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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 1 de março de 2023

Porandubas nº 797

Abro com uma historinha do meu querido RN. O sabiá do senador Quando senador pelo Rio Grande do Norte, Agenor Maria (sindicalista rural, falecido em 1997), visitando o município de Grossos, foi interpelado pelo prefeito Raimundo Pereira. "Estamos precisando de uma escola para a comunidade de Pernambuquinho." De pronto, Agenor garantiu-lhe apoio à proposição. Semanas depois, um telegrama traz a boa-nova ao prefeito. "Escola está assegurada. Mande-me o croqui." Tomado pelo espírito de gratidão, Raimundo visita Agenor para agradecer o empenho, carregando uma gaiola à mão. Diante do senador, que estranha o acessório, Raimundo vai logo se explicando. "Eu não peguei um concriz como o senhor pediu, mas trouxe esse sabiá. O bichinho canta que é uma beleza!" (Historinha narrada em Só Rindo 2, por Carlos Santos). Panorama Pós-carnaval Depois da folia e do descanso carnavalesco, o país começa a funcionar. A desolação da paisagem no litoral norte de São Paulo, a partir de São Sebastião, ainda é a imagem que ocupa as nossas cacholas. E as velhas verdades sobem, mais uma vez, à tona: crônica das mortes anunciadas; irresponsabilidade dos nossos governantes, que não realizaram ações de prevenção; ambição de endinheirados, preocupados em manter sua vivência de conforto; ocupação desenfreada de espaços nas encostas das matas. O Brasil se repete no ciclo das tragédias provocadas pelas chuvas de verão. Conflitos na economia Pouco a pouco a realidade cotidiana desenha sua dureza, enquanto as comunidades aguardam o desfecho de medidas que afetarão seu bolso. A gasolina, por exemplo. Voltará a ser onerada, mais que o etanol. Afinal, o cofre do Tesouro Nacional não pode secar. Fernando Haddad, o ministro da Economia, defende a volta da oneração. Ganha a primeira batalha de uma guerra que vai durar. Seus opositores juntam os petistas com mando e força, a partir de Gleisi Hoffmann, a poderosa presidente do PT, que pregam conter aumentos de combustíveis para acarinhar as massas. Defendem, assim, medidas que consigam minorar as aflições dos consumidores. É o que se chama de populismo. Haddad ganhou, por enquanto. Lula lhe dá apoio. Olhar cismado da política Os guerreiros da política esperam as ordens de seus comandantes: presidentes das casas congressuais, líderes partidários, líderes governamentais e das oposições, comandantes de ministérios. Estão cismados. Voltam os olhos para os passos de Luiz Inácio. Vai entregar cargos de segundo escalão? Vai cumprir o acordo com as bancadas que lhe garantiram o assento presidencial? O semestre legislativo recomeça sob uma sombra de interrogações e dúvidas. Haverá ainda um bom tempo até se chegar aos 100 dias de governo, prazo tradicionalmente concedido ao mandatário-mor para dar conta do retrato da administração. Teremos mais 30 dias. Reforma tributária? Será a reforma mais urgente, com possibilidade de acender os interesses dos grupos parlamentares. Por via das dúvidas, consulto o especialista Luiz Carlos Hauly, ex-deputado e mais arguto consultor sobre matéria de tributos, que me diz: "A Câmara está tentando assumir novamente o protagonismo da Reforma Tributária com a criação de um Grupo de Trabalho - GT, que terá como relator o Agnaldo Ribeiro, relator da PEC 45, que foi arquivada pelo Lira e que foi também relator da Comissão Mista, cujo texto foi acolhido em parte pelo relator da PEC 110, Roberto Rocha. Meu foco está no protagonismo do Senado com a PEC 110 que está pronta para ser votada na CCJ. E é a que conta com maior apoio no congresso e nos setores produtivos". A visão de Appy O secretário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, arremata em o Jornal da Globo: "Quando a economia cresce, todo mundo ganha. Ganham os cidadãos, porque aumenta o poder de compra das pessoas, ganham as empresas, porque quando elas crescem mais, elas têm mais rentabilidade, e ganha o próprio governo, porque, quando a economia cresce mais, o governo arrecada mais". As oposições Estão dispersas e à procura de um comandante geral. O perfil de Bolsonaro é magro para entrar nesse figurino. Faltam-lhe densidade, qualidade, conteúdo, E mais, as características de liderança abrigam, ainda, os valores do bom senso, do equilíbrio, de grandeza cívica. Jair é sinônimo de desastrado, desembestado, irreverente, mal-educado, destrambelhado. A ele faltaria uma visão de país. Só com meia dúzia de adjetivos e porradas expressivas, ele não conseguiria o respeito e a credibilidade que liderança forte requer. Figuras nevrálgicas O governo, por sua vez, exibe em sua galeria figuras que começam a ser alvo de bombardeios midiáticos, dentre os quais, alguns ganham destaque: André Ceciliano, nomeado secretário de Relações Institucionais, acusado no escândalo das rachadinhas, quando era deputado estadual no RJ; o ministro Juscelino Filho (União-MA), das Comunicações, acusado de fazer uso irregular do fundo eleitoral e de usar emendas do Orçamento em benefício próprio em 2022, quando era deputado Federal; e ainda acusado de usar avião da FAB para ver corrida de cavalo de raça em SP. A ministra do Turismo, Daniela Carneiro, gastou mais de R$ 1 milhão com gráficas que não têm serviço de impressão nos endereços cadastrados; e foi acusada de receber apoio da milícia do Rio de Janeiro durante sua campanha eleitoral. Anoto o que a imprensa levanta: "Mais da metade dos ministros de Lula tiveram problemas na Justiça". Judiciário na encruzilhada Com o Legislativo cismado, o Executivo em meio a atritos sobre caminhos a seguir, para onde vai o Judiciário? A pergunta ganha sentido ante a montanha de processos que batem na Corte, envolvendo os vândalos da tragédia por eles cometida em 8 de janeiro passado? O Judiciário parece tocar uma nota só, a que se ouviu por ocasião da tentativa de golpe. O STF tem ganho a cara de uma delegacia de polícia, um centro de aglutinação de amotinados e criminosos. Está entre a cruz e a caldeirinha: o que o Supremo deve fazer, qual a rota a seguir? Os ministros respondem: defender a letra constitucional. Ora, mas os seus canais parecem entupidos com tanta demanda na área criminal. Que falem sobre o tema os especialistas. Tarcísio Prestem atenção ao governador Tarcísio de Freitas. Sua estrela começa a ser vista nos céus. PSDB em frangalhos Pergunta para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: "qual a melhor saída para juntar os cacos do seu partido? O que os tucanos devem fazer para tentar salvar os poucos que ainda voam na floresta?" Boulos Do Instituto Paraná Pesquisas: Derrotado na eleição municipal de São Paulo em 2020, quando perdeu o segundo turno para Bruno Covas (PSDB), o deputado Federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) aparece bem colocado para a disputa do Executivo municipal. No primeiro cenário, Boulos aparece com 26,3% da preferência, à frente do apresentador José Luiz Datena (PSC, 24,3%), o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB, 8,5%), o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB, 7,9%), os deputados Federais Ricardo Salles (PL, 4,8%), Tabata Amaral (PSB, 3,9%) e Kim Kataguiri (União Brasil, 3,3) e o ex-deputado Vinicius Poit (Novo, 1,6%). Onde está seu pai Fecho a coluna com Ariano Suassuna, um pilar da cultura nordestina. Freud disse uma coisa muito boa sobre o cômico. Ele disse que o cômico é a revelação do obsceno por baixo do simbólico, sendo o simbólico mostrado por palavras de aparência inocente. Repare como isso é curioso. Vou contar uma pequena história nordestina e brasileira para vocês verem o exemplo típico na teoria de Freud. O pessoal conta que, numa feira do sertão, no Nordeste, estava um profeta que ganhava a vida profetizando as coisas dos outros, a vida dos outros. Aí chegou um sujeito implicante e disse "Isso aí não é verdade não, isso é charlatanismo." Ele ficou indignado, né, era o meio de vida dele. "Não senhor, não é charlatanismo não, isso é verdade. Você quer ver eu provar que é verdade? Você duvida que eu lhe diga onde está o seu pai neste momento?" Aí o camarada disse: "Como é, rapaz, você vai dizer onde é que está o meu pai agora?" "É, vou dizer." Ele falou: "Tá, se você disser, eu acredito. Onde é que tá o meu pai?" Aí o profeta se concentrou assim e proclamou: "Seu pai está num bar em Campina Grande tomando cerveja." Aí o camarada diz: "Rapaz, você quebrou a cara. Eu aceitei de propósito. Meu pai morreu há 12 anos atrás." O profeta arrematou: "Quem morreu foi o marido de sua mãe. Seu pai está lá."
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Porandubas nº 796

Abro a coluna pré-carnavalesca com uma historinha do Ceará. Nesse tempo de sismos, é bom ficar alerta. Terremoto em Icó O governo brasileiro instalou um sistema de medição e controle de abalos sísmicos no país. O Centro Sísmico Nacional, poucos dias após entrar em funcionamento, detectou sinais de um grande terremoto na zona de Icó. Enviou um telegrama à delegacia de polícia da cidade, no Ceará, com a seguinte mensagem: "Urgente. Possível movimento sísmico na zona. Muito perigoso. 7,5 na escala Richter. Epicentro a 3km da cidade. Tomem medidas e informem resultados". Somente uma semana depois, o Centro Sísmico recebeu um telegrama com os seguintes dizeres: "Aqui é da polícia de Icó. Movimento sísmico totalmente desarticulado. Richter tentou fugir, mas foi abatido a tiros. Desativamos as zonas. Todas as prostitutas estão presas. Epicentro, Epifânio, Epicleison e os outros cinco irmãos estão detidos. Não respondemos antes porque teve um terremoto da porra aqui". Caldo começa a entornar Às vésperas do carnaval, o presidente Lula, de volta dos Estados Unidos, põe a mão nas bocas do fogão para tentar amainar o fogaréu que ameaça entornar o caldo nas bases de seu governo. Traduzindo: o União Brasil e o PSD pedem que Sua Excelência entre na paisagem de articulação política para ceder espaços do segundo escalão. Alegam que não adianta ficar com os dirigentes das Pastas, sem direito de nomear os assessores. Não estão conseguindo nomear quadros para as estruturas ministeriais porque o PT reivindica tais lugares. Querela grande. Ocorre que... A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, anuncia um "freio de arrumação" nos partidos da base governista. A questão envolve áreas do segundo escalão. Os partidos da base querem abocanhá-las. E o PT não quer ceder tanto território ao Centrão. Gleisi sabe que, a depender da gula dos partidos da base, não sobrarão fatias gordas para o Partido dos Trabalhadores. Água para esfriar Essa fogueira e seu resfriamento balizarão os passos da política durante todo o mandato de Luiz Inácio. O presidente entra em ação, joga um balde d'água no fogo, abaixa as chamas, até que o fogo suba outra vez de intensidade. E assim, entre jorros de contenção, a administração terá sequência, ensejando dúvidas sobre as pautas governamentais no Congresso e sua aprovação. Deve respingar na agenda. A conferir. Invasão do território Yanomami Outra frente de resistência será o paredão dos garimpeiros. Expulsos das terras Yanomami, saem, mas não deixam dúvidas que, mais cedo ou mais tarde, voltarão. Prova disso é a tentativa de se esconderem. Infiltram-se, aqui e ali, e mesmo com seus equipamentos destruídos, com queima de aviões e embarcações, resistem. Tentam se refugiar nas Guianas. O poder econômico não se subordina à ordem. Furam as defesas das forças policiais e voltam ao seu antigo refúgio. Este escriba conhece bem a história da garimpagem ilegal desde os idos de 1990. Objetos não identificados Mais três objetos não identificados foram derrubados nos espaços da América do Norte, depois da queda do balão chinês destruído pela força aérea norte-americana. O que seriam esses OVNIS? Alienígenas? Pouco crível a hipótese. Devem ser outros balões de tamanho e formato menores que o primeiro. O mundo espera uma resposta do presidente dos EUA, Joe Biden. E que venha antes do ex-presidente Donald Trump anunciar sinais da China para uma Terceira Guerra Mundial... E a guerra, hein? A guerra entre Rússia e Ucrânia chega nas bordas de um ano de lutas sangrentas. Milhares de mortos. Putin, arrogante e meio perdido, deve arremeter com fúria nos próximos tempos. Sob o risco de completa humilhação. Leio que a Rússia perdeu nas últimas semanas uma brigada de elite de cerca de cinco mil soldados. Falta de preparo. Improvisação tática. Generais russos completamente atabalhoados. A OTAN se une em torno da Ucrânia. Mais equipamentos, mais tanques, mais caças. E assim caminha, esvaindo-se em sangue, a Humanidade. 35 mil, 70 mil? O terremoto que devastou a Turquia e parte da Síria já registra cerca de 35 mil mortes. Há quem preveja o dobro. A pior tragédia de séculos na região. Qual a diferença entre uma centena de mortos e milhares? A banalização da morte impermeabiliza nossos sentimentos. As camadas de insensibilidade devastam nossos sentidos. Sorriso de esperança Porém, uma criança sendo retirada dos escombros do terremoto, depois de dias soterrada, e ainda com um sorriso estampado no rosto, é um sinal da grandeza humana. A esperança no ser humano é infinita. Eu e Deus O "causo" ocorreu em Conchas/SP. Era a audiência de um processo - requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso para um senhor alto, velho, magro, negro, humilde e muito simpático, tipo folclórico da cidade. Antes da audiência, o advogado lembrou ao seu cliente para afirmar perante o juiz morar sozinho e não ter renda para manter a subsistência. Nisso residiria o sucesso da causa. Na audiência, veio a pergunta: - O senhor mora sozinho? - Não! respondeu ele (o advogado sentiu que a coisa ia degringolar). - Hum, não? Então, com quem o senhor mora? - Eu e Deus, respondeu o matreiro velhinho. O advogado tomou um baita susto. Mas a causa foi ganha. O juiz considerou procedente a ação. (Historinha enviada por Éder Caram e contada pelo pai dele). Menos 4 bilhões Leio que Jorge Paulo Lemann, um dos homens mais ricos do mundo, perdeu de uma dia para outro quatro bilhões. De dólares ou de reais? Ora, para que saber isso? Perder um dólar ou bilhões de dólares, para magnatas como Lemann, não vai abalar sua riqueza. O bolso dele não ficará murcho. Estará sempre cheio. Comam menos A restrição alimentar pode retardar o envelhecimento e prolongar os dias de vida das pessoas. Leio: um estudo, designado como CALERIE, foi feito para avaliar o impacto à restrição da ingestão calórica de 25% ao longo de dois anos entre indivíduos saudáveis. Atenção, gulosos. Comam menos se desejam viver mais. Carnavalizando Teremos dias de folia na próxima semana. Gritos represados, farras contidas. A epidemia segurou a índole folgazã das massas. O carnaval abrirá a catarse nacional. Estruturas de consolação descerão dos céus à terra para agasalhar a farra coletiva. Um carnaval sem excessos para todos. (Se existe carnaval contido... rs). Fecho a coluna com a gloriosa Paraíba. Traçando o ingrês... Brejo das Freiras é uma Estância Termal nos confins da Paraíba, perto de Uiraúna e Souza. Trata-se de um lugar para relaxamento e repouso. O governo da Paraíba tinha (não sei se ainda tem) um hotel, com uma infraestrutura para banhos nas águas quentes. Década de 70. Apolônio, o garçom, velho conhecido dos fregueses da região, recebe, um dia, um hóspede de outras plagas. Pessoa desconhecida. Lá pelas tantas, quase terminando a refeição, o senhor levanta a mão, chama Apolônio e pede: - Meu caro, quero H2O. Susto e surpresa. Anos e anos de serviços ali no restaurante e ninguém, até aquele momento, havia pedido aquilo. Que diabo seria H2O? Apolônio, solícito: - Pois não, um instante! Aflito, correu na direção da única pessoa que, no hotel, poderia adivinhar o pedido do hóspede. Tratava-se de Luiz Edilson Estrela, apelidado de Boréu (por causa dos olhos grandes de caboré), empedernido boêmio, acostumado aos salamaleques da vida. - Boréu, tem um senhor ali pedindo H2O. O que é isso? Desconfiado, pego sem jeito, Boréu coça o queixo, olha pro alto, tenta se lembrar de algo parecido com a fonética e, desanimado, avisa: - Apolônio, sei não. Consulte o Freitas. Freitas era o diretor do Grupo Escolar, o intelectual da região. Localizado com urgência, o professor tirou a dúvida no ato: - H2O é água, seus imbecis. Quer dizer água. Apressado, Apolônio socorreu o freguês com uma jarra do líquido. Depois, no corredor, glosando o feito, gritou em direção a Boréu: - Ah, ah, ah, esse sujeito achava que nós não sabia ingrês.... Lascou-se!
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Porandubas nº 795

Abro a coluna com uma historinha envolvendo Chopin Tavares de Lima na época do governo Montoro. Mel de abelhas Vai aqui uma historinha que Geraldo Alckmin me contou no 9º Fórum de Comandatuba, promovido pelo LIDE. A historinha de Alckmin aparece porque eu lembrava que, naquela época, Dora Kramer, minha ex-aluna na Faculdade de Comunicação Casper Líbero, tinha o sobrenome Tavares de Lima. Era sobrinha do grande e saudoso Chopin Tavares de Lima. Eis o relato do hoje vice-presidente da República: Chopin, como secretário do interior do governo Montoro, tinha a missão de fazer a articulação com os prefeitos. Um dos programas de Montoro contemplava a fabricação de mel. Mel caseiro. O prefeito de Silveiras, na microrregião de Bananal, de nome Miguel, no meio do caminho para a capital, aproveitando a parada para o almoço, comprou uma garrafa de mel, dessas comuns que se encontram em restaurantes de estrada. Tirou o rótulo, lavou a garrafa, embalou-a em celofane. Era um presente para Chopin. Planejava criar um impacto. - Secretário, aqui está o resultado do programa 'Colmeia' do governo Montoro. Mel de primeira qualidade. O melhor mel que São Paulo já produziu. Surpresa geral. Agradecimentos do Chopin com o aviso de que levaria o presente para o governador Montoro. A seguir, o astuto prefeito emendou: - Gostaria que o secretário providenciasse a liberação da verba para o asfalto, que pedimos faz bom tempo. Imediatamente, o secretário mandou localizar o pedido da prefeitura de Silveiras. Mas não havia nenhuma solicitação. O prefeito aproveitara a ocasião para jogar verde e colher maduro. Queria colher recompensa pela garrafa de mel que levara. Depois de algum tempo, a mensagem: a solicitação não foi encontrada. Mil pedidos de desculpas do secretário Chopin. O prefeito prometeu encaminhar novo pedido, conformado com a burocracia do Palácio que havia perdido o ofício. Geraldo Alckmin, então deputado estadual, ouviu o relato e percebeu a artimanha do prefeito. Aos ouvidos dele, cochichou a frase bíblica: - Miguel, Miguel, tu não tens abelha e trazes mel. Miguel regressou a Silveiras. No dia seguinte, ao telefonar para o secretário Chopin Tavares de Lima, comunicando que novo ofício estava seguindo pelo Correio, ouviu dele a confissão: - Não precisa mandar, prefeito, encontramos o ofício. Vamos liberar a verba. E assim Chopin Tavares de Lima, Miguel, Silveiras, Geraldo Alckmin, Dora Kramer e eu entramos juntos, pela primeira vez, numa mesma história. Panorama O cheiro do caos Dias sombrios. António Guterres, secretário-geral da ONU, faz o alerta: "os riscos de uma escalada da guerra e mais carnificina não param de aumentar...guerra na Ucrânia, crise climática, pobreza extrema, ano de 2023 começa com convergência de desafios nunca vistos em nossas vidas". O mundo se dirige para uma guerra mais ampla. O papa Francisco diz: o mundo está se autodestruindo. O relógio da parada final está batendo forte. O temor deste escriba extrapola os limites da análise jornalística. Para todos os lados, cheiro do caos. Tragédias Uma ligeira vista d'olhos mostra horizontes não muito claros. Aqui, ali e alhures. Por aqui, o verão quente e triste nos traz a notícia do naufrágio de uma traineira na Baia de Guanabara, que ceifou a vida de três pessoas e deixou outras desaparecidas. A embarcação voltava de um passeio de amigos no entorno da ilha de Paquetá. Na Turquia e na Síria, terremotos de grande magnitude devastam os dois territórios. Na Turquia, o primeiro foi de magnitude 7,8 graus, o maior a atingir o país desde 1939, tendo como epicentro a cidade de Gaziantepe, de 2 milhões de habitantes, perto da fronteira com a Síria. Cerca de 120 terremotos secundários foram registrados. As mortes devem ultrapassar cinco mil pessoas. Um teste para Erdogan Os terremotos serão um grande teste para o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que está no comando do país desde 28 de agosto de 2014, tendo anteriormente ocupado o cargo de primeiro-ministro do país entre março de 2003 e 2014. Foi também prefeito de Istambul de 1994 a 1998. Há uma onda de insatisfação contra seus superpoderes. A Europa Ocidental une-se na ajuda aos dois países. Como pano de fundo, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Mortandade diária. Sem perspectivas de paz. O planeta, maltratado, parece viver dias de fúria. Guga Chacra Quem conhece bem a região é Guga Chacra, colunista do Globo e comentarista de política internacional da GloboNews. Um pouco de sua visão: - A Guerra da Síria não acabou, embora seja de baixa intensidade e localizada em apenas algumas regiões. Uma delas é justamente a área próxima à fronteira com a Turquia, não muito distante de Gaziantepe. É a província síria de Idlib, nas mãos de grupos jihadistas sírios apoiados pelos turcos. - Essa região do território turco é uma das mais pobres do país, tendo pouco em comum com metrópoles ricas e avançadas como Istambul, Izmir e Ancara. Para agravar, a Turquia nesse momento vive uma crise econômica, com inflação e mega desvalorização da moeda, e instabilidade política às vésperas de eleições gerais nas quais Recep Tayyip Erdogan fará de tudo para não perder o poder. Na Síria de Bashar al-Assad Guga continua... "Bashar al-Assad, por sua vez, venceu a guerra e conseguiu se manter no poder. Mas comanda um país em ruínas, bem diferente do que era 2010, antes da eclosão do conflito. Depende da ajuda da Rússia e do Irã. Mas Moscou está com as atenções voltadas para a Guerra da Ucrânia e Damasco deixou de ser prioridade. O regime Irã, por sua vez, está com o foco no combate aos protestos contra o regime de apartheid anti-mulher no país. Diante deste cenário, Assad se aproxima cada vez mais dos Emirados Árabes, que devem ser a principal via de apoio ao regime após o terremoto. Sabe-se lá, no entanto, quanto de dinheiro chegará a quem necessita, ainda mais levando em conta que boa parte das áreas destruídas não estão sob o comando do regime." As nadadoras A propósito da Síria, uma sugestão: vale a pena ver o filme "As nadadoras". Um caso real envolvendo duas nadadoras sírias. Um teste para Lula Os dirigentes passam por vestibulares na frente da gestão. É o caso de Lula nesse período iniciante. O Brasil ainda vive sob o impacto da tragédia que faz padecer o povo Yanomami. População que morre de inanição e doenças. Agora vive o "dilema" dos juros altos. O presidente Luiz Inácio se queixa do presidente do Banco Central pela decisão do banco de taxar a Selic em 13,75%, uma das mais altas do planeta. Roberto Campos Neto, o presidente, tem mandato a cumprir, encerrando-se a 31 de dezembro de 2024 e garante seguir o jogo do mercado. O BC tem autonomia garantida. O dirigente aguentará a pressão de Lula? Se não cumprir bem com suas funções, sabe-se, pode ser demitido. Mas isso demandaria extraordinário esforço congressual. O marcado espera que o patamar de 13,75% seja mantido até o fim deste ano. BNDES O novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, tomou posse nesta segunda-feira, prometendo fomentar o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas, prioridades de sua gestão. Prometeu, ainda, debater ajuste na Taxa de Longo Prazo (TLP) do banco de fomento. Não pretende fazer com que o BNDES concorra com bancos privados, defendendo a necessidade de juros mais competitivos para as micro, pequenas e médias empresas. "Não queremos padrão de subsídios como no passado, mas uma taxa de juros mais competitiva para micro, pequenas e médias empresas. Não pretendemos ficar disputando mercado com o sistema financeiro privado. Isso não é papel do BNDES." Mercadante foi um quadro que abriu arestas em sua credibilidade por ocasião da passagem pelo governo Dilma. Revolta dos ricos? "O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições. Nós não podemos brincar, porque um dia o povo pobre pode se cansar de ser pobre e fazer as coisas mudarem nesse país." Presidente Lula, em discurso no Rio. Seria o "nós contra eles"? E a pacificação nacional? Presidente Luiz Inácio, aceite o conselho deste escriba: não dê motivos para a "guerra" entre alas. O senhor precisa governar para todos os brasileiros: pobres, remediados, classes médias empobrecidas e ricos. O país quer viver sob paz e harmonia. Vez ou outra, cutuco o PT, mas reconheço os avanços do Brasil sob seu primeiro mandato. Aceite as críticas quando feitas com responsabilidade. Acomodação Entre pequenas e grandes tragédias, teste dos dirigentes em início de gestão e expectativas festejando o reinado do Rei Momo (eita, mais dias de farras e fanfarras), o país enxerga as placas tectônicas da política entrando em acomodação. O terremoto que abalou o território bolsonarista foi embora sob o acolchoado preparado por Lula e seus novos cabos eleitorais para acolher os que iriam ficar desabrigados. O presidente decidiu trazê-los para seu convívio com teto, cargos, comida e roupa lavada. O PL enquadra seus participantes, evitando sua fuga em massa. Valdemar, o esperto, vai enfrentar o desafio de controlar "ordem unida" em seus combatentes. Será um desafio e tanto. Lira, o campeão Na corrida de obstáculos, o destaque é o campeão Arthur Lira, que teve uma vitória retumbante em sua reeleição para a presidência da Câmara, 464 eleitores. A acachapante votação do alagoano mostra que a velha política continua a dar as cartas. Que o presidencialismo de coalizão está vivo e atuante, com Luiz Inácio aceitando as regras do jogo. E que o futuro continuará a ser pautado pela lei franciscana do "é dando que se recebe". A candidatura de Michelle Leio: Michele Bolsonaro nega candidatura. Só faltava essa: Michelle confirmando ser candidata a presidente em 2026 no lugar de Jair. O que a imprensa especulativa esperava? Ora, a mídia, com o apoio de Valdemar, o todo poderoso do PL, lançou o nome da ex primeira-dama em um momento em que ainda se sente o rescaldo da derrota bolsonarista. Mas a especulação continua. Poderá se candidatar ao Senado por São Paulo ou pelo Rio de Janeiro em 2026. Leio que Jair teria ficado irritado por ser "rifado" pelo Valdemar, com a especulação envolvendo sua esposa. Tratar de uma eleição para daqui a quatro anos? Quanta falta do que dizer... Jair nos EUA A revista Time traz matéria com Jair Bolsonaro, narrando o cotidiano do ex-presidente nos EUA. Usa o termo "bizarrice" para designar certas atividades do capitão, que promete voltar nas próximas semanas para liderar a direita no Brasil. Ele se coloca no papel de guardião contra a implantação do "comunismo" no país. A Direita Não se pode negar. A Direita deu as caras e vai querer participar da política. Precisa de perfis além de Bolsonaro para ganhar espaço no arco ideológico. Credibilidade. Confiança. Lideres respeitados. Bolsonaro poderia ser este não fosse tão desacreditado. Tão irreverente. A Esquerda Dividida, terá muitos polos de liderança. Não há um agregador-mor.  O Centro Espaço muito disputado. O vice-presidente Geraldo Alckmin veste o figurino de grande articulador das forças centrais.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Porandubas nº 794

Abro com historinhas de Churchill. Faço um repeteco. Sou o chefe dele O General Montgomery foi homenageado após vencer Rommel na batalha da África, na 2ª Guerra Mundial. Discurso do General Montgomery: "Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói". Churchill ouviu o discurso e retrucou: "Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele". Se houver... Telegramas trocados entre o dramaturgo Bernard Shaw e Churchill, seu desafeto. Convite de Bernard Shaw para Churchill: "Tenho o prazer e a honra de convidar o digno primeiro-ministro para primeira apresentação de minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver". Resposta de Churchill: "Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver". Por que não? Quando Churchill fez 80 anos, um repórter de menos de 30 foi fotografá-lo e disse: - Sir Winston, espero fotografá-lo novamente nos seus 90 anos. Resposta de Churchill: - Por que não? Você me parece bastante saudável. Veneno no seu chá Bate-boca no Parlamento inglês. Aconteceu num dos discursos de Churchill em que estava uma deputada oposicionista, Lady Astor, conhecida pela chatice, que pediu um aparte (Sabia-se que Churchill não gostava que interrompessem seus discursos, mas concedeu a palavra à deputada). E ela disse em alto e bom tom: - Sr. Ministro, se Vossa Excelência fosse o meu marido, eu colocava veneno em seu chá! Churchill, lentamente, tirou os óculos, seu olhar astuto percorreu toda a plateia e, naquele silêncio em que todos aguardavam, mandou: - Nancy, se eu fosse o seu marido, eu tomaria esse chá com muito prazer! Panorama Sensação de mesmice As percepções sobre o planeta da política vivem momentos de intensidade nesse início de governo Lula. Os analistas correm atrás de detalhes para ancorar suas observações e hipóteses. É o caso deste analista. Assim, detenho-me em alguns destaques. Uma sensação que sobressai é a de que a mesmice volta com força nessa abertura de horizontes. Nada de novo no front. O fato de terem sido criados 37 ministérios mostra que o "espichamento" da estrutura governamental é exemplo da velhíssima política. O Executivo, para governar, abre grandes portões para o Legislativo. Sem medo de compactuar. Noves fora a parte do PT Mas os espaços cedidos aos partidos não foram concedidos em detrimento dos territórios tirados do PT. Este partido ficou com os ministérios da Casa, do entorno presidencial, e que comandam as linhas da economia. Ou seja, a estrutura foi inchada sem prejuízo do mando petista. Como sabemos, o PT tem um projeto de poder de longo prazo e vai lutar para, de maneira lenta e gradual, resgatar a força que tinha nos dois governos Lula. E que começou a perder ao longo dos governos Dilma. Para tanto, está desalojando as casas ocupadas pelo bolsonarismo. Um ponto fora da curva Ao mesmo tempo em que se distingue a percepção de mesmice, emerge a sensação de que o governo Bolsonaro foi um ponto fora da curva. Não estava dentro do quadrado o acervo de disjunções, dissonâncias, descalibre, desordem, descasos, enfim, do rol de dis e des... que transformaram a administração bolsonarista em um monstrengo franksteiniano. Nunca se viu tanto despropósito no cotidiano de uma administração pública. O fato de ter conseguido agradar grupos de direita, e isso é fato, não justifica o desconcerto. Esses grupos estavam e estão à procura de um guia, de um condutor que pudesse acolher suas demandas. Sob o lema de "PT, nunca mais". Quem vai retomar essa liderança? Lula A percepção sobre Lula, nessa abertura do espetáculo governamental, é a de um ator à procura de uma peça. De pronto, podemos aduzir que a peça não será nova. Será um reensaio, algo como a estreia recauchutada de um velho drama. Onde o protagonista principal se apresentará mais experiente, mais maduro, menos intransigente, mais flexível. Mesmo assim, cometerá os velhos vícios, dentre os quais a recorrência ao "nós e eles". Coisa enrustida, e que aparece, aqui e ali. Espera-se, até, que sua dileta companheira, Rosângela Silva, possa agir como uma espécie de ombudswoman a corrigir cacoetes. Lula se mostra com mais jogo de cintura, a ponto de ter, em cerca de um mês de comando, recolocado o Brasil no painel das Nações. A visita do primeiro-ministro alemão, Olof Scholz, foi um sinal de prestígio do país. Yanomami, o grande desafio Luiz Inácio está autorizando os órgãos de controle e segurança a expulsar os garimpeiros da reserva Yanomami. Um desafio e tanto. Estariam ali cerca de 20 mil garimpeiros, que patrocinam 40 voos diários na região. Não são apenas os exploradores que integram grupos econômicos, mas micro e pequenos grupos que ali permanecem. Conseguirá livrar a reserva do garimpo ilegal? Os alemães já disponibilizaram cerca de R$ 1 bilhão para o Fundo Amazônico. Parte desse dinheiro será usada no resgate das condições sanitárias dos indígenas. O expert em matéria amazônica, que já dirigiu trabalhos na frente indigenista, Sidney Possuelo, ex-presidente da FUNAI, garante que se houver "vontade política" a expulsão dos garimpeiros será feita. Possuelo Lembrando: Possuelo começou sua carreira ajudando os irmãos Villas-Boas com o seu trabalho entre os povos indígenas da região do Rio Xingu. Ele foi o homem que, nos anos 1980, mudou todo o conceito sobre a melhor maneira de proteger os índios brasileiros. Até então, toda a política da FUNAI era baseada no contato, seguindo os ensinamentos do marechal Cândido Rondon e dos irmãos Villas-Boas. Mais tarde, Possuelo tornar-se-ia o fundador da Coordenação Geral de Índios Isolados, o setor da FUNAI que é responsável por proteger as últimas tribos isoladas das doenças e da violência trazidas pela sociedade. Senado e Câmara Até o momento, Rodrigo Pacheco tem garantida sua reeleição para a presidência do Senado. Rogério Marinho poderá tirar algum coelho da cartola? Em política, tudo pode acontecer. Já Arthur Lira está seguro em sua chance de reeleição. Cooptou o PT. Ou seja, o bastião de sustentação do governo Bolsonaro virou de lado. Como se diz, aqui e alhures, Lira "deu nó em pingo d'água". Alckmin Geraldo Alckmin é um bom maestro. Administra com competência suas funções constitucionais de vice-presidente da República com o cargo de ministro de Estado da Indústria, Comércio e Serviços. Rege uma grande orquestra. Um perfil que gera confiança. Dino O ministro da Justiça, Flávio Dino, ganha respeito e confiabilidade. Fala forte, mas com palavras de caprichado conhecimento jurídico. Está bem no figurino da Justiça. Prates Outra pessoa bem talhada para o cargo: Jean Paul Prates, presidente da Petrobras. Advogado, economista, ambientalista e empreendedor. Ex-senador pelo Rio Grande do Norte, assumiu a vaga deixada pela governadora Fátima Bezerra; renunciou ao cargo para assumir a presidência da Petrobras. Estudioso das matérias petróleo e gás, formou-se pela Universidade da Pensilvânia, EUA. E a imprensa, hein? Os jornais estão à cata de informações de impacto. A mídia impressa parece padecer de inanição face aos avanços das mídias eletrônicas. A propósito, resgato, aqui, a definição de Chesterton, em 1912, inserida pelo advogado e escritor José Paulo Cavalcanti Filho, em um ensaio intitulado "E Lord Jones Morreu - Discurso por Controles Democráticos ao Poder dos Meios de Comunicação", publicado no livro Informação e Poder, por ele organizado: "A imprensa é 'a arte de dizer que Lord Jones morreu a quem nunca soube que Lord Jones existiu'. Com o tempo, ela passou a ser também o ofício de indistintamente dizer que Lord Jones disse tudo o que Lord Jones disse, ou dizer que Lord Jones disse tudo o que Lord Jones nunca disse, ou não dizer que Lord Jones disse o que Lord Jones disse, ou fazer de conta que nunca existiu um Lord Jones, a um público cada vez mais informado; com uma eficiência que poucos teriam sonhado. Mas 1912 é pré-história." Grande José Paulo. Fecho a coluna com a arte (?), técnica (?) para ganhar uma discussão, da autoria de Schopenhauer. Ganhar uma discussão Schopenhauer, em "A Arte de Ter Razão", traçou 38 estratagemas para alguém vencer qualquer discussão, mesmo quando o interlocutor esteja errado. São técnicas que têm efeito de curto prazo. Aqui, cinco delas: A- Leve a proposição do seu oponente além dos seus limites naturais; exagere-a. Quanto mais geral a declaração do seu oponente se torna, mais objeções você pode encontrar contra ela. B- Use significados diferentes das palavras do seu oponente para refutar a argumentação dele. Exemplo: a pessoa A diz: "Você não entende os mistérios da filosofia de Kant". A pessoa B replica: "Ah, se é de mistérios que estamos falando, não tenho como participar dessa conversa". C- Ignore a proposição do seu oponente, destinada a referir-se a alguma coisa em particular. Ao invés disso, compreenda-a num sentido muito diverso, e em seguida refute-a. Ataque algo diferente do que foi dito. D- Oculte a conclusão do seu oponente até o último momento. Semeie suas premissas aqui e ali durante a conversa. Faça com que o seu oponente concorde com elas em nenhuma ordem definida. Por essa rota oblíqua você oculta o seu objetivo até que tenha obtido do oponente todas as admissões necessárias para atingir o seu objetivo. E- Use as crenças do seu oponente contra ele. Se o seu oponente se recusar a aceitar as suas premissas, use as próprias premissas dele em seu favor. Se o oponente é membro de uma organização ou seita religiosa a que você não pertence, você pode empregar as opiniões declaradas desse grupo contra o oponente.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Porandubas nº 793

Volto a abrir as Porandubas com uma historinha hilária. Vamos à Paraíba. Quanta terra...! João Suassuna, velho coronel e líder político do Estado da Paraíba, pai do escritor Ariano Suassuna, perseguindo um trabalhador de seus imensos latifúndios, mandou dar um purgante de óleo de rícino, chamou dois jagunços. Sebastião Nery descreve: - Levem esse cabra até a fronteira da fazenda. Vão os três a pé. E o purgante não pode fazer efeito em minhas terras. Se fizer, podem sumir com ele. O homem saiu na frente dos dois capangas, andou, andou, apertou o passo, escureceu, e nada de chegar ao fim da fazenda. O remédio começava a torturar e o homem suando frio e andando ligeiro. De repente, não aguentou mais, gemeu: - Êta coronel pra ter terra! Panorama Recuperação Por mais qualificados que sejam os profissionais que estão recuperando as obras de arte e os móveis destroçados dos ambientes dos Três Poderes, em Brasília, eles não serão os mesmos. Estamparão sinais do vandalismo, até nas lembranças que despertarão nas visões das pessoas. Cada vez que observo as cenas de destruição, transmitidas pelos meios de comunicação, sinto aumentar a perplexidade. Emerge a conclusão: a ignorância é a raiz da barbárie. Jornalistas? Assombro-me com o nome de jornalistas flagrados na paisagem destroçada: um, dois, três? Como um profissional de comunicação adentra essa cadeia de ilicitudes? Até uma ex-primeira-dama, da Paraíba, entra no show macabro, levando seu filho de 12 anos. Jornalista, que já exerceu atividades em emissoras de TV. Conhecida pelo bolsonarismo militante. Como as coisas mudam. Quem diria, amigas e amigos, que jornalistas cometem absurdos como o que vimos... Filtro ideológico Lula teria reconhecido, segundo O Globo, que a ideologia está atrasando a nomeação de quadros para a administração. Os indicados ou quadros que tendem a permanecer estão passando por uma filtragem com o fito de saber se estão comprometidos com o bolsonarismo raiz, o militante e destruidor. É fato que cada governo tem o direito de plasmar um mapa de seus integrantes com pessoas alinhadas ao seu modo de pensar. Urge ter cuidado com essa prática para evitar a formação de pensamento totalmente homogêneo, capaz de substituir o valor da competência pela régua ideológica, coisa mais usual nas ditaduras. Intolerância Pesquisa recente dá conta da intolerância que tem avançado na índole nacional: 51% dos brasileiros se confessam menos tolerantes, sem propensão ao diálogo e à harmonia. É um dado que chama a atenção, pois marca a identidade de um povo capaz de substituir a paz pela guerra. Aquele caráter traçado por nossos pesquisadores do passado, como Afonso Celso e Sérgio Buarque de Holanda, que teriam fincado em nosso ethos a marca do homem cordial. Retrato do país? Os brasileiros se veem mais divididos e menos tolerantes que há dez anos. E veem as divergências políticas como o principal foco de polarização no país. Trata-se de uma tendência mundial. É o que aponta uma pesquisa da Ipsos Mori feita para a BBC em 27 países com 19.428 mil pessoas. Questionados se as pessoas estão mais ou menos tolerantes em relação a pessoas com diferentes origens, culturas e pontos de vista se comparado com a década passada, cerca de metade dos participantes brasileiros disseram estar menos tolerantes. Sérgio Buarque Sérgio Buarque, que começou a escrever "Raízes do Brasil" em 1928, chegou a dizer que o termo "cordialidade" foi utilizado erroneamente pela direita brasileira, querendo interpretar seu caráter como a do ser "bonzinho". É o que escreve em O Tempo, João Pombo Barile (O Tempo é um jornal mineiro que publica semanalmente meus artigos). Barile lembra que, num artigo que chamou de carta a Cassiano Ricardo, Sérgio limpou as dúvidas. Em Raízes do Brasil, publicado em 1936, o autor mostra o brasileiro como "aventureiro, manipulador da inteligência, alguém cultuador de personalidade, resistente à hierarquia, incapaz de se organizar espontaneamente, ambicioso de prosperidade sem custo, da posição ou da riqueza fáceis." Traços bem diferentes do homem cordato. O vândalo A estatística que aponta a maioria dos brasileiros saturada com a tolerância combina com aquela personalidade "resistente" à hierarquia, capaz de participar de um 'quebra-quebra", atos de vandalismo. Josué O presidente da FIESP, Josué Gomes, foi destituído do cargo. Por um conjunto de atos que desagradaram as oposições, entre as quais, queixas de não dar atenção aos pequenos sindicatos e de assinar documento político, entendido como apoio à Lula. A reunião extraordinária, na segunda-feira, começou no início da tarde e terminou tarde. Josué se retirou da reunião. Os opositores fizeram uma segunda reunião e destituíram o presidente. A guerra vai esbarrar na Justiça. Coisa que vai acirrar os ânimos. Na sombra da oposição, está Paulo Skaf, que dirigiu a entidade por 17 anos. Skaf é um exímio articulador. Há dúvidas sobre quem será vencedor da contenda. Lide em Lisboa João Doria volta com toda a força ao seu caminho de ontem, no Lide, comandando eventos de envergadura. No Lide Brazil Conference, a se realizar nos dias 3 e 4 de fevereiro, em Lisboa, João vai receber um grupo de elite da política e do judiciário, com a conferência de abertura a cargo do ex-presidente da República, Michel Temer. Entre outras personalidades, confirmaram presença Bruno Dantas, presidente do TCU; Claudio Castro, governador do RJ; Simone Tebet, ministra do Planejamento; Ricardo Nunes, prefeito de SP; Rafael Greca, prefeito de Curitiba; a turma do judiciário, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski; os empresários Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, Abílio Diniz, da Península Participações, e Maria Luiza Trajano, do Magalu; Isaac Sidnei, da Febraban; Guilherme Nunes, Ceo do Capital Group, de Lisboa, e Giorgio Medda, do Azimut Group, da Europa. Queixas Detidos em Brasília, que prestam depoimentos à polícia sobre os atos de vandalismo dos quais teriam participado, com destruição de obras de arte e objetos nas sedes dos Três Poderes, fazem queixas: não gostam da alimentação, não têm Wi-Fi, não dispõem de meios para limpar lentes de contatos e, pasmem, denunciam até o fato de terem sido detidos e conduzidos ao espaço das investigações sem sua vontade. Ao que um juiz, ao ouvir esta reclamação, respondeu: - Se o senhor não sabe, prisão é assim. Fecho com a Bahia. Não há crime... Cosme de Farias foi um grande advogado dos pobres da Bahia. Enveredou também pela política. Vereador e deputado estadual por muito tempo. Vejam a historinha. Um ladrão entrou na Igreja do Senhor do Bonfim e roubou as esmolas. Cosme de Farias foi para o júri: - Senhores jurados, não houve crime. Houve foi um milagre. Senhor do Bonfim, que não precisa de dinheiro, é que ficou com pena da miséria dele, com mulher e filhos em casa com fome e lhe deu o dinheiro, dizendo assim: - Meu filho, este dinheiro não é meu. Eu não preciso de dinheiro. Este dinheiro foi o povo que trouxe. É do povo com fome. Pode levar o dinheiro. E ele levou. Que crime ele cometeu? Se houve um criminoso, o criminoso é o Senhor do Bonfim, que distribuiu o dinheiro da Igreja. Então vão buscá-lo agora lá e o ponham aqui no banco dos réus. E ainda tem mais. Senhor do Bonfim é Deus, não é? Deus pode tudo. Se ele não quisesse que o acusado levasse o dinheiro, tinha impedido. Se não impediu, é porque deixou. Se deixou, não há crime. Cosme de Farias ganhou no verbo. O réu foi absolvido.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Porandubas nº 792

A coluna, em respeito ao clima de consternação que paira sobre o país, decorrente dos danos irreparáveis que vândalos, depredadores, bárbaros, terroristas, perpetraram no domingo último, em Brasília, deixa de iniciar suas notas sem as historinhas, quase sempre hilárias, com as quais brinda seus leitores. O país está triste. Ataque no coração simbólico Começo com um desabafo: escrevo sob um sentimento de profunda perda. Como se algo muito pessoal me houvesse sido surrupiado, roubado, tirado com violência. Perscruto o motivo. Descubro: a sensação de que Brasília é um pouco minha. Nunca ali morei. Quando muito, em função de minhas atividades de consultoria política, para a capital Federal me desloco algumas vezes ao ano. Mas Brasília é o Brasil simbólico da modernidade. É o traçado arquitetônico de Oscar Niemayer e dos cálculos de Lúcio Costa. É um cartão postal que orgulha seu povo. É o espaço que encanta gentes do mundo: quanta beleza, costumam exclamar. Esse simbolismo nos pertence. Há um pedacinho dele em nossos corações, que estão sangrando. Terra arrasada Os destroços dos ambientes internos dos três Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário - mostram, por si só, o território arrasado, destruído, violentado, que envergonhará os operadores do caos por todos os dias de suas vidas. Imaginem o que diria Niemayer, fosse vivo, ante a moldura mutilada, estropiada? Imaginem o olhar de Di Cavalcanti diante de sua obra "As Mulatas", perfurada em sete pontos? Imaginem a Deusa da Justiça lendo a pichação "Perdeu, Mané" sobre sua estátua ou a artista Marianna Peretti vendo destruído seu vitral "Araguaia", que decora o salão verde do Congresso Nacional? Foram tantas as obras de arte conspurcadas, despedaçadas, que os atos de vandalismo ficarão gravados no painel das maiores barbaridades do planeta. Quanta crueldade pintar o bigode de Hitler no desenho de José Bonifácio, o patriarca da Independência. Quanta estupidez! Uma vergonha que mancha a nossa cara. Os vândalos não conhecem História. Não há exagero. Confesso. Qual será a Justiça? Que tratamento merecem os bárbaros, que depredaram o plenário da mais alta Corte de Justiça do país? O que os ministros do Supremo Tribunal Federal decidirão sobre o amanhã dos bandidos? Pelo que se infere, agirão com o rigor que o crime exige, sendo exemplo a firme determinação do ministro Alexandre de Moraes em ordenar a desmobilização das incubadoras do terror, os tais acampamentos onde fiéis da radicalização montaram seus quartéis-generais, aparentemente acobertados pela leniência dos chefes militares. Sejamos verdadeiros Não é hora de fanfarrices, desculpas, justificativas, denúncias sobre infiltrações, estórias da carochinha, milongas. Na visão deste analista, cada Poder e respectivas autoridades em suas estruturas têm uma parcela de responsabilidade/irresponsabilidade sobre os terríveis acontecimentos. Tentemos mostrar as causas. Sinais Primeiro: há tempos o país vive sob o presságio de borrascas e tempestades que se abateriam sobre o tecido institucional. Nunca os perdedores aceitaram resultados do pleito. Segundo: as ameaças dos perdedores das eleições, com origem em enclaves bolsonaristas, formaram nuvens pesadas sobre os espaços institucionais desde outubro do ano passado. Portanto, o aviso estava no ar. Terceiro: parcela dos militares comunga(va) da ideia de uma mobilização de contingentes populares para impedir um governo comandado por Luiz Inácio Lula da Silva. Quarto: a reação de comandantes das Forças foi tênue ante os anunciados impactos de invasão das sedes dos Poderes. Quinto: a reação do ministro da Defesa, de apaziguar e confiar na vertente tempo para desmobilizar os acampamentos bolsonaristas, foi fraca. Sexto: a PM do DF foi leniente, sob a complacência do governador Ibaneis. Sétimo: a reação dos organismos de defesa e controle do Executivo Federal esteve abaixo da crítica. Um Executivo que não soube se defender. Oitavo: nenhum Poder apostava no caos destrutivo e ficou de braços parados. Mesmo tendo recebido informações de organismos de controle e inteligência. A Abin foi jogada na lixeira. Milongas Circulam vídeos de participantes dos atos bárbaros jogando a quebradeira sobre os ombros de esquerdistas. E mentindo de maneira deslavada: dizem que já morreram quatro pessoas entre os detidos. E conclamam à guerra contra o mal. Milongas. Tergiversação. Mentiras. Querem agora impingir a outros sua barbárie. Quem foram os financiadores? Quais as causas que os trouxeram à Brasília? A ameaça de comunismo? Ah, ah, ah. Comunistas são raros. A China? Meus caros, aquele território é um capitalismo de Estado. Cuba, Venezuela? Ora, são sistemas em processo de desmantelamento. Milongueiros com versões estapafúrdias não convencem. Deolinda De O Globo: Para disseminadores de informações falsas, esta é a segunda vez que Deolinda Tempesta Ferracini morreu. A primeira foi quando usaram sua imagem em um boato relacionado à Covid-19. Agora, dizem que seu óbito ocorreu após ser presa pelo ato terrorista nas sedes dos três poderes em Brasília no domingo. Diante disso, sua família acordou nesta segunda-feira com a caixa de mensagens lotada, sentindo uma revolta ainda maior pelo uso indevido de imagem - mais uma vez. Em suma A REAÇÃO foi muito aquém da AÇÃO. Os ganhadores 1. No curto prazo, os bárbaros invasores ganharam a luta. Cantam vitória, mas atribuem a quebradeira a outros. Ou sejam, se vestem de covardes. 2. No médio prazo, Lula, a partir da hipótese de que poderá catalisar o sentimento de defesa da Nação contra os bárbaros. Vítima do processo antidemocrático. 3. No longo prazo, o Centrão democrático com ideário claro. 4. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, um monumento de coragem e ação. 5. A imprensa de análise e interpretação, com suas analíticas molduras. Os perdedores 1. O Brasil - A imagem do país fica manchada no panorama mundial, com a legenda de que a democracia brasileira não é consolidada e sujeita a abalos e sismos. 2. Os brasileiros, em sua imensa maioria. O simbolismo de Brasília, com seus palácios icônicos, foi atingido, abalando nossos corações. 3. Os bárbaros, como já se começa a ver. Também entram nessa classificação de perdedores, mesmo sendo citados na coluna anterior. 4. A extrema direita - Tende a ficar isolada e a estreitar seu núcleo. 5. Jair Bolsonaro - O papel de liderança da direita torna-se menos confiável. 6. O governador Ibaneis, do Distrito Federal, e o ex-secretário (ex-ministro), Anderson Torres. 7. Os financiadores e patrocinadores dos atos terroristas. 8. As Forças Armadas - Sua imagem ganha manchas. Divisão entre alas e grupos. 9. Os partidos políticos - Terão de se reinventar para enfrentar tempos turbulentos. 10. Os fomentadores e influenciadores do golpe. A Jovem Pan, entre eles. 11. Os núcleos de "massa de manobra", a plebe usada como arma para destruir a civilização. E seus mobilizadores. Perda Um gigantesco cobertor de tristeza pela perda irreparável do país cobre o corpo nacional. Fecho com um aceno aos governantes. Pequena lição De Carlos Matus, cientista político chileno, ideólogo do Planejamento Estratégico Situacional: "Não perder o controle." Dois princípios - Nunca descuidar da perda de controle sobre o processo de governo, se a governabilidade cai abaixo de seu ponto crítico; - Se isso ocorrer, tentar imediatamente reverter o processo de desacumulação de força, evitando ingressar nos limites de perda de capacidade de reverter o processo.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Porandubas nº 791

Abro a primeira coluna do ano novo com uma historinha do meu RN. Condições Solenidade de promoção da Polícia Militar em andamento, os agraciados com ascenso na carreira da corporação são chamados pelo cerimonial. Um a um recebe diplomação. Absorto em seu lugar, olhar atento a tudo, a maior autoridade presente à solenidade - o governador Dinarte Mariz - resolve cochichar à orelha de Luciano Veras, secretário da Segurança do Estado: - Coronel, eu não estou vendo entre os promovidos aquele meu afilhado que lhe fiz recomendação... A resposta do secretário justifica o porquê da ausência do indicado pelo governador: - Eu estive avaliando a carreira dele e observei que não havia condições para ganhar a promoção pretendida pelo senhor. Sem maiores reservas, Dinarte alardeia sua contrariedade com a exclusão técnica: - Luciano, que condições você está falando? Se eu fosse atrás dessas condições nunca teria sido governador. (Quem conta o "causo" é Carlos Santos em seu livro Só Rindo 2) Panorama O ano começa 2023 se inicia sob o clamor da esperança, esse sentimento que banha os corações, puxando as expectativas de dias melhores. O ano que passou deixou rastros de destruição por todos os lados. Trajetos interrompidos, estradas esburacadas, nuvens pesadas fechando horizontes, pedaços de um tempo mal vivido, frustração e dores. O alento reaparece, aqui e ali, em pedacinhos de confiança de que os dias começarão a registrar sua normalidade. Os céus voltarão a nos cobrir com o azul que nos acolhe. Chega de discursos... Ufa. Os copos transbordam. Discursos se excedem nas promessas. Tempos de união e reconstrução, promete Lula. O Brasil espera, sim, que as feridas sejam medicadas. Que a cura se instale no organismo nacional. O novo presidente deu seu tom. Fez dois discursos memoráveis, um no Congresso, outro no Parlatório do Palácio do Planalto. E deu-se ao fervor da multidão. Muito bom. Mas o Brasil agora quer que a máquina funcione. Que a locomotiva puxe os 37 carros do trem, esse imenso ministério formado para abrigar parceiros de uma frente ampla. Estamos cheios de discurso. Mais que chegou a hora da ação. Primeiras impressões As primeiras impressões baixam em nossas mentes. O governo do PT renasce com a marca de sua identidade: um Estado forte, um programa social de vasto cobertor, um programa desenvolvimentista, a reação do mercado ao discurso que considera "teto de gastos" uma estupidez, a volta de receios de ontem sob a máscara de uma democracia tutelada. O país quer acreditar em Lula e em sua intenção de acabar com a fome, atenuar as desigualdades, fazer uma Nação justa e solidária. Teme, porém, que o cotidiano seja invadido por ondas de gastança que tornem insustentáveis as contas públicas. A divisão O núcleo do entorno do presidente é eminentemente petista. Ocupado pelos ministros palacianos. A política econômica, sob Fernando Haddad, vai seguir a cartilha histórica do PT. O núcleo das grandes diretrizes - educação, saúde, justiça, segurança - tem a marca do petismo com matizes de uma visão técnica. As áreas de obras, transportes, energia e telecomunicações, por exemplo, serão comandadas por vertentes partidárias. A diversidade e a inclusão social se distribuem em pastas e cargos de grande simbolismo, como os espaços de defesa dos povos originários e em defesa da mulher. Diástole O governo trabalha nesse momento com o conceito de diástole, descompressão, em contraponto à sístole, pressão, contração. Nessa direção está a prorrogação das medidas de contenção dos preços de combustível, particularmente óleo diesel e gás. Começar um governo com o cinto apertado é criar uma barreira de contrariedade social. Urge descontrair, agradar, atender às demandas da coletividade. A frente política Ao que se infere, o governo, nessa arrancada inicial, contará com a boa vontade dos congressistas para aprovar uma agenda política que convenha ao Palácio do Planalto. Não encontrará fortes resistências, com exceção de um pedaço do Centrão e do PL de Valdemar da Costa Neto, que acenam com a bandeira da independência. Atentem para o recado da ex-presidente Dilma: compor uma formação que dê sustentação e apoio ao governo. Sem esse requisito, dentro de 100 dias, os problemas começarão a aflorar. Conselhão O ministro da Articulação, Alexandre Padilha, promete resgatar o Conselhão, a entidade formada por representantes da sociedade civil, que opina, sugere, dá ideias sobre os programas do governo. Foi uma ferramenta esquecida pelo governo Bolsonaro. Se funcionar com moldura efetivamente representativa da sociedade, poderá se transformar em grande alavanca de nossa democracia participativa. Janja A socióloga Rosângela Silva, Janja, mostra que seu papel de conselheira-mor do presidente Lula será intenso. Provou sua capacidade na arrumação do cerimonial da posse. Tudo saiu "nos conformes". Trata-se de perfil que promete "ressignificar" o papel de primeira-dama. Fará um bem enorme ao marido-governante. Viagens de Lula As viagens programadas de Lula aos Estados Unidos, China e África abrirão o circuito internacional do novo dirigente. Serão o marco de reinserção do país na esfera das Nações. Exagero Na tentativa de mostrar descontração e simplicidade na escolha dos comandantes das Forças - Exército, Marinha e Aeronáutica -, o ministro da Defesa, o experiente pernambucano José Múcio, tropeçou no exagero, ao dizer que foi na Internet, viu a lista dos quadros mais antigos e, assim, ele procedeu as escolhas. Ah, ah, ah, ministro. Fosse simples assim, o processo seletivo não precisava de articulação política, área na qual o senhor é craque. Controle dos carros Lula é o piloto da locomotiva, que puxará os 37 carros do trem. O desafio é controlar o funcionamento de todos os carros. Deve montar engenhosas ferramentas para verificar a qualidade das engrenagens. Haja controle. Conceitos... Pequenos conceitos de André Comte-Sponville: - A humildade é a virtude do homem que sabe não ser Deus. - A simplicidade é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero, sem grandiloquência. É a vida insignificante, a verdadeira vida. - A justiça é o horizonte de todas as virtudes e a lei de sua coexistência. Virtude completa. Todo valor a supõe, toda a Humanidade a requer. Amor próprio Um maltrapilho dos arredores de Madrid pedia esmolas com grande dignidade. Um transeunte lhe disse: "Não tem vergonha de exercer essa infame atividade quando pode trabalhar?" "Senhor, respondeu o mendigo, peço-lhe esmola e não conselhos". E tendo dito isto, deu-lhe as costas, com toda a empáfia castelhana. Era um mendigo orgulhoso esse; pouca coisa bastava para ferir-lhe a vaidade. Por amor de si mesmo pedia esmola; e ainda por amor de si mesmo não permitia que lhe fizesse qualquer reprimenda. (Voltaire) As pernas da burocracia O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve do chefe do departamento: "ah, meu senhor, tem muitos outros na frente do seu. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas". Agastado, o interlocutor reage: "E quanto o senhor quer para pôr dois pés nesse papel?". Tirou do bolso um maço de dinheiro (que já tinha separado em casa para não dar na vista e, de maneira disfarçada, entregou ao sorridente chefe). Tiro e queda. O adjutório fez o papel correr rapidinho com seus dois pés. A corrupção tem pernas longas. O combate à corrupção Se os discursos foram abundantes, nesse início de ano, não tocaram no combate à corrupção. Ou será que os atos corruptos estão no baú do passado? Vamos acompanhar. Homenagens Minhas homenagens a dois vultos da Humanidade: - Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, o maior Pelé de todos os Pelés. - O papa emérito Bento XVI
quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Porandubas nº 790

Abro a última coluna do ano com essa hilária historinha de Pernambuco. "O carro se atolou-se" Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica. Certo dia, dois eleitores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de se expressar era dizer: "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica: - Escutem aqui, meus caros. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os de frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"... PANORAMA Adeus, 2022 O ano que finda não deixará saudades. Será? Devo estar errado. Para muitos, pode ter sido um ano muito venturoso, cheio de vitórias. Uma reflexão mais aguda indica que 2022 amadureceu lições e concepções. Foi um ano de muitas mortes, sofrimento, perdas e tristeza. Mas trouxe alegrias para milhões de seres. Os que conseguiram caminhar. Entre o ponto e o contraponto, deixo minha mensagem de confiança no amanhã. Com uma pitada de firme disposição. Afinal, "somente aqueles que se arriscam a ir longe terão condições de saber até onde podem chegar", nos ensina T.S. Eliot. Os horizontes: a política 2023 não será o ano de redenção de nossas vidas. Temos de admitir que a trajetória será longa. Teremos um Parlamento com a cara de nossos costumes, costuras aqui e ali, trocas e recompensas, quadros mudando de partido pelas janelas partidárias, pressões por cargos e espaços. Os deputados e senadores seguirão a cartilha do pragmatismo. Deverão se acomodar no planalto de Brasília, garantindo a governabilidade. Tudo d'Antes como no quartel d'Abrantes. O governo Lula O país está rachado ao meio. O governo Lula será mais trabalhoso. Encontrará dificuldades na operação de seus programas. Garantirá, de início, dinheiro para o cobertor social, com o qual acariciará o coração das margens. Mas a crise na economia - com gastança desenfreada - afetará a imagem do Lula 3. Os primeiros 100 dias sinalizarão o prazo de paciência a ser dado pela comunidade para o governo pôr a máquina para funcionar. Lula desenha a cara de sua administração com a tinta do petismo, a mais forte. A Frente Ampla viu estreitado seu espaço. O Judiciário O Poder Judiciário, particularmente o STF, deverá refluir em seu ímpeto de "politização". Claro, sob menor quantidade de demandas partidárias que pedem sua decisão em matéria constitucional. Terá uma interlocução mais harmônica com o Executivo e com o próprio Legislativo. Os Poderes, portanto, desenvolverão suas atividades sob a égide da boa vontade em evitar altas tensões. O ministro Lewandovski deverá se aposentar por volta do final do trimestre de 2023. Momento em que terá chances de ser indicada para o lugar uma mulher. Uma jurista negra. O bolsonarismo Causa espécie o silêncio do presidente que sai, o eloquente Bolsonaro, nesse momento. Estaria esse comportamento inserido no rol de ações com mira em um golpe, como tanto apregoam bolsonaristas "raiz"? Jair não passará a faixa, fato inusitado, mesmo que tenhamos visto coisas semelhantes, com o presidente João Figueiredo, que se recusou a passar a faixa presidencial ao eleito pelo Congresso, presidente José Sarney. Bolsonaro, diz-se, passará um "tempo sabático", possivelmente no resort de luxo de seu "amigo", Donald Trump, na Flórida. A liderança da direita Jair Bolsonaro, ao que parece, não se sente no papel de líder da direita. Que exige do perfil capacidade de comando, articulação, mobilização das massas etc. Seu figurino está mais para o Executivo. Por isso, é previsível a fragmentação dos grupos de direita que estarão à busca de um comandante. Para onde navegarão esses náufragos? Quem os levará ao porto seguro? O PL, de Valdemar da Costa Neto, sobreviverá com uma liderança atabalhoada? Simone, Haddad e Alckmin Pois é, o novo governo nem assume e já estão no ar os nomes dos figurantes que estarão na arena de guerra em 2026: Simone Tebet, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Simone aceitou ser ministra do Planejamento, com o compromisso de colaborar com a feição social da administração, olhando para as demandas da área. Haddad não gostou muito da escolha, porque não quer dividir com ninguém eventuais êxitos no território da economia. Ademais, Simone é liberal na economia, enquanto Haddad pertence à corrente de economistas heterodoxos. Já Alckmin, que tem se comportado com elegância e desenvoltura, vai manter estreitos contatos com o empresariado, do alto de sua posição de vice-presidente da República e ministro da Indústria, Comércio e Serviços. Os três entram na luta presidencial de 2026. Sem bancos públicos O MDB esclarece que a senadora nunca exigiu o Planejamento turbinado pelos bancos públicos. O que ela disse: a função do ministério deve ser a de planejar as ações da administração direta e indireta, levando sugestões, por exemplo, para políticas habitacionais, na Caixa, e de apoio e fomento ao agronegócio, via Banco do Brasil. E a pressão? O ditador vai ao médico: - E a pressão, doutor? - O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem. Terrorismo O ministro da Justiça de Lula, Flávio Dino, promete acabar com esse ativismo na porta dos quartéis do Exército, um berço de terroristas, segundo ele. Dino já acertou com os novos ministros da Defesa e do Exército providências para limpar os agrupamentos acampados nas cercanias dos quartéis. A prisão de um empresário e a identificação de seus parceiros constituem fator de desencorajamento de ações terroristas. O ministro Dino Este consultor teve oportunidade de travar boa interlocução com Flávio Dino por ocasião de sua temporada na presidência da EMBRATUR nos idos de 2011. Substituiu Mário Augusto Lopes Moysés. Ali, desempenhou profícua missão. E abriu a carreira política, depois, vencendo o grupo Sarney, no Maranhão. Dino é um sólido conceituador. Deve fazer boa gestão como ministro da Justiça. Bela escolha. Equipe de Haddad Fernando Haddad se cerca de um grupo de jovens economistas. Bernard Appy é elogiado pelo mercado. Tem lastro. Os restantes ganham um olhar desconfiado. Kassab, o articulador Gilberto Kassab é um exímio articulador. Será a principal peça na engrenagem de articulação com prefeitos e deputados durante a gestão Tarcísio de Freitas, em São Paulo. Se o novo governador for aprovado com louvor, será uma estrela brilhante nos céus de 2026. A conferir. Não sabe que não sabe De Carlus Matus, sociólogo chileno. Conto uma parábola: "há pessoas que não conseguem perceber o que se passa ao seu redor. Não veem que não veem, não sabem que não sabem". Pequeno relato. Zé caiu em um poço e está a 10 metros de profundidade. Olhava para os céus e não viu o buraco. Desesperado, começou a escalar as paredes. Sobe um centímetro e escorrega. Passou o dia fazendo tentativas. As energias começaram a faltar. No dia seguinte, alguém que passava pelo lugar ouviu um barulho. Olhou para o fundo do poço. Enxergou o vulto de Zé. Correu e pegou uma corda. Lançou-a no buraco. Concentrado em seu trabalho, esbaforido, cansado, Zé não ouve o grito da pessoa: - "Pegue a corda, pegue a corda". Surdo, sem perceber a realidade, Zé continua a tarefa de escalar, sem sucesso, as paredes. O homem na beira do poço joga uma pedra. Zé sente a dor e olha para cima, irritado, sem compreender nada. Grita furioso: - O que você quer? Não vê que estou ocupado? O desconhecido se surpreende e volta a aconselhar: - Aí tem a corda, pegue-a, que eu puxo. Zé, mais irritado ainda, responde sem olhar para cima: - Não vê que estou ocupado, ó cara. Não tenho tempo para me preocupar com sua corda. E recomeça seu trabalho. Parábola: "Zé não vê que não vê, não sabe que não sabe". DESEJO ÀS AMIGAS E AMIGOS, LEITORAS E LEITORES, UM 2023 PLENO DE BOAS REALIZAÇÕES. MUITA SAÚDE! UM ABRAÇO DO GAUDÊNCIO TORQUATO
quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Porandubas nº 789

Abro as Porandubas com as hilárias historinhas de "Seu Lunga". Lembram-se do cearense muito educado? Elevador Seu Lunga, no elevador (no subsolo-garagem). Alguém pergunta: - Sobe? Ele: - Não, esse elevador anda de lado. Tá doente? Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: - Tá doente? - Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério, eu tava morto? Tá bom, pai Seu Lunga dava uma tremenda surra no filho e o menino gritava: - Tá bom, pai! Tá bom, pai! Tá bom, pai! - Tá bom? Quando tiver ruim, você me avisa, que eu paro. No polo Norte O amigo liga para sua casa e pergunta a seu Lunga: - Onde você está? E ele: - No Polo Norte! Um furacão levou a minha casa pra lá! Levou os discos? Na década de 70, seu Lunga chega num bar e fala pro atendente: - Traz uma cerveja e bota o disco de Luiz Gonzaga pra eu ouvir! - Desculpe, seu Lunga, não posso botar música hoje... - Mas por que? - Meu avô morreu! - E ele levou os discos, foi? Agora, uma voltinha por nossas terras... Secos & Molhados Simone Simone Tebet, que ansiava pela Pasta da Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, foi queimada pelo PT. Não vai para o lugar. É o que leio. Mercadante Mercadante, hoje presidente da Fundação Perseu Abramo, do PT, vai presidir o BNDES. E sustar o programa de privatizações. Gabriel Galípolo, economista, vai para a Fazenda. Mercado reage contrário aos perfis. Os juros futuros sobem ao espaço. Sinalização de descontrole nas contas públicas. Ciumeira O desempenho de Alckmin no governo de transição deu muita ciumeira no PT. O vice-presidente eleito será monitorado por mil olhos. PF Prepara-se para ingressar na era mais profissional. Sem ser alvo da mídia. Expectativas. A grande expectativa O governo de transição, cujos trabalhos se encerraram, hoje, trouxe muita expectativa. De mais de mil pessoas, pelo menos quinhentas continuam esperando participar do governo Lula. Os escolhidos Não tem havido surpresas, até o momento, na lista de ministros escolhidos por Lula. Tudo dentro do previsível. Maria Lecticia Acaba de lançar um livro sobre alimentos na Bíblia: "A Mesa de Deus". Trata-se de um interessante trabalho de pesquisa da autora, que se debruça sobre o tema há 10 anos. A escritora vem a ser imortal na Academia Pernambucana de Letras e é esposa do imortal da Academia Brasileira de Letras, o maior especialista em Fernando Pessoa de nossas e outras plagas, o afamado advogado pernambucano, aclamado escritor José Paulo Cavalcanti Filho, que foi ministro da Justiça do governo Sarney. Uma formidável pessoa ( Fernando...que o diga)! Lula mais comedido Lula leva para seu terceiro mandato o peso dos anteriores. Experiência. Ficou mais maduro. Mais tarimbado no trato de pressões e contrapressões. Não quer desperdiçar tempo. Veio com muita sede ao pote do poder. Mourão e Damares O atual vice presidente da República, Hamilton Mourão, vai ter um bom treinamento no Senado. Deve mudar a visão que tem dos políticos. E a senadora Damares Alves, a pastora, aprenderá na cartilha da política a ter menos visões radicais. O Senado lhe mostrará os caminhos da flexibilidade. O general Heleno Ao ter início o governo Bolsonaro, o general reformado Heleno, da Abin, conservava imagem de zeloso militar. Teve a imagem corroída pelo celofane da radicalização. Sai por baixo. Zambelli e Kicis As deputadas Carla Zambelli e Bia Kicis também tiveram suas imagens vestidas com o manto da radicalização. Terão estofo para aguentar o tranco da política parlamentar nos próximos tempos? A conferir. O bem e o mal Os sofismas subiram o patamar da banalização nos vãos da política. Todos conhecem a expressão popular: nós somos o bem. O mal são os outros. Recordo, a propósito, a pergunta feita por Carl Jung a um rei africano sobre a diferença entre o bem e o mal. Às gargalhadas, o soba respondeu: "Quando roubo as mulheres de meu inimigo, isso é bom. Quando me rouba ele as minhas, isso é mau." Recordo, ainda, a questão exposta por Alexander von Humboldt a índios da Amazônia para não comerem os colegas. Os índios responderam: "O senhor tem razão. Não podemos compreender que mal há nisso, pois os homens que comemos não são nossos parentes." Esse duplo padrão ético, apontado pelo magistral intérprete do ethos nacional, o embaixador Meira Penna, continua a guiar os governantes. Promessas, promessas Em 64 A.C., Cícero, o mais eloquente advogado do ciclo de César, guiou-se por um manual de representação, produzido por seu irmão Quintus Tullius, para vencer a campanha ao Consulado de Roma contra Catilina. O roteiro sugeria modos de se apresentar e falar. Coisas assim: "Seja pródigo em promessas, os homens preferem uma falsa promessa a uma recusa seca." Outra promessa? Mercadante, escolhido para presidir o BNDES, ex-coordenador dos programas do governo da transição, avisou: serão 35 ministérios. Um acréscimo e tanto dos 20 e poucos do desgoverno Bolsonaro. Lula, por sua, ao ser diplomado para seu 3º mandato, prometeu resgatar o país da miséria em que teria sido colocado. Mais uma promessa? Fará um governo plural? Ou um Ministério recheado de petistas, dando de costas à frente partidária que o elegeu? A arte da representação Entre nós, a arte da representação também tem sido bastante cultivada. Jânio Quadros dava ênfase à semântica por meio de estética escatológica: olhos esbugalhados, cabelos compridos, barba por fazer, jeito desleixado, caspa sobre os ombros, sanduíches de mortadela e bananas nos bolsos, que comia nos palanques, depois de anunciar para a massa, com ar cansado: "Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as 6 horas da manhã estou caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença." E devorava a fruta, sob os aplausos da multidão. Não tinha nenhuma fome. O ator histriônico havia se refestelado com uma feijoada, tomado um pileque, dormido na casa de um cabo eleitoral e acordado quase na hora do comício. Aparência de dândi Não causa surpresa o fato de que nossos políticos continuam exímios na arte de representar. O que causa reação negativa é a esquisitice de parlamentares cuja aparência estrambótica chega a agredir o cargo que ocupam. Em 1949, o deputado Barreto Pinto (PTB) - eleito pelo Rio, na época Distrito Federal -, fotografado de fraque e cueca samba-canção, foi cassado por falta de decoro. Idos tempos. Causa estranheza, hoje, a apropriação exagerada do instrumental das artes cênicas pelo ator político. Tal invasão os leva a substituir literalmente os teatros pelos corredores da Câmara e do Senado, a confirmar a previsão do especialista Roger Ailes, contratado por Nixon em 1968 para produzir seus debates na TV: "Os políticos terão de ser, um dia, animais de circo." Menos dândis, que têm o prazer de amedrontar, causar surpresas, menos estrambóticos. É o desejo da sociedade. Aparecer a qualquer custo A tendência a disseminar a palhaçada pela seara política é mais que previsível diante de fenômenos que carimbam a vida parlamentar: escândalos envolvendo deputados e senadores, gestos e atitudes aéticos, velhas e novas formas de patrimonialismo, descrença geral na classe política. Ademais, o princípio que inspira a índole de grande fatia da representação é aparecer a qualquer custo. No Estado espetáculo, a visibilidade é chave mestra da competição. Há um lado da moeda que parece escapar ao crivo da classe que se esforça para demonstrar as lições de Stanislavski (1863-1938), Brecht (1898-1956) e Lee Strasberg (1901-1982), os três grandes mestres da arte dramática. Menos circo Teremos menos circo na próxima legislatura? Bom conselho aos apaixonados pelas luzes da TV pode ser o do general De Gaulle, que sempre procurou preservar a liturgia do poder: "Os maiores medem cuidadosamente suas intervenções. E fazem delas uma arte." Menos plumas, lantejoulas, penachos, sungas, espadas, vestes de Tarzan, penduricalhos e estilos bombásticos. Mais substância, foco, ações concretas, atitudes firmes e corajosas. Menos circo e mais Parlamento. O neocoronelismo No Brasil, o passado é sempre revisitado. E com direito a reviver seus hábitos, mesmo os pérfidos. É o caso do coronelismo do ciclo agrícola, que castigava o livre exercício dos direitos políticos. Os velhos coronéis da Primeira República (1889-1930) consideravam os eleitores como súditos, não como cidadãos. Criavam feudos dentro do Estado. A autoridade constituída esbarrava na porteira das fazendas. Agora, neste ciclo conturbado, às vésperas de um novo governo a se instalar, o país se defronta com milícias. O império coronelista do princípio do século passado finca raízes no roçado do Rio de Janeiro. Quadrilhas A denúncia é de que comunidades do terceiro maior colégio eleitoral do país têm sido dominadas por milícias, quadrilhas comandadas por policiais que ameaçam pessoas que não elegeram seus candidatos. Com o bolsonarismo inconformado, é previsível o aumento das ações milicianas. Reformar a administração? Só se for com regime de engorda. Ao bater de frente no modelo de gestão capenga que domina a administração pública federal, Lula ajuda a entortá-lo com a ampliação exagerada de ministérios e secretarias especiais. O diagnóstico já é bastante conhecido: permanece o desequilíbrio entre a hiperatividade decisória e a eficiência de operação da burocracia governamental. A reforma na administração vai para as calendas. O compromisso Fernando Haddad, um perfil teórico, será mesmo ministro da Fazenda ou será o próprio Lula o comandante da economia? A crise de governabilidade, tão proclamada quando dela se faz uso para justificar a necessidade de se promover o ajuste fiscal e tributário, terá forte componente na esfera da execução das políticas públicas, na incapacidade de fazer valer as leis e no descumprimento das decisões mais altas. Afinal, o governo cumprirá o compromisso de fazer as reformas fiscal e tributária? Bernardo Appy vai para a Fazenda com Haddad. Você acredita, Luiz Carlos Hauly? Lula foi eleito pela terceira vez na esperança de levar a pedra dos ombros do povo até o cimo da montanha. Coisa que Sísifo não conseguiu. 
quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Porandubas nº 788

Einstein no Brasil Uma historinha do amigo Sebastião Nery sobre a relatividade das coisas. Quando Einstein esteve no Brasil, foi ciceroneado por Austregésilo de Athayde. Saiu olhando as coisas, Austregésilo a tiracolo, explicando a relatividade do jeitinho brasileiro. A toda hora, Austregésilo tirava do bolso um caderninho e fazia anotações. Einstein ficou curioso: - O que é que o senhor anda escrevendo aí? - Suas opiniões, Mr. Einstein, suas observações. Às vezes as minhas também. Tenho o hábito de anotar sempre as ideias que me ocorrem para aproveitá-las nos meus artigos. O senhor não anota suas ideias? - Não anoto, Dr. Austregésilo, porque até hoje só tive uma, a teoria da relatividade. Einstein 2 Certa vez, Einstein recebeu uma carta da Miss New Orleans onde dizia a ele: "Prof. Einstein, gostaria de ter um filho com o senhor. A minha justificativa se baseia no fato de que eu, como modelo de beleza, teria um filho com o senhor e, certamente, o garoto teria a minha beleza e a sua inteligência". Einstein respondeu: "Querida miss New Orleans, o meu receio é que o nosso filho tenha a sua inteligência e a minha beleza". Secos & molhados... Estado de expectativa O Brasil vive momentos de intensa expectativa. O jogo de sexta, contra a Croácia, será acompanhado por milhões de brasileiros. Conquistaremos o hexa do campeonato mundial? A expectativa cimenta, ainda, o clima de mudança no comando do país. O jogo político também está sendo jogado com muita vontade pelo time que ganhou as eleições. Vemos um Lula sorridente, mesmo tendo de enfrentar um paredão de obstáculos, e um Bolsonaro choroso. Por quê choras, Jair? O choro de quem sai Por que chora o presidente que sai em 1º de janeiro? Por ver naufragado seu projeto de poder. Bolsonaro tinha certeza de que ganharia o pleito. Tinha a estética das motociatas como prova de popularidade. Esquecia, porém, que outra banda do país não topava andar de moto ao seu lado. Tinha a estética das multidões ao seu lado, ignorando a ala que se postava distante de seu eleitorado. Na posse dos novos generais, verteu lágrimas. Enxugadas com um dedo. Percebeu que estava isolado em seu projeto de impedir a posse de Lula. Sentia o apoio dos colegas de farda e via soçobrar a ideia de prolongar sua vida de mando e comando. Bolsonaro teme pelo futuro. A erisipela O filho Carlos Bolsonaro, a quem se atribui a jornada digital do pai presidente, jogou nas redes a foto da erisipela do pai. Por quê? Para provar que o pai desapareceu do mapa da mídia por sofrer desse mal. Não por bloqueio psicológico. Uma foto dura. Fria. Forte. A impressão é a de que o presidente viu baixar sua imunidade. Teria sido efeito do impacto psicológico da derrota eleitoral? Que adianta, agora, justificar/não justificar a ausência da mídia, apostar/não apostar no futuro como presidente de honra do PL de Valdemar da Costa Neto? O futuro A Deus pertence, diz a proverbial expressão sobre os rumos de um governante. O fato é que o presidente eleito vai herdar um legado devastado, desorganizado, e, para piorar, com a máquina pública quase parando por falta de recursos para pagar até aposentados do INSS. Significa que Lula terá dificuldades de cumprir logo sua meta de proporcionar bem-estar social. Os primeiros 100 dias serão de bombeiro jogando água para apagar as chamas de grande incêndio. E esse ciclo de água na fervura azeitará os primeiros momentos da oposição. Mesmo com todo o seu tino de eficiente articulador, Lula não conseguirá aprovar a agenda que mandará ao Congresso. Os insatisfeitos aproveitarão o ciclo de desgaste para marcar posição. Pacto com o STF? Circula nas conversas com as melhores fontes que teria havido um pacto entre Bolsonaro e membros do STF para deixá-lo tranquilo no pós-governo. Que os processos contra ele, apresentados por partidos, seriam arquivados ou jogados no baú das coisas perdidas. O mesmo compromisso teria sido firmado em relação aos filhos. Um preço político a se pagar com moeda do Judiciário? Difícil de acreditar. Mas, a versão tem lógica. A propósito, Bolsonaro preso, pelo menos nos primeiros tempos do novo governante, seria jogar pólvora na fogueira. Não é razoável apostar nessa hipótese. O anti-petismo dependerá do PT Quem alimenta o antipetismo no país é o próprio PT, que não concorda com os termos de parceria, divisão do poder com outros partidos que deram sustentação ao projeto eleitoral de Lula, etc. Já se divisam rixas e rachas. Lula tem dito que fará um "governo além do PT". Que já tem sua relação de ministérios inegociáveis, espaços dos quais não abrirá mão, como economia, articulação política, coordenação de ministérios. O PT deixou marcas profundas no tecido institucional. Difícil de apagá-las. Hoje, ganha apoios. Amanhã, poderá perdê-los. O futuro do PT é uma incógnita. Ganharão os radicais ou os moderados? Distensão O esforço de Lula, no primeiro tempo de seu governo, será no caminho da distensão entre os Três Poderes, que nunca foram tão tensionados como na administração bolsonarista. O Poder Judiciário desceu de alto pedestal para fazer política. A Judicialização da política deve muito ao próprio Judiciário. A área parlamentar ganhou força com a aplicação, ao pé da letra, da lei franciscana do "é dando que se recebe". O Executivo tem sido relapso e ineficaz em muitas áreas. A economia se manteve sob a caneta de Paulo Guedes, que não cumpriu o programa liberal que prometeu. Os mandatários sempre prometem. Nunca cumprem todas as promessas. Alckmin Uma surpresa tem sido a performance do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. Muito positiva. Seguro, didático, ponderado, não é um encantador de serpentes. Ou seja, não quer enganar ninguém. E por isso mesmo, por sua positividade, tende a ganhar forças em sua missão. Não será um vice de decoração. Terá missões a cumprir, por mando de Lula, que confia plenamente no seu vice. E a quem pretende entregar fatias importantes do cotidiano administrativo. Lembram-se do governo de Mário Covas? Alckmin fazia a administração Covas caminhar. A partir das obras de infraestrutura. O vice-presidente eleito foi um grande gerente. E poderá fazer o papel de algodão entre vidros na administração de Lula. Leite e Freitas O governador gaúcho, Eduardo Leite, do PSDB, tem condições de despontar como a estrela da próxima estação. A mesma hipótese se aplica ao governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos. A conferir. Mercadante e Padilha O ex-senador e atual coordenador dos programas da transição de governo, Aloísio Mercadante, disputa com o ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, posição de destaque no entorno de Lula. Ministro do núcleo duro, coordenador de uma área, soldado sempre perto do comando do presidente. Mudança Lula começou seu discurso, em 1º de janeiro de 2003, com a expressão: MUDANÇA!, que continua sendo a palavra-chave dos governantes. O termo entra como uma luva nos dedos da contemporaneidade. Um big salário Bolsonaro deverá ganhar, ao deixar o governo, em torno de R$ 80 mil entre salários e proventos de aposentadorias. Afora, casa, escritórios e funcionários bancados pelo PL. E Guedes? Paulo Guedes não deve aceitar o convite de Tarcísio de Freitas para ser secretário da Fazenda em São Paulo. Prefere ser um bem requisitado consultor. Orçamento secreto O STF deve vetar o orçamento secreto. Já tem, hoje, seis ministros que votam contra. A dúvida é se haverá tempo para votar a matéria antes do recesso do Judiciário nas próximas duas semanas. A CF exige transparência. Clareza. Nada que se esconda em matéria de orçamento. Igualdade? Lula vai tentar compor seu Ministério com um bom número de mulheres, negros e povos originários. Aliás, os indígenas contarão com uma Secretaria Especial subordinada à presidência. Ou, até, um Ministério. Mas não se espere igualdade na cota de mulheres e negros. Dia 8, quinta Amanhã, bolsonaristas de raiz verão se apagar nas nuvens seu último sinal de esperança. Viverão uma "reversão de expectativas". Não verão "Maria nascer". Não ocorrerá o propalado golpe de militares para impedir que Lula suba a rampa do Planalto. Eles se comunicavam por meio de um código que prometia o nascimento de Maria, dia 8 de dezembro. Bolsonaristas perderam apostas para quem não acredita em histórias mirabolantes e contos de carochinha. Como este analista. Fecho com as Minas Gerais. O bispo Uma historinha de Zé Abelha, o nosso contador de causos de Minas Gerais. No auge da discussão nacional sobre a lei do divórcio, o então bispo auxiliar de Belo Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo, reitor da Universidade Católica de Minas Gerais, democrata, liberal, torcedor roxo do Galo, o Clube Atlético Mineiro, foi entrevistado: - O senhor não acha que o bom senso evitaria muitos divórcios? - Acho sim, meu filho, e muitos casamentos também. Pois é: o bom senso aconselha que os extremistas recolham suas armas e façam a penitência do silêncio, até quando os horizontes ganharem cores definidas.
quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Porandubas nº 787

Em terras paraibanas... Abro a coluna com as águas termais do Brejo das Freiras... Brejo das Freiras é uma Estância Termal nos confins da Paraíba, perto de Uiraúna, Souza e até da serra de Luis Gomes/RN, minha querida cidade natal. Trata-se de um lugar para relaxamento e repouso. O Governo da Paraíba tinha (não sei se ainda tem) um hotel, com uma infraestrutura para banhos nas águas quentes. Década de 70. Apolônio, o garçom, velho conhecido dos fregueses da região, recebe, um dia, um hóspede de outras plagas. Pessoa desconhecida. Lá pelas tantas, quase terminando a refeição, o senhor levanta a mão, chama Apolônio e pede: - Meu caro, quero H2O. Susto e surpresa. Anos e anos de serviços ali no restaurante e ninguém, até aquele momento, havia pedido aquilo. Que diabo seria H2O? Apolônio, solícito: - Pois não, um instante! Aflito, correu na direção da única pessoa que, no hotel, poderia adivinhar o pedido do hóspede. Tratava-se de Luiz Edilson Estrela, apelidado de Boréu (por causa dos olhos grandes de caboré), empedernido boêmio, acostumado aos salamaleques da vida. - Boréu, tem um senhor ali pedindo H2O. O que é isso? Desconfiado, pego sem jeito, Boréu coça o queixo, olha pro alto, tenta se lembrar de algo parecido com a fonética e, desanimado, avisa: - Apolônio, sei não. Consulte o Freitas. Freitas era o diretor do Grupo Escolar, o intelectual da região. Localizado, o professor tirou a dúvida no ato: - H2O é água, seus imbecis. Quer dizer água. Apressado, Apolônio socorreu o freguês, já inquieto com a demora, com uma jarra do líquido. Depois, no corredor, glosando o feito, gritou em direção a Boréu: - Ah, ah, ah, esse sujeito achava que nós não sabia ingrês. Lascou-se! Panorama PNBF em alta ou em baixa? O Produto Nacional Bruto da Felicidade em nossas plagas crescerá nos próximos tempos ou perderá alguns pontinhos? Primeiro, explico: o PNBF é a soma dos fatores que elevam o bem-estar físico e espiritual do povo. Essa gama de fatores abriga muita coisa - boa saúde, alimentação boa e barata, casa própria, transporte rápido e barato, dinheiro no bolso para pagar as despesas da família, segurança e harmonia social. Entre os inúmeros componentes da carga psicológica, a alegria e, em alguns casos, a catarse coletiva pela vitória do Brasil na Copa do Mundo. Se o Brasil ganhar a Copa, a felicidade nacional subirá. Pois é... Estamos animados com o ingresso garantido nas oitavas de final. Mesmo não sendo um time daqueles que admiramos, como o da Copa de 58 (Pelé) e o de 70. Os mais antigos se recordam daquele garoto de 17 anos, que viria se tornar o maior jogador de todos os tempos, Pelé. E aquele gênio de pernas tortas, que fazia dribles de causar estupefação. Pelé e Garrincha eram reservas de Joel e Dida e se tornaram titulares apenas no terceiro jogo do Brasil. Outros craques: Didi, Nilton Santos, Djalma Santos, Zito, Gilmar, Bellini, Vavá, Zagallo, Orlando. Depois da estreia em que bateu a Áustria por 3 a 0 e do empate por 0 a 0 com a Inglaterra, surgiram as vitórias consagradoras, 2 a 0 sobre a União Soviética, 1 a 0 sobre País de Gales, 5 a 2 sobre a França, e, na final, sobre a Suécia, na decisão, por 5 a 2, sendo 2 de Vavá, 2 de Pelé e 1 de Zagalo. As alegrias em 1970 A seleção brasileira derrotou a Itália por 4 a 1, conquistando pela terceira vez a Copa do Mundo FIFA, em 1970. Os gols da partida foram marcados por Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres. Boninsegna fez o gol de honra dos italianos no Estádio Azteca, na Cidade do México. Temos hoje aquela força de ontem? O que mudou no futebol? Deixo as respostas para os entendidos. Minha área é a política. Mas como todos os nativos se consideram técnicos, também dou os meus palpites. Sinto que não temos a genialidade dos times do passado. Até temos, sim, geniais jogadores, com qualidades individuais bem acima do entrosamento coletivo. Mas, como todos os crentes, continuo apostando que teremos uns pontinhos subindo na escala do PNBF. E se não trouxermos a taça... Nesse caso, o clima ficará mais frio. E experimentaremos o que se chama de "reversão de expectativas". Os bolsonaristas de raiz torcem pela derrota. A comunidade nacional, em peso, quer ver a bandeira verde amarela tremulando nas ruas e nos prédios. Se perdermos, o pessimismo tende a voltar em gotas, para muitos. Com a negatividade em ascensão, componentes da carga psicológica ressurgem com força, como desânimo, descrédito, desespero, angústia, tristeza, indignação. O ódio, destilado no congelador, volta a acirrar ânimos. Em suma, esses sinais tendem a afastar os grupos da política. E a condenar os governantes. O pessimismo, em início de mandato dos novos governantes, é pernicioso para a dinâmica institucional. Lula III O governo Lula III sinaliza vontade de querer abraçar a sociedade. Esse sinal se apresenta no número de integrantes do governo de transição, hoje somando mais de 400 figurantes. Se o acervo de ideias e sugestões forem acatadas, o Lula III implantará uma administração participativa, acolhendo o ideário dos polos do poder social e da vontade coletiva. Se o governo fizer disso apenas uma ação de marketing, será cobrado e recriminado mais adiante. A conferir. O imbróglio Haverá um conjunto de problemas de difícil trato pela frente. O principal deles estará amarrado à árvore da economia. Que galhos sustentarão a floresta? Qual será o tamanho do Estado? O programa de privatizações será travado? Qual será a parcela estatal a ser estendida e avolumada em detrimento da parcela liberal? O tal mercado está de olhos atentos. Fernando Haddad, caso seja o ministro da Fazenda (Economia), ampliará sua credibilidade no mercado? Escolherá uma equipe com visão no Estado intervencionista ou no Estado liberal? Haddad é pessoa de bom trato. José Múcio Se for o José Múcio, pernambucano que foi deputado por 20 anos, ex-ministro e ex-presidente do TCU, o escolhido para comandar o Ministério da Defesa, podemos aduzir que um clima de harmonia deverá voltar a reinar no universo das Forças Armadas. Múcio sabe fazer articulação, que é a componente que tanto ajuda os gestores. Articulação com a esfera política, articulação com as forças da sociedade civil, articulação com os poderes constitucionais, enfim, articulação com todos os movimentos, agrupamentos e setores da comunidade nacional. A área social O espaço mais visado pela política é o que mexe com as massas. O sucesso ou o insucesso de um governo nasce nas políticas com foco no bem-estar das margens situadas na base da pirâmide. Quem estiver no comando dessa área certamente ganhará visibilidade, projeção, aclamação ou, no contraponto, apupos e vaias. Quem irá para a coordenação dos programas de auxílio e ajuda? Simone Tebet tem o perfil adequado para exercer a função. Mas o PT não aceita ficar de fora desse espaço. Daí a disputa, que ganha contornos de duelo, luta esganiçada, pressão. Lula que o diga. Mas não vai dizer. Bolsonaro e a vida partidária Será muito difícil para Jair Bolsonaro comandar o exército da direita, no Brasil, a partir de sua inserção na vida partidária, sob o convite de Valdemar da Costa Neto para ser o líder do PL e dos partidos de oposição ao próximo governo. Bolsonaro terá salário, escritório, residência, estrutura e todo apoio para comandar as tropas que fustigarão o governo Lula III. Pergunto: sua índole intempestiva será aceita pelos componentes das tropas? E se ele der um "rompante" em algum aliado? Terá jogo de cintura para negociar, articular, orientar, enfim, liderar tropas? E o que fará a família Bolsonaro? Dona Michelle Já a senhora Michelle Bolsonaro verá horizontes abertos para uma inserção plena na vida partidária. Teve um bom desempenho como primeira-dama. Construiu uma identidade. Defensora da família e dos bons costumes. Uma pastora evangélica respeitada. Poderá, se quiser, fazer carreira na política. Teria ampla base de eleitores. Janja Quem deverá ajudar o marido, agindo como uma ombudswoman, é Rosângela Silva, a Janja, cujo perfil mereceu uma análise deste escriba em artigo para a Folha de São Paulo, publicado domingo, 27. 3º turno As camadas tectônicas da política ainda não se acomodaram, depois do terremoto de outubro passado. Os movimentos contra a posse de Lula continuam, aqui e ali, sob os urros inconcebíveis de galeras insatisfeitas. Um terceiro turno ressurge. O xingamento contra uns e outros, artistas e círculos da mídia, continua. A perseguição às pessoas chega ao pico. A sociedade está rachada ao meio. Fecho a coluna novamente com a Paraíba Zeca I Zeca Boca de Bacia fazia a alegria do povo em Campina Grande/PB. Personagem folclórico, amigo de políticos. Dava assessoria informal a Ronaldo Cunha Lima e a seu filho Cássio, prestes a ganhar o mandato de senador. Quando Zeca abria a boca, a galera caía na risada. Certa vez, numa de suas internações na clínica Santa Clara, em Campina Grande, a enfermeira foi logo perguntando: - Zeca, qual o seu plano (de saúde)? E ele: - Ficar bom! Outra vez, Zeca pegou um táxi em Brasília para ir à casa de Ronaldo Cunha Lima. Em frente à casa do poeta, o taxista cobrou R$ 15. Zeca só tinha R$ 10. Sem acordo, disparou: - Então, amigo, dê cinco reais de ré! Mais Zeca de Campina Em João Pessoa, num restaurante chique, Zeca pediu um bode assado. O garçom retrucou: - Desculpe-me, senhor, aqui só servimos frutos do mar. Zeca emendou sem dar tempo: - Então me traz uma água de coco. _____ Um dia, outro taxista cobrou R$ 20. Zeca, liso, só tinha R$ 10. E pagou. - Cadê o resto? - pergunta o taxista. Zeca não hesita: - E eu vim sozinho? Vamos rachar!
quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Porandubas nº 786

Abro a coluna com uma historinha dos EUA, que serve para orientar a leva de parlamentares de primeiro mandato em Brasília. Compre um cachorro O ano de 2023 se aproxima. Novos desafios, expectativas, alegrias, frustrações. Muitos deputados e senadores voltarão aos velhos costumes. Mas o Parlamento receberá um contingente de perfis que desconhecem como é a vida de Brasília. São os quadros de primeiro mandato. O que fazer, como fazer? A propósito, pinço uma historinha que me é contada pelo dr. Istênio Pascoal, médico de alto conceito, com pós-doutoramento em Chicago, EUA, especialista na área de hemodiálise e experiente conhecedor das malhas do Poder em Brasília. Um jovem parlamentar, filho de um amigo do presidente Harry Truman, chegou a Washington, capital federal, e, depois de algum tempo, pediu uma audiência ao presidente. O jovem havia morado em Washington quando criança, quando o pai fizera amizade com o "tio" Truman. Que o recebeu na Casa Branca. O jovem queria conselhos e lembrar os tempos do pai, falecido. - E aí, meu jovem, parabéns pela eleição. Seja bem-vindo à capital. Está gostando? - Presidente, confesso que estou entediado. Washington não tem esquinas, cidade espalhada, sem alma, não tenho conhecidos, deixei minha mulher na minha cidade, moro num apartamento, sozinho, enfim, confesso que é uma chatice. O presidente ouviu, calado, e saiu-se com esse conselho ao jovem deputado: - Quer ter um amigo em Washington, um bom amigo? O rapaz: - É o que eu mais queria, presidente. - Então, faça o seguinte: compre um cachorro. E você se sentirá melhor. A onda contrária De um observador atento da política, experiente na arte de analisar manhas e artimanhas, indagado por este escriba sobre os movimentos de Valdemar da Costa Neto junto ao TSE. Visando contestar as urnas fabricadas antes de 2020: "trata-se de jus sperneandi.... não duvido que, após a posse de Lula, apareça um processo de impeachment contra ele. Aliás, o PT vai enfrentar a mesma tática que usou no passado. Lembra-se? Depois da posse de Fernando Henrique, em 1994, o partido entrou com um pedido de impeachment. Foi o deputado Milton Temer, na época PT do RJ. Sobre Valdemar, trata-se de um pedido sem nexo. Contestar os resultados do Segundo Turno? Seria querer anular as eleições...coisa sem pé nem cabeça". Candidatos na pós Lula, glorioso, volta do Egito, via Portugal, onde relançou o conceito de Brasil no planeta. Fez um dos melhores discursos de sua vida na COP27. Em Portugal, foi recebido como Chefe de Estado. Bolsonaro, pesaroso, não tem ido ao Palácio do Planalto, sendo visto nos corredores do Palácio da Alvorada, onde se recupera de erisipela. O presidente deve ter baixado a guarda em sua imunidade. Cuidados Luiz Inácio fez procedimento médio, retirando uma leucoplasia (lesão na garganta), devendo poupar a voz nos próximos dias. Dentro de dois dias, estará dando expediente normal. O tratamento dos dois presidentes tem aberto muita especulação. Este é um terreno em que não se pode encobrir com mentiras. Os laudos médicos dizem que ambos estão se recuperando. Um, com entusiasmo, outro, sem euforia. O vídeo de Nardes Corre nas redes um vídeo atribuído a Augusto Nardes, ex-deputado e hoje ministro do Tribunal de Contas da União. Ali, Nardes estaria falando com um amigo do agronegócio, dando conta da movimentação dos quartéis. Prenúncio de um golpe. Inquietação e articulação. Nardes se retratou. Disse que foi "mal interpretado". - "Questão de horas, dias, no máximo, uma semana, duas, talvez menos para que um desenlace bastante forte na nação ocorra". O vídeo foi massificado. Colegas teriam dito que se trata de blefe. Ouvi o áudio. Mais parece, realmente, uma tentativa de garantir ao grupo interlocutor do agronegócio que sabe das coisas, é bem informado etc. etc. Dá a impressão de expressar desejo pessoal. Não uma informação colhida nos quartéis. A movimentação Talvez Nardes tenha levado em consideração as aglomerações, pequenas, nas proximidades dos quartéis. Aqui, nas minhas cercanias, está instalado o Comando Militar do Sudeste. Pois bem, lojinhas com bandeiras brasileiras e camisas verde-amarelas são o ponto de encontro de pessoas que, todos os dias, descem em direção ao parque do Ibirapuera. Ouvem-se hinos e palavras de ordem de grupos ainda inconformados com o resultado do pleito. Essa movimentação ocorre também em outras capitais, oito a dez. Há oficiais da ativa que emitem opiniões abertas, nas redes sociais, sobre intervenção militar. Partido ao meio São manifestações de parcela do Brasil que votou em Bolsonaro. Quase metade do Brasil. Os contingentes pregam intervenção das Forças Armadas. Não aceitam que Lula assuma o governo. Valem-se, agora, do relatório encomendado por Valdemar da Costa Neto, que encomendou uma empresa para fazer uma investigação sobre as eleições. E a conclusão é de que as urnas fabricadas antes de 2020 têm o mesmo número, sendo impossível saber se podem ou não ser adulteradas. Valdemar promete levar o problema ao TSE e ao STF. Sobre Valdemar À propósito do presidente do PL, corre também nas redes um vídeo, atribuído a Maria Christina Mendes Caldeira, que mora hoje nos Estados Unidos, detonando Valdemar, com quem foi casada. O vídeo contém revelações bombásticas. Christina levou um arsenal de provas com ela. E chegou a dizer que entregaria esse pacote às autoridades norte-americanas. Teria coisas do "arco da velha", situações envolvendo "evasão de divisas" e sonegação por parte de Bolsonaro e filhos. Quem conhece Caldeira, diz que ela é destemida e sabe os unir os laços de uma trama. Mulher inteligente. Conhece bem o emaranhado da política. O mercado como alvo Lula fez a Bolsa despencar com suas declarações sobre o teto de gastos. Para ele, matar a fome está em primeiro lugar. "Vai cair a Bolsa? Vai subir o dólar? Paciência". A questão: furar ou não o teto de gastos para costurar um amplo cobertor social? Resumo a polêmica com as palavras de Michael J. Sandel, em "Justiça, O que é fazer a coisa certa". "O livre mercado é justo? Existem bens que o dinheiro não pode comprar - ou não deveria poder comprar? Caso existam, que bens são esses e o que há de errado em vendê-los? ...A questão do livre mercado fundamenta-se basicamente em duas afirmações - uma sobre liberdade e a outra sobre bem-estar social. A primeira refere-se à visão libertária dos mercados. ...permitir que as pessoas realizem trocas voluntárias, respeitando a liberdade; a segunda questão é o argumento utilitarista para os mercados...pelo qual quando duas pessoas fazem livremente um acordo, ambas ganham e, se o acordo as favorece sem que ninguém seja prejudicado, ele aumenta a felicidade geral. Céticos do mercado questionam esses argumentos. Afirmam que as escolhas nem sempre são tão livres quanto parecem. E afirmam também que certos bens e práticas sociais são corrompidos ou degradados se implicarem alguma transição com dinheiro". Jogo a abordagem no foro de debates. O transatlântico A equipe de 320 pessoas convocadas para o governo de transição, abrigadas em 31 grupos técnicos, é a maior já reunida no país para esta finalidade. Há 207 homens e 113 mulheres. Espera-se que se faça o melhor programa de governo do nosso regime presidencialista. Os chateados são os petistas, que não gostariam ver tantas caras de outros partidos. Difícil mudar a cartilha do petismo. Mas o presidente Luiz Inácio é assim que quer. PT O Partido dos Trabalhadores há de mudar seu pensamento sobre alianças, parcerias, apoios e outras questões. A continuar imaginando que só eles ganharam a campanha, abrirá uma larga avenida de tensões e querelas interpartidárias. Coisa que desagradaria o presidente eleito. Os vitoriosos Parcela significativa dos votantes de Lula espera que faça um governo acima das barreiras ideológicas e visões radicais que inspiraram, por décadas, o ideário do PT. Os integrantes do partido esperam que seja uma extensão dos três mandatos do PT. Um clima de euforia impregna os ares dos vitoriosos. Os eleitores de Bolsonaro, nem todos, ainda sonham com uma reação dos quartéis, evitando a posse de Lula. Parcela do eleitorado, angustiado, olha à direita e à esquerda, na ânsia de achar um rumo. Lula está com o cetro. As massas desvalidas Já os contingentes marginais aguardam medidas, ações e programas que possam melhorar as condições de sua subsistência. Agem pragmaticamente. Vão esperar pelos 100 primeiros dias de Lula na cadeira presidencial. As vírgulas Estava em dúvida, mas decidi contar. Há tempos, José, um prestador de serviços da Porto Seguro, foi à minha casa atender a um chamado de elétrica. Jornalista e conversadeira, minha mulher descobriu que o filho do José estava se preparando para prestar vestibular. Recebeu de presente uma sacola de livros e apostilas para o vestibular, que estavam guardados. Meses depois, em nova solicitação para prestação de outros serviços e, por coincidência, José reapareceu, desta feita, com um texto escrito pelo filho. Para que fosse lido. Minha mulher leu, elogiou o conteúdo, a forma de abordagem, mas alertou: tem muitas vírgulas, precisa corrigir. Esta semana, um ano depois da primeira visita, eis que José surge novamente. Faz um agradecimento: "agradeço o que a senhora fez. Meu filho passou no vestibular para Medicina em várias instituições, entre as quais, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP). E, também, valeu a opinião sobre as vírgulas". O filho de José, em fevereiro do próximo ano, adentra os portões da Universidade. Destaco: passou na primeira tentativa. O livro abre as portas do futuro. Amigas e amigos, façam suas doações (livros, manuais e apostilas sem uso), que possam melhorar a vida de nossos semelhantes. Salgar meu pai Conto uma historinha do Rio Grande do Norte, mais precisamente da cidade de Macaíba, vizinha à Capital. Em certa administração municipal, constituída em sua grande maioria por pessoas de Natal, um pobre rapaz procurou o gabinete do prefeito com um problema urgente. Era uma sexta-feira. "Meu pai morreu e vim pedir o caixão", suplicou o jovem à secretária natalense da mais fina flor da moderna burocracia. "Hoje não há como atender. O prefeito e todo o pessoal foram a Natal. Volte segunda-feira, está bem?", respondeu a funcionária conscientíssima do dever cumprido. Desolado, o rapaz recuou e abriu novamente a porta do gabinete para nova abordagem: - Dona, poderia me arranjar dois reais? - Pra quê você quer o dinheiro? interrogou a eficiente servidora. - É pra comprar sal grosso, salgar o meu pai até segunda-feira. (Quem conta o "causo" é deputado estadual Valério Mesquita).
quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Porandubas nº 785

Nesses tempos de Brasil rachado ao meio, abro a coluna com uma.... Conjunção rachativa Historinha da Bahia. Grande de nome e pequeno de corpo. Magricela, esperto, inteligente, José Antônio Wagner Castro Alves Araújo de Abreu, sobrinho-neto de Castro Alves, herdou o DNA, o talento e a vadiagem existencial do poeta. Não gostava de estudar. No esporte, era bom em tudo. Colega de Sebastião Nery, no primeiro ano do seminário menor, na Bahia, em 1942, na aula de português, o padre Correia lhe perguntou o que era "mas". - É uma conjunção. - Certo, mas que conjunção? Zé Antônio olhou para um lado, para o outro e respondeu: - Conjunção rachativa, professor. - Não existe isso, Zé Antônio. - Existe, professor. Quando a gente quer falar mal de alguém, sempre diz assim: - Fulano até que é um bom sujeito, mas... E aí racha com ele. O Brasil rachado Vamos ter de conviver com apupos e aplausos nos próximos tempos. Movimentação nas ruas, pequenas aglomerações, encontros nas grandes avenidas, manifestações das categorias profissionais organizadas. O fato é que o Brasil está rachado. Ao meio. E nessa rachadura emergirão os insatisfeitos, os indignados, os inconformados, os radicais. Na arena, o PT e Lula contra Bolsonaro e seus simpatizantes. Muda o giro Em tempos de ontem, era o PT que dominava as ruas. Ou o MST. Os movimentos à esquerda do arco ideológico. O petismo cresceu sob as ondas de protestos. O PSOL, depois, tomou seu lugar. A roda girou. Hoje, a extrema direita ocupa as ruas. Dá as caras para bater e se engalfinhar. Terá condições de permanecer na paisagem? Resposta: vai depender de sua liderança principal, Jair Bolsonaro. A continuar recluso, vai perder seu rolo compressor. O presidente ainda não reconheceu a derrota. O bolsonarismo persistirá? O país tem espaço, e muito amplo, para a fixação de uma direita programática. Que ganharia força sob o empuxo de bandeiras e valores da família. A índole de Jair tem condições de aguentar o tranco, fazer campanha todo tempo, ao longo do governo Lula III? Terá força para comandar motociatas? A diversão eleitoral ainda encontrará motivação para correr ruas e estradas? Vai depender de Lula. Lula III O mundo mudou, o Brasil mudou, a política abriu novos desafios, o animus animandi da sociedade quer encontrar novos motores. Não será fácil usar o gogó como há 30, 20, 10 anos. O povo está saturado de discurso, promessas, blábláblá. Quer ação. A propósito, lembro o parágrafo que abriu meu último artigo: Perguntaram uma vez ao grande Demóstenes (384-322 a.C.), famoso pelo dom da oratória: "Qual a principal virtude do orador?". Respondeu: "Ação". Insistiram: "E depois?" Voltou a repetir: "Ação". Sabia ele que essa virtude, própria dos atores, era mais nobre que a eloquência. A razão? A ação é o motor da humanidade. Administrando o poder Lula da Silva prometeu fazer um governo além do PT. Conseguirá? É tão forte a crença do PT em sua identidade de sigla vestida no manto sagrado das virtudes que o alfabeto petista é declamado de maneira quase automática por seus integrantes: "o governo do PT, nosso governo, o PT é isso, o PT não é aquilo". Esse é o nó que Luiz Inácio terá de desfazer: furar a bolha do petismo, puxando partidos de cores diferentes do vermelho para uma administração compartilhada, respeitando as visões de novos parceiros, compreendendo as recentes disposições como fator de garantia da governabilidade. Em suma, aceitar que o partido não deve e não pode se considerar uma "igreja" de fiéis convictos, fechada ao ingresso de outros crentes. A democracia participativa Lula promete impulsionar os eixos da democracia participativa. Ouvir a sociedade sobre suas demandas. E o país quer abrir a garganta. Dizer o que quer. Como estamos percebendo, o Brasil é um laboratório de organicidade social. Em todos os espaços do território, vemos as sementes da intermediação social a cargo de uma gigantesca teia de organizações não governamentais. Sindicatos, associações, federações, movimentos, núcleos, grupos se espalham pelo território. São os novos polos de poder. Os novos eixos da democracia participativa. Lula manda, Lula pode O empecilho para esses novos horizontes da democracia participativa está no próprio PT. Que já começa a brigar por espaços. Acha-se pouco representado nos quadros do governo de transição. Quer mais, apesar de ter uns 15 ex-ministros na moldura. Se Gleisi Hofmann, a atual presidente petista, ocupar um ministério, quem a substituirá na presidência do PT? Lula definirá. Mas haverá sangue escorrendo nos bastidores. Quem vestiria o figurino para os tempos que virão? Os prováveis nomes deverão ter outros cargos e não poderão ocupar o comando do partido. Briga de foice. A não ser que o presidente eleito dê um basta às querelas internas. Aluguéis em Brasília A especulação imobiliária em Brasília inicia sua temporada. O preço dos aluguéis chega a 50% de aumento ante a enxurrada de quadros do PT e parceiros que esperam habitar novamente nas franjas do poder. Uma volta aos dias de ontem. São Paulo será de Tarcísio O governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tem todas as condições de inaugurar seu ciclo de poder. O PSDB perdeu seu domínio no Estado. As lideranças de hoje são as lideranças de ontem. Desgastadas. Com exceção de Geraldo Alclmin, vice presidente da República, eleito. Tarcísio tem uma identidade técnica. E pode ser uma estrela no meio do céu em 2026. Rosângela Não se espere de Rosângela da Silva um papel de dona de casa durante o governo Lula III. Trata-se de uma socióloga com vez e voz. Covid 19 volta A covid 19 volta com intensidade. As internações hospitalares se expandem. O relaxamento geral é a causa do novo surto. A vacinação perde força. Os doentes se multiplicam. Fleury O ex-governador Antônio Fleury Filho nos deu adeus. Era uma pessoa cordata e educada. Sabia ouvir e respeitar os interlocutores. Trocamos muita conversa. Que Deus o acolha. Imbassahy Por onde anda Antônio Imbassahy? O ex-governador da Bahia, o ex-prefeito de Salvador, o ex-deputado, o ex-presidente da Assembleia Legislativa, o ex-ministro do governo Michel Temer é um dos melhores quadros da política nacional. Precisa voltar à primeira fila do palco político. Fecho com uma historinha do Ceará. Está "distituído" O major José Ferreira, cearense dos bons, amigo do padre Cícero, é quem relata: "Há muito matuto inteligente e sagaz, mas também há muito sujeito burro que se a gente amarrar as mãos dele pra trás das costas, ele não sabe mais qual é o braço direito nem o esquerdo... Eu também conheço matuto que, abrindo a boca, já sabe: ou entra mosca, ou sai besteira." O major continua a conversa: "Quando foi criado o município de Missão Velha, a escolha do primeiro intendente recaiu num velho honrado, benquisto e prestigioso, mas muitíssimo ignorante. Cabia-lhe o encargo de declarar instituído o município. Um dos "língua" do lugar seria o orador oficial. Ele, o chefe do executivo municipal, deveria dizer simplesmente: "Está instituído o município de Missão Velha!". Levou quinze dias decorando a frase, e, na ocasião da solenidade, exclamou: "Está DISTITUÍDO o município de Missão Veia". (Historinha capturada pelo bom Leonardo Mota em Sertão Alegre - poesia e linguagem do sertão nordestino).
quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Porandubas nº 784

Abro Porandubas com uma historinha engraçada, mas infame...com desculpas se alguém se chocou com termos usados pelo personagem do "causo". Dirran.... Dirran (com "biquinho" para parecer um francês correto), galego meio sarará, entroncado e de pernas curtas, jogava no Clube Atlético Potengi, no Rio Grande do Norte. Um dia, disputava no Machadão, o estádio, uma partida contra o Potyguar de Currais Novos, pela 2ª divisão do Campeonato potiguar. O jogador atleticano era o destaque. Fazia dribles desconcertantes e lançamentos perfeitos. Fechou as glórias com um golaço. O narrador da Rádio Poti gritava: "Dirran é um craque", "Dirran, revelação do futebol norte-rio-grandense". Dirran prá cá, Dirran pra lá. No final do jogo, o Clube Atlético Potengi perdeu por 3 x 1. Mas o destaque foi Dirran. Vendo todo aquele sucesso, um jovem e entusiasmado repórter da Rádio Poti, em princípio de aprendizado, correu para fazer uma entrevista com o craque na beira do gramado. Disparou uma bateria de perguntas: "Você tem parentes na França? Qual a cidade onde nasceu, Monsieur? Como veio parar no Brasil? Pode comparar o futebol europeu com o futebol brasileiro? Qual a origem de seu nome? Espantado, o jogador respondeu ao incrédulo repórter: "Pera aí, meu sinhô, num é nada disso; meu apelido é Cú de Rã, mas como num pode falar na rádio, então, eles abreveia". (Historinha enviada pelo amigo Álvaro Lopes). As placas tectônicas Por mais um tempinho, as ondas se mostrarão revoltas no mar da contrariedade. A pequena diferença entre Lula e Bolsonaro - pouco mais de 2 milhões de votos em um universo de 118 milhões - provoca a pororoca que ainda se vê, aqui e ali, trazendo às ruas remadores vestidos com camisas amarelas. As placas tectônicas do pleito ainda não se acomodaram. Daqui a um mês, é razoável apostar em águas mais tranquilas. A não ser que.... Ao redor dos quartéis Nas proximidades dos quartéis, como o que vejo aqui da minha sacada, o quartel do comando do II Exército, barracas e ambulantes oferecem bandeiras e materiais publicitários, com palavras de ordem conclamando o apoio das Forças Armadas. Não acredito que os quadros militares entrem nessa jogada. Mas, confesso, surpreendem as manifestações pedindo intervenção militar. Os quartéis mantêm-se afastados. Haveria alguém nos bastidores incentivando as ondas de indignação e ódio contra o presidente eleito e seu partido? O governo além do PT Lula tem dito que fará um governo além do PT. E é bom que faça. Afinal, o Brasil está rachado ao meio. Metade do Brasil está contra Lula. Se acrescentarmos à soma dos votos a hipótese de que grande parcela dos eleitores votou contra Bolsonaro, e não necessariamente em favor de Lula, a inferência é a de que o presidente eleito não tem a esmagadora maioria do eleitorado ao seu lado. O fato é que o eleito terá de fazer um governo acima do ódio e da vingança que impregnam uma leva de petistas. Como assim? Ódio e vingança O analista político Mário Alberto de Almeida observa que os quadros petistas entram com fôlego e aos montes na equipe de transição. E que levarão o presidente Lula a, mesmo não sendo sua vontade, acender uma fogueira de ódio e da vingança, a partir dos fogueteiros mais próximos. Que não perdoarão os abalos sofridos pelo PT e adjacência nos últimos anos. Sei não, Mário Alberto. A identidade do petismo A questão é a identidade petista. Sabemos que o PT foi criado sob o ideário de uma revolução de costumes e do próprio regime político. Nasceu sob o manto do socialismo clássico. De seu nascimento, há mais de três décadas, até hoje, muita coisa mudou. O PT acabou aceitando eixos do liberalismo, promovendo interação com a social-democracia ou investindo num programa liberal-social. Foi fustigado. Enrolou-se no mensalão e no petrolão e incriminado nas teias da corrupção. Lula foi preso. Injustamente, dizem petistas, mas o fato é que foi jogado na vala dos corruptos. E agora ressurge com esplendor. Ressuscitou para um terceiro mandato. Lula perdoou? Como está o ânimo de Luiz Inácio? Acima das querelas ideológicas? Para ganhar, caminhou em direção ao centro do arco ideológico. Daí a hipótese que este escriba tem levantado: para garantir governabilidade, Lula haverá de formar um pacto com os partidos de centro. E como essa hipótese será aceita pelos quadros petistas? Eis o busílis. Muitos dizem que o PT aprendeu com seus erros. E agora não vão soltar os anéis. Tomarão a máquina administrativa e planejarão um mando de muitos mandatos. Sem calejar na ideia. Sem fazer concessões. Isso esbarra num ponto: e o que dirá Lula? "Vão em frente, companheiros"? Ou: "Basta, vamos governar com todos". Lula teria perdoado seus inimigos? Como seria o pacto? E como seria um pacto político a ser formado pelo dirigente maior do país? Primeiro, puxando para a parceria governamental partidos do centro e até de centro-direita: PSD, MDB, etc. Segundo, consolidando a parceria com partidos de esquerda, a partir do PSB, PSOL, PDT etc. Terceiro, articulando para comandar as casas congressuais perfis alinhados ao governo. Quarto, distribuindo postos de comando - não vitais - aos novos parceiros. Quinto, costurando programas e projetos de alcance social. O empresariado Conversas com empresários revelam: por mais que Lula prometa um "governo além do PT", vence por ampla maioria a incredulidade sobre a aplicação do conceito. A descrença se volta para os nomes que administrarão áreas como economia e meio ambiente. A visão radical da esquerda, dizem alguns, predominará. No setor do meio-ambiente, lembram que mais de 13% do território são, hoje, áreas de preservação ambiental ou de ocupação indígena. E o próximo ministro do meio-ambiente tende a expandir este índice. Exemplificam com a explosão de invasões de terra que ocorrem nesse momento em Mato Grosso. Moraes, até quando? Tenho ouvido um caudaloso volume de críticas ao ministro Alexandre de Moraes, por suas decisões de tirar redes sociais de alguns críticos e mandar a PF investigar perfis que fizeram críticas ao processo eleitoral. Alegam que o ministro estaria cerceando a liberdade de expressão. Sobre esse assunto, em palestra que proferi na FIESP, manifestei minha visão: 1. O ministro Moraes tende a arrefecer sua ação punitiva, tão logo estejam acomodadas as placas tectônicas do pleito; 2. Urge reconhecer o mérito de Moraes na condução do processo eleitoral. O ministro ainda vivencia as glórias (merecidas) de comandante do processo e continua agindo no sentido de defender o ideário do TSE; 3. Uma reunião com Lula e os dirigentes das casas congressuais e com os membros do STF recolocará os papéis dos Três Poderes, distensionando o clima. Pergunta dos empresários: até quando Xandão agirá como xerife? Repito: até a acomodação das placas tectônicas do terremoto. Olhem para Tarcísio O centro das atenções deve se voltar para Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador eleito de São Paulo. Sua identidade técnica o afasta das posições radicais de Jair Bolsonaro. Se fizer um bom governo, será protagonista importante de 2026. In medium virtus, a virtude está no meio, diz o ditado latino. Tarcísio encarnaria este princípio. Haddad, o cara Dentre os muitos petistas citados como eventuais ministros do governo Lula III, o nome de Fernando Haddad é o perfil a ser preparado para se firmar como estrela nos tempos do amanhã. Logo atrás, Alexandre Padilha. A acompanhar. Afif Um nome que volta à política com força. Foi o comandante da campanha do Tarcísio de Freitas. Preparado, experiente, articulador, educado, sabe ouvir. Guilherme Afif terá voz importante na administração de Tarcísio. Kassab, articulador nato Um dos sábios da articulação política, Gilberto Kassab olha para o sul e para o norte, para o oeste e para o leste, com sua habilidade de estar sempre no centro do poder. Vai apoiar Lula lá em cima. Em São Paulo, foi eixo central da campanha vitoriosa de Tarcísio de Freitas. Um articulador de primeira grandeza. Kotscho Quem sabe tudo ou quase tudo sobre Lula é seu velho amigo Ricardo Kotscho, que trabalhou com o presidente como assessor de imprensa. Tratamento carinhoso entre eles: "como vai, nego véio?" Kotscho é um dos maiores jornalistas brasileiros, e tem um belíssimo e agradável texto. Que pode ser lido no UOL. Quem quiser saber como serão as linhas do governo Lula, que tal tentar uma conversa com essa admirável figura, que escreveu as primeiras matérias sobre os marajás? Ele lembra: "Foi uma série de reportagens publicadas no jornal "O Estado de São Paulo", em 1975, sobre as mordomias, abusos e privilégios dos "superfuncionários" do governo federal". A série sobre as mordomias causou grande repercussão, pois foi a primeira matéria de denúncia publicada na imprensa após a retirada da censura prévia ao jornal. Os "superfuncionários" passaram a ser chamados de "marajás". Que existem até hoje. Fé A frase é uma platitude: o Brasil é maior que a crise. Aposto minhas migalhas que o Brasil vencerá todas as crises. E que o dono deste blog, que é referência no planeta jurídico do país, o amigo Miguel Matos, reforce minha aposta.
quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Porandubas nº 783

Abro a coluna com o romantismo do doente em Jaguaribe, no Ceará. Quatro chinelas O médico Francisco Ibiapina, do Jaguaribe/CE, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. O clínico fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaída. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa, silenciosa e atenta aos conselhos do médico. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha: - Seu doutô: fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede? (Causo contado pelo historiador Leonardo Mota). Leitura rápida - Bolsonaro perdeu pontos decisivos com o episódio Roberto Jefferson. - O filho de Jefferson, que perdeu a eleição para deputado pelo Pará, disse que o pai é exímio atirador. E que se quisesse teria matado os policiais da PF que foram prendê-lo. - A quatro dias das eleições, a indagação se propaga nos ares: quem comandará o país? - Os indecisos estão descendo do muro. Começam a pensar diferente de tempos atrás. A lei do pragmatismo. - "Não aguento mais; vamos acabar com isso". São expressões de desabafo que se ouvem aqui e ali. - As apostas se fecham no balcão dos combatentes dos exércitos eleitorais. Lula está com vantagem de 78.99% das apostas. - O tiro saiu pela culatra. No caso, os tiros de Roberto Jefferson. - O Brasil, dividido, passará um bom tempo com as feridas abertas. - Terceiro turno? Algo que não durará mais que um mês. - Forças Armadas continuarão desarmadas. Ou seja, não irão às ruas defender ou atacar ninguém. - Empresário gigante lamenta: "que furada, essa do Jefferson. Agora, tá difícil." - Aglomeração no TUCA, na noite da segunda, na rua Monte Alegre, em Pinheiros. - A turma de Bolsonaro nas praças de algumas cidades à espera do Imponderável dos Anjos, trazendo um milagre a tiracolo. Não é impossível. - Alckmin espalha: o grande perigo para o agronegócio é um novo governo Bolsonaro. - As pesquisas voltam a atiçar os interesses. A margem de dianteira de Lula vai de 0,4% (Instituto Paraná Pesquisas, de Murilo Hidalgo), até 8% (IPEC, Marcia Cavalari,) e 6%, (IPESPE/Abrapel, Antônio Lavareda). Vamos acompanhar os dados desta chegada ao pódio. - Bob Jeff, como também é chamado o ex-deputado Roberto Jefferson, disse que soltou granadas de aviso e atirou ao léu, não para matar. Balas de algodão, de um fuzil de brinquedos? Granadas de arroz doce? - O PTB de Getúlio Vargas nos dá adeus. Os petebistas de outrora não se conformam com tão grande perda. Fecho a primeira parte com os "pulé roti". Pulé roti O negro Belarmino era um cozinheiro cheio de pompa e orgulho. Trabalhava no antigo "Hotel de France", em Fortaleza. Quem o azucrinava com sua cor, ele não deixava por menos: "roupa preta é que é roupa de gala". E arrematava: "pinico também é branco". Chegava um cliente, esnobava no francês: "Que tal um puassom (poisson, peixe) com petipuá (petit pois, ervilha)"? Mas nunca conseguiu entender que poulet rôti é frango assado e não simplesmente frango. Transferido para a Pensão do Bitu, reclamou ao patrão, logo no primeiro dia, ao passar diante do galinheiro: "seu Bitu, me dê a chave da despensa para eu tirar o mio (milho), pois inté essa hora, os pulê roti estão tudo em jejum". (Historinha narrada pelo bem humorado Leonardo Mota em Sertão Alegre) Parte II Michelle Qual será o papel da atual primeira dama se Bolsonaro continuar no Palácio da Alvorada? Seja qual for o resultado, Michelle Bolsonaro terá papel mais forte no cenário político. Domina bem o palco. Janja Qual será o papel da socióloga Rosângela da Silva caso o assento presidencial passe a ser de Lula da Silva? A de conselheira-mor. Um cochicho que valerá mais que muitas recomendações do núcleo duro, os assessores do entorno. As mulheres Terão papel mais denso nos próximos tempos da política. Voz mais forte. Participação mais ativa. A organicidade social Os grupos organizados terão mais vez e mais voz na era política que se abre. Deverão ser os novos polos de poder da sociedade. Quem levou a água? Pendenga sem fim. Cada qual defendendo seu bornal. Ainda rimando: afinal, quem foi o tal? Quem levou a água do São Francisco para o Nordeste? Bolsonaro diz que foi ele. Quem garante é Rogério Marinho, senador eleito pelo RN. Lula, segundo seus porta-vozes, garante que foi ele. Dilma? Essa, não. Pois bem, este analista procurou saber a resposta. E apurou o que se segue. O legado de Temer Quando Michel Temer assumiu o governo, a obra da transposição do eixo leste estava praticamente parada, com problema de licitação. A empresa havia praticamente abandonado a obra. Já o eixo norte estava muito lento. O que se fez? Licitação do eixo leste. As obras ganharam impulso com um ritmo de 24 horas, sábado e domingo. Concluiu-se a obra, entregue pelo então presidente Michel em Monteiro. A água chegava até a Paraíba, região metropolitana de Campina Grande. Evento festivo. Um investimento de quase três bilhões. Campina Grande Campina Grande tinha água de péssima qualidade, apenas um dia por semana. Até que a água chegou no Açude Boqueirão, beneficiando mais de um milhão de pessoas. O eixo norte avançou, concluindo-se a última estação. A água saía da estação com destino a Jati, no Ceará. Mas ocorreu um problema na barragem, vazamento. A transposição ficou quase concluída com o eixo leste e o eixo norte quase prontos. Em suma, a obra de transposição estava parada. O eixo leste: 100% de funcionalidade, enquanto o eixo norte apresentava 85% de funcionalidade. Concluídas as três estações do eixo norte. Ramal do Apodi O governo Temer deixou em andamento o projeto executivo. Por recomendação do TCU, não foi licitada a obra com o projeto básico. Só faria sentido o ramal com a conclusão do eixo norte. Comentários de autoridades do governo Bolsonaro, de que fizeram a transposição, não são verdadeiros. O que é verdade é a licitação do ramal Apodi que permitirá a chegada da água a Major Sales, na divisa entre RN e Paraíba. A execução de obras por parte do atual governo chega apenas a 5% do que foi feito. O legado do governo Temer pode ser apurado na própria contabilidade dos órgãos governamentais. O projeto beneficiará 12 milhões de pessoas em mais de 400 municípios de quatro Estados: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Fecho com mais uma historinha hilária de Conchas/SP. Eu e Deus O "causo" ocorreu em Conchas/SP. Era a audiência de um processo - requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso para um senhor alto, velho, magro, negro, humilde e muito simpático, tipo folclórico da cidade. Antes da audiência, o advogado lembrou ao seu cliente para afirmar perante o juiz morar sozinho e não ter renda para manter a subsistência. Nisso residiria o sucesso da causa. Na audiência, veio a pergunta: - O senhor mora sozinho? - Não! Respondeu ele (o advogado sentiu que a coisa ia degringolar). - Hum, não? Então, com quem o senhor mora? - Eu e Deus, respondeu o matreiro velhinho. O advogado tomou um baita susto. Mas a causa foi ganha. O juiz considerou procedente a ação.
quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Porandubas nº 782

Abro com o coronel Juca Peba, da nossa querida Paraíba. Uma historinha para esses tempos de desconfiança. O coronel Juca Peba Desconfiado e matreiro, o coronel Juca Peba não era de muita conversa. Tinha dinheiro, e muito, guardado sob o travesseiro. Até o dia que inauguraram a Agência do Banco do Brasil, em Cajazeiras. A gerente foi procurar o coronel Juca Peba com o argumento: - Coronel, bote o dinheiro no banco. Vai ser guardado, bem guardado, e vai render juros. Depois de muita conversa, e muitos cafés no varandão da casa, o coronel, ainda desconfiado, foi ao banco. Com 100 contos numa bolsa de couro. Tirou devagar o pacote. Contou. Uma, duas, três vezes. Depositou. Matreiro, ficou na espreita, na calçada, olhando, espiando o movimento do banco. Para ver se aquele troço não era tramoia. A desconfiança aumentou. Entrou no banco. Foi ao Caixa. Ordenou: - Quero os 100 contos que eu botei aqui. Já. Aflito, o bancário correu para buscar o dinheiro. O coronel pegou o maço. Conferiu. Uma, duas, três vezes. E devolveu, sob a expressão juramentada: - Eu só queria mesmo conferir. Pode guardar. Panorama Nas pesquisas Lula continua ganhando nas pesquisas, ostentando entre 5 a 9 pontos de maioria. Para sermos bem realistas, mais convém passar a impressão de que Luiz Inácio desce um pouco e Jair Messias sobe também um pouco. Há entre 5% e 7% de indecisos. Na mídia massiva Na mídia impressa e eletrônica, vejo os dois candidatos e seus adeptos nos Estados ganhando visibilidade. Lula ocupa mais espaço. Nas redes Bolsonaro vence nas redes sociais, sendo o mais citado. Os bunkers tecnológicos funcionam a todo vapor. No universo do grande empresariado Bolsonaro lidera a bolsa de apoios na área do grande empresariado. Não significa bolsa de apostas. Na Intelligentzsia Nos núcleos acadêmicos e artísticos, o apoio maciço é para Lula. É a área com maior número de listas de apoios. Nas igrejas Nas igrejas evangélicas, Bolsonaro reina absoluto. Na igreja católica, Lula ganha com um leque maior de apoios. Nas margens Lula ganha nas margens de algumas regiões, enquanto Bolsonaro avança nas margens do Sudeste. Por aqui, bolsões carentes passam a tomar conhecimento do Auxílio Brasil. No pequeno e médio empresariado Bolsonaro assume liderança, mas Lula não fica muito atrás. O pequeno e médio empresário é pragmático. Principalmente no setor de serviços. Toma lá, dá cá. Os parafusos da máquina Quem ganhar terá uma tarefa insubstituível: colocar os parafusos na máquina. A começar com o preenchimento de 20 mil postos na administração Federal. Um exercício de trombadas, pressões e contrapressões. Choro e vela. E champagne. No debate Um pouco de repeteco, pois os leitores já leram as observações dos analistas. - No debate de Lula x Bolsonaro, domingo, na Bandeirantes, o presidente teve desempenho mais tranquilo que o ex-presidente. Lula parecia nervoso, dobrando as mãos, saindo do púlpito para a frente do palco, voltando, tomando água, olhar crispado. - Bolsonaro, mesmo artificial, foi mais tranquilo. Olhava para Lula com ar gozador, repetia uma frase que não convencia - "Lula, você não fez nada" - ria, ficava ereto diante do adversário, respondia o que queria e não o que foi perguntado. - O primeiro bloco foi vencido por Lula, o segundo resultou em empate e o terceiro teve Bolsonaro como vencedor. O presidente deixou Lula falando pelos cotovelos, com uma postura provocativa de quem queria administrar o tempo para ter direito a uma fala mais extensa. E foi o que aconteceu. - No final, Bolsonaro fez ampla peroração, mostrando o desastre das ditaduras na Venezuela e na Nicarágua, arrematando com a ideia de que Lula iria "fechar igrejas". Uma forte insinuação. Lula ficou apenas olhando, eis que seu tempo havia esgotado. - O debate não puxou votos, mas foi um bate-estaca para fincar profundamente a fé de seus militantes. - Carlos Bolsonaro, o vereador, foi melhor orientador para o pai que os assessores de Lula. - A cachaça e a picanha, primeiras letras do boné do complexo do Alemão - CPX-, foram lembradas por Bolsonaro, em insinuação de Bolsonaro sobre "ligação" de Lula com a bandidagem. - Dizer, porém, que, ao lado de Lula no complexo do Alemão, só tinha bandido foi um erro crasso. A comunidade deve reagir dando a Lula uma carrada imensa de votos. Bolsonaro deu um tiro no pé. - O toque de mão no ombro de Lula foi clara provocação de Bolsonaro para desestabilizar o ex-presidente. Lula, sem jeito, tentou afastar a mão de Bolsonaro. Mais alto, até parece que queria estabelecer comparação de altura. - O formato do debate foi mais dinâmico, propiciando um confronto típico de lutadores. Deu agilidade. Ponto para o diretor de jornalismo, Fernando Mitre. Reverter? Muito difícil reverter posições. Mais de 90% dos eleitores garantem que já estão decididos. O esforço de Bolsonaro para reverter posições pode funcionar em algumas praças. Em 2018, a reversão no 2º turno só ocorreu em 3% das cidades. A se confirmarem Se os Institutos confirmarem suas pesquisas, Lula será o vencedor do pleito. Se não confirmarem, não haverá dúvidas; será aprovada alguma coisa para investigar os Institutos. Arthur Lira, presidente da Câmara, está disposto a ir em frente em sua empreitada para confrontar as pesquisas. Mas Bolsonaro cresce A última pesquisa IPEC, instituto dirigido por Marcia Cavallari, ex-Ibope, foi boa para Bolsonaro. Cresce em algumas situações: avaliação do governo, diminuição da rejeição, 2 pontos no Nordeste. O caso é: isso poderia fazer reverter o quadro? Este analista conclui: nada é impossível em político. P.S. Não viram o eleito senador pelo Paraná, Sergio Moro? Depois de sair do governo atirando em Bolsonaro, hoje se aproxima afagando. Tarcísio Em São Paulo, o episódio dos tiros na favela de Paraisópolis não foi um atentado. O próprio candidato Tarcísio, candidato apoiado por Bolsonaro, reconheceu não ter sido vítima. Mas os tiros criaram um fato de impacto no final da campanha. Fica no ar um zum-zum, com a hipótese de atentado gerando simpatia para o candidato do Republicanos. Fernando Haddad, do PT, sabe que o antipetismo em São Paulo continua forte. Alckmin O candidato a vice, Geraldo Alckmin, do PSB, se esforça para puxar lideranças do interior de SP e trazê-las para Lula. A tarefa tem sido facilitada pelo clima de favoritismo que anima os assessores do ex-presidente. "Pintou um clima" A tirada de péssimo gosto de Bolsonaro sobre as meninas venezuelanas, "todas arrumadinhas", foi bem administrada pela campanha do candidato. Alexandre de Moraes mandou tirar do ar o vídeo com a frase "pintou um clima". O pai de uma menina teria se recusado a receber emissários de Bolsonaro. A primeira-dama Michelle e a senadora eleita pelo DF, Damares Alves, desistiram de fazer uma visita às venezuelanas na comunidade distante 30 km de Brasília. O episódio arranhou a imagem do candidato Bolsonaro, não a ponto de provocar reversão de votos. Aniversário Lula faz anos dia 27 próximo segundo anunciou no debate da Band. Será um evento de peso. O que a campanha vai fazer? Dançar com salto alto poderá gerar impacto negativo. A direita se consolida O fato é: ganhe ou perca, Bolsonaro se firma como comandante dos exércitos da direita. Uso, aqui, a analogia com uma banda das Forças Armadas por distinguir uma inclinação dos contingentes de direita para o enfrentamento. A direita no Brasil será um forte ente. Sob o comando de Bolsonaro. O Centrão Concluo com o arremate: o Centrão continuará a dar as cartas nos dias de amanhã. Seja Lula ou Bolsonaro o vitorioso. Fecho a coluna com uma historinha que cai bem nesse momento de "vaquinhas" e "rachadinhas". Vaquinha Vereador em Itiruçu, na Bahia, estava duro. A seca tinha comido tudo. Sem dinheiro para a feira, foi pedir ao prefeito Pedrinho. Pedrinho brincou: - Por que você não pede a Jesus Cristo? Ele não é o pai dos pobres? Voltou para casa, escreveu a Jesus Cristo pedindo 50 contos. Endereçou: "Para Nosso Senhor Jesus Cristo". E pôs no Correio. No correio, abriram a carta, levaram para o bar. Lá fizeram uma vaquinha, apuraram 42 contos, registraram e mandaram para o vereador. Quando ele abriu viu os 42 contos, sentou-se e escreveu nova carta: "Nosso Senhor, agradeço muito sua atenção. Recebi o dinheiro que lhe pedi. Mas rogo o seguinte: se o senhor for mandar dinheiro novamente, faça o obséquio de mandar em cheque, porque, dos 50 contos, o pessoal do correio meteu a mão em 8." (Registro do amigo Sebastião Nery em seu Folclore Político).
quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Porandubas nº 781

Cuidado com os semáforos apontando para a esquerda ou para a direita. E se estiverem todos juntos? Abro com uma historinha sobre semáforos. Os quatro semáforos Certo prefeito de Santa Rita do Sapucaí, nas Minas Gerais, ao ver nomeado um amigo para comandar o DETRAN, correu a Belo Horizonte, e não se fez de rogado. Foi logo pedindo: - Amigo, me arranje umas sinaleiras para minha cidade. Vai ser o maior sucesso. Vai ajudar muito a minha popularidade. O diretor, tomado de surpresa, ante tão inusitado pedido, procurou administrar a euforia do prefeito, mas não tinha como escapar à pressão: - Compadre, está difícil arrumar esses aparelhos. Tenho de fazer uma grande reforma aqui na capital. Mas vou me esforçar para lhe arrumar quatro semáforos. Mas, por favor, não espalhe. Insisto: não espalhe. E assim foi. Ao chegar a Santa Rita, um mês depois da entrega, ficou embasbacado. Viu os quatro semáforos colocados no mesmo lugar: o centro da cidade. Perguntou ao alcaide: "por que você mandou colocar todos eles naquele lugar"? Sorriso no canto da boca, o prefeito respondeu: - Ora, compadre, você esqueceu? Me lembro bem: você bem que me pediu para não espalhar os faróis. Panorama Para onde? O país caminhará em que direção? Para frente, para trás ou para os lados? Óbvio: caminhar para a frente é avançar na trilha, para trás é voltar, retroceder, e andar de lado significa permanecer na mesma posição, movendo os passos sem sair da linha horizontal. O bem e o mal Lula e Bolsonaro podem conduzir o país por qualquer uma dessas trilhas, afastando-se da dualidade entre o bem e o mal, erguendo a bandeira do progresso e da harmonia social ou seria isso um sonho? Terão envergadura para assumir compromissos com a ordem democrática e, mais que isso, a férrea determinação de inserir o Brasil na rota do futuro, meta que vai além do rol de promessas mirabolantes de campanha? Perfil que o Brasil quer O governante que o Brasil precisa deve assumir, de maneira clara, a defesa dos preceitos constitucionais, a partir dos direitos individuais e coletivos, a liberdade de expressão e a instauração de políticas voltadas para a pluralidade, a diversidade e a causa ambiental. E preservar o que de bom já foi feito em administrações passadas. Lula A banda de Luiz Inácio o considera autêntico defensor da democracia, por sua jornada de lutas contra a ditadura e por sua identificação com as demandas das massas carentes. Hoje, ainda é visto como extensão do socialismo clássico. Bolsonaro Já Bolsonaro lapidou seu perfil nos fornos dos anos de chumbo, servindo ao Exército, chegando ao posto de capitão. Na política, tornou-se um ícone da direita conservadora, expressando apoio à tortura e aos torturadores. O fiel soldado extremista acabou sentado na cadeira presidencial, na esteira de escândalos que assolaram o terreiro petista. O passado e o futuro O passado, desse modo, emerge como gigantesca sombra que acolhe ambos. Dessa textura, extrai-se a questão: não é possível passar uma borracha no passado. As pessoas mudam, mas certos valores continuam a balizar sua índole. Tem sentido votar e/ou rejeitar um candidato por feitos ou desfeitos de ontem? Sim. Mas o passado não pode ser apenas a chave da porta do poder. Urge saber o que pensam, hoje, os contendores, sob a crença de que alguns fenômenos do passado se tornaram obsoletos. Os radicais É claro que as bandas raivosas e ensandecidas, que atuam como tuba de ressonância dos candidatos, não têm interesse em resgatar o grande discurso, em superpor o substantivo sobre o adjetivo rancoroso. O ódio, a revanche, a falsidade são armas da campanha, usadas como anzol para fisgar eleitores incautos. Precisamos tirar da agenda os velhos cacoetes, o "nós e eles" e o "eles e nós". Lula precisa ouvir o sussurro das ruas e entender que já não basta construir muros na sociedade ou igrejinhas para o PT. Se quer consolidar uma frente ampla em defesa da democracia, deve acenar com a bandeira da união, da paz social e do progresso. Muito cuidado com o furo do teto de gastos e o controle da imprensa, coisas que integram a cartilha lulista. Os tempos de chumbo Bolsonaro não pode avocar as pérfidas ações dos tempos de chumbo, atraindo as massas com uma lengalenga que lembra a tensão da Guerra Fria, quando o lema era: "comunistas comem criancinhas". Os tempos são outros. Jair, que se diz amigo de Vladimir Putin, deve melhorar a retórica destrambelhada e assumir postura condizente com a liturgia do cargo. Cuidado com o assistencialismo populista, herança do passado e isca de pesca eleitoral. Luis Inácio: Venezuela, Cuba, Nicarágua ou Coréia do Norte são sistemas fracassados. Longe de serem alçados ao altar de referências. Aos dois candidatos, um conselho simples: interpretem as mensagens que o eleitor transmitiu com seu voto. Vejam que o 2º turno foi uma opção para analisar melhor os pleiteantes. O que as massas esperam As massas querem conforto, segurança, educação, serviços públicos de qualidade. Pergunte-se a um anônimo na multidão: "o senhor é de esquerda ou de direita"? Responderá com cara de espanto: "Como"? Só uma fração da comunidade é enrolada no lençol ideológico. Nesse momento, o que está em jogo em nossas plagas é a meta de proporcionar um PNBF maior (Produto Nacional Bruto da Felicidade) para o bem da coletividade. Queria ver pesquisas sobre a opção do eleitor - esquerda, direita, centro. Seria bem provável que apontasse para o bolso e para a barriga. Para Lula ganhar Precisa manter a estabilidade e aumentar seus votos em MG e no RJ. Ganhou em São Paulo e precisa manter os índices. Aqui e no Nordeste, onde mostrou uma distância de mais de 40% para Bolsonaro. Lula ganhou importante apoio de Waguinho, prefeito de Belfort Roxo, na Baixada Fluminense. E precisa Lula melhorar sua posição no Norte e no Centro-Oeste. Simone como voz A voz de Simone Tebet é crível. Por isso, em São Paulo ela poderá atrair mais votos para Lula. Mas sua atuação mais forte deverá ser no Centro-Oeste, onde ela atua. Simone sai maior da campanha do que entrou. Os votos de Ciro A maior parte vai para a sacola de Lula, a menor para o bornal de Bolsonaro. Ciro será um grande consultor depois das eleições. A abstenção O preparado consultor Antônio Lavareda faz o alerta: olhem a abstenção, olhem a abstenção. Concordo com o amigo. Quanto maior, pior para Lula. A recíproca é verdadeira. Os Institutos não aferem abstenção. No Nordeste, contingentes carentes fogem mais às urnas. Estabilidade A essa altura, ainda não dá para dizer quem ganha. Distância entre 6% a 10% entre um e outro. Voto duplo Tirar um voto de um adversário vale por dois. O que chega aumenta o total dos votos de um bornal e diminui do outro. Assim, ganhar dois milhões de votos é ganhar quatro.
quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Porandubas nº 780

É hora de refletir, não de rir. O que deixa este analista de política com uma pulga na orelha. Devo dispensar as historinhas que abrem a coluna? Pensei, pensei e conclui: não. Afinal, tenho de manter a identidade de Porandubas. Vai uma historinha. Apropriada para o momento. Com desculpas se o relato se insere no livro do "politicamente incorreto". Ponho a culpa sobre os ombros do amigo Sebastião Nery. Deu-se o vice-versa Dr. Dantinhas, deputado da Bahia, elo de todo um clã político do Estado (neto do Barão de Geremoabo), foi convidado para padrinho de casamento da filha de um coronel do sertão. No dia de viajar, recebeu telegrama: - Compadre, não precisa vir. Deu-se o vice-versa. Menina morreu. (Deu-se o vice-versa nos resultados do primeiro turno das eleições?) Panorama Descem as cortinas E eis que as cortinas descem, encerrando o primeiro capítulo da peça assistida por milhões de brasileiros de todos os rincões. O espetáculo foi acompanhado, passo a passo, sob as cornetas de institutos que teimavam em apontar: o caminho é aqui, a vereda é ali, a curva é acolá. As multidões, sem darem ouvidos aos tonitruantes ecos que saiam das trombetas e clarins, seguiram seu próprio instinto. E que surpresa... E a surpresa não tardou a se mostrar. As trilhas enveredadas abriram horizontes não imaginados. Trilhas que sinalizaram na direção da direita, estreitando as vias da esquerda, e encorpando os caminhos com os contingentes do conservadorismo. Vamos aos fatos, agora com a linguagem da objetividade. A comunidade política, situada à direita do arco ideológico, deu as caras. As esquerdas, com seus punhos fechados, só conseguiram sair aos trancos do canto do ringue. Pesquisas erraram Os diretores dos Institutos de Pesquisa (Datafolha, IPEC), aturdidos, explicam que houve, nos últimos dias, uma movimentação em direção a Bolsonaro. Não fiquei satisfeito com tal explicação, mesmo que se admita ter faltado apenas 1,57 ponto percentual mais um para Lula liquidar a fatura domingo passado. Uma onda conservadora emergiu no país. O conservadorismo enrustido deveria ter sido flagrado pelas pesquisas bem antes. Houve superestimação da esquerda e subestimação da direita. Essa é a verdade. Quem mais chegou perto dos resultados, urge lembrar, foi o Paraná Pesquisas, dirigido por Murilo Hidalgo. O erro As pesquisas sempre davam Bolsonaro como detentor de 35% a 38% dos votos. Teve 43,2% dos votos válidos. Não é crível que essa avalanche de votos de Bolsonaro tenha ocorrido nos últimos dias de campanha. Será que esses votos saíram do bornal de Ciro e Simone? Mas isso não poderia ter sido previsto? Ora, sinais de mudança deveriam ter sido detectados. O ganho psicológico da campanha bolsonarista pode influenciar o voto no 2º turno. O bumerangue A aceitar a hipótese dos Institutos de Pesquisa, teremos de admitir que a campanha contra os votos úteis, liderada por Ciro Gomes, acabou se voltando contra ele. Ou seja, ele teria deixado o índice de 6% para descer ao patamar dos 3%. Um bumerangue. E em São Paulo, hein? Fernando Haddad (PT-SP) sempre liderou por muitos pontos a campanha paulista, deixado Tarcísio Freitas (Republicanos-SP) longe do pódio. E eis que ocorreu o inverso. Tarcísio chegou na frente por largos passos. Abocanhou a maioria dos votos do maior colégio eleitoral do país. Bolsonarismo robusto A verdade das urnas aparece, nua e crua. O primeiro embate, mesmo vencido por pontos por Luiz Inácio Lula da Silva, deixou ver passos avançados da direita, com a performance de Jair Bolsonaro que, agora, se apresenta como o ator central de uma peça muito aplaudida. A bolha da classe média vazou, permitindo inundar outras bolhas em seu entorno. Bolsonaro ganhou no Estado-líder da Federação, São Paulo, gigante de votos. Mesmo que Lula tenha sido vitorioso na capital. A conquista Bolsonaro ganhou o primeiro turno em SP com 47,71% do eleitorado do Estado. Já Lula venceu na capital paulista, com 47,54% nesse 1º turno. Bolsonaro conquistou boa parte das cidades do interior, inclusive algumas do Vale do Ribeira, região mais pobre do Estado, e onde fica a cidade em que viveu, Eldorado, onde obteve 50,31% dos votos. Lula obteve vitórias em cidades da região metropolitana, como São Bernardo do Campo, com 49,17%, seu reduto eleitoral, e em municípios do Pontal do Paranapanema. Triângulo das Bermudas Este analista, como seus leitores bem sabem, sempre defendeu a hipótese de dois turnos. E mais: sempre apregoou que o resultado das urnas teria um final, que iria depender do resultado no Triângulo das Bermudas, que agrega São Paulo, Minas Gerais (2º maior colégio) e Rio de Janeiro (3º colégio). Lula ganhou em Minas Gerais, mas não se pode esquecer que Romeu Zema, o governador reeleito, acaba de declarar apoio a Bolsonaro. No primeiro, o governador tentou esconder esse apoio. Minas poderá ser decisivo. Nordeste Lula venceu no Nordeste, de ponta a ponta. Os programas assistenciais de Bolsonaro não influenciaram a votação. É possível que até o final do mês, com bateria massiva, os trunfos do governo - Auxílio Brasil, preço dos combustíveis, a partir do Auxílio-Gás e da gasolina - cheguem às margens carentes. Ou seja, com uma campanha de comunicação focada em benefícios, incluindo a dinheirama que o Tesouro vai desembolsar (até antecipação do 13º aos servidores), poderá dar impulso a Bolsonaro na região nordestina. O fato O fato é que uma hipótese se firma: Bolsonaro só ganhará se mudar a intenção de voto de redutos lulistas. E Lula só ganhará se mantiver incólumes seus redutos, que não mudariam de postura, e mais, puxando parcela dos votos de Simone Tebet e Ciro Gomes. Sabemos que frações irão para os dois lados. Já a abstenção tende a aumentar, principalmente em Estados que já definiram os candidatos ao governo. As contas do dr. Istênio O bom pensador Istênio Pascoal, renomado nefrologista de Brasília, faz as contas e manda para a Coluna: "em relação ao 1º turno de 2018, Bolsonaro perdeu votos no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul, empatando no Norte e do Nordeste. Com 99,9% dos votos apurados, a diferença de Lula para Bolsonaro é de 5,18% votos, ou 6.122.000 votos apurados. Os votos de Simone e de Ciro somam 7,21% ou 8.511.380 votos. Bolsonaro ultrapassará Lula no 2º turno se tiver 7.316.690 dos votos somados de Simone e Ciro." E arremata Istênio: "não é impossível, mas é bem difícil." Dados para todos os gostos A leitura da campanha abre interpretações múltiplas. Há dados para todos os gostos. Por exemplo: Lula retomou 63% dos redutos petistas perdidos (266) em cidades maiores; o PT teve 25,9 milhões de votos a mais do que teve em 2018; a federação liderada pelo PT passou de 68 para 80 representantes. A abstenção Olhem para a abstenção. Olhem para os contingentes que não irão mais às urnas. Ali pode estar a marca da vitória. No Congresso Bolsonaro conseguiu fazer uma grande bancada no Congresso. No Senado, teremos uma gorda bancada bolsonarista. Na Câmara, os partidos que apoiaram Bolsonaro no 1º turno elegeram 185 deputados, enquanto a bancada de apoiadores de Lula elegeu 125. Siglas que não apoiaram nenhum dos dois elegeram 198 parlamentares. Famosos de fora Quadros famosos que desfilavam na passarela mais alta do Parlamento ficaram de fora. Vejam o nome de alguns: - José Serra (PSDB-SP) - candidato a deputado Federal, 88 mil votos; - Eduardo Cunha (PTB-SP), candidato a deputado Federal, 5 mil votos; - José Anibal (PSDB-SP), candidato a deputado Federal, 7.600 votos; - Paulinho da Força (Solidariedade-SP), candidato a deputado Federal, 64.000 votos; - Romero Jucá (MDB-RR), para o Senado, 91.000 votos; - Fernando Collor (PTB-AL), para o Governo, 223.000 votos; - Kátia Abreu (PP-TO), para o Senado, 145.000 votos; - Álvaro Dias (Podemos-PR), para o Senado, 1,3 milhão de votos; - Marconi Perillo (PSDB-GO), para o Senado, 626.000 votos; - Marcio França (PSB-SP), para o Senado, 7,8 milhões de votos; - Arthur Virgílio (PSDB-AM), para o Senado, 179.000 votos; - Roberto Requião (PT-PR), para o governo, 1,5 milhão de votos; - Henrique Alves (PSB-RN), deputado, 11.630 votos - Aldo Rebelo (PDT-SP), para o Senado, 230.000 votos. Tucanos em revoada Os tucanos, famintos por falta de alimentos na floresta, batem em retirada. Irão para onde? Para o refúgio dos que morrem por inanição, melhor dizendo, por falta de votos. Aquela sigla famosa, que sempre ensaiou os passos da terceira via no Brasil, abrindo o ciclo da social-democracia, se esgarça, rompendo os fios que a mantinham sólida. FHC se aposentou da política. Serra amarga uma feia derrota em São Paulo, não conseguindo colher votos suficientes para deputado Federal. Alckmin foi para o PSB. Tucanos de todo o país batem asas. Rodrigo, a esperança que se esvai Rodrigo Garcia, que não conseguiu se reeleger em São Paulo, era a última esperança dos tucanos. Ficou em terceiro lugar na corrida ao governo. Foi trazido ao tucanato pelas mãos do ex-prefeito de São Paulo e ex-governador do Estado, João Doria, que decidiu se retirar da vida pública. Rodrigo faz um bom governo, mas o eleitorado paulista dá sinais de exaustão, de saturação. Quer mudança. Afinal são mais de três décadas de domínio tucano, desde os idos de Franco Montoro. Caciques e índios Afinal, para onde irá o PSDB? Que tem uma história marcada pela insinuação de abrigar muito cacique e pouco índio. E é distante das bases. Qual é, hoje, a mensagem do PSDB? Será que engolfado pela onda conservadora que inunda os países? Ao ser concebida, a socialdemocracia brandia como escopo o estabelecimento do Estado de bem-estar social (baseado na universalização dos direitos sociais e laborais e financiado com políticas fiscais progressistas) e o aumento da capacidade aquisitiva da população. A visão europeia Essa meta tinha como alavanca o aumento dos rendimentos do trabalho e a intervenção do Estado nas frentes de gastos e regulação de atividades-chave para a expansão econômica. Mas a partir dos anos 70 a 80 os partidos socialdemocratas passaram a incorporar princípios neoliberais e estes impregnaram a ideologia dominante da União Europeia. A doutrina socialdemocrata ganhou novos contornos na esteira da globalização. Os partidos de esquerda arquivaram velhos jargões, como Estado burguês, classe dominante, submissão a interesses do capital financeiro. Ausência de discurso Hoje, as teias sociais estão sendo bem costuradas, programas de distribuição de renda passaram a frequentar a mesa de todos os núcleos, a ideia de extinguir a miséria continua acesa, mas a receita do "velho socialismo" aparece de forma esporádica e, mesmo assim, sujeita a apupos. Se o PSDB se ressente da ausência de discurso, é porque seu tradicional menu foi repartido por outros comensais. Tocar corneta sobre os buracos da obra governamental - como tem sido prática de partidos de oposição - não tem a mesma significação que um projeto estruturante para a realidade brasileira. Adeus aos que partem. Sucesso aos que continuarão a seguir o Caminho de São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis. Que o querido padroeiro ajude os voadores tucanos a cruzar os ares.
quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Porandubas nº 779

Abro a coluna com o papo sobre a burrice e a engenharia. Da burrice e da engenharia Era uma vez... Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada: - Esta estrada vai até onde? - Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras. - Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição? - Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando. - E quando não tem burro? - Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo.  O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia. Panorama Haja desconfiança... Está chegando a hora de conferir resultados. A observação é o propósito da desconfiança que grassa na comunidade polarizada. Este consultor não tem dúvidas. As pesquisas indicam, a esta altura, os vencedores do pleito presidencial, havendo pequena possibilidade de reviravolta no ranking de vitoriosos. Se isso ocorresse, seria o maior desastre no campo das pesquisas eleitorais. Um furo gigantesco. Por não acreditar neste furo, o analista de política aqui se faz presente para traçar cenários do amanhã. Se o furo acontecer, só resta concluir que, em política, o impossível acontece. Sob as asas do Imponderável. Lula crescendo Nos últimos dias, a sensação é a de que Lula oscila para cima e Bolsonaro para baixo. O elemento que poderia ainda provocar mudanças nesse final de campanha é o debate amanhã, quinta, na TV Globo. Pode, ainda, alterar situações, mas não a ponto de reverter por completo a posição dos protagonistas. Lula passou a focar no voto útil. Ciro continuou a bater nele e em Bolsonaro. Já este tenta destruir a imagem do ex-presidente. Simone age com ponderação e Soraya usa bem a visibilidade, criando memes com a "vara curta" de Bolsonaro. Questionamentos Se a margem entre Lula e Bolsonaro for larga, haverá poucas chances de questionamento. Se os índices forem iguais ou menores que 5 pontos, o presidente ensaiará ampla mobilização de suas bases, com questionamentos e chamada geral para ocupação de ruas. Não aceitará os resultados. Os observadores internacionais, que acompanharão as eleições, serão testemunhas importantes do processo. O mundo dará repercussão a eventuais aglomerações. Este analista não aposta nessa hipótese. 30 por cento A extrema direita, embalada pelo bolsonarismo, terá protagonismo na esfera política. Tende a manter-se mobilizada, disposta a ganhar papel mais ativo na mobilização social, com voz firme na condução de bandeiras conservadoras. Afinal, os 30% ocupados pelo bolsonarismo constituem um espaço importante a ser ocupado. Bolsonaro, se quiser continuar na arena política, tem condições de liderar sua ala e acompanhar com atenção a frente interpartidária formada no entorno de Lula. Será difícil, porém, manter todos os direitistas sob um único partido. Ficarão dispersos. PT não será o mesmo Não se espere do PT a mesma reza da cartilha que guiou seus passos desde a fundação. Para adquirir governabilidade, Lula, como comandante do país, deverá se inclinar de maneira forte em direção ao centro do arco ideológico, única alternativa para evitar a bolha em que se refugiou o PT em todo o seu percurso. O PT aprendeu com seus erros. Deve substituir o "nós e eles" por "todos nós, do centro democrático". Os quadros históricos do partido serão contemplados, até para se preservar consonância, mas novos perfis entrarão em cena. O papel de Alckmin Geraldo Alckmin, no papel de vice, não será figura decorativa. Lula passou a ter nele um quadro de confiança e apoio. Principalmente junto a setores do empresariado. Geraldo, se quiser, pode ser até ministro em pasta de importância estratégica, por exemplo, ministério da Defesa, só ultimamente ocupado por militares. Mas sua inserção na articulação política deverá dar o tom de sua atuação. O papel de Gleisi Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, cumpriu religiosamente o papel que dela se esperava, sendo considerada um polo de aglutinação de interesses. Evitou dissensos e construiu unidade. Tem condição de voltar a compor a equipe ministerial, até para dar vez ao grupo de mulheres petistas na frente governativa. Mercadante e Zé Dirceu Aloisio Mercadante, ex-senador e ex-ministro, carro-chefe do programa do governo Lula, este que acabou não sendo mostrado até o momento, também deverá ser contemplado. Exerce boas relações no front da política, mas não é provável que seja inserido na área econômica. Já José Dirceu, que já foi o quadro mais poderoso do PT, abaixo apenas de Lula, para não causar polêmica, deve ser mantido a certa distância, o que não significa alheamento do governo. Dirceu é um experiente leitor de cenários e deverá manter acesos os dois olhos e alimentar o núcleo governativo com ideias. Presidência das cúpulas As cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional serão ocupadas por quadros contrários ao novo governo? Rodrigo Pacheco e Arthur Lira teriam condições de pleitear a continuidade nos mandos do Senado e da Câmara dos Deputados? Difícil. Mais provável é a eleição de nomes afinados aos novos governantes, sendo pouco provável que venham a ser lideranças de índole oposicionista. A força de um novo governante, para dar provas de sua efetividade, se revela inclusive na eleição de novos presidentes das casas congressuais. A composição partidária Em 2023 veremos uma recomposição partidária a partir dos agrupamentos hoje existentes: esquerda, bolsonaristas e Centrão. A Câmara deve diminuir sua fragmentação. A diminuição da fragmentação virá da extinção de partidos pequenos ou pela sua integração em federações. A extinção de partidos leva à pura e simples diminuição daqueles em atividade. A união em federação, desde que ela atinja a cláusula de barreira, faz com que os partidos continuem existindo, e assim mantenham sigla, identidade e estatutos. Federações Contudo, a federação deve durar no mínimo quatro anos e atuar sempre unida - ao contrário das coligações eleitorais, que em regra se dissolviam logo após os pleitos. As federações devem gerar assim, na prática, uma diminuição do número de agremiações dentro do Congresso. As federações hoje inscritas no TSE são: PT, PCdoB e PV; PSOL e Rede; PSDB e Cidadania. Vê-se que a esquerda tradicional preocupou-se em manter sua identidade, pois partidos que deveriam ter problemas com a cláusula associaram-se. Já PSDB e Cidadania definem uma federação de centro-direita. A miríade de partidos da direita, por sua vez, provavelmente vai assistir a extinção de siglas e a migração de deputados "órfãos" para as agremiações restantes. Para onde vai o PSDB? Criado de uma costela do velho MDB, o PSDB ainda não sabe que caminhos trilhará. Carece de completa reconstrução, a partir de um claro receituário. Social-democracia? Liberal-democracia social? Que arranjos devem compor sua identidade? A direita se expande aqui e ali. A esquerda ganha uma e perde duas. Qual o figurino que ainda embala a social-democracia mundial? Fernando Henrique, o maior ícone do partido, com a palavra. SP, o santuário dos vivos Quem é esperto tem um olho aberto sobre o Estado de São Paulo, que chamo de santuário dos vivos. A densidade eleitoral de São Paulo é tamanha, que acaba despertando a cobiça de oportunistas e aventureiros. Tem 36 milhões de votos. Tarcísio de Freitas, do Republicanos, não soube dizer em que seção eleitoral votava em São José dos Campos. É candidato ao governo do Estado. Rosângela Moro, senhora Sergio Moro, é candidata a deputada Federal por SP. Moro, juiz, é candidato a senador pelo Paraná. Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, é candidata a deputada Federal também por SP. Ela mora no Rio. E Eduardo Bolsonaro, o mais votado do Brasil, continuará sendo eleito por SP. Um carioca-paulista. Perguntem a eles onde fica o Tatuapé. Chegarão lá montados num tatu. O tirano Maquiavel conta no Livro III dos Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social. Fecho a coluna com Esopo. Jumento que transportava sal Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade. (Esopo)
quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Porandubas nº 778

Abro com uma deliciosa historinha de Leonardo Mota. I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum Conta Leonardo Mota que o mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; casos se queixasse da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis... O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido: - Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro? - Você não sabe, não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque... Panorama Nuvens plúmbeas São as nuvens mais pesadas que pairam sobre nossas cabeças a uma semana e meia da eleição. A mais nervosa desses tempos de turbulência. Pois estamos ante ameaça do atual dirigente do país: "se eu não ganhar no primeiro turno, algo deverá ter acontecido no TSE". Ou seja, o TSE continua sendo acusado de interferir no processo eleitoral. Grave. Credibilidade As pesquisas, todas as que merecem credibilidade, colocam Lula na frente de Bolsonaro, que garante só acreditar no instituto que designa de "datapovo", que é responsável pelas multidões que vão às ruas aplaudi-lo. Ora, os institutos estão apostando em sua credibilidade. Não vão inventar resultados. O Datafolha tem longa tradição de seriedade. Multidão não é maioria Urge ponderar: multidão não é significado de maioria. Trata-se de um fenômeno de aglomeração, que tem a sua importância no fluxo de comunicação das campanhas, mexendo com o animus animandi das plateias. Mas não significa que ali, naquele amplo espaço de pessoas aglomeradas, tenhamos a maioria do povo brasileiro. Agora, vejamos a hipótese: e se Lula ganhar no 1º turno? Golpismo Para que haja um golpe, são necessárias certas condições: aplausos da população, engajamento das Forças Armadas, predisposição política do corpo parlamentar, apoio internacional, estado de espírito do povo. Todos esses componentes agem e interagem. Sem um deles, fracassa qualquer iniciativa golpista. A começar com as Forças Armadas, que, em sua maioria, têm compromisso com a democracia. E agirão profissionalmente. Tumulto Não queremos garantir paz e harmonia social. Apenas estamos alertando sobre a falta de elementos condicionantes do golpe. Bolsonaro deve ter seu termômetro. E este mede o estado febril da sociedade. Ele não tem a maioria do povo ao seu lado. E suas últimas incursões na frente eleitoral depõem contra sua imagem. Perdido por um, perdido por mil. Pode ser que este seja o lema de Bolsonaro para arremeter seu avião com certo grau de turbulência. 2º turno? As pesquisas últimas sinalizam eventual vitória de Lula no 1º turno, chegando a 52% dos votos válidos. Este analista continua distinguindo um voto seguro em Ciro e em Simone. O que jogaria a eleição para o final de outubro. Há uma grande interrogação no ar. A certeza é que, salvo um milagre, Bolsonaro não deve ganhar no primeiro turno. O Imponderável costuma nos visitar. Mas escolhe caminhos nem sempre tortuosos. O Sudeste Continuo vendo o Sudeste como o pêndulo das eleições. O voto vencedor nesta região elegerá o futuro presidente. O Nordeste poderá não dar as respostas que os bolsonaristas apregoam. O Auxílio Brasil Começou a ser pago ontem. Os assistidos continuam achando que o patrono desta causa é Lula, por conta do Bolsa Família. E o Minha Casa, Minha Vida também tem mais força que a Casa Verde Amarela. Questão de imagem do passado, que continua forte com o lulismo. O Centrão A Lei de Lavoisier é e será inspiração para o Centrão. Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. O Centrão começa a se dissolver em pequenas células, marcando para os meados do próximo ano seus passos em direção ao governante do país. Seja quem for. Vai apoiar com todo o seu peso a caminhada do governante. O marketing capenga Um bom marketing ajuda a eleger, mas é o candidato quem se elege. Marketing mal feito, ao contrário, ajuda um candidato a perder as eleições. Não adianta um bom marketing se o candidato é um boneco sem alma. Candidato não é sabonete. Tem vida, sentimentos, emoção, choro e alegria. Portanto, muita coisa depende dele, de sua alma, de seu calor interno, de sua identidade. Marketing há de absorver essas condições para evitar transformar pessoas em produtos de gôndolas de supermercado. Em um primeiro momento, a inserção publicitária na TV até pode exibir o candidato de forma mais genérica, por falta de tempo para expor conteúdo. Mas o eleitor não se conformará com meros apelos emotivos e chavões-antigos, como os usados para embalar perfis saturados (candidatos beijando crianças e velhinhos, tomadas em câmera lenta mostrando o candidato no meio do povo, etc.). O velho Brasil Um sujeito comprou uma geladeira nova e para se livrar da velha, colocou-a em frente a casa com o aviso: "De graça. Se quiser, pode levar". A geladeira ficou três dias sem receber um olhar dos passantes. Ele chegou à conclusão: ninguém acredita na oferta. Parecia bom demais pra ser verdade. Mudou o aviso: "Geladeira à venda por R$ 50,00". No dia seguinte, a geladeira foi roubada! Secos & molhados - A foto de Lula com oito ex-presidenciáveis tem apenas valor simbólico. Não agrega votos. Faltaram FHC, José Serra e Dilma. - Disputa acirrada no PT, caso Lula seja o vencedor do pleito: quem comandará a economia? Mercadante? Geraldo Alckmin? Meirelles? - Pesquisas do RN dão como certa a vitória de Fátima Bezerra (PT) no primeiro turno. Mas é bom seguir o conselho: eleição e mineração, só depois da apuração. - Ronaldo Caiado poderá se eleger no 1º turno em Goiás. - Quem tem também boas chances de ganhar no 1º turno é Romeu Zema, em MG. - Em São Paulo, a luta acirrada é pelo 2º lugar. Quem disputará com Fernando Haddad, do PT? Tarcísio, candidato de Bolsonaro, ou Rodrigo Garcia, o atual governador tucano? - Esperemos pelo alardear de denúncias contra o TSE. Serão inevitáveis. - Bolsonaro, como se esperava, fez na ONU um discurso para suas bases. - Disse que acabou com a corrupção, vacinou a população e protegeu a renda das famílias. "Somos uma nação com 210 milhões de habitantes e já temos mais de 80% da população vacinada contra a covid-19. Todos foram vacinados de forma voluntária, respeitando a liberdade individual de cada um." - Sem seguir a liturgia, Bolsonaro cumprimentou Charles III com um amplo sorriso e a mão no ombro do monarca. Parecia íntimo, que não pode ser tocado. Fecho a coluna com a família do Plural. Arandú, em São Paulo, começou sua história como pequeno povoado, no bairro do Barreiro, no município de Avaré. Em 1898, um pedaço de uma fazenda leiteira da região foi doado para a construção de uma capela. Elevado a distrito de Avaré/SP, em 1944, recebeu na ocasião a atual denominação. Em 1964, conquistou a emancipação política. No primeiro comício, os candidatos a prefeito exibiam seus verbos. Dentre eles, José Ferezin. Subiu ao palanque e mandou brasa: - "Povo de Arandu, vô botá agua encanada, asfaltá as rua, iluminá as praça, dá mantimento nas escola..." Ao lado, um assessor cochichou: - "Zé, emprega o plural." O palanqueiro emendou: - "Vô dá emprego pro prural, pro pai do prural e pra mãe do prural, pois no meu governo não terá desemprego." (Historinha enviada por Marcio Assis)
quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Porandubas nº 777

Abro com Pernambuco hilário. "Só expectorante" Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra: - E você, amigo, não tem nada a dizer? O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu: - Não, doutor, estou apenas expectorante. Abriu a gargalhada dos companheiros espectadores. ("Causo" lembrado pelo saudoso Marco Maciel e relato de Geraldo Alckmin.) Panorama Tentar projetar cenários, já disse isso nessas nem sempre comportadas linhas, é um exercício de ponderação, que deve levar em consideração fatores como satisfação/insatisfação social, esperança/desesperança, harmonia/conflitos de rua, bolso cheio/bolso vazio, carências/demandas atendidas, enfim, o produto nacional bruto da felicidade, o PNBF. Não se trata, portanto, de mero achismo, inserção de pontos de vista do analista preso às galeras da torcida analisada. Dito isto, a 20 dias das eleições, arrisco-me ao exercício: I - Cenários 1. Cenário vermelho claro - Vitória inquestionável de Lula. Urnas lhe conferem razoável índice de distância para Bolsonaro. Poucos gritos de protesto, com tendência à aceitação de resultados. Base petista vai às ruas. Clima de pré-campanha se dissipa. 2. Cenário vermelho escuro - Vitória apertada de Lula, com questionamentos gerais, a partir de falas tumultuadas das esferas da política e do estamento militar. Sociedade civil, por meio de suas organizações, ocupam as ruas. Estado de alerta e atenção. Conflitos e baderna. 3. Cenário amarelo - Vitória de Jair Bolsonaro, com índices de maioria em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ruas tomadas pela base bolsonarista. TSE endossa resultados e protestos despontam aqui e ali. 4. Cenário amarelo queimado - Vitória de Bolsonaro por pequena margem, com ruas tomadas pelas bases dos dois principais protagonistas. Conflitos se arrastando por dias. Tendência de calmaria após uma semana. 5. Cenário azul de brigadeiro - Vitória de Lula, com margem entre 5% e 8% de maioria. Aceitação dos resultados gerais. Querelas isoladas não abalam segurança nacional. 6. Cenário verde claro - Segundo turno envolvendo Ciro Gomes e Bolsonaro. Derrota do atual presidente e vitória retumbante dos grupos alinhados ao "nem-nem". Surpresa geral e comemorações festivas. 7. Cenário verde escuro - Segundo turno envolvendo Ciro Gomes e Lula, com vitória do ex-ministro e derrota do ex-presidente. Cenário distante do horizonte. 8. Cenário vermelho e preto - Vitória de Simone Tebet sobre Lula ou Bolsonaro no segundo turno. Cenário pálido no horizonte. 9. Cenário SDS (Só Deus Sabe) - Visita do Senhor Imponderável. Acidente/incidente envolvendo candidatos e mudança repentina do eleitorado. II - Barreiras O Governo do PT Ontem, Luiz Inácio foi entrevistado por William Waack, na CNN. O jornalista fez perguntas contundentes, não ficou levantando bola para o petista chutar. Respondeu a todas as perguntas. Driblou algumas respostas, por exemplo, sobre corrupção. Mas saiu-se bem. A melhor performance de Lula na campanha. Agora, é difícil desamarrar a árvore petista. Em certos momentos, Lula insiste: o governo do PT, o governo do PT, o governo do PT. Igreja E assim, confirma-se a identidade do petismo. Ele, ele e ele, sempre em primeiro lugar. Com 10 partidos formando uma aliança, Lula esquece que um eventual governo comandado por ele deveria ganhar o pronome "nosso governo de centro" ou de "centro-esquerda". O PT é uma seita. Evangélicos Da mesma forma, o bolsonarismo tenta se apropriar do espaço evangélico no país, firmando, assim, uma divisão nas religiões. Evangélicos, de um lado, católicos, de outro, e assim por diante. População armada Não há pesquisa que aprove a existência de uma população armada. Pensar que o apelo às armas seja um laço para segurar o eleitor, é um erro. A violência se expande. Aborto O tema do aborto tem forte apelo nas classes médias. Urge conhecer as fronteiras do conservadorismo no Brasil. Rede assistencial O pacote assistencialista do governo tem forte apelo nas margens sociais. Auxílio Brasil, Vale Alimentação, Vale Gás (preço do gás de cozinha) e dos combustíveis (classe média), orçamento de campanha fazem diferença, sim. Quatro regiões eleitorais densas Zona Leste, Zona Norte, Zona Sul e Zona Oeste da capital paulista. Eis aí uma dica para visitas intensas de candidatos. Essas zonas somam muito mais que outras regiões. Só na Zona Leste são mais de 3 milhões de eleitores. Corram prá lá, candidatas(os). Números Tenho visto os candidatos desfilarem com seus nomes nos programas eleitorais. Alguns são hilários. Poucos capricham nos números, que são os signos gravados pelo eleitor. BO+BA+CO+CA A quem me pergunta, lembro. Trabalhem com a equação na cabeça: Bolso Cheio, Barriga Satisfeita, Coração Agradecido, Cabeça vota a favor. Bo+Ba+Co+Ca. Simples. Militares Estarão no centro do debate político nos próximos tempos. Pastores Uma enxurrada de pastores se aproxima do Congresso Nacional. Bancada religiosa vai crescer muito. Agronegócio Da mesma forma, a bancada do agronegócio. Uma das mais densas do Congresso Nacional. O Brasil como celeiro do mundo. Aqui: 33 milhões de necessitados. Covid-19 Foi embora? Não vi dados das aglomerações no Rock & Rio. Houve expansão? Ou sob controle? A violência disparou no Brasil Fecho a coluna com um "causo" na Paraíba. Silêncio geral Flávio Ribeiro, presidente da Assembleia (depois foi governador da Paraíba), estava irritado com as galerias, que aplaudiram e vaiavam durante um debate entre o deputado comunista Santa Cruz e o udenista Praxedes Pitanga. De repente, tocou a campainha, pediu silêncio e avisou, grave: - Se as galerias continuarem a se manifestar, eu evacuo. Felizmente, as galerias se calaram.
quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Porandubas nº 776

Nesses tempos de questionamento das urnas eletrônicas, essa historinha explica muita coisa. Coronelismo O coronel Lucas Pinto, que comandava a UDN no Vale do Apodi/RN, não dormia em serviço. Quando o Tribunal Eleitoral exigiu que os títulos eleitorais fossem documentados com a foto do eleitor, mandou um fotógrafo "tirar a chapa" do seu rebanho, aliás, do seu eleitorado. Numa fazenda, um eleitor tirava o leite da vaca quando foi orientado a posar para a foto. Não teve dúvida: escolheu a vaca como companheira do flagrante. Mas o fotógrafo, por descuido, deixou-o fora. O coronel Lucas Pinto não teve dúvida. Ao entregar as fotos aos eleitores, deparando-se com a vaca, não perdeu tempo e ordenou ao eleitor: "prega a foto aí, vote assim mesmo, na próxima eleição, nós arrumamos a situação". Noutra feita, o coronel levou as urnas de Apodi para o juiz, em Mossoró, quase 15 dias após as eleições. Tomou uma bronca. - Coronel, isso não se faz. As eleições ocorreram há 15 dias. - Pode deixar, seu juiz. Na próxima, vou trazer mais cedo. Não deu outra. Na eleição seguinte, três dias antes do pleito, o velho Lucas Pinto chegava com um comboio de burros carregando as urnas. Chegando ao cartório, surpreendeu o juiz: - Taqui, seu juiz, as urnas de Apodi. - Mas coronel, as eleições serão daqui a três dias. - Ah, seu juiz, não quero levar mais bronca. Tá tudo direitinho. Todos os eleitores votaram. Trouxe antes para não ter problema. Idos das décadas de 50/60. Não havia grandes empreiteiras financiando campanhas. E não tinha governante denunciando fraude nas urnas. A empreitada ficava mesmo a cargo dos coronéis. Panorama Hoje, quinta-feira, o Brasil reagiu bem aos atos eleitorais em comemoração ao bicentenário da Independência. O país rachado ao meio viu os comícios do presidente em Brasília e no RJ. Pequena dose de preocupação com o que pode ocorrer com a fala do presidente de que a história pode se repetir. Comparação Bolsonaro teve um foco em suas falas: deixar claro que ele é o bem e o Lula é o mal. Mais uma vez, acenou com a possibilidade de usar a força, lembrando o passado, quando o Brasil usou as curvas do golpe e da ditadura. Nunca se viu um governante fazer comparação de primeiras-damas. E se autoproclamar "imbrochável". Coisa de entes da barbárie civilizatória. Com todo respeito à senhora Michelle. As mulheres A presença de Michelle Bolsonaro sinaliza o protagonismo das mulheres na cena eleitoral. As mulheres dos candidatos, a partir de Michelle, Janja, casada com Lula, e Lu, esposa de Alckmin, mostram o empoderamento feminino. A política, doravante, terá um tom mais forte da orquestra das mulheres. A inação do governo Afinal, qual foi o ato comemorativo do Bicentenário da Independência promovido pelo governo? O desfile militar de Brasília? Os atos espetaculares da Marinha, Exército e Aeronáutica no Rio? O Museu do Ipiranga, restaurado, graças ao governo de João Doria em São Paulo, se apresenta como o evento mais forte. O governo Federal foi inerte nessa tarefa. Ganhos O governo Bolsonaro pode ter se apropriado do simbolismo do bicentenário da independência. Mas a vinda do coração de Pedro I não rendeu a Bolsonaro os ganhos que esperava. O coração conservado em formol não foi propriamente um empreendimento de alto impacto. O Brasil, porém, pouco tem a comemorar nesse momento em que se comemora os 200 anos de sua independência. Nossa democracia está em débito com seus compromissos. Quais? Compromissos básicos A democracia padece, aqui e alhures, de uma crise crônica. Crise que se fundamenta em desvios de seu ideário e em promessas não cumpridas pelos sistemas democráticos. Norberto Bobbio dizia que ela tem deixado de cumprir certos compromissos básicos: a defesa de uma sociedade pluralista, o fim das oligarquias, a ampliação dos direitos dos cidadãos, a eliminação do poder invisível (os arcana imperii - o Estado informal dentro do Estado formal), a realização da meta de educação para a cidadania, combatendo o estado de apatia social. Vetores da crise Que vetores formam a argamassa da crise? Eis alguns: Arrefecimento doutrinário - As doutrinas, como flores velhas, passam a murchar, fazendo fenecer as utopias, estiolando as vontades cívicas e maltratando valores fundamentais do Humanismo. As antigas clivagens ganharam novos paradigmas. A antiga luta de classes perdeu lugar no novo cenário da sociedade de consumo. Nessa moldura, decresce a densidade ideológica da competição política e se expande a tecnoburocracia; os grupos sociais aproximam suas convergências; os problemas de natureza técnica se sobrepõem às contundentes questões sociais; e os aparelhos do Estado burocrático monopolizam as informações. Arrefecimento partidário - No campo partidário, as consequências são concretas e visíveis, a partir do estiolamento doutrinário, arrefecimento ideológico e consequente declínio dos partidos políticos. Os partidos de massas, que nasceram sob o signo das lutas operárias, mudam seus paradigmas, alterando processos, moderando atitudes, ajustando-se aos contextos econômicos, integrando-se à expansão econômica, atenuando seu fogo ideológico. Declínio dos Parlamentos - No campo parlamentar, a crise solapou as arenas dos Parlamentos, com sensível redução das funções da representação política. Parcela de sua força foi transferida para as tecnoestruturas do Poder Executivo. A redução do papel do Estado - Grandes mudanças ocorrem nas máquinas governativas. O Estado tende a reduzir seu papel como fonte de direitos e como arena de participação. Serve apenas como instrumento de controle e regulação econômica. A força do mercado - O liberalismo insiste na importância do mercado como mecanismo autorregulador da vida econômica e social, e, por consequência, no próprio papel tecnocrático do Estado. O cidadão encarna o perfil do consumidor intensamente preocupado com questões materiais e insensível a sentimentos cívicos. Este 7 de setembro desperta sentimentos de ódio e revanche. A ascensão da micropolítica - Em decorrência de uma reversão de expectativas, comunidades passam a se inspirar pela moeda sonante do pragmatismo, ou seja, a satisfação de demandas imediatas e reprimidas. A macropolítica é substituída pela micropolítica, a política das pequenas coisas, das necessidades próximas aos conjuntos sociais: a iluminação do bairro, a escola próxima de casa, o alimento barato, o transporte rápido e acessível a todos. A organicidade social - Um dos fenômenos mais interessantes da contemporaneidade, com reflexos sobre a moldura institucional, é a organicidade social. Em todas as esferas sociais e em todos os quadrantes, formam-se grupos em torno de entidades que passam a intermediar interesses e a fazer pressão. São novos polos de poder. A personalização do poder - Atores e atrizes, dândis, estrambóticos e figurantes de todos os espaços do Estado-Espetáculo povoam os meios de comunicação. Na moldura de glorificação, abre-se imenso espaço para a personalização do poder, que se concentra nos indivíduos. Na sociedade de massa, o poder escapole das estruturas clássicas de autoridade e converge para pessoas e grupos. Veja-se essa campanha eleitoral. São as pessoas, não os partidos que dão o tom. A personalização do poder abre a esfera do fulanismo/beltranismo. Os partidos se dividem em domínios de A, B e C. Acesso à Justiça - A maior parcela da população continua com as portas da Justiça fechadas. O direito à Justiça é um sagrado preceito de nossa Constituição. Previsto no inciso XXXV do artigo 5º da CF de 1988. Responsabilidade do Estado. Direito que já era sinalizado pelo Código de Hamurabi, conhecido pela lei do Talião: "olho por olho, dente por dente". Os poderosos usam todo tempo esse direito. O caos O que explica a propensão de nossos homens públicos a assumirem o papel de atores de peças vis, cerimônias vergonhosas e, ainda, abusarem de linguagem chula, incongruente com a posição que ocupam? A resposta pode ser esta: a despolitização e a desideologização. Os mecanismos tradicionais da democracia liberal estão degradados. Outra resposta aponta para o paradigma do "puro caos", que o professor Samuel Huntington identifica como fenômeno contemporâneo e que se ancora na quebra no mundo inteiro da lei e da ordem, em ondas de violência, no declínio da confiança na política e na solidariedade. Secos & molhados O panorama sob o galpão de secos e molhados. 1. Bolsonaro espera empatar com Lula nas proximidades de 25 de setembro. Os discursos de ontem mostram um candidato em luta para chegar mais perto de Lula. 2. 2º Turno - Deixa de ser uma hipótese para entrar no campo das certezas. 3. Lula - A voz ocupa o canto das altas prioridades. É seu grande anzol. 4. Cresce o rumor de que Geraldo Alckmin seria o comandante da área de economia, se Lula vier a ganhar. 5. Cresce o rumor de que, em caso de vitória de Bolsonaro, os militares terão papel mais ativo na administração. 6. Ciro Gomes tem um deadline: 20 de setembro. Se até esta data não crescer mais uns pontinhos, na margem dos 15%, fará articulações junto ao lulopetismo. 7. Simone Tebet espera que as próximas pesquisas mostrem uma ultrapassagem por Ciro. 8. Os eventos de hoje servem como choque de entusiasmo para laçar os rebanhos bolsonaristas. 9. O fato é que Bolsonaro apropriou-se do "civismo" do ódio e da revanche, o que foi confirmado nas falas de ontem. 10. Apesar do esforço das alas que brigam e urram, a campanha está fria. Com exceção para eventos programados. Mas as ruas são um deserto descolorido. Não se veem bandeiras, cores e outras ferramentas de atração e laço de eleitores. 11. As motociatas estão presentes, também, nos eventos eleitorais de Donald Trump, que já ocorrem nos EUA visando os pleitos para o Legislativo. 12. Os militares fizeram do 7 de setembro um ato de espetacularização em Copacabana. 13. Nunca se mobilizou tanta tropa para a segurança dos atos "cívicos". 14. Ante uma sociedade muito organizada, o golpe vai para longe, muito longe. 15. O Auxílio Brasil, de Bolsonaro, é entendido nas margens carentes como o Bolsa Família de Lula. Fecho com linguagens para os nossos tempos. Linguagens para 2022 1. A linguagem da afirmação. 2. A linguagem da factibilidade/credibilidade. 3. A linguagem das pequenas coisas. 4. A linguagem da participação - o NÓS versus o EU. 5. A linguagem da verificação - exemplificação - como fazer. 6. A linguagem da coerência. 7. A linguagem da transparência. 8. A linguagem da simplificação. 9. A linguagem das causas sociais - os mapas cognitivos do eleitorado. 10. A linguagem da tempestividade - proximidade.
quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Porandubas nº 775

Abro a coluna com uma historinha da Paraíba. O caso ocorreu na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na sexta-feira santa. Elenco escolhido dentre os moradores e no papel de Cristo, o "gatão" da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que 'Jesus' estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do 'centurião'. - Como? - reclamaram - O senhor não ensaiou! - Não é preciso ensaiar porque centurião não fala! O elenco teve que aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz ... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas. - Oxente, cabra, tá machucando! Reclamou Jesus em voz baixa. - É pra dar mais verdade à cena, devolveu o centurião. E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião: - Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso! O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando: - É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura ele, Jesus, aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não! Parte I - Panorama O debate da Band Uma surpresinha: quem esperava um duelo de vida e morte entre Lula e Bolsonaro, no primeiro debate da televisão aberta, viu golpes e estocadas vindas das laterais, desferidas por duas mulheres. A senadora Simone Tebet, com o apoio da colega, senadora Soraya Thronicke, ambas do Mato Grosso do Sul, ganhou o troféu da primeira batalha. Saiu da TV Bandeirantes como a candidata à presidente da República que melhor aproveitou os rounds da luta. Indecisos e... Parcela dos indecisos olha para o desempenho dos (a) candidatos (a) no debate e toma posição. Adere ao vitorioso. As bases de cada candidato são imutáveis. Consolidam suas decisões. E, como temos um eleitor mais racional este ano, diferente do eleitor de campanhas passadas, é razoável apostar na possibilidade de mudança de voto de certo núcleo que já havia escolhido seu candidato (a). Simone Tebet Teve ótimo desempenho na CPI da Covid. Fluente, experiente, professora, boa gestora como prefeita de Três Lagoas/MT, cara larga que ocupa toda a tela em primeiro plano, simpática, Simone, seja qual for o resultado do pleito, estará na agenda da política nos próximos tempos. Tornar-se-á conhecida e, assim, mais palatável ao gosto do eleitorado. O novo Lula O Luiz Inácio Lula da Silva de 2022 não é o Lula de ontem. Cabelos embranquecidos, com áreas vazias, voz mais rouquenha que a do costume, algumas vezes incompreensível. A contundência do passado tem sido amenizada pela sua caminhada ao centro do arco ideológico, ditada pela decisão de repaginar seu manto de cores radicais. O Lula do centro, com Geraldo na chapa como seu vice, é menos incisivo para desgosto de sua base tradicional. O novo Lula não empolga tanto como no passado. Sua voz, muito rouca, prejudica o desempenho. Falta de fonoaudióloga, dizem. Mas tem carisma. Ciro Deve ir até o final, sem desistência e sem vontade de aderir à chapa encabeçada por Lula, conforme aceno deste no debate da Band. Ciro saiu-se bem, é o mais preparado dos candidatos, mas tem problema de imagem. Um perfil tempestuoso. Trata-se de uma fonte inesgotável de dados, informações, comparações, conhecimento de Brasil. Parte de suas ideias se perde no emaranhado de uma fala que corre mais que lebre fugindo do caçador. Bolsonaro Facilmente irritável, inesperado e pronto para enfrentar a briga. Palavroso, dispara um canhão de palavras de mal trato, deseducado, comete um disparate com a maior tranquilidade. Mas suas bases vibram com suas peripécias linguísticas. Suas motociatas ficarão na história das campanhas eleitorais. Não tem escrúpulos. Atira contra uns e outros, mais ainda contra umas (mulheres) e outras (mulheres). Uma cultura extremamente machista. Um cara corajoso. Sem querer esconder seus maus costumes. Como lembra Vera Magalhães: não gosta de ser questionado por mulheres. O último mês Quando setembro vier... (quem se recorda do filme de Robert Mulligan, com Rock Hudson, Gina Lollobrigida e Sandra Dee?). Pois é, setembro virá amanhã. O tempo de a onça beber água. O mês de eventuais viradas de chapas preferenciais. Ou até de consolidação de posições já tomadas pelo eleitor. Dia 15 é um prazo-chave. Vejamos se pesquisas ainda são diferentes ou tendem a aproximar seus números. Nenhum Instituto quer passar recibo de parcial, vendido, mentiroso. Dia 20, a 12 dias do pleito, o clima será de "quase" definitivo. Por que o "quase"? Pelo respeito que tenho ao Senhor Incomparável dos Anjos. Eleição sob o bolso Volto a repetir. A economia será o guia do eleitor nas urnas. Não vou repetir minha equação para não ser tão recorrente. Mas o estado geral da sociedade - satisfação/insatisfação, felicidade/infelicidade/, alegria/amargura, ditará o resultado das urnas. E tais estados de espírito costumam ser balizados pela economia, pelo bolso capaz de fazer a feira, pagar o remédio, a passagem de trem ou de ônibus. Lembro ainda: aquele Senhor (acima citado) costuma visitar o Brasil. Os programas eleitorais As velhas receitas voltaram em cheio para maltratar os ouvidos dos telespectadores. Mensagens repetidas saturam. Histórias humanizadas de alguns protagonistas parecem artificiais. Animais, vozes de narração esportiva, sobrenomes hilários, João Ponta Grossa, Manezim da Esquina, Lourival do Jabá, figuras estrambóticas, números gritados, falas gritadas, numa algaravia (confusão de vozes) de Torre de Babel, educação, saúde, transportes, enfim, um palavrório sem pé nem cabeça - esse é o calvário que temos de suportar nas próximas semanas. Bons programas. E aguardem o 2º turno. O Brasil será outro Aqui segue minha visão sobre o amanhã. O Brasil caminhará por outras vias. Não significa que teremos de mudar tudo. As exigências de uma comunidade exigente, crítica e com tendência a participar do processo decisório com mais firmeza são pressupostos para a formação de polos de poder e pressão em todo o território. A esfera política, por sua vez, vai focar sua ação nesse processo. E tomará decisões mais afinadas à sociedade. Da mesma forma, agirão os poderes Executivo e Judiciário. Parte II - Secos & molhados - 7 de setembro não terá parada militar, mas um espetáculo militar na praia de Copacabana. Quem apostou em refluxo das FFas perdeu. Vai haver saltos de paraquedistas, tiros de canhão do Forte de Copacabana, urros e gritos, bastante gente na motociata de Bolsonaro. - Marcas difíceis de apagar: corrupção no governo Lula; desprezo de Bolsonaro pelas mulheres e má gestão da pandemia; estrebuchadas do Ciro Gomes; desfile de perfis insossos na programação eleitoral. - Dinheirama não dá direito à vitória; eleitor é sabido. - Mulheres deverão fazer bancada forte na Câmara e Assembleias estaduais. - O soberano, segundo Thomas Hobbes, em Leviatã (1651), ouvia seus conselheiros de um a um, nunca em conjunto. - A obra é fundamental para o entendimento do comportamento humano, sobretudo no que tange ao poder, sua organização, exercício e compreensão pelo homem, além de ser um dos pilares fundamentais tanto da sustentação daquele regime quanto da compreensão do universo político, guardadas as devidas diferenciações e proporções, em todo o mundo e em todos os tempos. - Governantes: separem o Estado laico da religião. Não confundam alhos com bugalhos. - Maior conhecimento dos candidatos implica maior adesão ou distanciamento por parte do eleitor. - Candidatos: observem a lei das maiores quantidades. Maiores conjuntos eleitorais carecem de maior presença dos protagonistas. - Rejeição é fator crucial em um 2º turno. E chave do portão no primeiro turno. - Em São Paulo, a disputa para entrar no 2º turno será uma das mais acirradas do país. - Este analista acredita em viradas eleitorais de última hora. Quando o vento correr para determinado lado, não há força que o detenha. - Teremos um pleito com a maior organicidade social no país. Com o maior número de entidades representativas dos conjuntos sociais e profissionais. Fecho a coluna com a época da Inquisição. Dez truques Dez truques dos hereges para responder sem confessar: 1. A primeira consiste em responder de maneira ambígua. 2. O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição. 3. O terceiro truque consiste em inverter a pergunta. 4. O quarto truque consiste em se fingir de surpreso. 5. O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta. 6. O sexto truque consiste numa clara deturpação das palavras. 7. O sétimo truque consiste numa autojustificação. 8. O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física. 9. O nono truque consiste em simular idiotice ou demência. 10. O décimo truque consiste em se dar ares de santidade. (Manual dos Inquisidores - escrito por Nicolau Eymerich em 1376. Revisto e ampliado em 1578 por Francisco de La Peña). Resposta de Lula a uma pergunta se houve corrupção em seu governo: - Ora, se delatores confessaram o roubo, é porque houve.
quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Porandubas nº 774

Abro a coluna com o meu Rio Grande do Norte. "Aposentem o homem" Dinarte Mariz era governador do Rio Grande do Norte. Em uma de suas costumeiras visitas à Caicó, visitou a feira da cidade, acompanhado da sempre presente Dona Nani, secretária de absoluta confiança. Dá de cara com um amigo de infância e logo pergunta: "Como vai, Zé Pequeno?" O amigo, meio tristonho e cerimonioso, responde: "Governador, o negócio não tá fácil; são oito filhos mais a mulher... tá difícil alimentar essa tropa vivendo de biscate. Mas vou levando até Deus permitir." Dinarte o interrompe de pronto: "Zé, que é isso, homem, deixe essa história de governador de lado. Sou seu amigo de infância, sou o Didi!" Vira-se para Dona Nani e ordena: "Anote o nome do Zé Pequeno e o nomeie para o cargo de professor do Estado." Na segunda-feira, logo no início do expediente, Dona Nani entra na sala de Dinarte e vai logo informando: "Governador, temos um problema, o Zé Pequeno, seu amigo, é analfabeto; como podemos nomear..." Antes que concluísse a fala, o governador atalha: "Virgem Maria, Dona Nani! O Rio Grande do Norte não pode ter um professor analfabeto. Aposente o homem imediatamente." E assim foi feito! (Historinha contada pelo amigo Lindolfo Sales). I. Ligeiras lições de ontem A morte de Getúlio O suicídio do ex-presidente da República, Getúlio Vargas, completa, hoje, 68 anos. Vargas começou a governar em 1930, com o movimento (revolução) que destituiu o presidente Washington Luis e o impedimento do presidente eleito, Júlio Prestes. De 1930 a 1937, Vargas governou com as mãos férreas de ditador. Um populista com estreita ligação com as massas. O nacionalismo O sindicalismo cresceu sob a égide do Estado, a censura ganhou corpo com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o autoritarismo e nacionalismo acalentaram corações, sob o manto do populismo. Em 10 de novembro de 1937, Vargas deu o golpe que instaurou o Estado Novo, perdurando até 29 de outubro de 1945. Foi o período conhecido como Terceira República, ciclo em que priorizou investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento industrial. A ditadura Já em 1935, o governo impulsionara sua propaganda anticomunista, legitimando o estado de sítio e instalando, em 1936, o estado de guerra. As eleições de 1938 não se realizariam. O momento de instabilidade política do país fez com que Getúlio Vargas desse o golpe de estado de 10 de novembro de 1937. A Constituição de 1934 proibia a reeleição de Getúlio, mas o ditador, matreiro, produziu o chamado Plano Cohen, um documento que atestava o plano comunista para destituir o governo. O plano, depois, foi denunciado como fraude. A ditadura ganhou apoio popular. Fez-se a Constituição de 1937, de inspiração fascista. A transição Em 1945, teve início um movimento chamado "queremismo", com foco na volta de Getúlio ao poder. Mas o slogan "Queremos Getúlio" não o sustentou, foi forçado a renunciar pelos militares. Organizou-se uma nova Constituição, iniciando-se a Quarta República, que vai de 1946 até 1964. A Constituição de 1946 teve caráter democrático. Elegeu-se o marechal Eurico Gaspar Dutra, que havia sido a favor da deposição de Vargas. O pai dos pobres Na eleição seguinte, de 1950, Getúlio, aclamado como "Pai dos Pobres", decidiu se candidatar ao cargo de presidente. Iniciada a campanha em agosto, o gaúcho agitou o país. Foram 80 discursos, versando sobre problemas locais, regionais e nacionais, saindo de São Borja e terminando também em sua terra natal. Ganhou com 48,73% (3.849.040) dos votos contra 29,66% (2.342.384) de Eduardo Gomes e 9,71% dos votos (569.818), de Cristiano Machado. Em 1953, criou a Petrobras, sob o slogan de "o petróleo é nosso". Em 24 de agosto de 1954, com um tiro no peito, suicidou-se. Deixou uma carta com um desabafo contra "os inimigos ocultos". Tem candidato se considerando "o pai dos pobres". A história se repete como farsa? II. Breves lições de hoje O coração de Pedro I O país completará, daqui a poucos dias, em 7 de setembro, 200 anos de sua independência. Para marcar as comemorações pela data, o governo fez articulações com Portugal para trazer ao Brasil o coração do imperador Pedro I, que proclamou a independência com seu célebre "Grito do Ipiranga", que os historiadores dizem ter sido "gritado" às margens do riacho Ipiranga, na cidade de São Paulo. Bizarrice Para comemorar o bicentenário da Independência, o governo articulou com as autoridades portuguesas a vinda ao Brasil do coração de Pedro I, que é guardado numa igreja da cidade do Porto, e que deixa Portugal pela primeira vez em 187 anos. Chegou segunda-feira e a relíquia foi recebida com honras de chefe de Estado. Uma bizarrice que só se vê em regimes autoritários. Dia 8 de setembro, retorna à Portugal. Aliás, já tínhamos assistido, antes, a esse tipo de evento. Sob os anos de chumbo, em 1972, o governo Médici conseguiu o feito de trazer os restos mortais de Pedro I para as comemorações dos 150 anos da Independência. Os governos usam a simbologia encarnada por figuras de nossa história para elevar seu prestígio junto às massas. Caixão maior Detalhe: o caixão vindo de Portugal era 8 cm maior que o sarcófago. Por isso, o sepultamento definitivo só ocorreu quatro anos depois na Capela Imperial no Ipiranga, em 1976. Lembrando, Pedro I faleceu em 1834 e seus restos mortais estão sepultados na cripta imperial, localizada no Parque da Independência, em São Paulo. Mas o coração permanecia guardado na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, sob responsabilidade da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, no Porto, em Portugal. O governo brasileiro sempre se esforçou para trazer ao país os restos mortais dos imperadores. A história tem um quê de comédia. A propósito, um "causo" hilário. Escombros O contínuo do doutor Ernane Galvêas, quando presidente do Banco Central, de 1968 a 1974 e de 1979 a 1980, entrou correndo no gabinete: - Doutor, chegue na janela que estão passando lá embaixo os escombros de Dom Pedro. Eram os despojos de Dom Pedro I desfilando na avenida Presidente Vargas. A personalização da política A política ganha a aura da personalização. O voto é dado a beltranos e sicranos, não a programas, projetos, ideários. Daí a dualidade que temos de enfrentar: Lula versus Bolsonaro, Ciro e Tebet contra os dois, os outros - poucos sabem seus nomes - a favor de si mesmos, eis que a campanha oferece um palco para que possam ser conhecidos. Essa é a política estática, que se amarra na árvore do grupismo, do companheirismo, das claques, milícias e militantes. Golpe, sem condições Com um clima social tenso em função da campanha eleitoral, a chegada do coração de Pedro I não tem sido objeto de tanta atenção por parte da mídia. Poderia ser o gancho nacionalista para acender a fogueira das massas, caso o presidente Bolsonaro não houvesse arrefecido sua disposição de agitar suas bases. O desfile de 7 de setembro foi suspenso. Boa decisão. A narrativa de golpe vai para o lixo. Veríamos dois paredões de contrários se atritando. Risco de confronto violento. Baixando a poeira Nos últimos tempos, o presidente Bolsonaro baixou a poeira. Limpou sua linguagem de virulência. Tem sido mais contido. A entrevista ao Jornal Nacional ganhou tom menos agressivo do que se imaginava. Não agregou votos, também não perdeu. Consolidou posições já firmadas por aliados e adversários. Pesquisas diminuem distância As pesquisas estão diminuindo as distâncias entre Lula e Bolsonaro. Se giravam em torno de 15 a 18 pontos, caíram para a margem entre 9 e 12 pontos. Na média. Os resultados exibem discrepâncias, com exceção para pesquisas realizadas por entidades de algumas regiões, contratadas por partidos. A voz de Lula O arsenal de Lula dispõe de muitas armas. Uma delas é sua voz inconfundível. Seus discursos gritados. Ouve-se um Lula mais rouquenho. Em final de campanha, isso é um perigo. Recados não são bem entendidos. Mensagens são perdidas. Por isso, a preocupação de Janja é ter sempre à mão garrafas de água mineral. O Centrão se esgarça O Centrão, que abriga cerca de 300 parlamentares, se esgarça. Um aqui, outro ali, dão sinais de distanciamento do candidato Bolsonaro, e pensam que é hora de já ir (opa, que coincidência) tomando posição na esfera da esquerda. Um risco? Sim. Mas, sempre, para eles, há maneira de voltar. Empresários golpistas Esse movimento de empresários na direção de golpe tem muito estardalhaço. Não é crível que apoiem iniciativa antidemocrática. Sabe-se que um e outro são favoráveis a medidas extremas para evitar a volta do lulopetismo. Daí a enxergar apoio massivo do empresariado é exagero. Vamos ver em que vai dar essa investigação, que já conta com mandado de busca e apreensão na casa de alguns homens de negócios. Esse analista mudará de posição, a depender das investigações. O medo Medo de ver a inflação disparar. Medo de faltar comida. Medo de o país cair numa rede esquerdista. Medo de o país cair numa teia direitista radical. Medo de violência se expandir nas ruas. Medo de ver o barco navegar à deriva. Medo de a pandemia voltar com força ao nosso cotidiano. Medo de não ter dinheiro para pagar as contas. Medo de não ter o que comer hoje e amanhã. Um país amedrontado é um país sem horizontes. Fecho a coluna com um comício. O que eu sou? O caso é engraçado, mas verídico. O farmacêutico Claodemiro Suzart, candidato do PTB à prefeitura de Feira de Santana, decidiu fazer o comício de encerramento da campanha na rua do Meio, na zona do meretrício. E jogou o verbo: "O povo precisa estudar a vida dos candidatos, desde o nascimento deles, os lugares onde nasceram, para saber em quem votar direito". Por exemplo, Arnold Silva, da UDN, nasceu em Palácio, nunca falou com o povo. O que ele é? - Candidato dos ricos - gritava a multidão. - É isso mesmo. Não pode ter o voto de vocês. E Fróes da Mota, candidato do PSD, nunca sentiu o cheiro de povo. Só gosta mesmo é do gado de sua fazenda. O que ele é? - Candidato dos fazendeiros - delirava a galera. - Isso mesmo. Não pode ter o voto do povo. Já eu, meus amigos, nasci aqui, nesta rua do Meio, a mais popular de Feira de Santana. E eu, meus amigos, o que eu sou? Lá do fundo da turba, um gaiato soltou a voz: - Filho da puta. O comício acabou ali. (Hilária historinha do grande narrador, Sebastião Nery, em seu Folclore Político/Geração Editorial, do jornalista Luiz Fernando Emediato).
quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Porandubas nº 773

Abro a coluna com uma historinha das Minas Gerais. No confessionário Numa cidadezinha de Minas, Padre Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo: O Vigário só confessará: 2ª feira - As casadas que namoram 3ª feira - As viúvas desonestas 4ª feira - As donzelas levianas 5ª feira - As adúlteras 6ª feira - As falsas virgens Sábado - As "mulheres da vida" Domingo - As velhas mexeriqueiras O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se: - Freguesia boa é a minha... mulher lá só se confessa na hora da morte! (Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre) Panorama Sinais das pesquisas Como temos escrito, resultados de pesquisas exibem sinais trocados. Há duas semanas, Bolsonaro aparecia diminuindo a distância para Lula. Empuxado pelos impactos do Auxílio Brasil, Vale Gás e dinheirama dos candidatos, alocados no orçamento eleitoral (R$ 40 bilhões), a tendência seria a de crescer mais ainda e se aproximar de Lula. Porém, no início desta semana, aparece a pesquisa BTG/FSB, mostrando a hipótese de Lula liquidar o pleito no 1º turno. Lula subiu quatro pontos com a desistência de André Janones. E Bolsonaro teria estagnado. Alerto: muita água correrá por baixo da ponte, com possibilidades de cheia e pororoca. O Senhor Imponderável está à espreita. O medo O medo balizará o sistema decisório. Lembro os quatro instintos do ser humano, descrito por Pavlov: combativo, nutritivo (ambos ligados à conservação do indivíduo); e os impulsos sexual e paternal (ligados à preservação da espécie). O medo faz parte do primeiro, pois o ser humano luta para afastar os riscos; a necessidade de garantir as boas condições do estômago faz parte do segundo impulso, o nutritivo. Serão esses dois primeiros que balizarão o processo decisório. Rejeição A rejeição é um fator a se considerar no processo decisório. Lula, com 44% de intenção de voto, tem 33% de rejeição. Bolsonaro tem 32% de intenção de voto, mas 46% de rejeição, segundo última pesquisa do Ipec. Em São Paulo, Fernando Haddad (PT) lidera com folga a intenção de voto, com 29%, mas tem 32% de rejeição. Seus adversários, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro de Bolsonaro, e Rodrigo Garcia (PSDB), governador, carregam, respectivamente, 12% e 9% de intenção de voto, com rejeição de 12% (Tarcísio) e 11% (Rodrigo). Duas correntes Os analistas brigam com as hipóteses. Uns defendem a ideia de que os programas da teia social (Auxílio Brasil, Vale Gás etc.) já não alavancam o candidato governista, eis que os eleitores os consideram moeda eleitoral. Outros acham que os programas de distribuição de renda ajudam, sim, o candidato Bolsonaro. Minha análise. As massas carentes sentem-se aliviadas e recompensam o candidato. Mas certa parcela das margens, influenciada pelo meio da pirâmide, já não entra nessa onda. Votará com Lula ou outros (as) candidatos (as). "Maria vai com as outras"? Os tempos do "Maria vai com as outras" (conceito ultrapassado) são outros. A racionalidade altera o processo de decisão do eleitorado. A razão puxa as ferramentas da comparação de perfis; a autonomia, que carrega a vitamina da autoestima; o sentimento de pertinência, que faz o eleitor se considerar dono de seu destino e de sua individualidade. Essa carga valorativa mantinha seu habitat no meio da pirâmide social. Nos últimos tempos, porém, desceu alguns degraus em direção à base da pirâmide. Sombra esgarçada O candidato enfrenta um grande desafio: fazer chegar sua identidade aos eleitores. Identidade é um composto de pensamentos e ideias, experiências, história, atitudes e valores (plano semântico); e maneira de se vestir, de falar, de gesticular (plano estético). Identidade se ampara no sufixo idem (do latim), que significa semelhante, igual. Identidade, portanto, é a verdade da pessoa. Já imagem é a sombra da identidade, a projeção. Quando a sombra está muito distante da pessoa, cria-se uma dissonância. A imagem não corresponde à verdade. Por isso, candidatas e candidatos, procurem ajustar as imagens que desejam transmitir aos eleitores à identidade. A campanha Começou, ontem, oficialmente a campanha de rua, mesmo que os candidatos tenham burlado a lei e iniciado, antes, o pedido de votos. Cumprirão intensa agenda nas regiões, principalmente em bolsões de maior densidade eleitoral. Alguns fazem a campanha nos moldes tradicionais, sem enxergar os novos fenômenos que balizam o eleitorado, dentre os quais seleciono os seguintes. Os novos polos de poder A organicidade social faz com que as massas se fragmentem em grupos sociais com distintos interesses, diferentes demandas. Claro, prioridades nas áreas de saúde, educação, segurança, mobilidade, emprego são as mesmas para todos. Esses grupos, reunidos no entorno de categorias profissionais, constituem os novos polos de poder no país. Uso uma imagem: são ilhas circundantes de um arquipélago. Os candidatos, observa-se, trombeteiam discursos genéricos. Defesa de categorias O imenso contingente de profissionais liberais - médicos, engenheiros, economistas, pequenos e médios empresários, comerciantes, proprietários rurais, entre outros, - reparte-se em setores, criando fortalezas de defesa e ataque, geralmente sindicatos. Grupos em defesa de gênero, de raça e de cor, se multiplicam. O empoderamento se insere na representação das mulheres, em defesa da negritude, de integrantes da LGBTQIA+, gerando pressão junto às instituições do Estado. Trata-se do poder centrípeto fazendo pressão sobre o poder centrífugo. Os candidatos têm propostas para essas categorias? A estudantada Eis aqui um grupo que está completamente solto e disperso: os estudantes. Nas últimas décadas se afastaram da política, abrindo imenso buraco entre a classe estudantil e as esferas do poder. Ante a polarização que acirra ânimos, a estudantada ouviu os berros e urras, dando um avançado passo em direção à via política. Os jovens de 16 a 18, que ganham direito de voto, se farão mais presentes às urnas. Os candidatos estão conscientes sobre a nova moldura estudantil? As mulheres Eleitoras sobem degraus na escada do empoderamento. Chegam a 53% do eleitorado brasileiro. E dentro desse universo, também se repartem em territórios. A partir das donas de casa da base da pirâmide, que sentem os efeitos corrosivos da inflação sobre o parco dinheiro da família, as mulheres trombeteiam seus direitos, clamam por igualdade em todos os espaços da vida produtiva. Há uma miríade de organizações não-governamentais tocadas por mulheres. E no setor evangélico, sua voz chega aos lares mais modestos, sob o eco de um discurso messiânico. Bolsonaro tem como âncora, a mulher Michelle. Proximidade Será um elemento definidor de voto. O candidato que se mostrar, provar e comprovar sua proximidade com o eleitor, - bairro, cidade, região -, terá boas chances de ser bem votado. A carta A Carta em Defesa da Democracia, lida nos espaços da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo, deixou a hipótese de golpe no próximo 7 de setembro bem distante da viabilidade. Numa régua de 0 a 10, caiu de 4 para 1. Fake news As fake news inundarão os vãos e desvãos da campanha. Não sigo a interpretação da maioria dos analistas. Em minha visão, são armas do arsenal dos candidatos e servirão mais para consolidar as convicções das bases adversárias do que para capturar votos. A polarização se acirra, mas não atrairá novos eleitores. Moraes Alexandre de Moraes tomou posse, ontem, na presidência do TSE. Será um dique para conter as marés vazantes dos excessos de candidatos e discípulos de suas correntes. Barreira de contenção. Vitória no 1º turno Pesquisas de diferentes institutos mostram grande folga de ACM Neto (União Brasil) na Bahia. Probabilidade de ganhar a eleição no primeiro turno é de 95 na régua que vai de 0 a 100. É o que deduzo desta pesquisa que o Instituto Paraná Pesquisas acaba de me mandar. Obrigado, Murilo Hidalgo. Duas mulheres Uma das disputas mais acirradas para o Senado se dará no Distrito Federal envolvendo duas ministras do governo Bolsonaro: Flávia Arruda (PL), apoiada pelo presidente e integrante de seu partido, e Damares Alves (Republicanos), que contaria com o apoio de Michelle Bolsonaro, primeira-dama. Flávia lidera hoje a intenção de voto, com 36%, enquanto Damares tem 15%. Indicadores de peso No maior contingente eleitoral, São Paulo, que tem 36 milhões de votos, Lula lidera com 38%, enquanto Bolsonaro ostenta 28%. Em Minas Gerais, com mais de 16 milhões de votos, painel do Brasil de acordo com a tipologia eleitoral, Lula lidera com 40%. Já Bolsonaro tem 35% de preferência. Em minha visão, esses dois Estados definirão o vencedor. Segundo turno Reitero: a campanha deverá entrar numa segunda rodada. A ocorrer dia 30 de outubro. Contar com o tal do voto útil para liquidar a campanha no primeiro turno é sonho petista.
terça-feira, 9 de agosto de 2022

Porandubas nº 772

Abro a coluna com Belém do Pará. Socorro, socorro! João Botelho, candidato a prefeito de Belém, passou o dia inteiro anunciando um comício, à noite, na praça Brasil. Chegou na praça, não havia ninguém. Será que estou no lugar errado? pensou. Será que não estou enganado? Perguntou ao assessor. - Não houve engano não, deputado, a praça é esta mesma. Foi ao bar mais perto, pediu dois caixotes de madeira, pôs no centro da praça, subiu e passou a berrar alucinado: - Socorro, Socooorro, Socooooooorro! Correu gente de todo lado para ver o que era. Plateia arrumada, Botelho começou o comício: - Socorro para um candidato... E fez o comício. Panorama Secos & Molhados A primeira-dama A campanha ganha um tom messiânico com a entrada da primeira-dama, senhora Michelle Bolsonaro, na narrativa eleitoral. Segundo suas palavras, o Palácio do Planalto já foi consagrado aos demônios antes da posse do marido. Agora, é consagrado ao Senhor Jesus. Os evangélicos Os homens evangélicos dão mais apoio ao presidente Bolsonaro que as mulheres. A primeira-dama entra no discurso eleitoral até para aumentar o bolsão de votos do marido. O discurso místico pode pegar. O coronel das fake news O presidente do TSE tirou um coronel que fazia parte do grupo de análise do processo eleitoral por constar o comprometimento do militar com a propagação de fake news. O coronel do Exército, Ricardo Sant'Ana, será substituído. Por essas e por outras é que o conceito das Forças Armadas decresce junto à comunidade nacional. Bolsonaro cresce Nas últimas semanas, o candidato Jair Bolsonaro deu sinais de acrescimento. No Sul e no Centro-Oeste, lidera e aumenta sua distância para Lula. No Sudeste, situação estável. Lula cresce no Nordeste. Projeção deste analista: quando o impacto do Auxílio Brasil, Vale Gás e grana eleitoral chegar às bases, a tendência será a de diminuição da distância entre principais concorrentes. Olhem para minha velha equação: BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Mais um nome Acredita-se que um terceiro nome cresça até dia 15 de setembro. De qualquer maneira, a campanha deverá pagar ingresso para o 2º turno. A não ser que o Senhor Imponderável nos visite. Triângulo das Bermudas Formado por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Triângulo das Bermudas será o decisor da campanha. Os três somam cerca de 65 milhões de votos. Mais de 40%. Minas Gerais, sabe-se, é a antessala do país. São Paulo Este analista continua apontando o governador tucano, Rodrigo Garcia, como o mais provável vencedor da contenda paulista. Goiás Ronaldo Caiado lidera com folga o pleito em Goiás. Será difícil desbancá-lo. Ciro Gomes Com a missão da mulher - de suavizar sua imagem - Ciro Gomes promete deixar a esfera política, caso, mais uma vez, perca a eleição. Política, sabe-se, é cachaça. E caminha como o vento, fazendo-se e se refazendo. Faria Lima A avenida tornou-se referência de empresários e banqueiros. Tinha pavor de Lula. Hoje, um medinho. Mas Bolsonaro também não é seu candidato dos sonhos. Por isso, a depender dos protagonistas finais, os habitantes da Faria Lima fariam os gestos dos três macaquinhos: não vi, não ouvi, não falei. E apertam a tecla. Os manifestos Se a democracia depender de manifesto, a nossa estará salva. Há uns cinco a seis manifestos na mesa das assinaturas. De qualquer forma, trata-se de anseio da sociedade. Considero-os como manifestações da democracia participativa. Gestão histórica O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Emmanoel Pereira, foi outorgado com a medalha, o troféu e o diploma Raymundo Faoro por sua "trajetória valiosa para a história da Justiça em nosso país". Uma trajetória de mais de 20 anos. Palavras do presidente nacional da OAB, Beto Simonetti: "Aqueles que ostentam essa insígnia têm deveres indeléveis para com a cidadania". Lembrou que há mais de um 1,3 milhão de advogados distribuídos em todos os municípios. Abertura O ministro Emmanoel Pereira faz uma gestão histórica, caracterizando-se pelo esforço em buscar maior aproximação com os mais diversos setores da sociedade, nesse momento de debate sobre a pluralidade e a inserção de grupos organizados na textura institucional. A organicidade social Minhas homenagens a setores da sociedade organizada. Os pais Comemora-se, domingo próximo, o Dia dos Pais. A coluna solidariza-se com todos os pais, desejando que mitiguem suas aflições na paz da harmonia familiar. Vivemos tempos de sofrimento, medo, angústia, desemprego, temor pelo dia de amanhã. Haverá, sempre a brilhar, uma estrela no alto. Que mirem em seu brilho e façam da subida da montanha a vontade de superar todos os obstáculos. Escreveu Eliot: "somente aqueles que se arriscam a ir longe, sabem aonde podem chegar". Os famintos A cada dia, lemos estatísticas volumosas sobre a expansão da fome no país. Beiram os 35 milhões os contingentes jogados para os últimos degraus da escada social. Famintos se multiplicam nas ruas das metrópoles. A estética social se apresenta com imensos vazios, onde morrem de inanição os desvalidos. Os moradores de rua Afora os contingentes nomeados pelas estatísticas, há numerosos grupamentos sem identidade. São os moradores de rua, que perambulam de um lado para outro, sem saber se continuarão vivos mais tarde ou amanhã. Que sejam levados à mesa do consumo. Os filhos desgarrados Milhares de jovens retiram-se do aconchego familiar por não conseguirem escapar da força das circunstâncias. Desgarram-se de pais e mães e passam a habitar o espaço das drogas e da criminalidade. O futuro de uma Nação lhes fecha as portas. O Estado não se mostra capaz de puxá-los para a convivência social. Que triste. Os políticos Perdem força, mancham o conceito, passam a ser malvistos pela sociedade. Daí a necessidade de permanente interação com suas bases eleitorais. Cumpram compromissos, façam propostas que podem ser executadas, não façam da política profissão e, sim, exerçam a política dentro do ideário aristotélico, missão a serviço do bem comum. As mulheres Eixo matricial da sociedade. Coluna vertebral do lar. Educadoras, orientadoras, acolhedoras, mães que dedicam o melhor de suas vidas para engrandecimento dos filhos. Os homens devem juntar esforços para que as mulheres ascendam ao mesmo patamar que eles na vida profissional. Basta de violência contra as mulheres. O feminicídio cresceu no país. Um atraso na régua civilizatória. Nenhuma Nação alcança a plenitude dos valores democráticos sem a parceria central da mulher. Os profissionais de imprensa No compromisso em produzir e divulgar matérias de significação social, são, às vezes, incompreendidos, maltratados, desprezados. Exercem uma missão de relevo. Quanto mais a sociedade seja informada, e bem informada, mais sentimento cívico, mais integração ao propósito de construir uma grande pátria. O momento sugere a busca da verdade. Doa a quem doer. Os "teleguiados" Infelizmente, em ciclos de crise, expandem-se as redes de boatos, falsidades, rumores, que contam com alas e núcleos de pessoas "teleguiadas", a serviço da mentira. Urge identificar tais grupamentos e levá-los aos caminhos da Justiça para que a sociedade, como um todo, possa saber os pontos de ruptura na teia da verdade. As classes médias Desempenham um papel central na disseminação das informações e no enchimento do balão da opinião pública. Exercem a função que tem uma pedra jogada no meio da lagoa. Essa pedra forma ondas que vão rolando até as margens. Ou seja, as classes médias jogam suas crenças tanto para o alto, o topo, quanto para a base da pirâmide social. Daí a necessidade de enxergar e interpretar suas demandas e expectativas. Os empresários Cumprem a missão de empreender ações, projetos, programas para a grandeza do país. Em instantes de turbulência social, devem ter o bom senso de priorizar as ações que correspondam aos desejos e motivações da sociedade. Evitando, assim, abrirem o bolso para financiamento de projetos nocivos ao bem-estar coletivo. Os trabalhadores Gigantesca base em que se assenta o edifício social, os trabalhadores são a maior riqueza de uma Nação. A eles deve ser voltada a ação político-parlamentar, sob a crença de que constituem o fermento das massas. E, assim, são os detentores do poder da representação política. Originários de todos os espaços, raças, gêneros e categorias profissionais, os trabalhadores contribuem para elevar o país ao patamar da Nação. Fecho a coluna com Guimarães Rosa. As relações de Rosa Guimarães Rosa, o grande escritor mineiro, prezava o que chamava de 'Relações Exteriores', ou seja, suas relações pessoais com terceiros. O velho Rosa alinhava as normas de sua 'mineirice', dentre as quais Zé Abelha nos brinda com essas: "Combater a expansividade, em todas as suas formas. De uma maneira geral, é preciso guardar silêncio." "Dominar todos os impulsos. Não comunicar notícias, não transmitir novidades." "Never explain, never complain". (Nunca explicar, nunca se queixar) "Não ser afirmativo (dogmático) nem demonstrativo (explicativo)." "Não expressar nunca as nossas impressões, especialmente as que resultam das conversações que ouvimos." "Cada exclamação, cada palavra, cada gesto - conservador - aumentam nossas reservas." "Moderar todos os movimentos expressivos e dar apenas mui ligeiras mostras de emoção, surpresa, alegria, descontentamento."
quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Porandubas nº 771

Abro com um filho inepto da Bahia. Velhos tempos. Tempos de deboche e criatividade. O deputado Luís Viana Neto estava na tribuna da Câmara: - Filho e neto de governadores da Bahia... Lá embaixo, o deputado Francisco Studart (MDB-RJ) gritou: - Não apoiado! - Senhor deputado, sou filho e neto de governadores da Bahia. - Perdão, excelência. Entendi mal. Entendi: "Filho inepto de governadores da Bahia"... Risadas gerais no plenário. Secos & molhados Cadê o pique? Percepção geral é a de que os generais do núcleo duro do governo perderam o pique que mostravam no início da gestão. Mais silenciosos, mais precavidos, mais observadores do cenário. Bivar Luciano Bivar é o chefão do partido que detém a maior fatia partidária e o maior tempo de mídia eleitoral: o União Brasil. Bivar deixa de ser candidato à presidência da República para voltar a ser candidato a deputado Federal por Pernambuco. Corre o risco de não se eleger. Coisas da política. O deputado Pazuello O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello será candidato a deputado Federal pelo Rio de Janeiro. Declara ter patrimônio de R$ 1,288 milhão. Espera-se que tenha boa votação, empurrado pelo bolsonarismo. Desunião Brasil O União Brasil poderá se transformar, no próximo ano, no Desunião Brasil, com tantos interesses repartidos entre seus membros. O manifesto O documento em defesa da Democracia, preparado por docentes da Faculdade de Direito da USP, poderá chegar a 1 milhão de assinaturas. É denso e apartidário. Só não vê quem não quer. Pode ser tudo, menos uma "cartinha", como designou o presidente Bolsonaro. Arquivando O STF tem se mostrado disposto a não aumentar as tensões com o presidente Jair. Tende a arrefecer o ânimo de seus quadros, significando predisposição para arquivar os pedidos de investigação contra ele. Momento sugere distensão, diástole, não sístole. Muito manifesto Vejo multiplicação de manifestos. Advogados, entidades de imprensa, empresários e outros. Isso acaba gerando confusão, um processo de "canibalização" recíproca, uns comendo outros. Não se sabe O QUÊ E PARA QUEM... A chapa de Tebet Simone Tebet terá como vice, em sua chapa, a senadora tucana Mara Gabrilli, um perfil de respeito e impacto. Teve mais de 6,5 milhões de votos. Mara sofreu um acidente de automóvel que a deixou paraplégica, fundou uma ONG e se tornou uma figura emblemática na defesa dos portadores de deficiência. Não se pense que será uma chapa frágil. Ambas, Simone e Mara, mostram-se dispostas a provar que a política é também esfera do gênero feminino. Favas não contadas... A eleição de 2 de outubro não está com as favas contadas, conforme querem fazer crer 95% dos analistas de política. A campanha ganha oficialmente as ruas só agora, após as convenções. Nomes sacramentados, partidos com suas listas formadas, alianças feitas, a arena começa a receber os gladiadores. As pesquisas continuam a mostrar vantagem confortável de Luiz Inácio. Mas Bolsonaro reage um pouco. São Paulo, o epicentro O Estado mais forte da União, com seus 36 milhões de votos, será crucial para o sucesso ou o fracasso dos candidatos à presidência. Essa última pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas mostra Bolsonaro com 40,1% e Lula com 36,2%. Na espontânea, Bolsonaro está com 26,9% e Lula com 23,9%. Essa margem, mesmo pequena, é significativa em se tratando do maior bolsão de votos do país. A recompensa Ademais, os impactos dos pacotes assistencialistas ainda não chegaram às margens. O Auxílio Brasil adicionará mais R$ 200. O pacotão de recursos do Orçamento para aplicação nas regiões, atendendo a critérios eleitorais, também fará diferença. Pensar que não se troca mais voto por recompensa é um erro. O toma lá dá cá, mesmo em tempos de voto mais racional, ainda funciona. Bolsa Auxílio pode ser confundido com Bolsa Família, dos tempos lulistas? Pode, mas os candidatos bolsonaristas vão tocar suas trombetas propagandísticas. Até 15 de setembro Os eleitores começam a abrir os ouvidos. O processo de internalização das mensagens - apreensão pelo sistema cognitivo e imersão - irá até meados de setembro. Daqui até lá, a paisagem aberta dará direito a comentários plurais, versões e contra-versões, fatos e fakes, ilações, observações. Atentem, candidatos de todas as esferas do Executivo e do Legislativo: vocês constituem a maior mensagem. O que dirão, o que fazem e farão, como pensam, a estética de apresentação, todos esses componentes influenciarão no processo decisório. O eleitor fará uma filtragem de tudo que capta. Simpatia e antipatia Dois fenômenos se instalarão, se não já se instalaram, no sistema cognitivo do eleitor. Refiro-me ao comportamento do eleitor quanto aos candidatos ao Legislativo na esfera estadual, porque em relação ao Executivo (nas esferas Federal ou mesmo estadual), uma posição prévia já foi tomada. Mas não há ainda um posicionamento definitivo quanto aos candidatos a deputado Federal ou estadual. Há certa simpatia ou alguma dose de antipatia em relação aos candidatos à presidência e governos de Estado. Simpatia, uma predisposição positiva, a antipatia, uma predisposição negativa. Empatia Mas a decisão se dá mesmo junto àqueles eleitores que se ligam empaticamente ao candidato. Empatia é a capacidade de um interlocutor - candidato - de amarrar o interesse, a boa vontade, o compromisso do eleitor, que enxerga nele o perfil mais completo na galeria dos candidatos. O eleitor ouve mensagens que aprecia e aplaude. Projeta suas demandas nos programas do candidato, de forma que se liga umbilicalmente ao candidato, considerado alguém próximo, quase um familiar. Primórdios "Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma) Marketing segmentado O marketing eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Nas campanhas, o marketing segmentado acaba assumindo tanta importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. Na campanha deste ano, o marketing segmentado atingirá os mais altos graus de seu conceito. Rodrigo Garcia Fernando Haddad (PT), candidato de Lula, e Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato de Bolsonaro, lideram a campanha de São Paulo. Quem está encostando em Tarcísio é Rodrigo Garcia, o atual governador do PSDB, que, pelo domínio da máquina administrativa, ameaça entrar no 2º turno com o candidato do PT. E aí ficará mais difícil para Haddad. Os 5 ciclos É oportuno se lembrar dos cinco ciclos de uma campanha: lançamento, por ocasião da Convenção; crescimento, entre quatro e cinco semanas após a Convenção; maturidade/consolidação, quando a campanha se firma no sistema cognitivo do eleitor, após ampla visibilidade; clímax, momento em que o candidato alcança seu maior índice de intenção de votos; e declínio, quando o candidato tende a cair nas pesquisas de opinião. Todo esforço se faz necessário para o clímax ocorrer na semana das eleições. A dosagem dos ciclos há de acompanhar o funil da comunicação; joga-se mais força (volume de comunicação/visibilidade) na segunda quinzena de setembro. Candidato que começa a descer da escada antes do tempo, corre o perigo de morrer antes de chegar à praia. O povo O povo não é uma ficção. Eis ali o povão correndo para pegar o ônibus das 5, aboletando-se nos trens da periferia, aplaudindo e xingando nos estádios, grudado defronte às vitrines para pegar os lances do futebol, lambendo os beiços com os churrascos gregos das calçadas ou voltando, com o sol poente, dos campos e das roças para a cansada solidão de suas casas. O povo é a realidade dos mais de 30 milhões de brasileiros que se encontram à margem do processo de consumo, dando duro, levantando prédios, construindo máquinas, moldando a anatomia do país. A crise desse povo é a falta de comida, de emprego, de hospitais, de segurança, de casas, de lazer. A força moral A força moral é a arma mais poderosa da campanha eleitoral deste ano. Será o maior contraponto ao estado de degradação que corrói parcela razoável de nossos quadros políticos. Trata-se de uma força que funcionará como imã, puxando a atenção e a adesão dos eleitores. Os candidatos se esforçarão em dizer que a possuem. Ocorre que a força moral não é um conceito sobre o qual se possa cantar loas. Quem a carrega, não precisa discorrer sobre ela. Será reconhecido por isso. Gandhi, pobre e despojado, era um ícone de força moral. Arrastou multidões. Como a simplicidade, a força moral é a virtude dos sábios e a sabedoria dos santos.
quarta-feira, 27 de julho de 2022

Porandubas nº 770

Abro a coluna com uma historinha, aqui já contada. A pedidos, volto com ela. "O carro se atolou-se" Walfredo Paulino de Siqueira, típico coronel da política pernambucana, foi escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Figura folclórica, como lembra Ivanildo Sampaio, ex-diretor de redação do Jornal do Commercio, de Recife, meu contemporâneo na faculdade. Um dia, dois eleitores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de se expressar era essa: "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica: - Escutem aqui, meus amigos. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, se ficarem presos os quatro pneus, os de frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é: "o carro se atolou-se"... Santana Ontem, 26 de julho, os luisgomenses festejaram Senhora Santana, a padroeira de minha cidade, Luis Gomes, no Extremo-Oeste do Rio Grande do Norte, fronteira com Paraíba e Ceará. Viva! Cuidado com Narciso Eis o que ocorreu com Narciso. Os deuses condenaram Narciso a se apaixonar pela própria imagem. Ele tomou-se de amores pela imagem quando se contemplava nas águas límpidas de uma fonte. A partir daí, obcecado pela paixão por aquele reflexo, Narciso nunca mais conseguiu arrancar-se àquela contemplação e se afastar da beira da água. Ali definhou até morrer. Há candidatos fascinados pela própria imagem. Não sentem o que se passam. Não veem a paisagem. Não ouvem nem barulhos fortes, menos ainda sussurros. Correm o risco de definhamento lento e gradual. Michelle, um trunfo Dona Michelle Bolsonaro, primeira-dama do país, de 40 anos, é um trunfo no jogo de cartas das eleições. Dizia-se que não iria participar da campanha. Hoje, está na linha de frente. Mostrou que tem certo carisma, fez um discurso-oração-declaração de amor ao marido presidente, circulou pelo palco da Convenção do PL, sob o anúncio messiânico que o Jair Messias é o Enviado. Os evangélicos e adjacentes devem engrossar a crença nos próximos tempos. Em suma, a adesão da pastora Michelle à campanha de palanque fecha a locução com o objetivo de realçar a faceta "divina" do humano candidato. Haja dinheiro O governo pede aos seus bancos e à Petrobrás que mandem os dividendos a que tem direito. Coisa de uns R$ 7 bilhões. Essa grana vai se somar aos recursos para viabilizar o Auxílio Brasil e outros programas. Este analista nunca viu tanto esforço para se jogar recurso numa campanha eleitoral. A cooptação atende ao primeiro instinto do ser humano, segundo Pavlov, o impulso combativo, a luta pela sobrevivência. Impulso que dispara o segundo, o nutritivo. Garanta a barriga. O ataque ao STF Ao atacar, mais uma vez, o Judiciário em seu discurso na Convenção do PL, chamando seus ministros de "surdos de capa preta", Bolsonaro, mais uma vez, dá mostras que não ouve a voz do bom senso. Pois nesse momento, a razão mostra a necessidade de candidatos se apresentarem como pessoas moderadas, equilibradas, respeitosas. Ainda mais quando o candidato postula a reeleição ao cargo maior do país. O que estaria por trás dessa expressão destrambelhada? Estratégia. Quanto pior, melhor O capitão Jair põe fé na confusão, tensão, querelas, brigas entre alas, se possível, com repercussão. Ora, ele vem conseguindo há bom tempo ditar a pauta das mídias. Todos os dias, lá está ele com as suas palavras, termos fortes, alguns beirando as margens do dicionário chulo. Desse modo, anima as bases, supre os compartimentos emocionais de seus simpatizantes, pondo mais lenha na fogueira do antilulismo. Vejam bem: se Lula for ao 2º turno, não será um passeio a sua vitória, como alguns profetizam. O PT não conseguirá, da noite para o dia, limpar os borrões que sujam sua imagem. Getúlio Vargas Locuções de Getúlio Vargas: - A metade dos meus homens de governo não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo. - Quase sempre é fácil encontrar a verdade. Difícil e, uma vez encontrada, não fugir dela. - Eu sempre desconfiei muito daqueles que nunca me pediram nada. Geralmente os que se sentam à mesa sem apetite são os que mais comem. - Os políticos olham muito o passado, se esquecem do presente e, principalmente, do futuro. Mas é perigoso este cacoete, pois quem muito olha para trás acaba torcendo o pescoço. MDB dividido? O MDB é uma confederação de partidos. Agora mesmo, uma ala entra na Justiça para adiar sua Convenção. O evento está marcado para hoje, quarta. A ala questionadora apoia-se no argumento de que a Convenção deve ser presencial, não virtual. Alega, ainda, que estaria comprometido o sigilo do voto usando-se a rede virtual. Baleia Rossi responde, dizendo que os estatutos permitem tal forma. Quem entrou com o recurso foi o presidente do MDB, prefeito de Cacimbinhas, Alagoas, do grupo liderado pelo senador Renan Calheiros. Hoje, segundo Simone, a Convenção virtual consagrará seu nome. Vamos ver. Em política, não há certezas. Simone A candidata Simone Tebet, senadora do MS, é quem mais tem crescido nas pesquisas. Na última pesquisa do IPESPE, ela pontou 4%. Na anterior, 2%. Aumentou, portanto, 100%. Uma questão de releitura das pesquisas (sem risos...). Já vi candidatos, com 2% em junho/julho, ganharem eleições majoritárias em Estados. Segunda-feira, Simone exibiu boa performance em entrevista concedida ao time da Globo News. Respondeu a todas as questões. Demonstrou conhecimento e fluidez de ideias. O novo manifesto Agosto vem aí. E com ele, a lembrança do professor Goffredo da Silva Telles. Que leu sua Carta aos Brasileiros em 8 de agosto de 1977, às 20h00, no Largo de São Francisco, repleto de estudantes, gente do povo e personalidades. No próximo 11 de agosto, o ex-ministro do STF, Celso de Mello, lerá um Manifesto em Defesa da Democracia no mesmo Largo. Assinado por mais de 3 mil pessoas. Goffredo Este analista era amigo do professor Goffredo. Tive a honra de receber dele pequenas mensagens, em cartões, com sua letra miúda, parecendo um desenho. Fazia referências a meus artigos em O Estado de São Paulo, onde escrevi por mais de duas décadas na segunda página. Certa feita, ao visitá-lo em seu amplo apartamento na avenida São Luiz, fez questão de oferecer-me seus livros. E, em um deles, Palavras do Amigo aos Estudantes de Direito, fez pequenas correções de letras e acentos e frases truncadas. Enorme deferência. Foi uma longa conversa sobre o país, recheada da sabedoria do mestre. Quão grande era esse Brasileiro. Theotônio Também apreciava meus artigos o afamado civilista e processualista civil, professor Theotônio Negrão, com quem fiz amizade por intermédio de uma amiga que o auxiliava, a advogada Maria Augusta. Visitei-o, ele já com dificuldade de locomoção, e, com sua simplicidade e lucidez, me transmitiu sábias palavras. Que tempos.....! Homenagens Presto minhas homenagens a esses dois grandes vultos do Direito nas pessoas dos amigos advogados, Antônio Claudio Mariz de Oliveira, Luiz Flávio Borges D'Urso, Carlos Miguel Aidar, Marcos da Costa, Marcelo Martins de Oliveira, Vitorino Francisco Antunes Neto, Eurico Leite, Fernando Fernandes e José Paulo Cavalcanti, entre outros. Pessoa - "Não sei quem sou, que alma tenho" (Consciência de plenitude - Fernando Pessoa) - "Não sabemos da alma Senão da nossa; A dos outros são olhares São gestos, são palavras" (Sem Título, 1934 - Fernando Pessoa In José Paulo Cavalcanti Filho, Fernando Pessoa, O livro das Citações) Espetáculo e política " ..os mundos do espetáculo e da política vão se entrosando cada vez mais. Como se, expostos às mesmas sujeições e igualmente forçados a seduzir o público, os performers do cinema e da política se compreendessem às mil maravilhas". ...A política é um exercício da sedução e quase um prolongamento da Arte de Amar, de Ovídio. Para ele, governar é mais seduzir que convencer. Valendo-se de todos os recursos do charme....chegando às raias donjaunismo..." In Roger-Gérard Schwartzenberg, O Estado Espetáculo. Fecho com a "A casa do cacete" No primeiro mandato de Garibaldi Filho, como governador, deu-se a largada dos projetos de recursos hídricos, com as adutoras que se tornaram marca registrada do seu governo. Em Pau dos Ferros, na inauguração oficial, Garibaldi foi cobrado de público pelo abastecimento d'água da cidade. Sem se afobar, como é do seu hábito, o governador pegou carona na cobrança popular com indisfarçável irritação: "Vou botar água em Pau dos Ferros nem que a água venha da casa...". Aí parou. Sentindo que não podia ir além, repetiu a frase: "Já autorizei Rômulo Macêdo a elaborar o projeto e vou botar água em Pau dos Ferros nem que a água venha da casa do...". Parou de novo. Populares de raciocínio apressado completaram: "Da casa do cacete...". O orador foi sutil e perspicaz: "Eu não queria dizer essa palavra...". Risos gerais. "Gari" guardara a postura e conseguiu o resultado. (História contada pelo espirituoso escritor Valério Mesquita).
quarta-feira, 20 de julho de 2022

Porandubas nº 769

Abro a coluna com uma deliciosa historinha da Paraíba. 'O POVO TAMBÉM ME CONHECE, ZÉ' Zé de Dora era um barbeiro da cidade de Santa Rita, no interior da Paraíba.  Quando comprou seu primeiro carro, resolveu ir a João Pessoa dar um passeio. Chegando lá, não tendo conhecimento de semáforos, saiu cortando tudo que era sinal - verde, amarelo e vermelho.  Ao ultrapassar os sinais vermelhos, os outros motoristas gritavam - "BARBEIRO". "BARBEIRO". Quanto mais chamavam o Zé de "Barbeiro",  mais ele ficava orgulhoso. E acenava, agradecido. Ao retornar a Santa Rita, sua mulher perguntou:  - E aí, Zé, como foi na capital?  Zé, orgulhoso, respondeu:  - Maria eu nem te conto! Tu sabe que em João Pessoa sou mais conhecido do que aqui em Santa Rita?  - Que é isso Zé, deixa de conversa.  - Pois então vamos juntos para eu te mostrar.  Saíram Zé de Dora e a mulher para passear em João Pessoa. Lá chegando, Zé foi cruzando os semáforos, um aqui, outro ali, sem se preocupar se estavam verdes, amarelos ou vermelhos. Ao cruzar o primeiro semáforo vermelho, um motorista que quase bateu o carro no do Zé, gritou:  - "CORNO". "Seu CORNO". Maria, nervosa, logo abriu a boca:  - ZÉ, vamos voltar logo pra Santa Rita, Zé, pois aqui o povo também me conhece.    Panorama 1. Campanha nas ruas A campanha eleitoral ganha foro oficial com as convenções partidárias, que se iniciam esta semana. A convenção do PDT, de Ciro Gomes, será a primeira, hoje, quarta. A do PT será realizada amanhã e a de Bolsonaro, no domingo. Mas a campanha já está nas ruas. Lula e Alckmin, correndo de um lado para outro, com foco na articulação política; Bolsonaro, juntando multidões em suas motociatas e Ciro, fazendo palestras e Simone, pequenas reuniões. 2. Quem junta mais? As dúvidas se entrelaçam no corredor das versões: quem junta mais gente? Este analista recebe vídeos das duas principais campanhas, a de Lula e a de Bolsonaro. Sem querer questionar a edição dos vídeos, coisa para as alas envolvidas, vê-se claramente que as motociatas de Bolsonaro e sua chegada aos ambientes exibem maior número de pessoas. Lula, ao que parece, tem evitado mobilização de rua. Com a campanha oficializada, são previsíveis multidões aqui e ali.  3. Nordeste A região nordestina tem sido o alvo dos dois candidatos. Ambos passaram por lá nos últimos dias. E as pesquisas começam a mostrar crescimento de Bolsonaro no Nordeste, não a ponto de superar os índices de Lula, mas diminuindo a distância. Depois do Sudeste, que soma mais de 50% dos votos, o Nordeste será palco de grandes batalhas. Lula ainda exibe o mérito de ser o pai do Bolsa Família. Bolsonaro, com muito esforço, ainda não conseguiu disseminar a ideia de ser o pai do Auxílio Brasil. 4. Combustíveis Dos 27 Estados, 14 e o DF anunciam redução da alíquota do ICMS sobre o etanol. Em São Paulo, a cobrança do imposto caiu de 13,3% para 9,57%. O etanol deve ter preço competitivo em relação a outros combustíveis, de acordo com a PEC dos Benefícios, que incorporou a PEC dos combustíveis. Se o consumidor acusar as reduções no etanol, na gasolina e no diesel, Bolsonaro faturará o preço menor. Seu grande desafio é comunicar tudo isso a menos de três meses das eleições. 5. O Judiciário como alvo O Poder Judiciário continuará sob a mira do capitão-atirador. Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luis Barroso serão intensamente alvejados. Moraes continua duro, mandando bolsonaristas retirarem fakes das redes sociais. Fachin recusou participar da reunião com embaixadores. As tensões chegarão ao pico da montanha. Bolsonaro quer arrumar um pretexto para o dia seguinte ao anúncio do vitorioso do pleito. Se for ele, poderá alegar que teve mais votos do que os anunciados. Se for o derrotado, SDS.... Só Deus Sabe... 6. Reunião com embaixadores  A conversa que o presidente teve com embaixadores, na segunda feira, foi um ato de extrema gravidade. O presidente da República e Chefe de Estado anuncia ao mundo, de forma oficial, que as eleições brasileiras serão fraudadas. E o anúncio se dá na residência do Presidente. Um prédio do poder público usado como quartel general de campanha.  Provas? Não há. Apenas suspeitas e extenso blábláblá. Os "argumentos técnicos" das Forças Armadas, reunidos pelo Ministério da Defesa, são um castelo de areia. Os embaixadores saíram confusos. A reunião contou com a presença do general Augusto Heleno, do Advogado Geral da União, Bruno Bianco, do presidente do STM, Luis Carlos Gomes Mattos, Carlos França (ministro das Relações Exteriores), Paulo Sérgio Nogueira (ministro da Defesa), Ciro Nogueira (ministro da Casa Civil) e general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), entre outros. Embaixadores foram alertados por seus países a não endossar a tese do presidente. Mas a interrogação fica no ar. 7. Hackers O presidente insinua que os hackers vão invadir o sistema. O que, de certa forma, é um convite para que eles comecem a furar o bloqueio. A contaminação do processo se espalha como vírus no sangue. Fake news ganham status oficial. 8. Paisagem paulista A paisagem eleitoral do maior colégio eleitoral do país sinaliza um segundo turno entre Fernando Haddad e Rodrigo Garcia, PT versus PSDB. Tarcísio de Freitas, o candidato de Bolsonaro, já ganhou a marca de "um estrangeiro" no Estado. Inscreveu-se como morador de São José dos Campos. Mas o ex-ministro da Infraestrutura (Republicanos) não mora no endereço que declarou como seu domicílio no estado de São Paulo. Será difícil chegar ao 2º turno. Rodrigo tem mais chances. E expressa mais modernidade que Fernando Haddad. De Haddad, Delfim Netto já dizia: é o único marxista do PT. 9. Projeto de 4 décadas? O abre-alas do discurso eleitoral anuncia: se o PT ganhar as eleições presidenciais e o governo do Estado de São Paulo, as próximas décadas estarão sob o jugo autoritário. O PT aprendeu com seus erros. Colocou Dilma no despenhadeiro. Agora, sabe como dominar, cooptar, dividir para somar. Se Lula ganhar lá e Haddad, aqui, o lulismo criará as bases para uma hegemonia nunca vista no país. Junta-se a fome com a vontade de comer. Tal previsão está sendo "parafusada" pelos "engenheiros" da máquina petista.  10. MDB com Lula O MDB é mesmo uma confederação de partidos. Mesmo tendo Simone Tebet como candidata do partido, 11 diretórios estaduais decidiram fechar posição em torno de Lula. 11. O líder informal Conta Roger-Gérard Schwartzenberg, em O Estado Espetáculo, que o rei Luis Felipe suprimiu o cerimonial solene nas Tulherias, passeava por Paris com seu chapéu cinzento, e parava para conversar com os operários de uma construção. Que Pierre Trudeau, pai do atual primeiro-ministro do Canadá, Justine Trudeau, abandonando a liturgia oficial, escorregou pelo corrimão de uma escada, envergava uma camisa Lacoste, paletó esporte e usava sandálias. Que Giscard d'Estaing, presidente da França, vestia uma camisa quadriculada e tocava acordeão nas ruas de Paris, semanas depois de ter jogado como centro-avante num time francês. 12. A dissimulação Em Paradoxo do Comediante, Diderot descreveu: "o que faz os autores medíocres é a extrema sensibilidade...e é a ausência absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes. As lágrimas do comediante escorrem de seu cérebro; as do homem sensível descem do seu coração. Dir-se-á - o orador é sempre melhor quando se inflama, quando irritado. Nada disso. É quando ele finge estar encolerizado. Os comediantes impressionam o público, não quando estão furiosos e sim quando representam bem o furor'. 13. Buraco negro 'Polícia dos buracos negros' descobre primeiro buraco negro estelar 'adormecido' fora da Via Láctea. Esse fenômeno é bastante difícil de ser detectado. "Conseguimos identificar uma agulha num palheiro". afirmou um astrônomo do projeto. Ciência avança sob os olhos de bárbaros que ainda povoam o planeta. 14. Mais de 200 Há mais de 200 pré-candidatos aos governos de Estado. Campanha mais participativas das últimas décadas. 15. Marketing segmentado Este consultor tem chamado a atenção dos perfis que se postam na arena eleitoral. Ante o alto grau de organicidade social, a campanha deste ano será a de maior apelo aos grupos organizados da comunidade política. Movimentos, alas, setores, organizações de todas as modelagens - sindicatos, associações, federações, etc-, sinalizam para um marketing segmentado. Ou seja, o discurso com maior eficácia é aquele que se direciona aos grupos organizados, cujas demandas devem receber respostas e compromissos por parte de candidatos. 16. Pasteurização Após as eleições, a paisagem política deverá ganhar novo ordenamento. O país fechará a era da pasteurização partidária para abrir, em seu lugar, o ciclo de conteúdos claros e doutrinas com substância programática. 17. Imagem do PT O Partido dos Trabalhadores, seja qual for o resultado das eleições, deverá se submeter a um processo intenso de limpeza de imagem. As velhas mancham - Nós e Eles - ainda deixam milhares de eleitores com receio de ficar sob seu cobertor. Persiste o estigma de partido autoritário. Que deixou manchas fortes no tecido democrático. 18. Alckmin Geraldo Alckmin, em caso de eventual vitória do petismo, deverá ser o porteiro com a missão de abrir portas no meio do arco ideológico. 19. O modelo Palocci Diz-se que Lula gostaria, caso ganhe as eleições, de ressuscitar o modelo Palocci, ou seja, colocar um político na economia. Com a finalidade de pacificar a área política. Ora, os efeitos daquela modelagem ainda hoje causam arrepios. 20. Covid-19 A pandemia continua com seus números macabros. Média alta de casos, mortes na faixa de 300 pessoas, diariamente. A pandemia chegou para ficar. Não irá embora de repente. Nossa cultura gera impermeabilização de sentimentos. A morte banalizada.    Fecho com Fernando Pessoa Se sou alegre ou sou triste? Francamente, não o sei A tristeza em que consiste? Da alegria o que farei? ( Sem título- 20-08-1930) Fernando Pessoa In Jose Paulo Cavalcanti Filho - Fernando Pessoa - o livro das citações. Ed. Record, 2013. RJ/SP
quarta-feira, 13 de julho de 2022

Porandubas nº 768

Abro a coluna com o folclore político de Minas Gerais e fecho com uma historinha do Piauí, onde, em 1986, coordenei a campanha de um candidato ao governo do Estado. Proibindo eclipses O coronel Zé Azul, chefe político de São Gonçalo do Abaeté, em Minas, era candidato a prefeito pela UDN. O calendário marcava: vésperas de um eclipse do sol que a imprensa vinha prevendo para começo do ano seguinte, como o mais forte já visto no Brasil. O medo generalizou-se. Espraiavam-se relatos de crianças que iam nascer defeituosas, galinhas que deixariam de pôr ovos, cabritos que não mais berrariam e a cachaça que ficaria envenenada. No dia 1º de outubro, o coronel Zé Azul fez o último comício da campanha e acabou com um juramento sagrado: - Pode ser que, na prefeitura, a partir de janeiro, eu não consiga fazer tudo que pretendo por esta terra. Mas juro para vocês que meu primeiro decreto será proibir definitivamente eclipses em São Gonçalo do Abaeté. Ganhou a campanha. No Brasil, candidatos ainda continuam com coisas desse gênero. Panorama O estuprador Um crime que desafia os compêndios da criminalidade. Um médico, um profissional que jura defender a honra, a ética e a moral, comete um ato de barbárie contra uma parturiente. O anestesista exagerava nas doses de sedação. E foi flagrado em uma cena horripilante. Pena de 15 anos de prisão? É pouco, muito pouco, se for essa a condenação. Bilhões de sóis e estrelas O terrível acontecimento no Paraná ocorre no momento em que a sociedade mundial contempla, embasbacada, a visão de outras galáxias, captada pelo telescópio James Webb, da Nasa, o mais poderoso que já se construiu. Bilhões de sóis e estrelas esperam ser descobertos. Um longo passeio por outros espaços será iniciado. O futuro começa a se mostrar sob a sombra gigantesca da barbaridade que assola nosso planeta. A tensão aumenta A polarização ganha volume com o impulso expressivo do presidente Jair. Para quem o duelo das ruas, os tiros e emboscadas farão bem à campanha eleitoral que já está nas ruas. O assassinato de um policial no Paraná é o primeiro ato de uma peça que se estenderá para além de 2 de outubro. O dirigente do PT, apoiador de Lula, morto por um bolsonarista, é o chamariz para uma luta que tende a incendiar o país, se não for contida a tempo. O bolsonarismo pegou Não se enganem, leitores (as). A semente da árvore bolsonarista foi plantada e começa a vicejar. Vai se espalhar por aqui e ali, sob o empuxo de grupos radicais que destilarão ódio e violência. Jair Bolsonaro pode, até, perder as eleições, mas seu pensamento vingará. A extrema direita, que se mantinha calada nas últimas décadas, encontrou um ícone, ou como chama, "o mito". As bancadas das extremidades do arco ideológico engrossarão o caldo na próxima legislatura. A conferir. Nome ainda indefinido Este analista diverge da maioria dos intérpretes da política, que apostam na eleição de Lula, no primeiro ou no segundo turno. A campanha não está decidida. Temos o restante de julho, e dois meses fatais - agosto e setembro. As águas tumultuadas de 7 de setembro podem servir de pretexto para arrombamento de barragens. Lula e o PT ainda não diminuíram seus altos índices de rejeição. A cooptação Bolsonaro também tem alta rejeição. Com desaprovação maior que aprovação. Mas detém o poder da caneta. O Auxílio Brasil será aumentado com mais R$ 200. E cerca de mais dois milhões de pessoas deverão ser incorporados ao programa. A cooptação será intensa. A vantagem de Lula tem diminuído. Algumas pesquisas mostram uma vantagem de menos de 10 pontos. O ar está muito embaçado. Horizontes turvos. Triângulo das Bermudas Minha hipótese é de que o vencedor no Triângulo das Bermudas será o comedor das batatas. Sentará na cadeira presidencial. O Triângulo é formado por São Paulo, com cerca de 35 milhões de eleitores; Minas Gerais, cerca de 16 milhões e Rio de Janeiro, cerca de 13 milhões. O total do eleitorado é de aproximadamente de 150.000.000 dos quais 79.224.596 são mulheres e outros 78.444.900 são homens. O Nordeste A região tem cerca de 40 milhões de eleitores, assim distribuídos: Alagoas: 2.121.081; Bahia: 10.531.439; Ceará: 6.325.143; Maranhão: 4.583.402; Paraíba: 2.887.698; Pernambuco: 6.515.670; Piauí: 2.388.725; Rio Grande do Norte: 2.401.415; Sergipe: 1.528.448. Luis Inácio detém, hoje, maioria na região. Mas uma incógnita está no ar: como se comportará a base da pirâmide com o Auxílio Brasil? Ao que se sabe, o eleitor das margens carentes ainda atribui a Lula o patrocínio e o mérito do assistencialismo. Centro-Oeste/Norte/Sul São as regiões onde Bolsonaro poderá obter vantagem. Hoje. O mundo revirado A guerra entre Ucrânia x Rússia está aprofundando um novo eixo geopolítico. Rússia + China x Oeste da Europa + EUA. O mundo dá voltas. O clima de tensão e de desconfiança tende a permanecer. E os conflitos, a ganharem intensidade. Uma nova ordem mundial se apresenta. Vai e volta O ex-governador e ex-senador José Roberto Arruda está dando a volta por cima. Deve ressurgir no pleito deste ano. A política é também a arte da ressurreição. O IMREA Por trás dessa sigla está um empreendimento dos mais importantes para a vida nacional: O Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - IMREA HC FMUSP. Trata-se de uma entidade do governo do Estado, que objetiva servir às pessoas com deficiência física, transitória ou definitiva, necessitadas de receber atendimento de reabilitação, desenvolvendo seu potencial físico, psicológico, social, profissional e educacional. Centro e referência em reabilitação. Nasceu em 1975. Linamara Em 2009, ganhou o status de hoje. conhecido por integrar a Rede Lucy Montoro de Reabilitação. Conta com 11 unidades em funcionamento. Comandado pela experiência e visão empreendedora da professora Linamara Rizzo Battistella. Linamara, para termos melhor ideia de seu conceito, é membro efetivo da National Academy of Medicine dos EUA. Este analista conhece a Instituição e constata a abnegação e o zelo de seus profissionais. Fecho com a historinha do Piauí. Que espetáculo de comício 1986. Comício de encerramento da campanha de Freitas Neto (PFL) ao governo do Piauí. Os carros de som anunciavam, desde cedo, o monumental comício de fechamento da campanha. Um espetáculo com showmício da grande cantora Elba Ramalho na praça do Marquês. Na época, as carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, dez dias antes da data. Mas as fortes chuvas na região atrapalharam o transporte. A lama nas estradas atrasou a chegada. O som chegou quase em cima da hora do comício. Coordenador da campanha do candidato, cheguei ao local um pouco antes para ver o ambiente. O toró... Os técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos e arrumar os grossos cabos. 18 horas. Um toró (como se diz no Nordeste) começa a cair. A chuva torrencial começou a fazer a festa. Praça lotada. Três mil piauienses pulavam entusiasmados sob a água que caía. As garrafas de cachaça corriam de mão a mão. De repente, um estrondo, seguido de outros. Fogo e fumaça nos cabos. Corre corre dos técnicos e o aviso: "Acabou o som. Não há condição". Não havia aquele tipo de cabo. Elba Ramalho foi logo avisando: - Está aqui meu contrato. Sem som, não canto. Conversa daqui, conversa dali, aflição por todos os lados. Depois de muita insistência, ela admite: - Cantarei uma música, só, e me arranjem um acompanhamento. Encontraram um cara com um banjo. O povão urrava: - Elba, Elba, Elba, cadê a Elba ? Bate, bate, bate, coração... A cantora saiu de trás. A multidão explodiu. E lá vem a música: - Bate, bate, bate, coração! Nem bem terminou a estrofe, Elba parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na multidão: - Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas? O que era aquilo? Por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi a cena: um sujeito abrindo a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina respirava um ar de gozação. O showmício de Freitas Neto foi um desastre. Senti o ar pesado. Pesquisas nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre virou o clima. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me perguntar: - Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral? Respondo: - Um jumento bêbado no Piauí.