19 tentativas de assassinato de candidatos com armas de fogo. Fecho a coluna com um pouco de humor. Einstein Certa vez, Einstein recebeu uma carta da Miss New Orleans onde dizia a ele: "Prof. Einstein, gostaria de ter um filho com o senhor. A minha justificativa se baseia no fato de que eu, como modelo de beleza, teria um filho com o senhor e, certamente, o garoto teria a minha beleza e a sua inteligência". Einstein respondeu: "Querida miss New Orleans, o meu receio é que o nosso filho tenha a sua inteligência e a minha beleza". Conselho para a Miss José Américo de Almeida, autor de A Bagaceira, político paraibano e um dos maiores tribunos brasileiros. Uma historinha com ele. Margarida Vasconcelos, eleita Miss Paraíba, foi visitar o velho José Américo no casarão avarandado da praia de Tambaú, em João Pessoa. Chegou falando muito, falando demais, maltratando o português e as ideias. Queria conselhos: - Doutor José Américo, o que o senhor me recomenda para eu representar bem o Estado no concurso de Miss Brasil, lá no Rio? - Minha filha, você quer mesmo um conselho? Então fale o menos possível. E, se puder, não abra a boca.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Porandubas nº 689

Abro a coluna com a Paraíba. Aloísio Campos foi candidato a senador três vezes e três vezes foi derrotado por Ruy Carneiro. Em 66, o governador João Agripino encarregou Ivan Machado e Osvaldo Trigueiro do Vale de coordenarem a campanha de Aloísio na capital. Já no fim, planejaram uma grande concentração popular no bairro da Torre, onde o candidato faria o pronunciamento final. Ivan e Osvaldo desdobraram-se. No dia, nove da noite, João Agripino e Aloísio dirigiram-se para o bairro da Torre. Uma decepção. Palanque, luzes, escola de samba, tudo lá, mas povo quase nenhum. Aloísio mandou chamar Osvaldo: - Tudo bem, Osvaldo? - Tudo bem, senador. Tudo arrumado, como o senhor mandou. - Mas, e o povo, Osvaldo? - Ora, doutor, eu consegui escola de samba, armei o palanque, fiz iluminação, preparei a lista de oradores. Agora, se ainda tivesse de trazer o povo, o candidato era eu. Não houve comício. Nem voto para Aloísio. (Causo do grande contador de histórias Sebastião Nery) A mesma coisa "Plus ça change, plus c'est la meme chose". A expressão francesa é bastante conhecida: "quanto mais muda, mais é a mesma coisa". Com pequenas alterações, o que assistimos em matéria da campanha eleitoral em curso é um repeteco das coisas antigas: candidatos fazendo promessas, mostrando feitos, alguns tentando fisgar pelo chiste ou gestos toscos, outros disparando acusações indiretas a adversários. A pandemia nem parece que existe. Cenas de candidatos sem máscaras pipocam por todos os lados. E daqui a pouco, no dia 15, estaremos junto às urnas. O grande eleitor A Covid-19, tenho repetido, será uma grande eleitora. E no cabo de guerra formado em seu entorno, ela tende a favorecer aqueles candidatos reconhecidamente bem sucedidos na administração da pandemia. A recíproca é verdadeira. A polarização entre simpatizantes do bolsonarismo e seus contrários também estará entre os fatores determinantes do voto, principalmente nas metrópoles e grandes cidades. A vacina obrigatória O nosso estágio civilizatório será o pano de fundo do processo decisório. Que estágio temos nós? Racionalidade, de um lado, emoção, de outro, grupos raivosos, contingentes empobrecidos, classes médias que perderam parte de seus bens materiais, setores esclarecidos, intensa organicidade social, esquerda versus direta atuando em espaços da política e... até a questão da obrigatoriedade da vacina. É de arrepiar: vacina com a cor comunista, com a cor liberal, com a cor social-democrata etc. Meu Deus do céu: vacina não tem ideologia. 1 a cada 4 resiste Cecília Machado, na FSP de ontem, levanta o véu do problema. Escreve ela: "As vacinas contra a Covid-19 ainda estão em fase de testes, mas cresce a desconfiança com relação a elas. No Brasil, 1 a cada 4 brasileiros resiste à ideia de tomar a nova vacina, conta pesquisa do Ibope. Nos Estados Unidos, o problema é ainda mais sério: o percentual de adultos que tomaria a vacina caiu de 72% para 51% de maio a setembro deste ano, segundo pesquisa de opinião do PEW Research Center". A resistência Continua Cecília: "Se vacinas fossem 100% eficazes - ou seja, se quem fosse vacinado ficasse completamente imunizado- faria menos sentido se preocupar com a imunização dos outros. Como não são, importa quem deixa de tomar a vacina, pois estes continuam transmitindo, inclusive para quem foi vacinado. De forma semelhante, se fossem 100% seguras, haveria pouca preocupação em torná-las obrigatórias. Como não são, cabe espaço para decisões que ponderam riscos e retornos de forma individual". 200 experiências Há, hoje, cerca de 200 vacinas que estão testadas nos quadrantes do planeta. Ora, se uma, duas, dez ou vinte se mostrarem eficazes, seria o caso de descartá-las porque receberam insumos de países considerados socialistas, comunistas, esquerdistas? Galileu Galilei deve estar dando gargalhadas ante tal monstruosidade. 2ª onda A segunda onda da pandemia chegou na Europa. Os índices mostram que a virulência tem sido maior quanto ao número de contaminados, não quanto ao número de óbitos. STF em ação A medida de uma democracia contempla a estabilidade de seu sistema normativo. Democracias mais novas costumam abarcar tensões e atritos. E não adianta dizer que isso só mostra que as nossas instituições estão funcionando. Não é bem assim. Viver em estado permanente de tensões entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mostra que temos muito a caminhar na rota da institucionalização política. Parcela das arengas se arrasta sob a égide da Constituição de 88, plena de direitos e deveres, detalhista e ainda não totalmente desvendada, o que explica o acervo de questões que chegam ao STF. Por exemplo, a Corte vai decidir se tomar vacina contra uma perigosa epidemia é obrigação ou não do cidadão. Militares "abaixados" I Os recentes episódios envolvendo os generais Ramos e Pazuello, dois ministros de Estado, tendo o primeiro sido comandante do II Exército, empanaram a imagem da instituição militar. Ramos foi agraciado com a expressão nada elegante de um colega, que pediu a ele para deixar o estilo "maria-fofoca". Mesmo com as desculpas do ministro Salles, do Meio Ambiente, a patada pública no general Ramos deixa marcas fortes. Militares "abaixados" II Já Pazuello foi publicamente desautorizado pelo presidente a fazer qualquer negócio com a China. Claro, o negócio seria a aquisição da vacina que aquele país e o Instituto Butantã, em parceria, tentam produzir e oferecer ao mercado brasileiro em primeira mão. O Ministério da Saúde havia se comprometido de adquirir 40 milhões de doses. Ficou feio para o ministro da Saúde receber um puxão de orelhas sob o olhar perplexo de governadores e da própria sociedade. Por quê? Porque quem está liderando as tratativas com a China é o governador João Doria, eventual adversário de Bolsonaro em 2022. E os partidos, hein? O maior número de candidatos a vereador é do MDB, que junto ao DEM, ao PSDB e ao PSD tem condições de alcançar boa performance eleitoral. Dependendo dos resultados, os três grandes partidos deverão ser um pêndulo na formação partidária, ou seja, poderão formar uma frente com vistas a 2022. O Centrão pode se desorganizar se essa equação for elaborada. O fato é que a movimentação partidária será intensa. TV Globo em baixa? Ouve-se por todos os lados. O Grupo Globo atravessa uma fase das mais críticas de sua existência. A entrevista do grande ator Antônio Fagundes na revista Veja foi um duro recado: a TV Globo está perdendo seu patrimônio. A saída de atores e jornalistas para outras emissoras é frequente. Tem algo a ver com perdas de verbas publicitárias do governo Federal? Campanha eleitoral O que motiva o eleitor? Época de campanha, época de muitas perguntas, a partir de uma que é central: quais fatores influem no voto a um candidato? O primeiro é o bolso. Relaciona-se à luta pela sobrevivência e à necessidade do eleitor de garantir o bem-estar do estômago. Trata-se de um dos impulsos básicos do ser humano, que age principalmente em épocas de contenção, crise e desemprego. Quaisquer propostas para garantir o sustento de pessoas e famílias, quando feitas de maneira crível e objetiva, laçam o interesse das pessoas. Um bom emprego ou a perspectiva de melhorar de vida simbolizam o eixo desse discurso. Proximidade O segundo fator de interesse liga-se à região, ao município, ao bairro, à rua. Trata-se do fator proximidade, que, nos últimos tempos, tem despertado a intenção dos eleitores. O voto está ficando cada vez mais distritalizado, regionalizado. As pessoas querem ver melhoramentos nos espaços que as abrigam. Esses são fatores de natureza racional. Experiência O terceiro elemento está voltado para a experiência que o eleitor tem ou teve com o candidato. Trata-se, no caso, do conhecimento, que abriga, ainda, a tradição familiar, o grau de intimidade. É como o eleitor estivesse votando em alguém da família. Outro tipo de apelo, próximo ao anterior, relaciona-se às indicações feitas pelo grupo de referência do eleitor - seus próprios familiares, vizinhos, amigos e companheiros de trabalho. O grupo funciona como guarda-chuva do candidato. Inovações Outro conjunto diz respeito ao próprio candidato. A começar por sua história pessoal e profissional. Se tiver coisas a mostrar, ficha limpa, passado decente, ganha boa sinalização. Mas nada disso funciona, se o candidato não tiver visibilidade e não apresentar um programa inovador que venha bater no sistema de signos, interesses e vontades do eleitorado. Aspectos pessoais - formas de se vestir, falar, gesticular - chamam a atenção. A estética deve ser adequada às culturas regionais, não cabendo, no caso, exageros. Certos cuidados precisam ser tomados para que os perfis não provoquem imagens artificiais. As circunstâncias A onda das circunstâncias. Bons candidatos sempre recebem uma ajudazinha do clima dos momentos, formado por ventos que sopram a favor, e que o projetam como a pessoa que melhor cristaliza os sentimentos gerais e mais empatia provoca junto aos diversos grupos sociais. Combinar esses elementos requer uma química complexa. O caldo dos fatores de motivação de voto é uma ótima vitamina para candidatos anêmicos. O segundo turno Costuma-se dizer que o segundo turno é outra campanha. Não o é. Na verdade, trata-se da continuidade da primeira, observando-se essas características. O tempo de programa eleitoral será o mesmo, dando, assim, chances para uma comparação mais exaustiva e atenta entre perfis e programas. Os minutos que caberão aos dois candidatos serão suficientes para se ter uma avaliação mais completa dos ideários. É bem verdade que a semântica, a mensagem oral, o plano das ideias, deverão ser complementados pela estética da TV - na estratégia de embalar os perfis com celofane mais colorido.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Porandubas nº 688

Abro a coluna com o querido RN. O sabiá do senador Quando senador pelo Rio Grande do Norte, Agenor Maria (sindicalista rural, falecido em 1997), visitando o município de Grossos, foi interpelado pelo prefeito Raimundo Pereira. "Estamos precisando de uma escola para a comunidade de Pernambuquinho". De pronto, Agenor garantiu-lhe apoio à proposição. Semanas depois, um telegrama traz a boa-nova ao prefeito. "Escola está assegurada. Mande-me o croqui". Tomado pelo espírito de gratidão, Raimundo visita Agenor para agradecer o empenho, carregando uma gaiola à mão. Diante do senador, que estranha o acessório, Raimundo vai logo se explicando. "Eu não peguei um concriz como o senhor pediu, mas trouxe esse sabiá. O bichinho canta que é uma beleza"! (Historinha narrada em Só Rindo 2, de Carlos Santos) Eleição fria A campanha eleitoral segue com a temperatura de água fria. Pelo menos nesse maior conglomerado eleitoral, que é São Paulo, capital com os seus quase nove milhões de eleitores. Mesmo nos programetes eleitorais, os candidatos parecem cumprir pauta obrigatória. Um desfile de promessas antigas. Quem dispõe de mais tempo, como Bruno Covas, apela para o espaço do "povo fala", quando se veem eleitoras (es) fazendo seus agradecimentos pelo hospital A, B ou C. Quem tem pouco tempo, fica no sorriso. Tempo médio, como o de Russomano, apela mesmo para velhíssimos chavões: creche vai permitir que as mães arranjem trabalho fora de casa. Eleição quente Em algumas regiões, a campanha começa a ficar quente. Recolho informações do Nordeste, onde as comunidades do interior fazem festança todos os dias para seus candidatos, com carreatas, passeatas, encontros, aglomerações. Todos ao lado do eleitor mortífero, o sr. Cornavídio-19. Há até quem se agarra ao jogo de palavras, principalmente quem está nos lugares baixos nas pesquisas: darei uma coronhada nos meus adversários; podem esperar a virada. Ou seria a virusada? Vacina obrigatória Quer dizer que tomará a vacina quem quiser? Não será obrigatória, diz o presidente. Será obrigatória em São Paulo, diz o governador. O presidente se vale da Constituição para liberar o não uso. A especialista em Direito Médico, Mérces da Silva Nunes, diz não haver dúvidas sobre o tema. "O limite entre imposições estatais e a autonomia individual das famílias é a Constituição". Segundo ela, a Constituição Federal estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, a não ser em virtude da lei. Mas o ECA Mas a lei 8.069/90, "o Estatuto da Criança e do Adolescente", impõe aos seus responsáveis legais o dever de proteger a saúde desta população. Ela dispõe que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, levando em conta que a proteção é indispensável para evitar que essa população fique doente, em decorrência de doenças para as quais há vacinas comprovadamente seguras e eficazes. Obrigatoriedade Arremata a especialista Mérces: "O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes e impõe aos seus representantes legais o dever de proteger a saúde desta população, sob pena de responsabilidade". O parágrafo 1º do artigo 14, do ECA, dispõe que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. E a legislação assim determina porque a proteção das crianças e adolescentes é indispensável para evitar que essa população fique doente, em decorrência de doenças para as quais há vacinas comprovadamente seguras e eficazes e para impedir que essa mesma população não atue como agente propagador dessas doenças. Imunização O Programa Nacional de Imunização (Ministério da Saúde) dispõe sobre a vacinação infantil e estabelece que as vacinas já comecem a ser aplicadas ainda na maternidade, logo após o nascimento do bebê. Não é possível que o jogo político entre nessa questão pandêmica. O STF deveria, logo, estabelecer sua diretriz, sem esperar que a politicagem seja a bússola da pandemia. Doxa Os gregos foram os primeiros a defender de maneira intensa suas crenças, fé, ideias, opiniões. O termo Doxa, em grego , expressa o conceito. Pois bem, estamos vivenciando na Humanidade a Era da Opinião, das livres ideias. Cada qual defende seu ideário, suas crenças, mesmo que essas sejam invariavelmente jogadas no cesto da inverdade, das versões estapafúrdias, do invencionismo arraigado em radicalismos ideológicos. Daí a ressurreição do negacionismo, que políticos, autoridades e "falsos" profetas teimam em confirmar. A terra é plana e a Covid-19 é uma "gripezinha". E Galileu, hein? Lembrem-se de Galileu Galilei, condenado à prisão por defender a tese de Nicolau Copérnico de que a terra não ficava no centro do universo, e sim orbitava em torno do sol. Galileu foi obrigado a negar sua pregação e a viver confinado em prisão domiciliar. Até que, em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu os enganos cometidos pelo tribunal eclesiástico que condenou Galileu Galilei à prisão. Essa revisão de posicionamento, portanto, ocorreu 350 anos após a morte do cientista italiano. O negacionismo O boato é uma lebre. A verdade, uma tartaruga. E que nem sempre, mesmo andando devagar, chega ao destino. É sufocada pela mentira, pelas falsas crenças. Quanta gente continua a acreditar que a Covid-19 não carece de tantos cuidados; que o isolamento social não freia a pandemia. Olhem a segunda onda do vírus que se espalha pela Itália, França, Inglaterra. Nos EUA, a maior democracia do planeta, os negacionistas se multiplicam e morrem às pencas. O Trump de lá e o Bolsonaro daqui, e um bom número de seus assessores, foram pegos pelo bicho. E ainda há quem não acredite que o homem pisou na lua. É barra aguentar a carga de ignorância que fecha a mente dos radicais empedernidos. Lavanderia Do ex-doleiro Vinícius Claret, mais conhecido como Juca Bala, ex-sócio do doleiro Dario Messer: "O Brasil é a maior lavanderia de dinheiro do mundo. Enquanto não sair uma lei proibindo o pagamento de boletos por terceiros, a lavanderia vai continuar solta". Em suma, o Brasil é sui generis: mistura as características de paraíso fiscal com as intempéries de inferno tropical. P.S. Em tempo: paraíso fiscal possui regras extremamente flexíveis, que vão contra à aplicação das normas de Direito Internacional que coíbem crimes financeiros e combatem a evasão fiscal, sonegação de impostos e a lavagem de dinheiro. Já inferno tropical, deixo que cada um expresse seu conceito. Gregos e romanos O escritor Kenneth Minogue compara: "enquanto os gregos foram retóricos brilhantes, inovadores, os romanos foram agricultores, guerreiros sérios e prudentes, menos sujeitos que seus antecessores a se deixarem levar por uma ideia". Herdamos nosso ideário dos gregos, mas nossas práticas dos romanos... O vocabulário político dos gregos - democracia, tirania, polícia, a própria política - e o vocabulário cívico dos romanos - civilidade, cidadão, civilização. A lógica de Sócrates O filosofo Sócrates andava por Atenas pregando a lógica. Quando ouvia alguém falando, perguntava se realmente sabia o que estava dizendo. Certo dia, ouviu um eminente estadista, aproximou-se dele e indagou: - Perdoe-me a intromissão, mas o que vem a ser para o senhor a coragem? - Coragem é permanecermos no nosso posto em perigo - respondeu o orador. - Mas suponhamos que a boa estratégia exigisse a retirada? - replicou Sócrates. - Bem, isso é diferente. Está claro que, nesse caso, não haveria necessidade de permanecer no posto. - Então coragem não é permanecer no nosso posto, nem retirar, não é verdade? Pergunto, então, o que é coragem? O orador franzia a testa: - Confesso o meu embaraço. Creio que realmente não sei. - Eu tampouco - arrematou Sócrates - mas será que se trata de algo que difere do uso da cabeça, pura e simplesmente? Isto é, fazer o que seja razoável, independente do perigo? - Isso parece mais acertado- observou alguém entre o grupo. Sócrates finalizou: - Concordaremos, então, apenas para argumentar, é claro, pois é uma questão difícil, que a coragem se resume em sólido bom senso? A coragem é presença de espírito. E o oposto, nesse caso, seria a presença em tal intensidade que perturbaria a mente?
quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Porandubas nº 687

Mata o bicho, sô Lembrança do monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, que fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma pequena barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fieis que lotam a capela, ele pega a garrafinha e, num gole só, sorve todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice). Tensão no STF Tudo bem. Que Marco Aurélio é um juiz polêmico, é sabido. O ministro já é o decano da Corte. Da turma designada como "garantista", aqueles que apreciam gritar: "Cumpro a lei. Se a lei está errada, mude-se a lei". O problema é o clamor popular. Conceder um habeas corpus a uma pessoa considerada de alta periculosidade vai contra o bom senso ou, se quiserem, contra outra "lei", esta centrada na vontade popular: Vox populi, Vox Dei. O presidente da mais alta Corte derrubou a decisão de Marco Aurélio e vai levar a decisão ao plenário. Deve fazer maioria. Os "consequencialistas" somam mais ministros. Que convívio, hein? O que chama a atenção nesse affaire é a indisposição de um ministro para com outro. Há um plus de vaidades, brios feridos, algo como - sou melhor do que você; ou ainda - cale a boca, quem é dono da flauta dá o tom. Pasmem. Como um corpo de 11 ministros, convivendo anos a fio, um ao lado do outro, conhecendo as têmperas, índoles e cacoetes mentais dos pares, ainda abre querelas em seu dia a dia? Não há amizade ou mesmo respeito que faça sucumbir qualquer tentativa de agressão pela palavra? Pois o que se lê e se ouve é algo como "esse ministro é caçador com ç". Verve maligna? Depois, Suas Excelências brindam no cafezinho. A vida institucional é mesmo um teatro. "Terrivelmente evangélico" Após a nomeação do Kassio (com K), que tende a ser mais garantista do que consequencialista, deve ser nomeado em 2021, segundo promessa repetida pelo presidente Jair, um ministro "terrrivelmente evangélico", que assumirá o lugar do ministro Marco Aurélio. E assim, o STF, em 2021, após 192 anos de fundação, inaugurará seu ciclo religioso, com o aval explícito da mais alta autoridade da República. As seitas afro-brasileiras têm esperança que sua vez chegará, momento em que as sessões plenárias poderão ser abrilhantadas por um remelexo de candomblé ketu, do rito nagô. O bumbo é fraco Começou na TV e no rádio o malfadado exercício de promessas mirabolantes, gestos tresloucados e baboseiras. Candidatos a prefeito e vereador batem no bumbo eleitoral, mas os ouvidos de eleitoras e eleitores, treinados na arte da milonga - mexerico, dengue, manha, desculpa esfarrapada - estão bem mais seletivos do que em pleitos anteriores. Nem os tradicionais trejeitos para chamar a atenção da audiência geram graça. Gargalhada com alguma presepada pode ainda ocorrer, quando a extravagância extrapola limites. Mas o povo quer mesmo é que muitos candidatos se lixem. Os números Vamos aos números. Cerca de 540 mil serão candidatos a cargos de vereador, vice-prefeito e prefeito. Com 44.158 candidatos, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é o partido com mais candidatos. A seguir, vem o Partido Social Democrático (PSD), que inscreveu 38.975 candidatos no TSE, e pelo Partido Progressista (PP), que tem 37.745 candidatos. Quem cresceu e baixou Em comparação com quatro anos atrás, porém, o MDB teve uma pequena queda de 0,74% em seus candidatos. Já PSD e PP aumentaram em mais de 30% seus números de candidatos. Enquanto o primeiro inscreveu 32,4% mais filiados (foram 29.421 em 2016), a legenda presidida pelo senador Ciro Nogueira (PI) aumentou em 34,6% (foram 28.031 há quatro anos). Destaques O Novo é o partido com o maior aumento percentual de candidaturas. O crescimento de seus indicados aos cargos públicos foi de 330,56% - passou de 144 para 620 candidatos. Destacam-se também o Podemos (Pode), que terá aumento de 104,99%, e o Partido Social Liberal (PSL), que cresceu 105,8%. Os dois partidos, aliás, estão entre os que mais cresceram em números absolutos. O PSL lidera neste quesito, com 11.139 candidatos a mais neste ano (de 10.528 para 21.667), seguido pelo Democratas (DEM), com 10.583 inscritos a mais (de 21.953 para 32.536), e o Pode, que aumentou em 10.280 postulantes (de 9.791 para 20.071). Já o Partido Comunista Brasileiro (PCB) passa de 243 inscritos em 2016 para 75 em 2020 (diminuição de 69,14%). Mas é o Partido Verde (PV) que registra a maior redução, com 5.089 candidatos a menos que há quatro anos - em 2020 são 11.866 inscritos. Grana Cerca de 53 mil candidatos registraram no TSE patrimônio com dinheiro em espécie, em reais e moedas estrangeiras. Valor supera a poupança e só é menor que o aplicado em renda fixa. Candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador declararam ter R$ 1,3 bilhão em dinheiro em espécie ao TSE nas eleições de 2020. O valor é 23% inferior ao R$ 1,7 bilhão registrado nas últimas eleições municipais em 2016. Em São Paulo Não é intenção deste analista político avaliar a performance dos candidatos no maior reduto eleitoral do país, São Paulo, capital. Apenas um breve retoque sobre o que se vê nos primeiros dias. A campanha com mais tempo, a de Bruno Covas, tem condições de enxertar falas de populares. Coisa que tem dado certo. A estampa do candidato é limpa, fala clara, parecendo bem de saúde, após a luta contra o câncer. Celso Russomano, o líder nas pesquisas, falando de um púlpito, corpo inteiro, parece querer uma analogia com os pastores evangélicos. Algo como um "populismo evangélico", tentando "laçar" os contingentes do meio da pirâmide para baixo. Outros Na Campanha de Boulos, Erundina, a tiazona que tem muito prestígio nas margens da metrópole que já governou, circula numa paisagem em preto e branco, abrindo alas para um candidato que diz ter abandonado uma vida de conforto para morar na periferia. Impressiona. Marcio França aparece bem, sem novidades. Arthur do Val, o "Mamãe Falei", tenta mobilizar o antipetismo e lidera nas redes sociais. Joice Hasselmann, magra, bonita, parece querer semelhança com a atriz Uma Thurman em Kill Bill, filme de 2003. Sem apelo Campanhas sem apelo. Eleitorado medroso. O senhor Convídio das Mortes espreita o processo eleitoral. Abstenção, votos nulo e branco ultrapassando a casa dos 30%. Até parece com a campanha de "Seu Lunga" (lembram-se dele?) a vereador em tempos idos. O véio Lunga No cordel de Luiz Alves da Silva "Seu Lunga foi candidatoPara ser vereadorLá nos comícios falavaIgualmente a um doutorAlegrando os da cidadeE até os do interior Porém os retratos dele,Consigo mesmo guardavaPorque via que os dos outrosO povo sempre rasgavaE pra não rasgarem os deleA quem pedia não dava". Santinho tem lugar certo: lixo da rua. 2º turno Observação a se comprovar. Se a diferença entre os dois principais candidatos em cidades acima de 200 mil eleitores (cerca de 95) for muito pequena, a máquina administrativa tende a favorecer candidatos à reeleição. Isso em tempos normais. Na atual campanha, o sentimento por mudança pode contrariar a velha hipótese. Novas eleições? O impeachment do governador de Santa Catarina pode abrir o caminho para novas eleições diretas no Estado. A conferir. Marketing segmentado O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Na atual campanha, o marketing segmentado acaba assumindo maior importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. E na indignação contra as velhas promessas. Inflação e câmbio Segundo o relatório Focus, do Banco Central, o mercado espera contração de 5,03% do PIB deste ano (ante 5,02% na leitura anterior) e crescimento de 3,5% no próximo ano. Em relação ao IPCA, a mediana das projeções para 2020 subiu de 2,12% para 2,47%, enquanto que para 2021, passou de 3,00% para 3,02%. Para a taxa de câmbio, a mediana das expectativas para o final deste ano subiu de R$/US$ 5,25 para R$/US$ 5,30 e, para o ano que vem, de R$/US$ 5,00 para R$/US$ 5,10. Por fim, a mediana das projeções para a taxa Selic permaneceu em 2,0% para o final de 2020 e, para o final de 2021, foi mantida em 2,5%. Fecho a coluna com Goiás. Nada mudou Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil: - No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados. O coronel Miguel suspirou: - Então não mudou nada.
quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Porandubas nº 686

Abro a coluna com Arandu, São Paulo. Emprego pro prural Arandu, em São Paulo, começou sua história como pequeno povoado, no bairro do Barreiro, no município de Avaré. Em 1898, um pedaço de uma fazenda leiteira da região foi doado para a construção de uma capela. Elevado a distrito de Avaré/SP, em 1944 recebeu na ocasião a atual denominação. Em 1964, conquistou a emancipação política. No primeiro comício, os candidatos a prefeito exibiam seus verbos. Dentre eles, o matuto José Ferezin. Subiu ao palanque e mandou brasa: - "Povo de Arandu, vô botá água encanada, asfaltá as rua, iluminá as praça, dá mantimento nas escola...". Ao lado, um assessor cochichou: - "Zé, emprega o plural". O palanqueiro emendou: - "Vô dá emprego pro prural, pro pai do prural e pra mãe do prural, pois no meu governo não terá desemprego". (Historinha enviada por Marcio Assis) Panorama visto da ponte Da ponte entre a pandemia e os tempos tão esperados da pós-pandemia é possível distinguir traços do panorama: 1. Ela não irá embora, devendo dar as caras aqui e acolá, sem aviso prévio; 2. A Covid-19 deverá comparecer às urnas dentro da cabeça de eleitores medrosos, daí a previsão de que o índice de abstenção em 15 de novembro, junto aos nulos e brancos, deverá ultrapassar a casa dos 30%; 3. A campanha será nacionalizada nas capitais e grandes cidades, apesar do esforço de candidatos para deixá-la restrita aos espaços municipais; 4. O apoio de Bolsonaro a alguns candidatos será uma alavanca em rincões mais distantes, mas poderá se transformar um bumerangue (efeito contrário) em São Paulo, por exemplo. Tem mais pela frente. Nuvens cinzentas Ainda do meio da ponte da transição entre o Brasil pré e pós-eleição de novembro, são perceptíveis as nuvens cinzentas que baixam sobre alguns terrenos, como o da economia. A lei do teto deverá ser cumprida com muito esforço, após essa tentativa de reaproximação entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia. O presidente da Câmara chegou a pedir desculpas por ter sido grosseiro com Guedes. E este saiu do encontro confortado com as palavras e compromissos assumidos por Maia e Davi Alcolumbre. Vai se arrumar maneira de conseguir um dinheirão para o Renda Cidadã. Provavelmente da seara do Imposto de Renda. Mas os pedidos de "me dá um dinheiro aí" vão se multiplicar. E ofuscar a escalada de obras previstas. Dívidas de curto prazo chegam a R$ 1 trilhão. Debulhando a espiga Vejamos o que mostra a espiga de milho sobre o quadro eleitoral em São Paulo, o maior colégio do país. São Paulo sedia as maiores classes médias, os maiores grupamentos de profissionais liberais, os mais densos contingentes de trabalhadores, em suma, o mais contundente rolo compressor contra o status quo, e que contém: corrupção, maus serviços públicos, governantes desastrados, inércia e inação, etc. O pensamento racional do país se desenvolve com força em São Paulo. E o que as pesquisas dizem? O maior índice de rejeição em São Paulo é o de Bolsonaro, com 46%, sendo o segundo de João Doria, 39%. Ora, colar o nome de um ou outro candidato aos perfis rejeitados pode ser um bumerangue, fazendo efeito contrário. Rejeição A rejeição é uma das maiores barreiras enfrentadas pelos candidatos, que tendem a olhar apenas para os índices de intenção de voto. Russomano, com 24%, e Bruno Covas, com 18% na pesquisa Ibope estão no limite do empate técnico. Daí a necessidade de se fazer acurada leitura sobre a rejeição, os blocos que a fazem, a tendência de polarização, as maneiras como trabalhar a campanha para diminuir seus impactos. Urge lembrar, nesse momento, que as classes médias e os núcleos de profissionais liberais exercem extraordinária importância na moldura eleitoral - em um ambiente polarizado - por sua identidade de "pedra no meio do lago". Jogue-se uma pedra no meio da lagoa e as ondinhas correrão até às margens. Essa é a capacidade de classes médias de influenciar o voto das margens. Russomano e Covas Celso Russomano construiu a imagem de defensor do consumidor com seus programas de TV ao longo de três décadas. Mas não entra bem no sistema cognitivo do meio da pirâmide, que o identifica como perfil demagógico, de viés oportunista. Já seu vice, o ex-presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, poderá atenuar as bordas sujas da imagem russomânica. Bruno Covas tem o sobrenome do avô, Mário, cuja imagem é das melhores no campo dos valores. E enfrentou um câncer de maneira corajosa e até arrojada, merecendo o respeito da população. Mas não ganhou a lapidação do grande gestor, de um gerentão capaz de alavancar um forte programa de obras. Esses são alguns prós e contra dos dois candidatos que lideram a corrida municipal em SP. Trumpinando Esse presidente norte-americano, Donald Trump, é mesmo um fanfarrão. Recebeu a visita da Covid-19, mostrou medo, correu para um bom hospital, sob a assistência de médicos especialistas, tomou drogas fortes, recebeu doses de oxigênio, saiu no meio da sua "gripezinha" para um passeio em que acenou para simpatizantes, fechou os vidros do carro, com ameaça de contaminar os agentes secretos, recebeu alta e manda o recado: "não tenham medo desta Covid-19. Eu venci. Saiam às ruas". E deve usar a pandemia como arma contra Joe Biden. Pilantragem não tem só por aqui. Razão sobre emoção Se a razão vencer a emoção, Trump estará perdido. Mas as suas bases se mobilizam sob a corrente da emoção. Iguais às de Bolsonaro. O voto sobe à cabeça, sim, mas com certa lerdeza. Guedes Paulo Guedes está mais humilde e, se não houver mais nenhuma turbulência, ele aguentará o voo até 2022. Mas são fortes os comentários no entorno da cúpula de que o ministro da Economia está com o copo quase transbordando. Amiúde A estudantada está esperta. Dia desses, um aluno de um grupo de trabalho da Universidade Federal do ABC, que se destaca pela qualidade de seu professorado, inseriu em um texto o advérbio amiúde. Um colega retrucou: por que não substituir por "com frequência"? A grita foi geral. Choveram protestos sob mensagens que pediam a permanência do advérbio. E indicavam letras de musicas: Chão de Giz, de Zé Ramalho: "Eu desço dessa solidão/Espalho coisas sobre um chão de giz/ Há meros devaneios tolos a me torturar/ Fotografias recortadas em jornais de folhas amiúde"; Geni e o Zepelin, de Chico Buarque: "De tudo que é nego torto/Do mangue e do cais do porto/ Ela já foi namorada/ O seu corpo é dos errantes/Dos cegos, dos retirantes/ É de quem não tem mais nada/Dá-se assim desde menina/ Na garagem, na cantina/Atrás do tanque, no mato/ É a rainha dos detentos/Dos moleques do internato/E também vai amiúde". O Brasil real A nomeação do desembargador piauiense Kassio Nunes para o STF vai ser palatável com mais um pouco de tempo. Os evangélicos querem apenas fazer barulho e garantir a vaga de Marco Aurélio, aliás já prometida por Bolsonaro. O presidente percebeu que não governa sem articulação com o Congresso e o STF. Em chamas Pantanal, Amazônia, cerrado, caatinga nordestina sem água, o Brasil está em chamas. Perdas incontáveis. Meio ambiente só vai se recuperar em quatro a cinco décadas. O ministro Salles continua arrogante. A criminalidade chega ao ponto de combustão. Brasil mais plural Este consultor prevê na composição do primeiro andar do edifício político - prefeitos e vereadores - a construção de um Brasil mais plural, mais representativo das margens e do meio. A participação política de classes e categorias sociais será mais intensa e densa. 21 de outubro Marcada para o dia 21 de outubro a sabatina de Kassio Nunes Marques no Senado. Passará tranquilamente. O desembargador é bom de articulação. Campanha eleitoral À guisa de ligeira orientação. Conselho aos partidos 1. A negatividade costuma abrir campo nos espaços da mídia eleitoral. Procurem evitar campanhas negativas, caracterizadas por ataques e xingamentos a adversários. 2. Procurem compor programas eleitorais com exposições objetivas e propostas viáveis, demonstrando quanto custarão e de onde virão os recursos. 3. A procura de diferenciais para arrumar os perfis dos candidatos é uma meta desejável e todo esforço de marketing deve ser empreendido para consegui-la. É legítima a comparação de perfis quando dois ou mais contendores debatem suas diferenças no plano das ideias, não na esfera de vida pessoal. Perfis à mostra Tenho sido indagado sobre os perfis preferenciais do eleitorado. Cada região tem suas preferências. Há, porém, traços sobre os quais parece haver consenso: - passado limpo, vida decente - candidatos que possam exibir sua trajetória sem ter vergonha de mostrar aspectos de sua vida; - identificação com a cidade - candidatos que busquem vestir o manto da cidade, significando compromisso com as demandas das comunidades e as questões específicas dos bairros; - despojamento, simplicidade - candidatos despojados, simples, descomplicados, sem as lantejoulas e salamaleques que costumam se fazer presentes no marketing exacerbado. Candidatos não afeitos ao 'dandismo' - mania de querer aparecer de maneira diferente; - respeito, decência, dignidade pessoal - candidatos de postura respeitosa para com os eleitores e identificados com uma vida pessoal e familiar digna; - transparência, verdade - candidatos que não temam contar as coisas como elas são ou foram; - objetividade, viabilidade de propostas, concisão, precisão - candidatos de expressão objetiva e concisa, capazes de fazer propostas viáveis e não mirabolantes. Precisos na maneira de abordar os assuntos. Fecho a coluna com a Bahia. Grande prole Da Bahia, vem a historinha. José de Almeida, contador do Banco do Brasil, fazia o cadastro da agência. Um dia, chega Heroíno Pita, fazendeiro, que respondeu na bucha o formulário: nome, idade, imóveis, renda anual, dívidas. Aí vem a pergunta: - Quantos filhos o sr. tem? - 8 filhos - Tudo isso? O senhor tem uma prole grande. Heroíno, entre sorridente e cabreiro, faz o gesto com as duas mãos: - Não, senhor. É normal. Normal.
quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Porandubas nº 685

Abro a coluna com o contador de boas histórias e escritor Leonardo Mota. I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum Conta Leonardo Mota que o mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; se se queixava da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis. O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido: - Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro? - Você não sabe não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque... Conviver com a covid-19 A observação é irretocável: vamos ter de aprender a conviver com esse vírus da pandemia por muito tempo. E mesmo ainda sob registro de muitas mortes e grande contaminação, parcelas das populações em alguns Estados fazem questão de desobedecer regras impostas para evitar o vírus. Mas não tem jeito, o perigo está ali, pertinho, à espreita. Se pegar, pegou, se morrer, morreu. Esse parece ser o sentimento geral de milhões de brasileiros. Só falta mesmo assistirmos a uma pelada de futebol entre contaminados e não contaminados, como ocorreu na Espanha, semana passada. O Brasil Costumo, vez ou outra, lembrar essa historinha: há quatro tipos de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo o que é proibido. A segunda é a alemã, sob rígidos controles, onde tudo é proibido, salvo o que é permitido. A terceira é a totalitária, pertinente às ditaduras, na qual tudo é proibido, mesmo o que é permitido. E a quarta é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que é proibido. Manaus, a esperança já era Dizia-se que, ante a redução de casos em Manaus, a capital havia atingido a imunidade de rebanho. Mas o surto voltou com virulência. E assim a esperança se esvai sob a efervescência das pessoas que querem esbanjar coragem e saúde. Saúde? Que os anjos anunciem, com o toque de suas trombetas, que a besta-fera ainda corre o país inteiro. Quem diria, hein? Quem seria capaz de prever que um ex-juiz de Direito, na contramão de candidatos e partidos tradicionais, eleito governador pela vontade cívica dos cariocas, iria ser pego com a boca na botija, hein? Wilson Witzel, que começou o governo com a indicação de que snipers iriam dar um jeito na bandidagem do Rio, está a poucos passos do impeachment. A política tem sempre a visita do Senhor Imponderável. Bolsonaro dá as cartas Começou sob grande descrédito. Virou motivo de piada. Assumiu a identidade de líder da extrema-direita. Tem apoio dos conservadores, evangélicos e das periferias urbanas. Começa a expressar uma linguagem que bate no coração de parcelas das classes médias. Adentra no Nordeste, e já tomou o lugar de Lula em muitos rincões da região. Prepara um programa - Renda Cidadã - para substituir o Bolsa Família. Mesmo que o dinheiro venha do Fundeb ou de precatórios. Os beneficiários do Renda Cidadã não querem saber de onde vem a grana. Aliviou a acidez da expressão. Começa a acariciar a esfera política. Enfrenta as denúncias que batem em seus filhos. Mas não diminui a popularidade. É bom já ir se acostumando com o modo Bolsonaro de ser. Nietzsche "Afetos iguais diferem no homem e na mulher, quanto ao ritmo. Esse é o motivo pelo qual homem e mulher não cessam de se desentender" - Nietsche, em Para Além do Bem e do Mal. Eleições de novembro É bem provável que o presidente saia do processo eleitoral sem uma grande frente de prefeitos e vereadores. Saiu do PSL e não criou o Aliança pelo Brasil. Vai ocorrer imensa dispersão na base do edifício político. Quem será capaz de juntar o gigantesco rebanho? E em 2022? Seria possível uma aglutinação em torno de um partido em 2022? Ou haveria fusão entre eles? Para onde irão PSDB, MDB, PSL, PSD, PP, PR, por exemplo? O PT juntar-se-ia ao PSOL e ao PC do B? Respostas no ar. Uma é certa: quem é dono da flauta dá o tom. Refiro-me à orquestra da economia. Se estiver saudável em 2022, o maestro será o dono da flauta. Se estiver doente, o candidato (um, não uns) do centro regerá a orquestra. Kassio leva a melhor Fizeram suas apostas? Pois perderam. O desembargador piauiense, Kassio Nunes, de 48 anos, católico, é o indicado para a vaga do decano Celso de Mello. Um golpe de mestre de Bolsonaro. Produziu uma reversão de expectativas, fez um agrado ao Nordeste, satisfaz o desejo dos ministros do STF, de ver indicado um nome não tão identificado com o presidente e o ministro da Justiça, André Mendonça, e o ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, ganham a condição de sair da polêmica e ter seus nomes questionados. P.S. Vale lembrar que não houve até o momento confirmação da escolha. O Imponderável nos ronda. Salles, o mais criticado O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com a desarrumação que acaba de fazer no Conama (Conselho do Meio Ambiente), destroça os instrumentos legais que preservavam restingas e manguezais. Ganha a unanimidade de vaias dos ambientalistas. Mas o ministro mais criticado do governo é uma ilha de frieza e insensibilidade. Vai poder andar na rua, depois que deixar o Ministério? Camada impermeável É oportuno fazer uma observação sobre o peso das críticas. Começo com o lembrete que, de tanto ver cadáveres, pessoas que trabalham nos Institutos de Medicina Legal e mesmo coveiros não mais se assustam em ver corpos mortos. Queimadas e incêndios, que destroem o meio ambiente, são vistos todos os dias pelas telas de TV. Já não causam tanto impacto. As críticas ao governo e a alguns de seus ministros também começam a entrar por um ouvido e a sair por outro. É como se os ouvintes e telespectadores tivessem desenvolvido uma camada impermeável à dor, ao sofrimento, às notícias ruins. Baleia entre choques Baleia Rossi, deputado e presidente do MDB, pode ser o tertius na disputa pela presidência da Câmara Federal. A briga de foice entre Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Arthur Lira (PP-AL) pode sobrar espaço para Baleia, que tem se demonstrado discreto e intenso mobilizador de bastidores. Meter a mão no bolso Historinha Certa ocasião, Adolfo López Mateos recebe um aviso inquietante. - Não são poucos, senhor, aqueles que aproveitam sua generosidade para fincar os dentes no orçamento, sussurrou um de seus colaboradores. Longe de perder a calma, o presidente do México entre 1958 e 1964 medita um instante, mexe no bolso e puxa sua carteira de Delicados. Acende um, pensativo. - Cada mexicano tem metido a mão no bolso de outro mexicano, e ai daquele que rompe a cadeia, conclui depois da primeira tragada. Lição: é um princípio universal que cada um, mexicano ou não, mete a mão no bolso do outro, e pobre daquele que rompe a cadeia. Moral ou imoral? À propósito, Juan Domingo Perón dizia: - A única víscera sensível que os egoístas têm é o bolso. Economia, como arrumar? Estamos vivendo o momento mais crítico da equipe econômica. O governo precisa arrumar dinheiro para bancar as obras da infraestrutura, capitaneadas pelo ministro Tarcísio de Freitas. Precisa recompor o colchão social, com o novo programa Renda Cidadã. Precisa atender demandas de parlamentares. E de onde tirar recursos? Paulo Guedes quebra a cabeça para saber em que fontes (novas) o governo vai beber água, ou seja, arrumar recursos. Tirar do Fundeb? Dos precatórios? Não seria pedalada? E a grita? Bolar o imposto das transações digitais, que, dizem, será um imposto em cascata? Quem será o milagreiro? O vice, quem será? Tirar o Hamilton Mourão da chapa majoritária Federal de 2022 não será tarefa fácil. Primeiro, porque Mourão tem dado conta do recado. Segundo, porque outro entrando em seu lugar seria um ato de condenação e censura ao desempenho do vice. Terceiro, porque deverá haver reação da cadeia militar. Quarto, porque um nome da esfera política não será bem recebido pelas hostes bolsonaristas. E daí por diante. Tem muita água a correr por baixo da ponte. Mas essa água deságua no Forte de Copacabana. Ou no Forte Apache. Trump x Biden Um dos piores debates entre candidatos à presidência dos EUA. Foi o que se viu do primeiro confronto direto entre Donald Trump e Joe Biden. O presidente norte-americano, atrás nas pesquisas, tentou deixar nervoso o candidato democrata, interferindo quase todo tempo em sua fala. Foi chamado de "palhaço" e de "racista" por Biden. CNN, por larga margem, deu vitória a Biden, depois de apresentar uma pesquisa. E a Fox News, por meio de um comentarista, diz que Trump dominou o estúdio. Vi o debate. Na minha visão, apesar de titubear em algumas questões, Joe Biden deu um puxão no raivoso Trump. Biden foi melhor. Propaganda negativa A revolução francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a Nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia. Às vezes, torna-se bumerangue, voltando-se contra o atacante. Ideia de jerico Taxar livros, essa mal-ajambrada maneira de fazer crescer a arrecadação, é uma ideia de jerico. Livro é aprendizagem, é cultura, é avanço civilizatório, é a libertação da ignorância. De quem foi mesmo essa ideia? Não é possível que tenha sido de Paulo Guedes. Mais provável que tenha sido de um assessor aloprado.
quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Porandubas nº 684

Abro a coluna com uma historinha de Mato Grosso do Sul. Residência médica Em Dourados/MS, foi eleito um prefeito semianalfabeto. Prometia na campanha: "prometo manter os postos de saúde abertos 24 horas, inclusive à noite". Em outra ocasião, a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) implantou o curso de medicina. Por conta das dificuldades de encontrar hospitais para a residência médica, travou-se grande discussão, na época da campanha, sobre a questão. Em um acirrado debate, perguntaram ao candidato como poderia contribuir para resolver o problema da residência médica. De pronto, respondeu: - "Eu não pretendo dar casa para médico; eles já ganham muito e podem comprar casa. Só vou construir casa para pobre". ("Causo" enviado por Elizabeth Dias Rode). Um atraso civilizatório O Brasil convive com a pandemia desde o início do ano. O anúncio dos primeiros casos foi no final de fevereiro. Como contabilizar perdas e avanços nesse imenso interregno entre rotinas tradicionais de vida e novos costumes? À primeira vista, o legado de perdas transparece com maior volume e nitidez. Retração no mundo dos negócios, refluxo na área dos empreendimentos, atraso na educação, com milhões de crianças e jovens que deixaram de acompanhar o ritmo da aprendizagem. Só este fato exibe o grau de perdas a que se submete não apenas a geração que frequenta a escola aqui e alhures, mas todos os conjuntos que mexem com a esfera educacional. E avanço na ciência Mas há uma contrapartida a considerar na esteira do ditado que diz: a aprendizagem decorre também do erro. Digamos que tenha havido muito erro nas estratégias de combate à pandemia da Covid-19. Países correram atrás do prejuízo, convocaram seus cientistas, mobilizaram seus laboratórios e iniciaram intensa busca do antídoto capaz de sustar a expansão do vírus. Tanto que, hoje, há dezenas de experimentos sendo testados. E pelo menos seis vacinas em estágio final de testes. Portanto, tem havido algum avanço das tecnologias biomédicas voltadas para a preservação da saúde e combate às epidemias. O que se viu É denso o acervo de coisas malfeitas ao correr da pandemia: improvisação, falta de equipamentos adequados, falta de profissionais, uso e exploração de remédios sem comprovação de eficácia, incúria administrativa, negação da ciência, desprezo pelas normas recomendadas, descumprimento das instruções para isolamento social e uso de máscaras, mesmo por parte de autoridades, declarações impróprias sobre a pandemia, entre outros fatores. O fato é que milhares foram contaminados ou morreram porque os governantes foram ineptos. Não é curto o tempo Ficará na consciência de milhões de pessoas o sentimento de que a vida é curta, como já lembrava Sêneca em sua obra Sobre a Brevidade da Vida: "Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido". Esbanjadores O filósofo arremata: "O fato é o seguinte - não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Tal como abundantes e régios recursos, quando caem nas mãos de um mau senhor, dissipam-se num momento, enquanto que, por pequenos que sejam, se são confiados a um bom guarda, crescem pelo uso, assim também nossa vida se estende por muito tempo, para aquele que sabe dela bem dispor". A consciência para vivermos vida mais saudável será um dos bons legados da crise. A vida mais simples Muita gente correu para o campo, sítios e fazendas. O aconchego familiar foi mais intenso. A convivência com a natureza abrirá novas motivações, a vontade de fugir ao barulho das metrópoles e grandes cidades, o desejo de levar uma vida mais simples e mais harmônica com familiares e amigos. Muitos estiveram perto da porta de saída desta vida. Para estes, sobretudo, viver cada segundo, vivenciar cada minuto, aproveitar as oportunidades e contemplar a beleza ao seu redor - serão os nichos a, doravante, preencher. Viva a vida! Minimizar o perigo Donald Trump confessou ao jornalista Bob Woodward que quis minimizar o perigo do coronavírus e não causar pânico, admitindo que escondeu o fato ao público. Ele sabia, semanas antes da primeira morte por Covid-19 nos EUA, que o vírus era transmitido pelo ar, altamente contagioso e "mais mortal" do que uma gripe forte. Lembrete: o jornalista ficou conhecido por revelar o caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. Descumprindo o dever As afirmações de Trump contrastam com seus comentários públicos à época, quando insistia que o vírus "desapareceria rapidamente". Em suma, o presidente traiu a confiança do público e seu dever. Em "Rage", livro que escreveu, Bob diz que o trabalho de um presidente é "manter o país seguro". E não é enganando o povo que ele garante segurança. Enganar o povo "Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo; mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo". (Abraham Lincoln) Governo do povo "Democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo". (Abraham Lincoln em discurso de Gettysburg, 1861). Bolsonaro O presidente Bolsonaro, como é sabido, disse que o vírus era uma "gripezinha" e até hoje recomenda o uso da cloroquina. Sete ministros do governo já pegaram a Covid-19. Sem reformas Pelo andar da carruagem, será difícil vermos reformas aprovadas pelo Congresso este ano. Eleições mobilizam deputados e senadores. Governo tem dificuldades com sua base. E tudo parece se arrastar como tartaruga. Itália enxuga parlamento Cerca de 70% dos italianos aprovaram por referendo o corte de um terço de seus deputados e senadores: de 945 cargos para 600, saindo de 630 deputados para 400 e de 315 senadores para 200. A decisão será aplicada nas eleições previstas para 2023. Pergunta que fica no ar: e por aqui? Previsão deste consultor: 0% de possibilidade. O bicho ataca O cenário desenhado por alguns analistas se confirma. Os resultados do feriadão de 7 de setembro começam a aparecer com o incremento de casos em alguns Estados, a partir do território livre e farrista do Rio de Janeiro. Sombra de uma segunda onda, que mostra seu impacto na Espanha, Itália, França e UK. Todo cuidado se faz necessário. Fake news Muita mentira está sendo dita sobre a pandemia. Até a medição de temperatura na testa causa problemas, espalham os mentirosos, que devem ser banidos ou escanteados. Pessoas do mal. Gente sem princípio. Desocupação A taxa de desocupação no Brasil sobe de 13,2% para 14,3% em uma semana. Demanda aponta para queda, diminuindo pressão sobre preços. Podemos viver sob uma herança deflacionária no pós-pandemia. Puxando para baixo Pesquisa mais recente do Ibope em São Paulo chama a atenção para um ponto: os governantes puxam seus candidatos para baixo. O índice de desaprovação do eleitor quando se pergunta se determinado líder ou governante ajuda ou desajuda o candidato é, em media, três vezes mais negativo do que positivo. Incluindo Bolsonaro. Melhor legislação O presidente do Brasil, como é praxe, abriu os trabalhos da ONU, garantindo, em discurso virtual, que temos a "melhor legislação ambiental do mundo". Pode até ser. Mas é cumprida? E os dados das queimadas são mentirosos? Bolsonaro disse mais: o Brasil é "vítima" de uma campanha "brutal" de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal. A floresta amazônica é úmida e só pega fogo nas bordas. Os responsáveis pelas queimadas são 'índios' e 'caboclos'. O óleo derramado no litoral brasileiro em 2019 é venezuelano, foi vendido sem controle e chegou à costa após derramamento 'criminoso'. Orientações para as pessoas ficarem em casa na pandemia 'quase' levaram o país ao 'caos social'. O Brasil é um país cristão e conservador e a 'cristofobia' deve ser combatida. Sistema meio Marketing é um sistema meio, não é um sistema fim. E como tal traduz o espírito de uma campanha, a partir de discursos, atitudes, gestos, enfim, todos os véus que cobrem um candidato. Marketing não ganha campanha. Quem ganha campanha é o candidato. Marketing ajuda a diminuir os pontos negativos de um perfil e maximizar os aspectos positivos. Lições de Quinto Túlio O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea". Candidato ideal O eleitor está à procura de um candidato com as seguintes qualidades: experiência, honestidade; vida limpa e passado decente; assepsia; equilíbrio/ponderação; preparo; coragem/determinação; autoridade (não confundir com autoritarismo). Há uma saturação de perfis antigos, que usam as esteiras da velha política. O eleitor quer ver perfis mais identificados com suas grandes demandas: segurança, saúde, educação, melhoria das condições de vida nas regiões, nos bairros, nas ruas. Quem apresentar propostas mais condizentes com as necessidades do eleitor terá melhores condições de ser escolhido. Fecho com um "causo" de Pernambuco. Só expectorante Reunião de vereadores com o chefe político numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra: - E você, amigo, não tem nada a dizer? O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu: - Não, doutor, estou apenas expectorante. Os companheiros espectadores abriram uma gargalhada. ("Causo" contado pelo ex-vice presidente da República, Marco Maciel, com relato mais recente do ex-governador, Geraldo Alckmin.)
quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Porandubas nº 683

Abro a coluna com duas historinhas hilárias, uma do PR, outra do RN. Xaxixo Antônio Constâncio de Sousa, deputado pelo antigo PSP (PR), pediu um aparte a Armando Queiroz, líder do então governador Ney Braga na Assembleia Legislativa. - Não dou o aparte, não. V. Exa. não está à altura de participar dos debates. V. Exa. não é capaz de citar uma palavra com 3 x. - Sou, sim. Xaxixo. Pensava em salsicha. Hotel zero Km? O deputado do Rio Grande do Norte desceu no aeroporto Santos Dumont, no Rio, pegou um táxi: - Hotel Zero Quilômetro. - Zero Quilômetro? Não tem esse hotel, não. - Tem, sim. Em frente ao Hotel Ambassador. - Ah, Hotel OK. Senador Dantas, não é? - Não, senhor, Deputado Antônio Bilu, de Natal. Panorama Corrupção De tanto ser prato diário na mídia - Lava Jato, Witzel, outros governadores, delações premiadas, ações de busca e apreensão pela PF -, a corrupção vai diminuindo o tamanho do seu território no país. Não é o caso de garantir que vai ser extirpada. O jeitinho brasileiro, os dribles que os espertos costumar usar para cometer ilícitos, a sinuosidade no comportamento integram a alma brasileira. E nessa hora, Deus avisa que não é tão brasileiro, como alguns garantem. Isso é mais coisa pro Belzebu e seus capetas. Mas os crimes contra a administração pública tendem a diminuir. Mais controles, maior transparência, cidadão mais racional e exigente. Justiça O acesso à Justiça, ainda difícil para as margens carentes, também avança sob o impulso de uma miríade de entidades intermediárias, que defendem minorias, agrupamentos étnicos, gêneros etc. Um fenômeno muito interessante do Brasil de hoje é a organicidade social, que confere maior autonomia e poder de decisão aos grupamentos que se formam, a cada dia, na sociedade. Esses novos agrupamentos, sob lideranças mais jovens, ganham o status de novos polos de poder. Por isso, a pressão sobre os mecanismos da Justiça é mais forte. O Brasil também avança nessa área. Educação Norberto Bobbio também incluiu a educação para a cidadania como uma das promessas não cumpridas pela democracia. Pois bem, o grande filósofo italiano morreu sem ver o início de um ciclo mais cidadão. No Brasil, infelizmente, a Educação não tem sido tratada nos últimos tempos de maneira elevada como merece ser privilegiada a árvore mater de uma Nação. Mas a movimentação de lá para cá, das margens para o centro, vai propiciar a semeadura de uma densa floresta de educadores. Uma questão de tempo. Não há força que resista ao vento dos tempos. Segurança Pública Essa é uma área mais complicada. A conflituosidade se expande no mundo, sob a gigantesca teia de gangues, drogas, máfias, competição de grupos armados, enfim, sob a lei da metralhadora. Governos, como o de Trump e o do Bolsonaro, defendem o armamento da população como uma saída pragmática para enfrentar a criminalidade. Erro de ótica. Construir os pilares da Casa das Armas é deixar de lado os fundamentos da Casa da Educação. Nem Trump nem Bolsonaro terão sucesso, com o avanço civilizatório, de sedimentar esta estratégia. Imagem crescente Saindo do plano teórico para a nossa realidade, comecemos com a constatação de que o brasileiro começa a se acostumar com o jeito brusco e às vezes estrambótico do governo. A anormalidade, a truculência acabam formando uma camada impermeável sobre o corpo social. Mas essa aceitação só viceja em um terreno adubado com massa, mesmo pequena, de recursos no bolso do cidadão. O auxílio emergencial deu uma sobrevida à imagem positiva do governo. Até quando? O presidente acaba de anunciar a suspensão do Renda Família, programa que iria substituir o Bolsa Família. Então, qual será a marca popular do governo lá para as margens de outubro de 2022? Tenho dúvidas se a economia conseguirá segurar a posição confortável do presidente Jair. Frentes ideológicas Teremos na eleição de 2022 três frentes com viés ideológico: uma frente de Direita, capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro que, aliás, poderá puxar um grupo de centristas; um grupo de Centro-Esquerda, a se formar com eventual aliança de partidos comandados pelo PDT e pelo PSB; e uma frente de Centro-Direita, a se formar com a aliança de partidos de esquerda e de centro, sob a égide do PSDB e possivelmente DEM. Alguns grandes partidos, como o PMDB, estarão olhando de soslaio para os dois lados. E poderemos ter ainda uma Frente de Esquerda, sob o comando do PT e apoio do PSOL. O PT, porém, só se aventurará em mais uma campanha se constatar que o clima social de 2022 o empurrará em direção às urnas. Lula, com discurso radical, já começa a dar o tom. Este consultor não acredita que o Brasil de amanhã ainda comportará Lula. Ciro Gomes Será o piloto da navegação de centro-esquerda. O problema que eternamente o atordoa: a inteligência emocional. Engolfa-se nas ondas emotivas. Perde o eixo. A seu favor, conta com bom domínio sobre a realidade brasileira, o saber mexer com contas e números. Bom debatedor. João Doria Deverá ser o piloto da frente de Centro-Direita. Pode contar a seu favor eventual boa avaliação de desempenho em São Paulo, que governa; o fato de ter boa fluência, apesar de mostrar certa superficialidade nas análises. Tem disposição, garra e recursos para fazer uma campanha eleitoral de grande visibilidade no país. Tem contra ele a imagem de "muito certinho, arrumadinho", como este consultor tem ouvido. Mas exibe uma carreira política ascendente. E um troféu de vitorioso. Vai depender do clima social e econômico de 2022. Bruno, o primeiro teste A candidatura do tucano Bruno Covas à reeleição para a prefeitura de São Paulo será o primeiro grande teste em direção ao amanhã. Como é sabido, o PSDB atravessa momentos turbulentos, com as denúncias sobre o senador José Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin. FHC já deu o que tinha de dar para ancorar a identidade do partido. Resta, agora, um novo teste pelas urnas. Campanha fragmentada A campanha municipal será um painel de cores diferentes. Uma parede de mosaicos diferentes. Partidos serão desprezados em detrimento de nomes. Teremos imensa fragmentação partidária. Maior interesse O número de pretendentes será maior que o do último pleito municipal em 2016. A denotar maior interesse de brasileiros em participar da política. Rio, um desastre O Rio de Janeiro desce o despenhadeiro da política. E as coisas não vão parar no Palácio das Laranjeiras. Podem pegar candidatos a prefeito. O mais belo cartão postal do Brasil. Lama por todos os lados. Raposas e porcos-espinhos Perguntam-me: e aí, quem ganha as eleições deste ano? Governistas ou oposicionistas? Valho-me do relato do escritor John Lewis Gaddis, em seu denso livro "As Grandes Estratégias". Fala ele das estratégias de Xerxes, o rei dos reis, e do seu tio, Artabano. Os dois tinham estratégias diferentes e o interesse do rei era derrotar os gregos, como descreveu Heródoto a qualquer custo. O ano era 480 a.C. Xerxes queria atravessar o Helesponto, atual Dardanelos, e queria porque queria vencer os gregos e, depois, conquistar a Europa. Um imprudente, ou, na imagem de Isaia Berlin, um "porco-espinho", que sabe uma só coisa, mas muito importante, enquanto a raposa sabe muitas coisas. Artabano alertava: cuidado. Como atravessar o rio? Como alimentar o exército? O que fazer se conseguir chegar lá? Xerxes replicava: se formos levar em consideração tudo, não faremos nada. Mandou amarrar 360 embarcações umas às outras e fez outra ponte com 314 embarcações. Todas curvas para se adaptarem aos ventos e correntes. Transformou, como disse, água em terra. E na área de terra, mandou construir um canal, transformando terra em água. Um feito. Mas Artabano continuava alertando: como essas milhares de pessoas vão suportar a fome e a sede? Mas o "porco espinho" confia que derrota tudo que aparece à sua frente. Artabano voltou para casa e Xerxes avançou. Em Termópilas, onde Leônidas resistira aos invasores, mas acabou vencido, Xerxes se deparou com o mesmo dilema de Napoleão. Como enfrentar o mau tempo? Resumo: os gregos afundaram sua frota e massacraram os sobreviventes. O rei, derrotado, acabou aceitando o conselho do tio Artabano e voltou para casa. Acabou, aterrorizado por Temístocles, a partir às pressas e abandonar seu exército à própria sorte. A raposa olha para todos os lados, prós e contras; circunstâncias e oportunidades. O porco-espinho só olha para a frente. Acredita demais em sua vitória. Resposta à pergunta que me fazem: os candidatos, estilo raposa, terão melhores condições de ganhar.
quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Porandubas nº 682

Abro a coluna com o saudoso recanto do Brejo das Freiras, nos confins da Paraíba, onde, ainda criança, tomei banho de águas termais. Brejo das Freiras, Estância Termal, fica perto de Uiraúna e Souza. Lugar para relaxamento e repouso. O Governo da PB tinha ali um hotel, com infraestrutura para banhos nas águas quentes. Década de 70. Apolônio, o garçom, velho conhecido dos fregueses da região, recebe, um dia, um hóspede de outras plagas. Pessoa desconhecida. Lá pelas tantas, quase terminando a refeição, o senhor levanta a mão, chama Apolônio e pede: - Meu caro, quero H2O. Susto e surpresa. Anos e anos de serviços ali no restaurante e ninguém, até aquele momento, havia pedido aquilo. Que diabo seria H2O? Apolônio, solícito: - Pois não, um instante. Aflito, correu na direção da única pessoa que, no hotel, poderia adivinhar o pedido do hóspede. Tratava-se de Luiz Edilson Estrela, apelidado de Boréu (por causa dos olhos grandes de caboré), empedernido boêmio, acostumado aos salamaleques da vida. - Boréu, tem um senhor ali pedindo H2O. Que diabo é isso? Desconfiado, pego sem jeito, Boréu coça o queixo, olha pro alto, tenta se lembrar de algo parecido com a fonética e, desanimado, avisa: - Apolônio, sei não. Consulte o Freitas. Freitas era o diretor do Grupo Escolar, o intelectual da região. Localizado, o professor tirou a dúvida no ato: - H2O é água, seus imbecis. Quer dizer água. Apressado, Apolônio socorreu o freguês com uma jarra do líquido. Depois, no corredor, glosando o feito, gritou em direção a Boréu: - Ah, ah, ah, esse sujeito achava que nós não sabia ingrês. Lascou-se! O pau que nasce torto... Não tem jeito, morre torto. O chiste popular é este. E cai como uma luva no presente. Foi só aparecer um feriado para gentes de todas as classes e categorias correrem para as praias e locupletarem as mesas de bares. A pandemia continua e agradece as gigantescas aglomerações formadas no feriadão. Daqui a alguns dias, vamos ver se registramos uma curva ascendente no número de contaminados e mortos, em função da ausência de cuidados nesses dias, ou, quem sabe, veremos a prova definitiva de que Deus é brasileiro e concedeu a graça de afastar do nosso meio essa demoníaca Covid-19. Tenho a impressão de que não será ainda desta vez que o Misericordioso mostrará ter escolhido nossas plagas como seu habitat terreno. Itália, Espanha e França Pois é. Sinalizações mostram que uma segunda onda ameaça tomar corpo em alguns países. Curva voltou a subir em alguns países. Panorama político A esfera política indica que aliviará a reforma administrativa, amenizando pontos fixados pela área do Paulo Guedes. Maia e o ministro estarão juntos em live esta semana, apesar da exposta disposição do presidente da Câmara em estabelecer certo distanciamento de Guedes. Mas a política é uma gangorra. Vai e vem. Os parlamentares querem se livrar logo da pauta reformista que chegou ao Congresso para se dedicar à campanha municipal. Reforma tributária Apesar do esforço de muitos e da maratona de palestras do Luiz Carlos Hauly, o nosso mestre na frente dos tributos, será muito difícil que esta seja levada a cabo nas próximas semanas. Dependerá e muito de equilíbrio e consenso, coisa difícil em matéria de recursos para municípios, Estados e União. A simplificação e a junção de alguns tributos em um só, nos moldes de um IVA, parece situação consensuada. A chave da porta está com Rodrigo Maia, hábil na arte da articulação. Guedes ainda com apoio Paulo Guedes continua a ser prestigiado pelas forças do chamado mercado, que o vê como o perfil mais apropriado para liderar o campo reformista na economia. Esse jogo de esconde-esconde, com a participação do presidente Bolsonaro, que disse não ter gostado da ideia de cortar ao meio o auxílio emergencial, parece coisa combinada. É fato que Bolsonaro admira o ministro e vice-versa. Portanto, não se espere que PG peça o boné. Desce ou sobe O auxílio de R$ 300 até o final do ano e a concentração de outros instrumentos que integram o pacote assistencialista no programa Renda Brasil deverão chegar a uma conta que não diminua o montante hoje auferido pelas margens. Questão de vida ou morte para o presidente. O eleitorado carente sabe qual o tamanho do pacote que chega à sua casa. Cortado, Bolsonaro descerá o despenhadeiro. Aumentado, subirá às estrelas. Lava Jato Observação da mídia e dos analistas: os políticos, sob a égide do procurador-Geral Augusto Aras, estão apreciando, e muito, a desidratação da operação Lava Jato. Os demissionários procuradores de São Paulo e o afastamento de Deltan Dallagnol foram comemorados por ampla galera. Os advogados criminalistas vivem momentos de confraternização. E apostam que o novo presidente do STF, a partir de hoje, Luiz Fux, contribuirá para a desidratação da LJ. Anote-se que, nos últimos tempos, sob o clima da pandemia e das atividades virtuais dos ministros da Corte, a operação perdeu fôlego, dispersando suas torcidas organizadas e dando lugar a outras preocupações. R$ 1 bilhão para credos Os credos evangélicos viram aprovado um projeto que anula dívidas tributárias acumuladas por eles, com multas aplicadas pela Receita Federal, coisa se R$ 1 bilhão. Repito: R$ 1 bilhão. A bancada evangélica faz parte do bastião de defesa e apoio ao presidente, que terá até sexta- feira para sancionar o projeto, de autoria do deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R.R.Soares. A coisa mais parece um "toma lá, dá cá". Para conceder este tipo de anistia, deve estar sobrando muito dinheiro no caixa do Governo. Enquanto isso... A chanceler alemã Angela Merkel, líder de uma potência, uma das pessoas mais poderosas do planeta, não recebe nenhum serviço gratuito do Estado. Nenhum, repito. Privilégio passa longe do cargo. Nem moradia, luz, água, gás ou telefone grátis. Nenhuma de suas despesas pessoais é paga pelo povo alemão. E ainda, ela não mora em palácio. Qualquer cidadão pode circular pela calçada do edifício de Berlim onde ela e o marido vivem. Impeachment O impeachment do governador Wilson Witzel obedece aos ritos processuais apropriados. A previsão é que as sessões se estendam até dia 17 deste mês, completando as cinco necessárias. Caso dois terços dos 70 deputados, ou 47 votos (ele teria uns 15 votos), decidam pelo recebimento da denúncia, o governador ficará duplamente afastado - pelo STJ e pela Alerj - e será julgado por um tribunal misto, formado por cinco desembargadores e cinco deputados. O grupo, presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJ/RJ), dará a palavra final sobre a perda de mandato do governador. O prazo para a conclusão dessa fase de julgamento é de 180 dias. Mais uma leva Há pelo menos seis governadores sob a mira do MP, acusados de terem autorizado "operações ilícitas" na aquisição de equipamentos para combater a pandemia. Os desvios teriam chegado a 4 bilhões de reais; ações estão em curso em alguns Estados. Difícil imaginar que aconteça o impeachment de mais governantes. Polarização na campanha Nas capitais e grandes cidades a campanha municipal tende a ser polarizada, com a expressão e atitudes agressivas entre grupos bolsonaristas e oposicionistas. Nas pequenas cidades e localidades do interiorzão do país, a campanha vivenciará o velho clima de atendimento de demandas, favores e recompensas. Sola de sapato Mesmo sob o temor que ainda provocará a pandemia, nos meados de novembro, os candidatos deverão gastar muita sola de sapato para se fazerem conhecer. O eleitor está desconfiado. Perfil pessoal A identidade do candidato - quem é, quem foi no passado, o que fez e faz, seu pensamento, sua palavra - será mais importante que o seu partido, que deverá ficar escondido na campanha. Saúde A saúde, por motivos óbvios, será o tema central da campanha. A falta de equipamentos hospitalares dará o tom maior. Minorias Veremos uma campanha em que a defesa das minorias encampará discursos de candidatos. As mulheres, por sua vez, comporão em grande número as indicações de chapas majoritárias, como cabeça de chapa ou na condição de vice. Recursos É possível prever uma avalanche de acusações e denúncias sobre recursos que foram mal distribuídos, ou distribuídos injustamente, desvios de finalidade, falta de critérios etc. Fake news Fiscais, auditores e juízes de Tribunais Regionais Eleitorais trabalharão muito mais para coibir os abusos a serem cometidos nas redes sociais, principalmente prováveis ondas de fake news. A base e os 2 andares acima Deverão ser eleitos 5.570 prefeitos e quase 60 mil vereadores. Este ano, pela primeira vez, candidatos ao cargo de vereador não poderão concorrer por meio de coligações. O fim delas na eleição proporcional foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio da reforma eleitoral de 2017. Com isso, o candidato a uma cadeira na Câmara Municipal somente poderá participar do pleito em chapa única dentro do partido ao qual é filiado. Esses vereadores formarão a base do edifício político, a ser completado com os dois andares a serem construídos em 2022, com a eleição de 27 governadores, 27 senadores (que se somarão aos 54 eleitos em 2018), 513 deputados Federais e 1.059 deputados estaduais, presidente da República e vice. Mais de um milhão A campanha deste ano, em face da proibição de coligações proporcionais, deverá ter mais de um milhão de candidatos que poderão ser apresentados por 33 partidos. Fecho a coluna com Pero Vaz de Caminha. A malandragem Não são poucos os que identificam a malandragem no Brasil com o princípio de nossa história. Eis o finalzinho da Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei de Portugal. "E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. - E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que dela receberei em muita mercê." E conclui Caminha: "Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha." Um pedido aqui, um trololó acolá e uma dose de bajulação.
quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Porandubas nº 681

Abro a coluna com um "causo" do querido RN. Salgar meu pai Conto uma historinha do Rio Grande do Norte, mais precisamente de Macaíba, vizinha à capital, Natal. Em certa administração municipal, constituída em sua grande maioria por pessoas de Natal, um pobre rapaz procurou o gabinete do prefeito com um problema urgente. Era uma sexta-feira. - Meu pai morreu e vim pedir o caixão, suplicou o jovem à secretária natalense da mais fina flor da moderna burocracia.- Hoje não há como atender. O prefeito e todo o pessoal foram a Natal. Volte segunda-feira, está bem? respondeu a funcionária conscientíssima do dever cumprido. Desolado o rapaz recuou e abriu novamente a porta do gabinete para nova abordagem: - Dona, poderia me arranjar dois reais? - Pra quê você quer o dinheiro?, interrogou a eficiente servidora. - É pra comprar sal grosso, salgar o meu pai até segunda-feira! (Quem conta o "causo" é Valério Mesquita). Panorama Aguçando a vista, dá para sentir que o panorama é ainda sombrio. Avoluma-se a confiança social de que o pior já passou, sentimento que corre na esteira do discurso dos governantes sobre a retomada da vida cotidiana. Mas não é bem assim. As expectativas superam as certezas. A vacina tão proclamada pode ser anunciada a qualquer momento, porém sem a certeza de que será tiro e queda, tomou, curou. Haverá muita desconfiança. A política começa a engatilhar suas armas. As aglomerações tomam as praias. A dura realidade vai apresentar sua fatura mais adiante. Witzel, a ambição Esse governador (ou ex?) do Rio de Janeiro é do tipo pavão. Aprecia a espetacularização da política. Governador que toma posse não veste faixa. Só o presidente da República. Mas ele mandou fazer uma faixa azul. E se pavoneou. Um dândi. Ex-juiz, esperava-se dele a retidão de uma régua. Explodiram denúncias. Negócios nas áreas da saúde, intermediação de serviços para o escritório da mulher advogada. Tudo ainda no campo das suspeições. A Assembleia foi autorizada a continuar com o processo de impeachment. Difícil que ele volte. A ambição desmesurada destrói o perfil. Exemplo Esse caso de Witzel pode ser a bússola para orientação dos governantes. Uma decisão monocrática o afastou. Mas o ministro do STJ, Benedito Gonçalves, tende a ser seguido no voto em plenário. O Brasil, de maneira lenta e gradual, vai caminhando na direção da coisa direita. Restringem-se, a olhos vistos, os espaços de tramoias. A Justiça ajusta o pedal. O Brasil vai devagarinho arrumando sua baderna. Vaga no STF O fato é que desembargadores, ministros, juízes de alto coturno estão fazendo das tripas coração para tentar a vaga de Celso de Mello, o decano do STF, que se aposenta em novembro. Haja ambição. Guedes com ou sem fritura? Voz comum na análise política é a de que Paulo Guedes está sendo frito. Não vejo assim. O fato de ter seu plano Renda Brasil rejeitado pelo presidente pode ter sido até um puxãozinho de orelha. Não uma fritura. Bolsonaro gosta de Guedes. E fritura só se faz quando o ministro, seja quem for, já não faz parte da roda de amizades e admiração do presidente. PG poderá ir longe. Mas, como em política, tudo pode ocorrer, não ponho a mão sob a foice. Fake Dino Mais fake news. Um descalabro o que fizeram com o governador Flávio Dino, do Maranhão. Inventaram que Dino compareceu ao velório do pai sem máscara e nenhuma proteção contra a pandemia. O pai morreu de covid-19, não houve velório e foi enterrado com a presença de poucos familiares. Quanto embuste. Quanta maldade. Fakes diárias contra Doria O governador de São Paulo é o maior alvo de fake news no Brasil. Praticamente, um exército de contrabandistas da informação inventa diariamente uma notícia falsa sobre o governo de São Paulo. João Doria desperta ciúmes: transparente, administra bem a crise da pandemia, fala todos os dias apresentando dados sobre a covid-19 e isso incomoda os grupos mercenários. Este analista político sugere que o governador mande apurar onde estão as fontes falsas. A última diz respeito à mudança do calendário histórico e tradicional, entre a.C e d.C. Antes de Cristo e Depois de Cristo. Pois os embusteiros dizem que o governo mudou isso. Que caras de pau. Pau neles. A eleição municipal Teremos uma eleição menos espalhafatosa. A sola do sapato, neste pleito, será mais importante que santinho, cartaz, brindes. O eleitor desconfia até das melhores intenções. E não adianta o candidato garantir em cartório o cumprimento de seu programa de governo. Vai ter muito candidato fazendo isso. O eleitor quer olhar para o candidato e tentar ver nele um signo de confiança. Apesar da tendência crescente do populismo caboclo. Rombo O rombo no Tesouro para o próximo ano será de cerca de R$ 1 trilhão. O Ministério da Defesa aumentará seu orçamento. Outros, como Cidadania e Infraestrutura, terão diminuídos seus orçamentos. É o Brasil armado. Quatro vezes mais benefícios O governo Federal quadruplicou o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social e que recebem algum benefício, informa o portal Poder360, um ótimo espaço de informação, sob direção de Fernando Rodrigues, com dados do Portal da Transparência. De 20,57 milhões no ano passado para 85,29 milhões este ano. Do levantamento fazem parte pessoas que recebem o auxílio emergencial (a maior fatia), o Bolsa Família, o BPC (Benefício de Prestação Continuada), o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e o Seguro-Defeso. Em 2019, eram assistidas por algum desses benefícios 10,8% da população brasileira. A proporção passou para 44,8% neste ano. Muita ajuda, pouco emprego Quase a totalidade dessa alta está relacionada ao auxílio emergencial: são 65,2 milhões de beneficiados, o que supera o número de trabalhadores com carteira assinada em 25 Estados. Além disso, segundo o portal, o número de beneficiários do Bolsa Família é maior que a quantidade de empregos formais em 10 Estados. Os dados revelam grande dependência da população por auxílios do governo Federal. O desembolso da União com os programas de assistência disparou de R$ 97,96 bilhões em 2019 para R$ 162,35 bilhões em 2020 até agora. Um país de desempregados E aumento de gastos se dá num momento em que o governo estuda a criação do Renda Brasil, que pretende englobar o Bolsa Família e outros seguros assistenciais. Só para lembrar: o Brasil tem hoje quase 13 milhões de desempregados, fora os desalentados e informais. E as maiores vítimas são os jovens: a taxa de desemprego entre 18 e 24 anos subiu a 29,7% no segundo trimestre. O governo tem se dedicado muito aos benefícios, mas pouco se fala de novos empregos no mercado de trabalho. O nosso populismo Promessas de abrir os cofres e mostrar que todo o dinheiro sumiu; prometer muito mais que poderá realizar; vestir as cores do novo, uma espécie de São Jorge contra o Dragão da Maldade; aparecer em fotos de família, no centro da cena, ele que passou tempos sem comparecer às regiões mais longínquas das comunidades; pegar crianças no colo, cantar músicas com grupos, bolar temas demagógicos e versos capengas de cordel; e até comprar cestas básicas para distribuir no final da campanha. Resquícios do passado que teimam em aparecer no populismo do presente. O quê, como e para quem dizer Pequena gramática para os candidatos 1. Escolha a melhor forma de dizer as coisas 2. O momento certo 3. O lugar certo 4. O receptor adequado (audiência adequada) 5. A repetição 6. A expressão corporal 7. Palco, tensão, símbolos 8. Usar a criatividade 9. Evitar excesso de palavras 10. Usar a expressão positiva em vez da forma negativa Excitação das massas No passado, os estudiosos das massas pesquisavam profundamente os comportamentos das multidões para nelas internalizar o populismo. Geralmente, o roteiro era esse, como descreve Sergei Tchakhotine em Mistificação das Massas pela Propaganda Política: 1. "Usar música, alto-falantes, pick-up, distrair os ouvintes, enquanto se aglomeram antes da reunião, tocando, sobretudo, canções que exaltem a bravura popular. 2. Manter a agitação e o dinamismo do auditório num crescendo até o fim da reunião. 3. De tempo em tempo, entabolar um diálogo entre o orador ou um locutor e a massa na sala, fazendo-lhe perguntas e provocando respostas coletivas: "Sim" ou "Não" etc. Uma afirmação maciça desse tipo atua sobre a massa como um choque elétrico, estimulando seu ardor. 4. Alternar cantos antes e após os discursos dos oradores (cantar sempre em pé, nunca sentados!). 5. Os discursos não devem jamais exceder de 30 minutos. 6. Sair da reunião cantando um hino combativo popular. 7. Se possível, apresentar um pequeno sketch divertido ou um coro falado, um coral, ou fazer declamar versos apropriados à reunião. 8. Um quadro vivo simbólico ou um cartaz luminoso de caráter dinâmico e alegre ou sarcástico, acompanhados de música, pode ser útil para descanso dos nervos. 9. Incitar a massa de ouvintes a fazer, de tempo em tempo, a "ginástica revolucionária": proferir o gritos de mobilização, levantando, ao mesmo tempo, os punhos. 10. Decorar a sala de slogans e símbolos, em faixas, estandartes, bandeiras, folhagem etc.; colocar na sala um serviço de orientação, composto de jovens militantes, uniformizados e trazendo braçadeiras com emblema".Será que nos livramos desse engodo? Memória: opinião pública O termo "opinião pública", com o significado de participação popular nas coisas de interesse público, apareceu com Jean-Jacques Rousseau, na metade do século XVIII, quando o autor de O Contrato Social escreveu que a vontade do povo é a única origem da soberania e das leis. Em igual direção e na mesma época, dizia David Hume, em seu célebre Ensaio sobre o Entendimento Humano, que a soberania da opinião pública, longe de ser uma aspiração utópica, é o que pesa e pesará sempre, em todas as horas, nas sociedades humanas. Com a crescente penetração da filosofia democrática, no século XIX, a expressão "opinião pública" começou a ganhar significado, desde a ideia romântica de Napoleão Bonaparte de que "a opinião pública é uma potência invisível". Walter Lippmann O maior clássico sobre Opinião Pública foi escrito pelo jornalista norte-americano Walter Lippmann, onde rechaça a ideia de que a opinião pública é produto da opinião expressa livremente pelos cidadãos. Segundo sua teoria, a opinião pública é produto de gerenciamentos. Diante disto, ele defende que os especialistas (ou intelectuais) se encarreguem de serem os "timoneiros" da opinião pública, administrando as imagens que constroem o pseudo ambiente. Opinião publicada Geralmente os políticos brasileiros tendem a rejeitar críticas ancoradas na opinião pública, reagindo de forma contundente: "não se trata de opinião pública, mas de opinião publicada". A seguir, bombardeiam meios de comunicação que levantam suspeições de corrupção contra parlamentares e governantes. E fecho a coluna com o Ceará. Que mundo doido... É o diabo, o mundo endoidou! Exclamava Maneco Faustino nas ruas de Limoeiro/CE. E completava: - Veja vosmicê: ta se vendo estrela a mei dia; já hai galinha com chifre; cangaceiro dá esmola pra fazer igreja; já apareceu bode que dá leite; chove no Ceará em agosto. Muié já se senta em cadeira de barbeiro. Pedro Malagueta confirmava: - Tá mesmo, cumpade, o mundo endoidou. Tenho três filha, duas casada e uma solteira: as duas casada nunca tiveram menino; agora a solteira todos os ano me dá um neto...
quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Porandubas nº 680

Abro a coluna com um "causo" que me foi enviado do Paraná. Com minhas escusas se alguma leitora ou algum leitor achar a historinha politicamente incorreta. Como estamos em ano eleitoral, cai bem. Promessas de campanha Candidatos de duas famílias disputavam a prefeitura de pequena cidade. Final de campanha. Combinou-se que os dois candidatos e seus familiares teriam de ir ao mesmo palanque. Discursou, primeiro, o candidato com 70% de preferência dos votos: - Povo da minha amada terra, povo ordeiro, trabalhador, religioso e cumpridor de suas obrigações. Eleito, irei resolver o problema de falta de água e de coleta de esgoto. Farei das nossas escolas as melhores da região, educação em tempo integral. Vou construir uma escola técnica do município... E arrematou: - E tem mais, meus amigos, ordeiros, religiosos e cumpridores de seus deveres morais, vocês não devem votar no meu adversário. Ele não respeita nossa gente, nossas famílias, nossos costumes! Ele desrespeita nossa igreja. Ele nem se dá ao respeito. Vocês não devem votar nele. Porque ele tem duas mulheres. O adversário, com 20% de intenção de voto, quase enfartou quando viu a mulher, ao seu lado, cair no palanque. Ela não aguentara ouvir a denúncia do adversário de que o marido tinha uma amante. A desordem ganhou o palanque. A multidão aplaudia o candidato favorito e vaiava o adversário. Cabos eleitorais começaram a se engalfinhar. Passado o susto, com muita dificuldade, o estonteado candidato acusado de ter duas mulheres começa seu discurso, depois de constatar que a esposa estava melhor: - Meu amado povo, de bons costumes e moral ilibada, religioso e cumpridor de seus deveres morais, éticos e religiosos. Quero dizer aos senhores e senhoras aqui presentes, que, se agraciado com seus votos me tornar o prefeito desta cidade, farei uma mudança de verdade. Não só resolverei o problema da falta de água, como farei também o tratamento de todo o esgoto do município, construirei uma escola técnica e um novo hospital! A massa caçoava do coitado e de sua mulher. Foi em frente: - Vou melhorar o salário dos professores, a merenda das crianças e ainda vou instituir o Bolsa Cidadão. Agora, prestem bem atenção. Se os amigos acharem que não podem votar em mim porque tenho duas mulheres, votem no meu adversário. Mas saibam que a mulher dele tem dois maridos. A galera veio abaixo. O pau comeu. Brigalhada geral. Urnas abertas. O candidato chamado de corno perdeu feio para o adúltero. Tomando o pulso Cada semana, esta coluna tenta tomar o pulso do país: os índices do clima político, a temperatura social, os graus da governabilidade, coisas que dependem, frequentemente, dos humores do mandatário-mor. Pois bem. A esfera política se apresenta cercada de dúvidas. Particularmente no que se refere à construção e consolidação da base governista, a escalada que começa em direção à nova presidência da Câmara, as probabilidades que cercam a reforma tributária, ainda este ano, os números que recuam e avançam mostrando que a pandemia não está domada. Portanto, estamos ainda sem rumo e prumo. Para complicar, o ponto morto que o presidente Bolsonaro colocou em sua engrenagem expressiva voltou à marcha de corrida. E o destempero voltou com força com a declaração de que gostaria de "encher de porrada" a boca de um repórter de O Globo que lhe fizera uma pergunta sobre recursos destinados à sua mulher. A pandemia ainda dá o tom Apesar de certo alívio registrado nas áreas produtivas do país, em início de reabertura de negócios, o clima geral ainda é fruto da barreira imposta pela pandemia. Teme-se que os ainda não contaminados, de maneira gradual e sucessiva, sejam apanhados pela Covid-19, que já começa a dar sinais de poder reinfectar uma pessoa já infectada e curada. Portanto, muito cuidado com o andor. O alívio que se espraia por Estados e municípios pode dar lugar à angústia. Cuidado. Esfera política Começo com aplausos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que surpreende com o bom senso externado. Virou guia eficiente nesse momento de tantos desvarios. Decidiu bloquear qualquer projeto voltado para aumento dos planos de saúde, que almejavam aumentos de mais de 20%. Seria mais um peso no bolso da já empobrecida classe média. Rodrigo merece também reconhecimento pela maneira como segura os passos de candidatos à presidência da Casa, a partir de fevereiro do próximo ano. Arthur Lira anda rápido, mas pode queimar suas chances. Seria o nome ideal para comandar uma Câmara tão dividida? Estados quebrados Os Estados estão de pires na mão. Por isso, o dilema é o de esperar por uma reforma tributária que lhes dê alívio, minorando a calamidade financeira. SP, MG, RS e PR projetam rombo de cerca de 40 bilhões, um dado ainda muito preliminar. Suspensão de reajustes a servidores, eliminação de empresas, redução de incentivos fiscais e elevação de impostos estão na pauta de 2021. A economia ainda estará em compasso de espera, sendo um imenso desafio equilibrar receitas e despesas. Índice Hauly Na torcida pelo desfecho da reforma tributária, vejo o meu amigo Luís Carlos Hauly, em torno do qual giram os seguintes índices: 316 palestras; mais de 700 reuniões técnicas; 77.700 páginas no Google "Hauly Tributária" e no Hauly 245 mil páginas. Um craque. Reeleição nas duas Casas? Davi Alcolumbre sonha de olhos acordados com decisão do STF que permita concorrer à reeleição no Senado. Já não é caso de Rodrigo Maia, que já manifestou não pleitear mudança regimental. Ocorre que Luiz Fux, que toma posse como presidente do Supremo em 10 de setembro, não gostaria que esse abacaxi caísse em suas mãos. Gostaria que o tema seja decidido pelo STF ainda no mandato de Dias Toffoli, que se encerra daqui a pouco mais de duas semanas. Há quem defenda ser essa uma questão "interna corporis", a ser resolvida, portanto, pelos próprios corpos parlamentares do Senado e Câmara. E há quem defenda que a reeleição poderia valer para o Senado, não para a Câmara, eis que o mandato de senador é de oito anos. Bolha, bolha, bolha O alerta vem de grandes investidores. Calma lá com essa euforia nas Bolsas. Warren Buffett, um dos maiores, está se voltando para o ouro. O presidente do Bank of America no Brasil, Eduardo Alcalay, teme que os investidores mais afoitos sejam "machucados". A campanha eleitoral I A essa altura, tem muito candidato a prefeito querendo descobrir como fazer sua campanha. Que discurso, o que querem ouvir os eleitores, que meios usar, qual o timing para avançar etc. Pequenos conselhos: 1. Não prometer coisas que não possa fazer; 2. Escolher muito bem os eixos da identidade que precisa ser reconhecida pelo eleitor; 3. Considerar que o discurso será feito em ambiente e audiências ainda tocadas e sob o medo da pandemia; 4. Conhecer muito bem as demandas de setores, categorias profissionais e classes. A campanha eleitoral II 5. Quando houver condições visitar bairros e regiões, sempre acompanhados de pessoas e candidatos a vereador que conheçam o bairro como a palma de sua mão; 6. Ter muito cuidado com abraços, beijos e movimentos que possam gerar contaminação; 7. Sempre que possível, fazer-se acompanhar por profissionais de saúde; 8. Deixar com o eleitor um programa de trabalho objetivo, claro, com ideias centrais fortes, e não em grande número; 9. Aproveitar bem o dia, acordar cedo, ver a agenda, reunir-se com a equipe, distribuir tarefas, conversar com candidatos a vereador, mapear lideranças e entidades com força nas regiões e gastar muita sola se sapato; 10. Usar de maneira interativa as redes sociais, evitando autoelogios. Bolsonaro vai e vem Pergunta recorrente: a melhoria na avaliação da imagem de Bolsonaro veio para ficar? A que se deve? Vamos à análise. O gráfico que aponta a avaliação de um perfil obedece a estes fluxos: 1. Lançamento do nome - índice alto, eis que passa a ganhar visibilidade logo após a eleição; 2. Crescimento - com a elevação gradual da visibilidade - meta que ocorre durante cerca de seis meses; 3. Consolidação, meta a ser alcançada entre segundo e terceiro anos de governo; 4. Clímax - quando o governo alcança seus melhores índices de avaliação - quando o governo vai chegando ao fim e tem um vasto e denso programa de obras e ações a mostrar e 5. Declínio - ocorre para muitos após o mandato, mas, para outros, em momentos tensos do governo. Na minha percepção, a avaliação de Bolsonaro obedece à ciclotimia. Vai e vem. Auxílio emergencial O auxílio emergencial é o fator mais forte para elevação da taxa positiva de Bolsonaro, principalmente na região Nordeste, onde recebeu menor número de votos na campanha de 2018. Lula, a essa altura, perde grandes contingentes eleitorais na região, pois o auxílio emergencial, futuro Renda Brasil, mesmo se baixar hoje para R$ 300,00, canibalizará o Bolsa Família. Ou seja, o programa de Bolsonaro comerá o de Lula. Estilo popular Por outro lado, Bolsonaro, a cada dia, veste mais a roupa do brasileiro comum. Cai nos braços do povo, põe chapéu de couro, monta em cavalo, abraça crianças, beija bebês e as toma no colo, come o que lhe dão. Ora, torna-se uma pessoa como Joaquim, Pedro, João, Mané. E sob o grito de mito, mito, mito, vai puxando a multidão para perto, mexendo com o psiquismo das massas, ativando reflexos condicionados, avolumando os contatos grupais e interpessoais. O estilo é o homem, como ensina a teoria da mistificação das massas. Abriga, ainda, uma linguagem estrambótica, agressiva, que cai bem no sistema cognitivo do eleitorado, que se identifica com ele no verbo do carão, da agressão, da porrada. Particularmente as margens. Já setores do meio da pirâmide tendem a criticá-lo. A economia A respeito da continuidade das avaliações positivas, costumo lembrar sempre sobre o Produto Nacional Bruto da Felicidade, o PNBF, que resulta de um ar mais tranquilo nas margens e no centro da sociedade, menos violência nas grandes e médias cidades e o bolso contendo grana suficiente para abastecer a geladeira e "encher o bucho". Tudo isso dependerá da economia, a locomotiva do Trem Brasil. As perguntas que se fazem a Bolsonaro sobre recursos que teriam sido fornecidos à primeira-dama Michele continuarão a promover querelas entre alas. E troca de disparos nas redes sociais. Mas os danos poderão ser minorados pelos efeitos eventualmente positivos da economia. A conferir. E a pandemia? Se a evolução da pandemia entrar em curva descendente e, mais adiante, se a vacina contra a Covid 19 chegar no fim do ano ou no início de 2021, com vacinação em massa da população, a gestão da crise, considerada desastrosa, acabará sendo canibalizada pelo fato mais recente, a vacinação. Uso muito o termo canibalização para significar um processo de amortecimento/enfraquecimento de uma situação anterior (negativa) pelo fato mais recente (positivo). O aplauso de hoje acaba fazendo esquecer a vaia de ontem. Só os setores mais racionais - classes médias - é que sabem distinguir o certo do errado, o bem do mal, a ruindade da bondade.
quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Porandubas nº 679

Abro a coluna com dois desembargadores aposentados. O nome do médico Dois desembargadores aposentados, do alto de uma juventude acumulada durante oito décadas e meia, encontram-se no aniversário do neto de um deles. Os desembargadores Amaro Quintal da Rocha e Antônio Vidal de Queiroz, como sói acontecer com amigos que se conheceram no início da idade da razão, foram direto ao assunto que mais os motivava: - Até que enfim, encontrei o médico que curou a minha amnésia, disse Amaro. - Como é mesmo o nome dele? Perguntou Vidal. - É, é, é, deixe-me ver, é... é... Como é mesmo o nome dele? Espere aí... é, é... é. O nome, escondido num cantinho do cérebro, relutava em aparecer. Começou a se perturbar. Mas não deixou a onda abatê-lo. - É, é, como se chama... é... é... como se chama mesmo aquela coisa vermelha, amarela, branca, que nasce em um galho cheio de espinhos, aquele assim? (e foi mostrando o tamanho do galho e o formato da coisa). Vidal matou a charada: - Rosa, o nome é Rosa. Amaro, radiante, grita para a mulher que estava sentada logo adiante: - Rosa, oh, Rosa, como é mesmo o nome daquele médico que curou a minha amnésia? Bolsonaro e a base do lulismo Só mesmo no Brasil ocorrem coisas desse tipo: num curto espaço de tempo, o território do lulopetismo por excelência, o Nordeste, 27% da população do país, é invadido pelo novo governante que passa a ocupar o trono do pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro tem sido mais festejado do que Lula dos velhos tempos, quando era um Deus, o Pai dos Pobres, o salvador da Pátria para os nordestinos. É ovacionado aos gritos de mito, mito, mito. Põe chapéu de couro e cai nos braços da massa que espera por ele nos aeroportos. A ponto de um atento olheiro da cena política regional confessar, perplexo, a este consultor: o cenário é do frei Damião do passado. Bolsonaro vai ao Nordeste pela 4ª vez em 19 dias. BO+BA+CO+CA A equação a que tenho me referido todo tempo está presente: Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. O auxílio emergencial na paisagem da pandemia cai dos céus como maná no deserto. E como cai. Permite que famílias carentes abasteçam a velha geladeira desprovida de alimentos. Ademais, o lulismo tem perdido fôlego na região desde os turbulentos tempos de Dilma e escândalos que cercaram o PT. Lula, por seu lado, não abriu o partido para novas lideranças. Os governadores petistas da região até se esforçam para fazer um bom governo, mas a crise econômica, ao lado da crise política e da crise sanitária, solapam as estruturas estaduais. Governar nesses nebulosos tempos tem sido um exercício de arte, técnica e sorte. 2022 já começou Outro interlocutor da região confessa a este analista: "quando você pergunta a um eleitor em quem ele vai votar este ano, comumente ouve a resposta - não sei ainda, só sei que em 2022 votarei em Bolsonaro, no mito". Donde emerge a dúvida: haverá dinheiro para sustentar o auxílio emergencial até 2022? Não se sabe. Mas é notória a satisfação de Jair Bolsonaro com a melhoria de sua imagem e a de seu governo, feitas por pesquisas de opinião pública, sendo as duas últimas feitas pelo Datafolha e XP-Ipespe. Subiu a avaliação positiva - ótimo/bom - caiu a negativa. Em torno de 8% a 10%. Sob essa sombra confortável, o presidente vai exigir de Paulo Guedes que arrume dinheiro para estender o colchão social. E se Guedes disser não? O pragmatismo chegou ao Palácio do Planalto. Se a reeleição vai depender do colchão social, é evidente que o presidente e seu entorno forçarão a barra para garantir a grana. Os desenvolvimentistas, liderados pelo general Braga Neto (Casa Civil) e por Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), os dois ministros mais interessados num forte programa de investimentos e obras, estariam soltando os fios do programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família. A campanha chega às margens dos Estados. No Norte e Centro-Oeste, a tendência aponta para a melhoria dos índices do governo. Apenas o Sudeste, que tem os maiores contingentes eleitorais do país, tende a indicar retração nos números. O eleitor de classe média mais crítico mora na região. E sofre com o empobrecimento puxado pela pandemia, a par das críticas que faz à gestão da crise pelo governo. Uma de Paulo Guedes: ler é passatempo de rico. Por isso, quer taxar livros. Paulo Guedes não mostra ser um scholar de Chicago. Debandada Por isso mesmo, Guedes estará entre a cruz e a caldeirinha: arrume o dinheiro ou, se não quiser, caia fora. A essa altura, a mosca azul da reeleição é o bicho que mais atrai a atenção do governante. Secretários e assessores, ante a escalada da gastança que se esboça, saem em debandada do governo. Quatro já saíram. Paulo Guedes é um ministro que parece insatisfeito. Achava que ia semear a roça do liberalismo com a semente das privatizações. Não tem conseguido. Chegou a sonhar com mais de um trilhão de arrecadação. Vê esse sonho cada vez mais distante. Salim Matar, empresário e rico, pediu as cartas com muito desabafo sobre a lerdeza do Estado. E o próprio mercado já começa a perceber que Guedes não é irremovível. Influi ou não influi? O caso Flávio Bolsonaro influirá ou não na avaliação do seu pai, o presidente? Pelo jeito, o público tende a separar as coisas. A retomada da investigação pelo MP do RJ não terá forte impacto sobre o mandatário-mor. Os impactos Mas as coisas para Bolsonaro e desenvolvimentistas não estarão equacionadas apenas com a vitamina das intenções eleitorais. O Brasil real é o dos milhões de contaminados, dos milhares de mortos - chegaremos a quantos, 150 mil, 200 mil? - do empobrecimento geral da sociedade, da precária estrutura dos serviços públicos, da recessão econômica e, claro, do percurso a ser seguido pela economia mundial. O Brasil já não depende apenas de suas condições. Dependerá de outros. Os investimentos estão em estado de expectativa, de observação. Fala-se em bolha das bolsas. Os maiores investidores, como Warren Buffett, desviam suas compras para o ouro. As interrogações se multiplicam. E a vacina? Pois é. Mais de 150 vacinas estão sendo o objeto de testes no mundo. As mais avançadas - em número de 6 - entraram na fase 3 de testes com humanos. Duas vacinas da China, uma de Oxford, e a da Rússia, que já foi até registrada, sem ainda comprovação de eficácia, estão na frente da batalha científica. O Brasil está entre os países que testam duas vacinas, uma da China, a outra, de Oxford. São Paulo está testando. O Paraná fez acordo com a Rússia. Mas é pouco provável que tenhamos alguma delas ainda este ano. Enquanto isso, uma segunda dá sinais de vida em países europeus (Itália, Alemanha) e na própria China. Uma leitura sobre as oposições As oposições estão fragmentadas. Apenas em seis Estados haverá eleição com coligação majoritária entre PT e PSOL. A leitura que se faz é a de que cada partido oposicionista, face às crises pandêmica, econômica e política, quer se aventurar e apostar em seus protagonistas. Daí a razão de se ver um imenso rolo compressor formado por partidos governistas do Centrão e outros que começam a ostentar o lema de independência. Todos acreditam que terão boa oportunidade em novembro. Em alguns centros mais pesados, a polarização dará o tom. Perfis Até o momento, não surgiram nomes capazes de galvanizar a atenção das massas, a não ser o nome do próprio presidente. O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro perde força. E entra no palco da polêmica como juiz que julgou com parcialidade figuras implicadas na Lava Jato, como Lula. O ex-ministro da Saúde, Luiz Mandetta, entra melhor como vice numa chapa. O governador Eduardo Leite, do RS, a depender de sua performance, poderá se habilitar. O governador Doria, de SP, está com o foco em 2022. Vejamos. João Doria João Doria é um atento governante. Empresário bem-sucedido na área empresarial, decidiu ingressar na área política, da qual nunca esteve afastado por ter convivido com o pai, que foi deputado Federal e cassado pela ditadura. É uma pessoa disciplinada, observador, aplicado e com um vício: o trabalho. Trabalha umas 18 horas por dia. Não bebe e não fuma. Aprendeu, desde cedo, a se articular com os universos político, empresarial e jornalístico. João tem uma feição publicitária e um banda jornalística. Sabe expressar sem cacoetes e sabe vender bem os peixes de sua rede. Dominou o PSDB. Mas o fato de ter deixado na lateral seu ex-mentor, Geraldo Alckmin, pesa na sua imagem. Um ingrato, dizem. Sobrou a impressão de que pensa assim: primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. E cola sua imagem ao creme de la creme da elite jovem empresarial. Virou, por excelência, o alvo de Bolsonaro. A depender do amanhã da economia, pode se consolidar como o principal opositor do presidente. Criou arestas entre os tucanos. E administra bem a pandemia em São Paulo. Sara Winter Essa moça que adotou o nome de Sara Winter é mesmo desastrada. Massificou o nome da menor, 10 anos, grávida, que fez um aborto em Recife, autorizado pela Justiça. O que essa Winter quer? Chuva de visibilidade em torno de seu nome? Deve passar o fim do inverno trancafiada. Pelo que se lê. Fecho a coluna com um senhor rico e bom de Petrópolis. Sou solidário e não pago Antônio Carlos Portela era um senhor rico e bom. Dava aval a todo o mundo, em Petrópolis. Gostava de política. Gostava demais. Quando chegava a campanha eleitoral, sua maneira de ajudar os amigos era avalizar empréstimos para as despesas de campanha. Certa eleição, avalizou um título para um candidato a deputado, que perdeu feio e ficou em dificuldades de pagar. O gerente do banco, sabendo que não receberia do devedor, foi ao avalista: - Senhor Portela, o título está vencido. Preciso que o senhor pague. Como avalista, o senhor é solidário. - Sou, sim. Sou muito amigo dele e estou inteiramente solidário com ele. Se ele não pagou, é porque tem seus motivos. Porque estou solidário, não pago também.
quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Porandubas nº 678

Abro a coluna com uma historinha do Rio Grande do Norte. Condições? Solenidade de promoção da Polícia Militar em andamento, os agraciados com ascenso na carreira da corporação são chamados pelo cerimonial. Um a um recebe diplomação. Absorto em seu lugar, olhar atento a tudo, a maior autoridade presente à solenidade - governador Dinarte Mariz - resolve cochichar à orelha de Luciano Veras, secretário da Segurança do Estado: - Coronel, eu não estou vendo entre os promovidos aquele meu afilhado que lhe fiz recomendação... A resposta do secretário justifica o porquê da ausência do indicado pelo governador: - Eu estive avaliando a carreira dele e observei que não havia condições para ganhar a promoção pretendida pelo senhor. Sem maiores reservas, Dinarte alardeia sua contrariedade com a exclusão técnica: - Luciano, que condições você está falando? Se eu fosse atrás dessas condições nunca teria sido governador. (Quem conta o "causo" é Carlos Santos em seu livro Só Rindo 2) Panorama geral Mesmo com a pandemia em plena ação e espalhando seus mortos por todo o território, a vida parece voltar ao normal em algumas cidades. A semana começou em São Paulo com as ruas cheias, como se viu segunda-feira na rua Santa Ifigênia e imediações. Muita gente. Com máscaras e, também, sem máscaras. A banalização do risco maior - a morte - produz uma camada de entorpecimento. As pessoas deixam de dar valor aos perigos. Há muitas dúvidas no ar. O noticiário sobre os primeiros resultados da aplicação da vacina contra a Covid-19 em voluntários ganha volume na mídia. Há cerca de 120 pesquisas sobre vacinas, com três ou quatro mais adiantadas, incluindo a de Oxford e a russa. Por aqui, tudo igual Por nossas plagas, as coisas até parecem normais. As mais de 100 mil mortes e os mais de 3 milhões de contaminados são lembrados a toda hora, mas a falta de uma coordenação nacional é patente. O general Pazuello, ministro da Saúde, continua como gerente principal, mas o presidente dá sinais de que a culpa pela tragédia das mortes e contaminação é dos governadores e prefeitos. Afasta qualquer insinuação de que é o principal culpado. E continua propagando a eficácia da hidroxicloroquina. Ministros continuam no banco dos testes positivos. O afrouxamento de medidas mostra-se pernicioso, com o empuxo de novas ondas do novo coronavírus. Avaliação melhora No meio da turbulência, o presidente tem o que comemorar. No campo da tragédia, gaba-se de o país não ser um dos primeiros na equação óbitos por milhão de habitantes. Os especialistas refutam e dizem que há de se considerar a identidade de cada país. Por exemplo, no caso da Itália há de ser considerado o alto número de idosos. Mas a comemoração maior do presidente é a melhoria de sua avaliação na paisagem nordestina, até então um espaço quase exclusivo do lulismo. O Bolsa Família do lulopetismo fincou raízes profundas no Nordeste. Agora, cede posições ao bolsonarismo. O presidente, com o auxílio emergencial de R$ 600,00, conquista a região. E se juntar todos os auxílios em um plano que designa como Renda Brasil, ganhará o coração e os votos de uma região que agrega 27% do eleitorado. O nordestino não optou por Lula por este erguer a bandeira vermelha, mas pelo adjutório ao bolso, ou seja, estômago. O verbo e a verba Pois é, o presidente está mudando de postura. Controla um pouco mais o verbo e abre os cofres da verba. Esta para os aliados. Do PP e adjacências. O Centrão está de boca aberta esperando grandes nacos. Não se sabe muito bem de onde virá dinheiro e se a grana arrumada escapará à lei do teto de gastos. O TCU diz: isso vocês acertam com o Congresso. Somos responsáveis apenas pela identificação da aplicação dos recursos. Se o Congresso fez essa lei e quer mudar, que mude. Quem pariu Mateus, que o embale. Ministros do TCU não querem assumir o papel de consultores. Enquanto isso, o senador Flávio, o 01, dá um recado: o ministro Guedes haverá de arranjar um dinheirinho a mais para pagar o programa de infraestrutura. Campanha antecipada O fato é que a campanha Federal de 2022 já começou embolando o meio de campo com a campanha municipal, com data de 15 de novembro para o primeiro turno. Em suma, o fator eleitoral começa a se intensificar e a amortecer o impacto da Covid-19. Bolsonaro quer, desde já, visitar dois Estados por semana. E passa ao largo das denúncias que deixam o filho-senador Flávio a cada dia mais complicado com o caso da "rachadinha". Será difícil explicar os muitos cheques e dinheiro vivo depositados em contas da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. E o caso deverá ir para um desfecho. Esse é o calcanhar de Aquiles do senador e o do pai. Nanicos fora? Em 2017, uma emenda constitucional estabeleceu uma cláusula de barreira para o acesso a recursos do fundo partidário e tempo da propaganda eleitoral, a começar no final de setembro. Pela regra, terão acesso ao fundo e ao tempo de mídia eleitoral os partidos que obtiverem nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades federativas (9 Estados), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. Sob essa chancela, os partidos nanicos estarão de fora, como Rede e PRTB, sendo este o partido do vice-presidente Mourão. O maior tempo será para o PT, com 10,7%, o segundo lugar caberá ao PSL, com 10,1%, o terceiro lugar será ocupado pelo PP, com 7,2%, o quarto pelo PSD, com 6,6% e o quinto pelo MDB, com também 6,6%. Setor ferroviário e o novo normal A Abifer e Simefre (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária e Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviário), em texto no Estadão (blog de Fausto Macedo), chamam a atenção para os "novos parâmetros" que guiarão o setor metroferroviário na era do "novo normal". E sugerem: "a implantação de Autoridades Metropolitanas de Transportes, entidades de Estado, que tratariam do planejamento plurianual, priorização de projetos, financiabilidade, integração dos modais e equilíbrio tarifário, entre outros. Em nível federal, a criação de uma Agência Nacional de Investimentos, órgão de Estado que encamparia as mesmas atribuições quando das relações subnacionais, podendo, inclusive, tornar-se a grande Agência Nacional onde poderiam ser discutidos, projetados, priorizados e promovidos os planejamentos de todo o cabedal de infraestruturas do país. Isso garantiria a realização, a longo prazo, dos projetos de infraestruturas". Como conselheiro das entidades, o presidente da CAF-Brasil, Renato Meirelles, colaborou com as ideias e a formulação do texto. Machismo explícito Nesses tempos de pandemia, multiplicam-se os casos de machismo e outras modalidades de discriminação. A advogada Mariana Maduro fazia ioga às margens da Lagoa, no Rio de Janeiro, quando o empresário Ricardo Roriz e um ambulante passaram a filmá-la sem o seu consentimento, expondo-a nas redes sociais. Mariana fez queixa na delegacia, onde Roriz compareceu para confessar sua "infelicidade", lamentando o ocorrido. A advogada diz que "nunca mais quer fazer ioga". É dever de todos denunciar casos como este. STF terá surpresas? O Supremo Tribunal Federal tem alguns artefatos em fase adiantada de produção. A questão das fake news e a imposição do ministro Alexandre de Moraes de mandar fechar contas de algumas pessoas; a suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro em relação ao processo de Lula; a validade das delações nos casos de Lula e de Michel Temer; o poder da PGR de interferir diretamente nos processos em andamento na Lava Jato, entre outros. The Economist: Biden Revista The Economist registra: "Pela primeira vez na história podemos vislumbrar realmente um Hemisfério Ocidental seguro, democrático e com uma classe média, do norte do Canadá ao sul do Chile e nos lugares entre os dois", disse Joe Biden em um discurso na Universidade Harvard, em 2014. Muita coisa mudou desde então, em particular a destruição de vidas e do sustento das pessoas provocada pela pandemia. Mesmo assim, se Biden for eleito presidente dos EUA, em novembro, para muitos latino-americanos essa será uma perspectiva tranquilizadora e familiar em comparação com o barulho e a fúria imprevisíveis de Donald Trump. Kennedy Alencar registra: "Harris, senadora democrata pela Califórnia, está entre as quatro mulheres mais cotadas para ser a companheira de chapa de Biden. Ela é uma das três negras que a imprensa americana destaca como mais prováveis. A governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, é a única branca nessa G-4 democrata". Maquiando novo imposto Tarefa difícil, para não dizer impossível, é limpar a má fama da CPMF do novo imposto sobre transições financeiras que o ministro Paulo Guedes tenta emplacar no Congresso. Estão chamando esse "achado" de "imposto sindical". E parcela do empresariado mais onerado, como o setor de serviços, tem defendido a proposta. Pode ser que o Centrão compre a ideia, que teria de passar ainda pelo crivo de grandes partidos, como o PT, MDB, PSD e até o PSL, que já foi a sigla do presidente. Uma incógnita: Rodrigo Maia irá colocar a proposta em votação? Maia tem atuado como uma espécie de algodão entre cristais. Impeachment sem condições O Brasil e suas circunstâncias. Mesmo havendo mais de 20 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro, alguns com fortes fundamentos, é pouco provável que algum deles seja colocado em votação. Rodrigo Maia, nesse momento, age também como bombeiro. Não quer atiçar mais ainda a fogueira que se acende no país no meio de uma crise sanitária, uma crise econômica e uma crônica crise política. Sob essa improbabilidade, o presidente cumpre com desenvoltura o seu papel. Eventuais surpresas poderão advir da Corte Maior, o STF. Fecho a coluna com uma historinha da Paraíba. Amigo do papa Rui Carneiro, paraibano matreiro, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha: - Paraibanos, estive em Roma com o Papa. Ele me cochichou: "Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você. Ganhou a eleição". Sebastião Nery, com sua graça, nos brinda com esse causo.