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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 9 de março de 2022

Porandubas nº 750

Abro a coluna com o Mato Grosso do Sul. Residência médica Em Dourados/MS, foi eleito um prefeito semianalfabeto. Prometia na campanha: "prometo manter os postos de saúde abertos 24 horas, inclusive à noite". Em outra ocasião, a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) implantou o curso de medicina. Por conta das dificuldades de encontrar hospitais para a residência médica, travou-se grande discussão, na época da campanha, sobre a questão. Em um acirrado debate, perguntaram ao candidato como poderia contribuir para resolver o problema da residência médica. De pronto, respondeu: - "Eu não pretendo dar casa para médico; eles já ganham muito e podem comprar casa. Só vou construir casa para pobre". ("Causo" enviado por Elizabeth Dias Rode) Visão geral I A par da vivência com a pandemia, o planeta se reparte em sentimentos sobre a guerra Rússia versus Ucrânia. Este país, administrado por um ex-comediante de TV, Volodymyr Zelensky, ganha a batalha da Opinião Pública, mas Vladimir Putin tende a impor sua força sobre um país que fez parte da União Soviética. Seu poderio bélico é algumas vezes superior ao da Ucrânia. Visão geral II O que pode se extrair de consequências para o cotidiano das pessoas, afinal, o que sobra do farto conjunto de informações, versões, interpretações, vieses que, todos os dias, leitores e ouvintes das mídias recebem? Entre dúvidas e certezas, o mais certo é por fé no dito de Fernando Pessoa: "noite e dia me trazem murmúrios novos. E dia e noite levam murmúrios velhos" ( Sonnet, Alexander Search, in O Livro das Citações, de José Paulo Cavalcanti Filho). Velha clivagem Em um primeiro momento, floresce o sentimento de que o planeta, a cada grande episódio - conflitos, guerras, pandemias, crise entre países - é jogado no terreno das antigas clivagens, com origem nas ideologias e doutrinas, a luta de classes, por exemplo. De fato, muitos dos torcedores dos lados da guerra Rússia x Ucrânia, ainda se respaldam no discurso da asfixia do imperialismo/burguesia capitalista, sob a égide do neoliberalismo, ante a vitória do proletariado. Uma luta que banirá todas as classes sociais. Em nossas plagas, torcidas ainda levantam essas bandeiras. O outro lado Na presente disputa de narrativas, há muitas denúncias contra a exuberante onda de apoios obtida pela Ucrânia, por meio de seu "estadista" Zelensky. Entre as denúncias, uma se apresenta sob o solene aviso: "você precisa ouvir o outro lado". A respeito de minha coluna da semana passada, tentando descrever a índole de Vladimir Putin, recebi, até, um puxão de orelhas de um intelectual, amigo e presente na cena institucional do país, que registro: "Falta um parágrafo (nas suas análises): cada país, ao entrar na OTAN recebe uma base de foguetes nucleares americanos, Cruise e Persing II, apontados para a Rússia. A uma distância que, uma vez lançados, não dá para interceptar. Em 1962, os russos iam fazer o mesmo em Cuba. E a VI (frota) interceptou navios mercantes, com ordem para afundar, acaso não voltassem. E ninguém criticou. Fazia sentido. Faltou esse dado. Bastaria que os EUA retirassem os seus foguetes e não haveria invasão. Claro que isso não justifica. Mas faltou o outro lado". Ao amigo, minha homenagem. O outro lado está exposto. O desmantelamento cultural Para um grande grupo de cientistas sociais, o que está ocorrendo no planeta é um processo de desmantelamento cultural, feito sob alguns fenômenos em curso - a personalização da política, os modelos e padrões desempenhados pelos governantes que influenciam imitações e usos do público, enfim, um processo de colonização que desmantela as estruturas e a cultura dos grupos. As normas de conduta se desvanecem. Os indivíduos já não sabem como pautar suas condutas. Emerge a crise dos costumes e das convicções, dando vazão ao conceito de Durkheim sobre anomia: o estado no qual as normas não existem. A emergência do poder absoluto Escreve o sociólogo Bertrand de Jouvenel: "os fenômenos de desarmonia social e moral favorecem o aparecimento do poder absoluto - incoerência social, condutas anti-harmônicas, más condutas, fenômenos de desnorteamento e desregramento. Homens desrraigados, recém chegados a uma nova condição, não encontram imagens de comportamentos que governem seu novo personagem". Nessa moldura, transparece a figura do líder carismático, do líder autoritário, do mito, do "salvador da pátria". Puxem a imagem e coloquem na cara de alguns líderes contemporâneos. Além de murmúrios Pois bem, além de murmúrios que vão e que vêm, que comportamentos poderão impregnar o espírito de nosso tempo face ao clima de ódio e medo que se instalou no leste europeu? Primeiro, o da resignação. Milhões de famílias se dobram ante a inevitabilidade das tensões que se multiplicam naquela região. Depois, a banalização do terror, marcada pelos canhões e mísseis mortíferos, que impermeabiliza a morte, de tão intensa e constante como se apresenta. A polaridade Sob esse zunido aterrador, emergem o ódio, a vontade de vingar o ente querido, as tensões, a polaridade. Daí o círculo de adoradores dos protagonistas, de um lado, e os adversários, de outro, a se fustigarem com expressões de ódio e a esquecerem as identidades de povos irmãos, muitos falando a mesma língua. E o bom senso O bom senso dá adeus às ilusões da paz e da harmonia, razão pela qual o planeta se encontra destrambelhado, abandonando as faculdades mentais de seus humanos habitantes. E isso, vale frisar, explica a necessidade de resgatarmos os valores do humanismo e da solidariedade, nos termos em que minha amiga de redes sociais, Marisa Cruz, defende. Sua preocupação é com a escalada de niilismo que assola a Humanidade, o que nos torna gente com DNA contaminado pela maldade e pela barbárie. Sinais de uma guerra nuclear estão nos ares e radares, bastando que um protagonista abilolado pressione o botão de destruição de seu arsenal nuclear. Zelensky e Putin O cenário é previsto: Vladimir Putin ganhará as batalhas, mas perderá a guerra, eis que o manto da autocracia que o cobre está sujo de sangue. O espaço sangrento que se abre para que ele caminhe em direção aos louros da vitória será alargado pela perspectiva de vir a aumentar o seu anseio por anexações de territórios ao mundo russo. E, para não esconder o outro lado, urge que os EUA e os países europeus que integram a OTAN se convençam de que precisam deixar de fazer ameaças a países que não fazem parte de seu grupamento. Se quisermos resgatar a paz no planeta, é hora de um desarme geral do espírito de ódio e conflito que paira sobre as Nações. Flashes e pílulas - Arthur do Val, o famoso Mamãe Falei, merece o repúdio dos seres humanos que respiram ares da ética e da moral. Sua expressão estapafúrdia sobre as mulheres "pobres" ucranianas é um acinte à Humanidade. - O MBL está desgastado e pronto para se tornar um ente sem força e prestígio. - Sergio Moro já esteve melhor. Será queimado por Mamãe Falei. - O final do prazo para viabilização da Terceira Via é o mês de julho. - Bolsonaro cresceu uns 4 a 5 pontos no último mês. Lula perdeu 8. Mas continua liderando bem. - A campanha vai ao segundo turno. Anote. - Na régua de 0 a 10, a possibilidade de protagonistas baixarem seus índices de rejeição aponta: - acima de 60% de rejeição - nota 2 - acima de 50% de rejeição - nota 3 - acima de 30% de rejeição - nota 4 - em torno de 20% de rejeição - nota 5 - em torno de 10% de rejeição - nota 7 - Se Lula for ao segundo turno com um candidato da terceira via, será difícil levar a melhor. - Se Bolsonaro for ao segundo turno com Lula, teria chances de ganhar, a depender do estado da economia. - O futuro do bolsonarismo estará garantido pelas alas do conservadorismo e de segmentos do pequeno e médio empresariado, além de parcelas das margens. - O país vive uma das maiores crises de lideranças de seus ciclos históricos. Quem são os protagonistas com um pé no amanhã? - Parcela importante do eleitorado está se vacinando contra as fake news. - A razão, mesmo perdendo bem para a emoção nesse momento obscuro, está subindo alguns degraus. Fecho a coluna com pequeno roteiro de planejamento de campanha eleitoral. Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento das campanhas, que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira da micropolítica; 2) procurar cria um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Porandubas nº 749

Abro a coluna com uma historinha das Minas Gerais. Da burrice e da engenharia Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada: - Esta estrada vai até onde? - Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras. - Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição? - Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando. - E quando não tem burro? - Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo. O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia. Registro Abro a análise da moldura institucional, registrando a posse no Tribunal Superior do Trabalho (TST) do ministro Emmanoel Pereira, potiguar, um dos mais experientes e articulados quadros do Judiciário brasileiro. Trata-se de um conhecedor profundo de nossa legislação trabalhista e, para o bem do país, estará no comando da Alta Corte por ocasião de eventuais debates sobre reformulações no setor. Este analista se associa às homenagens prestadas ao grande juiz. A campanha eleitoral A campanha eleitoral deste ano obedecerá a alguns ciclos: a pré-campanha, tempo de articulações, formação de blocos e federações; a campanha na fase I, que será dedicada à apresentação formal dos candidatos e discursos, a se iniciar em junho/julho; a campanha na fase II, que é de enfrentamentos, tensões, querelas, acusações recíprocas, a ocupar o mês de agosto; a consolidação dos nomes em setembro e o clímax, na última semana de setembro e primeira de outubro. A campanha terá duas estacas a sustentá-la: a emoção e a razão. A emoção A emoção carrega sentimentos, alegrias e rancores, muita adjetivação valorativa, que cobrirão os candidatos com véus emotivos. É a campanha do choro, vela, festa, folguedos e foguetões. Eleição é, sobretudo, emoção, daí porque este analista projeta um cenário de intensa polarização, traduzindo o ciclo emotivo que embala o país. O discurso da emoção mobilizará facções e alas. A razão Já a razão emergirá nas propostas programáticas, nos conteúdos de fundo ideológico-doutrinário, captados apenas por grupamentos do meio da pirâmide para cima. A razão é o discurso lógico, analítico e até didático. Os candidatos se esforçam para atrair a adesão do eleitor com argumentos, números, ideias que possam parecer críveis. Os fundões não serão tão atraídos por esses blocos expressivos racionais. A régua Infere-se que a régua apontando para a estatística da emoção e da razão mostrará a seguinte tendência no pleito de outubro: Emoção - 75%; Razão - 25%. Que pontuação alcançam os candidatos nessa régua? Pelo estilo, comportamento e linguajar, é possível apontar as percentagens de emoção e razão que cobrem os perfis de nossa política. Trata-se, claro, de mero exercício de interpretação desses fenômenos, imanentes aos perfis. - Lula - Emoção - 80%; Razão- 20% - Bolsonaro - Emoção - 85% - Razão - 15% - Sérgio Moro - Emoção - 10% - Razão - 90% - Ciro Gomes - Emoção - 40% - Razão - 60% - João Dória - Emoção - 10% - Razão - 90% - Simone Tebet - Emoção - 50% - Razão - 50% - Rodrigo Pacheco ( se for candidato) - Emoção - 5% - Razão - 95% - Eduardo Leite( se for candidato) - Emoção - 20% - Razão - 80% Brasil de ontem Régua da Emoção e da Razão. - Getúlio Vargas - Emoção - 70% - Razão - 30% - Juscelino Kubistchek - Emoção - 60%- Razão - 40% - Jânio Quadros - Emoção - 80% - Razão - 20% - Ciclo Militar - Emoção - 90% - Razão - 10% - Jose Sarney - Emoção - 30% - Razão - 70% - Fernando Collor - Emoção - 70% - Razão - 30% - Itamar Franco - Emoção - 10% - Razão - 90% - Fernando Henrique Cardoso - Emoção -10% - Razão - 90% - Lula - Emoção - 90% - Razão - 10% - Dilma - Emoção - 20% - Razão - 80% - Michel Temer - Emoção - 10% - Razão - 90% Outros eixos Outros eixos estarão por trás do discurso e das estratégias dos candidatos, tais como o populismo, o assistencialismo, o dandismo, o estrelismo, o espetáculo. E quanto mais intensos sejam os atributos puxados do circo e do teatro, maiores as chances de candidatos atraírem as massas. Para melhor compreensão desses fenômenos, permito-me a falar um pouco sobre eles. O personalismo na política A cada dia, multiplicam-se os perfis personalistas: figurantes que encenam no teatro da política suas peças, sob seus nomes e seus traços pessoais. Nada de ideias ou programas doutrinários. Quando aparece um ou outro termo que pode lembrar compromisso nas áreas da educação, saúde, transporte ou segurança, com certeza trata-se de um bordão guardado no fundo do baú - "vamos construir escolas, vamos melhorar a segurança nas estradas, combater os criminosos, fazer hospitais". Mas o nome dos fulanos, sicranos e beltranos estará adornado de substantivos e adjetivos: o fazedor, o pai dos pobres, o maior de todos etc. Em suma, haverá muita linguagem tatibitate. O dandismo No passado, os atores passavam a usar adornos, indumentárias que chamavam atenção, como o uso de cores berrantes, braceletes, correntes, enfim, uma parafernália estilosa. Luis XIV foi um dos primeiros dândis da política. Desfilava nos jardins do palácio de Versalhes em um cavalo adornado de diamantes. O Rei Sol gostava de se exibir. Naqueles tempos e até em ciclos mais recentes, políticos viram dândis, fazendo-se notar pela forma espalhafatosa de se apresentar, implicando ainda o uso de expressões esportivas, provocativas, ferinas. Baudelaire, o poeta, já dizia: "o dandismo é o prazer de espantar". E, sob esse padrão, desafia os costumes e as práticas, prega a desordem e a desunião, não o sistema político. Hoje, sabemos quem faz isso por nossas plagas. O estrelismo No Estado-Espetáculo, a meta é ser a estrela principal no palco. Os candidatos a cargos eletivos, regra geral, se esforçam para ser os mais visíveis. Para tanto, apoiam-se nas estacas do populismo, buscando por meio de ações espetaculosas - carreatas, passeatas, motociatas e outras atas (?) - surgir como o sol brilhante de manhãs esplendorosas. O populismo assume formas variadas, seja por meio de uma adjetivação impactante, seja por meio de programas populistas, de efeitos sonantes no bolso (distribuição de dinheiro) e fartos na barriga (distribuição de alimentos). O heroísmo Daí para se transformarem em heróis, é um pequeno passo. Passam a levantar criancinhas no meio da multidão, a beijá-las, a tocar suas mãos às mãos estendidas das galeras berrantes, tomando café em padarias, fazendo selfies. Os "heróis" da política querem mostrar que são também humanos, concedendo aos integrantes das massas o acesso à sua natureza "divina". Os "heróis" procuram ainda mostrar certo charme, usando símbolos com as mãos ou forma de cumprimentar. Os salões repletos, ao som de festa, são ambientes preferidos. Suscitam admiração e urros ferozes. O entretenimento Nesse ponto, emerge o entretenimento, a ferramenta mágica usada pelos "heróis" e mitos para conquistar o coração das massas. O povo, desde eras remotas, tem apreciado os divertimentos, formas que propiciam catarses coletivas. Os clubes de futebol têm em suas torcidas organizadas a cola da catarse coletiva. Imensos contingentes elevam em hosanas as glórias de seus times. Coisas que vêm da Antiguidade. Vejam o que o imperador Vespasiano escreveu para seu filho, Tito, antes de morrer. O Colosseum "Tito, meu filho, estou morrendo. Logo eu serei pó e tu, imperador. Espero que os deuses te ajudem nesta árdua tarefa, afastando as tempestades e os inimigos, acalmando os vulcões e os opositores. De minha parte, só o que posso fazer é dar-te um conselho: não pare a construção do "Colosseum". Em menos de um ano ele ficará pronto, dando-te muitas alegrias e infinita memória. Alguns senadores o criticarão, dizendo que deveríamos investir em esgotos e escolas. Não dê ouvidos a esses poucos. Pensa: onde o povo prefere pousar seu "clonais" numa privada, num banco de escola ou num estádio? Num estádio, é claro". Panem et circensis (pão e circo) "Será uma imensa propaganda para ti. Ele ficará no coração de Roma per "omnia saecula saeculorum", e sempre que o olharem dirão: 'Estás vendo este colosso? Foi Vespasiano quem o começou e Tito quem o inaugurou'. Outra vantagem do "Colosseum": ao erguê-lo, teremos repassado dinheiro público aos nossos amigos construtores, que tanto nos ajudam nos momentos de precisão. Moralistas e loucos dirão, que mais certo seria reformar as velhas arenas. Mas todos sabem que é melhor usar roupas novas que remendadas. "Vel caeco appareat" (Até um cego vê isso). Portanto, deves construir esse estádio em Roma. Enfim, meu filho, desejo-te sorte e deixo-te uma frase: Ad captandum vulgus, panem et circenses (Para seduzir o povo, pão e circo). Esperarei por ti ao lado de "Júpiter"." Escreveu esta carta um dia antes de morrer. 100 dias de festa E assim foi feito. O Coliseu, o enorme anfiteatro, símbolo do Império Romano, foi iniciado por ordem do imperador Vespasiano em 72 d.C., que decidiu erguê-lo no local de um antigo palácio de Nero, seu antecessor no comando do império. As obras levaram oito anos para serem concluídas e, quando tudo ficou pronto, Roma já era governada por Tito. Roma comemorou a inauguração durante 100 dias, com festas, centenas de gladiadores, cinco mil animais ferozes e muito sangue. Antes dos espetáculos os gladiadores saudavam o imperador: "Ave, Caesar, morituri te salutant". "Salve, César! Aqueles que vão morrer te saúdam". E assim, a política foi incorporando traços e matizes do espetáculo. Hoje, a espetacularização da política faz a pauta diária das mídias massivas (jornais, revistas, rádio e TV) e tecnológicas (redes sociais da Internet).
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Porandubas nº 748

Abro a coluna com o passarinho. O passarinho Inflamado, o candidato eleva a fala no palanque. Argumentava que o povo livre sabe escolher seus governantes. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso. No momento certo, tirou o pássaro e com ele, na mão direita, bradou: "a liberdade do homem é o sonho, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência. Deus (citar Deus é sempre oportuno) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal da liberdade. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir a soltura desse passarinho, que vai ganhar os céus". Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. Apertara o bichinho. A frustração por ter matado o bichinho foi um anticlímax. Vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. Assim é o fim de candidatos que não controlam a emoção. Visão da conjuntura 1. Nada decidido Quem disser que fulano, beltrano ou sicrano ganhará o pleito de outubro próximo estará dando um chute. Não tem nada decidido. Vou tentar explicar as razões. Todas elas consideradas no conjunto das ideias-forças que movem uma campanha. Tenho dito e repetido: Somos frequentemente visitados pelo Senhor Imponderável dos Anjos. E este ano é especialmente um ciclo de excepcionalidades. Pandemia, gripes, desobediência às leis, cavalo sem arreios. 2. O caráter do ano O ano de 2022 será muito diferente dos anos anteriores. Transição de um ciclo, não apenas de um governo. Se persistir o governo, o ciclo não se repetirá. Explico. A esfera política não se mantém no atual prumo. Um remelexo geral mexerá as pedras do tabuleiro. Um maremoto na política tem condições de repaginar o que desenhamos. Se o Brasil for de Bolsonaro, a direita se fixará no poder. A bússola entorta. Se o Brasil for de Lula, a incerteza continuará ante as curvas e retas do petismo. Lula não controlará suas bases. 3. O fim de um ciclo Seja qual for a vereda a seguir, à direita ou à esquerda, o Brasil fechará um ciclo. Haverá interesse de se manter a atual estrutura de poder, com a concentração de postos e cargos no Centrão. Mas é viável pensar em uma onda centrípeta - das margens para os centros - que poderá destronar os atuais mandatários do poder do Executivo. Essa onda aparece no meio do oceano turbulento das relações internacionais, com lideranças dispersas e líderes sem legitimidade. 4. O fracasso dos grandes Veremos, um pouco mais adiante, os atuais condutores da política mundial em declínio. Joe Biden não garantirá a supremacia norte-americana. O novo primeiro ministro alemão, Olaf Scholz, não tem o carisma de Angela Merkel. Do Reino Unido, não esperemos decisões de impacto, mas apenas a estética voante dos cabelos de Boris Johnson. Macron tem limitações, Erdogan é um direitista isolado. E a Itália não terá envergadura para enfrentar os rolos compressores da Europa. Ou você, amigo Wálter Maierovitch, discorda? 5. A alma do tempo Para não repetir meu refrão, passo a adotar o termo a "alma do tempo". Todo tempo tem o seu clima, a sua alma, o seu espírito, as suas circunstâncias. E o que explica os cenários descritos? A alma do tempo. Um misto de silêncio e grito, a imbricação de demandas reprimidas com promessas não cumpridas, uma revolta interior que queima os nossos neurônios, uma vontade louca de dormir e acordar em outro espaço, que não seja esse carcomido por impurezas. 6. Um mundo em avanços Seremos pacientes e alguns, parceiros, de um mundo em avanços. A inteligência artificial estará cada vez mais abraçada à tecnologia da informação, suprindo-nos com os alimentos da modernidade, ferramentas que transformarão nosso modo de operar, nossa maneira de pensar, alterando costumes e tradições. Uma grande mudança. 7. Eis, então, a grande ameaça Os avanços civilizatórios esbarrarão nas fronteiras do passado, onde os exércitos com sangue em dinastias históricas persistirão em suas lutas pela manutenção do poder. O mundo muçulmano fará arrebentar suas ondas nas plagas ocidentais, devastando pedaços de tempo e monumentos de cultura. O paradigma do caos tende a ficar sobre nossas cabeças. 8. E por aqui? Somos um pequeno pedaço de terra integrada à civilização ocidental. Vamos influir? Até poderíamos, caso usássemos nossos potenciais para fazer valer nossa condição de seres livres e armados com as ferramentas da liberdade. Nossa visão turva, porém, encurta nosso ciclo. Não enxergamos um palmo à frente do nariz. E caímos na precária luta entre grupos que se opõem: uma direita, que não sabe distinguir um valor do passado tradicional e uma esquerda, que ainda sonha com os teares da revolução industrial. 9. Os novos sinais O mundo exibe uma monumental engenharia de mudanças. Os polos da Guerra Fria, mesmo abrigando arsenais superiores aos da década de 50, já não agem à moda antiga. Essa querela envolvendo a OTAN, a Ucrânia e a Rússia, não será o estopim de uma terceira Guerra Mundial. O bom senso, sob a égide da diplomacia, dará os ditames. Mas a tensão subirá aos píncaros. A Humanidade não mais aceita ser governada por déspotas. O mundo recebe sinais de que a temperança cobrirá as nuvens dos novos tempos. 10. O Brasil, um país acidental Isso mesmo. Um país integrado aos trópicos acidentais. Uma região rica de nosso planeta, farta de riquezas minerais, porém povoada de pequenos e grandes acidentes que maltratam a condição de seu povo. Todos os anos, ouvimos a crônica das mortes anunciadas nos desastres provocados pelas chuvas. Em algumas regiões, elas são escassas, noutras, inundam. Mas os tropeços e acidentes no território da política, estes, sim, são devastadores para o nosso corpo pátrio. Por corroerem a alma da política, por atrasarem o fluxo civilizatório. 11. O que pode nos acontecer? Estamos em plena selva eleitoral. Usando armas da mentira, das acusações, das denúncias, das falsas versões. Não há justiceiro nessa guerra. Nem heróis. Há, e muito, gente desonesta, que elege o dinheiro, o poder, a força monetária como motor da guerra. Este escriba não acredita que os exércitos em disputa possam estabelecer a paz, sob a égide da liberdade e da justiça. Hoje é aniversário de um ente querido, que pensa bem. A quem desejo felicidades. Muita saúde. Prosperidade. Fecho a coluna com o absolutismo. O ditador O ditador vai ao médico: - E a pressão, doutor? - O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem. O nome de Deus em vão Deus é sempre a referência de homens que carregam em sua alma a pretensão da onipotência. Franco usava a Providência Divina para se afirmar: "Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos". Não satisfeito, mandou cunhar nas moedas: "Caudilho da Espanha pela graça de Deus". Idi Amin Dada, o cabo que se tornou marechal de Uganda, ditador sanguinário, dizia ao povo que falava com Deus nos sonhos. Um dia, um jornalista fez uma inquietante pergunta: "o senhor tem com frequência esses sonhos? Conversa muito com Deus?". Lacônico, o cara de pau respondeu: "Só quando necessário".
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Porandubas nº 747

Abro a coluna com uma deliciosa historinha da Bahia. Se deixou, não há crime Cosme de Farias foi um grande advogado dos pobres da Bahia. Enveredou também pela política. Vereador e deputado estadual por muito tempo. A historinha. Um ladrão entrou na Igreja do Senhor do Bonfim e roubou as esmolas. Cosme de Farias foi para o júri: - Senhores jurados, não houve crime. Houve foi um milagre. Senhor do Bonfim, que não precisa de dinheiro, é que ficou com pena da miséria dele, com mulher e filhos em casa com fome e lhe deu o dinheiro, dizendo assim: - Meu filho, este dinheiro não é meu. Eu não preciso de dinheiro. Este dinheiro foi o povo que trouxe. É do povo com fome. Pode levar o dinheiro. E ele levou. Que crime ele cometeu? Se houve um criminoso, o criminoso é o Senhor do Bonfim, que distribuiu o dinheiro da Igreja. Então vão buscá-lo agora lá e o ponham aqui no banco dos réus. E ainda tem mais. Senhor do Bonfim é Deus, não é? Deus pode tudo. Se ele não quisesse que o acusado levasse o dinheiro, tinha impedido. Se não impediu, é porque deixou. Se deixou, não há crime. Cosme de Farias ganhou no verbo. O réu foi absolvido. Panorama visto do alto As melhores visões são do alto. Quando os olhos estão próximos aos objetos, certas partes serão bem focadas, mas os contextos podem ficar de fora. É oportuno um enquadramento que flagre o conjunto. Ver do alto é melhor. Vamos tentar enxergar os fenômenos sob essa perspectiva. 1. A cereja As esquerdas tentam compor uma ampla frente sob a liderança de Luiz Inácio. A cereja para atrair fatias do centro e até da direita tem o nome de Geraldo Alckmin. É um chamariz que impacta no primeiro momento, mas, com o tempo, tende a perder a vitalidade e cair na mesmice da velha política. Truque de Lula, que, ao fim e ao cabo, se for o vitorioso, fará o governo do PT, com o PT e para o PT. Compromisso histórico. Pano de fundo: os dois governos Lula. Não, os de Dilma. 2. O bolo da esquerda Como é sabido, o PT virou uma igreja. Mais acolhedora a seus fiéis. O núcleo duro está saindo dos buracos em que se escondeu e mostra sua velha cara: Gleisi, Mercadante, Mantega, Franklin Martins, os laboratórios da Fundação Perseu Abramo etc. O bolo seria uma federação de partidos de esquerda, liderada pelo PT e pelo PSB. Difícil de agradar ao paladar dos partidos por causa das conveniências eleitorais. O PT vai acabar indo pra guerra com seus exércitos. 3. O bolo da direita À direita, a novidade teria o nome de União Brasil, fusão do PSL, com 55 deputados, e o DEM, com 26. Seria o maior bolo do Parlamento. Seria. Mas como as conveniências partidárias nos Estados são bem diferentes, a debandada está bem assinalada. Até o fechamento da janela partidária, em abril, espera-se uma debandada de pelo menos 20 deputados da bancada bolsonarista do PSL. Bivar pode ir aposentando sua ideia de compor uma chapa como vice. 4. O voo baixo de Sergio Moro A escalada do ex-juiz Sergio Moro está muito devagar, quase parando. É verdade que, nas últimas semanas, Moro mergulhou fundo nas águas da política, correndo regiões, conversando com uns e outros, até posando junto à imagem do padre Cícero, de Juazeiro/CE. Mas não tem agregado apoios substantivos. A galera parlamentar espera vê-lo alçar voos mais altos, subindo nas pesquisas. Oscila entre 8% e 12%. 5. Mulher na chapa Além de Alckmin, há outra cereja no bolo eleitoral. Uma mulher para compor a chapa. Mulher está na onda eleitoral, envolvida em um manto de grandes valores - honestidade, sinceridade, maior assepsia política, ou seja, se posiciona melhor como contraponto à velha política. Fosse mais conhecida, Simone Tebet estaria bem posicionada nas pesquisas eleitorais. É considerada, ainda, como um forte potencial na condição de vice em outras chapas, como a tucana liderada por João Doria. Mas o MDB decidiu bancar sua candidatura que conta com a simpatia de tucanos de plumagem densa, como Tasso Jereissati e José Aníbal. 6. Os ciclos da campanha É evidente que a campanha ainda está morna. Vivemos o primeiro ciclo - o das articulações, fusões, noivados e casamentos. Entraremos no segundo ciclo em abril, quando o quadro geral se firmar na parede. Maio/junho e julho serão meses de consolidação e fechamento de articulações. O terceiro ciclo, como se vê, será dedicado aos lançamentos oficiais. Agosto, o quarto ciclo, é o mês dos grandes embates. Setembro, o pico da montanha e a corrida pelo país. O Senhor Imponderável poderá nos visitar a qualquer momento. O quinto ciclo será o mês das grandes decisões. Na primeira semana de outubro, teremos festas e velórios. 7. Os círculos do presidente Pergunta recorrente: Bolsonaro crescerá? Irá ao segundo turno? Respostas: a) a depender das circunstâncias - economia, adjutórios sociais, intensa polarização, clima de guerra - ou eu ou ele; b) mudança de postura, tentativa de ser mais equilibrado; c) apoio centrífugo - mais engajamento dos contingentes do centro; d) divisão extremada da esquerda, que pode dividir os votos do arco ideológico. Em suma, Jair precisa engrossar, avolumar os círculos de apoio e engajamento. 8. As lembranças dos dutos A imagem do duto que joga dinheiro - aquela massificada imagem de corrupção, divulgada diariamente por meses pela TV Globo por ocasião da Lava Jato deverá aparecer. A não ser que a Globo, a essa altura, já tenha decidido caminhar junto com Lula, o que já faz parte das conversas. A banalização da imagem negativa acabou repartindo seus efeitos por toda a classe política. 9. Ciro, sempre o mesmo Não será desta vez que o marqueteiro João Santana alavancará a imagem de Ciro Gomes. Mudança ligeira de linguagem passará despercebida pelas correntes das margens sociais. Ciro é Ciro e não haverá argamassa capaz de mudar sua fachada. É bom de debate e conhece o Brasil. Mas o pouco debate não deixa emergir tais qualidades. 10. João Doria, o vacinador O governador de São Paulo será embalado no manto das vacinas, como o homem público que abriu as gavetas da vacinação em massa. Mas o jeito João Doria de ser - sofisticação e paulista no corpo e mente - será uma barreira de difícil travessia. Faz um bom governo. Mas o governo gira em torno de si. Parece não ter equipe. Suas mensagens não chegam às massas. 11. Simone, a surpresa Simone Tebet, a senadora do MDB do Mato Grosso do Sul, se conseguir ter boa visibilidade, poderá alçar voo. Tem estofo e postura de inovação. 12. Bolsonaro na Rússia Imprudência, inoportunidade, falta de bom senso. São os termos que cobrem a marcada visita de Bolsonaro à Rússia, nesse momento de tensão com a Ucrânia. Uma bela foto de Putin e Bolsonaro no Kremlin será vista pelo mundo. Mas o isolamento do Brasil será mais intenso. Bolsonaro sonha com a foto., que não o fará um estadista. 13. Haddad versus Garcia Em São Paulo, é muito provável que Fernando Haddad, o ex-prefeito da capital, seja o candidato do PT a enfrentar Rodrigo Garcia, que foi eleito pelo DEM, mas virou tucano. É este vice-governador que João Doria quer eleger governador. Face à polarização, Garcia terá mais chance que Haddad. São Paulo, capital, abriga os maiores núcleos antipetistas do país. A conferir. 14. Ezequiel no RN O presidente da Assembleia Legislativa do RN, Ezequiel Ferreira de Souza (PSDB), está articulando uma ampla frente para derrotar a atual governadora, Fátima Bezerra. Ele tem condições, mesmo considerando que a máquina governamental que administra é uma forte alavanca da governadora. Mas a máquina legislativa é também poderosa. 15. Disputa ferrenha O deputado José Dias (PSDB) explica: "A primeira etapa é a definição da candidatura a senador. Quanto a isso, não há decisão alguma. Mas, o meu desejo e a minha expectativa é de que Rogério Marinho e Fábio Faria entrem em entendimento e decidam essa questão até o final dessa semana, pois não temos muito tempo. Essa conversa é apenas entre os dois ministros e as lideranças do governo do presidente Jair Bolsonaro. Nós não temos a menor interferência nesse diálogo. Acreditamos que o melhor nome da oposição para o governo é o de Ezequiel, que conta com o apoio político de, pelo menos, 18 deputados estaduais e 130 prefeitos espalhados pelo Estado". Fátima lidera a intenção de votos. Se Lula estiver bem folgado nas pesquisas, será difícil remover a governadora. O carro se atolou-se Nesses tempos de chuvarada, fecho a coluna com atoleiro. Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica, como conta Ivanildo Sampaio, ex-diretor de redação do Jornal do Commercio, de Pernambuco, e meu contemporâneo na faculdade. Um dia, dois eleitores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de se expressar era falar que "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica: - Escutem aqui. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os da frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"...
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Porandubas nº 746

Começo a coluna pinçando historinhas do ex-governador de MG, o folclórico Newton Cardoso. Pasteurizar Preocupado com as notícias de que o leite estava contaminado, Newton pegou um pastel e começou a mexer dentro da xícara. Um assessor perguntou: - "Por que você está fazendo isso?" Respondeu: - "Para pasteurizar o leite." Porquinos Newton no palanque: "Minas sempre se preocupou mais com a criação de bovinos e equinos. Agora, eu vou cuidar também da criação de porquinos". Uso o M Newton, numa entrevista: "Precisamos acabar com a fila do IMPS." O assessor cochicha: - "Não é IMPS, é INPS." - "Nada disso. Desde lá de Brumado que eu aprendi que antes de P se usa M." Raposa e leão "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos." Conselho de Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las." Breve leitura Fevereiro começa com a temperatura eleitoral um pouco mais elevada. A corrida eleitoral ganha volume, os protagonistas se movimentam, o eleitorado começa a tomar pé nas ondas que se formam nos Estados, onde os partidos focam nas composições e alas. Na linha de frente da política, o ator Luiz Inácio continua a ter o maior desempenho no palco, recebendo a maior atenção midiática. O arco de Lula É evidente que seu favoritismo chama a atenção dos próceres da política, eis que a ideia que os move é a conquista do poder, custe o que custar. O Centrão não tem tanta certeza de que perfilará ao lado de Jair Bolsonaro até o fim da corrida. Agirá sob os impulsos do pragmatismo, o que abre grandes dúvidas em seus líderes. Isso significa a alternativa de poder se bandear para o lado vencedor, lá mais adiante. Haverá, claro, a correia partidária que segurará os indecisos, mas sempre aparecerá uma saidinha à brasileira, que é a de piscar um olho para a direita, outro para a esquerda. Lula se aproveita dessa tendência para fechar um arco de alianças com os centristas. A nova carta aos brasileiros Esta é a nova carta de Lula aos brasileiros: alianças aqui e acolá, diluindo o vinagre petista, que parte considerável do eleitorado se recusa a provar. Com o aceno ao centro e à direita, Lula espera quebrar as barreiras que ainda restam como oposição ao petismo. As massas não estão preocupadas com ideologia, indo ao encontro do perfil que restaure para elas a esperança. Mas os setores médios, integrados por fortes correntes de profissionais liberais, pequenos e médios proprietários, setores da intelligentzia, núcleos da educação e da mídia, executivos da iniciativa privada, entre outros, ainda exibem rejeição ao lulopetismo. O Busílis O problema do PT ainda se concentra no território da confiabilidade. Escrevo há tempos sobre o refrão: primeiro, eu, segundo eu, terceiro, eu. Assim raciocina o PT. Tornou-se uma religião fechada. Quem não é petista, é inimigo que merece o fogo do inferno. Os outros é que roubam, praticam ilegalidades. Por quatro décadas, temos visto este manto sagrado cobrindo o PT. Como confiar no fato de que não mais prega a luta rancorosa de classes, a velha clivagem ideológica, a defesa intransigente do regime cubano, o elogio à "democracia" venezuelana? Para efeito eleitoral, o PT é mutante. Porém, e depois? Lula se esforça para retocar as paredes do petismo. Conservadorismo radical Já o contraponto é o presidente Jair Bolsonaro, que deseja ressuscitar a polarização de 2018. Sim, teremos uma campanha muito polarizada, em alguns aspectos até mais contundente que a de 2018. É a alternativa que sobra a Bolsonaro: ele e o outro, o outro, representando a maldade e ele, representando o dragão montado no cavalo de São Jorge. Radicalizar, para ele, significa ganhar visibilidade, apresentar-se como o guerreiro que luta contra o comunismo, combate a ciência e defende obscurantismo. O paradoxo Eis o paradoxo de nossos tempos: nunca a ciência avançou tanto no campo das descobertas das vacinas, nunca os laboratórios se dedicaram com tanto afinco às pesquisas científicas. Nunca os conhecimentos foram tão repartidos pelos habitantes do planeta. A Sociedade da Informação nos acolhe. No entanto, mesmo vivenciando esse Novo Iluminismo, propagam-se a mentira, as falsas versões, as inverdades, a desinformação. A ignorância se alastra formando camadas de estupidez aqui e alhures. Populistas se aproveitam da incerteza das massas para jogar iscas e atrair os incautos. Esse é o paradoxo desse novo mundo que se descortina. A construção da racionalidade Tempo de eleição é tempo de emoção. O engajamento de um eleitor se dá, inicialmente, pelo coração. O eleitor descobre em seu candidato preferido elementos que os torna próximos, designados pela psicologia como identificação e projeção. Os candidatos escolhidos são aqueles que mais se identificam com as demandas dos eleitores, aqueles que são os mais aptos a suprir as carências dos conjuntos sociais. Esse processo tem muito a ver com emoção. Mas também há uma dose de racionalidade, que serve para efeito de comparação entre perfis e decisão de voto. A construção da racionalidade emerge, não com tanto ímpeto, mas começa a brotar nas searas sociais. A terceira via Diante dessa moldura, pode ocorrer uma decisão coletiva que tenha como foco uma via que se afaste do único corredor do pleito. Essa via dependerá das circunstâncias, entre elas, o esgotamento dos palanques radicais, a exaustão de discursos polarizados, a fragilidade da economia, menos dinheiro no bolso das massas, a estética da miséria aumentando seus pontos de visibilidade. Miséria A moldura da miséria se apresenta na paisagem destroçada que se torna mais nítida nesses tempos de pandemia e chuvas torrenciais que matam famílias e destroem seu habitat. A pandemia continua subindo ao teto, com a variante ômicron massificando a contaminação. Mas o cidadão já não tem tanto medo como na primeira onda da variante delta. Já a paisagem de desolação e destruição por causa das chuvas é a estética que toma conta dos meios de comunicação. O problema será jogado no colo dos governantes, que mostram suas caras nos espaços destruídos, mas não foram capazes de implantar programas de prevenção. A economia Já a economia aparece com dados que sinalizam soerguimento, recuperação. As contas públicas reagem com um saldo positivo de mais de R$ 64 bilhões. Os dados do PIB tendem a subir um pouco. O emprego começa a reagir, quadro mostrado pelo aumento no número de carteiras de trabalho assinadas. O tal auxílio Brasil acalma os ânimos das populações mais carentes. Ou seja, a economia se mostra reagindo bem às intempéries. Segundo turno Esse é o desenho que anima Bolsonaro e suas bases. Daí sua confiança em entrar no segundo turno. Lula sabe que se for para uma segunda rodada, com a economia em recuperação, será difícil levar a melhor. As pesquisas, hoje, o apresentam como favorito. Hoje, repito. Tendências eleitorais são como nuvens. Mostram figuras diferentes de minuto a minuto. Mas este analista acredita que se um novo figurante entrar em um segundo turno, com ele estarão as chances de vitória. Fecho a coluna com uma observação sobre o marketing de campanha. Marketing não ganha campanha Marketing não ganha campanha. Quem ganha campanha é o candidato. Marketing ajuda um candidato a ganhar a campanha, ao procurar maximizar seus pontos fortes e atenuar seus pontos fracos. O profissional de marketing é importante, na medida em que funciona como um estrategista a definir linhas de ação, orientando a escolha do discurso, ajustando a linguagem, definindo padrões de qualidade técnica, sugerindo iniciativas e ponderando sobre o programa do candidato, os compromissos e ações a serem empreendidas. Esse figurante precisa, sobretudo, ser um profissional com visão sistêmica abarcando todos os eixos do marketing. Que não entenda uma campanha apenas como apelo publicitário, proposta de programa televisivo. Que seja capaz de visualizar os novos nichos de interesse de uma sociedade exigente, crítica e sensível aos mandos e desmandos. O protagonismo capenga Não adianta um bom marketing se o candidato é um boneco sem alma. Candidato não é sabonete. Tem vida, sentimentos, emoção, tristeza e alegria. Muita coisa depende dele, de sua alma, de seu fervor, de suas crenças, enfim, de sua identidade. Protagonistas da política não são produtos de gôndolas de supermercado. As inserções publicitárias na mídia até podem exibir um candidato de forma genérica, por falta de tempo para expor conteúdo. Mas o eleitor não se conformará com meros apelos emotivos e chavões antigos, como aqueles que embalam perfis saturados - candidatos beijando crianças e apertando a mão de pessoas, tomadas em câmera lenta mostrando o candidato no meio do povo.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Porandubas nº 745

Abro Porandubas com o espetacular Ariano Suassuna, o famoso autor de Auto da Compadecida e grandes aulas sobre o conhecimento humano. Antes, um parêntesis. Este escriba tem o maior respeito por suas leitoras e leitores. A historinha de hoje não sinaliza desrespeito, tão somente um exemplo dos "causos" hilários protagonizados por Ariano, que incluo na categoria tão celebrada por Vergílio na Eneida: "poetis et pictoribus omnia licet" ("Aos poetas e pintores, tudo é permitido"). Dito isto, vamos à historinha. O escritor pernambucano Ariano Suassuna (1927-2014) estava terminando a aula quando certo estudante, tatuado, jeitão de hippie, óculos redondos, bolsa com franjas e chinelo de couro, faz a pergunta respondida de pronto: - O senhor não acha que o rock é um som universal? - Meu filho, som universal só conheço três: arroto, espirro e peido. A estrela do bolsonarismo Olavo de Carvalho, a estrela que brilha nas mentes bolsonaristas, desaparece aos 74 anos de idade. Era um descrente da Covid e das vacinas. Perdeu para o vírus, que deve ter se aproveitado do conjunto de comorbidades do guru. Foi embora do Brasil por descrédito na política e esperançoso de que, longe, poderia fazer "uma igreja" com seus crentes. Nunca polemizei com o "filósofo", que massacrava todos aqueles de quem discordava. Certa vez Certa vez, deparei-me com um artigo de Olavo disparando flechadas contra esse escriba. Não entendi a razão. Fiz, ao longo de minhas análises políticas, severas críticas ao lulismo. Nunca li na cartilha de Lula. Mas sempre reconheci seu valor e sua persistência na política. Olavo foi duro, considerando-me um lulista. Risos. Leu errado. Era de sua índole questionar tudo e todos. Não respondi. Morreu sem minha resposta. Descanse em paz. E agora? Pergunto-me: e agora, o que poderá ocorrer com a leva de crentes que liam nas páginas do guru? Continuar a desacreditar na Covid? Dizer que morreu de causas naturais? E os fiéis ex-ministros Abraham Weintraub, da Educação, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores? Aliás, o que fará Weintraub? Candidato a que? Deputado Federal por São Paulo, talvez esta seja sua melhor opção. Viabilidade Só para lembrar os fatores que explicam a viabilidade de um governo, segundo Carlos Matus, ideólogo chileno: a) a viabilidade política; b) a viabilidade econômica; c) a viabilidade cognitiva e d) a viabilidade organizativa. Bolsonaro acertou os ponteiros da viabilidade política, com o apoio do Centrão. Está perdido na questão da organização de seu governo, com ministros o desajudando. Está carente na viabilidade econômica, com o PIB sendo rebaixado pelo FMI. E quanto à viabilidade cognitiva, também fica a dever, com a montanha de dúvidas que persistem e obscurecem a identidade do governo. Afinal, o que quer e para onde pretende levar o país? O que espera Bolsonaro? Afinal de contas, quais os trunfos que se escondem na cabeça do Bolsonaro? O programa Auxílio Brasil? Recuperação da economia? Capacidade de Carlos Bolsonaro fazer milagres nas redes sociais? Ora, o filho Eduardo, o deputado Federal, está sendo isolado da campanha por seu radicalismo? Em política, tudo é possível. Mas, mesmo como reconhece a Bíblia, será difícil passar um elefante no buraco de uma agulha. Lula E Luiz Inácio, hein? Da esquerda do "vira a mesa", dos velhos tempos da luta de classes, Lula agora vira um perfil que quer atrair os integrantes do centro e até da direita. E até, tu, Geraldo Brutus? O que te impressionou a ponto de apagar tudo que disseste de Lula e fazer de conta que ambos são amigos desde os tempos dos primeiros passos? O que a política não faz, hein? Matreirice Lula transformou-se em renomada raposa da política. Matreiro como jamais foi. Uma espécie de José Maria Alkmin dos tempos de outrora. Conhecem esta? O milagre de Fátima José Maria Alkmin, a raposa mineira, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A Alfândega quis saber o que era. - Água milagrosa de Fátima. - Mas tudo isso? - Lá em Minas o pessoal acredita muito nos milagres da água de Fátima. Não dá para quem quer. - O senhor pode desenrolar? - Pois não, meu filho. - Mas, deputado, isso é uísque. - Ué, não é que já se deu o milagre? Pico da contaminação O pico da contaminação está à vista. Teremos novamente a avassaladora onda de contaminação que persistiu por ocasião da variante Delta no ano passado. Espera-se que tudo volte ao normal? Sonho. O desespero está nos estabelecimentos hospitalares, onde faltam insumos e mão de obra para enfrentar a onda da Ômicron. Quem entrou em hospital ou conversa com profissionais da saúde sabe o tamanho da encrenca. Tasso e Simone Tasso Jereissati está sendo procurado por Lula para papear sobre sua adesão ao candidato petista. Esse analista não acredita que Tasso embarque nessa. E Simone Tebet, Tasso? Quem sabe ela não dá um salto? Quem sabe, cai a ficha de milhões de brasileiros que desejam aposentar o radicalismo? Fui amigo de Ramez Tebet. Um dos perfis mais dignos que este escriba conheceu em sua vida profissional de comunicação política. Simone é uma política de respeito. Já provou ser uma grande administradora. Foi prefeita de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, onde deixou um rastro forte de sucesso. E se o bicho for longe... E se o vírus Ômicron não sair da paisagem e continuar no pano de fundo da campanha eleitoral? A radicalização tende a se intensificar. A conferir. Federações As federações partidárias constituem uma solução para clarear a política. Partidos com um mesmo tronco identitário tendem a se unir, ficando mais fácil ao eleitor compreender os espaços do arco ideológico, direita, centro-direita, centro, centro-esquerda, esquerda. Os partidos se comprometem a passar quatro anos juntos. Distribuição correspondente aos espaços midiáticos e recursos partidários. Se um quiser sair, as federações precisam contar com pelo menos três protagonistas. A política mais clara permitirá escolher por conteúdos e programas ideológicos. SP e MG Olhem o que pode acontecer com Minas Gerais, que é uma síntese do Brasil, uma banda virada para o Nordeste, outra banda virada para o Sudeste. E o carro-chefe da Federação, São Paulo? O interiorzão Este analista costuma conversar com eleitores do fundão do país, em sua maioria, eleitores fanáticos de Bolsonaro, que não se cansam de conclamar: "aqui, Lula já era. Bozo ganha de lavada". Podem até acertar suas previsões. Mas nos centros médios e avançados, o voto em Bolsonaro se esvai, diminui, seca a olhos vistos. A não que ser que nossos olhos não consigam mais enxergar bem. Estou há 40 anos olhando para a paisagem. Fecho a coluna com a fama dos políticos. Ninguém tem provas Numa festa, a dona de casa recebe um político famoso. - Muito prazer! - diz ele. - O prazer é meu! Saiba que já ouvi muito falar do senhor! - É possível, minha senhora, mas ninguém tem provas!
quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Porandubas nº 744

Abro a coluna com uma historinha do querido Rio Grande do Norte. Estar com Deus não ofende Noé, conta Sebastião Nery, era uma figura folclórica do Rio Grande do Norte. Tinha o hábito de cortejar todos os governos. No levante comunista de 1935, quando o deputado pela Bahia e secretário-Geral do PC, Giocondo Dias, tomou o poder ocupando o Palácio Potengi, enquanto Dinarte Mariz marchava de Caicó para Natal subindo a Serra do Doutor, a multidão enfurecida invadiu o jornal A República, de propriedade do governo. Na sala da direção, encontram Noé. Agarram-no pela gravata: - Com quem você está? - Estou com Deus. Isso ofende? Não ofendia. Salvou-se. Panorama Vamos aos nossos pequenos retratos. Pandemia e democracia O que aconteceu com as democracias sob a teia sombria da pandemia? Perderam força. Os governos, particularmente os dirigidos por perfis autoritários, reforçaram seus espaços de mando e poder. Agregaram forças. Passaram a ter voz mais ativa nos territórios, ganharam visibilidade, arregimentaram apoios. No caso do Brasil, defendendo o negacionismo, indo contra a ciência e desfechando tiros contra a vacina, o presidente da República, ao contrário de muitos dirigentes, nada em maré baixa. P.S. Extinguiu muitas instituições e órgãos de controle. A participação social no processo decisório encolheu. Agitando as bases Bolsonaro aposta na hipótese de que, apesar dos pesares, ele é a principal fortaleza de defesa do país contra as ameaças do "comunismo", sistema que costuma jogar no colo de Luiz Inácio. Por isso, seu principal objetivo é animar as bases de simpatizantes e alas radicais, esperando que elas lhe dêem os votos para entrar no segundo turno. Espera repetir 2018, quando encarnou o papel de São Jorge empunhando a espada contra o dragão da maldade. 20 a 25 pontos Se obtiver entre 20 e 25 pontos, terá condições de entrar no turno seguinte da campanha. O nome da terceira via mais provável no momento é o do juiz Sergio Moro, que ainda não empolga os segmentos do meio da pirâmide. As classes médias tendem a ser o pêndulo do pleito. Para onde se inclinarem, definirão o favorito do pleito. Ainda não fecharam por completo suas preferências. São Paulo O Estado de São Paulo abriga cerca de 40 milhões de pessoas. Unidade mais populosa da Nação, o Estado será centro de uma batalha contundente. É mais populoso do que 178 países, colocando-se abaixo de apenas 29 em termos de habitantes. Na América do Sul, somente a Colômbia abriga um número maior de pessoas que São Paulo. Abriga 35 milhões de eleitores, sendo o maior colégio eleitoral brasileiro. A capital de São Paulo representa também o maior município em número de eleitores, com cerca de nove milhões do total. O Triângulo das Bermudas Costumo lembrar que o Triângulo das Bermudas será o decisor da campanha. Constituído por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. MG possui cerca de 16 milhões de eleitores, concentrando quase 11% do eleitorado do país, que, neste ano, deve ultrapassar 150 milhões de pessoas. Terceiro maior colégio eleitoral do país, o estado do Rio de Janeiro tem mais de 12 milhões de eleitores, mais de um terço na capital fluminense, com cerca de cinco milhões. Os maiores polos Em SP, MG e RJ estão os maiores grupos de pressão e opinião: os maiores conglomerados empresariais; as mais fortes organizações não governamentais; os maiores contingentes das classes médias; os maiores grupos de profissionais liberais; os maiores núcleos estudantis; enfim, os maiores polos de poder social. Passam, portanto, por aqui os clamores e gritos que embasam o discurso nacional. As estatísticas Dito isto, resta aduzir com outras estatísticas: a região Sudeste é a maior em número de eleitores, com cerca de 65 milhões de eleitores, 43% dos aptos a votar. Em seguida vem a região Nordeste, onde há mais de 40 milhões de eleitores ou 27,01% do total. O Sul conta com 14,47% dos eleitores, contabilizando 22 milhões brasileiros. A região Norte tem 12 milhões, ou 7,91% de votantes. A região Centro-Oeste concentra o menor número de eleitores: 10.943.887, ou 7,27% do total. Há 509.988 (0,33%) brasileiros aptos a votar no exterior. A maioria do eleitorado brasileiro é formada por mulheres, que representam 52,49% do total, somando 77.649.569 eleitores. Os homens totalizam 70.228.457 eleitores, correspondendo a 47,48% do total. O discurso tatibitate Infelizmente, no ano eleitoral seremos vítimas do blá blá blá das campanhas. Do tipo: - o Brasil tem jeito, basta saber governar. - Fulano de tal é o "pai dos pobres". - Sicrano é o patrono dos trabalhadores. - Beltrano é o benfeitor da saúde. - Hora de reconstruir o país. - Vamos combater a corrupção. - Nossas crianças precisam de melhor educação. - Vamos baratear a comida no prato. - Com fulano de tal, éramos felizes e não sabíamos. É o chamado discurso tatibitate O discurso substantivo O contraponto será o discurso substantivo, que abrigará densidade, argumentos, propostas concretas e como serão aplicadas. Algo como: - O salário-mínimo será reajustado um pouco acima dos índices da inflação. - Um projeto para o país, contemplando as prioridades e demandas regionais. Com coordenação centralizada e operação descentralizada. -Transparência, melhoria dos serviços públicos (qualificar e quantificar metas). - Algo como criação de centrais de abastecimento em todas as regiões para suprir demandas nas áreas de: - alimentos - remédios/equipamentos de saúde - educação - livros didáticos Enfim, setores que sejam altas prioridades. Densidade e explicação das formas de operação. O Brasil na retomada A pandemia continua acusando índices alarmantes. A Ômicron, a nova variante do Coronavírus, pode ser menos mortal, mas a propagação é maior que o primeiro ciclo da Delta. A indicar que as filas de contaminados são e serão imensas. No meio dessa tempestade, o Brasil parece sair do caos e começar a movimentar suas estruturas, escancarando as portas da normalidade. Para onde se olha, veem-se traços e paisagens cheias de gente e de ações. A retomada das atividades produtivas é fato. Superação A sensação é de que o pior já passou. Os incautos, que relaxam condutas de prevenção, enchem planilhas de dados e hospitalizações. Mas as conversas e as rotinas cotidianas atestam que o brasileiro passa a confiar na superação de tempos sombrios. Muitos reiniciam a volta ao labor sob a crença de que as coisas não serão como antes. Algo se insere nos passos profissionais e pessoais. Lula e Alckmin Parte do PT é contra o nome de Geraldo Alckmin como vice o na chapa de Lula. Rui Falcão, ex-presidente da sigla, em entrevista à Folha, segunda, foi duro: Lula não precisa de muleta eleitoral. E Alckmin, segundo uma ala do petismo, representa tudo que o petismo rejeita. A essa altura, o ex-governador de SP fica com a imagem borrada. Se Lula impuser o nome, vai encontrar resistências. Ou seja, nesse início de jornada eleitoral, contenda e acusações não ajudam a alavancar nomes. Alckmin fica numa sinuca de bico. Os tiros contra o ex-governador surgem a cada instante. A volta Se Lula ganhar a disputa, veremos uma luta engalfinhada de petistas para voltar ao Planalto Central. Os quadros da velha guarda contra os novos perfis. O Brasil do Eterno Retorno. Mantega, Mercadante, Rui Falcão, para onde serão deslocados? E para onde iria a ex-presidente Dilma Rousseff? 18 Estados O PT terá candidatos próprios em 18 Estados. Domina o ranking de candidaturas. Pode fazer a maioria e grande bancada de deputados. PSL e PT Serão os dois partidos com os maiores cofres de campanha. Com o fundão eleitoral turbinado, os partidos terão um total de R$ 5,96 bilhões nas eleições. O valor corresponde à soma de R$ 4,9 bilhões para campanhas eleitorais com R$ 1,06 bilhão para o Fundo Partidário. PSL e PT, que têm as maiores bancadas, levarão 10,14% e 9,97% do total cada, respectivamente. Os evangélicos O PT se esforça para pescar o apoio dos evangélicos, que nunca foram tão disputados. As chances Quais as chances dos pré-candidatos hoje (repito, hoje) de entrarem no segundo turno? Mais uma vez, a resposta é complexa. Vai depender das circunstâncias e do Senhor Imponderável. Hoje, medidas em números de 0 a 10, o palpite sugere essa pontuação: - Lula, 9 - Bolsonaro, 6 - Sergio Moro, 4 - João Doria, 3 - Luiz Mandetta (?), 1 - Simone Tebet, 1 - Ciro Gomes, 2 - Rodrigo Pacheco(?), 1 Terceira via Eleitorado vai fechar posição na última hora. E a terceira via só dará as caras lá para maio/junho. A depender da polarização. E mais: a terceira via só tem possibilidades se o Senhor Imponderável nos visitar e afastar do páreo um dos dois principais corredores: Lula ou Bolsonaro. O fato é que este Senhor faz visitas ao Brasil sem aviso prévio. O Imponderável O clima eleitoral pode ser afetado pela visita do Senhor Imponderável. Na forma de: - uma denúncia bombástica - um escândalo nos bastidores do governo - uma renúncia no meio da campanha - eventos extremados que puxem o povo para as ruas/ um acidente/incidente de proporções calamitosas - caos, com desorganização da economia e furos no cobertor de proteção social Mais ação, menos discurso O eleitor quer mais ação e menos discurso.
quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Porandubas nº 743

Ante essa temporada de chuvas, que fazem cair pedaços de cânion, como o que se viu em Capitólio, nas Minas Gerais, cai bem essa historinha contada por Zé Abelha em seu livro A Mineirice. Lei da Gravidade A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. E a lei da gravidez, essa, nem se fala. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água lá embaixo e a cidade, lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões e, sinceramente, achava o problema de difícil solução a curto prazo, conforme desejavam: - Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo? - O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade. - Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição para perseguir o PSD. O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche: "Ah, ah, ah! O governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal". E está encerrada a sessão. Tragédias anunciadas O ciclo de chuvas é, em nossas plagas, um tempo de dor e desespero. A chuvarada traz deslizamentos de morros e encostas, inundações, desabrigo de famílias, mortes. Tem sido assim ao longo dos anos. Os sistemas preventivos, quando existem, são descontrolados. E nem se pode dizer, nesses casos, que o Senhor Imponderável acaba de nos fazer mais uma visita. A crônica anunciando tragédias é uma velha senhora conhecida. Carimbo da irresponsabilidade A cada estação do ano, o Brasil ganha um carimbo. As intempéries de um ciclo de chuvas, crateras, devastação e mortes, típicos do início do ano na região Sudeste, cedem lugar à descontração, por ocasião do período carnavalesco, na cabal demonstração de que o slogan pátrio nunca foi ordem e progresso, mas o eterno recomeço que a ampulheta do tempo, vira e mexe, impõe como o nosso conceito de devir. O Brasil não leva jeito. Assistimos em pleno ciclo de chuvas, o definhamento de milhares de famílias por falta de alimento adequado. A devastação A mãe natureza, porém, não tem culpa. A obra de devastação a cargo do homem, em sua incessante obstinação para apressar o fim do planeta, é a principal responsável por catástrofes. Os homens públicos deveriam ir ao paredão da vergonha por não construírem barreiras preventivas nos espaços que administram. Deixando-se levar por um obreirismo que confere visibilidade e votos, incrementam o Custo Brasil, quando se esforçam para apagar rastros de antecessores e motivar comparações que os favoreçam. Eterno recomeço Inexiste coordenação para ajustar as demandas do federalismo cooperativo. Um governo eficaz tem aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Deveria usar a técnica da "decalagem" (avanço), a capacidade do atirador, que calculando a distância e a trajetória do alvo móvel, acerta-o em cheio, disparando um pouco à frente do ponto escolhido. Mas a ausência de planejamento se faz ver em toda a parte. Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. Um eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço. Jesus, Jesus E na hora do aperto, resta clamar aos céus. A lancha que abrigava 10 turistas tinha o nome de Jesus. Os incréus parecem dizer: "viu como temos razão"? Esse escriba cristão só pode replicar: eles não sabem o que dizem. Coincidências A vida abriga um continuum de coincidências. O desmoronamento de um bloco de rochas nas águas de Capitólio, cidade turística de Minas Gerais, ocorre no aniversário de um ano no capitólio dos EUA, em Washington, por trumpistas, os fanáticos de Donald Trump. Para relembrar: centenas de apoiadores de Trump irromperam pelas portas e janelas do Congresso Nacional, em 6 de janeiro de 2021, que certificava a vitória presidencial do democrata Joe Biden. Presos Mais de 725 pessoas foram presas e indiciadas por crimes como invasão e destruição de propriedade pública e lesão corporal a policiais. Cerca de 70 já foram julgadas e 31 delas - entre as quais Jacob Chansley, que ficou conhecido mundialmente pelos adornos de chifre que usava enquanto desfilava pelas salas congressuais - cumprem pena em cadeias pelo país. Acenos à esquerda? A gangorra mostra seu movimento, o sobe e desce, o desce e sobe. Na América Latina, acenos à esquerda são os sinais últimos. O Chile é o mais novo país latino-americano a ter um governo de esquerda. O deputado Gabriel Boric Font, do partido de esquerda Convergência Social (CS), derrotou o conservador José Antonio Kast, da Frente Social Cristã, no segundo turno da eleição presidencial. Aos 35 anos e com uma trajetória de sete anos como deputado Federal, Boric terá como missão governar o país entre 2022 e 2026. Terá de negociar com um Congresso fragmentado e manter aliados do centro para fazer avançar seu programa de governo. Favoritos O ciclo eleitoral da América Latina, que começou em 2020, exibe a volta ao poder partidos de esquerda. Nas últimas semanas de 2021, Chile e Honduras elegeram presidentes esquerdistas para substituir líderes conservadores. Este ano, três eleições apresentam favoritos à esquerda: Brasil, Colômbia e Costa Rica. Os novos líderes esquerdistas enfrentarão restrições econômicas e oposição legislativa, que podem frear suas ambições, além de terem de lidar com eleitores inquietos e dispostos a punir quem não cumprir as promessas de campanha. Vitórias serão balizadas por raiva contra governos em final de mandato, e não foram resultado de uma adesão a ideias socialistas. O almirante O presidente da ANVISA, almirante Antônio Barra Torres, deu um xeque que imobilizou o rei faceiro no tabuleiro: uma resposta dura contra as insinuações de Bolsonaro sobre "interesses de tarados por vacinas", uma acusação contra diretores da Agência, que decidiu vacinar crianças de 5 a 11 anos. Deixou o capitão no tamanho de sua identidade. Colocou o presidente na esfera da difamação e do ultraje. Defendeu os subordinados, desafiando Bolsonaro: prove o que disse. Barra Torres, indemissível, tem mandato até 2025. Estado laico As igrejas pentecostais estão atuando forte na frente política. E formam barreiras contra a ciência, propagando o negacionismo. O pastor Silas Malafaia é uma fonte de desinformação. Igrejas evangélicas adentram a esfera do Estado, em clara intromissão inconstitucional. Um post de Malafaia atribuiu à vacinação de crianças "um infanticídio". O Twitter o removeu. A atitude da plataforma ocorreu após usuários levarem a hashtag "DerrubaMalafaia" para o primeiro lugar entre os assuntos mais comentados na rede. Dizia a mensagem: "Vacinar crianças é um verdadeiro infanticídio". A ANVISA concluiu, após análise de estudos, a vacina é segura também para esse público. No barbeiro Conversa ouvida no cabeleireiro entre três pessoas: - Ora, só tomei uma vacina e estou com medo. - Não me vacinei; essa vacina tem alguns metais, a pessoa acaba morrendo do coração três anos depois de tomar a danada. - Eu só tomei uma e foi por insistência de minha mulher. Confio mais na palavra de Bolsonaro, que até hoje não se vacinou. Estupidez A ignorância é a mãe da estupidez. O velho-novo Lula Luis Inácio não se contém. Ensaia uma visita ao centro do arco ideológico, namora com Geraldo Alckmin, com a intenção de puxar o voto de parte da direita, mas o velho Lula palanqueiro fala mais alto: quer derrubar a reforma trabalhista, aprovada no Governo Temer, e, com isso, mostra sua intenção de fazer valer a cartilha petista, que prega uma modelagem inspirada no passado da luta de classes. Dialoga com os espanhóis sobre a contrarreforma que estão fazendo no território do trabalho. Lula promete rever, também, as privatizações. Abre uma discussão nos partidos que abraçariam sua candidatura, entre os quais o MDB e o PSD. Lula, o favorito, começa a queimar as margens do conforto em que, hoje, se abriga. Uma carta assinada por petistas de alto coturno pede que Lula não aceite Alckmin como vice em sua chapa. Haddad Fernando Haddad começa a viver seu recomeço. Tem chances de se eleger governador de São Paulo. Se o PT levar a melhor no páreo paulista, implantará as estacas em chão profundo e fará do Estado mais forte da Federação uma fortaleza para resgatar a velha identidade petista, rota e despedaçada. Até onde irá Bolsonaro? A continuar sua rede de impropérios, devaneios e acusações sem fundamento, o estoque de adesistas e simpatizantes do capitão tende a se esvaziar. Deu a louca no capitão. Nem os generais conseguem conter seu ímpeto. Moro e seus namoros O ex-juiz Sergio Moro mostra apetite político. Corre o Brasil à cata de apoios e ideias. Esteve até com o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. A pauta foi substantiva: reforma do Judiciário. Foi ao Nordeste e correrá em outras regiões. Vai se fixando como um pré-candidato forte. Poderia haver acordo com João Doria? Difícil. O governador paulista é um perfil com muita determinação. Este analista acredita que ele irá até o fim. Fecho a coluna com as alavancas do discurso político. Há alguns símbolos detonadores e indutores do entusiasmo das massas em, pelo menos, quatro categorias. Ei-las: 1. Alavancas de adesão - Discurso voltado para fazer com que a população aceite os programas, associando-se a valores considerados bons. Nesse caso, o candidato precisa demonstrar a relação custo-benefício da proposta ou da promessa. 2. Alavancas de rejeição - Discurso voltado para o combate à coisas ruins (administrações passadas, por exemplo). Aqui, o candidato passa a combater as mazelas de seus adversários, os pontos fracos das administrações, utilizando, para tanto, as denúncias dos meios de comunicação que funcionam como elemento de comprovação do discurso. 3. Alavancas de autoridade - Abordagem em que o candidato usa a voz da experiência, do conhecimento, da autoridade, para procurar convencer. Sob essa abordagem, entram em questão os valores inerentes à personalidade do ator, suas qualidades pessoais. Quando se trata de figura de alta respeitabilidade, o discurso consegue muita eficácia. 4. Alavancas de conformização - Abordagem orientada para ganhar as massas e que usa, basicamente, os símbolos da unidade, do ideal coletivo, do apelo à solidariedade. É quando o político apela para o sentimento de integração das massas, a solidariedade grupal, o companheirismo, as demandas sociais homogêneas.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Porandubas nº 742

Bom Brasil novo para as leitoras e os leitores. Quem não se lembra do seu Lunga, hein? Pois iniciemos com as tacadas do sábio cearense. Tá com defeito? Seu Lunga leva o aparelho eletrônico para a manutenção. O técnico pergunta: - Tá com defeito? - Não, é que ele estava cansado de ficar em casa e eu o trouxe para passear. Na próxima Cai um toró em Juazeiro do Norte. Seu Lunga não se incomoda e se prepara para sair de casa. A mulher pergunta: - Vai sair nessa chuva? - Não, vou sair na próxima. Panorama Abro a primeira coluna do ano com otimismo. Fé. Que não costuma "faiá", como canta Gil. Depois de tanta tormenta, precisamos nos encontrar com a bonança. Os próximos tempos serão bons para aqueles que conseguem juntar forças para subir a montanha. "Somente aqueles que se arriscam a ir longe, sabem até onde podem chegar", já alertava T.S. Eliot. Viveremos momentos tensos e intensos. O ano promete emoções. É um ano eleitoral. É claro que ainda veremos baixarias, mentiras e disse-que-disse. O país clama por temperança e bom senso. Polarização Conviveremos, infelizmente, com esse modelo de fazer política na arena do tiroteio. Aliás, a polarização tende a ser mais forte, aqui e alhures. Trata-se de um fenômeno-gangorra, que sobe e desce, ao correr dos sopapos de alas engajadas com seus candidatos. Aqui, um deles correrá o páreo pela extrema direita do campo, outro pela esquerda, indo até as margens centrais, enquanto um grupo maior tentará puxar o anzol para ver se alcançam os peixes no centro do lago. Hoje, poucos acreditam que algum candidato do centro viabilize a chamada terceira via. Ainda ponho fé. Lembro: este Senhor chamado de O Imponderável costuma nos visitar. O desgaste O copo está transbordando. O excesso de baixeza e vitupério começa a saturar a paciência de tantos quantos divisam dias melhores para o país. Pela lógica, o azedume que nutre os grupos adversários moveria o eleitorado na direção de perfis identificados com o discurso adequado. Mas a política, a velha política, feita na base de chumbo grosso, continua a dar suas cartas no jogo. Se até abril/maio não houver sinalização do bom senso, poderemos dar o jogo quase vencido por um dos dois protagonistas principais. Mas...volto a citar aquele Senhor. O Imponderável Que olha o Brasil com muita sede. Quem? Lula, hoje, é o preferido. Ganharia bem. Repito: hoje. Há, porém, uma escaramuça entre os núcleos petistas sobre o discurso a ser desenvolvido por Luis Inácio. Um discurso de esquerda, identificado pela cor vermelha do petismo, ou um discurso mais centrado na união de todos, na luta por um programa compartilhado que funcione como polo agregador. Uma ala, que tem perfis históricos do petismo, como José Genoíno, quer Lula na defesa da bandeira socialista, outra, defende o nome de Geraldo Alckmin como vice na chapa do líder petista. Que Lula o Brasil quer? Que outro poderia ameaçar suas chances? Foco no conteúdo Seja qual for o discurso, acertarão os protagonistas que elegerem como foco o conteúdo: o que dizer, qual a proposta para o país nos mais diversos campos, e exprimir esse ideário com clareza, objetividade, concisão. Promessas mirabolantes deverão passar ao largo dos ouvidos. Não descerão ao sistema cognitivo dos eleitores, a não ser a cognição da corte de bajuladores e fiéis simpatizantes. Os radicais. Essa tendência de caprichar no ideário ganha espaço no planeta. Não se trata de uma situação restrita ao nosso cotidiano. A conferir. O populismo A linha populista é, para alguns pré-candidatos, a cereja do bolo. Acham que dourando a pílula, com dribles discursivos, conseguirão atrair as massas. Pois bem, até o programa Auxílio Brasil, o anzol com que Jair Bolsonaro tentará pescar o eleitorado nordestino, poderá não puxar eleitores como nos tempos de ontem. Tudo está em mudança. Quem recebe auxílio até se acostumou e muitos retribuirão o doce recebido com o voto. Mas o eleitor, inclusive o da base da pirâmide social, está mais atento. E, como já frisei antes, cansado de tanta maquiagem. A campanha A campanha não será um reflexo do que vimos em 2018. Nenhum ser humano consegue atravessar o rio no mesmo lugar, achando que repete os passos e a direção. As águas são outras. E as circunstâncias, idem. O Brasil é um arquipélago de crises. A seca que rebaixa o nível dos reservatórios inunda e deixa centenas de famílias ao desabrigo. As perdas são incontáveis. A crise econômica puxa o crescimento para baixo, nas margens do zero. A campanha abarcará todas essas crises. Afora, a insatisfação de categorias do serviço público Federal, que ameaçam com uma corrente de greves e operações-padrão, rolo compressor sobre o Executivo. Emoção Os atores do palco político tentarão puxar o discurso eleitoral para o lado do coração. Teremos uma campanha mais emotiva do que racional. Sinal dos tempos. Mas podemos acreditar que se a racionalidade anda a passos de tartaruga e a emoção corre como lebre, o fato é que o meio da base está aumentando. Devagar, sim, mas se movimenta. E isso importa. A facada Portanto, a lembrança da facada continuará a azeitar o menu discursivo de Bolsonaro, enquanto seu adversário procurará puxar o discurso do pão sobre a mesa, que, em seu governo, alargou os horizontes da base da pirâmide. Mas será retrucado com a moldura suja, que abriga o mensalão e o petrolão. A conferir. A flurona Influenza e Ômicron (gripe e covid), juntas, ganham o nome de flurona. Segundo os especialistas, será a onda que se alastrará pelo território. Mas a mortalidade tem diminuído. A vacinação se expande. O negacionismo é chutado para escanteio. O Executivo perde mais uma frente de batalha, a vacinação de crianças, que tem o endosso da sociedade. A arte da política Atenção, candidatos. A política é a arte do possível. E nunca um político deve marchar com uma única alternativa. Vale, aqui, a lição de Napoleão: "faire son thème em deux façons" ("fazer as coisas de dois modos"). Ou, ainda, o conselho do general Sherman, usando a fraseologia texana para o mesmo conceito: "pôr o inimigo nos cornos de um dilema". (P.S. William Tecumseh Sherman foi general no Exército da União durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos.). Significa que a estratégia militar pode dispersar as forças do adversário e lhe quebrar o moral, produzir incapacidade de ação e falta de motivação; antecipar e prever o modo de conseguir o resultado favorável no confronto; e impedir movimentos subsequentes do adversário. A flexibilidade Na política, a decisão leva em conta os partidos e suas forças, a natureza dos cargos, a possibilidade de alianças, o clima do meio ambiente, as circunstâncias de uma campanha eleitoral etc. Um candidato a presidente da República, por exemplo, há de trabalhar com diversas alternativas, e não apenas com a posição isolada de colar à candidatura exclusivamente em seu partido, exprimir um único discurso e escolher uma única estratégia de campanha. Flexibilidade, essa é a chave. O micropoder "Em geopolítica, pequenos atores - países menores ou entidades não estatais - ganharam novas oportunidades de vetar, interferir, redirecionar e causar entraves graves aos esforços conjuntos de grandes potências." "Esses novos atores representam a ascensão de um novo tipo de poder - vamos chamá-lo de micropoder - que antes tinha pouca chance de sucesso". (Ideias do sociólogo francês Roger-Gérard Scwartzenberg). Naim Moisés Naim, que escreveu O Fim do Poder, faz esta observação: "O debilitamento das barreiras que defendem os poderosos está abrindo as portas a novos atores, os micropoderes, cujo poder não é mais o poder massivo, esmagador e com frequência coercitivo das organizações, mas sim o poder de vetar, contrapor, combater e limitar a margem de manobra dos grandes atores." Saúde para todos em 2022.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Porandubas nº 741

Abro a última coluna do ano com duas historinhas. José Maria Alkmin, um dos maiores sábios mineiros, nunca perdia a tirada. O eleitor chegou aflito: - Doutor Alkmin, meu filho nasceu, eu estava desprevenido, não tenho dinheiro para pagar o hospital. A matreira raposa tascou: - Meu caro, se você que sabe há nove meses, estava desprevenido, calcule eu que soube agora. Armado de admiração Tenório Cavalcanti, udenista e adversário político de Vargas, foi ao Catete numa comissão de deputados. Andava nas manchetes dos jornais por causa de suas estripulias em Caxias, na base da "Lourdinha" (metralhadora) e da capa preta. Getúlio o cumprimentou, olhou bem para o volume do revólver embaixo do braço esquerdo, sob o paletó: - Deputado, o senhor está armado? Tenório ficou vermelho, mas não perdeu o bote: - Armado de admiração por Vossa Excelência. Esta coluna tentará fazer uma rápida leitura de 2021 sob o olhar de quem ainda acredita que o amanhã será melhor do que o hoje. Boa leitura. Critérios O primeiro desafio que se apresenta a quem pretende fazer um balanço do ano é tentar responder à pergunta: que critérios usar nessa análise? Não sei. Vou usar apenas os eixos que se apresentarem no momento da escrita. "Pensar sem corrimão", como ensinava Hannah Arendt. De maneira instintiva. Dessa forma, começo pelo usual: o ano foi ruim para milhões de pessoas, inclusive este que aqui está, e também valeu para outros milhões (em menor número), o que significa, foi positivo para muitos, inclusive eu. Explicarei. Um sentimento de perda No nosso interior, espraia-se um sentimento de perda. Algo foi embora. Fugiu. Escorregou de nossas vidas. Pequenas tochas de depressão, ondas de tristeza, um recolhimento forçado pelas circunstâncias. Um coração que deixou de bater no ritmo. Saiu de sua órbita. Uma perda civilizatória. Uma defasagem sem possibilidade de resgatar a parte da vida que se foi. Passos atrás Milhões estagnaram, perderam empregos e negócios, ou até deram passos para trás, nas ondas da pandemia, do fechar de portas, da limitação de atividades profissionais, exigência que se fez como estratégia para conter o novo vírus. Vidas em atraso. Vidas saindo de um território de certo equilíbrio - até porque sabíamos jogar o jogo do mercado - para adentrar em um espaço nebuloso ou em um terreno pantanoso. Sob essa ótica, houve uma parada na roda civilizatória. Uma sensação de patinação no gelo, porém sem sair do mesmo lugar. Efeitos Os efeitos apareceram em diversas direções. Para as crianças e os jovens, um refluxo grave em suas vidas, eis que o vácuo educacional ultrapassou o tamanho da idade lançando-os no fim da fila civilizatória. Será complicado retomar o tempo perdido, mesmo para aqueles que contam com ferramentas tecnológicas para enfrentar os efeitos. Para os profissionais, de modo geral, criou-se um tumulto inicial, com perda parcial da visão central e até a visão lateral. "O que fazer e como?" Para os servidores da saúde, uma intensa mobilização tomou conta de suas tarefas. Uma curva fora do ponto no planeta. Um ano perdido Dividem-se as visões nesse final de ano. Perdeu-se o ano? A velha lei de Lavoisier é tirada da gaveta: na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. E assim estamos combinados. Uns aceitam mais a lei, outros, menos. O fato é que nossas vidas mudaram. Quem disser, a minha vida não mudou, está tergiversando, forma de driblar a verdade. E agora, com a iminência de uma nova onda (quarta, quinta?) da pandemia, com a variante ômicron, a ideia de que o planeta está tumultuando os passos rotineiros de seus habitantes emerge com força. Quem perdeu? Alguns atores na passarela mundial perderam: aqueles que vaticinaram (isso mesmo, não confundir com vacinaram) contra as vacinas, incluindo o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o brasileiro Jair Bolsonaro e outros com jeitinho de ditador. Perderam os grupos fanáticos, os torcedores da pandemia, aqueles que desacreditam nos postulados da ciência, os incréus, os doidivanas, os malucos, os que usam o sabão dos sistemas autoritários para limpar sua pele e sujar a dos outros. Quem ganhou Ganharam com a pandemia as farmacêuticas, que enchem seus cofres, os cientistas - infectologistas, epidemiologistas, estudiosos do fenômeno -, os profissionais da saúde, principalmente os grupos de vanguarda e da retaguarda que enfrentam o coronavírus 19, as autoridades governamentais que autorizam(ram) medidas de combate à pandemia, organizações planetárias de enfrentamento à doença, como a OMS, líderes e entidades da sociedade civil. O mundo dividido O mundo se dividiu. Países tomaram medidas restritivas, recuaram e agora voltam a reativá-las, outros demoraram a fazer o que tinham de fazer, enquanto os países pobres estão ameaçados de conviver com a mortandade por muito tempo. Olhando o território devastado no norte da África, do alto de um morro, o comandante do Afrika Korps, na II Guerra Mundial, o general Erwin von Rommel, não se conteve: "os pobres nunca deveriam fazer guerras". Hoje, vemos os africanos sendo submetidos à guerra contra a pobreza, sem condições de conter o avanço da pandemia. Os ricos continuam se refestelando. No Brasil, perde e ganha Perdem no Brasil com a guerra contra a pandemia: - o governo Bolsonaro, comandado pelo capitão presidente. Com destaque para os maiores perdedores: - o próprio presidente - o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello - o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga - os políticos, de modo geral, fazendo-se ressalva para os representantes das oposições - os governantes de alguns Estados que relaxaram nas providências a serem tomadas; - os grupos simpáticos aos detratores da ciência Ganham na esteira da pandemia - os membros da CPI da covid-19 - os políticos de oposição, principalmente aqueles que ganharam destaque no palanque da visibilidade - os porta-vozes da luta contra a pandemia, especialistas, consultores, comunicadores e intérpretes na mídia - os governantes que lideraram o processo de vacinação em massa - os servidores da saúde, com destaque para os grupos de combate à pandemia - as classes médias, conscientes, com destaque para os profissionais liberais - a categoria artística, que expressou forte opinião em defesa da ciência - a Anvisa e seus quadros, a partir de seu presidente Lula e Alckmin Não se mata uma identidade da noite para o dia. Identidade, do latim, idem, igual, semelhante. A identidade de um protagonista da política é igual à soma de sua história, com discurso, ações realizadas, maneira de pensar, maneira de dizer, maneira de ser. A identidade de Lula inclui toda o seu tempo de sindicalista, vida no PT e frases que pronunciou. A identidade de Geraldo Alckmin também agrega todos os minutos de sua trajetória. Vemos essas duas identidades, hoje, querendo apagar suas histórias ou mudar de feição. Falso. Água e óleo. Não se misturam. O tempo dirá ou desdirá esse axioma. Apesar de... Há uma regra na política: fazer possível o impossível. Se esta for a hipótese dominante, podemos aduzir: anjos e demônios sabem conviver na política, cada qual procurando ocultar para o outro as veredas de seu passado e de seu inferno... No mais... Tomo emprestado de Nietzsche a lição do seu profeta em "Assim Falou Zaratustra", desejando a todos formas novas de caminhar em 2022: "Novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga. Como todos os criadores, cansei-me das velhas línguas. Não quer o meu espírito caminhar com solas gastas."
quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Porandubas nº 740

Abro a coluna com um "causo" contado por Geraldo Alckmin. "Me ajude, governador, me ajude" Geraldo Alckmin é um colecionador de "causos". Todas as vezes em que encontra este consultor, saca logo a pergunta: "E as Porandubas?". O ex-governador de São Paulo não é apenas um leitor assíduo da coluna como um de seus colaboradores. "Causos" engraçados saíram da verve de Alckmin. Leiam este: Um prefeito de São Paulo (omite-se o nome para evitar constrangimento) chega ao governador, e, sem mais delongas, expressa sua desolação: - Governador, pelo amor de Deus, me ajude, me ajude, me socorra! Estou perdido! - Por quê tanta aflição, prefeito, afinal você está apenas no meio do mandato. Há dois anos, ainda, pela frente. O prefeito, cochichando no ouvido do governador, em tom de confessionário, conta o motivo do desespero: - Governador, eu exagerei. Prometi demais, governador. Muito mais do que podia cumprir. E hoje, estou apertado por todos os lados. Não tenho condição de pleitear um novo mandato. Me ajude, governador, me socorra! Alckmin abriu os braços, balançou a cabeça em sinal de dúvida, mas não teve coragem para dizer: "quem pariu Mateus que o embale". Preferiu abrir uma boa gargalhada. (Prefeitos, cuidado com os exageros). Natal Saúde, saúde, saúde, saúde. Saúde. É o que este consultor deseja a todo o universo de leitoras e leitores. Paz e Bem. Impunidade Os trabalhos da CPI da Covid foram encerrados há quase dois meses. O relatório aprovado foi encaminhado às autoridades, principalmente à Procuradoria Geral da República, a quem caberia seguir adiante com os inquéritos sobre os nomes envolvidos. Mas o que se vê é a procrastinação das medidas, uma espécie de cobertor de amortecimento. Como havíamos previsto, a impunidade acabará vencendo. Que adiantam as leis? A Sólon, o legislador grego, foi perguntado se as leis que outorgara aos atenienses eram as melhores. Respondeu: "Dei-lhes as melhores que eles podiam suportar". É o caso de indagar: e no Brasil? Os nossos legisladores dirão que as leis até são boas, mas difíceis de aplicar. Generaliza-se a sensação de que o país navega nas ondas da impunidade. Sanguessugas e trânsfugas de todas as espécies, flagrados com a mão na massa, continuam leves e soltos, a confirmar a tese de que o Brasil é, por excelência, o território da desobediência explícita. Nada mais surpreende. Passarela do crime Não é de assustar se parcela significativa da população começar a aplaudir a bandidagem da quadra de baixo contra a turma que faz zoeira no andar de cima. Afinal de contas, a passarela da criminalidade nas ruas e o desfile de impunidade nas antecâmaras do Poder assumem dimensões grandiosas e formas escandalosas. Corruptos e facínoras, se condenados, ganham o mesmo status perante a lei. Não é de estranhar a anomia que toma conta do país. Herança imperial A impunidade vem de longe. Desde os idos da colônia e do Império, fomos afeitos ao regime de permissividade, apesar da rigidez dos códigos. Tomé de Souza, primeiro governador-Geral, chegou botando banca. Os crimes proliferavam. Avocou a si a imposição da lei, tirando o poder das capitanias. Um índio que assassinara um colono foi amarrado na boca de um canhão. Ordenou o tiro para tupinambás e colonos entrarem nos eixos. Mas em 1553 uma borracha foi passada na criminalidade, com exceção dos crimes de heresia, sodomia, traição e moeda falsa. Depois chegaram as Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), que vigoraram até 1830. Há ainda gente viva? De tão severas, a ponto de estabelecerem a pena de morte para a maioria das infrações, Frederico, o Grande, da Prússia, ao ler Livro das Ordenações 23, chegou a indagar: "Há ainda gente viva em Portugal?" Os castigos, porém, eram frequentemente perdoados. A regra era impor uma dialética do terror e do perdão para fazer do rei um homem justiceiro e bondoso. A esperança se extingue O velho Tomé de Souza não poderia alegar ao rei o motivo para não punir os criminosos: "Não os mandei enforcar porque tenho necessidade de gente que não me custe dinheiro". Coitado, morreria de susto ao saber que o custo da violência no Brasil é, hoje, de cerca de R$ 500 milhões por dia, no cálculo de especialistas. Fosse esse o único saldo negativo, o país poderia comemorar. Mas o custo emocional é impagável. Vejam-se as mais de 600 mil mortes da pandemia. Morremos um pouco a cada dia. A esperança se extingue, a fé se enterra, o sonho se esvai no espaço das amarguras cotidianas. Só faltava essa Para lapidar a pedra bruta da imagem, basta o PCC mobilizar seus "exércitos nas ruas e forças de ocupação nos cárceres" em movimentos cívicos pela punição aos "criminosos do Parlamento". Não é de assustar se parcela significativa da população começar a aplaudir a bandidagem da quadra de baixo contra a turma que faz zoeira no andar de cima. Afinal de contas, a passarela da criminalidade nas ruas e o desfile de impunidade nas antecâmaras do Poder assumem dimensões grandiosas e formas escandalosas. O poder invisível Sob esse tecido costurado com os fios da ilegalidade nasce o poder invisível, cancro das democracias contemporâneas. No nosso meio, protegido pelo manto protetor da impunidade, o poder invisível sai do esconderijo e sobe à superfície. Os latinos diziam que a impunidade estimula a delinquência (impunitas peccandi illecebra). Bobbio lembrava: entre as promessas feitas pela democracia, uma é esta: a fragilidade no combate ao poder invisível. Castas, grupelhos, núcleos se formam nos intestinos do poder e passam a sugar as tetas do Estado, formando a aliança da tecnoburocracia: políticos, funcionários (burocracia) e círculos de negócios. A reeleição Outro cancro é a reeleição, que deveria ser um passaporte para os bons administradores voltarem à gestão pública. Tornou-se um passaporte para o território da lambança administrativa. FHC, que patrocinou a reeleição, hoje reconhece seus efeitos danosos. Os novos tempos sugerem um fim ao processo corrompido que leva à reeleição. Também poderíamos ter o recall legislativo, que permitiria que a população eleitoral decidisse, em meio ao mandato, suspender as atividades de quem não cumpre as promessas eleitorais. Como nos EUA. Racionalidade O fato é que corrupção, ilegalidade, impunidade, farra com o dinheiro público formam o pacote que atormenta a sociedade. A água está transbordando do copo. Pelo que se infere, o voto, a cada pleito, sobe do coração para a cabeça. Desse modo, importa acreditar na racionalidade, que implicará em eleição dos melhores e mais compromissados com as demandas sociais. Quando veremos isso? Já começamos a perceber que uma razoável parcela das casas congressuais é composta de quadros sérios e chegados à mudança de costumes. Rejeição Leitoras e leitores: atentem para o índice de rejeição de alguns pré-candidatos à presidência da República. O Datafolha aponta os campeões de rejeição: Jair Bolsonaro, com 59%, e Luís Inácio, com 38%. Eles poderão baixar esses altos índices? Sim, mas estarão engolfados pelas circunstâncias. E quem aposta em um céu de brigadeiro no próximo ano? Juros altos, inflação crescente, pandemia não controlada por completo. Haverá dinheiro no bolso das margens? O auxílio Brasil conseguirá aliviar o azedume social em 2022? O Ártico O planeta está esquentando muito. Quem já viu o filme Duna vai compreender. Um calorzão de 60ºC. O ártico chegou ao novo recorde: 38ºC. É o que alerta a ONU. Estamos vendo o planeta morrer aos poucos. Por aqui, com a aprovação legal à caça de animais, poderemos inferir que nossas florestas deverão antecipar a vida no inferno.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Porandubas nº 739

Abro com "causo" narrado pelo mestre Leonardo Mota. Quem entra no "Hotel Roma" de Alagoinhas, na Bahia, vai com os olhos a uma tabuleta agressiva em que peremptoriamente se adverte: Pagamento adiantado, hóspedes sem bagagens e conferencistas Já em Pernambuco, o proprietário do hotelzinho de Timbaúba é, com carradas de razão, um espírito prevenido contra conferencistas que correm terras. Notei que se tornou carrancudo comigo quando lhe disseram que eu era conferencista, a pior nação de gente que ele contava em meio à sua freguesia. Supunha o hoteleiro de Timbaúba que eu fosse doutor de doença ou doutor de questão. Por falar em Timbaúba, há ali um sobrado, em cuja parte térrea funciona uma loja de modas, liricamente denominada "A Noiva". O andar superior foi adaptado para residência de uma família. Eu não sabia de nada disso quando tendo indagado do Major Ulpiano Ventura onde residia o dr. Agrício Silva, juiz de Direito da comarca, recebi esta informação chocante: - O doutô Agriço? O doutô Agriço está morando em riba d' "A Noiva"... Paradinha no "animus animandi" Parlamentares voltando para seus Estados, famílias se preparando para o Natal, movimentos mais intensos nas ruas e corredores de vendas, como a 25 de março, em São Paulo, evangélicos em euforia com a entrada de André Mendonça, "terrivelmente evangélico" no STF, pandemia com a variante Delta em declínio e a variante ômicron em expansão, bolsa sentindo uma imensa queda no último mês, CVM abrindo inquérito contra Bolsonaro para averiguar informação "vazada" de diminuição do preço dos combustíveis e a descrença geral de que isso não resultará em nada. O "animus animandi" da sociedade está em refluxo. Recuo até do STF A ministra Rosa Weber, que havia paralisado a execução/liberação de recursos do Orçamento secreto, em despacho manda a ação prosseguir sob o alerta de que, mais adiante, quer ver os nomes dos autores das emendas (????), e tudo fica como d'antes no quartel D'Abrantes. O fato é que o corpo parlamentar acha que o Supremo está "jurisdicionando" muito a pauta política. Para o bem-estar da Nação e harmonia natalina, por enquanto fica tudo como está. Glossolalia Falar muitas línguas sob transe religioso é um fenômeno chamado glossolalia, explicado pela psiquiatria e estudos da linguagem. Trata-se de situações de fervor religioso, em que a pessoa crê expressar-se em uma língua desconhecida, por ela atribuída à origem divina. Foi o que teria ocorrido com a primeira-dama Michele Bolsonaro, quando viu que seu amigo André Mendonça havia sido aprovado pelo plenário do Senado para ingressar na Corte Suprema. Não entrarei no mérito desta questão. Em assuntos de religião e futebol, prefiro estender a eles a máxima latina: poetis et pictoribus, omnia licet. Ou seja, aos poetas e pintores, tudo é permitido. E aos profundamente crentes, também. Endurô lenim lenam aiê A glossolalia, por mais que os crentes a entendam como a língua dos anjos, contém uma dose de coisa engraçada. Se eu estivesse por perto de alguém que falasse de maneira tatibitate, confesso que abriria o sorriso, quem sabe, uma gargalhada. No início dos anos 70, o cartão de Natal da PROAL, nossa empresa de jornalismo empresarial, que chegou a fazer 40 jornais e revistas, continha uma mensagem que pesquei em algum manual sobre cultura africana: endurô lenim lenam aiê - que, na língua de algumas tribos da África, significava: "abram as porteiras que vou entrar com tudo". Embaixo: "nesse ano que se inicia, a Proal quer ajudar sua empresa a abrir as porteiras da comunicação". Um desenho de um africano fumando um cachimbo arrematava a mensagem. Um sucesso. O cartão marcou uma era. Até hoje, gargalho com essa frase, que mais parece coisa de glossolalia. Decalagem Nesses tempos de termos estranhos, lembro outro: decalagem, isso mesmo. Não confundir com decolagem. Significa a distância entre o cano da arma do caçador e a ave. O caçador, medindo a distância, atira um pouco mais para cima ou para baixo, levando em consideração a força do vento e o tempo que o tiro leva até o alvo. Pois bem, os atuais pré-candidatos, visando ao alvo de outubro de 2022, estão atirando sem calcular a decalagem. Falam de coisas que não deviam falar, miram o alvo errado, atiram a torto e a direito, desperdiçando munição. Quem pode ser parceiro de outro? Quando começar a correr o Brasil? Quem são os alvos preferenciais nesse momento? Vazamento O vazamento de autoria do presidente, ao anunciar que nos próximos dias, a Petrobras iria baixar o preço dos combustíveis, mereceu uma resposta da petrolífera fazendo um desmentido e a abertura de um inquérito pela Comissão de Valores Mobiliários, CVM. Anotem: coisa pra inglês ver. Dará em nada. E Bolsonaro, se quisermos um comentário do senador Flávio Bolsonaro, deve ter reagido às providências tomadas com uma sonora gargalhada: rah, rah, rah...! PL no RJ Pois é, por falar no senador Flávio Bolsonaro, o presidente do Valdemar da Costa Neto, do PL, teve de aceitar a exigência: quem vai mandar no partido, no RJ, é o senador. E assim, devagar, mas sob constante pressão, a família Bolsonaro espera controlar o partido criado pelo deputado Álvaro Vale, de saudosa memória. O canto dos escravos hebreus, música que ancorava os programas eleitorais do PL, deve ser substituído por um "samba do crioulo doido". O triplex Prescreveu a ação do triplex do Guarujá. Dessa, o ex-presidente Luis Inácio tomou distância. Manifestação da Procuradoria da República no Distrito Federal ocorre após STF ter considerado o ex-juiz Sergio Moro suspeito no caso e anular condenação de Lula. Reforma Tributária A PEC 110 está morta? Sobreviverá? A economia brasileira estará salva ou não? O Brasil continuará com seu manicômio judiciário? O ex-deputado Luiz Carlos Hauly já fez mais de 420 palestras sobre o tema. É persistente. Merece o Prêmio da Persistência de 2021. Mega-Sena Vem aí a mega-sena. Resultado em 31 de dezembro. R$ 350.000.000. Sonho de milhões de brasileiros. Gente de fé. Quem ganhar sozinho vai passar o resto da vida num hospício. Antes, dia 22, será sorteado o prêmio El Gordo, na loteria de Natal na Espanha. Prêmio de R$ 15 bilhões. Com direito a ataque fulminante ao ganhador exclusivo. Felizmente, o prêmio terá muitos ganhadores. Com direito a comemorações menos traumáticas. Corrupção Continua livre e se expandindo o vírus da corrupção. PF investiga suposto superfaturamento de R$ 130 milhões em impressão de provas do Enem. Contratos foram firmados entre 2010 e 2019 com RR Donnelley e Valid. Investigação aponta enriquecimento ilícito de servidores do Inep. Nosso vocabulário político Nosso vocabulário político tem origem nos gregos - democracia, tirania, polícia, a própria política -, e nosso vocabulário cívico nos romanos - civilidade, cidadão, civilização. Roma se apresentava como exemplo de uma política conduzida por homens com funções que definiam o exercício do poder, que se repartia entre dois conceitos: potentia, significando poder físico, e potestas, direito legal, poder inerente ao cargo. A tais modalidades de poder se colocava outro conceito dos romanos para a política - auctoritas -, a união da política com a religião. O poder Estou concluindo meu 13º livro - Política, Poder e Retórica - Da Antiguidade aos Nossos Dias. Sobre Poder, resgato o pensamento de grandes filósofos e cientistas sociais, dentre eles, Thomas Hobbes, Baruch de Espinosa, Max Weber, Karl Marx, Friedrich Engels , Jean-Jacques Rousseau, Karl Deutsch, Friedrich Nietzsche , Immanuel Kant, Norberto Bobbio, Hannah Arendt, John Kenneth Galbraith, Elias Canetti e Amitai Etzioni. O poder nas organizações Etzioni, autor de Análise Comparativa de Organizações Complexas: Sobre o Poder, o Engajamento e Seus Correlatos, faço um destaque. Em minha tese de livre-docência defendida em 1983, na Universidade de São Paulo, tomei como base sua abordagem sobre os três poderes utilizados pelas organizações complexas para legitimar suas políticas junto à comunidade trabalhadora: o poder remunerativo - a capacidade de cooptar a base funcional por meio da remuneração; o poder coercitivo - condição usada pela organização para demitir aqueles que não se engajam no trabalho, e; o poder normativo - usado para o cumprimento da ordem imposta pela norma. Adicionei a este triângulo de poder uma quarta vertente: O poder expressivo. O poder expressivo A comunicação é poder expressivo. Se poder é a capacidade de uma pessoa em influenciar uma outra, esta aceita as razões da primeira pela força da argumentação. Do uso da retórica. A comunicação desenvolve, pois, uma relação de poder. Nas organizações, a comunicação é usada de diversas formas. Desenvolve-se, de um lado, um conjunto de comunicações técnicas, instrumentais, burocráticas, normativas. Em paralelo, ocorrem situações de comunicação emotiva, centrada nas capacidades das fontes, em suas habilidades, comportamentos e posturas. A "comunicação humanizada" propicia empatia, concordância, engajamento, participação.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Porandubas nº 738

Abro com uma historinha dos quatro "freis". "Quatro freis" Historinha em homenagem ao Frei Damião, sob as bênçãos de quem os nordestinos viveram parte de sua história. E lá vinha o carro desembestado pelas estradas poeirentas, entre Patos e Cajazeiras, na Paraíba. Dentro, dois frades: Frei Fernando e Frei Damião, cuja expressão religiosa é tão enaltecida quanto a do "padim" Ciço (Padre Cícero Romão Batista). O guarda do posto divisou, de longe, aquele automóvel em louca disparada. E foi logo fechando a cancela do posto. O motorista teve de se conformar com a freada brusca. O guarda foi duro: - Esse carro disimbestado não tem frei? Expliquemos que a fonética na região é essa mesmo: disimbestado e frei (em vez de freio). Resposta lacônica na ponta da língua: - Tem, sim, seu guarda. Tem logo quatro: frei de pé, frei de mão, Frei Fernando e Frei Damião. Surpreso e curioso, o guarda olhou e viu os "freis". Pediu a bênção ao Frei Damião, pediu desculpas, liberou o carro e abriu a cancela. As águas vão rolando Dezembro se abre sob o signo de reversão de expectativas. O comércio não ganhou o que esperava no Black Friday. Muito menos. O Natal se apresenta acanhado. Sem os signos, os papais Noéis, sem as árvores e cores vermelhas que marcam o evento. A avenida Paulista está escura à noite. Tudo parece triste. Claro, veem-se bares cheios e ouvem-se barulhos. Mas o sentimento é de pasmaceira. Dolência. A política tensa O Congresso Nacional desafia o STF e continua a esconder os nomes dos parlamentares com emendas no Orçamento Secreto. O ambiente não respira ares de normalidade. Uma PEC mudando a antiga PEC da bengala, aprovada anos antes, agora reduzindo a idade de aposentadoria para 70 anos, ameaça acirrar os ânimos. A ministra Rosa Weber é o alvo. Moro dá o tom Quem deu um tom mais elevado na orquestração política foi o ex-juiz Sergio Moro, lançado candidato pelo Podemos. Fez um discurso plural. Agitou a cena. Já larga com 12 pontos. Pode recortar a banda da direita que apoia Bolsonaro, principalmente os arrependidos. E abriu conversa com as Forças Armadas. O general Hamilton Mourão, o vice de Bolsonaro, recebeu o aviso do próprio: arrume um paraquedas auxiliar. Santos Cruz O general Santos Cruz é ligeiro no gatilho. Dissera, semana atrás, a este consultor: "voto em Moro. Saúde". Ora, uma porta aberta para fazer ponte com as Forças Armadas. Cruz é respeitado e Mourão já presidiu o Clube dos Militares. Mourão está tecendo o seu paraquedas. Pode vir a ser candidato pelo Podemos a senador pelo RJ ou DF. O general tem se comportado com muita destreza no campo da articulação. Santos Cruz e Mourão são respeitados. A chuva de pré-candidatos Começou a chover forte na seara dos pré-candidatos. Vejam: Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes, João Doria, Luiz Henrique Mandetta, Rodrigo Pacheco, Sergio Moro, Alessandro Vieira, Simone Tebet, Luiz Felipe D'Ávila e André Jonanes. Claro, alguns querem apenas visibilidade para articular e ganhar espaço e força na parceria. Haverá um afunilamento. Pacheco e Tebet Dois nomes podem crescer com maior visibilidade. Rodrigo Pacheco, candidato do PSD de Kassab e presidente do Senado. Moderado, fluente, não usa linguagem tatibitate. E Simone Tebet, filha do ex-senador Ramez Tebet, querido amigo falecido. Simone teve bom desempenho na CPI da Covid-19, fala bem e tem o apelo simbólico da mulher. É papo furado dizer que mulher não vota em mulher. Os tempos são outros. O voto está subindo do coração para a cabeça. Doria e sua meta João Doria ganhou as prévias do PSDB, mas terá de unir as bandas divididas do partido. Não será fácil. João dá a ideia de um trator que passa por cima de quem não se alinhar com ele. É um governante determinado. E voluntarioso. O PSDB vive uma crise ideológica que vem lá de trás. Perdeu sua identidade nos corredores lamacentos da pasteurização política. Eduardo Leite O governador do RS, Eduardo Leite, teve um bom desempenho nas entrevistas que deu durante as prévias do PSDB. Surpreendeu pela fluência e ponderação. Ruy Ohtake Esta coluna presta suas homenagens a um dos maiores arquitetos do Brasil: Ruy Ohtake. São-paulino de coração, como este escriba, tem marca registrada e conhecida aqui e alhures: Hotel Unique e complexo de Cultura em Barueri, entre outros. Filho da artista plástica Tomie Ohtake e irmão do também arquiteto Ricardo, Ruy nasceu em São Paulo, em 27 de janeiro de 1938, e cursou arquitetura na FAU-USP. Formando-se em 1960, teve seu trabalho reconhecido com inúmeros prêmios, como o Colar de Ouro do Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB (2007). Amor próprio Um maltrapilho dos arredores de Madrid pedia esmolas com grande dignidade. Um transeunte lhe disse: "Não tem vergonha de exercer essa infame atividade quando pode trabalhar?" - "Senhor, respondeu o mendigo, peço-lhe esmola e não conselhos"; e tendo dito isto, deu-lhe as costas, com toda a empáfia castelhana. Era um mendigo orgulhoso esse; pouca coisa bastava para ferir sua vaidade. Por amor de si mesmo pedia esmola; e ainda por amor de si mesmo não permitia que lhe fizessem qualquer reprimenda. (Voltaire) Caindo de fome A manchete de um grande jornal, esta semana, causou comoção: pessoas na fila de postos de saúde desmaiam de fome. Um choque. A morte à espreita dos que têm fome. E tem gente dizendo que tudo está a mil maravilhas. A economia como locomotiva Este analista da política não se cansa de lembrar sua equação: BO+BA+CO+CA. Quem vai puxar o trem das eleições é bolso cheio, barriga satisfeita, coração agradecido e cabeça votando a favor de quem proporcionou o bem-estar. A recíproca é verdadeira. O PIB da Felicidade terá de subir muito para Bolsonaro ganhar. Paulo Guedes é a peça-chave. Suas ferramentas poderão abrir ou fechar as portas da reeleição. PL arrisca O PL de Valdemar da Costa Neto, o boy, é agora o PL de Bolsonaro. E de um montão de gente que vai se filiar ao partido. Um risco. A eleição de 2022 não será a mesma de 2018. E se as coisas derem para trás? Bolsonaro quer levar junto com ele os ministros Fábio Faria, Onyx Lorenzoni, Rogério Marinho, entre outros. E terá candidatos novos em alguns Estados. A política é uma nau sujeita a borrascas. A bonança nem sempre aparece no momento desejado. Fecho com uma historinha de Zé Abelha. As três pessoas No confessionário, Monsenhor era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: - As três pessoas são o senhor, o Dr. Didico e o Dr. Zé Augusto. (Historinha contada por José Abelha em A Mineirice).
quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Porandubas nº 737

Abro a coluna com uma fábula. Em 5 anos, tudo pode ocorrer Um poderoso sultão, sábio entre os sábios, possuía um camelo muito inteligente. Obedecia a todas as ordens que nem precisavam ser emitidas de viva voz. Faltava-lhe apenas o dom da palavra. Esse detalhe entristecia sobremaneira o sultão. Um dia, decidiu convocar o Grande Conselho e chamou o grão-vizir. - Quero que ensine meu camelo a falar! - Mas isso é impossível. - Cortem-lhe a cabeça! Tragam-me o adjunto! Mesma afirmação de desejo sultanesco, mesma resposta, mesma sentença. A cena repetiu-se diversas vezes e cabeças rolaram. Exasperado o sultão declarou. - Aquele que ensinar meu camelo a falar será meu grão-vizir. Silêncio. O sultão repetiu a exortação. Eis que surgiu um humilde ajudante de cozinheiro. Disse: -Dá-me, ó incomparável senhor, um prazo de cinco anos, e farei falar teu camelo. Estupefação geral. Seguida do cumprimento da promessa. -Doravante, és meu grão-vizir ! Mas se falhares, sabes o que te espera. - Bem sei! Encantado, o jovem fez profunda reverência e saiu correndo para dar a boa notícia à esposa. - Infeliz, acabas de assinar tua condenação. - Não é bem assim, meu bem. Pedi cinco anos. Você sabe que muitas coisas poderão acontecer em cinco anos: morre o camelo, morre o sultão... (Fábula enviada por Alexandru Solomon) Maquiavel "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". E mais de Maquiavel. "Não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las." Panorama visto de cima De cima, a paisagem é mais densa. Dá para avistar a pirâmide social com suas pequenas e grandes turbulências, com suas classes médias em ritmo de volta às antigas atividades, as margens inquietas sem saber o que fazer nos próximos tempos, confusas ante os pacotes de auxílio, misturando uma profusão de promessas - vale gás, bolsa família em extinção, auxílio de R$ 400, cadastro único confuso, duração dos "presentes", etc. O topo passando ao largo da crise e sofrendo os abalos da bolsa e do bolso. Panorama visto de baixo De baixo, os detalhes surgem aos montes. Filas, desespero, vacinas em processamento de segunda dose e dose de reforço, Ministério da Saúde boicotando a vacina do Butantã, o governo sem rumo, Paulo Guedes sofismando para anunciar um crescimento do PIB brasileiro maior que o de outros países, Bolsonaro reafirmando suas convicções sobre a Amazônia úmida e "inqueimável", a pandemia voltando com força na Europa, lockdown na Áustria, um documento internacional colocando a democracia brasileira em declínio, medo em outros países, ameaça do carnaval ser esvaziado, uma queimada imensa na floresta dos tucanos, Arthur Lira confiante no seu Centrão, debandada à vista se Bolsonaro entrar no PL, atração de outros que teriam vontade de acompanhar o capitão etc., etc. A terceira via Os tucanos estão rachados. A banda de Doria, o governador de SP, espera que ele vença as tais prévias mal administradas. A banda de Leite, governador do RS, acha que houve sabotagem no processo de votação, e que ante a sua provável vitória, teria havido um curto circuito no sistema tecnológico de votação, a cargo de uma Fundação contratada para gerir a votação eletrônica. Artur Virgílio, ex-senador e ex-prefeito de Manaus, o terceiro pré-candidato, estaria pendendo a apoiar João Doria. Seja quem for o vencedor, o PSDB perde força e inviabiliza seu candidato com a roupa da alternativa para enfrentar Lula e Bolsonaro. Lula na Europa O périplo de Lula na Europa foi um sucesso. Foi recebido com pompa de chefe de Estado pelo presidente francês Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu, paparicado pela mídia, mas continuou a prestigiar o amigo Daniel Ortega, na Nicarágua, que está faz tempo no comando do país. Fez uma comparação: "se Ângela Merkel está há 16 anos no poder na Alemanha, por que Ortega não pode ter mais um mandato"? Esquece que a Alemanha é um país democrático, a Nicarágua é uma ditadura. Para completar a aberração comparativa, atribuiu ao "embargo americano" os problemas de Cuba. Sem esquecer de fazer loas ao amigo Maduro, da vizinha Venezuela. Será candidato? Este analista político continua a acreditar que lá para março ou abril de 2022, Lula declinará de sua candidatura em favor de um candidato de centro-esquerda. Geraldo Alckmin O ex-governador de São Paulo está só aguardando os resultados das prévias no PSDB para decidir sobre seu destino. Pode ser vice na chapa de Lula? Este escriba não acredita nesta hipótese. Mas, na política, tudo é possível. As portas do PSD parecem as mais apropriadas. Geraldo fará a hora. E espera acontecer. Garcia Rodrigo Garcia, o vice-governador de SP, candidato de João Doria ao governo de São Paulo, é jovem, mas não é jejuno na política. Saiu do DEM para entrar no PSDB. Larga, hoje, na trilha dos pré-candidatos com cerca de 5%. Mas tem muito para crescer. Aprendeu com Kassab. O estilo de João O governador de SP é considerado o maior patrocinador da vacinação em massa no Brasil. São Paulo bate recordes em muitas áreas. João é determinado, trabalha muito, controla o governo com mão de ferro, buscou investimentos, enfim, tem uma boa avaliação na percepção de gente de bom senso. E por quê sofre uma rejeição tão alta? Resposta: o estilo é o homem. João tem mania de perfeição. É certinho. Faz o que considera mais apropriado. Esse jeito gera certo desconforto. Dá impressão de muita ambição. Muita vontade de subir, subir, subir. E deixar amigos na estrada. Tucanos de alta plumagem vivem dizendo isso. Militares apreensivos A leitura nas entrelinhas de quem acompanha de dentro a política dá conta de que os militares começam a ficar preocupados com sua imagem. O profissionalismo que impregnava a imagem dos quadros ficou com os respingos do conceito de politização. Muitos permanecem na máquina administrativa, dando lugar às especulações. O bolsonarismo já não conta com solidariedade plena das FFAS. Serra deixando a política? O senador José Serra tirou uma licença do Senado para tratar da saúde. Trata-se de um dos melhores quadros da política brasileira. Muitos falam que estaria se afastando da lide política. Assumiu seu lugar um quadro de valor, o ex-deputado José Aníbal, um exímio analista da paisagem nacional. Saúde para os dois. A banalização de coisas ruins Vão soltar uma bomba de muitos quilotons na floresta amazônica como parte do programa de treinamento das Forças Armadas. Ah, é? Essa deslavada mentira não mexeria com os brios de milhões de brasileiros, que se acostumam à banalização de mentiras, versões estapafúrdias e ideias mirabolantes. A maldade se espalha destroçando as coisas belas e boas. A morte tornou-se banal. As queimadas tornaram-se banais. A violência, de tão corriqueira, não mais impacta nossos espíritos. Tempos sombrios. Tristes trópicos. O que fazer? Alavancas do discurso I Pincemos pequenas lições dos clássicos da política para balizar o discurso. Existem alguns símbolos detonadores e indutores do entusiasmo das massas em, pelo menos, quatro categorias. Eis as quatro alavancas psíquicas: 1. Alavancas de adesão - Discurso voltado para fazer com que a população aceite os programas, associando-se a valores considerados bons. Nesse caso, o protagonista precisa demonstrar a relação custo-benefício da proposta ou da promessa. 2. Alavancas de rejeição - Discurso voltado para o combate às coisas ruins (administrações passadas, exemplos de corrupção, por exemplo). Aqui, o orador passa a combater as maldades de outros, os pontos fracos das administrações, utilizando, para tanto, as denúncias dos meios de comunicação que funcionam como elemento de comprovação do discurso. Alavancas do discurso II 3. Alavancas de autoridade - Abordagem em que o candidato usa a voz da experiência, do conhecimento, da autoridade, para procurar convencer. Sob essa abordagem, entram em questão os valores inerentes à personalidade do ator, suas qualidades pessoais. Quando se trata de figura de alta respeitabilidade, o discurso consegue eficácia. 4. Alavancas de conformização - Abordagem orientada para ganhar as massas e que usa, basicamente, os símbolos da unidade, do ideal coletivo, do apelo à solidariedade. É quando o político apela para o sentimento de integração das massas, a solidariedade grupal, o companheirismo, as demandas sociais homogêneas. O discurso político Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político. Pois bem, o discurso político é uma composição entre a semântica e a estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. E vejam só: das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. O que não se diz, mas se vê tem muito maior importância. Portanto, senhoras e senhores que encenam peças em entrevistas, anotem esta informação. Fecho a coluna com mais Maquiavel. O tirano Maquiavel conta no Livro III dos Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social.
quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Porandubas nº 736

Abro a coluna com um "causo" no Ceará Que mundo doido.... É o diabo, o mundo endoidou, exclamava Maneco Faustino nas ruas de Limoeiro/CE. E completava: - Veja vosmicê: ta se vendo estrela a mei dia; já hai galinha com chifre; cangaceiro dá esmola pra fazer igreja; já apareceu bode que dá leite; chove no Ceará em agosto. Muié já se senta em cadeira de barbeiro. Pedro Malagueta confirmava: - Tá mesmo, cumpade, o mundo endoidou. Tenho três filha, duas casada e uma solteira: as duas casada nunca tiveram menino; agora a solteira todos os ano me dá um neto.. A banalidade da mentira No capítulo IV de Minha Luta, o livro de Hitler, lê-se a recomendação: a mensagem deve ser repetida muitas vezes de forma que se torne um refrão a ser compreendido pelo último dos participantes da massa. É assim que a mentira ganha foro de verdade e acaba sendo internalizada na mente das massas ignaras. Sobe os degraus de sistemas cognitivos de outros segmentos da pirâmide social. Lá vão três mentiras: a floresta amazônica tem sido preservada desde 1.500, quando o Brasil foi descoberto; as máscaras contra a pandemia fazem mal às crianças; o INEP tem agora a cara do governo. Dados reais Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que o desmatamento da floresta amazônica batem o recorde de todos os tempos; dados da ciência, corroborados pela Organização Mundial da Saúde, da esfera da ONU, esclarecem que isso não é verdade; o pedido de demissão coletiva de cerca de 30 técnicos do INEP, por discordarem da "má gestão" no Instituto, escancaram a desorganização do setor, a ponto de ameaçar as provas do ENEM. Três mentiras que têm sido acrescidas ao repertório de invencionices do presidente Jair. Que, agora, vai bater na pauta ultraconservadora, conselho do consultor norte-americano Steve Bannon, ex-conselheiro de Donald Trump. E daí? Qual será a repercussão dessas estrambóticas versões? A passagem do campo da mentira para o campo de fruição/satisfação das bases bolsonaristas. Como isso ocorre? Valho-me dos conceitos: O cidadão age de três maneiras em relação ao que ouve: nivela o discurso, colocando-o em um certo nível de compreensão; processa a interpretação, de acordo com o seu sistema de signos; e aguça o que lhe chama mais atenção. Exemplo: uma pessoa fala com outra, e esta o compreende porque a linguagem usada é conhecida por ambos; pelo processo de associação de ideias, o receptor nivela o discurso trazendo para o sistema de signos que domina. Aguçamento O processo de compreensão constitui, portanto, um sistema de interpretação, que se apoia no código comum de linguagem do emissor e do receptor. Se o receptor é atraído por alguma coisa (palavra, frase, ideia), acontece o seguinte fenômeno: sua atenção fica aguçada, porque foi despertada por algo que o tocou mais de perto. Aguçada a atenção, a mensagem é assimilada. Depois de assimilada, o receptor passa a comprar a ideia. Ao contrário, se não gostar, ocorrerá outro fenômeno: um ruído, um desvio ou o esquecimento da mensagem. Qual é o conselho que se pode dar para garantir a eficiência desse processo? Pontos originais Escolher os pontos mais importantes, os aspectos básicos que interessam ao(s) interlocutor(res). Escolher os pontos mais originais. Quando se escolhe um aspecto original, criativo e interessante, cria-se maior atenção. Uma dica: ser criativo sempre na apresentação de programas e ideias, repetir os aspectos fundamentais, porque a redundância é uma lei importante da comunicação. Quanto mais se repete, mais se grava a mensagem na mente do eleitor. A repetição incessante da mesma fórmula, acrescida de excitações luminosas, recursos de computação gráfica e sons obsedantes, acaba criando um estado de fadiga mental que subordina aquele a quem se destina. Outros recursos são usados. Emoção As pessoas tendem a acreditar em coisas que gostariam de ver realizadas, mesmo que os argumentos usados não sejam bem fundamentados. Basta serem apoiadas em emoção. É o recurso utilizado geralmente por advogados para convencer os jurados: "senhores jurados, não esqueçam que essa mulher batalhou, lutou arduamente, para exercer o direito de ser mãe". Quantas vezes as pessoas são levadas a decidir em função de falsos argumentos ou silogismos do tipo: "nenhum gato tem oito caudas; e cada gato tem uma cauda a mais que nenhum gato. Logo, cada gato tem nove caudas". Mistificação psíquica A mensagem de caráter propagandístico vale-se frequentemente desse tipo de recurso, o que, convenhamos, é uma enganação psíquica. Sob uma emoção profunda, uma pessoa atingida por uma palavra imperativa, uma ordem, que "se torna irresistível, graças à irradiação em todo o córtex da inibição por ela causada", atesta Tchakhotine. Esses mecanismos psíquicos afetam principalmente os mais ignorantes, que se curvam facilmente às sugestões. Daí podemos aduzir como as massas se dobram ao discurso político. Impacto da economia Esses mecanismos são influenciados pelo painel exterior, do qual sobressai o mais importante, o fator econômico? Se a economia crescer 5% com o índice de felicidade bruta jogando dinheiro no bolso do consumidor, o processo de assimilação do discurso do protagonista que proporcionou esse 'presente' será facilmente aceito. The Economist acaba de dizer que economia brasileira chegará a uma quebra de 10%, com a sensação de alto desemprego e inflação em alta. Paulo Guedes desmente e diz que The Economist deveria fazer tais projeções para a Inglaterra, onde o declínio econômico chega a 10%. Tudo indica que a recuperação brasileira dependerá do ritmo da economia mundial. Não existe país em bonança no meio da tempestade. Candidato de oposição A terceira via só prospera em cenário de desgaste e desaceleração econômica. Seja qual for o candidato: Ciro Gomes, Sergio Moro, Rodrigo Pacheco. João Doria/Eduardo Leite ou outro. Ciro tem o desgaste de seu destempero; Moro agrega certa dose de "inocência", desperdiçando o que tem de melhora (mas a campanha não é a de 2018); Pacheco ainda é desconhecido e teria, primeiro, de juntar os rebanhos eleitorais de MG; Doria tem como foco um intenso esforço para diminuir sua rejeição, o selo de paulista; Leite teria de provar experiência e conhecimento de Brasil. Lula+Alckmin É como juntar água e óleo. Não se misturam. Geraldo acaba de ganhar elogios de Lula e os devolve de maneira educada. Parcela significativa de seu eleitorado rejeita uma chapa com os dois. O ex-governador de São Paulo por quatro vezes faria melhor se entrasse no PSD de Gilberto Kassab. Para disputar o governo de SP com Marcio França (PSB), de vice. Deixou uma imagem de ponderação e exibe farta experiência. O marketing de campanha O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Nas campanhas, o marketing segmentado acaba assumindo tanta importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. Para onde irá Bolsonaro? O presidente impõe condições para ingressar no PL de Valdemar da Costa Neto. A mais importante: evitar que o PL de SP possa acompanhar e apoiar a jornada de João Doria. E mais: que receba as maiores fatias do fundo partidário. Ou seja, que seja o mandachuva do partido. Ora, nenhum líder de partido do Centrão admite esse tipo de perda. Valdemar, o boy, como é conhecido, está convocando os presidentes dos diretórios regionais para fazer uma sondagem. O que se vê é uma debandada de aliados fugindo de partidos sob o temor de derrocada do capitão Bolsonaro. Calendário das projeções Qualquer previsão, nesse momento, será precipitada. O desemprego atinge índice acima dos dois dígitos. A retomada da economia se dá de forma lenta. O auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família, é a esperança de Bolsonaro. Mas será de quanto, R$ 400, R$ 600? Haverá exclusão de famílias? No Nordeste, região-chave, Bolsonaro sofre rejeição. As projeções positivas feitas por uns e outros não conferem com a realidade. Pelo menos junto às populações de Pernambuco e Bahia. Esse final de ano será na base de dois pra lá, dois pra cá. Os horizontes ficarão mais claros a partir de abril de 2022. Os graúdos Os deputados que obtiveram índices altíssimos nas últimas eleições não repetirão o feito. Os graúdos serão impactados pela reversão de expectativas. Primórdios do marketing político "Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma). Fecho a coluna com uma observação Municipalização x Nacionalização das campanhas? Questões importantes que florescem no jardim do Marketing Eleitoral: campanhas tendem a ser municipalizadas ou a receber inputs Federais? Micropolítica - política das pequenas coisas - ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, Federações, clubes, etc.)? Respostas Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral - estado geral de satisfação/insatisfação - adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura ambiental será sentida); 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; 3) O discurso semântico - propostas concretas e viáveis - suplantará a cosmética; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações; 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado.
quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Porandubas nº 735

Abro a coluna com um "causo" da Paraíba. Cancelo chuvas A seca era medonha. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo: "Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa". Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo: "Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito". Santos Cruz Do general Santos Cruz em comunicação assertiva para este analista político: "vou apoiar Sergio Moro. Saúde". Bolsonaro no PL A entrada de Jair Bolsonaro no PL, partido de Valdemar da Costa Neto, amarra o tronco do governo ao centrão. Trata-se de uma jogada combinada com o PP de Arthur Lira, o outro partido que integra o centrão. Significa a escolha da velha política como paredão de sustentação do governo. Vai atrair alguns deputados e perder outros. Por velha política, entende-se: ficar no poder seja qual for o presidente. Se outro candidato - Lula ou um da terceira via - se viabilizar e demonstrar ter chances em outubro de 2022 será uma correria em direção à sigla do favorito. A conferir. O vice Comenta-se que o general Hamilton Mourão, o vice-presidente, seria descartado do cargo na eleição de 2022. Bolsonaro estaria pensando em um nome político, de um dos partidos do centrão. Nesse caso, especula-se que o ministro das Comunicações, Fábio Faria, teria se cacifado com o leilão da 5-G, e, assim, estaria apto a ser o candidato a vice de Bolsonaro. Sairia do PSD de Kassab para ingressar no PP de Lira. Assim, Bolsonaro contentaria todo o centrão: ele no PL e um vice do PP. Faria deixaria livre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Simonetti Marinho, que sairia como candidato a senador pelo RN. E Mourão? Candidato a senador pelo RS ou mesmo RJ. - A tolerância chegará a tal ponto que as pessoas inteligentes serão proibidas de fazer qualquer reflexão para não ofender os imbecis. Dostoievski. O PSD de Kassab Gilberto Kassab é um dos mais eficientes articuladores da política nacional. Está comendo pelas beiradas, ou seja, filiando quadros importantes dos Estados. Seu candidato a presidente será o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Que saiu do DEM para o PSD. Pacheco terá como objetivo inicial fechar Minas Gerais em torno do seu nome. Minas é o segundo maior colégio eleitoral do país. Pacheco faz boa figura: simpático, moderado, fluente, educado. Não será surpresa se mostrar crescimento. Moro Sergio Moro precisa ganhar flexibilidade, aquele jeitão de falar o que a imprensa gosta de ouvir, ampliar o circuito de amizades na política, expor-se mais no espaço da visibilidade. Parece acanhado, com dificuldade de se comunicar com seus públicos. Ciro Ciro Gomes colocou um cabresto do PDT. Ou o partido volta atrás com os votos de apoio à PEC dos Precatórios ou cairá fora como candidato. Logo mais, veremos. Pareceu que o candidato queria um pretexto para pular fora da candidatura. Lula Este analista ainda não se convenceu que Lula quer ser candidato. Como não surgiu outro capaz de enfrentar Bolsonaro, seu nome subiu às alturas. Com o perfil resgatado, prestígio alto, vida tranquila, enfrentaria de bom grado uma campanha que tende a lembrar todos os malfeitos do PT? Diz-se que torce para surgir um nome do arco da esquerda ou centro-esquerda para que ele possa orientar o PT a apoiá-lo. O vai-e-vem Os números que se apresentam sobre o desempenho do país na esfera da economia são como uma gangorra. Ora, fala-se de crescimento de até 7,5% do PIB. Outras vezes, esse número chega próximo do zero. E lá vem mais: se somarmos o resultado primário dos Estados e municípios, estatais e governo central para termos o resultado do setor público passamos de um déficit primário de R$ 636 bilhões ( - 11,7% do PIB) nos nove primeiros meses para um superavit de R$ 14,2 bilhões(0,22% do PIB) este ano, ou seja, uma melhora de R$ 650 bilhões, apesar dos gastos extras com Covid este ano. Não se iludam Não se iludam uns e outros. Se a equação BO+BA+CO+CA (Bolso, Barriga, Coração, Cabeça) for bem equacionada, Bolsonaro ganhará mais um mandato. Ou seja, se as massas carentes tiverem o seu dinheirinho pingando ao final de cada mês, o capitão fará um gol de placa. O que interessa para essa massa de votantes é geladeira cheia e barriga satisfeita. O instinto de sobrevivência falará mais alto. O dinheiro que seria para pagar precatórios pode reeleger Bolsonaro. A recíproca é verdadeira. Barriga vazia queimará a possibilidade. E nem água vai faltar. Chove em quase todo o país, com tendência a acabar com a crise hídrica. Um ponto fora da curva Diz-se que Bolsonaro significa no mapa político um ponto fora da curva. Seu estilo pra lá de grotesco, infelizmente, começa a ser banalizado e fixado no vocabulário da política. E assim deixa de ser um ponto fora da curva. Se assim for, o futuro estará cheio de nuvens pesadas. O Brasil O prestígio do Brasil está ao rés do chão. Quebrado, esfacelado. E o cara não está nem aí....Barack Obama faz um discurso em que clama para que o Brasil, ao lado da China, Rússia, EUA e outros países, lidere a campanha pelo ambiente saudável. Bolsonaro ouviu daqui. Entrou por um ouvido, saiu pelo outro. Governadores Os governadores aproveitarão o tempo que lhes resta na atual gestão para fazer o obreirismo de pequenas coisas. É tempo de fazer política. É tempo de correr o Estado. É tempo de atrair as massas. É tempo de pão e circo. É breve a vida Tomo a liberdade de fazer uma reflexão sobre a vida. Valho-me de Sêneca com seu puxão de orelhas: "somos gerados para uma curta existência. A vida é breve e a arte é longa. Está errado. Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou". O tempo corre A vida passa e não percebemos o quanto ela avançou. De repente, damo-nos conta de que o tempo que gastamos foi usado de maneira fútil, sem percebermos que nossos dias finais chegam rapidamente, trazidos pela cegueira de darmos valor à coisas que desperdiçam nossa atenção, guiados pelo voluntarismo que nos aproxima da materialidade cheia de magia da vida material. É a preocupação exagerada com a estética, é a discussão radical que não faz crescer a pessoa, é o pingo de azeite que mancha nossa gravata, a ponto de consumirmos um bom tempo para deixá-la limpa e sem mancha. Oportunistas A vida só é mesmo sentida e percebida diante dos grandes riscos que enfrentamos, do medo que avança ante o desconhecido e que ameaça consumir nossas energias, do perigo a que somos levados quando nosso corpo tem dificuldades de administrar as intempéries do tempo. Resta resistir aos contratempos que aparecem, quando menos se espera, e que servem como massa de manobra de certa categoria de protagonistas, como os individualistas, os populistas, os demagogos, os negacionistas, os obscuros, os oportunistas. Fecho a Coluna com Gilberto Gil Amigas e amigos de todo o Brasil. Cantemos com Gilberto Gil: Andar com fé Andá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáQue a fé 'tá na mulherA fé 'tá na cobra coralOh ohNum pedaço de pãoA fé 'tá na maréNa lâmina de um punhalOh ohNa luz, na escuridãoAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiá olêlêAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáOláláAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáOh meninaAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáA fé 'tá na manhãA fé 'tá no anoitecerOh ohNo calor do verãoA fé 'tá viva e sãA fé também 'tá prá morrerOh ohTriste na solidãoAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáOh meninaAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáOláláAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáCerto ou errado atéA fé vai onde quer que eu váOh ohA pé ou de aviãoMesmo a quem não tem féA fé costuma acompanharOh ohPelo sim, pelo nãoAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáOlêlêAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáOláláAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiá (olêlê, vamos lá)Andá com fé eu vouQue a fé não costuma faiá (costuma, costuma a fé não costuma faiá)Andá com fé eu vouQue a fé não costuma faiá (costuma, costuma a fé não costuma faiá)Andá com fé eu vouQue a fé não costuma faiáAndá com fé eu vouQue a fé não costuma faiá (olêlala)Andá com fé eu vou que a fé não costuma faiá
quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Porandubas nº 734

Voltei reanimado Porandubas está de volta, depois de um bom tempo fora do ar. Recolheu-se, como o profeta Zaratustra, para analisar as curvas da vida e prenunciar os tempos de amanhã. Para não perder o costume volta com uma historinha do coronel Juca Peba, da PB. O coronel Juca Peba Desconfiado e matreiro, o coronel Juca Peba não era de muita conversa. Tinha dinheiro, e muito, guardado sob o travesseiro. Até o dia que inauguraram a Agência do Banco do Brasil, em Cajazeiras. A gerente foi procurar o coronel Juca Peba com o argumento: - Coronel, bote o dinheiro no banco. Vai ser guardado, bem guardado, e vai render juros. Depois de muita conversa, e muitos cafés no varandão da casa, o coronel, ainda desconfiado, foi ao banco com 100 contos numa bolsa de couro. Tirou devagar o pacote. Contou. Uma, duas, três vezes. Depositou. Matreiro, ficou na espreita, na calçada, olhando, espiando o movimento do banco. Para ver se aquele troço não era tramoia. A desconfiança aumentou. Entrou no banco. Foi ao Caixa. Ordenou: - Quero os 100 contos que eu botei aqui. Já. Aflito, o bancário foi buscar o dinheiro. O coronel pegou o maço. Conferiu. Uma, duas, três vezes. E devolveu, sob a expressão juramentada: - Eu só queria mesmo conferir. Pode guardar. Eliot "Somente aqueles que se arriscam a ir longe têm possibilidade de saber até onde podem chegar" ( T.S. Eliot). A vida é um eterno retorno, na percepção do profeta Zaratrusta, de Nietzsche. Em sua obra, o conceito do Eterno Retorno refere-se aos ciclos repetitivos da vida, eis que a humanidade está sob a conjugação de um aglomerado de eventos, coisas que ocorreram no passado, acontecem no presente e se repetirão nos dias de amanhã. Tragédias, guerras, acidentes/incidentes revelam um continuum de fatos repetidos dentro de um planeta formado por polos opostos e incongruentes. O Brasil não tem sido o mesmo. Explico. Um novo olhar Basta um olhar mais acurado para perceber que, apesar dos pesares, o país tem crescido alguns milímetros em sua dimensão sociopolítica. Não se trata de fazer uma medição quantitativa no vocabulário pronunciado todos os dias por especialistas: reformas, avanços, índices que avaliam as taxas de progresso. Se olharmos para isso, é claro que constataremos que o país é um deserto de areia, como se percebe hoje, nos rios que mostram seu leito, nas réguas que medem a quantidade que secou, na crise hídrica que virá pela frente? Virá ou já veio? E se começar a chover? Sociedade mais participativa Vejamos o que vi nesse mês em que estive fora a partir da sociedade. Está mais ativa. Acompanha o disse-disse nas TVs, toma partido e fica em silêncio, o que não significa desinteresse. Pode até ser manifestação de desprezo, o que é um símbolo dos nossos tempos, uma atitude de distanciamento da mesmice e promessas não cumpridas. E há os manifestantes que participam de maneira mais contundente, nas ruas, bares e escritórios, usando uma expressão dura e não raro cheia de baixo calão. O fato é que esses movimentos de aparente não participar ou participar de maneira mais envolvente indicam que o brasileiro, nos últimos tempos, tem se tornado mais político. A pedra vai ficar no cume Já houve tempos que preguei, até nessa coluna, que o Brasil era o país de Sísifo. Como conta a lenda, Sísifo, rei de Corinto, foi condenado a passar uma temporada no Hades, por ilícitos cometidos, achava que poderia enganar os deuses. Em um gesto de clemência, as divindades permitiram que retornasse à terra para expurgar seus erros. Impuseram uma condição: voltar ao novo habitat depois de curta licença. O espertalhão desapareceu. Os deuses mandaram três emissários procurá-lo e, ao regressar, aplicaram-lhe o castigo: carregar uma imensa pedra sobre os ombros até o cume da montanha. Tarefa que jamais conseguiria completar. Prestes a cumprir a missão, a pedra resvala dos ombros e rola ao sopé da montanha. Exercício que Sísifo repetirá por toda a eternidade. Há quem diga, em tom de chiste, que o Brasil tem semelhança com a execrável figura. Pois bem, a pedra agora levada pelos braços da sociedade, vai chegar ao topo da montanha e não desmoronar. A lei vai vingar As leis não vingam ou são descumpridas. Diz-se que há quatro tipos de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo o que é proibido. A segunda é a alemã, sob rígidos controles, onde tudo é proibido, salvo o que é permitido. A terceira é a totalitária, pertinente às ditaduras, na qual tudo é proibido, mesmo o que é permitido. E, coroando a tipologia, a sociedade brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que é proibido. Ora, mais uma vez teremos um teste pela frente: a CPI da Covid dará resultados? Dará, ao contrário dos incrédulos que pensam o contrário. Pode ser que não chegue ao impeachment do presidente. Matéria complexa. Mas haverá algum tipo de punição para os envolvidos ante eventuais provas. A PGR não arquivará o relatório. Mais uma observação que mostra que a sociedade está de olhos acesos. Há possibilidade de golpe? Não vejo. Primeiro, temos um agrupamento das Forças Armadas que respira ares profissionais. Não temos o clima de 1963/1964. Ademais, o brasileiro tem um caráter que se distancia de situações de golpe ou rupturas drástica. Pinço o mestre Gilberto Freyre: "Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto". Para os brasileiros, a virtude está no meio. O meio da pirâmide Quer dizer que o analista acredita na viabilidade de uma terceira via? Sim. Os momentos de ruptura que poderiam conduzir a um estado de exceção haverão de considerar a moldura internacional e um Estado em situação de crise aguda. Já o isolamento do Brasil no COP 26 é um fato extremo. Incrementar as crises que enfraquecem o país é suicídio, de forma que o país haverá de repor o mínimo consenso. Mais cedo ou mais tarde. Sob pena de ameaçar a própria existência humana no planeta. Bolsonaro faz estripulias de amedrontar o capeta e parece que até gosta disso. Mas a ficha deve cair um dia. Sem um pouco mais de moderação, será tragado pelas circunstâncias que cria e expande. Não há nomes que, por enquanto, podem viabilizar o meio da pirâmide. Sergio Moro tem um bom patamar, mas ainda sofre com a onda discriminatória. Rodrigo Pacheco é um nome que não pode ser posto à margem. As novas abordagens No campo das doutrinas, o planeta está à procura de um rumo. As doutrinas, como flores velhas, passam a murchar, fazendo fenecer as utopias, estiolando as vontades cívicas e maltratando valores fundamentais do Humanismo. O esforço humano voltado para prover a sociedade com mais abundância de bens e serviços serve também para instrumentalizar a política, ajudando a arrefecer as lutas ideológicas e a atenuar as batalhas políticas. A ideologia cede lugar ao pragmatismo. As antigas clivagens ganham novos paradigmas. A antiga luta de classes perde lugar no novo cenário da sociedade de consumo. A sociedade incorpora novos escopos - dentre eles, a tecnetrônica, reunindo a tecnologia e a eletrônica, cujos eixos apontam para a explosão da economia de serviços; o predomínio de especialistas e técnicos; a emergência do saber teórico como fonte de inovação e de elaboração política da sociedade; a multiplicação dos saberes autônomos; e a maior organicidade dos grupamentos sociais. Os partidos Decresce a densidade ideológica da competição política e se expande a tecnoburocracia; os grupos sociais aproximam suas convergências; os problemas de natureza técnica se sobrepõem às contundentes questões sociais; e os aparelhos do Estado burocrático monopolizam as informações. No campo partidário, as consequências são concretas e visíveis, a partir do estiolamento doutrinário, arrefecimento ideológico e consequente declínio dos partidos políticos. Os partidos de massas, que nasceram sob o signo das lutas operárias, mudaram seus paradigmas, modificando-se qualitativamente, moderando atitudes, ajustando-se aos contextos econômicos, integrando-se à expansão econômica, atenuando seu fogo ideológico. O tamanho do Estado O Estado tende a ampliar seu papel como fonte de direitos e como arena de participação. Serve apenas como instrumento de controle e regulação econômica. Pinço, aqui, reflexão feita por José Murilo de Carvalho a propósito da questão. Ele receia que estejamos diante de um fato: o deslocamento da Nação como principal fonte de identidade coletiva. Quando o Estado tem seu papel diminuído em detrimento de mecanismos de controle (sob a égide de organismos internacionais), o que se pode esperar é um impacto sobre os direitos políticos dos cidadãos. A força do mercado O liberalismo renovado insiste na importância do mercado como mecanismo autorregulador da vida econômica e social, e, por consequência, no próprio papel tecnoburocrático do Estado. Sob esse prisma, o cidadão encarna o perfil do consumidor intensamente preocupado com questões materiais e insensível a sentimentos cívicos. Os valores da solidariedade, do companheirismo, da doçura nas relações humanas, da amizade, da comunhão, do trabalho em equipe, impactadas pela pandemia de coronavírus voltam com força à paisagem. A micropolítica Fazendo contraponto emerge a força micropolítica. Comunidades passam a se inspirar pela moeda sonante do pragmatismo, ou seja, a satisfação de demandas imediatas e reprimidas. A macropolítica é substituída pela micropolítica, a política das pequenas coisas, das necessidades próximas aos conjuntos sociais: a iluminação do bairro, a escola próxima de casa, o alimento barato, o transporte rápido e acessível a todos. Força centrípeta De lá para cá, das margens para o centro, ganha força a organicidade social, que é um dos fenômenos mais interessantes da contemporaneidade, com reflexos sobre a moldura institucional, é a organicidade social. Em todas as esferas sociais e em todos os quadrantes, formam-se grupos em torno de entidades que passam a intermediar interesses e a fazer pressão. As organizações não governamentais constituem reflexos da onda organizativa da sociedade. As entidades intermediárias, até para dar respostas ao não atendimento das demandas de natureza política, começam, elas próprias, a mobilizar a sociedade, atuando junto aos Poderes, fazendo articulação para escolha de representantes e formando bancadas corporativas. Apupos e vaias Os protagonistas estarão mais próximos aos apupos, vaias e aplausos. Vejam o tour de Bolsonaro pela Itália. Tomado por vaias e aplausos. Espraia-se pelos continentes o sentimento de que a política, além de não corresponder aos anseios das sociedades, não é representada pelos melhores cidadãos, como estatuía o ideário aristotélico. A estampa dos homens públicos também se apresenta esboroada. Governantes das mais diferentes ideologias dão efetiva contribuição à degenerescência da arte de governar, pela qual Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, já expressava, nos meados do século 18, grande desilusão: "Todas as artes produziram maravilhas, menos a arte de governar, que só produziu monstros". A frase se destinava a enquadrar perfis sanguinolentos. Mas, na contemporaneidade, canalhice e mediocridade inundam os espaços públicos. Quando Bill Clinton foi flagrado em atitudes não muito litúrgicas nos salões da Casa Branca, o panteão da imoralidade se elevou às alturas. Quando Donald Trump incentiva a invasão do capitólio, é flagrado pelo nobre sentimento norte-americano: o respeito à Constituição. Biodiversidade Dito isto, vem a pergunta: onde e como o Brasil evoluirá ao longo dos próximos tempos? Que frentes de progresso e modernidade pode vir registrar? O Brasil tem um tamanho continental. Essa grandeza não será destruída por governantes passageiros. A Nação brasileira, em futuro formando um bloco de potências que provocará profundas mudanças na geopolítica internacional. Que eixo unirá tais países? A defesa do meio ambiente. Hoje esse é um terreno devastado. Mas a sociedade mundial, com sua força centrípeta, ditará as conveniências das Nações. A salvação do planeta será o foco. O patrimônio brasileiro no campo da mega biodiversidade haverá de conferir ao país um prestígio hoje derrubado.
quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Porandubas nº 733

Abro a coluna com uma historinha que me foi contada pelo ex-senador Ramez Tebet, saudoso amigo. Por ocasião da criação do Estado do MS, em 1979, a população de Campo Grande ficava assombrada com a caravana dos 17 grandes carrões pretos dos deputados estaduais que paravam diante da Assembleia Legislativa. Os carros ganharam logo o nome de "besourão" e, ao passarem pelas ruas, as pessoas logo faziam o sinal da cruz, na tentativa de afastar o medo daqueles carros que mais pareciam transporte de defunto. Ninguém se atrevia a andar num carro daqueles. Até que um dia, ao comparecer ao velório de um correligionário, numa cidade do interior, dirigindo um desses carros, o então deputado Ramez Tebet teve que atender ao pedido da família do defunto. Queriam por que queriam que o defunto fosse levado naquele carro. Nessa hora, não dá para negar. E lá vai o deputado carregando o caixão de defunto em seu "besourão". A história se espalhou por todo o Estado. Assim a fama negativa do carrão preto foi dissipada. O "besourão" passou a ser visto com outros olhos. A boa fama só veio, por incrível que pareça, depois de ter conduzido um defunto. Panorama geral Comecemos a coluna com um breve olhar sobre a política e seus contornos. Quem esperava um novo estilo Bolsonaro de ser acabou vendo o mesmo governante. Na ONU, fez um discurso com foco nos simpatizantes. Foi um périplo péssimo para a imagem do país. Na esfera parlamentar, o vai que vai à moda maria-fumaça. Muita fumaça e pouco fogo. Acomodação geral, com pautas que se perpetuam. Arthur Lira trabalha com um olho na reeleição para a presidência da Câmara. E parece enguia ensaboada quando se trata de matéria de interesse governista. Augusto Aras voltou à PGR, com jeitão independente, mas voltando ao estilo de bater continência ao constatar que pode ser o plano B de Bolsonaro para o STF, caso André Mendonça não emplaque. Impressão geral: tudo d'antes no quartel d'Abrantes. Pergunta recorrente O relatório da CPI da Covid-19, a cargo do relator senador Renan Calheiros, será encaminhado ao PGR, Augusto Aras, que, segundo o presidente Omar Aziz, de tão substancioso, não terá o destino da gaveta. Alguma providência será tomada, incluindo o presidente Jair Bolsonaro. Será encaminhado também ao STF e, segundo alguns juristas, ao Tribunal Internacional de Haia. Se metade das expectativas se confirmarem, o restante do ano terá esse tema como um dos pilares centrais da política. Quem acredita em punição do presidente da República, levante a mão: um, dois, cinco, sete.......só? Aras com cara de paisagem A dúvida começa com o PGR, Augusto Aras. Dará andamento ao relatório? Insatisfação cresce Some-se a avalanche das crises - a econômica, sanitária (que deve furar o ano novo), política e energética - e veremos o impacto sobre a população. O Auxílio Brasil poderá atenuar efeitos, mas a alta de alimentos e o preço da gasolina são combustíveis de fácil explosão. O presidente vai correr o país para comemorar seus mil dias de governo. Ouvirá impropérios mais que aplausos. Deus é brasileiro, mas nessa hora manda seus arcanjos tocarem a trombeta anunciando tempos de vacas magras. A conferir. Fusão DEM-PSL A fusão do DEM e do PSL poderá resultar no maior partido de direita do país. ACM Neto é o pai da ideia. E sua intenção é direcionar o partido na direção de Bolsonaro. O Brasil está mudando de feição e índole, mas Neto mais parece um barão das antigas, cioso dos limites de sua propriedade. Quer tomar o lugar do Centrão no latifúndio governamental. Há interesse de muita gente, mas essa fusão tende a ser uma grande confusão. Pacheco e Alckmin Rodrigo Pacheco tem um pé dentro do PSD de Kassab, que lhe prometeu a condição de vir a ser o candidato do partido à presidência da República em 2022. Geraldo Alckmin está também com um pé dentro do PSD. Seria candidato de Gilberto Kassab ao governo de São Paulo. Tem boas condições de se eleger. Sabe costurar tecidos esgarçados. Mas é precavido. Quer tomar mais pulso antes de uma decisão. P.S. Pacheco agregaria o adjetivo de "novo" e Alckmin simbolizaria o "experimentado". André Mendonça O "terrivelmente evangélico" André Mendonça deverá ser sabatinado nas próximas duas semanas. Davi Alcolumbre, o presidente da CCJ, a quem cabe a prerrogativa de convocar a sabatina está sendo vencido pela pressão de colegas. E garante que Mendonça não passa em plenário. Sei não. O governo conta com mil e um instrumentos de cooptação. Despertaria muita curiosidade o desempenho do pastor junto às dez cobras criadas do Supremo. Relatório CPI no arquivo Se o relatório da CPI da Covid-19 for para o arquivo, o que poderia acontecer? Muito palavrório com tendência à acomodação. Vacina primeira-dama A primeira-dama Michele Bolsonaro tomou vacina nos Estados Unidos. Uma estocada no SUS. Vir com a desculpa de que foi por insistência das autoridades norte-americanas não colou. Vacina no Brasil ganha marca de descrédito? FFAS não cumpririam ordens? Em entrevista à Revista Veja, Bolsonaro diz que possibilidade de golpe tem chance zero. E que as Forças Armadas não cumpririam uma ordem que destoasse da Constituição. Uma confissão ancorada em bases reais ou intenção de embaralhar o jogo? As Forças Armadas estão, sim, profissionalizadas. Mas há contingentes que rezam a cartilha bolsonarista. Quanto a golpe, só mesmo se o povo for em massa às ruas. Prévias tucanas João Doria corre o Brasil fazendo sua campanha para as prévias. Tem condições de levar a maioria dos diretórios. Eduardo Leite, governador do RS, é o azarão. E pode surpreender. Corre um certo sentimento de mudança nas veias dos participantes. Mas Doria é determinado e persistente, além de contar com a competente consultoria de perfis de primeira grandeza, como Antônio Imbassahy, ex-prefeito, ex-governador da Bahia, ex-ministro e ex-deputado. Um perfil admirado e respeitado. Carta aos Brasileiros I Há 44 anos, o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., falecido no dia 27 de junho de 2009, dando vazão ao sentimento da sociedade brasileira, foi convidado para ler a Carta aos Brasileiros. O país abria as portas da redemocratização. Hoje, o Brasil vive sob o Estado de Direito, mas vegeta sob o Estado da ética e da moral, com um mandatário-mor que nega a ciência, é responsável pela pior gestão da pandemia de coronavírus 19 do planeta, e faz um vergonhoso discurso na abertura da ONU, privilégio que, historicamente, cabe ao Brasil desde 1947. Anos depois o professor Goffredo confessava ter vontade de ler uma segunda carta, desta feita para conclamar pela reforma política e por uma democracia participativa, em que os cidadãos votem em ideários, não em fulanos, beltranos e sicranos. Carta aos Brasileiros II Em setembro de 1993, na segunda Carta aos Brasileiros, o mestre Goffredo escolheria como núcleo a reforma política, eixo da democracia participativa com que sonhava. Mas falta disposição aos congressistas para fazê-la. Em 2022, Lula da Silva também leu sua Carta aos Brasileiros, onde pregava uma nova prática política e a instalação de uma base moral. Sabem qual a primeira palavra do discurso de Lula na posse? Mudança. Nada disso foi cumprido. O país continua ser um deserto de ideias. Um renomado homem de letras, imortal da ABL, sugere que os protagonistas do momento - todos os pré-candidatos à presidência - assinem uma nova Carta aos Brasileiros, explicitando seu compromisso com o rol de temas alinhados. É uma boa ideia. Covid-19 dominada? Há um vago sentimento de que a Covid-19 foi dominada e vive seus últimos momentos. Será? Os números apresentados diariamente pelo consórcio de mídia confundem e impõem muitas dúvidas. Seca e nuvens de terra O país vive um dos mais secos tempos de sua história. Correntes de terra nascem e sobem aos céus de nossas cidades, em um prenúncio de que teremos encontros com apagões logo mais. Cidades turvadas por nuvens de terra emolduram cartões postais de nossas plagas. Petrobras Bolsonaro diz que se reuniu com o ministro das Minas e Energia para discutir fórmulas que pudessem baratear o preço da gasolina. Imaginou o presidente algo em torno de R$ 4. Pois bem. Logo a seguir, o presidente Luna, da Petrobras, disse que nada iria mudar. Conversa e desconversa. A forca mais alta "Canuto, Rei dos Vândalos, mandando justiçar uma quadrilha, e pondo um deles embargos de que era parente del-Rei, respondeu: Pois se provar ser nosso parente razão é que lhe façam a forca mais alta." Padre Manuel Bernardes
quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Porandubas nº 732

Abro a coluna com a Paraíba. O médico João Izidro João Izidro, pai do amigo Carlos Alberto e do psiquiatra-escritor Luis Carlos, era pediatra, clínico geral e sábio. Atendia famílias de todos os recantos dos fundões da Paraíba. Sua clientela incluía Luís Gomes, cidade do Rio Grande do Norte na fronteira com a Paraíba, onde este escriba nasceu e de onde, do alto da serra, contemplava Uiraúna, terra de Luiza Erundina. Um dia, em Cajazeiras, sua cidade, atendeu a uma velhinha que se queixava de "incômodo em todo o corpo". Fez as perguntas tradicionais: - A senhora tosse? - Às vezes, sim, às vezes, não. - A senhora tem dor de cabeça? - Às vezes, sim, às vezes, não. - A senhora sente febre? - Às vezes, sim, às vezes, não. Paciente, o médico botou os óculos e escreveu a receita: - Pegue a receita, minha senhora. Pode ir, a senhora vai melhorar. A velhinha pegou a receita e tascou a pergunta: - Doutor, e esse remédio, hein, como é que eu tomo? A resposta do João veio no mesmo tom da voz da velhinha: - Tome o remédio às vezes, sim, às vezes, não. Brasil no fundo O pior aconteceu. Dizem que o Brasil abriu esta última sessão da ONU sob a maior vergonha de sua história na organização. Como é sabido, o Brasil presidiu a primeira sessão da Assembleia e a segunda sessão ordinária no mesmo ano. A fala inicial do Brasil cumpre uma tradição de 1947, quando o diplomata Oswaldo Aranha presidiu a Assembleia em dois momentos. Primeiro, entre abril e maio, quando o Reino Unido solicitou uma convocação extraordinária para discutir o status da Palestina, que desde o fim da Primeira Guerra Mundial estava sob um mandato britânico. E, depois, em novembro de 1947, quando esteve à frente da 3ª Assembleia Geral das Nações Unidas que discutiu e aprovou a criação do Estado de Israel. A ONU A Organização das Nações Unidas foi fundada em 24 de outubro de 1945 para trabalhar pela paz e desenvolvimento após ratificação da Carta das Nações Unidas pela China, Estados Unidos, França, Reino Unido e a ex-União Soviética, bem como pela maioria dos signatários. A Carta das Nações Unidas foi elaborada pelos representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional que se reuniu em São Francisco de 25 de abril a 26 de junho de 1945. A Polônia, também um membro original da ONU, assinou o documento dois meses depois. A primeira reunião da Assembleia Geral ocorreu em Londres, em 1946, quando foi definido que a sede permanente seria nos Estados Unidos e que a comunicação se daria em seis idiomas oficiais: inglês, francês, espanhol, árabe, chinês e russo. Os Estados Unidos, o anfitrião, é o segundo a falar. Para todos os outros países, a ordem de discurso é baseada no nível de representação, preferência e outros critérios. Oswaldo Aranha Nos dias anteriores à sessão da ONU que aprovou a partilha da Palestina histórica em um Estado judaico e outro árabe, o ministro brasileiro também se mobilizou para garantir que a votação não fosse adiada. O Brasil apoiava a solução de dois Estados e era contra os argumentos de que os árabes eram maioria na região. Oswaldo Euclides de Souza Aranha nasceu em Alegrete no Rio Grande do Sul, em 15 de fevereiro de 1884. Formou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro no ano de 1916. Participou ativamente nas articulações para depor o presidente Washington Luís e colocar Getúlio Vargas no poder através da Revolução de 1930. Tornou-se ministro da Justiça e da Fazenda em 1931, foi embaixador em Washington entre 1933 e 1937 e ministro das Relações Exteriores de 1938 a 1944. Versões e mentiras O pano de fundo da história da ONU acaba de receber uma camada de lama, lodo e sujeira. E o responsável foi o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que cumpriu o cerimonial de abertura, mas fez um discurso considerado mentiroso e cheio de versões estapafúrdias. Pregou remédios considerados ineficazes para tratamento da Covid-19, encheu a economia brasileira de dados sem lastro com a verdade, foi proibido de circular em Nova Iorque por não ter se vacinado, comeu pizza na rua e um churrasco no puxadinho de uma churrascaria brasileira, única maneira de comer em restaurante (aberto, ao ar livre), enfim, pregando sandices para sua bases radicais. Não prestigiou o concerto das Nações, desprezando as audiências de 193 Nações. Uma vergonha Os comentaristas internacionais são unânimes: foi uma vergonha. Os brasileiros que moram na cidade atestam diante das câmaras de TV: nunca passaram vergonha igual. E o país ainda passou o dissabor de ver um Bolsonaro hilário, tirando gozação com o primeiro ministro britânico, Boris Johnson. Pelo fato de este ter tomado duas doses de astraZeneca. Bolsonaro, negando sua vacinação, apontou negativamente com o dedo para o ombro, a dizer: aqui, não. A estética bolsonarista Para acentuar o isolacionismo, a equipe que acompanhou o presidente fez um desempenho estético que deixará suas marcas de deboche, desrespeito e vergonha: o ministro da Saúde, um paraibano que deveria respeitar os cânones de Hipócrates, mostrou o dedão do meio replicando as vaias que a comitiva tomava ao entrar no hotel; já o ministro das Relações Exteriores, o chanceler, fez o famoso gesto da "arminha", símbolo das armas matadoras que são usadas pelos bolsonaristas radicais, a partir de seu principal propagador, o filho 02, o deputado Eduardo Bolsonaro. Um show de estética com jeitão de símbolo de desprezo pelos circunstantes. O efeito de tudo isso? O de um tsunami devastador de princípios, ideias, valores, verdade. Os destroços permanecerão no meio social por muito tempo a lembrar o tufão que arrebentou os limites do bom senso. E Bolsonaro comanda todo esse espetáculo horroroso, depois de ter se comprometido, em carta à Nação, a ser um moderado à procura de paz e do bom senso. A carta, que teve a inspiração de Michel Temer, acaba de ser jogada na lata de lixo. Como acreditar em uma pessoa com essa índole traiçoeira? Covid-19 O relatório da Covid-19 virá na próxima semana. É o que promete o senador Renan Calheiros. Repleto de acusações de crime, incluindo a figura do presidente da República. Noutros contextos, teria condição de ir longe. Hoje, será arquivado por Arthur Lira e pelo PGR. Cada tempo com seu peso. Cada ave com sua pena. Os senadores Ganham um ponto na régua do seu tamanho. Principalmente aqueles que ganharam destaque e visibilidade. Doria e as vacinas Falem de João Doria aqueles que não simpatizam com o fato de ser muito centrado nas coisas a que tem se dedicado. Mas não fosse o governador paulista, o país ainda estaria engatinhando em matéria de vacina. João foi, sim, o maior patrocinador da vacinação em massa e da vacina Coronavac, do Butantan. João é um sujeito determinado. E não teve, ainda, o reconhecimento que merece. Equipe E ainda reuniu o governador de São Paulo uma das melhores equipes de gestão do país. Uma espada e ramos de café Quem vai ao Palácio dos Bandeirantes, encontra no Salão Nobre, cravado em madeira, o brasão do Estado: uma espada longa cercada por dois modestos ramos de café. Emoldurado pelo dístico: - Pro-Brasilia fiant eximia. (Façam-se as melhores coisas pelo Brasil). Que a maior parte dos leitores costuma assim traduzir: - João Doria fazendo exame para Brasília. O espírito do tempo Tempo sem alegria; tempo de resgate da vida normal; tempo de urgências; tempo de reavivamento das coisas que eram boas; tempo de novas poesias, novos cantos, novos humores. Tempo de meditar. Fecho a coluna com os hereges. Dez truques Dez truques dos hereges para responder sem confessar: 1) O primeiro consiste em responder de maneira ambígua. 2) O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição. 3) O terceiro truque consiste em inverter a pergunta. 4) O quarto truque consiste em se fingir de surpreso. 5) O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta. 6) O sexto truque consiste numa clara deturpação das palavras. 7) O sétimo truque consiste numa autojustificação. 8) O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física. 9) O nono truque consiste em simular idiotice ou demência. 10) O décimo truque consiste em se dar ares de santidade. (Manual dos Inquisidores - escrito por Nicolau Eymerich em 1376. Revisto e ampliado em 1578 por Francisco de La Peña)
quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Porandubas nº 731

A coluna de hoje tem uma proposta diferente. Propõe-se a interpretar o que ocorrerá na nossa política usando os instintos básicos do ser humano, sob o olhar compenetrado de Pavlov. Peço sua leitura. Deixo a historinha para o final. Os 4 impulsos Vamos tentar fazer uma leitura da política, usando ferramentas outras que as adotadas pela ciência política em seu dia a dia, principalmente os mecanismos clássicos da política, como ideários, partidos, eleitores, oposições, fatores como economia e circunstâncias temporais. Vamos fazer aquilo que um ou outro cientista político, com olhar mais agudo, avoca como elementos da neurociência, como o faz o nosso conhecido expert em pesquisas Antônio Lavareda. Vou tentar compor a moldura da política, a partir dos quatro instintos básicos do ser humano, estudados por Pavlov e descritos pelo russo Sergei Tchakhotine, que partiu dessa base para estudar o perfil e o percurso de Hitler. Reflexos condicionados Nas experiências de Pavlov, em laboratório, para que os reflexos condicionados pudessem se formar nos cães e gerar efeitos, era preciso que certas condições se efetivassem: o meio biológico, o lugar, o tempo, as características hereditárias dos indivíduos sujeitos às experiências. A cultura nazista abrigava tais fatores. Hitler encarnava certos complexos profundos do povo alemão, principalmente da classe média. Tinha necessidade de lidar com as massas em um nível inferior, quando, trabalhando sobre as condições fisiológicas, fazia mergulhar as multidões em estados quase hipnóticos. Dominava as massas pela violência psíquica. A propaganda nazista nada mais era do que a exploração da doutrina de Pavlov sobre reflexos condicionados. Os mecanismos Para entender os mecanismos que agem sobre o discurso político, vejamos, então, o que Tchakhotine, doutor em Ciências, expõe em Mistificação das Massas pela Propaganda Política, onde descreve de maneira exaustiva os mecanismos que formam a base dos métodos e ações usadas no processo manipulativo. Parte ele das teorias objetivas de I.P. Pavlov (1849-1936), pai da Escola russa. A teoria dos reflexos condicionados foi esboçada a partir da experiência feita por Pavlov com cães. Ao se alimentar um cão, sua saliva escorre automaticamente, um reflexo inato. Se um cão ouve o som de uma campainha, não salivará. Porém, se há uma sincronização entre os dois fatos, a alimentação e a excitação sonora, repetida 50 ou mais vezes, o som da campainha, mexendo com o sistema nervoso do cão, provoca nele salivação. Um  reflexo, artificial ou temporário, se forma, o que Pavlov chama de reflexo condicionado. E isso vai ocorrer, combinando-se o som da campainha com a entrega do alimento. 6 fenômenos O cientista russo relaciona seis fenômenos inerentes ao comportamento dos animais superiores: 1. A excitação; 2. A inibição; 3. O deslocamento da inibição; 4. A indução recíproca da excitação sobre a inibição ou a inibição sobre a excitação; 5. A formação e destruição das vias que ligam, entre si, as diferentes regiões do sistema nervoso e 6. Os processos de análise que decompõem os mundos exterior e interior em seus elementos. Sob essa teia de hipóteses, Pavlov estudou a hipnose e a sugestão, os reflexos de imitação, o estado de sonolência provocado pela inibição que se irradia sobre toda a superfície cortical, os reflexos de fim e de liberdade, até chegar ao estudo sobre as diferenças de caráter. Chegou, então, a forma de excitação pela palavra. Sob uma emoção profunda, uma pessoa atingida por uma palavra imperativa, uma ordem, que "se torna irresistível, graças à irradiação em todo o córtex da inibição por ela causada". Esses mecanismos psíquicos afetam principalmente os mais ignorantes, que se curvam facilmente às sugestões. Daí podemos aduzir como as massas se dobram ao discurso político. Os 4 instintos básicos Para completar a compreensão sobre a força do discurso político, a moldura se completa com os quatro impulsos inatos aos seres vivos. Analisando as reações do comportamento, Pavlov usa o exemplo da ameba. Ela foge do perigo, absorve alimentos, multiplica-se, forma quistos dentro dos quais se multiplica em um enxame de pequenas amebas. Por aí, podemos ter a primeira resposta para a questão da metáfora de guerra, tão do gosto dos indivíduos. As pessoas, como as amebas, procuram evitar o perigo e preservar sua espécie. A natureza procura conservar a vida, de acordo com dois grandes princípios: o do soma e o do gérmen. O primeiro, o indivíduo, conduz o segundo, a espécie; o primeiro é mortal, descontínuo, e o segundo é imortal, contínuo. Para preservar o indivíduo do aniquilamento, antes que tenha cumprido a tarefa de transmitir o gérmen da espécie, a natureza o dotou de dois mecanismos especiais; e da mesma forma, para a preservação da espécie, proporcionou dois mecanismos. Instintos combativo e nutritivo Para sua conservação, o indivíduo se vale de dois instintos fundamentais: o instinto de defesa ou combativo e o instinto de nutrição. O primeiro impulso é o mais importante, eis que a pessoa, para se conservar, luta contra o perigo, se defende, ataca, procura afastar as ameaças, prevenir-se contra riscos e morte. Ampara-se no instinto combativo, que é mais imediato que a carência alimentar. É o caso da pandemia do coronavírus. A pessoa faz tudo que está a seu alcance para preservar sua vida. Enfrenta correntes contrárias, grupos, setores politizados. Luta pela sobrevivência, que se completa com a garantia do equilíbrio biológico, a satisfação do corpo, los inputs que consome para ter sua reserva de energia. É o instinto alimentar o segundo. Impulso. São básicos para a conservação do indivíduo. Sexual e paternal Já no caso da perpetuação da espécie, entram em ação dois outros mecanismos: o terceiro, que é o impulso sexual, responsável pela reprodução da espécie e o quarto impulso é o paternal, que abriga o conjunto de sentimentos e valores emotivos (a tristeza, a alegria, a felicidade, a solidariedade, a amizade, o companheirismo, o amor filial, o carinho, a integração, a harmonia, o ódio, a vingança etc.). Nesse caso, emergem os valores ligados à família, a tradição, a modernidade contra a tradição. É possível formar reflexos associados ou condicionados, por meio dos impulsos, seja o nutritivo (a experiência da salivação do cachorro), seja por meio dos outros - o combativo, o sexual ou paternal/maternal. Em resumo: a luta pelo poder, a luta pela dominação - do homem contra o homem, do homem contra a natureza, do homem contra os sistemas institucionais - estão na base da luta pela sobrevivência e se amparam nas necessidades mais profundas do ser humano, de se conservar e preservar sua espécie. Como as amebas. Bolsonaro Desse acervo, extraio minhas inferências: os instintos combativo e nutritivo serão fundamentais para o desenvolvimento do quadro eleitoral no próximo ano. Tanto a pandemia e outros barreiras que dificultam a luta pela sobrevivência como a falta de dinheiro no bolso poderão determinar o sucesso ou insucesso eleitoral dos protagonistas da política. O auxílio assistencial terá a força do Bolsa Família? Os valores conservadores vencerão os apelos da modernidade? A manutenção do "mito" terá mais força que a união das forças de oposição? Surgirá um candidato de terceira via capaz de quebrar a polarização Bolsonaro versus Lula? Para onde irão os partidos? Sob esse mesmo feixe de conceitos, podemos inferir que os partidos, em sua maioria, deverão tomar o rumo das possibilidades abertas pelos mecanismos de conservação e perpetuação partidária. E Lula? Será dissecado pelas massas eleitorais. Representará o futuro esperançoso ou o passado cheio de curvas no caminho? O mesmo processo de dissecação ocorrerá em relação a outros candidatos. BO+BA+CO+CA Por isso, não se assustem leitoras e leitores quando insisto com minha velha equação, que organizei a partir de Pavlov. Bolso cheio (geladeira cheia), Barriga satisfeita, Coração agradecido e Cabeça tendente a votar em quem proporcionou essa equação da esperança e da felicidade. JK e JQ Nessa época de piadas contra os governantes, fecho a coluna com uma historinha envolvendo JK e JQ. Saudação aos presidentes Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora: - Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque porque do resto ando cheio. Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um cantador o vê, saúda: - Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora. Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará.
quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Porandubas nº 730

Abro a coluna com a solidariedade em Petrópolis. Sou solidário e não pago Antônio Carlos Portela era um senhor rico e bom. Dava aval a todo o mundo, em Petrópolis. Gostava de política. Gostava demais. Quando chegava a campanha eleitoral, sua maneira de ajudar os amigos era avalizar empréstimos para as despesas de campanha. Certa eleição, avalizou um título para um candidato a deputado, que perdeu feio e ficou em dificuldades de pagar. O gerente do banco, sabendo que não receberia do devedor, foi ao avalista: - Senhor Portela, o título está vencido. Preciso que o senhor pague. Como avalista, o senhor é solidário. - Sou, sim. Sou muito amigo dele e estou inteiramente solidário com ele. Se ele não pagou, é porque tem seus motivos. Porque estou solidário, não pago também. A montanha pariu... Eu não diria que a montanha pariu um rato. Pois os ditos expressos pela maior autoridade do país produziram um monstrengo. Coisas como essas: não vai mais obedecer à decisões do STF, principalmente se emanadas pelo ministro Alexandre de Moraes; o presidente Fux deve enquadrar seus os ministros; só sairá do governo se for "morto"; maldiz a urna eletrônica; insufla as massas, induzindo-as à desinformação, enfim, não aceita o debate democrático como balizamento do futuro do país. Com quem está a bola? Chutou a bola na direção dos Poderes. Garantiu que iria acionar o Conselho da República, que debate pautas como desordem institucional e quebra da ordem. Diante do fiasco de não ter participantes, desdisse o que disse. Mas as palavras de ordem contra o Supremo estão no ar. Fux deu resposta dura como se previa, mas persistem as dúvidas! O que fazer ante a um ato de desobediência à Corte? Paralisar estradas federais é um ato de antipatia que depõe contra o governo. O mundo está perplexo, não apenas o Brasil. Trata-se de flagrante quebra da ordem normativa. Os presidentes do Senado e da Câmara não têm força para levar adiante a solução do impeachment. Os partidos vão gastar saliva com discursos. E só. Lira e Ciro longe Arthur Lira, o presidente tem a prerrogativa de levar adiante a ideia do impeachment. Mas logo ele, que negociou a participação do Centrão no governo? Ciro Nogueira, o presidente do PP, que se impôs a condição de "amortecedor" do governo, estará longe do imbróglio, quase dizendo: afasta-me de mim esse cálice, cheio de um vinho que não entra no meu paladar. Pacheco, o Rodrigo que comanda o Senado, é o menos temeroso, mas tem o cuidado de medir as palavras para não perder a chance de vir a ser candidato de Kassab, do PSD, à presidência. Teria suspendido a pauta do Senado esta semana. Inevitável? O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), disse que é "inevitável" a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após os atos antidemocráticos de 7 de setembro. Este analista não acredita. Celso de Mello e Carlos Ayres O ex-decano do STF, ministro Celso de Mello, chama Jair Bolsonaro de "político medíocre que não está à altura do cargo" e o ex-presidente da Corte, ministro Carlos Ayres Britto diz que o presidente está sujeito a penalidades se descumprir decisão judicial. Tempos de pressão O ditador vai ao médico: - E a pressão, doutor? - O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem. Um país à deriva Do episódio de um 7 de setembro pisoteado, sobra a imagem de um país à deriva, sob as rédeas de uma família sobre a qual pesam denúncias de corrupção. Filhos dando os rumos do que poderá vir a acontecer. Comandando eventos de direita. E o pai, usando frota de aviões e helicópteros, na companhia de ministros, transformando um evento cívico em um comício privado, gastando dinheiro público e colaborando para as aglomerações em momento em que o país flagra a multiplicação da vertente Delta do coronavírus. Enquanto vai durar? As ameaças do capitão estão no ar. Deduz-se que seu dito será cumprido. Sob pena de mais bravata na coleção de ditos estapafúrdios. E se assim continuar, a engenharia do golpe continua ganhando peças, situação terrível se contar com o grupo de militares que agem no entorno. Generais, coronéis, capitães, olhem para o Brasil. Não se deixem enganar pelo canto de sereia na travessia de Ulisses. Um golpe hoje jogaria o nosso país dos territórios devassados pela estupidez. Urge dar um basta nessa escalada. Sociedade organizada, é a vez das entidades abrirem o verbo. Produtores e empreendedores, não deixem o Brasil seguir o caminho das trevas. 7 de setembro O 7 de setembro, para bolsonaristas, foi aquém das expectativas. Contou-se 125 mil pessoas na av. Paulista, 6% do esperado. Não entrarei nessa. O fato é que as falas do presidente em Brasília e em São Paulo plasmaram um monstrengo. O que foi dito é uma afronta à Constituição. Sob o prisma do desrespeito, desobediência, ruptura de princípios. A CF foi jogada na lata de lixo. O que fazer para reentronizá-la? Em 2022, o Brasil comemora 200 anos de independência. Sob que acordes? Liberdade? Opressão? Voto auditável Ora, o voto em urna eletrônica é auditável. Quem diz o contrário é ignorante. Querem voltar ao voto do cabresto, quando milicianos entregam envelopes fechados para eleitores ignorantes depositarem em urnas? (Doutor, em que estou votando? O coronel ou miliciano responde - deixe de ser besta, você não sabe que o voto é secreto?) Expectativa Este analista acredita nessas hipóteses: 1. Terá início uma reação parlamentar, que vai ter ondas mais altas um pouco mais adiante. 2. Com a soma das crises - sanitária, econômica, política, energética e social (com esgarçamento do tecido social) - é possível um desgarramento dos contingentes bolsonaristas por abril/maio. 3. A crise energética, se implicar apagão, acelerará o processo de desgaste do governo. 4. O auxílio Brasil, a ser lançado pelo governo no lugar do Bolsa Família, poderá aumentar o fôlego do governo por mais alguns meses. 5. A muito custo, Paulo Guedes aguentará ilustrar sua cabeça com o boné de Bolsonaro. 6. Este analista não aposta na candidatura de Lula como contraponto a Bolsonaro. 7. As oposições seguirão divididas até o 1º trimestre do próximo ano. 8. As FFAA deverão se dividir e a parcela profissionalizante predominará. 9. A vacinação em massa veio para ficar. A pandemia será uma constante em nossas vidas. 10. 2022 - Este analista vê como possibilidade a ideia de Bolsonaro não sustentar sua candidatura até o final. Fecho a coluna com a velha malandragem. A malandragem Querem saber a origem da malandragem no Brasil? Veja o finalzinho da Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei de Portugal. "E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que dela receberei em muita mercê." E conclui Caminha: "Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha." Um pedido aqui, um trololó acolá e muita bajulação.
quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Porandubas nº 729

Abro a coluna com o mestre Inrique... I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum Conta Leonardo Mota que o mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; se se queixava da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis... O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido: - Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro? - Você não sabe não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque... Voltando à observação do cenário Acirramento Ao contrário do que muitos analistas enxergam, este escriba não vê o quadro político-institucional bem posicionado na paisagem. Há uma intenção manifesta de que "vamos todos torcer pela harmonia, sustentando a ideia de que tudo d'antes no quartel d'Abrantes". Pois vejo certa movimentação em quartéis de polícias militares, inclusive com o afastamento daquele coronel que manifestou intenção de botar o bloco nas ruas em 7 de setembro. Foi afastado por João Doria, Mas o coronel insiste em comparecer. Praças divididas Os blocos de apoio à Bolsonaro, que haviam feito pedido antes, irão à avenida Paulista no dia 7 de setembro. Caravanas de muitas cidades do interior. Muitas faixas contra o Judiciário, mas os blocos de oposição poderão usar a 9 de Julho, segundo decisão da Justiça, que tem fama de juntar massa, sem o impacto, porém, do cartão postal da Paulista. Na comparação, os favoráveis ao governo ganharão. Foram mais organizados, mobilizados, e contam com a palavra de ordem de Bolsonaro. Hora de dar um xeque (não mate) em algumas entidades, promete Bolsonaro. Juízes convencidos Os ministros do STF, um a um, parecem convencidos de que "daquela mata não sairá coelho". Bolsonaro não mudará. É o que é. Sem enfeite de bolo. Não adiantará esperar palavras de bom senso, harmonia, unido. A tensão interessa ao governo. Mantém o plantel do judiciário no cabresto curto. Só que alguns juízes não aceitam ser tratados como figurantes de terceira classe. A depender do plenário, o jogo será jogado conforme os espaços de cada guerreiro no tabuleiro. CPI da pandemia Pelo jeito com que dispara verbos e adjetivos, o presidente dá indicações de que não dará bola à CPI da Covid-19. Chutará de lado. Bolsonaro tem certeza de a costura que fez com os costureiros do Centrão foi com linha de aço. Não verga. Nem rompe. A conferir. Os relatórios - o oficial e o do governo - são duas retas que se encontrarão no infinito. A nota da Fiesp A Fiesp produziu uma nota que criou polêmica. Até sexta feira, Paulo Skaf prometeu divulgá-la. Ocorrem reações. Os bancos oficiais caíram fora. A nota pedia união entre os Poderes. Skaf tentou costurar o texto de forma a abrandá-lo. E sair bem na parceria com Bolsonaro. Mas as desavenças emergiram. Ficou uma colcha de retalhos. O agrobusiness saiu com uma versão. A Febraban jogou Paulo Guedes numa rede furada. A nota tinha mais de 300 entidades apoiadoras. A íntegra *Serenidade, Diálogo e Ações* As entidades signatárias deste documento veem com grande preocupação a escalada de tensões entre autoridades públicas, o que coloca em risco um dos pressupostos para a funcionalidade da democracia: a harmonia entre os poderes da República. Esse quadro de hostilidade gera incerteza e graves problemas econômicos, como a perda de renda e o desemprego de milhões de brasileiros. Por isso, a sociedade civil anseia e o momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional e, sobretudo, foco em ações e medidas urgentes e necessárias para que o país ultrapasse, de forma duradoura, os desafios hoje postos à recuperação da economia e à superação das carências sociais que atingem amplos segmentos da população. Para o fortalecimento da democracia, é imprescindível que cada ocupante de cargo público, que desempenhe os papéis da mais alta relevância e responsabilidade sobre os destinos do país, aja com racionalidade para distensionar o ambiente político e dissipar incertezas quanto à nossa capacidade de, mesmo nas diferenças, conduzirmos adequadamente as questões do presente, resgatando expectativas quanto ao nosso futuro. Um truque do Padre Vieira O Padre Antônio Vieira, o célebre pregador, escritor, político e diplomata jesuíta, subindo certa vez ao púlpito, iniciou estranhamente o seu sermão exclamando: - Maldito seja o Pai!... Maldito seja o Filho!... Maldito seja o Espírito Santo!... E quando a assistência, horrorizada, pensava que o grande orador houvesse enlouquecido, ele tranquilamente prosseguiu: - Essas, meus irmãos, são as palavras e as frases que se ouvem com mais frequência nas profundezas do inferno. Houve um suspiro de alívio no templo, mas com esse recurso teve Vieira despertada e presa a atenção dos fieis como poucas vezes, por outra via, houvera conseguido. (Narrado por Luis Costa em Leia Comigo) Democracia participativa Podemos enxergar, nos horizontes, maior afluxo de pessoas às manifestações públicas, a desnotar maior dinamismo dos nossos canais de democracia participativa. De tanto sofrer experiências e vivenciar situações conflituosas, acabaremos modelando o nosso sistema democrático. O périplo de Lula Acabamos de ver o périplo de Lula por alguns Estados do Nordeste. Menor impacto do que o previsto. Lula pouco apareceu de público. Fez articulação, sondagens, passou o seu termômetro para ver a febre lulista na região. Levou muitas camisas vermelhas, pouco as usou. Maneira de Lula sentir a barra. Ainda carreia grande prestígio, mas não é o Lula de antigamente. Impressão deste analista: Lula procura um candidato de centro-esquerda. Para ser o polo convergente de amplas fatias do arco ideológico. Lula não se sente bem ao atravessar novamente o calvário dos processos que correm contra ele na 1ª instância de Brasília. Tudo deve recomeçar. Seria um pano de fundo que Lula não gostaria mais de ver. Procura-se um perfil. Quem o encontrar, apresentá-lo a dom Luiz Inácio Lula. Thackhotine (Introdução à mistificação das massas pela propaganda política) Para legitimar suas conquistas, os ditadores sustentaram, seguidamente, que elas eram efetuadas, quase sempre, pacificamente, ou, pelo menos, sem emprego de violência física. Isso não é verdade senão na aparência: a ausência da guerra não impede o emprego de uma violência não menos real, é a violência psíquica. A ameaça - os discursos de Hitler - associada à visão da arma mortífera - a mobilização do exército alemão - eis a fórmula exata, segundo a qual os ditadores modernos exercem a violência psíquica. Foi precisamente isso o que se passou, por exemplo, na Europa, em setembro de 1938, e que levou as velhas democracias à capitulação, em Munich. "Construímos um armamento tal que o mundo jamais viu - posso agora confessar abertamente". "Em cinco anos, eu me armei efetivamente. Gastei milhões e equipei tropas com as armas mais modernas". "Temos os melhores aviões, os melhores tanques..." São frases do discurso do chanceler Hitler, no Palácio dos Esportes, em Berlim, em 27 de setembro de 1938, discurso dirigido ao mundo inteiro, que ouvia atento. "Dei ordem de erigir fortalezas gigantes em frente à linha Maginot francesa", declarava ele, em meio aos urros aprovadores da massa nazista em Nuremberg. "As forças alemãs", "o gládio alemão" etc., eis o que se ouvia da boca do senhor da Alemanha, nos anos fatídicos que precederam à Segunda Guerra mundial e isso se repetia em todas as ocasiões. O punhal de Mussolini "O punhal - eis o nosso melhor amigo", declarava cinicamente Mussolini; uma carabina sobre um livro foi o símbolo que ele ofereceu à juventude universitária italiana. "Que preferis, manteiga ou canhões?", perguntava a uma multidão eletrizada, em delírio, que respondia, bestificada, - "Canhões!" "A paz", "da paz", "pela paz"... era o refrão que se oferecia como desculpa a essas palavras dos ditadores, em todas as oportunidades, em todas as situações, no campo adverso, nas democracias europeias. A paz, certamente, quem não a deseja? Quem é tão tolo ou tão miserável para invocar o pior dos flagelos humanos? Mas, ter horror à guerra é uma coisa, e cultivar a esperança de evitá-la só com palavras, com ladainhas e invocações em face do perigo é outra bem diferente, que restabelece, na verdade, certas práticas medievais, em que ao incêndio, à peste, à seca, se opunham as procissões com imagens santas! O Brasil das calamidades O chiste é conhecido. Ao criar o mundo, Deus distribuiu as catástrofes pela Terra, enquanto comentava com o anjo ao seu lado: "aqui eu vou localizar os EUA com seus terremotos e furacões; ali vai ser a Europa, que vai ter vulcões e também terremotos; acolá, vou instalar a Ásia, com desertos, terremotos e até tsunamis". Curioso, o anjo indagou: "e nesse local vai pôr o quê?" Deus respondeu: "aqui será o Brasil". A terra da mentira por excelência. Insistiu o arcanjo: "e ele não vai ganhar catástrofes naturais"? A resposta divina: "não, de jeito nenhum, mas você vai ver os homens públicos políticos que eu vou botar lá". Ou a versão sobre a criação do mundo não é correta ou a galhofa sobre o Brasil não resiste aos solavancos da natureza nesta segunda década do século XXI. A pandemia, que assola o planeta, registra por aqui cerca de 600 mil mortos, parcela deles vítimas da irresponsabilidade e má gestão. Mas os nossos homens públicos afastam qualquer insinuação de desleixo e incúria. A burocracia tem pernas O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve do chefe do departamento; "ah, meu senhor, tem muitos outros na frente do seu. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas". Agastado, o interlocutor reage: "e quanto o senhor quer para por dois pés nesse papel?". Tirou do bolso um maço de dinheiro (que já tinha separado em casa para não dar na vista e, de maneira disfarçada, entregou ao sorridente chefe). Tiro e queda. O adjutório fez o papel correr rapidinho com seus dois pés. A corrupção se espraia por todos os lados.
quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Porandubas nº 728

Abro com uma historinha de Frei Damião. Casamento no Maranhão? Acompanhemos a pregação do Frei em Cajazeiras, na Paraíba. Com aquela voz que parecia sair das cavernas, perorava contra os amancebados, os luxuriosos, os desonestos, desfilando todos os pecados contra os 10 mandamentos. No meio do sermão, parou e perguntou: - Quantos aqui são amancebados? Quantos vivem juntos e não casaram? Centenas de pessoas levantaram a mão. O frei ameaçou: - Nesse estado de barbárie, todos vocês vão para as profundezas do inferno. E serão queimados vivos. Vivos. Começou a descrever a terra incandescente. E arrematou: "amanhã, quero todos os amancebados, aqui, para um casamento coletivo". Dia seguinte, lá estava a multidão. Começou a cerimônia. Frei Damião limpa o suor e joga a pergunta que ferveu na alma de muitos: - Quem tiver algum impedimento contra esses sagrados matrimônios, que fale, agora, ou se cale para sempre. Silêncio. De repente, vê-se, no meio da multidão, o braço no ar de Terezinha das Mercês, devota fervorosa de Senhora da Anunciação: - Raimundinho de Doca num pode se casar, pois ele já é casado no Maranhão. Perplexidade geral. Raimundinho, o açougueiro, toma um susto. Silêncio. Frei Damião, curioso, sai do púlpito. Multidão em transe. A companheira de Raimundinho, envergonhada, não sabe o que fazer. E muito menos o que dizer. O homem das carnes, encabulado, grita alto para todos ouvirem: - Foi no Maranhão, no Maranhão. Faz muito tempo. É muito longe daqui. Muito longe, Frei Damião. E adepois, fui a Juazeiro para tomar as benção do padim Ciço. O "santo italiano" do sertão nordestino baixou a cabeça. Chamou Raimundinho para perto e cochichou a penitência no ouvido: - 100 terços e abstinência por 7 dias. Se não cumprir a ordem, os dois queimarão vivos no inferno. Deu meia volta. Tomou lugar no púlpito. Milagre. O durão Frei Damião abençoou a todos. Leitura da conjuntura Nas cercanias do golpe Os sinais não são mais tênues, ganharam intensidade. Refiro-me à expressão dos mais altos assessores do presidente, principalmente aqueles com história nas Forças Armadas. O general Heleno é um exímio mensageiro de sinais. Afinal, a maior autoridade no universo dos serviços secretos e redes de informações sigilosas. Pois acaba de dizer que um golpe não está fora dos horizontes, claro, sob a ressalva de que um evento inusitado como esse carece do manto de alta gravidade. Bolsonaro é recorrente na lembrança da tese. E até o ponderado general Mourão tem arremetido nessa direção. Hipótese - Para confundir a cabeça dos pensadores. Não estaria havendo no planeta certa inclinação, alguma atração, pelos sistemas autoritários? A se confirmar esta hipótese, eventos políticos contemporâneos perderiam parte de seu verniz ideológico, chegando com mais assertividade em corações e mentes. A democracia não tem algumas estacas soltas? Este analista lança a hipótese, mas não é adepto dessa nova classe. Balão de ensaio ou mais que isso? Falar, lembrar, referir-se ao golpe, sob a alegação de que, em momento como esse, as Forças Armadas estariam cumprindo papel moderador, nos termos que defende o jurista Ives Gandra Martins, ao examinar a letra constitucional em caso de impasse e tensão entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é mais que um simples ensaio interpretativo. É dar voz a um sentimento que corre nas veias de alguns núcleos. Impasse institucional? O que seria isso? Tensão entre os poderes é o que não tem faltado para apimentar o caldo golpista. Mas a pimenta vem da sementeira do presidente. Por isso, a tensão existe nos vãos do palácio do planalto, cujo ocupante vez ou outra dá um estocada forte em ministros, particularmente os ministros do STF, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Apesar de se prever arrefecimento nas investidas presidenciais, os sinais são de que Bolsonaro pode recuar agora para voltar mais adiante. Há cinco investigações sobre ele em curso. Até o próximo ano? Difícil é sustentar um duelo verbal até o próximo ano. Bolsonaro vai precisar do Senado e da Câmara para fazer passar sua pauta. O escolhido para compor o STF é André Mendonça, que deverá ser sabatinado. Passará? E se o presidente insistir em sua pendenga? Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, com bom senso, adia a sabatina. Arthur Lira, mais alinhado ao presidente, tende a endossar o destempero presidencial? Não. Decidirá sob o critério pragmático: interessa ao PP uma querela continuada com o Judiciário? Golpe, que golpe? Sob esse terreno de dúvidas, entraremos já, já, no fim do ano, com as pautas reformistas aprovadas parcialmente e todos com o olho (e o bolso) voltado para a economia. Que condição se apontaria para um golpe? Uma estrondosa vitória de Lula e ruas tomadas por grupelhos gritando palavras de ordem não aceitáveis pelas Forças Armadas? Clima de convulsão social ou apenas argumento para pôr tropas nas ruas? Poder Legislativo daria guarida a uma armação como essa? E o Judiciário ficaria apenas na observação? Os contingentes Os talibãs do petismo - Restritos, não teriam condições de voltar com suas bandeiras, principalmente se adornadas com os apetrechos do socialismo clássico. As classes médias - a pedra jogada no meio do lago tem, sim, condição de sustar um posicionamento radical que implicasse a tentativa de golpe - profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos e médios proprietários, prestadores de serviços, autônomos, setores organizados. As margens carentes - Não se envolveriam diretamente em mobilizações, porquanto suas atenções estariam mais voltadas para a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Mas poderão engrossar o caldo bolsonarista se o apelo maior for o assistencialismo. Novas milícias? No Brasil, o passado é sempre revisitado. E com direito a reviver seus hábitos, mesmo os pérfidos. É o caso do coronelismo do ciclo agrícola, que castigava o livre exercício dos direitos políticos. Os velhos coronéis da Primeira República (1889-1930) consideravam os eleitores como súditos, não como cidadãos. Criavam feudos dentro do Estado. A autoridade constituída esbarrava na porteira das fazendas. Agora, neste país urbano, o poder público tem de pedir licença para subir o morro. O império coronelista do princípio do século passado finca raízes no roçado do Rio de Janeiro. Denúncias de ontem voltam a frequentar o noticiário: comunidades chegam a ser dominadas por milícias, quadrilhas comandadas por policiais, ex-policiais, que ameaçam pessoas que não elegem seus candidatos. Coronelismo urbano Estamos diante de um novo coronelismo? O voto de cabresto, prática fraudulenta dos tempos da oligarquia rural, transfere-se, neste momento, para o domínio de comandantes de milícias, personagens da urbe violenta que se valem da insegurança para implantar o medo. Os currais eleitorais são comunidades miseráveis, comprimidas em morros, favelas e bairros degradados, onde o poder bandido monta formidável aparato. Certo é que... - Jair Bolsonaro continua em queda com maior quantidade de pessoas que desaprova seu governo. - Luiz Inácio Lula da Silva não conta mais com seu estoque antigo de carisma. - O maior desafio do governador João Doria é atenuar seu estoque de rejeição. - Falta muito cimento e cal para Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, construir as pilastras de eventual candidatura presidencial. - Mourão, o vice, tem chance numa chapa ao Senado. Falta escolher a praça. -Ciro Gomes aparece com cara de déjà vue. - O PP deverá chegar rachado na eleição do próximo ano. - Geraldo Alckmin, se for candidato ao governo de SP pelo PSD, tem boas chances de vitória. Fecho a coluna com JK. Anos de chumbo grosso. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino era, no mínimo, pecado mortal. Mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao Contran solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O Contran não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa: - Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon. (Historinha de Zé Abelha)
quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Porandubas nº 727

Abro a coluna com uma historinha de Pernambuco. Perspectivas e características Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil nesse contexto de crise entre os Poderes? Confesso que não sei responder. Mas uma historinha de Pernambuco pode nos apresentar as perspectivas. Luís Pereira, pintor de parede, dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta abrupta: - Deputado, como vai a situação? Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, querendo causar boa impressão tascou: - As perspectivas são piores do que as características. Pois é, a esta altura, tem muito deputado imitando Luís Pereira e traçando o panorama do amanhã. Começo minha análise política com o poema do beco, de Manuel Bandeira. Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?-O que vejo é o beco. O cachorro louco Pois é, tentei ver maravilhas. Só vejo o beco. E um beco no início deste mês, considerado também o mês do desgosto e, para outros, o mês do cachorro louco. Lembremos alguns fatos. Em 24 de agosto de 1954, Getúlio deu um tiro no peito. Em 5 de agosto de 1961, Jânio Quadros apresentou sua carta de renúncia. Em 31 de agosto de 1969, uma trombose cerebral afastou da presidência o general Costa e Silva. Em 22 de agosto de 1976, morreu de acidente de carro, ao se dirigir ao Rio de Janeiro, o ex-presidente Juscelino Kubitschek. E, 13 de agosto de 2014, faleceu em acidente aéreo o forte pré-candidato à presidência da República, então presidente do PSB e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Loucuras Loucuras de cachorro louco ou ação premeditada para começar a melar, desde já, o processo eleitoral de 2022? A crise entre o Judiciário e o Executivo é grave. E, pela primeira vez, vê-se uma tomada de posição inusitada: um inquérito para investigar o mandatário-mor do país, Jair Bolsonaro. A decisão, por unanimidade, foi tomada pelo TSE, com a participação de nove ministros do STF. A razão: a continuidade das denúncias sem sentido que o presidente tem feito às urnas eletrônicas. Até hoje não apresentou nenhuma prova. O capitão acende fogueiras para queimar o ministro Luís Roberto Barroso, que comanda o TSE. E este Tribunal quer conter o devaneio bolsonarista com um inquérito. Palavras ao vento Luiz Fux até havia se reunido com Bolsonaro, dias atrás, para estabelecer um pacto de não agressão. Saíram ambos confiantes. Teceram loas ao encontro. Palavras ao vento. O presidente agora foi jogado no canto do ringue. Um inquérito com aval do Supremo é coisa de alta gravidade. Se os ministros não encontrarem provas de fraudes, como alega o presidente, este será denunciado, podendo, até vir a perder os direitos políticos. Pelo andar da carruagem, esse beabá sobre eleições fraudulentas em 2022, caso não se aprove o voto impresso, é um sinal adiantado de derrota. E um avanço em direção a uma emboscada golpista. Quantos generais? Se o presidente quer melar as eleições do próximo ano, deve confiar no poder armado para a tentativa de se manter no Planalto na marra. Tem generais suficientes na ativa para uma empreitada arriscada como essa? Os que estão em seu entorno não terão voz para mobilizar forças. Mas disporiam de forte poder de articulação. Os ministros militares teriam apetite para degustar esse menu? É quase impossível acreditar nessa hipótese. O quase fica por conta da tese de que, na arena da política, nada é impossível. Mas o problema é outro: o Brasil não é uma República de bananas, como lembrou o vice-presidente da República, Hamilton Mourão. O mundo globalizado isolaria o país. E Bolsonaro, em descenso nas pesquisas, não contaria com a maioria da população. BO+BA+CO+CA Dinheiro no Bolso, Barriga Cheia, Coração Agradecido, Cabeça votando a favor do patrono da equação. Esta pode ser a manobra bolada pelo presidente para massagear o coração das massas em 2022. Manobra que é a de encher o Bolsa Família com muita grana, a ponto de marcar as mensalidades com a quantia de R$ 600. Um trunfo com jeitão de triunfo. Dinheiro no bolso exerce grande apelo. Assim, o presidente estaria pavimentando sua jornada com um exército ocupando as ruas. Para tanto, os precatórios seriam retalhados e pagos modicamente. Paulo Guedes está nesse jogo. A índole O pau que nasce torto não tem jeito morre torto. A índole golpista de Sua Excelência resiste às mutações. Só não sei se foi em um mês de agosto que o capitão liderou movimento, em passado distante, em favor de aumento de proventos para as forças de seu "exército". A reserva com reserva Grandes perfis na reserva veem com reserva as curvas e dribles que o presidente tenta dar na Constituição. A conferir. O trunfo é paus A política deixou de ser uma unidade autônoma, porquanto passou a depender de mais duas hierarquias: a alta administração do Estado e os negócios. Esse é o feitio dos modernos sistemas democráticos. E é essa modelagem que explica manifestações radicais das massas em quadrantes diferentes do planeta. Busca-se um salvador da pátria, seja ele socialista, populista, liberal, conservador de direita, tecnocrata ou intelectual. Se ele não aparecer, um ditado conhecido dos ditadores poderá emergir: quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus. Cá entre nós, leitores, enxergam alguma afinidade com nossa situação política? Moralização ou desmoralização? Digamos que a CPI da Covid-19 apresente provas plausíveis de má gestão da res publica. Digamos que o inquérito do TSE também apresente provas de que as urnas eletrônicas são confiáveis. E que, entre os nomes arrolados no capítulo da irresponsabilidade, conste a figura do nosso mandatário-mor. Será ele punido? Escapará pelas tangentes? Em jogo estarão os nomes e a respeitabilidade dos julgadores. Este analista já apostou numa pizza gigantesca. Ante esse inquérito do TSE, a conclusão é a de que a imagem (positiva ou negativa) recairá sobre nossas instituições. Um nome de respeito General de reserva, Santos Cruz, para quem a confusão criada por Bolsonaro com urna eletrônica é deliberada. Nomes que crescem Senadores Omar Aziz, Otto Alencar, Alessandro Vieira e Simone Tebet; prefeito Alexandre Kalil, Gilberto Kassab, Centrão. Nomes que perdem fama Sergio Moro, Luiz Mandetta, ACM Neto, ministros de Bolsonaro. Um tributo Esta coluna presta suas homenagens a três grandes professores e intelectuais, eixos do pensamento político nacional: José Arthur Giannotti, Leôncio Martins Rodrigues e Francisco Weffort. A confiança nas instituições Desde os anos 1960, a confiança nas instituições da modernidade despencou, e a segunda metade do século XXI viu a ascensão de movimentos populistas que repudiam com estardalhaço os ideais do Iluminismo. Eles são tribalistas em vez de cosmopolitas, autoritários em vez de democráticos, desprezam especialistas em vez de respeitar o conhecimento e têm saudades de um passado idílico em vez de esperança em um futuro melhor. Steven Pinker, em O Novo Iluminismo A velha questão fiscal Nossa democracia vive ciclos diferentes. Mas a questão fiscal sempre foi um elo a integrar os tempos. Enterramos uma história pontilhada de excessos fiscais e monetários, desde os princípios do século XIX, quando importávamos caixões de defuntos vindos da Inglaterra, prontinhos e estofados em veludo, para receber empresários decadentes e burocratas inescrupulosos. Até que enfim, o sonho de Campos Sales realizou-se. Vale lembrar que ele lutou, entre 1898 e 1902, para fazer o saneamento financeiro e estancar a dívida externa brasileira, que chegou às alturas por conta de empréstimos tomados da Inglaterra pelo governo anterior de Prudente de Moraes. Hoje, a questão fiscal tributária continua a formar uma Torre de Babel no entorno dos cofres públicos. O nosso fardo Ainda hoje traços de uma população amorfa impregnam nossa identidade, reflexo da carga negativa que paira sobre a fisionomia nacional: a pobreza educacional das massas; a perversa disparidade de renda entre classes; o sistema político resistente às mudanças; o sistema de governo ortodoxo (hiperpresidencialismo de cunho imperial); e a continuidade de mazelas históricas, entre as quais reinam, absolutas, o patrimonialismo e o assistencialismo de caráter paternalista. Sob essa teia esburacada, a concentração de forças permanece sob a égide do Estado todo-poderoso, bem visível na função de cobrador de impostos, eixo repressor (policialesco), distribuidor de favores e com poder de definir os destinos da sociedade. Fecho a coluna com um causo das Minas Gerais. Engano de segundo grau 31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte: - Alkmin, para onde você vai? - Para Brasília. - Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília. Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond: - O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília. Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A primeira historinha é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações: "Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai a Minsk".
quarta-feira, 28 de julho de 2021

Porandubas nº 726

Abro a coluna com uma fábula. Em cinco anos, tudo pode ocorrer Um poderoso sultão, sábio entre os sábios, possuía um camelo muito inteligente. Obedecia a todas as ordens que nem precisavam ser emitidas de viva voz. Faltava-lhe apenas o dom da palavra. Esse detalhe entristecia sobremaneira o sultão. Um dia, decidiu convocar o Grande Conselho e chamou o grão-vizir. - Quero que ensine meu camelo a falar! - Mas isso é impossível. - Cortem a cabeça dele! Tragam-me o adjunto! Mesma afirmação de desejo sultanesco, mesma resposta, mesma sentença. A cena repetiu-se diversas vezes e cabeças rolaram. Exasperado o sultão declarou. - Aquele que ensinar meu camelo a falar será meu grão-vizir. Silêncio! O sultão repetiu a exortação. Eis que surgiu um humilde ajudante de cozinheiro. Disse: -Dá-me, ó incomparável senhor, um prazo de cinco anos, e farei falar teu camelo. Estupefação geral. Seguida do cumprimento da promessa. -Doravante, és meu grão-vizir! Mas se falhares, sabes o que te espera! - Bem sei! Encantado, o jovem fez profunda reverência e saiu correndo para dar a boa notícia à esposa. - Infeliz, acabas de assinar tua condenação. - Não é bem assim, meu bem. Pedi cinco anos.Você sabe que muitas coisas poderão acontecer em cinco anos : morre o camelo, morre o sultão... (Fábula enviada pelo atento Alexandru Solomon). Nada a ver com as próximas eleições. Queixumes O amigo de academia militar de Bolsonaro, general Luiz Eduardo Ramos, não gostou de ser defenestrado da Casa Civil. Está desconsolado com a transferência para a Secretaria de Governo, onde estava Onyx Lorenzoni. Dia que como soldado cumpre missão. Mas não há coração que resista a uma promoção para baixo. O general é uma cascata de queixumes. Guedes resistirá? Paulo Guedes, de amplo Posto Ipiranga e pau para toda obra, no início do governo, tem sido transformado ao longo do tempo, em mera bomba de gasolina. Bolsonaro corta seu poder. Desmembra seu poderoso ministério da Economia. Guedes é vaidoso. Quer se agarrar nas ancas do poder. Mas resistirá a tanta perda? Tenho dúvidas. Quarta marcha O governo Bolsonaro passa a quarta marcha. Antes do tempo. Quer colocar o carro na avenida da campanha. Faz um acordão com o Centrão, abre as comportas da administração, e fecha os olhos para as prioridades. O impulso fisiológico de Bolsonaro em direção ao Centrão pode ser um tiro no pé. O Centrão é pragmático. Se o navio começar a afundar, seus participantes serão os primeiros a desembarcar. Pequeno conto "Misia Sert dominava a arte de caçar moscas. Estudava pacientemente os modos destes animais até descobrir o ponto exato em que havia de introduzir a agulha para pregá-las sem que morressem. Exímia na arte de fazer colares de moscas vivas, entrava em frenesi com a celestial sensação do roçar das patinhas desesperadas em seu colo." Pequeno conto de Elias Canetti em Suplicio de Las Moscas. A máxima de Anacaris A máxima de Anacaris, um dos sete sábios da Grécia, começa a ser reescrita por aqui: "As leis são como as teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes rasgam-nas sem custo". O novo triângulo do poder Identifica-se, em nossas plagas, o que Roger-Gérard Schwartzenberg cognomina de o novo triângulo do poder nas democracias, que junta o poder político, a administração (os gestores públicos) e os círculos de negócios. Essas três hierarquias, agindo de forma circular, cruzando-se, recortando-se, interpenetrando-se, passam a tomar decisões que se afastam das expectativas do eleitor. A cobiça dos parceiros - gestores, empreendedores privados e núcleos políticos das três instâncias federativas - desafia ainda mais o Estado. É o que tem mostrado a CPI da Covid-19. O joio e o trigo juntos Não é fácil separar o joio do trigo e perceber as tênues linhas que distinguem o bem comum do bem privado. A percepção é nítida diante de exageros como casos de superfaturamento, vícios de licitações, apropriação escancarada da coisa pública e flagrantes de ilícitos, por meio de gravações autorizadas pela Justiça. Pode-se aduzir que a lupa dos órgãos de controle ajusta mais o foco nessa planilha. Há a considerar, ademais, que os descaminhos na estrada pública têm sido alargados pela evolução das técnicas. Aos amigos, pão A ladroagem é embalada por um celofane tecnológico de alta sofisticação, diferente dos costumes da Primeira República, quando a eleição do Executivo municipal assumiu relevo prático. Naquele tempo, o lema da prefeitada era: "Aos amigos, pão; aos inimigos, pau". O Brasil da atualidade sobe degraus na escada asséptica, apesar das camadas de sujeira que ainda entopem canais da administração pública. O MP acendeu luzes sobre os esconderijos e parece movido por entusiasmo cívico, haja vista a disposição com que se aferra à missão de proteger o patrimônio público e social. O presidente que prometia combate incessante à corrupção cai nas malhas dos negociantes. A estética O código estético é o primeiro a se infiltrar na mente. Você imaginaria Jesus Cristo sem a barba? E Abraham Lincoln, seria o mesmo sem a barba? Que tal um Gandhi cabeludo? Elvis Presley sem o topete teria o mesmo charme? O milionário "O milionário, ao ser perguntado quanto dinheiro era o bastante, replicou 'só um pouquinho mais'. Reconhecia uma característica essencial da vida humana. Há razões positivas pelas quais o poder tende a ser uma bola de neve e é dado àqueles que o possuem". (Kenneth Minogue) Personagens Eduardo Leite O governador do Rio Grande do Sul terá voz mais forte no processo político. A conferir. João Doria Faz uma boa administração em São Paulo. Mas o automaketing o engole. ACM Neto Em processo de enfraquecimento. Não tem mais a força de tempos atrás. Mourão O general Mourão tem merecido respeito. Expressa palavras de bom senso. O presidente continua a dar estocadas no vice. Disse, por último, que "às vezes ele atrapalha". Até quando o general vai aguentar os tiros dados de frente e por trás? Kassab Gilberto Kassab sobe, devagar, a montanha de prestígio. Vai transformando o PSD em um grande partido. Ciro Nogueira Conheci o pai dele, Ciro, em 1986, quando coordenei a campanha eleitoral de Freitas Neto (PFL/PI). Ciro era um iniciante. O pai, deputado Federal, um grande comerciante. O filho é mais articulado. O pai, falecido, era um perfil sério e de poucas palavras. E descortina grande futuro para o filho. Como ministro da Casa Civil, Ciro servirá o feijão com arroz. Pacheco Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, tem boa expressão, é moderado, e exibe boa presença. Pode vir a ser protagonista importante em 2022. Arthur Lira Se pleitear a candidatura ao governo de AL, em 2022, será o favorito. Alckmin Geraldo Alckmin está em vias de carimbar o passaporte para chegar ao Palácio dos Bandeirantes em 2022 pelas asas do PSD de Kassab. Rodrigo Garcia Bom perfil, mas ganhará muita rejeição. Com jeito, pode escalar o morro. Caiado Candidato à reeleição. Tem capacidade de arregimentação. CPI da Covid-19 Serão muitos os crimes a serem atribuídos à gestão Federal. O que a PGR fará? Arruma-se uma gigantesca pizza. A não ser que a crise política suba o pico até meados de outubro. Responder sem confessar Nesses tempos de Covid-19, até parece que os depoentes leram a cartilha dos hereges. Seguinte: No tempo da Inquisição, os hereges desenvolviam dez truques para responder sem confessar: 1) A primeira consiste em responder de maneira ambígua. 2) O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição. 3) O terceiro truque consiste em inverter a pergunta. 4) O quarto truque consiste em se fingir de surpreso. 5) O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta. 6) O sexto truque consiste numa clara deturpação das palavras. 7) O sétimo truque consiste numa autojustificação. 8) O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física. 9) O nono truque consiste em simular idiotice ou demência. 10) O décimo truque consiste em se dar ares de santidade. (Manual dos Inquisidores - escrito por Nicolau Eymerich em 1376. Revisto e ampliado em 1578 por Francisco de La Peña) Epílogo "Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto". (Jorge Luis Borges)
quarta-feira, 21 de julho de 2021

Porandubas nº 725

O mel de Frei Damião Fausto Campos sempre passava pela BR-232, entre Serra Talhada e Custódia, em Pernambuco. Na beira da estrada, vendedores ofereciam o melhor mel do mundo, o mais puro. Um dia, resolveu levar uma garrafa. Perguntou: "o mel é puro"? O vendedor: "o mais puro do mundo". Fausto arrematou: "pois vou levar esse mel para o Frei Damião". O vendedor apressou-se a esclarecer: "doutor, é melhor não levar esse pote. Quem tirou esse mel foi meu irmão e ele gosta de juntar um pouco d'água no mel para render mais. Desculpe. Na próxima vez, o senhor vai levar um mel 100% puro. Agora, só se o senhor quiser levar esse pro senhor. Mas pro Frei Damião, de jeito nenhum". (Historinha enviada por Delmiro Campos, filho de Fausto). Análise de viabilidade A viabilidade de um ator político conseguir atingir sua meta em determinado espaço de tempo é uma equação que reúne variáveis, componentes e fatores que mudam sob o fluxo das circunstâncias. Mesmo assim é possível alinhavar alguns eixos, a saber: perfil do protagonista; história de vida; experiência; recursos; análise dos espectros social, político e econômico do país; estrutura partidária; capacidade expressiva; escopo programático; conhecimento do país; identificação com valores do tempo; visibilidade; suporte social; apresentação pessoal; sentimento de que se trata de perfil vocacionado a fazer o país caminhar. Claro, todos esses ingredientes ainda têm de enfrentar a força do Imponderável, essa entidade que não escolhe dia, hora e espaço para fazer-nos uma visita. Identidade e imagem O protagonista deve realizar esforço extraordinário para transmitir uma imagem correspondente à sua identidade. Isto é, ser percebido como realmente é. Sem invencionismos, truques que elevam sua projeção pública a um grau de exagerada elevação, com qualidade que não as tem e valores que não combinam com suas crenças. Identidade tem origem no latim - idem, semelhante, igual. Quando a imagem está muito distante da identidade, cria-se um distanciamento entre um e outro conceito, o que veste o protagonista com a roupa de fantoche, pessoa artificial, manobrada, a quem não deve se dar crédito. Em comunicação, designamos esse fenômeno como "dissonância cognitiva". Visibilidade A comunicação é o dos eixos centrais do processo. Afinal, não se vota em quem não se conhece ou em quem não se apresenta. Mas não se pense que o conhecimento de um candidato é uma soma exagerada de tempo e espaço. Uma campanha eleitoral de 45 dias, com tempo de um grande partido, é suficiente para que o perfil seja amplamente conhecido. Equivale e uma campanha massiva desses grupos de varejo que atingem milhões de consumidores com seus anúncios diários e repetitivos de seus produtos. E quanto mais audiência tiver uma emissora, mais consumidores atingirá. Esses resultados são medidos por um conceito chamado GRP. GRP I Gross Rating Points ou pontos de audiência bruta. Esse conceito foi desenvolvido para medir a intensidade com que um anunciante se comunica com seu público através de anúncios na TV. O GRP representa o somatório das audiências das inserções de uma programação de TV. Vejamos um exemplo: um comercial é veiculado três vezes em uma novela com 40 pontos de audiência, duas vezes em um telejornal com 30 pontos de audiência e uma vez em um filme com 20 pontos de audiência. GRP II Para calcular o total de GRP dessa programação basta somar as audiências de todas as inserções. Portanto: três inserções na novela que tem 40 pontos de audiência representam 120 GRP; duas inserções no telejornal que tem 30 pontos de audiência representam 60 GRP; uma inserção no filme que tem 20 pontos de audiência representa 20 GRP. Somando tudo chega-se a um total de 200 GRP. Resultados Diferentes programações podem gerar a mesma quantidade de GRP, mas resultados diversos para o anunciante. Por exemplo, se ao invés de anunciar no telejornal e no filme fossem feitas apenas cinco inserções na novela o resultado seria de 200 GRP. Mas, é provável que nesse caso boa parte dos domicílios seria impactada cinco vezes pelo comercial, porque esses telespectadores acompanham diariamente o desenrolar da novela. Por outro lado, na programação mais diversificada aumenta a probabilidade de que uma quantidade maior de domicílios seja impactada, porém com menor frequência. Para fazer avaliação mais apurada é necessário considerar outros dados como o objetivo da campanha, custo das inserções para calcular o CPP (Custo por Ponto), perfil e audiência dos programas para medir o TRP (Target Rating Points). Coisas Há umas coisas que se buscam para se acharem e há também outras que, para se não acharem, é que se buscam. Costumava dizer o imperador Frederico: tomara que meus conselheiros deixassem às portas do palácio duas coisas, porque sem elas entenderiam melhor o que me aconselhavam e eu saberia discernir entre os votos. Perguntado que duas coisas eram estas, ele respondeu: a simulação e a dissimulação. (Padre Bernardes) O mentiroso O eleitor percebe quando o "perfil ensaboado" tomou um banho de loja. Acautelem-se, desde já, futuros candidatos. Costumo lembrar esse caso de mistificação como arma do palanque. Na campanha de 60, nos EUA, Barry Goldwater, governador do Alabama, queria passar a ideia de pessoa séria, um intelectual. Muito conservador, candidato à presidência, usava um palanque alto, cercado por uma proteção de vidros à prova de bala, para evitar atentados. Usava uma armação de óculos para passar a ideia de pessoa compenetrada. Um dia, em um comício, esqueceu que a armação não tinha lente. Colocou o dedo no olho para tirar um cisco. Mas enfiou o dedo pelo buraco da armação. Nesse momento, um fotógrafo flagrou a mentira. Dia seguinte, a manchete denunciava: "EIS O GRANDE MENTIROSO". O impacto negativo tirou-o do pleito. Começou aí a jornada do despenhadeiro político. Simone As mulheres estão vivenciando um momento de lutas e avanços. No tiroteio que se desenvolve na esfera política, as mulheres sobressaem com suas investidas na área organizativa e de mobilização. Chamo a atenção sobre a senadora Simone Tebet (MDB-MS) com seu perfil jovial, fluência ideativa, objetiva e desenvolvendo boa performance na CPI da Covid-19. Seria um perfil adequado para uma candidatura à presidência da República em 2022. Tebet Exibe boa experiência na administração pública. Ex-prefeita de Três Lagoas/MS, marcou sua administração pelo ritmo de progresso do município. Trouxe fábricas importantes na área da celulose e de produtos de refrigeração, entre outras. Um exemplo de boa gestão. Simone foi deputada estadual e secretária de Estado. Ganhou a educação política do pai, o senador Ramez Tebet, de saudosa memória. Pode ser o sinal avançado e diferenciado numa campanha majoritária nacional. De um grande partido, MDB, passa a imagem de assepsia política. E não é um poste como foi Dilma, eleita com o prestígio de Lula. Em suma, tem diferencial. Pazuello O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi flagrado na mentira. O cumprimento que teria feito aos empresários interessados em vender a vacina Coronavac, por R$ 28 a dose, ultrapassou a linha da liturgia de uma rápida passagem por educação na sala de Élcio Franco, então secretário-executivo do Ministério. Prometeu assinar um compromisso. Um documento. Bolsonaro O presidente acena com a possibilidade de não ser candidato caso não seja aprovado no Congresso o voto impresso. Lorota. Uma saída à brasileira para eventual chance de ser fragorosamente derrotado. Jair será candidato. E mais: sonha com atos de força. Confissão só na hora da morte Numa cidadezinha de Minas, Padre Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo: O Vigário só confessará: 2ª feira - As casadas que namoram 3ª feira - As viúvas desonestas 4ª feira - As donzelas levianas 5ª feira - As adúlteras 6ª feira - As falsas virgens Sábado - As "mulheres da vida" Domingo - As velhas mexeriqueiras O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se: - Freguesia boa é a minha... mulher lá só se confessa na hora da morte! (Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre)
quarta-feira, 14 de julho de 2021

Porandubas nº 724

Abro a coluna com o vinho da missa Mata o bicho Falo do monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, que fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava uma boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma pequena barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fieis que lotam a capela, ele pega a garrafinha e, num gole só, sorve todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice). Poranrápidas... O luxo do funeral "O luxo do funeral e a suntuosidade do túmulo não melhoram as condições do morto; satisfazem apenas a vaidade dos vivos". (Dante Veoléci) A índole Após uma conversa de 20 minutos, o presidente Bolsonaro deu uma entrevista civilizada à imprensa. Sem impropérios e adjetivos pesados. Teria mudado? As pesquisas abriram seus ouvidos? Não se muda uma índole da noite para o dia. In dubio Pro reo. O ditado latino sugere ficar do lado do réu quando há dúvida sobre a situação que o envolve. E ante a verdade? Nenhum militar está dentro do vacinagate? Será que o imbróglio que laça alguns nomes não tem nenhum verniz de verdade? Ante a evidência de verdades, puna-se o réu. A defesa em nota O ministro da Defesa, Braga Neto, com o endosso dos comandantes das Forças-Marinha, Exército e Aeronáutica -, fez uma nota em defesa dos militares. O alvo foi o presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz. Militares prestigiados da reserva, ao que se lê, não concordam com a militarização do governo. O general Santos Cruz tem sido uma voz forte nessa direção. Omar no ataque Omar Aziz tem se saído muito bem no comando da CPI. Quem esperava uma performance amorfa, insossa, se surpreendeu. Omar é um dos mais ferinos integrantes da Comissão. Por sua causa, aliás, o G7 perdeu o senador Eduardo Braga, MDB-AM, e vira G6. Política amazonense. Renan pertinente O relator Renan Calheiros, MDB-AL, faz perguntas pertinentes. Ajusta a imagem a esses tempos de assepsia. Consegue, a seu modo, deixar de ser alvo de tiroteio. O leão governista Já o senador Marcos Rogério, DEM-RO, é o leão que defende o território governista. Cresceu muito na CPI. Divisa uma trajetória política de sucesso. Pode vir a ser governador. Mendonça Passará pela sabatina do Senado? O AGU, o pastor evangélico André Mendonça, abre caminho para ser aprovado como ministro do STF. Mas, seja qual for o resultado, a margem de vitória ou de derrota será pequena. Se for aprovado, fará o pedido do chefe Bolsonaro? O de abrir semanalmente as sessões do STF com uma oração. E o Estado-laico? Vai dar em pizza? A CPI da Covid-19 dará em pizza? Difícil saborear a massa ante tantas evidências. Mas este analista não acredita em impeachment do presidente. Um caldo grosso será ofertado, mas os condimentos políticos tentarão açucarar as decisões. Pacheco Anotem este nome: Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, mesmo nascido em RO, é um mineiro de quatro costados. Entrará no PSD de Kassab e será candidato à presidência da República em 2022. A conferir. Terceira via. Alckmin e Kalil Gilberto Kassab sabe costurar o tecido político. Puxa Geraldo Alckmin para o PSD, que o lançará candidato ao governo de São Paulo, em 2022. E já tem acertada a candidatura de Alexandre Kalil, prefeito de BH, ao governo de MG. E Lula? Como sair da polarização Bolsonaro x Lula? Tirando um ou outro. Para Bolsonaro sair, só o impeachment. Que faria afundar a candidatura petista. Diante dessa improvável alternativa, Lula navegará tranquilo. Até o nome da terceira via vingar. Ligeirandubas... A segunda parte da coluna continua com ligeiras passagens. Clima social Há ameaça de golpe nos horizontes eleitorais? Palavras ao vento. O destino do Brasil não aceita golpes sem um imenso apoio social. E isso faltará a qualquer protagonista com tal intenção. A profissionalização das Forças Armadas falará mais alto que eventuais ameaças. Economia Tende a melhorar nos próximos meses. Imposto de renda Com desafogo no bolso das classes médias, a reforma do IR poderá atrair a simpatia de contingentes eleitorais. Tributária Vejamos o que diz o amigo ex-deputado Luiz Carlos Hauly, um dos maiores especialistas em matéria de reforma tributária: "A aprovação da PEC 110 vai proporcionar uma Black Friday permanente para o consumidor brasileiro. Ela vai eliminar R$500 bilhões por ano de gorduras trans dos preços relativos de Bens e Serviços e eliminar de imediato 50% da sonegação fiscal anual de R$600 bilhões. Vai proporcionar um novo círculo virtuoso de crescimento Sustentado com renda e consumo para todas as famílias e em especial para as de menor renda, que são a maioria da nossa população." Vespasiano Do mestre Rui Barbosa: "Vespasiano dizia que, para um imperador, decência é morrer de pé, decência é cumprir bem o seu papel." A falta de vergonha, por estas plagas, chega ao pico da montanha. O reino da mentira Já o Reino da Mentira, descrito pelo senador Rui Barbosa, nos idos de 1919, volta à ordem do dia: "Mentira por tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu. Nos inquéritos. Nas promessas. Nos projetos. Nas reformas. Nos progressos. Nas convicções. Nas transmutações. Nas soluções. Nos homens, nos atos, nas coisas. No rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Nas responsabilidades. Nos desmentidos." Bismarck Nesses tempos de preamar do niilismo, cai bem nas nossas cabeças a insinuação do chanceler Von Bismarck (1862-1890): "se as pessoas soubessem como se fazem as leis e as salsichas", possivelmente não cumpririam as primeiras nem comeriam as segundas. Vale quanto pesa Um aspecto fica bastante patente na fisionomia dos Países de sólida democracia: as leis valem pelo peso da importância, tornando-se conhecidas, respeitadas, rigorosamente adotadas e, sobretudo, gerando resultados e fazendo convergir os interesses coletivos. Clima eleitoral Com muita antecedência, a campanha eleitoral de 2022 começa a ganhar as ruas. E, como se sabe, com alvos a atrair; eleitores interessados na política, racionais, com intenção de voto definida; e grupamentos dispersos, desinformados, instáveis e emotivos. Os primeiros se interessarão pelos discursos de seus candidatos, sendo pouco suscetíveis às mensagens dos adversários, enquanto os segundos, pragmáticos, podem mudar de posição, de acordo com os benefícios - maiores ou menores - oferecidos pelos contendores por meio de propostas para áreas como saúde, educação, transportes, segurança, habitação, emprego e bem-estar social. Quem prometerá mais? Campanha negativa Preparemo-nos para ver campanhas negativas. Pinço um caso dos EUA, tradição naquele país. Lyndon Johnson, candidato democrata a presidente em 1964, foi o primeiro a pagar anúncios para desmoralizar o rival Barry Goldwater. Uma menina no campo desfolhava pétalas de uma margarida, enquanto as contava uma a uma, até que, chegando ao dez, uma voz masculina começava a reverter a contagem. Na hora do zero, sob um ruído ensurdecedor, via-se na tela uma nuvem de cogumelo, simbolizando a bomba atômica, e a voz de Johnson: "Isto é o que está em jogo - construir um mundo em que todas as crianças de Deus possam viver ou, então, mergulhar nas trevas. Cabe a nós amar uns aos outros ou perecer." O arremate: "Vote em Lyndon Johnson. O que está em jogo é demais para que você se possa permitir ficar em casa." Em nenhum momento se mencionava Barry Goldwater, o candidato republicano. O anúncio saiu apenas uma vez, mas as TVs o repetiram. Outros foram criados e massacraram o falcão republicano. Aluízio alves Aluízio Alves, pioneiro do uso das ferramentas do marketing político, candidato a governador do Rio Grande do Norte em 1960, acusado pelo adversário de correr o Estado dia e noite liderando multidões pelas estradas, apropriou-se do termo "cigano" a ele atribuído. Enfeitiçou as massas. Os comícios pegavam fogo. Dinarte Mariz, o governador, patrono da candidatura de Djalma Marinho, menosprezava: "Quem vai a esses comícios é uma gentinha analfabeta." Aluízio adotou o termo: "Minha querida gentinha." Ganhou a eleição. P. S. Quando as acusações assumem um toque pessoal, podem se voltar contra o agressor. A desconstrução de perfis acaba se voltando contra o desconstrutor. Pão e circo "Os povos gostam do espetáculo; através dele, dominamos seu espírito e seu coração". Luís XIV. Maquiavel já aconselhava ao Príncipe "divertir e reter o povo em festas e jogos". Os tiranos que surgiam nas cidades gregas entre os séculos VII e VI A.C. já utilizavam intensamente as festas populares em benefício de sua propaganda.
quarta-feira, 7 de julho de 2021

Porandubas nº 723

A paixão de Cristo O que vou narrar deu-se na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na Sexta-Feira santa. Elenco escolhido dentre os moradores e no papel de Cristo, o cara mais gato da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que 'Jesus' estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do 'centurião'. - Como? - reclamaram - Você não ensaiou! - Não é preciso ensaiar, porque centurião não fala! O elenco teve de aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz ... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas. - Oxente, cabra, tá machucando! Reclamou Jesus, em voz baixa. - É pra dar mais veracidade à cena, devolveu o centurião. E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião: - Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso! O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando: - É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura, que aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não! Panorama visto da sacada Nesses tempos de reclusão, é agradável contemplar o panorama da sacada. Melhor que tentar ver as cores da paisagem na solidão do escritório. Daqui dá para enxergar que o comandante em chefe das Forças Armadas se vale da sua condição de militar para continuar a se referir ao "meu Exército", continuar a dizer que só perderá em outubro de 2022 se houver "fraude", fustigar a CPI da Covid-19 e até a dar estocadas no STF. Delfim Netto Daqui, dá para refletir sobre uma entrevista de Delfim Netto, o ex-todo poderoso ministro da Fazenda dos tempos de chumbo, ver que ele acredita na vitória de Lula no primeiro turno das eleições do próximo ano e mais: que Bolsonaro não contaria com apoio das Forças para alguma ação golpista, devendo ir tranquilamente para a casa depois de derrotado democraticamente nas urnas eletrônicas. Derrota que acontecerá mesmo que o PIB chegue a 5% este ano. Este analista, com todo respeito e interlocução que mantém com Delfim, um amigo, não é fiador dessa hipótese. PIB da felicidade Se o PIB jogar dinheiro no bolso do consumidor e tivermos uma vacinação em massa, como tenho repetido em minhas análises, o capitão deverá manter seu assento no Palácio do Planalto. A não ser que essas hipóteses não se realizem, Bolsonaro poderá resgatar a força e a condição de favorito. O PT no poder reabriria o passado de lodo. Não será simples uma volta de Lula por cima de todo o contencioso que cobre a imagem do lulopetismo. A decisão do STF de anular as sentenças do ex-juiz Sergio Moro, condenando Lula, não será suficiente para apagar sua trajetória, eis que os casos continuarão a infestar os espaços midiáticos. A conferir. PIB infeliz O Sul (SC, RS e PR) e o Centro-Oeste são as regiões onde o PIB da Felicidade é maior. O Nordeste lidera o PIB da Infelicidade. O índice acaba de sair. Semipresidencialismo Juristas, como Gilmar Mendes e Luís Barroso, políticos e perfis de prestígio, como o ex-presidente Michel Temer, apontam para o semipresidencialismo, maneira de atenuar os perigos da governabilidade sob as asas de Bolsonaro e de Lula. Ou seja, não haveria de ter receio da vitória de um ou outro, na medida em que um novo sistema de governo passaria o poder de governar a um primeiro-ministro, cabendo ao presidente chefiar o Estado, fazer as honras da Casa em matéria de relações internacionais, deixando a rotina com um ministério organizado pelas forças legislativas. Este analista acredita que esta mudança encontrará imensos desafios. Vejamos. A cultura presidencialista A semente presidencialista viceja em todos os espaços, dos mais simples e modestos aos mais elevados. Por estas plagas, o termo presidente faz ecoar significados de grandeza, forma associação com a aura do Todo-Poderoso, com as vestes do monarca, com a caneta do governante que tem influência, poder de mandar e desmandar. Até no futebol o presidente é o manda-chuva. O chiste é conhecido: como o ato mais importante da partida de futebol, o pênalti deveria ser cobrado pelo presidente do clube. De presidente para presidente Em 1980, no final do Campeonato Brasileiro, o Flamengo ganhou por 3 a 2 do Atlético Mineiro, em polêmica partida disputada no Maracanã. O árbitro expulsou três jogadores do Atlético, a bagunça tomou o campo e agitou os nervos. No fim, transtornado com o "resultado roubado", Elias Kalil, presidente do Atlético, exclamou aos berros: "Vou apelar para o presidente da República, João Figueiredo! Vou falar pra ele de presidente para presidente!" O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com forte poder de mando faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. Aparato milenar Tarefa impossível essa de pegar um machado para cortar o tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia portuguesa os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, incluindo o beija-mão. O sociólogo francês Maurice Duverger defende a tese de que o gosto latino-americano pelo sistema presidencialista tem de ver com o aparato monárquico na região. O vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, com seus reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, plasmaram a inclinação por regimes de caráter autocrático. O presidencialismo por estas plagas agregaria forte dose de autocracia. Coronelismo Lembremos que a semente do presidencialismo tem sido plantada na mesma terra da semente do "coronelismo", vetor que até hoje impera na política brasileira, definido por Vitor Nunes Leal em Coronelismo, Enxada e Voto como compromisso, "troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência dos chefes locais, notadamente os senhores de terras". Portanto, a política nacional tem seu desdobramento no espaço da estrutura agrária, onde residem as manifestações do poder privado que se apropria da esfera pública, fenômeno visível e presente ainda hoje no interior do País. Como lembra Nunes Leal, o sistema coronelista gerou filhotes, como o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais. Seu lema era: "para os amigos, pão; para os inimigos, pau". Ou, em outros termos: "para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei". Parlamentarismo Já o parlamentarismo que vicejou na Europa teria se inspirado na ideologia liberal da Revolução Francesa, cujo alvo era a derrubada do soberano. Isso explicaria a frieza europeia ante o modelo presidencialista. A disposição monocrática de exercer o poder vem, no Brasil, desde 1824, quando a Constituição atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencialismo, na Carta de 1891 - que absorveu princípios da Carta americana de 1787 -, só foi interrompida no interregno de 1961 a 1963, quando o País passou por ligeira experiência parlamentarista. Eliminar os galhos da árvore presidencialista é missão para algumas gerações. A estadania Outra faceta que se conecta ao presidencialismo é a estadania. Expliquemos. Entre nós, a cultura do Estado prevalece sobre a cultura do cidadão. No Brasil houve uma inversão da lógica descrita por Thomas Marshall, em Cidadania, Classe Social e Status. José Murilo de Carvalho lembra que as nações democráticas, a partir da Inglaterra, implantaram, primeiro, as liberdades civis, a seguir, os direitos políticos e, por último, os direitos sociais. Por aqui, estes vieram primeiro. O Poder Executivo, operando as ações públicas, eleva-se no conceito das pessoas por simbolizar o distribuidor de 'benesses'. Direitos são vistos como concessões, e não como prerrogativas da sociedade, criando uma 'estadania' que sufoca a cidadania. Getúlio Vargas, ao fomentar as leis sindicais (CLT) e o sindicalismo na década de 30, criou um processo de tutela, amortecendo o ânimo social e dificultando a emancipação política da sociedade. Não por acaso, critica-se a força avassaladora do presidencialismo de cunho imperial. A dependência do Estado Desde o final do século XIX, o Brasil tenta construir, lenta e gradualmente, o altar da Cidadania de sua gente. Em 1881, tinha 12 milhões de habitantes, dos quais poucos eram imunes à manipulação dos governos. Ainda hoje, traços de uma população amorfa impregnam nossa identidade, reflexo da carga negativa que paira sobre a fisionomia nacional: a pobreza educacional das massas; a perversa disparidade de renda entre classes; o sistema político resistente às mudanças; o hiperpresidencialismo de cunho imperial etc. Não é à toa que o assistencialismo, como dádiva, corre nos desvãos das três esferas da administração pública. O adjutório que os governos criam e ampliam é o anzol para "pescar" os peixes em mares escassos de alimentos. Anomia Outra faceta bem transparente é a anomia que se espraia no país, um território que parece desconhecer as leis. Corruptos e facínoras, se condenados, ganham o mesmo status perante a lei. Esse estado anômico vem de longe. Desde os idos da colônia e do Império, fomos afeitos ao regime de permissividade, apesar da rigidez dos códigos. Tomé de Souza, primeiro governador-geral, chegou botando banca. Os crimes proliferavam. Avocou a si a imposição da lei, tirando o poder das capitanias. Um índio que assassinara um colono foi amarrado na boca de um canhão. Ordenou o tiro para tupinambás e colonos entrarem nos eixos. As ordenações Mas em 1553 uma borracha foi passada na criminalidade, com exceção dos crimes de heresia, sodomia, traição e moeda falsa. Depois vieram as Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), que vigoraram até 1830. De tão severas, a ponto de estabelecerem a pena de morte para a maioria das infrações, espantaram até Frederico, o Grande, da Prússia, que ao ler Livro das Ordenações, chegou a indagar: "Há ainda gente viva no reino de Portugal?" Mas os castigos acabavam perdoados. A regra era impor uma dialética do terror e do perdão para fazer do rei um homem justiceiro e bondoso, como relata Luís Francisco Carvalho Filho em ensaio sobre a impunidade no Brasil. Poranrápidas 1. Voto impresso? Não passa O voto impresso é uma expressão recorrente na boca do nosso presidente. Pois bem, a MP do voto impresso não passa. 2. Cinturão apertado O cinturão do governo está mais apertado. Continua a cair a avaliação positiva do bolsonarismo. Não a ponto de tirar o fôlego da máquina. 3. Impeachment Só mesmo com povo na rua. Este analista não divisa condições de pressão. Por enquanto. Pandemia e economia complementam os fatores desta equação. 4. Tebet A senadora Simone Tebet (MDB-MS) seria um bom nome para entrar no páreo presidencial. 5. Segundo semestre Quanto mais demorar a CPI, pior para o governo. Se for prolongada em mais 90 dias, governo chegará ensanguentado às portas do Ano Novo. Fecho a coluna com Diógenes Patrimônio histórico Teremos o nosso Forte dos Reis Magos inserido no patrimônio nacional? Esta é a crença deste escriba com a nomeação do professor, escritor, poeta e advogado Diógenes da Cunha Lima como o primeiro potiguar a ocupar o cargo de conselheiro no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão que integra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Diógenes cumprirá um mandato de 4 anos. E o Iphan é o órgão que trata das questões relativas ao patrimônio cultural brasileiro. Já integraram a entidade intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, Edgar Roquete Pinto e Afonso Arinos de Melo Franco, entre outros grandes perfis.
quarta-feira, 30 de junho de 2021

Porandubas nº 722

Abro a coluna com uma historinha do Maranhão. Em campanha José Burnet, chefe da Casa Civil do governador do Maranhão, João Castelo, era deputado estadual do PSD. Em 1962 candidatou-se à Câmara Federal e saiu pelo interior fazendo campanha. Chegou à cidade de Santa Helena, foi para o comício: - Povo de Santa Helena. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Santa Helena. Foi um sucesso. No dia seguinte estava em Pinheiro: - Povo de Pinheiro. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Pinheiro. Lá de trás, um caboclo, que por acaso tinha assistido ao comício da véspera em Santa Helena, gritou: - Doutor, e Santa Helena, doutor? - Santa Helena? Santa Helena? Santa Helena que me perdoe. Queda de Bolsonaro assusta A queda do presidente Jair nas pesquisas começa a apavorar parcela do eleitorado, tanto a ala bolsonarista como aquela que não vota no PT de jeito nenhum. Vamos aos dados: o IPEC, de Márcia Cavallari, que este analista conhece bem, atestando sua competência, mostra que mais da metade, 53% dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno de 2018, pretendem trocar de candidato ou apertar as teclas de branco e nulo na urna eletrônica em outubro de 2022. E um quarto, 26%, dos votantes no capitão sinalizam o voto em Lula, enquanto 34% dos que o elegeram não votariam nele de jeito nenhum. Os dados abrem muitas projeções, principalmente a de que o ex-metalúrgico, que ainda dá as cartas no PT, poderia chegar ao pódio já no primeiro turno. E isso amedronta. Imagens em reconstrução I Uma parcela considerável do eleitorado continua refratário ao lulopetismo. Não vota de jeito nenhum no PT e outra parcela não vota de jeito nenhum em Bolsonaro. O que fazer? Dar tempo ao tempo. Os índices acima podem não se sustentar caso a imagem do presidente seja remodelada com a tintura de uma economia em plena recuperação e uma pandemia em estágio completo de controle. Difícil, mas não impossível. Em política, nada é definitivo. Imagens em reconstrução II E a imagem do petismo poderia também ser mais limpa, caso Lula consiga se redimir dos pecados, aproximar-se do centro e formar alianças que ocupem o espaço central. Os dutos da corrupção, a partir da Petrobras, foram escancarados. Difícil, mas também não impossível. Restaria uma parcela menor que, mesmo assim, não votaria em qualquer um deles. O vazio continuaria a esperar um perfil de centro. A prevaricação O momento não é tranquilo para Bolsonaro. O depoimento dos irmãos Miranda joga a crise no colo do presidente. A se comprovar crime de prevaricação - o fato de ter conhecimento de aquisição irregular de vacinas, com intermediação de terceiros, sem tomar providências - dispara tensões na sala presidencial. Vamos acompanhar a denúncia a ser feita por senadores da CPI da Covid-19. O centrão, pragmático, terá dificuldades em continuar com seu apoio irrestrito ao presidente, principalmente se o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros, for envolvido. A PGR e o próprio STF terão papel decisivo nos próximos passos da CPI. Defesa de Bolsonaro: "não tenho como saber o que acontece nos Ministérios". Para que serve a ABIN? A CPI aguarda informações da PF sobre eventual pedido de investigação feito por Bolsonaro sobre corrupção na Pasta da Saúde. O tirano Maquiavel conta no Livro III dos Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para se tornar um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social. Quebrando a polarização Pergunta recorrente: como quebrar a polarização entre Bolsonaro e Lula? Este analista tenta expressar uma resposta: 1. Aparecendo um perfil no meio do arco ideológico que atenue a força dos extremos; 2. Tirando Lula do tabuleiro, o que, a essa altura, dependerá dos tribunais. Ou por vontade própria; 3. Tirando Bolsonaro do tabuleiro, o que dependerá do corpo congressual, em caso de aceitação e votação de um pedido de impeachment. Tumulto Este analista acredita que se Lula voltar a ser impedido de ser candidato por via judicial, haverá tumulto nas franjas e no meio da sociedade; e se Bolsonaro for impedido pelo impedimento, via Congresso, também haverá tumulto, sob o risco de algum golpe de espada. Há dúvidas, muitas, sobre tal hipótese. As divisões se acentuarão. Datena candidato? José Luiz Datena, o apresentador da Band, fechou sua filiação ao PSL. Um dos líderes do partido, o deputado Junior Bozzella diz que Datena chega no partido para entrar nas pesquisas sobre presidenciáveis. Datena chega ao partido depois de sinalizar vontade de ingressar na arena política, desistir e, agora, de se apresentar como candidato de terceira via. Difícil de acreditar, mas o Brasil é um dos sítios mais frequentados pelo Senhor Imponderável. Leveza "Ao longo de seu discurso ininterrupto sobre o insustentável peso do viver, Leopardi traduz a felicidade inatingível com imagens de extrema leveza: os pássaros, a voz de uma mulher que canta na janela, a transparência do ar, e sobretudo a lua". (Ítalo Calvino in Seis Propostas para o Próximo Milênio). A malandragem I O preconceito etário continua forte. Ter 45, 50, 60 anos hoje é bem diferente do que era em tempos passados. O número de pessoas com mais de 60 anos no Brasil já é superior ao de crianças com até 9 anos de idade. A população 50+ movimenta mais de R$ 1,8 trilhão, sendo a fatia com maior poder aquisitivo. Mas o etarismo permanece. E ultimamente tem sido muito comentado. A expectativa da vacina contra a Covid-19 despertou faixas etárias. Milhões de pessoas com prioridade avançaram na fila sob a batuta da malandragem brasileira. A malandragem II Um pouco da história da malandragem no Brasil. Final da carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei de Portugal. "E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que dela receberei em muita mercê." E conclui Caminha: "Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha."Um pedido aqui, um trololó acolá e tome bajulação. Roçados e feudos A corrupção não foi extirpada da administração pública. Continua densa. E as máfias agem nas malhas do poder. Como se sabe, a máquina governamental se parece com uma imensa e paquidérmica porca, deitada e alimentando os filhotes. Ou, se quiserem, há roçados e feudos distribuídos a grupos partidários. Aos amigos, tudo; aos adversários, a lei. Jung e o rei africano Jung perguntou, uma vez, a um rei africano: - Qual é a diferença entre o bem e o mal? O rei meditou, meditou e respondeu às gargalhadas: - Quando roubo as mulheres do meu inimigo, isso é bom. E quando ele rouba as minhas, isso é muito ruim. Sommelier de vacinas A última profissão no país é a de sommelier de vacinas, a pessoa que quer "experimentar" uma vacina em vez de outra. Ora, os infectologistas e imunologistas alertam: vacina boa é vacina no braço. Vacinem-se com as vacinas que estão à disposição. Efeitos colaterais podem (ou não) ocorrer com qualquer vacina, seja AstraZeneca, CoronaVac, Pfizer ou Janssen. O governo do espetáculo "O governo do espetáculo, que no presente momento detém todos os meios para falsificar o conjunto da produção tanto quanto da percepção, é senhor absoluto das lembranças, assim como é o senhor incontrolado dos projetos que modelam o mais longínquo futuro. Ele reina por toda a parte e executa seus juízos sumários". (Guy Debord in A Sociedade do Espetáculo). Xexéo Deu-nos adeus Artur Xexéo, jornalista, escritor, tradutor e dramaturgo brasileiro. Deixa sua marca na paisagem da cultura. E os livros: Liberdade de expressão; Janete Clair: A usineira de sonhos; O torcedor acidental; e Hebe: A biografia. Respeitado, comentarista da Globo News e, por muito tempo, da CBN. Com 69 anos, estava internado na Clínica São Vicente, na Zona Sul do Rio. Diagnosticado com um câncer tipo linfoma não-hodgkin de célula T duas semanas atrás, teve uma parada cardiorrespiratória na sexta-feira, 25, e morreu domingo.Minhas homenagens. Fecho com o meu RN. Prócer e líder Outra historinha contada por Carlos Santos, em seu livro Só Rindo 2. Auxiliar direto do governador Dinarte Mariz, Grimaldi Ribeiro apresenta-lhe outro político interiorano no Palácio Potengi: - Este é um prócer político do Trairi - define. Noutra oportunidade, utiliza vocábulo diferente: - Governador, esta é uma liderança política da região Oeste. Intrigado com as constantes distinções, mas sem captar a sutileza da separação, o arguto Dinarte interpela Grimaldi: "Por que uns são próceres e outros lideranças?". Professoral, Grimaldi justifica: - Governador, prócer só tem pose, e liderança é que tem voto.
quarta-feira, 23 de junho de 2021

Porandubas nº 721

Dois "causos" hilários, antes da leitura da conjuntura. Deu-se o vice-versa Dr. Dantinhas, deputado da Bahia, elo de todo um clã político do Estado (neto do barão de Geremoabo), foi convidado para padrinho de casamento da filha de um coronel do sertão. No dia de viajar, recebeu telegrama: - Compadre, não precisa vir. Deu-se o vice-versa. Menina morreu. Puxa-sacos Tempos eleitorais. Tempos de fidelidade e infidelidade. Guararé era cabo eleitoral do governador Sebastião Archer, do Maranhão. Convenção do PSD, alguém acusou Guararé de puxa-saco. Guararé argumentou: - Cada um puxa quem pode. Eu puxo o senhor, governador Archer. O senhor já puxa o senador Vitorino Freire. E o senador puxa o general Dutra. É a lei da fidelidade partidária. Tópicos sobre a conjuntura Canalhas O encontro do presidente Jair com jornalistas, anteontem, em Guaratinguetá/SP, mostrou o capitão nervoso e virulento. Mandou uma jornalista calar a boca, chamou outros de canalhas, fazem um jornalismo porco, atirando na CNN e na TV Globo. A postura presidencial, mesmo que não cause surpresas, sabendo-se como usa a linguagem, chamou a atenção em razão da indignação ter como motivo a manifestação contra ele no sábado último. Bolsonaro ainda tirou a máscara quando falava e arrematou dizendo que o "nove dedos" só ganhará dele em outubro de 2022 se houver fraude. Por antecipação? A campanha está nas ruas. Mas nem Bolsonaro nem qualquer analista, por mais arguto que seja, podem dizer quem ganhará o pleito. Veremos muita água a correr por baixo da ponte até outubro do próximo ano. Bolsonaro quer o voto impresso, quando se sabe que esta modalidade favorece fraudes. E sinaliza com uma convulsão social se a comprovação impressa do voto não for aprovada. A Câmara votará nos próximos dias o processo. Pelo que se infere das extravagâncias do mandatário-mor, ele tenta desenhar um cenário de fraudes para tentar reverter o impacto de eventual derrota. P.S. Lembre-se que ele esbravejou contra "fraude" na eleição de 2018, garantindo que ganhou no primeiro turno. A propósito, o corregedor do TSE, ministro Luiz Felipe Salomão, acaba de estipular o prazo de 15 dias para que Bolsonaro apresente provas da fraude. Condições Como tenho exaustivamente descrito, a vitória do atual comandante do país dependerá da economia saudável + bolsas e auxílios emergenciais + vacinação em massa da população + garantia de equilíbrio, credibilidade e segurança. Imagem de que poderá virar a mesa causará medo. A economia saudável, por exemplo, é uma variável com raízes na conjuntura internacional. A quantas andará a inflação? E o nosso PIB? O país receberá afluxo de investimentos? Candidatos de Bolsonaro Há um grupo, a cada dia ganhando mais corpo, que tentará se abrigar na sombra de Bolsonaro para enfrentar a tempestade eleitoral. E o próprio presidente acredita que sua sombra é como tiro e queda: quem ficar sob sua proteção, chegará ao paraíso. Pura ilusão. O eleitorado de um pleito costuma não repetir o modelo anterior. Se o presidente imagina que tudo será como 2018, quando uma leva de figurantes chegou ao pódio graças a ele, engana-se. Mesmo que consiga vencer - o quadro será bem mais difícil pela vacina ética que oxigena os eleitores - não se repetirá a situação. Tarefa das mais difíceis será eleger um candidato tirado do bolso do colete. A mosca azul A nota acima é um lembrete aos atuais ministros e assessores: cuidado com a mosca azul. Salles O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é persona non grata na paisagem ambiental das Nações. É designado "ministro do desmatamento". Nas redes, o humor: há uma nova dupla caipira no mercado musical, Mata e Desmata. Bolsonaro e Salles. Luz 15% mais cara A crise hídrica apertará o bolso, a partir de julho, com um aumento em torno de 15% nas contas. Bandeira vermelha. Aperto no bolso, barriga roncando. Covax, 1000% A vacina da Covax foi comprada a um preço 1000% mais alto do que o anunciado pela própria fabricante, Bharat Biotech, seis meses antes da aquisição. De US$ 1,34 a dose, o Ministério da Saúde a adquiriu por US$ 15 por unidade. Teve intermediário. E processo acelerado. Sonhos que se vão.... Sonhos que se esfumaçam sob o empuxo das crises sanitária e econômica. Dado de arrepiar: quase metade dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos (47%) pensa em sair do país para ter estabilidade e melhores condições de vida. É o que escancara a pesquisa Atlas das Juventudes da FGV Social. A maioria não pertence à classe média alta que vai para o exterior fazer intercâmbio, cursar um MBA ou garantir um diploma internacional de mestrado. Muitos dos jovens estão à procura de uma vaga de trabalho há mais de um ano e acreditam que no exterior é possível juntar dinheiro, conseguir a casa própria, um carro e ter condições financeiras para viajar e comer fora de casa. A autoestima se esvanece É triste constatar que a autoestima dos brasileiros está em um dos níveis mais baixos de toda a história. As populações aflitas rogam aos céus. O conceito de Pátria se esvanece. O que vemos não é o anelo comum, a união de ideais, a comunhão da coletividade na mesa da harmonia, da satisfação, das expectativas atendidas, da felicidade. A Nação, que é a congregação de valores, dá lugar ao território, o espaço físico que se torna mero habitat, onde a barbárie se instala e se estende, sob a forma da banalidade da morte, dos milhões de seres que vivem na extrema pobreza, da má gestão da coisa pública, dos precários serviços do Estado, da irresponsabilidade dos governantes. Tristeza e angústia enchem os corações. Em São Paulo No Estado mais poderoso da Federação, mais de um milhão de famílias vivem na condição de extrema pobreza. Bolsonaro na CPI O vice-presidente da CPI da Covid-19, senador Randolfe Rodrigues (Rede Sustentabilidade-AP), diz que o presidente Jair Bolsonaro será preso. O relator, senador Renan Calheiros(MDB-AL), anuncia que vai tentar inserir o presidente no rol dos depoentes. As duas sinalizações podem dar com os burros n'água. Bolsonaro se mostra um rebelde contra as normas. Como sempre lembra, faz o que quer, vai aonde quiser. O nó górdio e o ovo de Colombo Se a paisagem política fosse outra, as alternativas poderiam ser as mesmas que Alexandre, o Grande, e Cristóvão Colombo, escolheram para suas manobras. O oráculo prognosticara que o guerreiro que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Desistiram. Alexandre Magno, a quem também foi posto o desafio, tinha duas opções: desfazer o nó, corda a corda, ou cortá-lo com a espada. Foi o que fez. Num lance rápido, cortou o nó. Cristóvão Colombo não ficou horas tentando equilibrar o ovo em posição vertical, que era o desafio imposto. Muitos tentaram e não conseguiram. Colombo chegou, olhou, pensou. Com uma batida na extremidade mais larga, pumba, o ovo fixou-se sobre a mesa. Alexandre e Cristóvão exibiram a capacidade de antever possibilidades, quando a maioria das pessoas só enxerga restrições. Se as circunstâncias políticas assim o permitissem - derrocada da economia, falta de apoio congressual, bombas reveladas pela CPI da Covid - o nó górdio e o ovo seriam o impeachment. Este analista não acredita nesta hipótese. A não ser que o Brasil inteiro fosse para as ruas. Alternativa também complicada. O capitão tem por volta de 25% do eleitorado hoje. A ponderabilidade O território da ponderabilidade é vasto. Abriga tudo o que é provável ocorrer, numa escala que abriga situações com forte, média ou tênue previsibilidade. Veja-se o caso das vacinas. Mesmo com a comprovação de delitos, irresponsabilidade, compras superfaturadas, o ambiente político tende a amainar a situação dos implicados. Haverá manifestações de ruas nos próximos tempos? É bem possível, tendo em vista a estampa de indignação e a crescente participação de grupos militantes com interesse em antecipar a campanha eleitoral. A inflação poderá enervar os consumidores da cesta básica e contribuir para a desestabilização eleitoral? Se subir muito, sem dúvida. E uma virada de mesa? Golpe? Ah, coisa bem mais complexa. Terreno da imponderabilidade. Fecho com um pouco de humor. Farta feição José Aparecido chegou à sua Conceição do Mato Dentro/MG, começou a romaria dos amigos. Entrou um coronel, mansos passos e chapéu na mão: - Bom dia, doutor. Boa viagem? - Boa. Como vão as coisas? - Tudo correndo como de costume. Novidade aqui nunca tem e lá pra fora não sei, porque minha televisão está defeituada. - O que é que aconteceu com ela? - Não sei não. Às vez, farta prosa, às vez, farta feição. (José Aparecido foi deputado Federal, ministro da Cultura, governador de Brasília e embaixador em Portugal. Excepcional figura).