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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 26 de junho de 2024

Porandubas nº 853

Como sempre, abro com um hilário "causo". O milagre José Maria Alkmin, a raposa mineira, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A alfândega quis saber o que era. - Água milagrosa de Fátima. - Mas tudo isso? - Lá em Minas o pessoal acredita muito nos milagres da água de Fátima. Não dá para quem quer. - O senhor pode desenrolar? - Pois não, meu filho. - Mas, deputado, isso é uísque. - Ué, não é que já se deu o milagre? Parte I O marketing de Aluízio Alves Descrevo, na primeira parte da coluna, a contribuição dada por Aluízio Alves, ex-governador do RN, para a fixação dos eixos do marketing político no país. Modesta contribuição para aclarar os primórdios da comunicação eleitoral no Brasil. Década de 60 O marketing político, no início da década de 60, ganhou um colorido todo especial com a campanha de Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte. Jornalista, companheiro de Carlos Lacerda, na Tribuna da Imprensa, onde foi redator-chefe, deputado Federal aos 23 anos, cargo que ocupou quatro vezes, Aluízio, natural de Angicos/RN, fez a mais vibrante campanha de governo estadual de 1960, desenvolvendo uma trajetória que abriria espaços para a criação e consolidação da maior estrutura política do Rio Grande do Norte, nos últimos 40 anos. As vigílias da esperança Pela criatividade de seu estilo de fazer política e importância de suas campanhas para o marketing político, selecionei passagens de sua vida, algumas contadas por ele mesmo em conversas pessoais com este autor. Organizou, como deputado, a campanha "Um amigo em cada rua - 160 comícios em 16 dias e as Vigílias da Esperança". E, na campanha de 60, de certa forma, iniciava-se a profissionalização das atividades de marketing. Aluízio já carregava boa experiência das lides eleitorais. Com Lacerda, participou ativamente da campanha udenista contra Getúlio Vargas. Aluízio Alves, portanto, deputado Federal, não era jejuno. Arrumou um eficiente discurso e criou um dos mais eficazes sistemas de mobilização popular de que se tem notícia. Contratou a primeira pesquisa do Ibope a um precursor do marketing político, Albano, que orientara, em Pernambuco, a campanha vitoriosa de Cid Sampaio. Não gostou do plano que Albano apresentou. Ficou apenas com as pesquisas. Intuição Preferia guiar-se pelo feeling. Agia com apurada intuição. Se o adversário, Dinarte Mariz, o chamava de tuberculoso, respondia, para gáudio das massas: "é melhor ter tuberculose no pulmão do que ser tuberculoso das ideias". Transformava aparentes qualificações depreciativas feitas pelos adversários em aspectos positivos. Ganhou um apelido "cigano", que fez sucesso. O próprio Aluízio Alves conta: "Em Pau dos Ferros, o adversário (Djalma Marinho, apoiado por Dinarte Mariz) fez comício na véspera da minha chegada. E salientou que tinha uma vida organizada, com escritório de advogado em Natal etc., enquanto eu andava pelo Estado, de dia e de noite, sem almoçar ou jantar na casa dos líderes que me apoiavam, se dormia era nas estradas. Os amigos ficaram revoltados. E foram me esperar a dois quilômetros da cidade, para contar o episódio e dizerem que o povo todo estava aguardando a minha resposta no mesmo tom". O cigano - Ouvi as recomendações e fui para a cidade. Lá, a multidão ansiosa. Peguei o microfone e disse: "Pau dos Ferros, o cigano chegou". Sob aplausos constantes e cada vez mais entusiastas, comecei a ler as mãos do povo, como se fosse "cigano": a mão do agricultor, da dona de casa, do comerciante, do estudante. Foi um sucesso, que passei a repetir em outros lugares, sobretudo depois que dona Guiomar Morais fez a música do "Cigano", que logo se espalhou por todo o Estado e passou a ser "Cigano feiticeiro", porque na letra falava que o cigano a enfeitiçara. "Minha gentinha" À medida que meus comícios cresciam, em Natal, os adversários começaram a se impressionar e tratarem de desvalorizar aquelas multidões, dizendo que o povo não se assombrasse com aquelas multidões, pois a grande maioria era de "gentinha" analfabeta e de "crianças", que iam se divertir, mas não votavam. - A partir daí, adotei posições: me dirigia à "minha querida gentinha" e anunciava que tinha um segredo para dizer às crianças: elas podiam votar, mas eu só ensinava perto das eleições. E, assim, elas continuavam a ir aos comícios e a me procurar, com centenas de "lenços verdes". O povo gostou a tal ponto que, quando não dispúnhamos mais de lenços verdes para dar a multidão, esgotados os tecidos no comércio da capital, do interior, de João Pessoa, Campina Grande, na PB, explicávamos: "A minha gentinha não precisa de lenços, que são caros. Cada um, na sua pobreza, faz o seu lenço: arranca um galho de árvore e ele será lenço e bandeira". E aí, no exagero do entusiasmo, havia correligionários que levavam galhos de mamoeiro, cachos de bananas, cocos verdes, que levantavam nos braços na hora de aplaudir. E durante a noite inteira. Ainda não existia o Ibama. Nas madrugadas - Os comícios e passeatas atravessavam a noite e a madrugada. No começo, de 20h até 6 da manhã. Depois, do sábado à noite, dia e noite de feriados. Por quê? Porque, em 1958, eu fazia 10 comícios em Natal (160 em 16 dias) e o interior reclamava. Fiz a experiência em Parelhas. Saí de Natal às 23h, estrada de barro e buracos, cheguei às 4h da manhã, apenas para acordar os líderes e pedir desculpas. O povo estava todo na praça, cantando os hinos da campanha". A caravana verde da esperança A cor verde, ampliada, massificada, a ponto de chegar nas cumeeiras das casas mais distantes, por meio de bandeiras e bandeirolas que tremulavam ao vento, transformou-se num grande laço de integração do eleitorado. O verde era a metáfora da esperança. Até hoje, no Rio Grande do Norte, casas modestas, em recantos bucólicos, ainda se encontram, aqui e ali, vestígios esverdeados da famosa caravana da esperança. Nos comícios, o povo portava galhos verdes, que substituíam os lenços verdes, simbolizando a pobreza, o despojamento, a espontaneidade popular e o culto à natureza. Era uma campanha estruturada na voz, na força, na mobilização do povo. A campanha do pobre contra o rico, do opressor contra o oprimido. Aluízio cercava-se de símbolos, cores e músicas. Uma delas, de letra enorme, chegou a inserir, de maneira melódica, a palavra (palavrão para um compositor) "industrialização". Era uma espécie de hino-programa, descrevendo compromissos nas áreas da agricultura, energia (da hidrelétrica de Paulo Afonso), educação, melhores salários para o trabalhador. Desenvolvimento, em suma, era o eixo que unia os temas. Música até hoje recitada. A massa pobre Nos comícios, o discurso de Aluízio, expresso em voz muito rouca, produto de noites não dormidas, caminhadas por estradas poeirentas, muito calor e má alimentação, carregava nas imagens fortes. Os personagens recorrentes eram as famílias pobres, mães raquíticas que carregavam os filhos seminus nos braços, agricultores de enxada no ombro, biscateiros, empregadas domésticas, pescadores, enfim, "a gentinha", uma ferramenta de mobilização (revoltada, a gentinha se avolumava cada vez mais nos comícios) e mais um canhão para destroçar as baterias adversárias. As crianças constituíam outro braço importante da campanha. Aluízio chegou a fazer comício só para crianças. E pedia a elas que, no dia da eleição, acordassem às 6h, batessem na porta dos quartos dos pais para acordá-los: "papai, mamãe, vovô, vovó, todos, está na hora de acordar para votar em Aluízio". Depois de seu famoso Comício das Crianças, o juiz de menores proibiu outros comícios semelhantes. Aluízio mandou imprimir 10 mil cartões com seu retrato e, no verso, escreveu uma "carta à criança proibida". E ele mesmo, nas ruas, passou a distribuir a carta. Andarilho A simbologia foi usada com eficácia. De sua própria voz, ouvi algumas histórias, dentre as quais selecionei duas, para caracterizar seu estilo. A primeira foi sobre as caravanas de andarilhos que corriam as cidades. Aluízio saiu da capital, Natal, para Mossoró, a maior cidade, no meio do Estado, num arrastão político que mais se assemelhava a uma peregrinação religiosa. Tinha muita mística. No meio da andança, contou ele, viu uma mulher esquálida, na beira da estrada, com a filha esquelética nos braços. A mulher se aproximou, sem falar palavra, e a filha, olhos mortíferos, abriu lentamente a mão, onde estava uma pequena moeda de 10 centavos, a única coisa que aquela família podia dar para a campanha do tostão contra o milhão. Aluízio recebeu a ajuda, passou a relatar esse caso em todos os comícios, com o adendo de que, depois da realização do primeiro grande compromisso, estaria ao lado daquela menina. Vitorioso, Aluízio cumpriu o compromisso. Na inauguração da energia de Paulo Afonso, foi a menina que acionou o botão das máquinas. Um caso clássico Ele sempre foi perito na arte de transformar o negativo em positivo, em dar brilho a coisas foscas ou, como diz o vulgo, a tirar leite de pedra. Na campanha para prefeito de Mossoró, em 1968, foi chamado para ajudar o correligionário Antônio Rodrigues, identificado com as causas dos pobres, contra o intelectual Vingt-Un Rosado, agrônomo e escritor de muitos livros, e integrante da famosa família Rosado, cujos nomes masculinos eram grafados com o alfabeto numeral francês (as mulheres recebiam a designação feminina ème - Trezième era uma delas). Era a campanha do "touro" - Vingt - Un - contra o "capim", Toinho. Mas este tinha um grave problema: era alcoólatra. Aluízio chegou para encerrar a campanha, viu uma pesquisa que dava derrota para seu candidato, e percebeu que a fama de beberrão de seu candidato era o problema, principalmente para as mulheres e jovens. Chamou Antônio Rodrigues e a mulher, mostrou a situação e disse que iria tocar no assunto no comício. Foi um deus-nos-acuda: "pelo amor de Deus, não toque nisso, pois só vai complicar". Virou o voto E Aluízio: "deixem comigo, vai dar tudo certo". Começou assim o discurso para a multidão atenta: "tenho aqui, uma pesquisa que diz: se forem apurados 20 mil votos, meu candidato aqui presente perderá a eleição por quatro mil votos". Ouviu-se um sussurro de estupefação e contrariedade. Aluízio foi em frente: "passei no açougue e perguntei o preço da carne. Não dá para pobre nenhum comprar. Passei na farmácia e vi os preços. Os remédios custam os olhos da cara. Passei na padaria. A mesma coisa". Aluízio desfilou histórias de compadres e comadres que se queixavam da carestia. Mostrava intimidade com pessoas das cidades, citando seus nomes, descrevendo suas casas e filhos. E foi arrumando o final do discurso: "desse jeito, ninguém aguenta. E não há outro jeito. O negócio é deixar as dores, as amarguras, as angústias na bodega". O pobre é quem bebe cachaça - O pobre, que não tem dinheiro para pagar meio quilo de carne, pede um oito de cachaça, e vai dando sua bicadinha. Pobre mata suas mágoas na velha cachaça. Rico, esse, sim, pode beber uísque. Vocês sabem quanto custa uma garrafa de uísque? O preço dá para comprar 30 garrafas de cachaça. Pois Vignt-Un só toma uísque. Agora, imaginem o dr. Vingt-Un, prefeito eleito, no seu gabinete. Chega um pobre, fedendo à cachaça, e diz que precisa falar com o senhor prefeito. O assessor vai logo dizendo que o prefeito está em reunião. E assim, cada um vai chegando e recebendo a mesma negativa. Pobre, com dr. Vingt-Un, não tem vez. Imaginem, agora, Toinho como prefeito. Chega lá Zé Peixeiro, com aquele bafo de cachaça, para falar com ele. O assessor, um sujeito simples, pede um minutinho e avisa: Toinho, Zé Peixeiro tá lá fora querendo falar com você. Só que está com aquele bafo. E Toinho, mais que depressa, pede: "mande, já, o colega entrar". Aplausos A multidão, a essa altura, irrompia em aplausos e gritos. As mulheres que faziam restrições a Antônio Rodrigues passaram a levantar os braços em apoio a Aluízio, que arrematou: "Toinho bebe a bebida do povo. Toinho bebe para afogar as mágoas, como faz o povo. Toinho é povo, Toinho é a cara de todos vocês. Podemos ganhar esta campanha. Basta que cada se torne um grande cabo eleitoral, buscando mais votos. Vamos sair daqui com uma missão: ganhar a luta". A multidão saiu acesa. Cada participante partiu com vontade. Antônio Rodrigues ganhou a campanha por 98 votos. Foi a consagração da metáfora do beberrão, que bebe cachaça para afugentar as mágoas. A cachaça, como o gole mais barato da ilusão nacional, não travou na garganta dos eleitores. Ficou amaciada pelo fermento da retórica aluizista, que, naquela noite, falou por 2h50 minutos, com a voz rouca. Na campanha de Mossoró, em 72 horas, ele falou 138 vezes. Aluízio Alves fez uma biografia usando apenas a memória. Exerceu sete mandatos de deputado Federal, governou o RN por cinco anos, foi ministro de Estado em dois governos, foi secretário-Geral da UDN, membro da Comissão Executiva do PMDB. Se alguém lhe pergunta quem orientou sua campanha de 60, ele responde: o povo. Em seu livro, "Aluízio Alves, O que Não Esqueci", falando de seus êxitos, confessa: "o meu mérito terá sido o de viver e fazer da vida uma campanha, uma luta, um trabalho e alguns sonhos. Uns realizados, outros não". Parte II Raspando o tacho - Ao visitar Fernando Henrique, que fez 93 anos, Lula dá ideia de querer capturar estratos dos tucanos desgarrados. - Quinta-feira, teremos o primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden, nos EUA. A aflição já escorre dos olhos assombrados das torcidas sob a expectativa de gafes e perda de memória, de um ou de outro, ou de ambos. - Arthur Lira deve eleger o sucessor na presidência da Câmara. Rodrigo Pacheco patrocinará, no Senado, o senador Davi Alcolumbre. - Tarcísio de Freitas já entrou com meio sapato no clima de 2026. Eleição presidencial à vista. O cavalo selado passará em frente a sua calçada. - O governo Lula III não vai bem. Em ritmo de desesperança. - O RS, assolado por enchentes, é o Estado-símbolo da reconstrução. Força, gaúchos. - Rússia entra de cabeça na nova Guerra Fria. Com os aplausos da China, parceira. - A limusine que o ditador da Coréia do Norte, Kim Jong-un, ganhou de Putin, é um brinquedinho que aproximará os dedos do dirigente do arsenal nuclear. - O Brasil comeu muito milho nesses dias de festas juninas. Mais gordas que as anteriores. Pança cheia.
quarta-feira, 19 de junho de 2024

Porandubas nº 852

Parte I Fragmentos de tempos idos Volto, nesta coluna, a pinçar ecos do passado. Coluna Prestes A Coluna Prestes invadiu Luis Gomes, minha cidade, na fronteira do RN com a Paraíba e o Ceará, em 5 de fevereiro de 1926, às 8h10, uma sexta-feira. O Estado-Maior Revolucionário era composto por Luis Carlos Prestes, Miguel Costa, Cordeiro de Farias, Siqueira Campos, Djalma Dutra, João Alberto e Ari Salgado. Só não estava Juarez Távora, que havia sido preso, em 31 de dezembro de 1925, nas proximidades de Teresina, ficando incomunicável no quartel do 25º B.C. da capital piauiense. O saque na loja do meu pai Muitos fugiram da cidade. O tenente coronel Djalma Dutra requisitou por escrito da loja de meu pai grande quantidade de tecidos e cereais. Lembra Adolfo Paulino, o biógrafo, ex-prefeito e meu padrinho, que ouvira isso do próprio Gaudêncio, meu pai, de quem herdei nome e sobrenome (Francisco Gaudêncio Torquato do Rego). - Principalmente brim caqui para fardamento, chapéus, sapatos, além de peças de tecido vermelho para a confecção de lenços para os revoltosos. Djalma Dutra, em nome de Prestes, fez a requisição em um pedaço de papel, prometendo ressarcir o prejuízo, após a vitória da Revolução. O documento era guardado em um velho cofre verde na loja e se perdeu por ocasião da morte do meu genitor. Segundo Câmara Cascudo, em seu livro "História do Rio Grande do Norte", os prejuízos em Luis Gomes foram de 23 036$096, mas os de São Miguel (outra cidade da região) somaram 307 330$000. O pai preso Gaudêncio chegou a ser preso por Siqueira Campos, que exigiu uma soma em dinheiro para soltá-lo. Atendendo a apelos, Campos o soltou com o pagamento de cinquenta mil réis e muita "diplomacia". Pedido feito com bons modos. Em certo momento, curioso, meu pai queria saber o que iria acontecer. Ele mesmo contava, com graça, o episódio em que se aproximou do Estado Maior, cujos componentes se preparavam para almoçar na repartição da Agência Postal Telegráfica, dirigida pelo telegrafista baiano Vilas-Boas. O grupo conversava e meu pai, de fininho, se aproximou. De repente, Prestes olhou para o intruso e perguntou: "O jovem quer alguma coisa"? Ao ouvir isso, Gaudêncio se afastou, apressadinho. Cordeiro de Farias Travei contato com uma figura que, na ditadura, foi ministro do Interior de Castello Branco, o Marechal Cordeiro de Farias, um dos líderes da Coluna Prestes. Foi a Recife como ministro do Interior, onde estava localizada a SUDENE, sob sua alçada. Oportunidade em que o conheci, iniciante em minha carreira jornalística no Jornal do Brasil. Acompanhei a comitiva, que saiu de Recife para a fronteira do Maranhão com o Piauí, onde seria construída a barragem da Boa Esperança. O evento constou da explosão de uma rocha para desvio de águas do Rio Parnaíba. Os jornalistas pregaram um Douglas DC-3, atrás do avião do ministro e outras autoridades. Nas margens do rio, receoso, aproximei-me de Cordeiro de Farias, logo após a explosão da pedra. Lembrei o episódio. "Luís Gomes? Na fronteira com a Paraíba? Ah, sim, me lembro". Ele recordava-se da cidade/região, não do episódio. Riu muito. A Coluna Prestes caminhou 647 dias, percorrendo cerca de 24 mil quilômetros (média de 38 km/dia), utilizando mais de 100.000 cavalos e consumindo mais de 30.000 reses na alimentação da tropa. Morreram 600 soldados e 70 oficiais. Dispararam cerca de 350.000 tiros e travaram 53 combates. Saiu do Nordeste, atravessou todo o país e após o centro-oeste, Luís Carlos Prestes, em 1927, entrou na Bolívia e, a seguir, foi para a Argentina. A divergência ideológica, em 1930, separou os companheiros. Getúlio Vargas Getúlio Vargas sempre conservou intenções continuístas. Um dia, foram procurá-lo para saber se isso era verdade. E ele: - Não, meu candidato é o Eurico (marechal Eurico Gaspar Dutra); mas se houver oportunidade, eu mudo uma letra: Eu Fico. (Relato da historiadora Isabel Lustosa) Jânio Quadros JQ exercia autoridade com muita competência. Sabia exercê-la. Certa feita, na subida da rua Bela Cintra, em São Paulo, numa sexta-feira, de carros parados nos Jardins, começou uma zoeira infernal. Buzinadas prolongadas. Eu mesmo buzinava. Até o momento em que os motoristas viram sair de um carro preto o prefeito Jânio, que fazia "incertas" e visitas de surpresa aos ambientes. Mandava multar os donos de lojas, com calçadas sujas. Vi que o motorista do então prefeito Jânio anotava placas de todos os carros que buzinavam. O silêncio foi se refazendo, à medida que os motoristas descobriam quem era a pessoa estranha que ordenava as multas. Jânio impunha respeito. Bebericava bem Apreciava a bebida. Bebia de tudo, mas nos últimos anos de vida, contentava-se em sorver garrafas de vinho do porto. Quando disputou o governo do Estado contra Ademar de Barros, na eleição de outubro de 1954, Ademar contratou alguém para pegar Jânio na pergunta capciosa: "por que o senhor bebe tanto?" De pronto, Jânio deu o troco: "bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia". O entrevistador, sem graça, saiu de fininho. Jânio fazia gama com suas próclises, mesóclises e ênclises. Foi professor de português. Os despachos de Jânio constituem um capítulo à parte no folclore político que construiu. O professor Nelson Valente, quem mais conhece a história de JQ, tem um grande repertório de casos e "causos". E livros. As historinhas são hilárias. De uma feita, respondendo a uma senhora que interferia em favor das sociedades protetoras dos animais, sugerindo criar um setor de defesa dos irracionais, o presidente respondeu: "minha amiga, seu apelo em favor dos irracionais encontra-se às voltas com terríveis problemas de amparo e proteção a outra raça tão digna, entre nós, de cuidado, a dos racionais". JK Conheci Juscelino Kubitschek em 6 de janeiro de 1961, por ocasião da inauguração do açude de Orós, que tinha capacidade para armazenar quatro bilhões de metros cúbicos de água. Tinha eu 15 anos e viajei com minha mãe, Chiquita, cujo pai morava em Orós (também cidade de Fagner, o cantor). Impressionou-me o sorriso aberto e simpático de JK. O presidente com charme e carismático. JQ x FHC Lembro Jânio Quadros. Tempos de campanha eleitoral em São Paulo, capital. As eleições municipais ocorreram em 15 de novembro, como parte das eleições em 201 municípios nos 23 Estados brasileiros e nos territórios Federais do Amapá e Roraima. Foi a primeira eleição da Nova República e a primeira vez que os paulistanos escolheram seu alcaide pelo voto direto desde José Vicente Faria Lima em 1965. Nessa época, este consultor presenciou alguns erros cometidos por Fernando Henrique, que disputava com Jânio a prefeitura da capital. Jânio, sem grana e sem recursos, refugiou-se em um dos estúdios da então TV Record, na avenida Miruna, em Moema, de onde fazia perorações duras (e sem efeitos televisivos) contra a bandidagem e a violência que assolavam a capital. Dona Eloá, ao seu lado, com o olhar para chão, doente e vestida de maneira simples, não dizia um pio. Fazia o papel de esposa silenciosa. FHC na cadeira de prefeito Ao lado de um perfil que emanava autoridade, respeito, dignidade, Fernando Henrique Cardoso, vestido em seu blazer xadrez, corria a periferia, gravando para o programa eleitoral entre os trilhos do metrô que deveria chegar à Zona Leste. Simplicidade e austeridade, de um lado; fausto e opulência, de outro. Algo era incongruente. Um scholar na periferia? Um popularesco escondido na TV? O sociólogo perdeu a eleição, depois de ter sentado na cadeira de prefeito, atendendo a pedidos de fotógrafos. FHC chega ao trono FCH, depois dessa curva, assumiu a presidência da República em 1º de janeiro de 1995, após derrotar Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal concorrente, no primeiro turno, com mais de 30 milhões de votos. FHC havia fundamentado sua primeira campanha presidencial no então recém-lançado Plano Real e na promessa de estabilizar a economia do país. O plano surtiu efeito, conseguindo debelar os exorbitantes índices de inflação, estabilizando o câmbio e aumentando o poder aquisitivo da população, sem choques nem congelamento de preços. Em 1998 A eleição presidencial de 1998 no Brasil foi realizada em um domingo, 4 de outubro de 1998. Foi a terceira eleição presidencial do país após a promulgação Constituição Federal de 1988. Pouco antes desse pleito foi aprovado um projeto de emenda constitucional permitindo a reeleição aos ocupantes de cargos no Poder Executivo. Em segundo lugar ficou Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) com quase 32% dos votos. Ciro Gomes, então membro do Partido Popular Socialista (PPS, atual Cidadania), veio em terceiro lugar, com mais de sete milhões de votos (quase 11% do total). Esta eleição trouxe o uso das urnas eletrônicas, que seriam utilizadas em todos os municípios no pleito seguinte. A disputa pela presidência em 1998 contou com 12 candidatos, o maior número da história do país desde a eleição de 1989, quando mais do que o dobro de candidaturas foram lançadas. Fofoca que "puniu" Heleno Torres As conversas com o ex-presidente Michel Temer geralmente ocorrem em almoços: ele, o amigo em comum José Yunes e este escriba. (Esses encontros costumam ocorrer às sextas-feiras e, às vezes, contavam com a participação com Delfim Netto, com sua verve apurada, o advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira e outros que integram um "clubinho" de advogados amigos). Em um desses almoços, em um restaurante nos Jardins, deparamo-nos com o advogado e professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o pernambucano Heleno Torres, um dos maiores tributaristas do país, que se fazia acompanhar em sua mesa do então Advogado-Geral da União, Luis Inácio Adams. Ao nos ver chegar, Heleno e Adams dirigiram-se à nossa mesa para cumprimentar Michel. O mesmo ocorreu na saída. Heleno despediu-se de nós. Perguntei a Heleno: "E aí, já é ministro?". O advogado respondeu: "Não, mas se for convidado, você receberá convite para minha posse". Ao chegar ao meu escritório, vi estampada no UOL a manchete: "Heleno Torres escolhido para o STF". Jornalista, não pude resistir à ideia de confirmar a informação. Disse o que Heleno teria me dito; "não fui convidado, mas se for, você será convidado para a posse". Coloquei-a no Twitter. Instantes depois, recebo um telefonema de Thomas Traumann, então ministro da Secretaria de Comunicação, em tom de recriminação, dizendo que a informação não era verdadeira e que estava sabendo de nossa confraternização em um restaurante. Confraternização? Que maluquice era essa? Indaguei. Segundo a fofoca, estávamos todos, Michel à frente, brindando o convite a Heleno Torres... Azucrinavam os ouvidos da presidente Dilma, que não acreditou estarmos em mesas separadas, não havendo almoço conjunto nem comemoração. Insisti para que ele, Traumann, lesse a manchete nas redes sociais. Hoje, mantenho a informação: vi estampada na rede de um jornal a informação sobre a escolha do tributarista. Resumo da história: se estava prestes a ser convidado, o amigo Heleno teria perdido a vaga por causa desse lamentável episódio, que mostra a índole da então presidente Dilma: "castigar" o professor por uma informação errada que recebera de sua assessoria. Luis Inácio Adams estava presente. Não seria o caso de ser ouvido pela presidente? Parte II Raspando o tacho - Parece que Lula está assustado com a infidelidade de sua base de apoio. - Parece que a bancada evangélica está assustada com a reação da sociedade contra o PL do antiaborto, o da gravidez infantil. - Parece que Arthur Lira perde força no comando da Câmara baixa. - Parece que Putin quer levar adiante sua incursão invasora na Ucrânia. - Parece que Vladimir Zelensky perde as esperanças de continuar a receber ajuda dos países da EU. - Parece que Biden está assustado com as provocações de seu adversário, Donald Trump, em sua reiterada insinuação de que o andar claudicante do mandatário norte-americano sinaliza estado senil. - Parece que Trump está receoso de continuar a fustigar o juiz que, no próximo mês de julho, ditará a sentença para as 34 penalidades que pairam sobre sua cabeça.
quarta-feira, 12 de junho de 2024

Porandubas nº 851

A coluna, hoje, é uma colcha de retalhos com situações vividas em minha vida profissional. Registro momentos hilários de tempos idos. Franco Montoro No universo político, que frequento desde os idos de 1980, são muitas as passagens interessantes. Pinço, aqui, uma historinha que envolve o saudoso ex-governador, ex-senador e paladino de nossa democracia, Franco Montoro. E o Agrário? Depois de deixar a esfera governativa e parlamentar, Franco Montoro passou a se dedicar ao Instituto Latino-Americano - ILAM. Na condição de presidente desta entidade, foi a um almoço que organizei com um pequeno grupo de professores da USP no restaurante do campus. O ex-governador, como se sabe, registrava passagens de dislexia, momentos em que confundia nomes, alhos com bugalhos, motivando risos em cerimônias. A conversa fluía bem, versando sobre os mais diferentes problemas do país. A certa altura, ele se surpreendeu ao saber que este escriba era potiguar e parente de queridos amigos dele e de dona Lucy Montoro. De repente, lá vem a pergunta: - Gaudêncio, como está o Agrário? - Agrário, Agrário? Não sei quem é, governador. Passo a lupa na mente e lamento ignorar a identidade da figura. Mudamos de assunto. Mas o Agrário continuava a me coçar a cabeça. De repente, Eureka! Agrário? Não seria o Urbano? Indago: - Governador, voltando ao Agrário, será que o senhor não confundiu o Agrário com o Urbano? - Ah, sim, é claro, é claro. Desculpe. Como vai o Urbano? Francisco Urbano era presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG. Um potiguar muito conhecido nos universos sindicalista e político. A dislexia havia intercambiado o espaço rural com a geografia urbana. Franco Montoro, exemplo de honradez, dignidade, seriedade, civismo, independência. Faz muita falta nesses tempos de lamaçal político. Ramez Tebet - O besourão A historinha me foi contada pelo ex-senador Ramez Tebet, saudoso amigo. Por ocasião da criação do Estado do MS, em 1979, a população de Campo Grande ficava assombrada com a caravana dos 17 grandes carrões pretos dos deputados estaduais que paravam diante da Assembleia Legislativa. Os carros ganharam logo o nome de "besourão" e, ao passarem pelas ruas, as pessoas logo faziam o sinal da cruz, na tentativa de afastar o medo daqueles carros que mais pareciam transporte de defunto. Tebet na direção Ninguém se atrevia a andar num carro daqueles. Até que um dia, ao comparecer ao velório de um correligionário, numa cidade do interior, dirigindo um desses carros, o então deputado Ramez Tebet teve que atender ao pedido da família do defunto. Queriam que o defunto fosse transportado naquele carro. Nessa hora, não dá para negar. E lá se vai o deputado carregando o caixão de defunto em seu "besourão". A história se espalhou por todo o Estado. Assim a fama negativa do carrão preto foi dissipada. O "besourão" passou a ser visto com outros olhos. A boa fama só veio, por incrível que pareça, depois de Ramez ter conduzido um defunto. Roberto Campos Roberto Campos era ministro do Planejamento do governo Castelo Branco. Chegando em Recife, deu uma entrevista coletiva na sede da Sudene, na avenida Dantas Barreto. Na época, os recursos que vinham para o Nordeste eram minguados. E distribuídos como migalhas aos Estados. Ainda foca (iniciante no jornalismo, como repórter do Jornal do Brasil), fui para a entrevista. Após abrangente explanação sobre os programas da administração Federal para o Nordeste, tive a ousadia de fazer a primeira pergunta: - Ministro, o senhor não acha que a pulverização de verbas para a região nordestina não acaba sendo perniciosa? Não seria mais eficaz um programa com prioridades e aplicação de recursos? Campos, ex-seminarista como eu, devolve a pergunta: - O que o jovem entende por pulverização? Embasbacado, sem esperar pela contrapergunta, tentei responder, lembrando a fragmentação de verbas; quase me engasguei. Campos era um mestre na arte de argumentar. Tasso Jereissati Cheguei em Fortaleza para ajudar na campanha de Tasso em 24 de junho de 1986, noite de São João. O candidato fora convidado pelo deputado estadual do MDB, Barros Pinho, para uma festa junina em um bairro popular da capital. Seria sua primeira experiência no meio do povo. Sua tarefa: presidir um júri para julgamento de fantasias juninas. Um peixe fora d'água Ficou completamente deslocado, um peixe fora d'água. Chega ao ambiente e sob conselho deste escriba, vai, de mesa em mesa, apresentando-se aos presentes. Começa a presidir o evento. Encabulado, não sabe o que fazer. Enrola-se. Grande dificuldade de comunicação. Um desastre. Só era conhecido no bairro de classe média alta, Aldeota. Tinha menos de 2% de intenção de voto. Depois do evento, angustiado, ele, Sérgio Machado, na época seu braço direito, e este escriba dirigem-se a um restaurante na praia para degustar uma lagosta. Sob o efeito de um uísque tranquilizante, Tasso desabafa: "desisto, amigos; se política for isso, assistir a batizado, casamento, velório, desfile infantil em festa junina, não contem comigo. Tô fora". Transtornado. Insatisfeito. No Hotel Esplanada, numa máquina Lettera 22, no dia seguinte, esbocei o planejamento de sua campanha. Fui à Brasília para a MPM produzir os canais de propaganda, a partir do briefing que fiz. Esperei pelo trabalho. Volto à Fortaleza para apresentar o material. O moderno contra o arcaico. O novo contra os coronéis. Tasso gostou da ideia, mas não dos layouts da MPM. A agência Propeg, de Fernando Barros e Rodrigo Menezes, instalada na Bahia, iria produzir a papelada da campanha. Geraldo Walter foi convidado a comandar. Tasso deu um banho nos três coronéis que comandavam a política cearense: Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra. Alberto Silva Alberto Silva dizia que a alma piauiense sofria de complexo de inferioridade. Na Sudene, em Recife, ouvi uma interpretação do então governador do MDB. Contou ele: - Um interlocutor pergunta a outro - O senhor é de onde? Resposta atravessada: sou do Piauí e daí? E já mostrava os punhos fechados para esmurrar o outro. Michel Temer Em 1986, fui convidado para fazer uma exposição sobre marketing político, com foco na eleição de deputados. O grupo que me convidou começava a organizar a campanha do professor renomado, ex-procurador do Estado de São Paulo, autor de livros consagrados de Direito Constitucional: Michel Temer. A palestra ocorreu em um prédio da av. Paulista, onde Michel tinha um escritório juntamente com outros afamados nomes da advocacia, como o prof. Celso Antônio Bandeira de Melo, o advogado especialista em Direito Eleitoral, Antônio Carlos Mendes. O grupo contava ainda com a participação do renomado professor de Direito, Ataliba Nogueira. Fiz a palestra para um grupo de 30 pessoas. Um participativo debate sobre os desafios a serem enfrentados pelo então candidato a deputado Federal. A partir da palestra, passei a prestar consultoria ao professor. Bastidores Michel Temer foi três vezes presidente da Câmara, credenciando-se como um dos mais respeitados articuladores da política e nome respeitado pelos pares. Como presidente da República, em pouco tempo, conseguiu implantar uma agenda avançada, desenvolvimentista. Dei conselhos, fui ouvido e ouvi muito. Há episódios que não posso deixar de lembrar. Lula Lula nunca foi próximo a Michel. Mantinham uma relação protocolar. Certa vez, os dois subiram ao palanque, em Natal/RN, para um comício de apoio à candidata Fátima Bezerra (PT) ao governo do Estado. Fátima não ganhou naquele ano, mas hoje é governadora em segundo mandato. Viajaram juntos de volta a São Paulo. Foi uma viagem, por assim dizer, de confraternização. Papo amigável O papo foi de aproximação, de expressões de respeito mútuo. Michel: "eu sei, presidente, que falam mal de mim para o senhor, sei que o senhor tem restrições a minha pessoa" ... patati-patatá ... Lula: "Michel, realmente temos pontos de vista diferentes sobre muita coisa, há pessoas que tentam nos afastar, mas vamos abrir um canal de comunicação para evitar nosso distanciamento"... patati-patatá. Lula se serviu de algumas doses de uísque. Michel, que não é de beber, conformando-se com uma ou outra taça de vinho, ou um licor, teve de acompanhar Lula na sequência das doses. Saíram os dois abraçados na chegada em Congonhas. Com a amizade uiscada. Os tempos mudam. Bonecos de Olinda, prazer! Certa feita, acompanhei Michel ao Recife para uma visita ao então governador de PE, Jarbas Vasconcelos. Fazia parte da liturgia do presidente do PMDB ouvir as lideranças do partido, ainda mais se tratando de Jarbas Vasconcelos, um perfil de honra, que realizou grande trabalho pelo partido, desde os tempos em que o presidiu. Chegamos já tardinha, com o sol se pondo. A casa do governador parecia um museu a céu aberto. Pela coleção de objetos, o artesanato pernambucano se fazia presente nos cômodos. Ficamos na sala de recepção, à entrada. Os raios do pôr do sol abriam claridade para uma sala contígua, onde em uma mesa de jantar, convivas pareciam se regalar com os acepipes. Fiquei curioso. Michel, muito educado, pediu licença de Jarbas, levantou-se e se dirigiu aos convivas, querendo cumprimentar cada um. Mão estendida para o primeiro, veio o susto. Eram bonecos de Olinda, em tamanho natural, sentados à mesa e diante de pratos e talheres. Não conseguimos conter o riso. Freyre com y O Americano Batista era um dos afamados colégios de Recife, dirigido por evangélicos batistas. Cursei no CAB os anos do Científico, onde fundei o Diretório Acadêmico, criei um jornal e fui o orador da turma na conclusão do curso. Escolhemos como paraninfo um ex-aluno do Colégio: Gilberto Freyre. Fomos entregar o convite a ele no solar de Apipucos, onde dona Madalena, sua esposa, nos ofereceu sucos e licores. O detalhe que alguns dos leitores devem ter notado é a grafia: Freyre com Y. Pois bem, eu havia grafado no convite Freire com I. Momento constrangedor. O professor viu que o nome dele estava com grafia errada e me devolveu o envelope com a observação: - Meu filho, faça a correção. Meu Freyre é com Y. Meu pai, Alfredo, quando recebia correspondência com seu sobrenome errado, nem abria a carta. Devolvia. De modo que terei o prazer de recebê-los quando fizerem a correção. Essa lição mexeu com minha cuca. Até hoje, confiro as grafias. Temo passar pelo puxão de orelhas do professor Gilberto Freyre com Y, que fez belíssima peça oratória no dia da formatura. Parte II Raspando o tacho 1. O Brasil político navega em águas turvas e turbulentas. 2. O Brasil econômico navega no fio da navalha. 3. O Brasil social navega nas últimas ondas da esperança, que se esvai à espera de grandes promessas. 4. O mundo se inclina levemente para a direita. 5. A conflituosidade no planeta dá sinais de revigoramento e intensidade. Tempos de ódio e guerra.
quarta-feira, 5 de junho de 2024

Porandubas nº 850

Parte I A pedidos, abro a coluna de hoje com mais uma historinha de campanha eleitoral. O encerramento da campanha Em 1986, coordenei a campanha de Freitas Neto para governo do Piauí. Na época, era filiado ao PFL. A eleição nesse ano ocorreu em 15 de novembro, não em outubro. Foi num sábado, mobilizando 166.166.810 eleitores. Disputada sob a euforia do Plano Cruzado, obra do governo José Sarney. O MDB elegeu 22 dos 22 governadores dos 23 existentes. Um único governador do PFL foi eleito: Antônio Carlos Valadares, de Sergipe. Foi o arrastão do Plano Cruzado. Volto ao Piauí Chegava o momento final da campanha, e cravávamos na massificação do "monumental" (entre as aspas, atentem) showmício de encerramento. Os carros de som anunciavam, desde cedo, o grande comício. Um espetáculo com a voz da fabulosa cantora Elba Ramalho. Na época, as carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, 10 dias antes da data. Mas as fortes chuvas na região da Bahia atrapalharam o transporte. A lama nas estradas atrasou a chegada. Ficávamos ligando para as cidades de passagem das carretas para controlar a chegada. Não teve jeito. A aparelhagem do som chegou quase em cima da hora do comício na Praça do Marquês. Cheguei ao local com Freitas Neto um pouco antes, por volta de 18 horas, para ver o ambiente. Uma multidão nos aguardava. O toró Chegamos sob uma intensa e continuada chuva. Os técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos e arrumar os grossos cabos. 18h30. O toró (como se diz no Nordeste) engrossava. A chuva torrencial bagunçou o coreto. Praça lotada. Milhares de piauienses pulavam e dançavam sob a chuva. Garrafas de cachaça corriam de mão em mão. De repente, um estrondo, seguido de outros. Fogo e fumaça nas tomadas dos cabos. Corre-corre dos técnicos e o aviso dos eletricistas ao nosso candidato: "Acabou o som. Não há condição." Não havia aquele tipo grosso de cabo em Teresina. Só em Fortaleza. Elba Ramalho foi logo avisando: - Está aqui meu contrato. Sem som, não canto. Conversa vai, conversa vem, aflição e perplexidade. Depois de muita insistência, ela admitiu: - Cantarei uma música, só, e me arranjem um acompanhamento. Saiu não sei de onde um sujeito com um banjo. O povão urrava sob a chuva: - Elba, Elba, Elba, queremos Elba, Elba, Elba... Bate, bate, bate, coração... A cantora saiu de trás. A multidão explodiu. E lá vem música: - Bate, bate, bate, coração! Ninguém ouvia nada. Zorra total. Nem bem terminou a estrofe, Elba parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa: - Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas? O que era aquilo? Meu Deus, por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi a cena que ainda hoje mexe com meus pensamentos ruins: um sujeito abria a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina gargalhava em gozação. O showmício de Freitas Neto fora um desastre. Senti o ar pesado. O jumento imponderável O comentário era um só: você viu o comício de Freitas Neto? Institutos de pesquisas, às vésperas do pleito, nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre do comício virou o clima. Senti essa virada ao observar a conversa dos eleitores nas ruas e escritórios. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me perguntar: - Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral? Na bucha, respondo: - Um jumento embriagado no Piauí. A lição de Quinto Túlio O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea." P.S. O maior vendedor de esperanças de tempos de descrença, relembro, foi Lula, que começa a entrar em rota de declínio. Propaganda agressiva A revolução francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Nos Estados Unidos Na atualidade, é a Nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia. Tática No futebol, quando o atacante joga a bola para trás, recuando-a para seu próprio campo de defesa, parece realizar um movimento covarde. Às vezes, é apupado. Muitos acham que a jogada não tem lógica. Mas essa bola recuada pode abrir espaços, deslocar o adversário, obrigá-lo a avançar de maneira descuidada e abrir a defesa. Pois bem, tal manobra pode gerar uma sequência de ações que culminarão com um gol. Essa é uma operação também chamada de OP. O gol é uma operação OP, de caráter terminal. E é construído por jogadas intermediárias. A tática é ferramenta de vitória. Lições táticas As lições de táticas e estratégias dos clássicos da política e das guerras parecem não merecer nenhuma consideração por parte de nossos marqueteiros, que perderam prestígio. Lembremos mais alguns conselhos de Sun Tzu: a) "Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas". b) "Não marche, a não ser que veja alguma vantagem; não use suas tropas, a menos que haja alguma coisa a ser ganha; não lute, a menos que a posição seja crítica. Nenhum dirigente deve colocar tropas em campo apenas para satisfazer seu humor; nenhum general deve travar uma batalha apenas para se vangloriar. A ira pode, no devido tempo, transformar-se em alegria; o aborrecimento pode ser seguido de contentamento. Porém, um reino que tenha sido destruído jamais poderá tornar a existir, nem os mortos podem ser ressuscitados". Sinal de derrota "O maior sinal da derrota é quando já não se crê na vitória". (Montecuccoli) Lição de Maquiavel "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos." Conselho de Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las." Lição de Napoleão e Sherman Vejam essas lições de Napoleão: faire som thème em deux façons (fazer as coisas de dois modos). E o general William Sherman, que comandou a campanha de devastação durante a Guerra da Secessão norte-americana, lembrava : "Ponha o inimigo nos cornos de um dilema." Nunca um político deve trabalhar com uma única hipótese. Um candidato precisa dispor de algumas alternativas. Parte II Raspando o tacho - Claudia Sheinbaum, 61 anos, bonita, ativista, dois casamentos, a mexicana tem antepassados na Bulgária, assim como Dilma Rousseff; é doutora em física ambiental e a primeira mulher a comandar o México. Integra a coligação Sigamos Haciendo Historia. - Seu mentor é Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, que foi candidato à presidência da República pela Alianza por el Bien de Todos (integrada por PRD, PT e Convergência) a partir de janeiro de 2006. - No ano de 2012, criou o partido MORENA, oficialmente registrado para participar politicamente em 2015 no país. Eleito presidente em 2018 pela coalizão Juntos Faremos História, López Obrador assumiu o cargo em 1º de dezembro de 2018, para um mandato de seis anos. - Claudia terá condições de fazer reformas profundas no México? - Sua eleição terá impacto na eleição norte-americana de novembro próximo. A partir do eixo temático da imigração. Joe Biden começa a endurecer entrada de mexicanos na fronteira. Trump lidera nessa área. - O governo Lula carece de urgente reforma ministerial. - Quem dá pasto aos currais bolsonaristas são as roças do PT envelhecido. - Edinho Araújo, prefeito de Araraquara, não quer sair da prefeitura nesse momento, para ajudar a bússola de Lula a funcionar direito. - Magda Chambriard, presidente da Petrobras, começa a adotar o manual do presidente Luiz Inácio: baixou em 7.6% o valor de querosene de aviação. - Vá entender os americanos: após ser julgado culpado em 34 acusações, Donald Trump aumenta arrecadação de campanha. Mesmo com ações de seus negócios em queda. - 28% dos paulistanos consideram-se de direita, 21% se jogam na esfera esquerda. Depende, muito, de como foi formulada a pergunta. Cada área tinha valores, princípios, ideário? - O planeta político avança alguns passos no caminho da direita. - PIB brasileiro cresce 0,8% no trimestre. Sinal positivo. Respiro (UFA) do governo Lula 3.
quarta-feira, 29 de maio de 2024

Porandubas nº 849

Parte I Pequena leitura sobre governantes Em minhas andanças pelo país, operando como consultor nos eixos do marketing político, desde os anos 80, convivi com os mais variados e interessantes perfis de governantes. Alguns tipos merecem estudos para verificação de sua índole governativa. O mais populista Passei a enxergar sua vida cotidiana, a partir da liturgia que usavam ou inventavam. Ottomar de Sousa Pinto, que governou o Estado de Roraima por três vezes, tendo sido ele mesmo o personagem central para a transformação do então território em Estado, foi o mais instigante. O mais populista, o mais engraçado, o mais debochado e, pasmem, um dos mais preparados. Totó Totó, como era chamado, era brigadeiro, engenheiro (civil e elétrico, duas especialidades), médico, economista, bacharel em Direito, contabilista, com mestrado em pavimentação nos Estados Unidos e com diversos cursos na Escola do Estado Maior da Aeronáutica. Um dos últimos cursos que registrei foi o de Ciência Política. Diabetes Carregava uma diabetes. Pois bem. Na hora da injeção, puxava a insulina, a bomba, abria a camisa e, em segundos, se medicava. Onde estivesse, cumpria o ritual. Na rua, dirigindo mesas de eventos, recebendo autoridades. Fazia isso com simplicidade, sem gestos ou apelos emotivos. Quando tinha fome, ao atender eleitores nas filas que rodeavam quarteirões, chamava um assessor, pedia a ele uma banana nanica (tinha de ser nanica), descascava, entregava as cascas ao assessor e se alimentava. No meio da rua. Pintolândia Em Boa Vista, a capital, está lá instalada a Pintolândia, reduto habitacional criado por Ottomar Pinto. Tratava-se, não sei hoje, de um dos braços populistas do governador. Massas fiéis ao seu comando. Ao governante, como se sabe, dependendo do estágio de desenvolvimento do povo, atribuem-se qualidades e virtudes como as de grande chefe, herói, pai, salvador da pátria, escolhido do Senhor. O salvador da Pátria Para reforçar a aura de poder do governante, um grupo de fiéis soldados, uma espécie de "sociedade de corte", devota-lhe uma reverência quase sagrada, funcionando como anteparo entre o poder central e a sociedade. Totó, baixinho e barriga proeminente, era o salvador da Pátria. Conversas sobre história e política Quando vinha a São Paulo, um dos seus prazeres era conversar com este analista de política, no escritório, em Moema, sobre o universo do poder: a política, desde os tempos de Aristóteles, os passos da civilização, os grandes discursos dos estadistas (tinha preferência por esta área), o Brasil e assim por diante. Fustigava meus livros, pedindo emprestado aqueles que continham discursos clássicos de políticos e governantes. P.S. Alguns nunca foram devolvidos. Não emprestei "Mistificação das Massas pela Propaganda Política", de Sergei Tchakhotine, que insistia em levar na sua pasta. Eu dizia: este está esgotado e eu estou sempre relendo para conferir passagens e usá-las em meus artigos. O que era verdade. Minha bíblia. Pedia-me para recitar trechos em latim, de Virgílio, na Eneida. E a relembrar passagens famosas de guerras e conflitos. Ele mesmo, um poço de fluência. Totó e Mimi Para não ir longe, relato um dos episódios ocorridos numa das campanhas políticas, que coordenei em Roraima. Ficava 15 dias em Boa Vista e 15 dias em SP. Na campanha para prefeito de Boa Vista, em 1996, em uma das minhas voltas para São Paulo, ainda no aeroporto de Congonhas, atendi ao telefonema de meu diretor de campanha, Luiz Fernando Santoro, aflito, nervoso, estressado: - Torquato: (assim me chamava), volte urgente. Urgente. Nossa campanha está no despenhadeiro. Botaram o gaguinho no programa de Salomão, nosso adversário. (Salomão Cruz, médico, família tradicional no Estado). O gaguinho aparece na rodoviária, perguntando diversas vezes: - Quem...qu..em é o vi...ce, quem é o vi...ce, qu...em é o vi...ce? Explico. O gaguinho era um sujeito folclórico, muito engraçado com sua gagueira. Ottomar escolhera um empresário, Claudezir Filgueiras, do ramo de venda de automóveis para compor sua chapa. Tinha (tem) o apelido de Mimi. Certamente, pela dificuldade fonética de seu nome. A pergunta do gaguinho acionava o sistema cognitivo do eleitor, despertando suspeição e contrariedade. Ottomar queria usar a prefeitura, elegendo-se prefeito, em 1966, para voltar a ser governador dois anos depois, em 1998. E quem iria substituí-lo? Um cara chamado Claudezir. Traição ao eleitor, que teria sido enganado. Iria chegar ao assento no lugar do Totó. Santoro complementava: - Venha logo, a cidade toda está zoando, rindo, gargalhando com a pergunta marota, gaguejada: - Quem....quem...qu...em é o vice? Qu...mes...mo? Perdemos uns bons pontos no índice de intenção de voto. Não tive dúvida. No próprio aeroporto, comprei passagem para Boa Vista, no voo ao final da tarde e me despachei. Manhã seguinte, no sábado, caçamos o gaguinho pelas feiras livres de Boa Vista. Achamos o gaguinho. Levamos o "cabo eleitoral" para uma conversa cheia de promessas. Emprego para ele e família, etc. etc. etc. A muito custo, acedeu. Levamos o gaguinho para a rodoviária. Colocamos nosso festejado gago na mesma posição e no mesmo lugar onde gravara o spot do adversário. Combinei com Mimi, que ele deveria correr para o lugar de gravação na rodoviária. Gaguinho faz a pergunta: - Quem...qu...em...quem é ..o vice? Alarga os braços e vira-se para o lado e responde: - Ah, é meu.eu.... queri...do Mimi. Um..abbra...ço Mimi. Que aparece sorridente. E não diz nada. Ou seja, aproveitamos a pergunta teaser (chamativa, curiosa) do adversário e demos a resposta. Ganhamos a campanha do Totó e Mimi. À meia noite, despachamos o gago para Santa Elena de Uairén, na fronteira da Venezuela com o Brasil, onde morava uma irmã dele. Só voltou a Boa Vista, após a campanha. Perguntando quase todos os dias se já podia voltar. Voltou como vitorioso. Parte II Raspando o tacho - A reconstrução do RS não é obra de curto prazo. Coisa de uma década. Sob a solidariedade nacional. - Quem quiser tirar proveito da calamidade gaúcha vai receber o desprezo do eleitor. - O frio chegou a SP. Com suas intermitências. Oh, tempos. - A economia de Fernando Haddad começa a capengar. - Fake news batendo nas portas do Vaticano. - Benjamin ...vai para o diabo... deverá ser expulso pelos israelenses da mesa do poder. A conferir. - Sinais de deterioração do planeta nunca foram tantos em muitos e muitos espaços...! - A IA ganha adeptos, mas avoluma teia crítica. - A esquerda se fraciona, a direita se redireciona. Vamos acompanhar essas direções. - Tarcísio de Freitas aparece como eixo central do bolsonarismo. - Xi Jinping vem ao Brasil. Um bom sinal. - A guerra Ucrânia x Rússia sem previsão de trégua. Um mau sinal. - Brasileiros ficam mais pessimistas. Sensação nas ruas. - Vai ser difícil Lula eleger Boulos em SP. - Tabata Amaral, do PSB, tem cara de adolescente. Difícil mudar postura. - Datena, caro Zé Aníbal, não é perfil confiável. Mutante, que é. Que Deus o tenha! - Trump consolida suas bases nos EUA. A quantas anda a Humanidade...! Fecho a coluna com a querida Paraíba. Quanta terra! João Suassuna, velho coronel e líder político do Estado da Paraíba, pai do escritor Ariano Suassuna, perseguindo um trabalhador de seus imensos latifúndios, mandou dar um purgante de óleo de rícino, chamou dois jagunços. Sebastião Nery descreve: - Levem esse cabra até a fronteira da fazenda. Vão os três a pé. E o purgante não pode fazer efeito em minhas terras. Se fizer, podem sumir com ele. O homem saiu na frente dos dois capangas, andou, andou, apertou o passo, escureceu, e nada de chegar o fim da fazenda. O remédio começava a torturar e o homem suando frio e andando ligeiro. De repente, não aguentou mais, gemeu: - Êta coronel pra ter terra.
quarta-feira, 22 de maio de 2024

Porandubas nº 848

Abro com um "causo" de Alagoas. Um sonho com Deus Era o ano de 2006. A campanha ao governo de Alagoas estava "fervendo". Um candidato muito conhecido no Estado pelas presepadas, cujo nome, por motivos óbvios aqui se omite, liderava as pesquisas. Era considerado imbatível. Último debate eleitoral na TV Gazeta. O apresentador passa a palavra ao mais que provável vencedor: - Candidato, após esta intensa campanha eleitoral, o senhor tem 30 segundos para as considerações finais. Fique à vontade para falar. O candidato jorrou: - Povo de Alagoas, ontem eu tive um sonho. Neste sonho, Deus meu dizia: "doutor (fulano de tal), construa hospitais para o sofrido povo deste Estado." A seguir, o apresentador passou a palavra ao outro candidato, que usou a verve: - Povo de Alagoas, quem sou eu para disputar uma eleição com um homem que Deus o trata por doutor? O candidato (fulano de tal) disse há pouco que falou com Deus e Deus disse: doutor fulano de tal. Ora, se Deus chama o meu adversário de doutor, reconheço que não posso fazer melhor do que ele. Vocês não acham que o adversário (fulano de tal) já se considera nomeado por Deus? E foi assim que o candidato (fulano de tal), líder absoluto nas pesquisas, conheceu a derrota. Perdeu para a própria arrogância. (Historinha enviada por Manoel Pedrosa). Parte I - Retrato 3 X 4 A vida, um tormento Abro com o conhecido lamento do Simon Bolívar, o timoneiro, expresso há mais de 200 anos: "não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento". A vida nacional está se tornando cada vez mais um tormento e parcela desse sofrimento tem muita coisa a ver com a desordem institucional que nos cerca. Comento alguns desses conceitos. A política como ela é A impunidade continua generalizada, atestando a fragilidade da ação governamental e reforçando o sentimento de descumprimento de lei. O estado de anomia começa com a falta de boa-fé entre os homens. Ou de confiança. Basta verificar a política de emboscadas que inspira o relacionamento entre os partidos nacionais. Na base governista, a partir do PT, as dissensões se acentuam. Ontem, eram os tucanos que se aliavam aos parceiros de governo para isolar os emedebistas, que odiavam; hoje, são escassos e também se dividem em alas. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário vivem às turras, apesar da tentativa de Lula de amaciar o coração de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. E se perde no meio de medidas provisórias, reforma tributária, catástrofe no Rio Grande do Sul, e velhos disparates de palanque. A CF, um livro A Constituição brasileira é um livro cheio de detalhes. Quando foi produzida, refletia o caldeirão de pressões da sociedade. Por ser uma Carta muito descritiva, propicia polêmica em demasia e abre espaços para uma infinidade de litígios. Hoje, é criticada pelo fato de muitos de seus artigos e incisos não serem obedecidos. E uma lei maior que deixa de ser cumprida acaba plasmando uma cultura de perniciosidade, impunidade e desorganização. Dessa forma, os tratados constitucionais perdem razoável parcela de força, transformando-se em letra morta. As eleições como batalhas As eleições, nos últimos tempos, constituem uma batalha acirrada, onde não faltam os impropérios, as denúncias contra adversários, a calúnia e a difamação, a compra de votos, a cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses, o oportunismo, o populismo. A política, exercício democrático da defesa de um ideário social, como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, se assemelha ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos. Este ano as batalhas abrirão arenas em cerca de 5.570 municípios brasileiros. Liberdade é baderna O conceito de liberdade confunde-se com a baderna gerada pela liberalidade extrema, tocada pela improvisação, pela irresponsabilidade, pela invasão dos espaços privados e até pelo denuncismo exacerbado da mídia. Quando o escopo libertário foi esculpido, no bojo da Revolução Francesa, carregava consigo o eixo da promoção dos valores do homem, da defesa dos direitos individuais e sociais, da dignidade e da Cidadania. O inimigo que se combatia era o Estado opressor, o absolutismo monárquico e a escravização que fazia do ser humano. Erigiu-se o altar das liberdades que, ao longo da história, tem sido conspurcado por outras formas de vilania e torpeza. As coisas materiais Na modernidade, a opressão econômica, a subordinação dos valores e princípios espirituais ao prazer das coisas materiais, a miséria absoluta que maltrata parcelas significativas da sociedade, a desigualdade de classes, o descompromisso de governos e representantes do povo para com os destinos da coletividade, entre outros elementos, contribuem para corroer o sentido da liberdade e da dignidade do homem. O império da anarquia A banalização da violência; a morte súbita a que estão sujeitas pessoas de todas as idades, em qualquer região do país; as endemias e pandemias; o descumprimento das leis; a falta de parâmetros reguladores que definam responsabilidades nas instâncias públicas; a angústia do desemprego, ainda alto; a frustração das classes médias em constatar rebaixamento em seu nível de vida; e, de outro lado, o enriquecimento escandaloso de grupos que se incrustam na administração pública - nos níveis Federal, estadual e municipal; a política incapaz de promover mudanças profundas no tecido institucional, a corrupção desenfreada e a impunidade - arrematam o sentimento de que a vida do país é um império de anarquia. Afinal, onde estamos? Estamos no meio do caos, no princípio da crise, no fim do túnel ou na rota dos horizontes de progresso? Ninguém sabe, mas todos se aventuram a garantir suas verdades. Porque o Brasil é um país de versões. Um país lúdico que ri da tragédia e se comove com a comédia. Comédia e tragédia, aqui, se fundem num amálgama que traduz a falta de essencialidade e racionalidade de um povo tropical. Isso tem imensas vantagens, mas o fato é que a improvisação, o gosto pela aventura, a alma criativa e a descontração provocam um sentimento de estágio numa cultura pré-civilizatória. Em consequência, desprezamos ou não damos o devido valor ao conceito de Nação, esse conjunto de valores, que reúne amor ao espaço físico e espiritual, solidariedade, orgulho pelo país, civismo. Onde estão as bandeiras brasileiras nas portas das casas? Onde e quando se canta o hino nacional? Quem sabe contar histórias sobre os nossos antepassados? Parte II Raspando o tacho - A campanha para governo do RS, a se realizar apenas em 2026, foi aberta por Lula, ao nomear Paulo Pimenta ministro extraordinário para a reconstrução do Estado. - Donald Trump e Joe Biden se enfrentarão em três debates antes de setembro. Fato inédito. A campanha norte-americana, com seus resultados, será uma bússola para o mundo. - O mundo sob crises e guerras: um tempo presente de barbaridade, um futuro de horizontes fechados. - Classes médias de cinto apertado. Tempos de Luiz Inácio. - Petrobras perdendo perto de 50 bilhões em preço de mercado. Tudo bem? Tudo bem, dizem uns. - Recomprar refinarias é boa coisa? Lula quer? Magda Chambriard, a nova CEO da Petrobras, vai atrás... Aceleração de projetos do governo? A CEO passará a quarta marcha. - Por que a mídia não deu tanta importância à decisão da FIFA em escolher o Brasil como sede da Copa do Mundo feminino em 2027? - Quase 12 milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever. - Volta o discurso religioso para fazer "a cura gay". Tempos indescritíveis... - São Paulo, capital, tem duas grandes "pontes" eleitorais a atravessar: zonas Leste e Sul, que concentram os maiores colégios de votantes. Um desafio e tanto. - A zona leste tem 3,2 milhões - sendo 255.289 registrados em seu maior colégio eleitoral, a 375ª ZE - São Mateus. A zona sul concentra o segundo maior contingente de eleitores, com 3,04 milhões. Deste total, 282.827 estão cadastrados na maior zona eleitoral da cidade, a 372ª ZE - Piraporinha. - A IA está se aproximando da alma dos humanos: compreende as informações que chegam, não importa o que seja, conversa com os jeitos e trejeitos humanos, lida, ao mesmo tempo, com texto, som e imagem, sendo multimodal. Ou seja, enxerga tudo com a câmera e descreve imediatamente o que vê com voz. É o que explica Pedro Dória, em O Globo. - A teocracia iraniana deverá escolher mais um conservador para a presidência do Irã, em eleições "consentidas" e "monitoradas" em 28 de junho próximo. - Tempos horripilantes: adolescente de 16 anos, suspeito de ter matado pais e irmã no oeste da capital paulista. Motivo: pais recolheram seu celular. - Procurador do Tribunal Penal Internacional pede punição com prisão de Benjamin Netanyahu. Fecho com a querida Campina Grande, na Paraíba. Em diagonal Severino Cabral foi prefeito de Campina Grande/PB, vice-governador, chefe político de muitos votos. E conhecido pelas tiradas engraçadas. Uma tarde, no Rio, andava pela avenida Rio Branco. Resolvendo passar para o outro lado, meteu-se na frente dos carros, fora do sinal. O guarda gritou: - Cidadão, não pode ir por aí. É proibido atravessar em diagonal. Severino Cabral voltou: - Você não conhece roupa não, ignorante? Isto não é "diagonal". É "tropical maracanã". Atravessou em diagonal e tropical.
quarta-feira, 15 de maio de 2024

Porandubas nº 847

Cláudio Lembo, professor de Direito, ex-vice-governador e governador de São Paulo, ex-secretário municipal na gestão Jânio Quadros, sobrancelhas mais decorativas do país, tem a verve na ponta da língua. Um dia, telefona para um amigo de Araçatuba para sondá-lo sobre o ingresso em seu partido. - "Já se inscreveu em algum partido?" - "Não. Esperava as suas ordens." Lembo pede, então, que ele entre no PP. E lá vem a pergunta: - "No PT do Lula?" O ex-vice-governador de São Paulo replica: - "No PP." Matreiro, o amigo diz que ouve mal. O arremate, contado por Sebastião Nery, é uma chamada sobre a nossa cultura política: "Vou soletrar alto e devagar: PP. P de partido e P de banco." Na época, Olavo Setúbal, o todo poderoso dono do banco Itaú e um dos fundadores do PP (então partido popular), ao lado de Tancredo Neves, era prefeito de São Paulo. E Lembo era seu articulador político. O amigo entendeu a mensagem. A historinha retrata a identidade de quadros e partidos e serve para ilustrar a nossa cultura política. Aristóteles e a vida da polis Costuma-se lembrar que, na visão aristotélica, o Judiciário cumpre uma função política. Trata-se da tentativa de enxergar no Poder Judiciário a cota de política que Aristóteles atribuía ao homem, cujo dever é participar da vida de uma cidade, sob pena de se transformar em ser vil. Nessa tarefa, emprega os dons naturais do entendimento e do instinto para exercer funções de senhor e magistrado. Interesses escusos Se o ensinamento do filósofo grego fosse bem interpretado, não haveria restrição para ver na missão dos juízes uma faceta política. A questão, porém, é outra. É comum confundir o ente político, que se põe a serviço da coletividade, com o ator que usa a política para operar interesses escusos. Naquele habita a grandeza, neste reside a vilania. Sob essa diferença, alguns membros do Poder Judiciário, entre muitos que orgulham a Nação, possivelmente lendo de maneira enviesada o conceito aristotélico, parecem confundir Política com P maiúsculo com politicagem de p minúsculo. As duas bandas A politização, portanto, tem duas bandas. Já faz algum tempo que o Judiciário vê a imagem refletida no espelho da descrença. Nunca sua imagem foi tão banhada no lodo da política. As razões devem-se tanto ao comportamento de alguns quadros quanto à própria jurisprudência produzida nos tribunais. Sob o aspecto atitudinal, particularmente na esfera de instituições de alta visibilidade, como é o caso das Cortes Superiores, constata-se uma verbalização fecunda, quando não contundente, e intensa articulação com representantes de outros Poderes, donde emerge a impressão de que os ministros descem do altar onde se cultua o Judiciário para a liça da banalização política. Negociação de bastidores Causa estranheza a desenvoltura com que algumas autoridades se relacionam com o mundo da política partidária. É elogiável o esforço de uns para abrir fluxos de comunicação com a sociedade. Quando, porém, a expressão da alta administração da Justiça se transforma em negociação de bastidores ou no verbo pouco contido do balcão das barganhas, a imagem do Judiciário mais estilhaçada fica. O Brasil não pode se transformar no país do SOS (pedido de socorro) ao STF. E este não pode ganhar a pecha de poder ideológico. O maior patrimônio de um juiz é a independência. Pressão da mídia Ademais, o STF não pode se curvar às pressões midiáticas nem à correntes de opinião. Infelizmente, estruturas do Judiciário e do Ministério Público parecem se inebriar com sua imagem refletida no espelho de Narciso, inebriando-se ante os holofotes da mídia. Como diria Rui Barbosa, "a ninguém importa mais que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações e não conhecer covardia". As virtudes da Justiça Não se defende aqui a tese de que o juiz precisa vestir o figurino da neutralidade. Juízes insípidos, inodoros e insossos tendem a ser os piores. O que a sociedade quer é voltar a encontrar no Judiciário as virtudes que tanto enobrecem a magistratura e outros serventuários da Justiça: independência, saber jurídico, honestidade, coragem e capacidade de enxergar o ideal coletivo. O filósofo Bacon já pregava: "Os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos que aclamados, mais circunspetos que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza". E os magistrados devem evitar passeios e eventos no exterior, sob o patrocínio de empresas que pagam suas despesas. A ingerência do Executivo A ingerência do Executivo sobre o Judiciário é um desvio de rota, alterando a independência e a autonomia dos Poderes. Ingerência que se liga ao patrocínio de nomeações. A mão que nomeou um magistrado parece permanecer suspensa sobre a cabeça do escolhido, gerando retribuição. O Executivo acaba quase sempre levando a melhor quando se vale do STF, o que levou o jurista cearense Paulo Bonavides à pontuar: "A Suprema Corte correrá breve o risco de se transformar em cartório do Poder Executivo". As promoções na carreira costumam passar por cima de critérios de qualidade. Uma liturgia de herança de poder se instala, com muita docilidade junto às cúpulas dos tribunais. Nivelamento por baixo Milhares de juízes, por sua vez, carecem de condições técnicas para exercer com dignidade as funções. O nivelamento por baixo ocorre na esteira da massificação de cursos de Direito e da juvenilização dos quadros. Certos concursos não se regram por padrões de excelência. Sob o estigma da politização e do despreparo de quadros, caminha o Poder Judiciário. A deusa Têmis Têmis, a deusa, tem uma venda nos olhos para representar a Justiça que, cega, concede a cada um o que é seu, sem olhar para o litigante. No Brasil, é generalizada a impressão de que, vez ou outra, a deusa afasta a venda para dar uma espiada na clientela. Parte II Raspando o tacho - Para pensar: quando teremos um Estado como o RS, 5ª maior economia do país, recuperando toda a sua força? - E os cidadãos que perderam seu patrimônio? Começar de novo? E aqueles, acima de 60 anos, como terão ânimo para recomeçar? - As medidas-tampão, do governo Federal, não equacionarão a quebra da infraestrutura gaúcha. - A desinformação - com o uso e abuso de fake-news - é uma praga semeada por malandros, covardes, oportunistas, políticos de perfil sujo, pessoas que pretendem disseminar o ódio e as rixas entre grupos. - O Brasil pós-desastre no RS será outro? Cuidará melhor do meio-ambiente? - A propósito: onde se meteu a ministra Marina Silva? Sumiu no meio das águas? - Comovente o caso da bebê gêmea, levada pela enxurrada...Triste. Muito triste. - A última pesquisa Quaest coloca Michelle Bolsonaro como a opção número 1 para substituir o ex-presidente Jair. Que o Senhor nos proteja... - Lula não seria opção em 2026 para a maioria dos brasileiros, segundo a mesma pesquisa. Horizonte muito distante. - A comunicação do governo Lula não entra na cachola das classes médias. - Tarcísio de Freitas, governador de SP, se firmando bem como perfil técnico. - Ronaldo Caiado, à direita do espectro ideológico, é o governador com melhor avaliação pela população goiana. - Trump, nos EUA, na frente de Biden em cinco de seis Estados-chave nas eleições. Mas sua eventual condenação pode baixar o ânimo dos contingentes eleitorais. - Ucrânia em rota de queda. Rússia em rota de avanços. O planeta em fúria. - O Nordeste crescerá mais que outras regiões, segundo projeção de nossas instituições econômicas. Fecho a coluna com a seca no Nordeste, em tempos idos. E o apelo do prefeito cancelando chuvas. Seca medonha A seca era devastadora. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo: "Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa". Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo: "Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito".
quarta-feira, 8 de maio de 2024

Porandubas nº 846

Abro com uma historinha da política. Não sei por onde começar Foi no século passado. O desembargador Deoclides Mourão, tio do poeta Gerardo Mello Mourão, fez acordo com Urbano Santos, candidato ao governo do Maranhão. Eleito, Urbano não cumpriu nada. Deoclides Mourão mandou-lhe uma carta: - Senhor governador, diz o povo que o homem se pega pela palavra, o boi pelo chifre e a vaca pelo rabo. Supondo não ter V. Exa. nenhum desses acessórios, não sei por onde começar. A força da natureza A força da natureza é a maior do universo. Os homens até conseguem, com obras monumentais de engenharia e arquitetura, driblar as forças naturais, porque sua força é extraordinária. Estão aí os diques, os túneis debaixo dos rios e dos mares, ícones da grandeza criativa do homem. Mas os furacões, os terremotos e as inundações que devastam espaços, não fazem concessões aos mais avançados bastiões da tecnologia. Porque a natureza não pode ser enganada todo tempo. A catástrofe no RS O Rio Grande do Sul é um dos Estados mais desenvolvidos da Federação. Está debaixo d'água. Padece da maior tragédia natural de sua história. Por mais que possa ser apontada como a fonte de todos os desastres, a natureza está apenas cobrando sua fatura. Uma fatura que cai no colo dos homens públicos, que foram omissos no planejamento de ações com vistas à atenuação da catástrofe. Homens públicos de todas as esferas, Federal, estadual e municipal. Que não enxergaram os riscos na ponta do nariz, um Estado recortado por rios, uma lagoa que virou lago e cujas águas relutam em desembocar no mar. Inundam a capital. Desconfiança Para nossa desgraça, os homens públicos só se mobilizam ante os fatos consumados. E agarram-se ao populismo para se elevar no patamar da política. Por isso mesmo, os gaúchos estão desconfiados, sob os destroços da devastação que deixa 500 mil habitantes sem água e luz. O RS é a luz que passa a iluminar o imenso túnel escuro de nossas inações, da irresponsabilidade dos homens públicos. A tragédia deixará marcas fortes na paisagem de um dos territórios mais charmosos do país. E tem gente querendo se aproveitar do caos que se instalou no Estado para fazer baixa política. Basta Os gaúchos não querem se entregar às ilusões e, aflitos, clamam por socorro. A perplexidade é geral. Em um ano eleitoral, é bom lembrar, a tragédia impactará as urnas. Um sentimento de revolta começa a oxigenar o pulmão cívico. John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo, diz que há duas espécies de cidadãos: os ativos e os passivos. Os governantes preferem os segundos - pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes - mas a democracia necessita dos primeiros. Este ano, a democracia brasileira ganhará uma recauchutagem. Com cidadãos ativos. A catarse Em outra ponta do arco da vida nacional, o Rio de Janeiro, sob os braços do Cristo no Corcovado, deu lugar ao maior palco aberto da música. Madonna, o maior ícone da música pop internacional, proporcionou um show catártico, reunindo - dizem - 1,6 milhão de pessoas, fazendo a multidão dançar ao som de músicas vibrantes e de um espetáculo impressionante de performances de dançarinos. O Brasil dos contrastes. Inundações no Sul, inundação da massa humana na praia de Copacabana. Tristeza, de um lado, alegria, de outro. Duas bandas de um mesmo corpo social. Fracionadas. E unidas com uma compressa para tapar as feridas e os dissabores. Compressa feita por Madonna para tapar os restos do sangue derramado pelos brasileiros nos últimos anos. De graça? Ah, ah, ah... Um show de graça foi o termo recorrente, ouvido em todas as esquinas do Brasil. Nada disso. Os anunciantes pagaram uma grana para ter por aqui Madona encerrando seu tour pelo mundo. A artista embolsou uns US$ 10 milhões. Basta ler a entrevista do empresário que a trouxe. (P.S. Luiz Oscar Niemeyer, sobrinho de Oscar Niemeyer, é o responsável pela vinda de Madonna para fazer show sábado no Rio de Janeiro, depois de dois anos de negociações. Ele já trouxe para o Brasil apresentações de Bob Dylan, Elton John, Eric Clapton, Paul McCartney e Stevie Wonder). Com pressa Embolsou um caminhão de dólares, que fique bem claro. Uma montanha de dinheiro. Domingo, já pela madrugada, correu com a filharada para o seu jatinho, e horas depois, repousava em sua mansão de 26 quartos, 3 andares, uma infinidade de banheiros, na parte mais chique de Manhattan, Nova Iorque. Madonna, após aplicar a compressa, voltou com pressa ao seu habitat. E argh...de jogo de palavra.... São João caro Quanta extravagância. Em Mata de São João, na vizinhança de Salvador, a prefeitura vai pagar R$ 450 mil ao artista Bell Marques por show na cidade. Festas juninas. Já a prefeitura de Santa Rita, na Paraíba, vai gastar cerca de R$ 1 milhão em cinco shows nas festividades do São João. É o Brasil mostrando a sua cara. Lula pedindo voto Foi proposital. No dia 1º de maio, em São Paulo, em um evento esvaziado de público, Lula pediu votos para o "jovem" Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura de SP. Sabia ser o gesto proibido. Mas uma multinha de 15 mil não vai fazer mal a ninguém. E Lula, o descumpridor número 1 da lei, vai reinando. O PT quer voltar a ter hegemonia na política. E tem boas condições. P.S. Boulos está 5 pontos abaixo de Ricardo Nunes, segundo última pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas. Dirceu, a força José Dirceu recupera a força de tempos idos. Tem amigos em todas as rodas. É uma espécie de conselheiro-mor da política. O perfil mais articulado do PT. Leite O governador do RS, Eduardo Leite, tem sido um eficiente administrador da crise que assola o Estado. Com seu discurso de pedido de socorro e apelo a todas as forças do país. Acima da discurseira oportunista. Raspando os conceitos Reformar o Estado não é tarefa para uma só legislatura. Maquiavel já lembrava que nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de obter êxito ou mais perigoso de manejar do que iniciar uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos na velha ordem, que se sentem ameaçados pela perda de privilégios, e defensores tímidos na nova ordem, temerosos que as coisas não deem certo. Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi - Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas, fala dos estilos de fazer política. Primeiro, o estilo chimpanzé - baseado no projeto do poder pessoal, da rivalidade permanente, da hierarquização da força - supera até mesmo o modelo Maquiavel, onde o personalismo do Príncipe, eixo do sistema, se subordina a um projeto de Estado. Na verdade, o que presenciamos é uma luta entre dois estilos. De um lado, o setor político, inspirado no lema "o poder pelo poder", trabalhando com capricho, usa a arma do voto para atingir o objetivo de preservar e ampliar territórios e influência. - Para tanto, adota a tática de disparar processos de tensão, ameaçar o Governo com retiradas de apoio, buscar coalizões de um lado e de outro. A natureza política é como o instinto do chimpanzé, para quem o ideal de vida é a conservação da própria espécie ("o fim sou eu mesmo"). A representação popular fica em segundo plano. - Por último, o estilo Gandhi, onde o líder representa o consenso, a austeridade e a modéstia. Ele não carece de força física, porquanto repousa seu poder na espiritualidade. Trata-se de um estágio superior de cultura, mas não é necessário alguém se transformar em Papa ou Madre Tereza de Calcutá para alcançar tal grandeza. Espiando um pouco de lado, acha-se alguém de cara honesta. Esse é o estilo que o Brasil precisa incorporar no modelo político. - Nunca precisamos tanto como agora do diálogo, da elevação dos espíritos, da negociação, da convivência, de um pacto por causas coletivas. A campanha eleitoral - Razões para votar O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".
quarta-feira, 24 de abril de 2024

Porandubas nº 845

Abro esta parte com duas historinhas, uma, de hoje, outra, de ontem. É de chorar... "Tio Paulo" tem sede No Rio de Janeiro, no bairro de Bangu, uma cena que traduz a miséria humana. Uma senhora, Erika de Souza, 42 anos, leva seu tio, Paulo Roberto Braga, 68 anos, a uma agência bancária, numa cadeira de rodas. Pegam um táxi. O tio morre no trajeto. Mas a mulher não se incomoda. Quer por quê quer ir ao banco com o "tio Paulo", com o fito de sacar R$ 17 mil de um empréstimo. Na cadeira de rodas, "tio Paulo", de cabeça pendendo para um lado, é posto ereto. A "sobrinha" chega a dar água ao tio. Não só: pega a mão do morto, tentando fazer com que seus dedos assinassem o documento do empréstimo. P.S. A mulher tem problemas psiquiátricos, segundo laudos. Cena brasileira de hoje. Para rir Você quer saber mais do que o doutor? O caso deu-se em São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos: - Este está morto. Examinava outro: - Este também está morto. O cabo eleitoral se empolgava: - Já está até frio. De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, Dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou: - Mais um morto. O morto gritou: - Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado. O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele: - Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio? Cena brasileira de ontem. Parte I - O Brasil visto de cima - Observações à distância O Judiciário sai de órbita O Judiciário vive uma crise de identidade. O STF tem adentrado na seara legislativa. Sai de sua órbita. O prestígio da Alta Corte despenca. Ministros têm agido de maneira monocrática. Vanitas vanitatum et omnia vanitas (vaidade das vaidades, tudo é vaidade). A bússola judiciária está com os pêndulos girando loucamente. Cada magistrado é uma ilha de poderes. Desajustados. Legislativo, cadê o eixo? O Poder Legislativo, por sua vez, também parece estar à procura de um eixo. Os representantes agem ao sabor das pautas organizadas pelos presidentes das duas casas legislativas, vencendo ondas e tormentas, correndo ao balcão de recompensas e deixando de olhar para as prioridades. O Legislativo quer se livrar da influência do Executivo, mas acaba se rendendo ao poder do dinheiro. As emendas abocanham recursos e mais recursos. Executivo no meio da tempestade O Poder Executivo é um transatlântico no meio da tempestade. O piloto-mor, Luis Inácio, tenta sair da tormenta. Pede mais empenho de seus ajudantes, ministros e assessores. Chega a puxar a orelha até do seu vice-piloto-mor, Geraldo Alckmin, de quem cobra mais agilidade. Do ministro Fernando Haddad, pivô da economia, pede que em vez de ler mais um livro se dedique a conversar com deputados e senadores. Pasmem! É o Brasil, onde a autoridade máxima recomenda fechar livros. E substituí-los por tatibitate. E como está a temperatura do governo? P.S. E o que aconteceria se Haddad pedisse para Lula ler um livro...? Orquestra cansada A temperatura política beira os 40º C. O governo III de Lula nem chegou ao meio do mandato e dá sinais de cansaço. Pernas compridas e pesadas. Cabeça de elefante. Afinal, são 38 ministérios. Não é uma orquestra que exiba harmonia nos tambores, instrumentos de corda e metais. Os trombones e bumbos, ministérios maiores, fazem ruídos, mas parecem descontrolados. As flautas? Entupidas. Os violinos, com performances desajustadas. Toda hora, o maestro suspende os ensaios e tenta eternos recomeços. Ouvem-se resmungos dos músicos da frente, do meio e da ala de trás cobrando maior presença do maestro nos palcos do Legislativo. Classe média Lula quer atrair a classe média, a mais poderosa da pirâmide social. Vai propiciar acesso a recursos aos microempreendedores e pequenas e médias empresas. Foco: ajudar o empreendimento com faturamento de até R$ 400 mil, outros, de até R$ 4 milhões. Se conquistar esse rolo compressor, subirá no ranking da avaliação. Os contingentes médios estão na espia do governo. Desconfiados. As classes médias são a maior barreira na trajetória do Lula III. Economia e emprego No tabuleiro da economia, o governo tem boas coisas para entregar. A pobreza diminui, as margens contam com algum dinheiro no bolso e o desemprego cai. Renda e emprego vão bem. Mas os ruídos no campo político e a Torre de Babel em que se tornou o planeta governamental canibalizam os feitos. As coisas ruins empanam as coisas boas. E a comunicação do governo é destrambelhada. Apesar dos esforços do ministro Paulo Pimenta. Segurança Na área da segurança, a coisa pega mal. O ministro Lewandowski, da Justiça, prega a adoção do SUS da Segurança, um sistema de articulação e intercâmbio de informações entre União, Estados e municípios. Boa proposta, mas leva tempo para se implantar. Mais de 2.200 casos de violência no campo. O abril vermelho do MST registra invasões em 18 Estados. A mobilização envolve cerca de 30 mil famílias. O Brasil se assemelha a uma gigantesca delegacia de polícia. A conflituosidade campeia intra e extra muros de cárceres abarrotados. Saúde Na área da saúde, a defasagem de dados e ações começa com a falta de vacinas. Há desarticulação entre União, Estados e municípios. Milhões de vacinas são incineradas. Tempo vencido de aplicação. Um caos. Queixam-se da falta, queimam-se as sobras. Só mesmo no Brasil. Os equipamentos dos estabelecimentos hospitalares precisam de remendos. As filas para cirurgias no SUS ultrapassam a casa dos milhões. Socorro! Educação O ensino de base procura um caminho. Os exames exibem descontroles e falta de adequada informação. O ministro Camilo Santana, ex-governador do CE, ainda não conseguiu inserir a educação no pódio da qualidade, como tem sido considerada a educação no Estado do Ceará, terra do ministro. As universidades Federais, quase em sua totalidade, estão em greve. Relações com o Congresso As relações com o Congresso estão bagunçadas. Muitos articuladores, dispersão e linguagem da Torre de Babel. Plano pessoal Lula parece mais maduro (duplo sentido...rs). Considera-se um governante que passou pelos mais difíceis vestibulares. Quer ser admirado mundo a fora. Mas o humor continua a aparecer na forma de cobrança a ministros. Quer pressa. As eleições estão à vista. E luta para exibir resultados. Outubro, eleições municipais. 2025, ano do tudo ou nada. 2026, reeleição. Ou indicação de Fernando Haddad, se a economia der certo. A grandeza de uma Nação O que faz a grandeza de uma Nação? O historiador Edward Gibbon, em Declínio e Queda do Império Romano, sintetiza respostas, quando aponta a tríade de fatores responsáveis pelo progresso da sociedade: a imaginação dos pensadores; os benefícios das leis, da política, do comércio, das manufaturas, das artes e das ciências; e a capacidade operativa de homens comuns, famílias, e cidades dedicadas aos ofícios mecânicos, ao cultivo da terra, ao uso do fogo e dos metais, enfim, à prática dos mais variados e utilitários serviços cotidianos. Parte II A campanha eleitoral Não é difícil antecipar o que os candidatos geralmente expressam em uma campanha. Alguns tipos de discursos: Miséria e fome - Aqui, os candidatos procurarão despejar mensagens sobre as condições sociais das regiões. Ética e bons costumes - A corrupção ainda campeia. Será necessário resgatar a base ética da política. Renovação - As caras novas que desejam se consagrar jogam sujeira nas caras velhas, pintando-as com as tintas da maldade e do atraso. Aparecem como bons moços, figuras exemplares, de vida ilibada e comprometidas com os ideais de renovação política. Acusação - Candidatos de oposição estragarão a festa dos situacionistas, exibindo mazelas da administração, a desestrutura das prefeituras, a falência de programas de saúde, habitação, educação. Pedirão aos eleitores atirar pedras nos candidatos situacionistas. Vitimização - Muitos se refugiarão no discurso da vitimização. Mulheres candidatas dirão ser discriminadas, pois a sociedade machista não aceita sua condição de igualdade. Glorificação - Outros olharão para espelhos e se verão como um Narciso glorioso, belo, grande e forte. Fazem boas administrações e exigem que seus correligionários reconheçam seus méritos. Abraçarão, comovidos, plateias acostumadas com seus trejeitos. Diferenciação - Alguns marcarão presença por algum elemento de diferenciação: uma vida dedicada aos pobres; um traço físico característico, que atraia simpatia e interesse; um eixo particular de discurso, capaz de agarrar eleitores sensíveis. Obreirismo faraônico - Muitos usarão retórica da grandiosidade faraônica, para prometer obras de impacto: viadutos, estradas, empreendimentos de impacto. Mesmice programática - Esse filão é um dos mais volumosos. Os candidatos desfilarão soluções para os programas de saúde, educação, saneamento básico, etc. Vida vitoriosa - Quem teve uma vida de vitórias, certamente vai procurar mostrá-la. Aqui, os candidatos vão dizer que sempre foram vitoriosos, e que a estrela está sempre presente em sua testa. Parte III - O mundo visto de cima Guerras O mundo registra grandes conflitos. Na segunda metade do século XXI, o relógio do fim do mundo andou um pouco na direção da meia noite. A guerra Rússia x Ucrânia irá longe. As mortes programadas terão continuidade, mostrando a ineficiência da ONU. As grandes nações parecem conformadas. A União Europeia e os EUA deverão também aprovar medidas de apoio à Ucrânia. IA A inteligência artificial dará as cartas nos próximos tempos, trabalhando celeremente nas estruturas privadas e públicas. Melhorando as equações, arrumando conteúdos melhores, revolucionando os meios de gestão. O risco: ganhar condições para uma vida própria, deixando de lado a ação humana. A Humanidade a seus pés. Biden x Trump Trump teria orquestrado esquema criminoso para influenciar eleições presidenciais dos EUA em 2016, diz promotoria em julgamento iniciado esta semana. O ex-presidente enfrenta 34 acusações. Será o primeiro processo criminal de um ex-presidente americano. Pano de fundo: os esforços do republicano bilionário para encobrir um escândalo sexual. Biden enfrenta o entorpecimento da idade mais avançada. Pesquisas mostram um empate técnico entre os dois. Europa vai pra onde? A direita finca o pé na Europa. O conservadorismo avança. Tempos cíclicos. China na moita A China, com seu capitalismo de Estado, ficará na moita, com um olho tentando enxergar os horizontes do ocidente, outro olho, mirando o plano interno e Estados parceiros, como a Rússia. Meio ambiente Tema central dos próximos tempos. Tempos de aniquilação do planeta. Controles mais rígidos. Natureza dando respostas amargas à devastação. Parte IV - Raspando o tacho Flashes - O que Alckmin sentiu quando Lula pediu a ele mais agilidade? - Arthur Lira trabalha com afinco para fazer seu sucessor na presidência da Câmara. Eleição muito distante. - Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, estará habilitado para concorrer ao governo de Minas Gerais. - Ricardo Nunes, em São Paulo, lidera com pequena folga as pesquisas de intenção de voto. - Sobe o tom crítico nas redes contra o ministro Alexandre de Moraes. Um destemido. - Milei, na Argentina, começa a domar a inflação. - Maduro continua posando com sua "democracia" com selo de ditadura. - Bolsonaro, como maior líder da oposição, correrá o país para fazer sua pregação. Campanha municipal federalizada.
quarta-feira, 17 de abril de 2024

Porandubas nº 844

I Parte - Nossa cultura política Começo com a historinha da mineirice. Vai pra onde? 31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte: - Alkmin, para onde você vai? - Para Brasília. - Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília. Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond: - O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília. Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A historinha original é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações: "Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai mesmo a Minsk". Morreu pra você Outra historinha com José Maria Alkmin (1901-74). Encontrando-se com um eleitor, abraça-o efusivamente e diz: "não deixe de dar lembranças a seu pai". O rapaz se assusta: "mas meu pai morreu, doutor". "Morreu pra você, filho ingrato! Ele continua muito vivo no meu coração", retruca o sagaz político, que foi secretário estadual, deputado e ministro da Fazenda de JK. A historinha expressa um jogo de soma zero, que envolve a sagacidade de um e a malandragem de outro. O que eles querem dizer é isso: "quando você pensa que está indo, eu já estou voltando". Traço do nosso caráter? De onde vem esse ar de esculhambação geral que se observa na paisagem brasileira, especialmente na arena política? Parte se origina nos traços culturais do caráter nacional, que junta parcela de dispersão à afoiteza e fortes doses de intuição a um fingimento que, na política, é muito comum quando um político cumprimenta uma pessoa dando tapinhas nas costas, enquanto pisca matreiramente para outra. A postura é a de alguém que quer abraçar o mundo, tirar partido de tudo e de todos, ou, ainda, acender uma vela a Deus e a outra ao diabo. Com padrinho, não morre pagão A esperteza não se restringe aos atores políticos. Faz parte do cotidiano dos eleitores, principalmente daqueles de baixo poder aquisitivo que habitam os fundões do país. As correntes fisiológicas ainda pesam forte na balança eleitoral, chegando a ultrapassar 25% do eleitorado. De certa forma, trata-se de remanescentes da cultura do apadrinhamento, ainda bem acentuada nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, além de redutos periféricos das metrópoles acostumados às práticas clientelistas. "Quem tem padrinho, não morre pagão", é a voz corrente nos currais eleitorais. "Para os amigos, pão, para os inimigos, pau". Ditado comum na linhagem de caciques regionais. A ordem pessoal Os comportamentos políticos, tanto de representantes quanto de representados, fazem parte da cultura de infração de normas, cuja origem está nos primeiros passos da colonização brasileira. A inversão de valores, a lei do patrão como norma absoluta, a dispersão das comunidades ao longo do litoral e a conquista de vastos espaços do Interior acentuaram, ao longo de nossa história, a predominância da cultura personalista. A ordem pessoal torna-se mais importante que a ordem coletiva. É fato que ainda hoje esse traço se mantém presente na vida institucional. Trata-se da configuração de uma estrutura social fragmentada, dispersa, pulverizada em núcleos patriarcais que se espalham por muitos cantos. Fulanização Hoje, o reflexo desses traços aparece na fulanização política. Os partidos brasileiros têm menos importância que seus líderes. Tornaram-se emasculados, fundiram suas identidades, com a perda de substância doutrinária, imbricando-se a ponto de se ver um conluio esquisito entre PT e partidos do centrão, como se fossem água do mesmo poço. A social-democracia passou a ser um espaçoso buraco no centro da galáxia política para abrigar não apenas tradicionais participantes, mas liberais de designações e conotações variadas, ex-socialistas revolucionários e comunistas históricos, que, ante a derrocada da utopia marxista, tiveram de se recolher em espaços mais aceitáveis pela sociedade. Qual a postura do eleitor? Qual a postura do eleitor ante esse quadro? É a de distanciamento e observação. Ele não mais acredita em melhorias. A mídia oferece para sua análise o cardápio com os pratos repetidos da violência indiscriminada e o poder paralelo de grupos organizados e armados; as negociações políticas envolvendo alianças interpartidárias, temperadas com os caldos fisiológicos regionais; corrupção em todas as esferas públicas; inação do poder judiciário, ante o clamor da população por uma justiça cada vez mais lenta; fulanização política ocupando espaços partidários, em frontal infração à legislação, aumentando a sensação do estado de anomia em que vive o país. 4 tipos de sociedade Desencantado, o eleitor fixa em sua cachola o pensamento de que o Brasil é um país sui-generis. Somos a mais obtusa sociedade entre, pelo menos quatro tipos conhecidos: a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo aquilo que é proibido; a alemã, onde tudo é proibido, exceto aquilo que é permitido; a totalitária, onde tudo é proibido, mesmo aquilo que é permitido e, pasmem, a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo aquilo que é proibido. II Parte - A campanha política O marketing de campanha O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Nas campanhas, o marketing segmentado acaba assumindo tanta importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. Na campanha deste ano, o marketing segmentado deverá ser o foco central dos profissionais de marketing. Ciclos da campanha Orientação para candidatos e assessores: estabelecer adequado cronograma dos ciclos da campanha. Que, como se sabe, possui 5 ciclos: lançamento, por ocasião da Convenção; crescimento, entre quatro e cinco semanas após a Convenção; maturidade/consolidação, quando a campanha se firma no sistema cognitivo do eleitor, após ampla visibilidade; clímax, momento em que o candidato alcança seu maior índice de intenção de votos; e declínio, quando o candidato tende a cair nas pesquisas de opinião. Todo esforço se faz necessário para o clímax ocorrer na semana das eleições. A dosagem dos ciclos há de obedecer ao funil da comunicação - deve jorrar mais água (volume de comunicação/visibilidade) na segunda quinzena de setembro. Candidato que começa a decair antes do tempo ameaça morrer antes de chegar à praia. Planejamento de campanhas Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas. Que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo de planejamento. Marketing: os 5 eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado. III Parte - Raspando o tacho - Garantindo a permanência do ministro da Articulação, Alexandre Padilha, no ministério, Lula foi direto: "só por teimosia, vai ficar aqui por muito tempo". Recado ao Congresso, com jeitão de puxão de orelha: quem manda nessa joça, sou eu. Só por birra, ninguém, fora eu, mexe com Padilha. - Mais uma vez, Israel protesta contra neutralidade do Brasil em relação ao conflito com o Irã. Brasil queima suas relações. - Donald Trump começa a ser julgado no 1º julgamento criminal. Há contra ele 34 acusações. Vai haver balbúrdia. - MST faz pressão sobre o governo. Invasão no campo em ano eleitoral é gasolina na palha. Vai queimar os votos de apoio aos candidatos lulistas. - CNJ (Luiz Felipe Salomão) afasta ex-juíza da Lava Jato, titular da operação, Gabriela Hardt, suspeita de peculato e prevaricação; e mais dois desembargadores do TRF-4. - Sergio Moro, ex-juiz e hoje senador (União Brasil), tem esperança de ser inocentado no TSE. A Corte tem histórico de cassação para casos similares. - Senador Jorge Seif (PL), de Santa Catarina, será julgado pelo TSE. Denunciado por abuso do poder econômico. Caso semelhante ao de Sérgio Moro. Ambos inocentados pelos respectivos Tribunais Regionais Eleitorais. - Murilo Hidalgo manda pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas em Manaus: Davi Almeida, 29,3%; Amom Mandel, 25,9%; capitão Alberto Neto, 11,5%; Roberto Cidade, 7,6%; Marcelo Ramos, 6,3%; Maria do Carmo, 2,9% e Wilker Barreto, 2,5%. - Mais um interessado em disputar a vaga de senador, caso Moro seja cassado: Roberto Requião, que saiu do PT. - Dona Janja diz que tem apoio do marido, e com plena autonomia, para ser articuladora do governo em ações institucionais. Faz bem. Mas precisa combinar com Alexandre Padilha. - Sinais leves de revigoramento da candidatura Joe Biden nos EUA. - E Vladimir Putin, hein, passando despercebido. Muitos vídeos nas redes sobre sua vida no Kremlin. Todos positivos. Querendo "vender" simpatia. - Vem uma frente fria por aí. Centro-Sul. - Meta fiscal será de 0% do PIB e não 0,5% em 2025. Dólar negociado a R$ 5,21. Haddad ajustando a régua. Fecho com a raposice do dr. Alkmin. José Maria Alkmin, um dos maiores sábios mineiros, nunca perdia a tirada. O eleitor chegou aflito: - Doutor Alkmin, meu filho nasceu, eu estava desprevenido, não tenho dinheiro para pagar o hospital. A matreira raposa tascou: - Meu caro, se você que sabe há nove meses, estava desprevenido, calcule eu, que soube agora.
quarta-feira, 10 de abril de 2024

Porandubas nº 843

Abro com os semáforos, todos juntos. Os quatro semáforos Certo prefeito de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais, ao ver nomeado um amigo para comandar o DETRAN, correu a Belo Horizonte, e não se fez de rogado. Foi logo pedindo: - Amigo, me arranje umas sinaleiras para minha cidade. Vai ser o maior sucesso. Vai ajudar muito a minha popularidade. O diretor, tomado de surpresa, ante tão inusitado pedido, procurou administrar a euforia do prefeito, mas não tinha como escapar à pressão: - Compadre, está difícil arrumar esses aparelhos. Tenho de fazer uma grande reforma aqui na capital. Mas vou me esforçar para lhe arrumar quatro semáforos. Mas, por favor, não espalhe. Insisto: não espalhe. E assim foi. Ao chegar a Santa Rita, um mês depois da entrega, ficou embasbacado. Viu os quatro semáforos colocados no mesmo lugar: o centro da cidade. Perguntou ao alcaide: "por que você mandou colocar todos eles naquele lugar"? Sorriso no canto da boca, o prefeito respondeu: - Ora, compadre, você esqueceu? Me lembro bem: você bem que me pediu para não espalhar os faróis. Parte I - O Brasil das promessas Discurso eleitoral Não desviemos os ouvidos do tom dos discursos. Estamos em pleno ano eleitoral. Em outubro, vamos eleger 5.700 prefeitos, a maior coleção de prefeitos de nossa história. Portanto, vamos ter de ouvir uma batelada de promessas. A maior cascata de promessas de todos os naipes, bastando olhar para as candidaturas que povoarão o espaço nacional. Começo com um pedido. Senhores que serão candidatos, por favor, tenham pena de nós. Não abusem de nossa paciência, nem se esforcem para nos fazer de otários. Não prometam aquilo que não poderão cumprir. Não exagerem nas promessas. Afinal de contas, quem promete o céu sem ensinar o caminho, pode acabar caindo nas garras do inferno. O caleidoscópio Não é preciso ir longe para se saber o que a sociedade quer. Basta captar o senso comum, que está a um palmo dos nossos sentidos. É claro que a população quer que os candidatos se empenhem ao máximo para oferecer as melhores propostas e os modos mais adequados de realizá-las. Dispensa, porém, a demagogia, os programas mirabolantes, as extravagâncias, as fórmulas mágicas e os coelhos tirados da cartola, que se sabe, são artimanhas de ilusionistas do mundo circense. Pontes, viadutos, estradas vicinais, postos de saúde, escolas municipais, creches, transporte escolar e até segurança pública (função do Estado) estarão presentes no caleidoscópio de promessas. Mas, e o povo, o que quer? Dinheiro no bolso O povo quer, sim, que a moeda entre no bolso, garantindo o poder de compra do consumidor. Função da estabilidade da economia, a cargo do poder Federal (leia-se Lula, Haddad e companhia, grandes eleitores de outubro). Que isso seja feito de modo a não criar atropelos, calotes, percalços e sustos em nossas precárias reservas. O país que todos desejam deveria oferecer muitas possibilidades de empregos, sem restrição de idade e classe, diminuindo as angústias das milhares de famílias desempregadas. Sabemos que isso implica plena carga na produção, com o incentivo aos setores da economia desmotivados. Que se baixem os juros e se diminuam os impostos, fazendo-se com que mais gente pague, mas pague menos. Justiça fiscal, é isso que se prega. Vejam que o eleitor quer muitas coisas que dependem do governo Federal. Segurança O povo quer, sim, segurança, mas um sistema preventivo e ostensivo que se faça respeitar pela força da autoridade, pela disposição dos efetivos motivados e pela certeza de que os criminosos serão condenados e submetidos aos rigores da lei. Ao contrário, longe de nós a segurança que causa insegurança, pela ação maléfica e contaminada de quadros policiais mancomunados com as gangues. Nesses tempos de milícias, que o poder público tenha condições de sustar o poder informal. E que consiga garantir a segurança máxima das cadeias. Não à carnificina O povo não quer o aparato que se inspira na carnificina, da mortandade em sequência (na baixada santista os mortos vítimas da polícia do governo Tarcísio de Freitas atingem número assustador). Urge arquivar o slogan "bandido bom é bandido morto". Sabemos que essa cultura é fonte da própria violência que se perpetua nos cárceres. Como seria civilizado dispormos de espaços seguros em todas as partes, inclusive nos empreendimentos turísticos, onde se avolumam as mortes de crianças e adolescentes por falta de equipamentos adequados e orientação condizente nos parques de lazer. Educação de base O povo quer, sim, uma educação forte de base, com todas as crianças em escolas bem aparelhadas, recebendo lições de cultura e vida, sem medo das infiltrações das drogas. Os nossos professores, motivados, com salários decentes, seriam respeitados como os guias espirituais de uma sociedade destinada a um grande destino. O sentimento do povo apela por uma Universidade, onde greves por carências de professores sejam apenas tênues ecos de um passado retrógrado. Os pais querem festejar o fato de que não há mais docentes que finjam dar aulas e discentes que finjam assisti-las. Os pais querem, sim, que a nossa juventude redescubra a alegria do lazer saudável, dos esportes, da política estudantil voltada para a construção de valores e ideais. Saúde de qualidade O povo exige, sim, um sistema de saúde, onde os estabelecimentos limpos e aparelhados afastem por completo o medo da infecção hospitalar. Mais: que os profissionais, preparados e acolhedores, em quantidade adequada, não façam os doentes esperar em filas quilométricas. E que o processo de cura seja facilitado por remédios baratos e à disposição de todas as classes sociais. Satisfação no trabalho O povo defende, sim, que os profissionais liberais de nosso país reencontrem a satisfação no trabalho, cobrando justos preços, atendendo de maneira exemplar os seus clientes, irmanando-se ao ideal da solidariedade e do humanismo. Menos burocracia O povo quer, sim, que haja menos burocracia na administração governamental, menos regulamentos, melhores e mais ágeis serviços, aproximando-se a esfera pública do cotidiano dos cidadãos. Melhor Justiça O anseio popular é por melhor Justiça, que significa mais agilidade nos processos, imparcialidade nas decisões e rigoroso cumprimento da lei. A comunidade espera carregar em seus corações a certeza de que, no país, a lei é para todos, sem distinção de cor, raça e gênero. Como seria bom se os nossos políticos prestassem contas dos compromissos assumidos, não se aproximando dos eleitores apenas nos períodos eleitorais. O ideal coletivo O povo quer, sim, governos compromissados com o ideal coletivo, menos sujeitos às pressões fisiológicas, menos aferrados ao utilitarismo monetarista, e mais plurais na forma de contemplar as demandas sociais, na capacidade de entender as dimensões e problemas das unidades federativas e na disposição de exercer as funções constitucionais. Os valores A ordem, o respeito, a autoridade, a disciplina, o zelo são valores intrínsecos ao escopo institucional. Infelizmente, estão sendo atropelados pela irresponsabilidade de maus administradores, corruptos e apaniguados. Urge resgatar a escala de valores a fim de se poder reconquistar a crença dos cidadãos nos símbolos da Nação. A verdade Olhar olho no olho, sem temer a verdade; enfrentar as situações com disposição; jogar aberto, não tergiversar; assumir o sentido da autoridade; fazer cumprir a lei; punir os culpados; exercer com altanaria as altas funções públicas - são esses alguns preceitos que o povo quer ver aplicados. Para respeitar, o cidadão quer ser respeitado; para assumir responsabilidades, quer ver exemplos dignificantes de cima. No fundo, o que ele quer é ver replantada a semente de suas mais altas esperanças, resgatando as velhas utopias de tempos idos. Parte II Raspando o tacho - Elon Musk, o bilionário, quer algazarra com suas leviandades dirigidas ao ministro Alexandre de Moraes e ao próprio STF. Quanto maior a repercussão de suas diatribes, maior a visibilidade para sua rede X, o antigo Twitter. - O ministro Alexandre assume a imagem de delegado da maior delegacia do país. Com direito à glória midiática. - Lula tirou um sarro de Musk, ao dizer que o bilionário dos foguetes tem de aprender a viver aqui. Como? A não ser que o homem da Tesla decida por vontade própria habitar em nossos trópicos. Coisa mais inviável que a hipótese de que o sol não nascerá amanhã. - Na novela da Petrobras, Jean-Paul Prates está sendo "queimado" por suas qualidades, não por seus defeitos. - Tem sido ele um fiel apóstolo de Luiz Inácio. - O prefeito Ricardo Nunes, de São Paulo, precisa acelerar esse programa de recapeamento, evitando entrar no segundo semestre com o barulho de máquinas tumultuando o trânsito. - O aparato legal para as redes sociais se faz necessário para evitar uma "terra de ninguém", onde cada um se sente apto a atirar contra outros. A lei é necessária. - E o déficit zero, hein, Haddad? Bonita estamparia, hein, Fernandinho? - Nísia, a ministra da Saúde, fala com alma, segundo Lula. Um acarinhamento para quem estava sendo triturada há duas semanas. - Vem reforma ministerial por aí? Nem Lula sabe. - A rede X diz que vai reabilitar perfis dela retirados. Quero ver. Sem pagar, claro. - O calor, pouco a pouco, está sendo mais leve no Sudeste. Porém, sufocante no Nordeste. La Niña. Fecho Para combinar com a parte I da coluna, fecho com uma historinha encaminhada por um eleitor do Paraná. Candidatos de duas famílias disputavam a prefeitura de uma pequena cidade. Final de campanha. A combinação era de que os dois candidatos e seus familiares teriam de usar o mesmo palanque. Discursou, primeiro, o candidato que tinha 70% de preferência dos votos: - Povo da minha amada terra, povo ordeiro, trabalhador, religioso e cumpridor de suas obrigações. Se eleito, irei resolver o problema de falta de água e de coleta de esgoto. Farei das nossas escolas as melhores da região, educação em tempo integral. Vou construir uma escola técnica do município... E arrematou: - E tem mais, meus amigos, ordeiros, religiosos e cumpridores de seus deveres morais, vocês não devem votar no meu adversário. Ele não respeita nossa gente, nossas famílias, nossos costumes! Ele desrespeita nossa igreja. Ele nem se dá ao respeito. Vocês não devem votar nele. Porque ele tem duas mulheres. O adversário, com 20% de intenção de voto, quase enfartou quando viu a mulher, ao seu lado, cair no palanque. Ela não aguentara ouvir a denúncia do adversário de que o marido tinha uma amante. A desordem ganhou o palanque. A multidão aplaudia o candidato favorito e vaiava o adversário. Cabos eleitorais começaram a se engalfinhar. Passado o susto, com muita dificuldade, o estonteado candidato acusado de ter duas mulheres começa seu discurso, depois de constatar que a esposa estava melhor: - Meu amado povo, de bons costumes e moral ilibada, religioso e cumpridor de seus deveres morais, éticos e religiosos. Quero dizer aos senhores e senhoras aqui presentes, que, se agraciado com seus votos me tornar o prefeito desta cidade, farei uma mudança de verdade. Não só resolverei o problema da falta de água, como farei também o tratamento de todo o esgoto do município, construirei uma escola técnica e um novo hospital! A massa caçoava do coitado e de sua mulher. Foi em frente: - Vou melhorar o salário dos professores, a merenda das crianças e ainda vou instituir o Bolsa Cidadão! Agora, prestem bem atenção. Se os amigos acharem que não podem votar em mim porque tenho duas mulheres, votem no meu adversário! Mas saibam que a mulher dele tem dois maridos. A galera veio abaixo. O pau comeu. Brigalhada geral. Urnas abertas. O candidato corno perdeu: 76% para o adúltero.
quarta-feira, 3 de abril de 2024

Porandubas nº 843

Abro a coluna com monsenhor Elesbão. As três pessoas No confessionário, Monsenhor Elesbão era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: - As três pessoas são o senhor, o Dr. Didico e o Dr. Zé Augusto. (Historinha contada por José Abelha em A Mineirice). Parte I - O Brasil de Lula A combinação com os russos A governabilidade do país abre a hipótese de que depende de um sistema de forças capaz de dar suporte ao governo. Significa dizer que não se governa sem o aval do Parlamento. Esse é um pequeno lembrete aos tortos de visão e cabeça, que acreditam ser possível a um chefe de Estado dirigir o país sem o endosso dos "russos", ou seja, dos nossos representantes no Parlamento. Portanto, não enxerguem um Brasil comunista, socialista ou ditatorial, como se ouve aqui e ali pela boca de radicais empedernidos. A não ser que o dirigente manobre na direção de um golpe de Estado. A governabilidade exige uma combinação com os "russos", lembrando a engraçada tirada de Garrincha. A historinha Para quem não se lembra, a lenda. Na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o técnico Vicente Feola explicou na prancheta a tática para derrotar a seleção da antiga União Soviética: Nilton Santos lançaria a bola da esquerda do meio de campo para a direita do ataque nos pés de Garrincha, que driblaria três adversários e cruzaria para Mazola cabecear na grande área e fazer o gol. Com ingenuidade ou ironia, não se sabe, o nosso Mané Garrincha perguntou: "Seu Feola, o senhor já combinou com os russos?". A situação nunca ocorreu, mas faz parte do imaginário social. Putin, o russo O Brasil de Lula tem russo na parada. E não é apenas o Vladimir Putin, para o qual a Advocacia-Geral da União preparou um parecer, a ser encaminhado ao Tribunal Penal Internacional de Haia, com o objetivo de permitir que venha ao Brasil, em novembro, para a cúpula do G20. O governo brasileiro não cita diretamente Putin no texto, mas faz referência a um cenário que se encaixa na situação atual do líder russo: ele é alvo de um mandado de prisão expedido pelo TPI, acusado de ter permitido que ocorressem crimes de guerra no conflito com a Ucrânia. Como o Brasil é signatário do Estatuto de Roma, que criou o TPI, o país em tese está obrigado a prender Putin caso ele desembarque em território nacional. A Rússia assinou o Tratado em 2000, quando foi criado, mas saiu dele em 2016. Os russos de Lula são os nossos deputados e senadores. A base "russa" No Congresso Nacional, a base "russa" do governo conta com 11 partidos e mais de 350 deputados, segundo o blog Poder360, de Fernando Rodrigues. A questão é a fidelidade. Muitos não votam com o governo, apesar de usar verbas destinadas a seus redutos eleitorais. O governo pode ter algo próximo aos 250 parlamentares, um número que não basta para aprovar PECs, por exemplo. Lula abriu, há tempos, o balcão de trocas, mas seu principal cobrador é Arthur Lira, que preside a Câmara Federal com as garras de um leão faminto. O leão quer abocanhar as maiores fatias. Para dividir com os leões e leoas do seu território, o chamado Centrão. A descida de Lula Com todos esses russos no jogo, por que Luiz Inácio desce o despenhadeiro da imagem? Vamos à análise, com a observação de que já tratei de alguns aspectos em colunas anteriores. Mas, aproprio-me do ditado latino - quod abundant non noscet (o que é demais não prejudica). 1. Promessas Com tantas promessas e projetos de campanha a cumprir e realizar, não é de todo inviável a observação de que Lula acaba cedendo muito para poder governar, fato que transforma seu governo em um queijo suíço, com buracos aqui e ali, ou numa carranca franksteniana. Todo cuidado é pouco para os cirurgiões plásticos de plantão. Os pacotes governamentais, de tão batidos pelos governos do PT, mais parecem hoje uma obrigação do Estado. Não servem mais como pincel para pintar as paredes corroídas da casa. 2. A colcha de retalhos Os programas e projetos mais parecem pedaços de cores diferentes numa colcha de retalhos. Faltam unidade, harmonia estética, integração de propósitos. Ao lado da velha politicagem: ministros mandando em verbas de outras Pastas, em clara interpenetração de funções e mandos. A imagem governamental se estraçalha. Vejamos o que diz Tales Faria no UOL: a influência de Alexandre Padilha sobre o Ministério da Saúde teve um alto custo. Arthur Lira, que cobiçava o controle do órgão, dificultou o diálogo entre o ministro das Relações Institucionais e o Centrão, o que comprometeu a atuação de Padilha no Congresso. 3. As falas de Lula Falem mal do Lula, mas não sobre sua coerência. Trata-se de um dirigente fiel aos seus valores. Lula é PT. E faz parte do clube dos fundadores. Não pode negar por completo seu discurso de ontem. Pode, até, arrefecê-lo, não, negá-lo. O "João Ferrador" deu lugar ao "Lulinha, Paz e Amor" e também ao "Lula Pragmático". Esta última vestimenta é a do governante que enxerga desvios e rotas do caminho. Escolhe as melhores opções. Ou seja, veste-se de acordo com os costumes da modernidade. Sem abandonar vieses do passado, sempre presentes nas falas de palanque. 4. A fulanização No atual sistema eleitoral proporcional, que data de 1950, o fenômeno da fulanização tomou corpo, contribuindo, por meio das listas abertas, para instalação do voto "salada mista", pelo qual o eleitor tem liberdade de escolher candidatos, em um visível enfraquecimento das estruturas partidárias. Isso porque os partidos, com raras exceções, além de não possuírem controle sobre os perfis e as chances de seus candidatos, passam a presenciar, estáticos, uma feroz disputa. Um processo de canibalização recíproca. Ora, esse fenômeno enfraquece a capacidade do governo em negociar com os partidos. 5. Está longe a forte democracia Para coroar o ritual de personalização política, muitos eleitos acabam trocando a sigla, contribuindo, assim, para o estiolamento partidário. As janelas que se abrem para a troca de partidos estão na índole do "jeitinho brasileiro". Quem controla com mais rigidez o rol de candidatos, como o PT, compensa a dispersão das listas abertas e se fortalece. Maurice Duverger, chamando a atenção para tal problema, chegou a afirmar que "o Brasil só será uma grande potência no dia em que for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado". Estamos muito longe do ideal do pensador francês. 6. Não há para onde correr Sob o presidencialismo, as tensões se acirram entre os Poderes e o balcão de recompensas fica sempre lotado. Ademais, a pulverização partidária dá origem a outro fenômeno - a cissiparidade - ou seja, a divisão de um partido em dois, como foi o caso do PSDB, que saiu de uma costela do PMDB, e o PDT de uma banda do velho PTB getulista. A partir daí, a proliferação de novas legendas passa a povoar a cultura política. Constatada a situação e explicada sua natureza, resta aduzir que Lula se depara com enormes dificuldades para governar. Deve transigir cada vez mais. Não há para onde correr. Parte II Raspando o tacho - O ciclo pré-eleitoral se abre com os primeiros discursos ácidos dos candidatáveis. E com as primeiras viagens de Lula, a começar pelo Rio e Nordeste (Pernambuco e Ceará). - A meta é se aproximar do eleitor em eventos para tentar desfazer o resultado das recentes pesquisas de opinião. - Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, tem sido aconselhado a não fechar posição sobre o patamar presidencial de 2026. Ronaldo Caiado, governador de Goiás, também quer ser uma alternativa da direita. - A Empresa Brasileira de Comunicação vai inserir forte dose de conteúdo governamental em sua programação. Governo quer usá-la como tuba de ressonância de propaganda eleitoral. - O TSE se encontra diante de um gigantesco desafio: domar o dragão das fake news que já começaram a jorrar nas redes sociais nessa abertura do ciclo pré-eleitoral. - Os militares estão satisfeitos com Lula no que diz respeito ao seu comportamento sobre os 60 anos da instalação da ditadura. - Nicolas Maduro, depois da fustigada que deu em Lula - o rebate sobre o processo eleitoral antidemocrático na Venezuela - agora quer amaciar o velho amigo. Uma no cravo, outra na ferradura. - O mundo continua a ver o horror das guerras no Oriente Médio e na Ucrânia/Rússia. Um desfile de destroços e cadáveres. - O Brasil mostra um avanço - pequeno, porém notável - na área das ciências exatas. Elevação do interesse do alunato pela matemática. - Nos EUA, Joe Biden e Donald Trump se engalfinham. O republicano é um oportunista. E tem mais chances, hoje, de levar a melhor. Hoje, repito. - Erdogan começa a descer o despenhadeiro na Turquia. Há 20 anos no poder, o presidente Recep Tayyip Erdogan sofre sua maior derrota nas urnas nas eleições municipais e estaduais realizadas no domingo. A oposição obteve vitória nas duas principais cidades turcas: a capital, Ancara, e Istambul, cidade que Erdogan foi prefeito e onde começou sua carreira política. - Atenção, candidatáveis. Lembrem-se de minha velha e sempre lembrada equação: BO+BA+CO+CA - Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça elegendo dirigentes. Fecho a coluna novamente com o monsenhor Elesbão. No confessionário Monsenhor Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo: O Vigário só confessará: 2ª feira - As casadas que namoram 3ª feira - As viúvas desonestas 4ª feira - As donzelas levianas 5ª feira - As adúlteras 6ª feira - As falsas virgens Sábado - As "mulheres da vida" Domingo - As velhas mexeriqueiras O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se: - Freguesia boa é a minha... mulher lá só se confessa na hora da morte! (Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre)
quarta-feira, 27 de março de 2024

Porandubas nº 842

Abro a coluna com o mel de Frei Damião. Fausto Campos sempre passava pela BR-232, entre Serra Talhada e Custódia, em Pernambuco. Na beira da estrada, vendedores ofereciam o melhor mel do mundo, o mais puro. Um dia, resolveu levar uma garrafa. Perguntou: "o mel é puro"? O vendedor: "o mais puro do mundo". Fausto arrematou: "pois vou levar esse mel para o Frei Damião". O vendedor apressou-se a esclarecer: "doutor, é melhor não levar esse pote. Quem tirou esse mel foi meu irmão e ele gosta de juntar um pouco d'água no mel para render mais. Desculpe. Na próxima vez, o senhor vai levar um mel 100% puro. Agora, só se o senhor quiser levar esse pro senhor. Mas pro Frei Damião, de jeito nenhum". (Historinha enviada por Delmiro Campos, filho de Fausto). Parte I Conceitos e valores em tempos eleitorais Em tempos eleitorais, a classe política costuma usar colírio para tentar enxergar o movimento das ruas. Coisa corriqueira diante dos índices que colocam políticos nos últimos degraus da credibilidade pública. Não resta outra coisa aos representantes do povo, neste momento, que fazer uma imersão no terreno da ética e reler o manual que discorre sobre os valores do eleitorado. A análise sobre as razões que jogam políticos no fundo do poço da descrença poderá se transformar na chave para reabrir a porta do tempo perdido. Eis alguns conceitos que podem resgatar a credibilidade. Promessas Atenção, pré-candidatos. Não se deve prometer o que não se poderá cumprir. O eleitor exige sinceridade. Os espaços das alegorias, das coisas mirabolantes, dos planos fantásticos não conquistam mais a cachola das massas. Qualquer tentativa de recuperar esse terreno com promessas do "eu faço, eu farei" trará dissabores. Identidade Um político deve manter firme sua identidade, personalidade, eixo. Uma coluna vertebral torta gera desconfiança. A imagem que o político deve projetar não poderá ser muito diferente de seu conceito, de sua verdade. Quando isso ocorre, a percepção da opinião pública esmaece a figura do representante. Coluna vertebral reta incorpora as costelas da lealdade, da coerência, da sinceridade, da honestidade pessoal e do senso do dever. Representação Representar o povo significa escolher as melhores alternativas para seu bem-estar. A expressão focada exclusivamente pela intenção de adoçar as dores das periferias angustiadas não se sustenta. Cairá no vazio. Um político sério se preocupa com rumos permanentes e medidas condizentes com as possibilidades das administrações (Federal, estadual e municipal). Sapiência Sapiência é um valor respeitado, que não significa vivacidade. E sim, sabedoria, mistura de aprendizagem, compromisso, equilíbrio, administração de conflitos, busca de conhecimentos, capacidade de convivência e respeito ao eleitor. A vivacidade é a cara feia do fisiologismo, tumor que até o povo simples começa a lancetar. Cheiro das ruas O cheiro do povo impregna as ruas, os transportes, o comércio, os escritórios, as fábricas, o campo. O povo sabe distinguir aqueles que estão ao seu lado. O ar de Brasília costuma atrapalhar o político de forma a afastá-lo das vielas escuras das metrópoles e dos fundões do país. Esconderijos Não dá mais para alguém se esconder. A corrupção não acabará. E quem for descoberto em tramoias será condenado pelas urnas. Atente-se para o fato de que as denúncias sobre negociatas e trocas de favores ilícitos constituem o prato da mídia. Urge se afastar do cardápio indigesto. A qualquer hora, o mundo ficará sabendo. Discurso O discurso que vinga é aquele que contém propostas concretas, viáveis, simples e com metas temporais. Sua adaptação ao momento é fundamental. A população dispõe, hoje, de entidades que a representam em diversos foros. Algumas delas possuem atuação política tão densa quanto o Congresso. Resta ao político se apoiar no universo das organizações não governamentais, que está a um palmo de seu nariz. Simplicidade Um homem público não precisa se vestir com a roupa de Deus. A honraria que os cargos conferem é passageira. Mandatos pertencem ao povo. Ser simples não é posar com crianças no colo, comer cachorro-quente na esquina ou gesticular para famílias nas calçadas. A simplicidade é o ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas e maquiagens. O marketing de hoje se inspira na verdade. Ou, na pior das hipóteses, na versão mais verdadeira. Estado e Nação O político pode até lutar por um Estado diferente da Nação que o povo aspira. A Nação é a Pátria, que acolhe, confere orgulho ao cidadão. É o território onde as pessoas se sentem bem, gostam de viver, conviver e constituir um lar. O Estado é a entidade técnico-jurídico-institucional, comprimida por interesses e dividida por conflito, que pessoas de diversas classes estão sempre a criticar. Aproximar o Estado da Nação constitui a missão basilar da política. Esse é um compromisso cívico inegociável. O Brasil de novos horizontes passa por esses contornos. Os espaços da razão A razão, como mecanismo para a tomada de decisões, está ampliando consideravelmente seus espaços junto aos segmentos sociais, inclusive nos setores populares, tradicionalmente conhecidos por agir intensamente sob o impacto das emoções. Os comportamentos mais racionais estão relacionados à modernidade, que aponta para o reordenamento na escala de valores, princípios e visões dos grupamentos sociais. Velhos discursos estão saturados. Respira-se um ar de mudanças significativas nos campos geopolítico e econômico. Aqui e alhures. A cultura racional Os alicerces da cultura racional desses tempos de grandes avanços tecnológicos são, entre outros: o desmoronamento dos eixos que formaram, por décadas a fio, o pensamento de parte significativa da humanidade; a debacle do edifício socialista, com sua fechada visão sobre a luta de classes; a integração geoeconômica entre países e blocos; e a homogeneização sócio-cultural dos povos, em função dos inputs fornecidos pelo aparato tecnológico da mídia massiva. Cidadania As bases dessa cultura se apoiam em mudanças ocorridas no campo individual. A pessoa, escondida no anonimato na massa, descobre que pode se transformar em cidadã. A cidadania deixa de ser o discurso demagógico das instituições políticas e ingressa nos repertórios mentais do indivíduo, passando a ser fator de conquista e meta desejada. Essa descoberta se imbrica com a "consciência do EU", uma antinomia ao conceito do "NÓS coletivo", esteira da propaganda política e eixo da mistificação das massas. Autogestão A maior autonomia individual fortalece o desenvolvimento de uma postura que pode ser definida como a de autogestão técnica, pela qual os indivíduos passam a traçar seus rumos e a selecionar os meios, recursos e formas para atingir seu intento. Rejeitam ou aceitam, com muitas restrições, as pressões autoritárias de um sistema de poder normativo, que geralmente vem de cima. Equivale a dizer que fogem dos "currais" psicológicos que enclausuram pensamentos e amedrontam espíritos. Seu conceito de legitimidade está embasado pela apropriação do heterogêneo, do inesperado e das diferenças. A rebeldia das formas O campo social se reparte em um mosaico de multiplicidades e particularismos, abrindo-se o universo do discurso para a rebeldia das formas e rejeição a tudo que se assemelhe a totalizações. O desejo de posse e de status configura o quadro de decisões e os espaços privados são muito bem delineados, afastando-se dos espaços públicos. No campo moral, a aceitação universal de princípios sofre impactos, ampliando-se os espaços da espontaneidade, da criatividade e da individualidade. Transparência A transparência, a agilidade nos processos decisórios; as exigências sociais pela conservação do meio ambiente; a cobrança rigorosa aos representantes da sociedade nos parlamentos; as críticas contra a ineficiência das estruturas da administração pública; as mudanças e as novas interpretações para os dogmas religiosos; a derrocada de muitos mitos e a busca incessante da verdade contribuem para elaborar a moldura da racionalização dos processos e comportamentos humanos. Parte II Raspando o tacho - O flagrante de Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria, onde passou dois dias, logo após entregar o passaporte às autoridades, por determinação da Justiça, revela o temor do ex-presidente de ser preso. E se não for isso, o que significa? Jair teme ou sugere prisão? - Quem mandou matar Marielle Franco? Com a revelação dos autores intelectuais do crime (os irmãos Brazão?), o caso está encerrado? Não. Urge puxar o fio do novelo e descobrir quem mandou matar outros figurantes da paisagem política. - Lula começa a perceber que o pleito de outubro exigirá de seu governo fenomenal desempenho para formar boa bancada de prefeitos e gorda baciada de vereadores, o alicerce das eleições de 2026. - O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, parece estar sem um tempinho para aparar a vasta cabeleira. Mostra gosto para dar entrevistas e muito pouco para ceifar os tufos de cabelos brancos. - Um ex-delegado da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, atuando como suporte de planejamento no assassinato de Marielle, é o cúmulo do desmando no seio de "nossa" (nossa?) polícia. - O Brasil dividido faz o gosto de Jair, que espera ser vitimizado com eventual prisão. O brasileiro costuma se posicionar ao lado das vítimas. - As Forças Armadas sonham com um amanhã venturoso, de respeito ao seu ideário, totalmente afastadas do emaranhado político que enlameia sua identidade. - O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, puxa o trabalhismo para trás. Defende ideias retrógradas. - O ministro Haddad é o coringa do PT. Pode ser a melhor alternativa do partido nos horizontes do amanhã. - Quem sabe declinar os nomes dos ministros do governo Lula III? - Guilherme Boulos começa a perder pontos na corrida eleitoral da maior metrópole do país. - O Instituto Paraná Pesquisas assume a posição de entidade de pesquisa com a maior abrangência nacional. Idôneo, o comandante Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado: - Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo. O coronelão relaxou e gritou para a plateia: - Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo. (Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre)
quarta-feira, 20 de março de 2024

Porandubas nº 841

Abro a coluna de hoje com a mineirice... Mata o bicho A referência é o monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, que fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava uma boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fiéis que lotam a capela, ele pega a garrafinha e, num gole só, sorve todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice.) Parte I O lamento de Bolívar Nunca o lamento do grande libertador Simon Bolívar, expresso há mais de dois séculos, esteve tão atual: "não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento". Tomando ao pé da letra o pensamento e procurando aplicá-lo ao caso brasileiro, deparamo-nos com uma situação bastante similar à descrita pelo timoneiro. A vida nacional está se tornando um tormento e parcela desse sofrimento tem muita coisa a ver com a desordem que nos cerca. Na Venezuela Pano de fundo: a Venezuela, onde Bolívar foi o grande timoneiro. O comandante Hugo Chávez agarrou o simbolismo do ideário libertário para instalar sua ditadura. O ditador que o substituiu, o parrudo Nicolás Maduro, marca eleições na data de aniversário de Chávez, para se perpetuar no assento do poder. Às favas com os valores democráticos. A líder da oposição, Marina Corina Machado, que fique choramingando e pedindo um "adjutório" a...quem? Ao presidente Luiz Inácio, que é um bastião de defesa de Maduro. No Brasil Volto ao Brasil. Por aqui, padecemos de um estado de anomia que começa com a falta de boa-fé entre os homens. Basta verificar a política de emboscadas que inspira o relacionamento entre partidos políticos e o balcão de trocas do Palácio do Planalto. As dissensões se acentuam a cada dia. O governo entra no despenhadeiro da má avaliação pela comunidade. Lula cobra resultados. E o Bolsa-Família? E o Minha Casa, minha Vida? E a Farmácia Popular? E ao acesso ao crédito? Vamos fazer uma comunicação de resultados. Outro pano de fundo: ontem, os soldados do "Centrão" cobravam nacos de poder. Hoje, não conformados, querem mais. A Carta de 88 A Constituição brasileira, a chamada Constituição Cidadã, é um livro cheio de detalhes. Quando foi produzida, refletia o caldeirão de pressões da sociedade. Por ser uma Carta muito descritiva, propicia polêmica em demasia e abre espaços para uma infinidade de litígios. Hoje, é criticada pelo fato de muitos de seus artigos e incisos não serem obedecidos. E uma lei maior que deixa de ser cumprida acaba plasmando uma cultura de perniciosidade, impunidade e desorganização. Dessa forma, os tratados constitucionais perdem razoável parcela de força, transformando-se em letra morta. As eleições são batalhas Participaremos, queiramos ou não, de mais uma batalha este ano. As eleições municipais se avizinham. Já estão no ar os sinais de batalha acirrada, onde não faltarão impropérios, denúncias contra adversários, calúnia e difamação, a compra de votos, a cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses. A política, como exercício democrático da defesa de um ideário social, como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, está cada vez mais assemelhada ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos. A liberdade é baderna O conceito de liberdade veste-se com o manto de baderna gerada pela liberalidade extrema, tocada pela improvisação, pela irresponsabilidade, pela invasão dos espaços privados, fatos cobertos pela mídia. Quando o escopo libertário foi esculpido, no bojo da Revolução Francesa, carregava consigo o eixo da promoção dos valores do homem, da defesa dos direitos individuais e sociais, da dignidade e da Cidadania. O inimigo que se combatia era o Estado opressor, o absolutismo monárquico e a escravização que fazia do ser humano. O altar conspurcado Erigiu-se o altar das liberdades que, ao longo da história, tem sido conspurcado por outras formas de vilania e torpeza. Na modernidade, a opressão econômica, a subordinação dos valores e princípios espirituais ao prazer das coisas materiais; a miséria absoluta que maltrata parcelas significativas da sociedade; a desigualdade de classes e o descompromisso de representantes do povo para com os destinos da coletividade, entre outros elementos, contribuem para corroer o sentido da liberdade e da dignidade do homem. A banalização da violência A banalização da violência. A morte de 40 pessoas pela ação da polícia, no Guarujá, São Paulo, tem sido motivo de festejo pelos governantes. ("bandido bom é bandido morto"). A banalização enfeita os velórios. Mata-se gente de todas as idades, em qualquer região do país. Joga-se a lei no lixo. Onde estão os parâmetros reguladores que definem responsabilidades nas instâncias públicas? A frustração das classes médias em constatar rebaixamento em seu nível de vida desfaz o formato da pirâmide social. O enriquecimento escandaloso de grupos que se incrustam na administração pública - nos níveis Federal, estadual e municipal - é um fato. A corrupção continua escancarada. Império da anarquia Enfim, a política tem sido incapaz de promover mudanças profundas no tecido institucional. A impunidade campeia. Mais de 500 são presos depois da "saidinha" das prisões. Mais de 600 integrantes das Forças Policiais não conseguiram, até o momento, recapturar dois presos fugitivos de uma cadeia de (in)segurança máxima. O sentimento geral é de que a vida do país é um império de anarquia e esculhambação. Mais que um lamento, Simon Bolívar fez uma profecia. Acertou mais que Nostradamus. Parte II Raspando o tacho... - Aflito com as taxas em descenso sobre a avaliação positiva do governo, Lula pede mais empenho de seus ministros. Não percebeu que uma fonte da percepção sobre a administração Federal é sua própria índole. - Lula dá a impressão de que gosta de governar com o fígado. Dona Janja trabalha para diminuir arestas. Tem jeito. Trabalhe, primeira-dama, com as redes sociais. - Os dois melhores ministros do governo são, disparadamente, Geraldo Alckmin, da Indústria, Comércio e Serviços, e Fernando Haddad, da Fazenda. - Rui Costa não tem perfil condizente com uma "coordenação" de ministérios. A Casa Civil não cai bem em seu figurino. Parece um ser mal-humorado. - O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, sabe dosar as atividades de uma autoridade que zela pelo cumprimento de suas funções com as rotinas de um cidadão de intensa vida social. Louvável. - A ministra da Saúde, Nísia Trindade, é uma técnica, que parece não gostar da articulação política. Sei não. Acabará tendo perfil massacrado. - A TV Cultura inaugura grade programática de qualidade e beleza. A conferir, senhoras e senhores telespectadores. É comandada por um Conselho Curador, em cuja frente está o ponderado e bem articulado Fábio Magalhães, um afamado perfil do universo cultural. E tem no dia a dia da execução, um presidente executivo, José Roberto Maluf, que "entende do riscado". Viva! - Um fato: a seleção brasileira está perdendo muitos vivas da sociedade. Está sob escanteio. E levando muitos pênaltis. - O PSB terá alguns candidatos contra o PT nas eleições de outubro. O governo dividido. Democracia. - Bolsonaro não deve lamentar, caso seja preso. A condição de vitimado lhe convém. - Lula erra quando chama, toda hora, Bolsonaro para subir ao ringue. Mais recente demonstração foi dizer que o ex-presidente é um "covardão" ao não ter coragem para dar o golpe. Seria isso a prova de precisar tomar epocler para o fígado? - A comunicação do governo Lula é um laboratório de mensagens que não entram na cuca dos receptores. Ou de quem deveriam ser receptores. - Tarcísio de Freitas continua na ponta da escala como primeiro "herdeiro" do legado bolsonarista. Fecho com a baianidade na política . O frio aperto de mão O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas-festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005." O deputado recebeu a resposta. E espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão. Candidatos, cuidado com os cartões lembrando as urnas...
quarta-feira, 13 de março de 2024

Porandubas nº 840

Nesse mundão em que o tempo corre veloz, a memória anda como tartaruga. O esquecimento bate na janelinha da memória. Cuidado, amigos. Vejam o que ocorreu com esses desembargadores. O nome do médico Dois desembargadores aposentados, do alto de uma juventude acumulada durante oito décadas e meia, encontram-se no aniversário do neto de um deles. Os desembargadores Amaro Quintal da Rocha e Antônio Vidal de Queiroz, como sói acontecer com amigos que se conheceram no início da idade da razão, foram direto ao assunto que mais os motivava: - Até que enfim, encontrei o médico que curou a minha amnésia, disse Amaro. - Como é mesmo o nome dele? Perguntou Vidal. - É, é, é, deixe-me ver, é... é... Como é mesmo o nome dele? Espere aí... é, é... é. O nome, escondido num cantinho do cérebro, relutava em aparecer. Começou a se perturbar. Mas não deixou a onda abatê-lo. - É, é, como se chama... é... é... como se chama mesmo aquela coisa vermelha, amarela, branca, que nasce em um galho cheio de espinhos, aquele assim? (e foi mostrando o tamanho do galho e o formato da coisa). Vidal matou a charada: - Rosa, o nome é Rosa. Amaro, radiante, grita para a mulher que estava sentada logo adiante: - Rosa, oh, Rosa, como é mesmo o nome daquele médico que curou a minha amnésia? Parte I - Detalhes de marketing A rejeição Rejeição a candidato é coisa séria. Não se apaga um índice de rejeição da noite para o dia. O maior adversário de muitos futuros candidatos a prefeito será a rejeição. Em um colégio eleitoral de cerca de 10 milhões de eleitores, mais de 25% do eleitorado paulista - 35 milhões de eleitores - a capital de São Paulo reúne o maior contingente eleitoral entre os 5.570 municípios brasileiros. A rejeição aqui será um fator impactante. Na última pesquisa Folha, Guilherme Boulos (PSOL, com apoio do PT) tem 34% de rejeição e o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB, com apoio do PL de Bolsonaro), aparece com 26%. Tabata Amaral (PSB), também pré-candidata, aparece com 19%. Muito cuidado com a rejeição. Presságio agourento A rejeição é um presságio agourento, que pode derrubar qualquer candidato. Principalmente em uma campanha com tendência à polarização. Quando um candidato registra um índice de rejeição maior que a taxa de intenção de voto, é oportuno começar a providenciar a ambulância para entrar na UTI eleitoral. Caso contrário, morrerá logo nas primeiras semanas do segundo turno. A rejeição deve ser convenientemente analisada. Trata-se de uma predisposição negativa que o eleitor adquire e conserva em relação a determinados perfis. A fisiologia da consciência Para compreendê-la melhor, há de se verificar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado. O processo de conscientização leva em consideração um estado de vigília do córtex cerebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjunto de lembranças (engramas) ligadas à sensibilidade e integradas à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e lembranças perpetuamente evocadas por nossas sensações atuais. Ou seja, a equação aceitação/rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia. Pavlov se referia a isso como reflexo de orientação. Fator variável O fenômeno varia de candidato para candidato. Paulo Maluf, por exemplo, sempre teve altos índices de rejeição em São Paulo, mas passou a administrar o fenômeno depois de muito esforço. Mudou comportamentos e atitudes. Tornou-se menos arrogante, o nariz levemente arrebitado desceu para uma posição de humildade e começou a conversar humildemente com todos, apesar de não ter conseguido alterar aquela antipática entonação de voz anasalada. Os erros e as rejeições dos adversários também contribuíram para atenuar a predisposição negativa contra ele. Purgou-se, também, pelos pecados mortais dos outros. Ruim por ruim, vou votar nele, pensam seus contingentes eleitorais. A velha política Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determinados candidatos se soma à antipatia ao familismo e ao grupismo. O eleitor quer se libertar das candidaturas impostas ou hereditárias. Mas não se pense que o caciquismo se restringe a grupos familiares. Certos perfis, mesmo não integrantes de grandes famílias políticas, passam a imagem de antipatia, seja pela arrogância pessoal, seja pelo estilo de fazer política, ou pelo oportunismo que suas candidaturas sugerem. Em quase todas as regiões, há altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, cada vez mais racionais e críticos, estão querendo passar uma borracha nos domínios perpetuados. Ir ao fundo A rejeição até pode ser diminuída, quando o candidato, indo ao fundo nas causas profundas que maltratam a candidatura, enfrenta o problema sem tergiversação ou firulas. Pesquisas qualitativas, com representantes de todas as classes sociais, indicam as causas. Aparecerão questões de variados tipos: atitudes pessoais, jeito de encarar o eleitor, oportunismo, mandonismo familiar, valores como orgulho, vaidade, arrogância, desleixo nas conversas, cooptação pelo poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com as demandas da sociedade. Para enfrentar alguns desses problemas o candidato há de comer muita grama. Ajustar a identidade Não se diminui a rejeição de uma hora para outra. Ao contrário, quando o candidato demonstra muita pressa para diminuir a rejeição, essa atitude passará a ser percebida pelo conjunto de eleitores mais críticos, que é exatamente o grupamento mais afeito à rejeição. E aí ocorre um bumerangue, ou seja, a ação se volta contra o próprio candidato, aumentando ainda mais a predisposição negativa contra ele. Trabalhar com a verdade, eis um ponto-chave para administrar a taxa de rejeição. O eleitor distingue factoides de fatos políticos, boas intenções de más intenções, propostas sérias de ideias enganosas. O candidato há de montar no cavalo da própria identidade, melhorando as habilidades e procurando atenuar os pontos negativos. Equilíbrio É erro querer mudar de imagem por completo, passar uma borracha no passado e cosmetizar em demasia o presente. Mas é também grave erro persistir nos velhos hábitos. Mudar na medida do equilíbrio. Mudar sem riscos. Inovar é preciso. De maneira gradual. Urge ter cuidado com mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada. Parte II Raspando o tacho O caso Petrobras: Tem mosca na sopa. - Por trás das matérias que mostram queda no valor da Petrobras no mercado, há um acervo de fatos positivos, que não têm merecido o devido destaque. - O Lucro líquido de 2023 = R$ 124,6 bi - ~ USD 25 bi, é maior que as multinacionais globais TotalEnergies (Fr) e Chevron (EUA). É o terceiro maior lucro dentre as grandes empresas de petróleo, atrás apenas de Exxon e Shell que são maiores e mais espalhadas pelo mundo. - No cenário em que o preço do barril (Brent) caiu 18% e o crack/diesel caiu 23%, a Petrobras conseguiu bater 13 recordes operacionais incluindo maior produção de diesel S10, maior uso da capacidade de refino e maior processamento de gás da história da empresa dentre outros recordes em produção, refino, engenharia, gás, redução de emissões, patentes, diesel, logística etc. - Já no cenário de preços internacionais voláteis e altos, a empresa conseguiu contribuir para dar mais estabilidade aos preços e reduzir o custo da gasolina A (na porta da refinaria, antes da adição de etanol anidro) em mais de 14% e o do diesel-A (porta da refinaria, antes da adição de biodiesel) em quase 30% (28,6%). O querosene de aviação e o botijão de gás igualmente apresentaram redução na porta das refinarias da Petrobras. - A dívida financeira da Petrobras foi reduzida em mais de 6 bilhões de reais, com o ganho de mais de 112% de retorno total das ações preferenciais em NY (em dólar) - valor muito superior ao maior retorno das maiores (que foi de 20%). - Quanto aos dividendos, cumpriu-se a regra de distribuição de dividendos mínimos de 45% do fluxo de caixa livre, e o Conselho de Administração votou pela retenção de 100% dos dividendos extraordinários numa conta que só pode ser usada para remuneração de acionistas, ou seja, apenas diferiu sua distribuição no tempo. O total de dividendos distribuídos referentes a 2023, por enquanto, ultrapassa 72 bilhões de reais (bem abaixo dos 222 bilhões do último ano de Bolsonaro, quando a intenção era claramente esvaziar a empresa e vender seus ativos e pulverizar seu capital). - A Petrobras está em linha com as empresas congêneres, distribuindo na média o que as empresas globais semelhantes também distribuem. - Por que, então, tanta carga negativa? Interesse político, meus caros. - As críticas à gestão carregam um viés político. Há sintonia fina entre a direção da empresa e o Palácio do Planalto. Jean-Paul Prates conta com o endosso de Lula. Que vê "choradeira" do mercado. Detecta-se. inclusive, fogo amigo. Uns tiros deflagrados pelo próprio PT. Afora, os tiros do Ministério de Minas e Energia. Avaliação do governo - O próprio Lula reconhece que o governo ainda não entregou o que prometeu. Daí a queda na avaliação da administração. - São Paulo, capital, é o maior polo crítico da administração lulista. - A lua de mel entre Lula e a comunidade política chega ao fim. Agora, as massas querem ver resultados. - A continuar seu crescimento, daqui a pouco, Ricardo Nunes ultrapassará Guilherme Boulos em São Paulo. - Este analista enxerga muito estardalhaço no episódio da foto manipulada pela princesa de Gales, Kate Middleton. Muito barulho por nada. Uma simples foto para mostrar a família. - Bolsonaro até que apreciaria aumentar o seu "índice de vitimização". A prisão calharia bem nesse momento. - A deputada Federal Rosângela Moro saiu do Paraná, onde mora, para São Paulo, onde se elegeu. Ante a possibilidade de cassação do marido, senador Sérgio Moro, por abuso do poder econômico, quer voltar a ter domicílio eleitoral no Paraná. E se candidatar ao Senado e ocupar o lugar do marido. Um deboche. A lei eleitoral até abre essa chance. Convenhamos, um deboche. - Arthur Lira, presidente da Câmara, assume, a cada dia, a postura de um primeiro-ministro. Só mesmo nesse parlamentarismo à brasileira. - As guerras na Ucrânia/Rússia e na faixa de Gaza/Israel/Hamas não dão sinais de arrefecimento.
quarta-feira, 6 de março de 2024

Porandubas nº 839

Abro a coluna com a historinha de um gaúcho bem "esperto". Na barbearia Certo dia, chega à barbearia juntamente com um menino, ambos para cortar o cabelo. O barbeiro, gente mui buena, faz um corte da moda no gaúcho, que aproveita para aparar a barba, a sobrancelha, os pelos do nariz, enfim, um trato geral. Depois de pronto, é a vez do guri. Diz o gaúcho ao barbeiro: - Tchê, enquanto tu corta as melena do guri, vou dar um pulo até o bolicho da esquina comprar um cigarrito e já tô de volta. - Tá bueno! - diz o barbeiro. Termina de cortar o cabelo do guri e o matreiro não aparece. - Senta aí e espera que teu pai já vem te buscar, diz ao moleque. - Teu irmão, teu tio, seja lá o que for, senta aí. - Ele não é nada meu! - fala o guri. O barbeiro pergunta intrigado: - Mas quem é o animal, então? - Não sei! Ele me pegou ali na esquina e perguntou se eu queria cortar o cabelo de graça! Parte I - O caminhar das eleições Os sem-discurso Por todas as regiões do país, ao lado dos Sem-Emprego, Sem-Terra, Sem-Teto, Sem-Escola, cresce a categoria dos Sem-Discurso. Trata-se da leva de pré-candidatos que levarão para os eleitores, nas eleições de outubro, uma boca cheia de intenções, um bolso cheio de dinheiro e uma cabeça carente de ideias. Geralmente os Sem-Discurso são ricos, administram interesses de grupos e são usados por partidos como financiadores de campanhas. São inexperientes em política e acreditam que o poder do dinheiro é capaz de operar milagres e colocá-los no pedestal mais alto. São centenas entre os 5.570 prefeitos de cidades brasileiras. A despolitização Não há exceção. Todos os Estados possuem candidatos Sem-Discurso, até porque eles se multiplicam nas sombras da abundância da sociedade industrial, que se caracteriza pela despolitização. Nas últimas décadas, vemos as doutrinas fenecerem, as utopias falecerem e as tecnocracias se expandirem. A administração das coisas tem substituído o governo dos homens. Os Sem-Discurso constituem a graxa de um ciclo, onde a densidade ideológica da competição política é cada vez menos forte. Parlamento e Executivo Por uma dessas contradições da cultura brasileira, os Sem-Discurso se fazem mais presentes na Câmara Federal e no Senado, na Câmara de vereadores, nas prefeituras e governos estaduais. Vejam o caso do Senado, um céu, segundo dizia o velho senador Dinarte Mariz, da ex-UDN do RN. Dos 81 senadores que ali chegam, há um grande grupo de suplentes que entram na cúpula convexa por causa do afastamento de titulares, guindados a governos de Estados e a ministérios. No Senado, a divisão entre senadores de primeira e segunda classes é mais expressiva que a distinção entre o alto e o baixo cleros na Câmara. Inexpressivos Muitos ex-governadores se sentam ao lado de figuras inexpressivas no campo da política e da administração pública. Esfacela-se, assim, a imagem de grandeza do Senado, que, desde o Império Romano, é, por excelência, a casa que abriga nomes de maior respeito de uma Nação. Por isso, justifica-se um antigo projeto de lei - atualmente engavetado - que redefine critérios para eleição de suplentes. Há, até, a ideia de se levar para o Senado, na vaga do titular afastado ou licenciado, o deputado Federal mais votado no Estado. Os "recursados" Enquanto isso não acontece, cresce, nos Estados, a procura por figuras Sem-Discurso, porém Com-Recursos, para azeitar as campanhas. É o que veremos no pleito de 2016. Teremos, portanto, um vasto espaço para oba-oba, reuniões sociais e empresariais, encontros que buscam engajamento e solidariedade em torno de candidatos que mal sabem recitar as funções de um senador. Que ninguém se iluda. Já na campanha municipal deste ano, nomes, propostas, projetos, experiências e atitudes serão conferidos a rigor pelo eleitorado. Se os mal alinhavados candidatos a prefeito e vereador quiserem um bom conselho, aí vai: procurem um discurso, uma identidade, um diferencial. Abandonem a linguagem tatibitate, patética e mirabolante. A micropolítica Para candidatos a prefeito, também é oportuno lembrar a mudança no mapa cognitivo do eleitorado: a micropolítica (questões locais, regionais) ganha mais pontos que a macropolítica (temas generalistas e difusos). Dinheiro, sozinho, não ganha campanha. E inexiste sorte em política. A ponte mais sólida para chegar ao eleitor se faz, ainda, com a argamassa do discurso. É claro que há bolsões que ainda reagem à moda antiga, exigindo recompensas. Nesse caso, os Sem-Discurso concorrerão com caciques que sempre levam a melhor, porque contam com o voto de cabresto. O discurso apropriado A intuição está cedendo lugar ao planejamento. Aquilo que um candidato acha que pode dizer deve passar, previamente, pelo pré-teste da aferição popular. E quem quiser chegar mais perto dos números finais de campanha, deve se lembrar da aritmética eleitoral: cerca de 20% dos votos esperados normalmente desaparecem. Parte dos eleitores gosta de cometer uma "traiçãozinha", outra parcela é permeável às "pressões" de última hora. O voto mais seguro ainda é aquele compromissado com o discurso, a proposta, o ideário. Todo cuidado é pouco para quem gosta de fazer campanha à base de meros refrões publicitários. Fraseados e palavras bonitas, quando artificiais, não fazem a cabeça do eleitor. Frequentemente, transformam-se em bumerangue, voltando-se contra o próprio candidato. Parte II Raspando o tacho... - Lula quer ver o Brasil como potência no campo do petróleo, ao lado do Brasil, líder no campo da sustentabilidade, da energia verde. Algo não combina. - O general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, deu o empurrão final: Jair Bolsonaro queria dar um golpe. E tinha conhecimento da minuta da "virada de mesa". - O tenente-brigadeiro do ar, Carlos de Almeida Baptista Junior, também dera depoimento à Polícia Federal sobre os fatos apurados na investigação do plano do golpe. Teria confirmado. - É questão de tempo. Bolsonaro deverá ser preso. E ganhar de vez o papel de vítima. O país continuará rachado. - Trump não foi julgado pela Suprema Corte dos EUA, que decidiu sobre a competência dos Estados no veto à candidatos presidenciais. O mérito não entrou na decisão. Ou seja, os processos contra Donald Trump continuam em pauta. - A França tomou direção oposta aos EUA. Inseriu na Constituição o direito das mulheres ao aborto. 86% dos franceses apoiam a constitucionalização do aborto, como demonstrou uma pesquisa do final de 2022 - taxa bem superior à do Brasil, onde a aprovação ao aborto é de 39%. - O ano eleitoral escancara o cofre público. Uma dinheirama para a campanha municipal. - O presidente do STF, Luis Barroso, disse que as Forças Armadas fizeram "um papelão" e foram "arremessadas" da política, por ocasião das últimas eleições presidenciais. - As Forças Armadas inauguram a abertura de um novo ciclo de profissionalização. - Chega de morticínio. Que os senhores das guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia entrem em um ciclo de paz. Urge cessar fogo. Fecho a coluna com uma historinha de português (para gáudio da colônia) Pregos Garcia - 2000 anos de garantia Um português abre filial de sua loja de pregos em Roma. Como a propaganda é a alma do negócio, fez um outdoor com a figura de Cristo pregado à cruz e em baixo estava escrito: - "Pregos Garcia - 2.000 anos de Garantia". Foi aquele rebuliço. O Bispo de Roma foi pessoalmente conversar com o português e explicar-lhe que não podia fazer aquilo, um pecado mortal... Então o português resolveu fazer um novo outdoor. Colocou Cristo com uma das mãos pregadas na cruz e a outra solta, a acenar. Em baixo estava escrito: - "Adivinhe em qual mão foi usado o Prego Garcia?" Meu Deus do céu! Até o Santo Papa saiu do Vaticano e foi conversar com o português: - Que heresia meu filho! Não se pode usar Jesus Cristo como personagem de propaganda... Inventa outra coisa e retire isto imediatamente! O portuga pensou, pensou, pensou e... - Ok se é assim, vou fazer um novo outdoor, desta vez sem a imagem de Cristo! Colocou a foto da cruz vazia e em baixo o escrito: - "Se o Prego fosse Garcia, o tipo não fugia..." (Anedota sugerida por Maria Mouzinho).
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Porandubas nº 838

Historinhas conhecidas que merecem repeteco. Por que não? Quando Winston Churchill fez 80 anos, um repórter de menos de 30 foi fotografá-lo e disse: - Sir Winston, espero fotografá-lo novamente nos seus 90 anos. Resposta de Churchill: - Por que não? Você me parece bastante saudável. Veneno no seu chá Bate-boca no Parlamento inglês. Aconteceu em um dos discursos de Churchill em que estava uma deputada oposicionista, Lady Astor, conhecida pela chatice. Ela pediu um aparte (Sabia-se que Churchill não gostava que interrompessem os seus discursos, mas concedeu a palavra à deputada). E ela disse em alto e bom tom: - Sr. ministro, se Vossa Excelência fosse o meu marido, eu colocava veneno em seu chá! Churchill, lentamente, tirou os óculos, seu olhar astuto percorreu toda a plateia e, naquele silêncio em que todos aguardavam, mandou: - Nancy, se eu fosse o seu marido, eu tomaria esse chá com prazer! Parte I - A conjuntura O tamanho do comício 185 mil ou 750 mil participantes? Afinal, qual foi o montante aproximado da massa na avenida Paulista, domingo, 25 de fevereiro, por ocasião do evento convocado por Bolsonaro? A USP, usando critérios técnicos e medições que primam pelo cuidado, calcula em 185 mil, o maior número já registrado por seus cálculos. A PM fala em 750 mil. A PM, do governo Tarcísio de Freitas, correligionário de Bolsonaro. A PM, que tem dito não mais fazer cálculos, decidiu abolir suas medições. E que, agora, volta a insistir com seus registros. Em quem acreditar? O que importa Seja qual for o número, importa reconhecer que o evento foi um empreendimento vitorioso. Recebeu muita gente. Bolsonaro demonstrou ser capaz de promover grandes manifestações. E mostra, mais uma vez, que o partido está dividido. As duas alas polarizam o debate. Jair canaliza todas as energias que não se postam ao lado do lulopetismo, que continua a receber a contrariedade de quase metade dos eleitores. O fato é que a rejeição ao petismo é forte. O PT, ao longo de sua existência, fixou uma barreira entre ele, território muito fechado, e parcela da comunidade política. Água e óleo Para milhares de brasileiros, o PT não consegue diluir o óleo que se mistura à água. Padece de uma doença que tem se alastrado desde sua fundação, no final dos anos 80. Pregou por décadas o receituário de que o partido é puro, é ético, é banhado nas águas límpidas da dignidade. Foi pego com a mão na massa. O escândalo do mensalão, o escândalo do petrolão. Caiu na vala comum dos manchados entes partidários. Governou o Brasil por anos a fio. Lula chegou ao seu terceiro governo sob a crença de que foi o maior presidente do país, chegando a ultrapassar Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. O impacto Voltando ao evento da Paulista. É claro que o acontecimento marca um gol no campeonato de disputas pelo poder. Bolsonaro deixa claro que é candidato em 2026, esperando uma nova decisão da Justiça para voltar a ganhar elegibilidade. Espera, igualmente, fazer uma grande bancada de prefeitos e vereadores na eleição de outubro próximo. Lula vai correr o país, tentando nadar nas águas da estabilidade da economia. Se o ambiente lhe for favorável, com os brasileiros agradecidos por terem um bom dinheiro no bolso, Luiz Inácio será o maior eleitor em outubro. A recíproca é verdadeira. A pororoca É possível haver uma pororoca, com ondas balançando a canoa eleitoral? Sim. Tudo vai depender dos ventos, ou mais brandos e acolhedores ou mais devastadores. As siglas estão com um olho voltado para os fundos partidários e o outro tentando descobrir o espírito das ruas. E tome liberação de emendas. Lula escancara a porta do Tesouro. Nunca se viu tanta grana em ano eleitoral. Ou tudo ou nada. Uma derrota do petismo seria uma catástrofe. O pleito fechará ou ampliará os horizontes do amanhã. A direita em pé A direita já não tem vergonha de se posicionar como tal no arco ideológico. Maior possibilidade de ganhar estofo na contemporaneidade. E seu quadro mais significativo será Ronaldo Caiado. Mais que Tarcísio de Freitas. O governador de Goiás leva vantagem de ter melhor avaliação. Transmite a receita da experiência política, seja na esfera parlamentar, seja no espaço do Executivo. Precisa começar a se mostrar por inteiro ao país. Ganhar adeptos. Formar vínculos. A esquerda deitada A esquerda ainda se encontra deitada. Parece acomodada. O PT e Lula tomam conta dos cantos e recantos da esquerda. Os mais radicais do PSOL ou PSTU se encontram distantes dos grandes conglomerados. A exceção é Guilherme Boulos, o mais forte pré-candidato à prefeitura de São Paulo. Se Boulos se firmar, a esquerda teria a chance de vir a governar a maior metrópole do país, e, sob essa moldura, adubar as sementes da floresta de 2026. Kassab escondido Gilberto Kassab já foi melhor no campo da articulação e visibilidade. Parece escondido. O comandante do PSD estaria sob a sombra do lema "passarinho na muda não pia". É estranho seu desaparecimento. O que seu amigo Guilherme Afif Domingos, também secretário da gestão Tarcísio, em São Paulo, acha? Aloysio Nunes em zigue-zague Aloysio Nunes Ferreira, uma das melhores cabeças pensantes destas terras, caminha em zigue-zague, dois pra lá, dois pra cá. Continua no PSDB e vai dirigir a APEX, a partir da Bélgica. O ex-governador e ex-senador estava à frente da SP Negócios, ligada à prefeitura de SP, chefiada por Ricardo Nunes, do MDB. Nomeado por Lula, que demonstra ser um bom pescador. Curto ensaio ético I A entrada na terceira década do século XXI pode significar a abertura de um ciclo ético na política? A pertinência da questão se relaciona aos movimentos pela depuração ética, que brotam no seio da sociedade e o motor principal são as denúncias de velhas práticas e obsoletos padrões no modus operandi da política. O fato é que uma fogueira ética começa a esquentar a paisagem política não apenas brasileira, mas internacional, deslocando eixos tradicionais de poder para a sociedade, que passa a ser mais autogestionária e determinada a cumprir as suas metas de bem-estar. Curto ensaio ético II A ética na política e na administração pública é um dos instrumentos que a sociedade coloca no plano estratégico de suas lutas. E a consequência imediata dessa vontade ocorre no palco político. A relação entre ética e política é bastante estreita, tratando a primeira, pela visão aristotélica, da análise das virtudes, a busca da felicidade, a consideração sobre o conceito de justiça e a segunda tratando da análise das normas constitucionais e dos regimes mais adequados para bem servir a comunidade. Portanto, não há justiça, virtude ou felicidade à margem da sociedade política. O plano político afeta o plano ético e vice-versa. Donde se pode concluir que qualquer aperfeiçoamento ético no país terá fortes repercussões sobre a arena política, o terreno da administração pública, a relação entre o poder público e os grupos privados e o perfil da autoridade. Parte II Raspando o tacho - O programa de recapeamento do prefeito Ricardo Nunes começa a exasperar os motoristas na capital paulista. Muita interrupção do fluxo de trânsito. Congestionamentos promovem indignação. - A Covid voltar a atacar forte. Os registros de casos e mortes aparecem com intensidade. - A dengue também exibe dados preocupantes. Nas gavetas, faltam vacinas. - Cheias ao norte, chuvas no Nordeste, seca em algumas regiões. O retrato de um país continental. - O PSDB quer evitar revoada de tucanos. Está difícil. - A janela partidária será aberta em 7 de março, fechando-se em 5 de abril. Permite que candidatos que detenham mandato possam trocar de partido sem que sejam punidos por infidelidade partidária. Isso pelo motivo de a legislação proibir a troca partidária ao longo do mandato. - Lula deixa de responder perguntas inconvenientes. Uma, de uma repórter de Valor Econômico, Lu Aiko Otta, sobre o evento de Bolsonaro na avenida Paulista. Fecho a coluna com uma historinha sobre o bem e o mal. Jung e o rei africano Jung perguntou, uma vez, a um rei africano: - Qual é a diferença entre o bem e o mal? O rei meditou, meditou e respondeu às gargalhadas: - Quando roubo as mulheres do meu inimigo, isso é bom. E quando ele rouba as minhas, isso é muito ruim.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Porandubas nº 837

Abro a coluna com o "francês" Dirran. Infame, mas engraçada...! Dirran (com "biquinho" para parecer um francês correto), galego meio sarará, entroncado e de pernas curtas, jogava no Clube Atlético Potengi, no Rio Grande do Norte. Um dia, disputava no Machadão uma partida contra o Potyguar de Currais Novos, pela 2ª divisão do campeonato potiguar. O jogador atleticano era o destaque. Fazia dribles desconcertantes e lançamentos perfeitos. Fechou as glórias com um golaço. O narrador da rádio Poti gritava: "Dirran é um craque", "Dirran, revelação do futebol norte-rio-grandense". Dirran prá cá, Dirran pra lá. No final do jogo, o Clube Atlético Potengi perdeu por 3 x 1. Mas o destaque foi Dirran. Vendo todo aquele sucesso, um jovem repórter da Rádio Poti correu para fazer uma entrevista com o craque na beira do gramado. Disparou uma bateria de perguntas: "Você tem parentes na França? Qual a cidade onde nasceu, Monsieur? Como veio parar no Brasil? Pode comparar o futebol europeu com o futebol brasileiro? Qual a origem de seu nome?" Espantado, sem atinar com a situação, o jogador respondeu ao incrédulo repórter: "Pera aí, meu sinhô, num é nada disso; meu apelido é Cú de Rã, mas como num pode falar na rádio, então, eles abreveia pra Dirran." (Historinha enviada pelo amigo Álvaro Lopes). Parte I A conjuntura - A síndrome do touro A fala desastrada do presidente Luiz Inácio, ao comparar a guerra de Israel contra o Hamas, na faixa de Gaza, com o holocausto, que ceifou a vida de seis milhões de judeus, nos coloca diante de uma das mais terríveis síndromes da contemporaneidade: a síndrome do touro, o animal que pensa com o coração e arremete com a cabeça. Lula ganhou do governo de Israel a pecha de "persona non grata", um ato de rejeição da diplomacia para pessoas indesejáveis, que não recebem o status de bem-vindas ao país atingido. Lula não vai pedir desculpas, sob a crença de que "sacudiu o mundo", nas palavras de seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim. O Estado-Espetáculo Lula vai presidir o G20, numa temporada que confere ao Brasil uma posição de destaque no campo da visibilidade nesse ano. Pensa em usar o grupo das 20 Nações mais poderosas no campo da economia para acabar ou diminuir a fome no mundo. No horizonte, sinaliza com o recebimento do Prêmio Nobel da Paz. Com a expressão sobre os judeus, "a vaca vai pro brejo", ou seja, o sonho do Nobel vai para o atoleiro. O Estado-Espetáculo parece guiar os passos do mandatário em seu terceiro governo. Brilho, glórias, aplausos, subir ao pódio da visibilidade mundial - eis a teia com que Lula sonha para acolher sua imagem. Impactos A fala de Lula terá impactos na área da política. De um lado, afastará de suas proximidades a poderosa comunidade judaica, que tem forte influência no meio da pirâmide social. De outro, verá mais longe a comunidade de igrejas religiosas que, hoje, ainda estão próximas do bolsonarismo. Há tempos, Luiz Inácio procura atrair esses núcleos. Sem sucesso. E agora, os verá mais distantes. É fato que Lula procurou uma fala para massagear o coração de sua base encravada no território da extrema esquerda. Há um contingente que concorda com seu antissemitismo. O país continua dividido. Lula perde com a boca falante. Encarna a síndrome do touro. Boulos, Tábata e Nunes Guilherme Boulos, o candidato do PSOL apoiado pelo PT, receberá respingos da cachoeira palanqueira de Lula. Fosse Tábata Amaral mais experiente, canalizaria muitos votos desgarrados do lulopetismo. Quem sabe, mais adiante poderá ser mais viável. Hoje, o prefeito Ricardo Nunes, MDB, é quem mais se beneficia dos indignados contra Lula. Nunes espera contar com a massa satisfeita com seu programa de recapeamento. Boulos espera agregar setores do centro. Tábata tem esperança de que sua imagem ganhará densidade na esteira de maior conhecimento junto ao eleitorado. Bolsonaro no palanque Dia 25 próximo, domingo, Jair Bolsonaro espera um milhão de pessoas na avenida Paulista. Quer ver muita gente no que espera ser o comício inicial do terceiro turno das eleições. Pode juntar bastante gente, mas não a quantidade com que sonha. O pastor que comandará o espetáculo é Silas Malafaia, sem apelo popular em São Paulo. Diz que contratará dois carros de som. Só? Garante-se que cerca de 100 deputados Federais confirmaram presença. Bolsonaro passa a impressão de que quer se vitimizar e receber o aplauso das massas. O papel de vítima lhe convém em momento de tiroteio na imagem de Lula. P.S. Nunes, o prefeito, perderá ou ganhará com sua eventual presença no palanque da Paulista? Os paradoxos da modernidade Não há lugar para certezas nesse quase meado da segunda década do século XXI. Não deixa de impressionar a escalada de paradoxos da modernidade: nunca se gastou tanto em segurança pública e privada, mas os cidadãos nunca se sentiram tão inseguros; investem-se bilhões e bilhões em biotecnologia e nas mais diversas áreas da medicina para prolongar o tempo de existência do ser humano, mas o percurso de uma pessoa sobre a terra é um fio tênue e fragilizado pela ciclópica cadeia de problemas das cidades. Por momentos, ondas de civismo banham Nações, fortalecendo a consciência da Cidadania, mas cresce também a letargia da alienação, decorrente do stress, dos medos, da insegurança, da falta de governos, da ausência de políticas públicas capazes de acender o entusiasmo das populações. Cadeias máximas? A venda de fugas passou a ser um grande negócio. Essa fuga de dois bandidos da cadeia de segurança máxima de Mossoró/RN é o cume da montanha da contradição em que vive o país. Nossas cadeias mais seguras mostram que são inseguras. Diz-se uma coisa e a realidade é outra. O nosso território está inundado de drogas, milícias e violência. Estamos passando da posição de corredor de drogas para o ranking dos consumidores. Os governos prometem agir. Mas agem em outras direções. Arrecadar mais, por exemplo. É isso que mais entusiasma a burocracia de Brasília. A arte de governar Há 227 anos, o segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, fazendo uma reflexão sobre os governos, dizia que "todas as ciências progrediram, menos a de governar, que não avançou, sendo praticada apenas um pouco melhor que há quatro mil anos". O conceito se amolda a alguns dos nossos governantes. Daltônicos, confundem cores. Insensíveis, invertem prioridades. Agem como touros, decidindo com o coração e arremetendo a cabeça contra as massas. Abílio Diniz A coluna presta homenagem a um empreendedor de vulto. Um visionário que espalhou grandeza pelos campos em que caminhou. Um homem trabalhador. Um amigo das artes e da cultura. Um amante dos esportes. Um são-paulino como este escriba. Viva, Abílio Diniz. Viva! Viva! Viva! Parte II Raspando o tacho - A convocação do embaixador brasileiro em Israel, Frederico Salomão Duque Estrada Meyer, pelo governo israelense, para receber uma reprimenda no espaço do Museu do Holocausto, e não na sede do Ministério de Relações Exteriores, como é praxe, foi um gesto extravagante. Mais ainda pelo fato de que o chanceler israelense puxou a orelha do nosso embaixador em uma fala em hebraico, sem tradução simultânea, merecendo apenas um olhar interrogativo de Duque Estrada. - Lula vai fazer campanha municipal nas grandes cidades. Quer chegar em 2026 equipado. - O oposicionismo ganha mais uma pauta em seu calendário de críticas ao governismo: o alinhamento simpático de Luiz Inácio a Maduro, da Venezuela, e Putin, da Rússia, que não são democracias. - Por falar em Putin, ele está ganhando a guerra contra a Ucrânia. E se dando ao luxo de presentear o ditador da Coréia do Norte, Kim Jong-un, com uma limusine fabricada na Rússia, no mesmo estilo da que lhe serve no Kremlin. Um carrão. - O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, está no Brasil para uma rodada de conversas. Chegou sem estardalhaço. Trata-se de funcionário que está em primeiro lugar na ordem de precedência e na linha de sucessão presidencial. Blinken conversa hoje com Lula e participará de reuniões do G20, que reúne as maiores economias do mundo. Com Lula, deve discutir as questões bilaterais e globais entre Brasil e Estados Unidos. - A questão da idade estará no centro do debate presidencial nos EUA. Joe Biden estaria se esquecendo de coisas importantes. Memória falha. Trump, com 77, tem apenas quatro anos a menos do que Biden, com 81 anos. Em 2026, Lula terá 80. - O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, em palestra na FIESP, segunda-feira, ganhou aplausos da plateia ao demonstrar amplo conhecimento sobre os terrenos da indústria, história da globalização, meio ambiente, medicina, e até - pasmem - biologia. Um arquivo ambulante de números, temas da atualidade e historinhas hilárias. Fecho a coluna com a desconfiança do coronel Juca Peba. Desconfiado e matreiro, o coronel Juca Peba não era de muita conversa. Tinha dinheiro, e muito, guardado sob o travesseiro. Até o dia que inauguraram a Agência do Banco do Brasil, em Cajazeiras. A gerente foi procurar o coronel Juca Peba com o argumento: - Coronel, bote o dinheiro no banco. Vai ser guardado, bem guardado, e vai render juros. Depois de muita conversa, e muitos cafés no varandão da casa, o coronel, ainda desconfiado, foi ao banco. Com 100 contos numa bolsa de couro. Tirou devagar o pacote. Contou. Uma, duas, três vezes. Depositou. Matreiro, ficou na espreita, na calçada, olhando, espiando o movimento do banco. Para ver se aquele troço não era tramoia. A desconfiança aumentou. Entrou no banco. Foi ao Caixa. Ordenou: - Quero os 100 contos que eu botei aqui. Já. Aflito, o bancário foi buscar o dinheiro. O coronel pegou o maço. Conferiu. Uma, duas, três vezes. E devolveu, sob a expressão juramentada: - Eu só queria mesmo conferir. Pode guardar.
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Porandubas nº 836

Abro a coluna com o impagável José Maria Alkmin. Calma, prisão suavemente... José Maria Alkmin foi advogado de um crime bárbaro. No júri, conseguiu oito anos para o réu. Recorreu. Novo júri, 30 anos. O réu ficou desesperado: - A culpa foi do senhor, dr. Alkmin. Eu pedi para não recorrer. Agora vou passar 30 anos na cadeia. - Calma, meu filho, não é bem assim. Nada é como a gente pensa da primeira vez. Primeiro, não são 30, são 15. Se você se comportar bem, cumpre só 15. Depois, esses 15 são feitos de dias e noites. Quando a gente está dormindo tanto faz estar solto como preso. Então, não são 15 anos, são 7 e meio. E, por último, meu filho, você não vai cumprir esses 7 anos e meio de uma vez só. Vai ser dia a dia, dia a dia. Suavemente. (Sebastião Nery conta a historinha em Folclore Político). Parte I A violência afugenta investidores A manchete faz o alerta: a violência é um fator que afugenta os investidores no Brasil. E faz com que o país deixe de crescer 0,6 ponto do PIB. É a análise do Fundo Monetário Internacional mostrando que insegurança custa caro ao país e diminui a produtividade da economia. No últimos dias, o país tem vivido episódios que atestam como a violência afeta a economia. Na rua Santa Ifigênia, centro de comércio eletrônico da capital paulista, um empresário teve sua loja invadida. O prejuízo foi de R$ 300 mil e o dono decidiu fechar seu estabelecimento. Na Cracolândia, região central de São Paulo, lojas de produtos eletrônicos foram também invadidas. Expansão do crime Nos últimos anos, o número de estabelecimentos comerciais na região despencou, de acordo com matéria de O Estado de São Paulo. Em 10 anos, a quantidade de empresas caiu de 15 mil para cerca de 2,5 mil. O ambiente é de medo. Veja, leitor: antes de você terminar de ler este parágrafo, mais de dois cidadãos estão tombando ou sendo assaltados, nos vastos espaços do território nacional, vítimas da bandidagem. Entre janeiro e outubro do ano passado, 71.078 pessoas morreram por causas violentas, uma média de 234 mortes por dia. De cinco doentes que baixam nos hospitais brasileiros, pelo menos um é vítima de uma "guerra civil" que mata por ano quase 50 mil brasileiros, três vezes mais que nos Estados Unidos, mais gente que os mortos em conflitos étnicos, e mais do que a guerra entre Rússia e Ucrânia. O rombo da previdência A violência empobrece o país. O rombo da Previdência tem a colaboração do cano assassino que aleija multidões, alarga fila de hospitais, multiplica pensões de viúvas e devasta 10% do PIB, ou seja, R$ 84 bilhões, dinheiro que poderia estar sendo investido em hospitais, escolas, habitação, transportes, agricultura. Mata-mata O quadro é aterrador: bandidos assaltando, matando pessoas; chacinas explodindo nos finais de semana; policiais matando bandidos; bandidos matando policiais; policiais matando policiais; bandidos roubando o dinheiro de companheiros presos; cárceres apinhados; estupros e mortes violentas cometidas pela mais fria estupidez. O número total de custodiados no Brasil é de cerca de 650 mil em celas e cerca de 200 mil em prisão domiciliar. Nas prisões-depósito, feitas para abrigar 107 mil presos, cerca de 196 mil presos germinam novas formas de violência, enquanto as gavetas se entopem com 240 mil mandados de prisão, envolvendo, no mínimo, 100 mil bandidos soltos nas ruas, 40 mil só em São Paulo. Proporção geométrica A brutalidade jorra em proporção geométrica e as paliativas soluções governamentais - melhoria e ampliação do sistema penitenciário, reforço e reaparelhamento das polícias - estão longe de um crescimento em proporção aritmética. Os cinturões metropolitanos, já saturados de lixões que ofertam um banquete pantagruélico para urubus, crianças e mães famintas, são também palco para a exibição de corpos chacinados em decomposição, vítimas do maior ciclo de violência do Brasil contemporâneo. Trata-se, no fundo, da projeção da sombra do FMI sobre o país, com seu rígido programa monetário e escandaloso custo social. Recursos necrológicos A miséria dos conglomerados periféricos abre vastas oficinas de morte. E assim o mais rico país do mundo em recursos biológicos está se transformando no mais fértil país do mundo em recursos necrológicos. Os descalabros se sucedem na área de segurança, com a bandidagem produzindo a mais aterradora estatística de mortes violentas de que se tem notícia. Os governos, inermes, permanecem estáticos, olímpicos, discursivos, eloquentes, apenas cheios de boas intenções. As polícias estão desmotivadas. O crime compra espaços nas prisões, superlotadas, nas delegacias e nos quartéis. E a solução certamente não passa pela pedagogia da soltura de bandidos perigosos, como querem alguns. A onda mundial do crime É triste. O país se torna um dos países mais violentos da humanidade. A violência, de tão desalmada, está matando a vontade do povo. Sem ânimo, emoções envenenadas pela angústia, os cidadãos entram no limbo catatônico, assemelhando-se a dândis em passeio macabro e estonteante por um jardim de horrores. A violência suga a vitamina da vida, a alegria de viver. O que fazer? Lutar com a arma da mobilização. Denunciar, pressionar, acusar, assinalar, abrir a palavra. Toffoli e o perdão Se há uma autoridade que parece querer ser o símbolo do perdão no país, esta é o ministro Dias Toffoli. Bilhões de dívidas de empresas que cometeram ilicitude e foram objeto de investigação pela operação Lava Jato foram suspensas por decisão do ministro. Suspensas, não anuladas, dizem advogados de clientes que advogaram contra a Lava Jato. O plenário do STF dará a palavra final? Esta é uma dúvida. Petrobras e ex-Odebrecht, investigadas pela operação Lava Jato, confessaram suas culpas. Bilhões foram devolvidos aos cofres públicos. E agora? José Paulo Cavalcanti O jurista José Paulo Cavalcanti Filho, a respeito das decisões de Toffoli e Alexandre de Moraes sobre as investigações da Lava Jato, em entrevista à Rádio Jornal (Recife), segunda-feira, explica: "Todo o palavreado dos ministros está baseado em gravações da Intercept, site de notícias que divulgou gravações sobre a Lava Jato"... (e lembra) que, nos EUA, "o Poder Judiciário aceita gravações autorizadas como prova, mas as não autorizadas apenas como provas circunstanciais, pois precisa estar acompanhada de outras evidências para ser considerada"... essa situação funcionou como "substrato" para Toffoli e Moraes... "de forma técnica, é um escândalo que isso ocorra. Na política é outro escândalo.", diz o ex-ministro da Justiça do governo Sarney, José Paulo Cavalcanti. E arremata: "eles não poderiam ter usado, e ainda que isso mudasse a gravação feita por alguém que é réu por fraudar gravações". O retrato em dados O site Poder360, criado e dirigido pelo competente jornalista Fernando Rodrigues, esboça um retrato da Lava Jato em números: "No total, de março de 2014 a março de 2019, as operações deflagradas no Rio e no Paraná resultaram em 1.644 buscas e apreensões, 262 conduções coercitivas, 347 prisões preventivas, 196 prisões temporárias. Com o descobrimento de esquemas ilícitos e a detenção de possíveis envolvidos, os procuradores da Lava Jato apresentaram 167 denúncias, muitas baseadas em delações premiadas que resultaram na abertura de inquéritos". 600 réus "Somente no âmbito do STF (Supremo Tribunal Federal) foram instaurados 300 inquéritos. Atualmente, segundo a PGR, já são mais de 600 réus. O Ministério Público também firmou 183 acordos de colaboração premiada e 12 acordos de leniência, além de 1 termo de conduta. Com os acordos de colaboração, foi possível recuperar R$ 13 bilhões. Os procuradores também fizeram 548 pedidos de cooperação internacional no âmbito da Lava Jato, sendo 269 pedidos ativos para 45 países e 279 pedidos passivos com 36 países. No Paraná, o MP apresentou 91 denúncias no âmbito da Lava Jato, nas quais 426 pessoas foram acusadas de envolvimento nos crimes". Parte II Raspando o tacho - Arthur Lira, o poderoso presidente da Câmara, acha que o ministro da Articulação Institucional, Alexandre Padilha, não faz um bom trabalho. Comenta-se que pediu sua "cabeça". Lula assegura permanência de Padilha. Este, evidentemente, tornou-se alvo de Lira por ter contrariado seu desejo de avolumar sua fatia de poder. Lula espera acalmar os ânimos. Será difícil. O presidente da Câmara alardeia: o Orçamento não é uma peça apenas do Executivo. - Indícios de que a economia não dará os resultados esperados é um morteiro na imagem do governo. Pode ter impactos nas campanhas de candidatos petistas. - Bolsonaro ressuscita o "cercadinho", onde dava ligeiras entrevistas, na frente do Palácio da Alvorada. Que vontade de fustigar Lula. - Lula começa a correr o país para "nacionalizar" a campanha municipal. Começou por São Paulo e pela Baixada Fluminense. - Fez bem o Rei Charles em autorizar a transparência sobre seu estado de saúde. Tempos de clareza. - O ministro Toffoli manda investigar a ONG Transparência Internacional Brasil... - Elmar Nascimento, deputado Federal (União-BA), pode vir a ser o próximo presidente da Câmara. - A historiadora Lilia Schwarcz disputa com o romancista/diplomata Edgard Telles Ribeiro a vaga número 9, que foi ocupada por Alberto da Costa e Silva na ABL. Lilia é a favorita. Eleição daqui a um mês. Informação de Lauro Jardim, de O Globo. Fecho a coluna com um alerta aos candidatos deste ano. Propaganda negativa A revolução francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a Nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia.
quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Porandubas nº 835

Abro a última coluna de janeiro com duas historinhas. Água no feijão Getúlio Vargas recebe o repórter no Palácio do Catete: - "Presidente, para vencer na política, o que é necessário?" - Vargas: "Muita coisa. Por exemplo, boa memória. A política é como água no feijão. O que não presta flutua. O que é bom repousa no fundo". Pequena reflexão. Tirando a diferença histórica: quem é bom e quem não presta na política brasileira? Quem flutua na água e quem está no fundo? Um prêmio para quem acertar a resposta. (Contada por Sebastião Nery) Será o Benedito? Às vésperas da escolha do interventor de Minas Gerais, em 1934, Benedito Valadares se encontrou no Rio de Janeiro com José Maria Alkmin: - Se você for o escolhido, me convida para secretário? - Você está louco, Benedito?, respondeu um divertido Alkmin. Dias depois, Getúlio Vargas anunciaria a escolha de Valadares, que logo recebeu um telegrama: "Parabéns. Retiro a expressão. Ass. Zé Maria". Zé Maria Alkmin acabou nomeado secretário do interior. (Enviada por Álvaro Lopes) Parte I A força dos prefeitos: pequena reflexão sobre a administração municipal Pergunta recorrente: no pleito de outubro, os prefeitos que se candidatam à reeleição têm mais chances? Resposta: em princípio, sim. Contam com uma superestrutura, milhares de servidores, que não possuem estabilidade, mas querem continuar nos seus cargos e posições, devendo se engajar, informalmente, na campanha, sob uma malha de obras na esteira do ano eleitoral. Portanto, esse aparato, por si só, pode alavancar o nome dos alcaides. A vacina da responsabilidade Os prefeitos acordaram. Depois de décadas de acomodação, regadas a mandonismo, filhotismo e votos de cabresto, a prefeitada tomou a vacina da lei de responsabilidade fiscal, aplicada sob o olhar duro de um eleitor cada vez mais crítico e exigente. O fisiologismo histórico que tem alimentado os currais eleitorais não foi embora de todo, mas está sendo paulatinamente substituído por cooptação eleitoral ancorada em ações substantivas, obras e projetos de interesse das comunidades. Os tempos do eleitor "maria-vai-com-as-outras" estão passando. Os prefeitos sabem muito bem que já não é mais possível governar com o lema: "para os amigos pão, para os inimigos pau". A velha política Os prefeitos continuam a enfeixar grandes fatias de poder. Não se trata daquele tipo de poder que Victor Nunes Leal tão bem descreveu em "Coronelismo, Enxada e Voto", um clássico sobre o mandonismo municipal: "exerce o coronel uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se desincumbe com sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas". Os coronéis "padeceram", mas deixaram herdeiros, entre os quais centenas de prefeitos espalhados principalmente nas regiões menos desenvolvidas cultural e politicamente. A micropolítica O que passa a predominar no cenário político é um conjunto de prefeitos mais conscientes, imbuídos do ideal de servir, atentos aos movimentos sociais e, sobretudo, preocupados com fazer algo mais substantivo. Promessas mirabolantes já não fazem a cabeça de um eleitor, cujas demandas se abrigam no terreno da micropolítica - a escola perto da casa, o transporte fácil e barato, a iluminação e o asfaltamento da rua, o sistema de esgoto, o alimento barato, a assistência social. E, nesses tempos de violência em crescimento, segurança. O passaporte de volta A pergunta que abriu a coluna pode ter também uma resposta negativa: não. O cargo de prefeito não garante a reeleição. Por quê? Prefeito ineficaz não se reelege e não fará o sucessor. Ganhará o passaporte para voltar à sua casa. Dinheiro até pode mudar o sentido de uma eleição, mas não tem o mesmo peso do passado. Vida limpa, passado e presente decentes, obras focadas no interesse coletivo, transparência administrativa, enxugamento de estruturas, racionalização de processos, circulação no meio do povo, desburocratização e simplificação de serviços constituem os parâmetros modernos para a conquista do eleitorado. Só dinheiro não elege O dinheiro está curto e cada centavo passa a ser valorizado. Apesar de um fundo eleitoral que ultrapassa os R$ 4 bilhões, aprovado por Lula sob pressão do Congresso. Ademais, fortalece-se o poder crítico das bases municipais, fator que se percebe na conduta de vereadores conscientes do papel fiscalizador. E, para arrematar o quadro, há uma mídia denunciativa, que procura bem informar, interpretar e opinar criticamente. O poder centrípeto Um fenômeno dos novos tempos é o poder centrípeto. Nasce nas margens sociais e corre para o centro, a denotar uma força extraordinária adquirida pela sociedade. A maior taxa de responsabilidade que incide sobre os 5.570 prefeitos do país recebe, assim, o endosso de uma malha de conscientização e controle, inserida nas organizações intermediárias da sociedade. Esse fenômeno merece estudo. Há uma nova e forte articulação social em marcha no país, pouco detectada por pesquisas e quase despercebida pelos cientistas políticos. A força emergente da sociedade nasce nos grupamentos organizados, na "nova classe" integrada por segmentos do empresariado médio, principalmente do setor terciário, que vive fase de expansão, após a pandemia da Covid-19, e, ainda, pela estrutura do comércio das cidades polos do interior e por correntes de trabalho voluntário e de religiosidade que se espalham pelo país, levando mensagens de solidariedade, esperança e renovação. Poder de pressão Milhares de entidades se formam em todas as regiões, juntando grupos de interesse e de opinião, promovendo mobilização e desenvolvendo articulação entre os eixos da grande roda social. Essa rede funciona como paredão de pressão sobre os poderes Legislativo e Executivo. E por falar em pressão, é oportuno lembrar que a comunidade municipal exerce maior pressão sobre os prefeitos que a comunidade estadual sobre a figura do governador. Quanto menor a unidade, maior será a pressão, em função da proximidade entre os agentes políticos e as bases. Governadores não são tão cobrados quanto prefeitos. Democracia participativa Nessa moldura, a democracia representativa está sendo exercida pelo universo de entidades intermediárias, com forte prejuízo para a instituição política tradicional, caracterizada pelos "catch-all parties" ("partidos agarra tudo que puderes"), na expressão de Otto Kirchheimer, cientista social alemão. Não é à toa que os nomes de candidatos, entre nós, têm prevalência sobre os partidos. Os perfis mais atraentes são os funcionais-assépticos, descomprometidos com esquemas corrompidos, de propostas diretas, objetivas e que se comunicam diretamente com o eleitorado. A impopularidade de uns e outros tem muito a ver com a embalagem que lhe proporcionam as estruturas e formas tradicionais da política. A falta de continuidade na administração pública também proporciona desconforto e descrença. O eterno retorno O povo tem a sensação de que estamos sempre recomeçando, saindo do nada. O novo governante apaga tudo que o antecessor construiu, inclusive as coisas boas. O fato gera desesperança. Por isso mesmo, o povo acalenta farta dose de apatia. Deixa as decisões para a última hora. Na nova parede, a mulher tem destaque. Ela não quer mais ser apenas figuração de cenário. Assume, cada vez mais, papel de coadjuvante. Parte II Raspando o tacho - O governo Lula coleciona derrotas no Congresso, apesar dos largos espaços concedidos ao Centrão. O corpo parlamentar derrubou até agora (repito, até agora) 53% dos vetos de Lula a MPs e projetos de lei. - Constatação à boca pequena entre analistas, consultores e jornalistas: a corrupção voltou com força nesses tempos de "eterno retorno". À propósito, o Brasil cai 10 pontos no ranking de percepção da corrupção, assinado pela Transparência Internacional. - O recapeamento em São Paulo, capital, é o mais intenso das últimas décadas. A cidade virou um canteiro de obras. Ricardo Nunes, o prefeito, pensa em "capturar" muitos votos com sua avalanche obreira. Será que pensou no "vice-versa"? Os transtornos no trânsito multiplicaram as imprecações contra o alcaide. - Voltou também com força a onda de violência, que se espraia por todos os espaços. A segurança pública, mesmo se sabendo que não é função das municipalidades, será um dos carros-chefes da campanha municipal deste ano. - Os filmes que concorrem ao Oscar enchem as salas de cinema, que estiveram vazias por um bom tempo, na esteira da pandemia de Covid. - A governadora de Pernambuco, Raquel Lira, surpreende. Por enquanto, é mal avaliada pelos pernambucanos. Pesquisas mostram que tem a menor aprovação dentre os 27 governadores do país. Levantamento da Atlas Intel diz que tem 36% de aprovação e 49% de desaprovação. Esta coluna torce para seu crescimento. - Ronaldo Caiado, de Goiás, leva, por enquanto, a melhor avaliação. Repito, por enquanto. Seu eixo? Segurança pública. - Tarcísio Nunes, de SP, tinha cerca de 60% de aprovação em dezembro. Caiu cerca de 10 pontos. Mas continua bem avaliado. Por enquanto. - O PT quer fazer uma grande bancada de prefeitos e vereadores. Será um desafio. Em jogo, uma avaliação do governo Lula 3. Fecho a coluna com um conceito. Comunicação organizacional: uma orquestra A comunicação organizacional é a possibilidade sistêmica, integrada, que reúne diversos instrumentos. Exerce a função de laço, por meio da criação de um sentimento de unidade, com todos se sentindo irmanados em um mesmo grupamento. Assemelha-se a uma orquestra, tendo, nessa imagem, a função de clarim. Ou seja, trombeteia para anunciar aos públicos os negócios e a imagem de uma organização. Possui também a função de diapasão, que procura compor uma linguagem homogênea. Registra-se, ainda, a função do apito, quando a comunicação convoca os participantes para atuarem no jogo organizacional. Por último, a comunicação organizacional usa a função de boca. A metáfora quer abrigar o cochicho, os aconselhamentos.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Porandubas nº 834

Depois de uma breve interrupção, por conta das férias, a coluna volta ao convívio das amigas e amigos. Começo abrindo o riso. Emprego pro prural Arandu, em São Paulo, começou sua história como pequeno povoado, no bairro do Barreiro, no município de Avaré. Em 1898, um pedaço de uma fazenda leiteira da região foi doado para a construção de uma capela. Elevado a distrito de Avaré/SP, em 1944, recebeu na ocasião a atual denominação. Em 1964, conquistou a emancipação política. No primeiro comício, os candidatos a prefeito exibiam seus verbos. Dentre eles, o simplório José Ferezin. Subiu ao palanque e mandou brasa: "Povo de Arandu, vô botá agua encanada, asfaltá as rua, iluminá as praça, dá mantimento nas escola...". Ao lado, um assessor cochichou: "Zé, emprega o plural". O palanqueiro emendou: "Vô dá emprego pro prural, pro pai do prural e pra mãe do prural, pois no meu governo não terá desemprego". (Historinha enviada por Marcio Assis) Haddad e o Congresso O ministro Fernando Haddad é a estrela brilhante da constelação petista. Sua forma educada de se comportar abre frestas de simpatia na esfera parlamentar. Merece crédito seu esforço para lutar por um déficit zero no orçamento. Abre boa articulação com os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. É o mais visível do governo Lula. Se for derrotado em sua missão de viabilizar uma economia forte, fará a administração Federal cair no despenhadeiro. Haddad e o PT O ministro, no entanto, é um ente isolado no PT. Conta com poucos apoiadores em sua tarefa de trabalhar com o botão apertado na engrenagem dos recursos do Orçamento. De maneira explícita, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, que conta com o apoio velado do próprio mandatário-mor, Luiz Inácio, defende o estouro da boiada, se necessário for. Ou seja, que se gaste e se abram os cofres. O populismo, antes de mais nada. Segundo ela, a economia ganhará com isso. É a gastança dos mandatos anteriores. Dirceu José Dirceu, em artigo na Folha de São Paulo, nesta segunda, faz um alerta: a esquerda precisa se unir ante a ameaça de hegemonia da extrema direita conservadora no planeta. E aponta: "hoje, governa a Itália, a Holanda e a Suécia; é uma alternativa na França; consolida-se na Polônia e na Hungria e pode retornar nos EUA. É uma ameaça na Alemanha e, derrotada no Brasil, acaba de vencer na Argentina". Dirceu diz que o PT e as esquerdas necessitam de renovação a fim de enfrentar a nova conjuntura. 100 anos em 10 "O Brasil precisa fazer 100 anos em 10", acentua o ex-ministro chefe da Casa Civil no governo Lula, entre 2003 e 2005. Solta um torpedo contra Haddad: é um equívoco histórico o pressuposto de que o Brasil pode resolver seus problemas ou via austeridade ou apoiado na agregação de valor da agricultura e da mineração, associada com a negação do Estado e das políticas industriais. Marina e a energia... Marina Silva vem se tornando a maior intérprete da energia verde no país. E tem driblado o paradoxo que aparece, aqui e ali, nos momentos de exposição pública de Lula. Marina usa um acervo de compromissos que não convence. Seguinte: o governo reforça seu parque de energia fóssil com novas refinarias, como a unidade de Abreu e Lima, em Pernambuco, que seria uma parceria com a Venezuela (nos tempos do coronel Hugo Chávez), que acabou deixando o Brasil na mão. Lula promete concluir a obra. A polêmica A polêmica refinaria vai custar mais R$ 8 bilhões, já tendo engolido, até agora, mais de US$ 20 bilhões, custo que a torna "a mais cara do mundo". O governo acena também com a exploração de óleo na foz do Amazonas. Logo no Amazonas? Marina tem feito um extraordinário esforço para amenizar tal intenção do governo Lula. Logo ela, tão impregnada do discurso da energia verde, energia a partir de fontes renováveis, como vento, água e biomassa. O Brasil, segundo ela, será no planeta um exemplo de produção de energia verde. A ministra, infelizmente, não tem convencido os ouvintes de sua "santa" peroração. A IA O debate sobre a Inteligência Artificial foi levado ao fórum de Davos, na Suíça. Os empreendedores começaram a luta para mostrar o sistema mais avançado. A briga é de gigantes. O mundo será revirado no plano da expressão. Alô, alô, alô? Procurem a verdade antes que ela desapareça. SOS. SOS. SOS. Os ricos Elogiável a carta assinada por 250 bilionários no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, pedindo para pagarem mais impostos. Querem taxas mais altas. Milagres acontecem. O que os super-ricos brasileiros acham da iniciativa? A coluna abre espaço. Clima árido Esta é para o professor Benedito Vasconcelos, que está a frente do monumental Museu do Sertão, de sua criação, em Mossoró, RN. Cientistas descobrem um clima árido no Brasil. Leiam: Pela primeira vez, especialistas identificaram uma região de clima árido no Brasil, um dado surpreendente e alarmante que tem uma explicação clara: as mudanças climáticas causadas pelo homem. O trecho de quase 6 mil km² fica no centro-norte da Bahia e abrange toda a área das cidades de Abaré, Chorrochó e Macururé, além de trechos de Curaçá, Juazeiro e Rodelas, municípios baianos que fazem fronteira com o sertão pernambucano. Em tempo: a aridez é a falta crônica de umidade no clima, indicando um desequilíbrio constante entre a oferta e a demanda de água. Ela é permanente e, por isso, difere da seca, período temporário de condições anormalmente secas. Ué, pensava que esse clima já havia sido descoberto....! A conta Nunca a falta de energia, na paisagem das chuvas e quedas de árvores, foi tão sentida como nesse começo de ano. A conta de luz deve subir 5,6% em 2004, segundo a Aneel. Enem dos concursos Já superou 500 mil o número de inscritos. Poderá ultrapassar os dois milhões. O maior salário será de auditor do trabalho. Inscrições até 9 de fevereiro. Prova em 5 de maio em 220 cidades. Filme Este consultor indica o seguinte filme: As Bestas (no cinema). Indicados ao Oscar Melhor filme "American Fiction" "Anatomia de uma Queda" "Barbie" "The Holdovers" "Assassinos da Lua das Flores" "Maestro" "Oppenheimer" (este filme bate Barbie, com 13 indicações) "Past Lives" "Pobres Criaturas" "Zona de Interesse" Melhor ator Bradley Cooper, "Maestro" Colman Domingo, "Rustin" Paul Giamatti, "The Holdovers" Cillian Murphy, "Oppenheimer" Jeffrey Wright, "American Fiction" Melhor atriz Annette Bening, "Nyad" Lily Gladstone, "Assassinos da Lua das Flores" Sandra Hüller, "Anatomia de uma Queda" Carey Mulligan, "Maestro" Emma Stone, "Pobres Criaturas" Parte II Raspando o tacho - Bola fora da semana: José Genoíno, ao defender boicote aos produtos e empresas de judeus. - Matando a bola no peito e preparando a próxima jogada: ministro da Justiça, recém-nomeado, Ricardo Lewandowski. - A FIESP acaba de compor/recompor os seus Conselhos, importante instrumento de debates sobre diversos campos da vida institucional. - Lula promete isentar do IR quem ganha até dois salários-mínimos. - Geraldo Alckmin continua praticando seu exercício de falas pontuais, obedecendo à liturgia dos vices. Bem avaliado pela área empresarial. - O Brasil dos contrastes: seca em algumas regiões, chuvas e inundações em outras. - O Poder Judiciário, sob o comando de Luís Roberto Barroso, está à procura de um eixo. - Paraguai pressiona para aumentar o preço da energia de Itaipu. Passar a tarifa de serviços da usina hidrelétrica para US$ 20,75 por quilowatt (kW) por mês em 2024. Hoje, o valor é de US$ 16,71, ou seja, a proposta representaria um aumento de 24%. - Ronaldo Caiado é o governador com maior pontuação no ranking dos administradores estaduais. Seu eixo: segurança pública. - Aliás, este será o refrão a impregnar as campanhas municipais deste ano. O eleitor quer se sentir seguro, sem se importar se a segurança pública é função da União, dos Estados e municípios.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Porandubas nº 833

Bom Dia. Abro com os "ocro". "Só quero os ócro" O oftalmologista Manoel Teixeira de Araújo recebeu a mulher em seu consultório, em São João do Sabugi, para um exame de vista. Convidou a paciente para ler a tabuleta, para a qual apontava: "Por favor, a senhora pode ler estas letras"? Em sua sertaneja ingenuidade, a mulher respondeu com calma e muita convicção: "Doutor, ler mesmo eu não sei não, mas essa menina que tá aqui pode fazer isso por mim. O que eu quero mermo é os ócro. Só os ócro". Divertido causo narrado por Valério Mesquita (RN). Na primeira Parte da coluna, tento esboçar o perfil do eleitor brasileiro. Fatores para decisão Quando um eleitor opta por um candidato, que fatores balizam sua decisão? Esta é uma das mais instigantes questões das campanhas. A resposta abriga componentes relacionados ao conceito representado pelo candidato e ao ambiente social e econômico que cerca os eleitores. No primeiro caso, o eleitor leva em consideração valores como honestidade/seriedade; simplicidade; competência/preparo; capacidade de comunicação; entendimento dos problemas; arrogância/prepotência e simpatia. Sob outra abordagem, o voto quer significar protesto, um castigo aos atuais governantes e a candidatos identificados com eles, vontade de mudar ou mesmo aprovação às ideias dos perfis situacionistas. Neste caso, os pesos da balança assumem o significado de satisfação e insatisfação; ou confiança e desconfiança. Qual é a prioridade? A questão seguinte é saber qual a ordem em que o eleitor coloca essas posições na cabeça e por onde começa o processo decisório. Não há uma ordem natural. O eleitor tanto pode começar a decidir por um valor representado pelo candidato - simpatia, preparo, capacidade de comunicação - como pelo cinturão social e econômico que o aperta: carestia, violência, desemprego, insatisfação com os serviços públicos precários etc. Os dois tipos de fatores tendem a formar massas conceituais - boas e ruins - na cabeça do eleitor. A exposição dos candidatos na mídia vai criando impressões no eleitorado. E as impressões serão mais positivas ou mais negativas, de acordo com a capacidade de o candidato formular ideias e apresentar respostas aprovadas ou desaprovadas pelo sistema de cognição dos eleitores. O bolso e a saúde E daí, qual a lógica para a priorização que o eleitor confere às propostas de candidatos? Nesse ponto, cabe uma pontuação de natureza psicológica. As pessoas tendem a selecionar coisas (fatos, ideias, eventos, perfis) de acordo com os instintos natos de conservação do indivíduo e preservação da espécie. Ou seja, o discurso mais impactante e atraente é o que dá garantias às pessoas de que elas estarão a salvo, seguras, alimentadas. O discurso voltado ao estômago do eleitor, ao bolso, à saúde é prioritário. Tudo que diz respeito à melhoria das condições de vida desperta a atenção. Depois, as pessoas são atraídas por um discurso mais emotivo, relacionado à solidariedade, ao companheirismo, à vida familiar. Credibilidade, eis a questão Esses apelos disparam os mecanismos de escolha. Se a insatisfação social for muito alta, os cidadãos tendem a se abrigar no guarda-chuva de candidatos da oposição. Se candidatos com forte tom mudancista provocarem medo, as pessoas recolhem-se na barreira da cautela, temendo que um candidato impetuoso vire a mesa abruptamente. Assim, mesmo com certa raiva de candidatos apoiados pela situação, os eleitores assumem a atitude dos três macaquinhos: tampam a boca, os ouvidos e olhos e acabam votando em candidatos situacionistas. O maior desafio de um candidato de oposição, dentro dessa lógica, é o de convencer o eleitorado de que garantirá as conquistas dos seus antecessores, promovendo mudanças que melhorarão a vida das pessoas. Simples promessa não adiantará: é preciso comprovar tim-tim por tim-tim como executará as propostas. Coerência Por isso mesmo, quando o candidato agrega valores positivos, a capacidade de convencimento do eleitor será maior. Não se trata apenas de fazer marketing, mas de expressar caráter, personalidade, a história do candidato. Uma história amparada na coerência, na experiência, na lealdade, na coragem e determinação de cumprir compromissos. Proposta séria e factível transmitida por candidato desacreditado não colará. Os dois tipos de componentes que determinam as decisões do eleitor - as características pessoais dos candidatos e o quadro de dificuldades da vida cotidiana - caminham juntos, amalgamando o processo de decisões dos cidadãos. Racionalidade Os estímulos começam com a apresentação pessoal dos candidatos, a maneira de se expressar, de se vestir. Os cenários aguçam ou atenuam a atenção. A fluidez de comunicação, a linguagem mais solta e coloquial cria um clima de intimidade com o eleitor. As propostas precisam ser objetivas, claras e consistentes. As influências sociais e até as características espaciais e temporais despertam ou aquecem as vontades. O eleitor é uma caixa-preta. O eleitor está cada vez mais desconfiado e crítico. Não quer comprar gato por lebre. Aumentou sua taxa de racionalidade. Desvendar o quê e como pensa é o maior desafio dos candidatos. Mais ou menos A tipologia humana essencialmente brasileira se rege por um alfabeto nítido que começa com a parte mais visível, que é a cor da pele. Os morenos e os pardos, que carregam a mistura do sangue do branco colonizador, do negro e do indígena, são a própria expressão da cultura do mais ou menos que sua pele exibe. "Quantas horas trabalha por semana? Mais ou menos 40 horas. É religioso? Sou católico, mas não praticante. Ou, ainda: sou ateu, graças a Deus". Ora, a tendência de querer ficar no meio termo ainda é reforçada pela condição de contemporizador, que transparece nas frequentes locuções "deixar estar para ver como fica", "deixa pra lá", "fulano está empurrando com a barriga". Dubiedade Traços de incerteza e dubiedade caracterizam o perfil do eleitor, fruto, aliás, dos elementos de improvisação que se fazem presentes no caráter nacional. Há nisso alguma indicação de displicência? Sem dúvida e este é outro matiz do nosso perfil. As decisões, que identificam uma forte cultura de protelação, são deixadas para a última hora na esteira de um comportamento que se identifica com um misto de lerdeza e negligência, despreocupação e negação de critérios de prioridade. Quem não tem na ponta da língua exemplos de obras mal construídas, trabalhos malfeitos, acabamentos defeituosos, sujeiras nos lugares públicos? Imediatismo O brasileiro é imediatista. Tem prazer pelas coisas que lhe trazem conforto ou benefício imediato. Daí não se interessar pela macropolítica, a política dos grandes projetos, das grandes obras que gerarão efeitos benéficos no longo prazo. Mas é exigente em relação às coisas de seu cotidiano: a escola perto da casa, o transporte fácil, a segurança na rua, a comida barata, o emprego perto de casa. Sob tal aspecto, os candidatos terão de contemplar esses contingentes eleitorais - que constituem a grande maioria - com propostas de fácil compreensão e alto impacto para o bolso. Infiel O eleitor brasileiro é fiel? No sentido abrangente, mais coletivo, a resposta é não. Há grupamentos fiéis, particularmente entre estratos médios, formadores de opinião, segmentos engajados nos partidos, setores religiosos, imigrantes de sangue anglo-saxão e pequenos núcleos ideológicos. Os grandes contingentes são amorfos, alheios ao cotidiano político e capazes de mudar de posição, de acordo com as circunstâncias e as necessidades mais imediatas. A infidelidade do eleitor tem a ver com a incultura política que semeia florestas de desinteresse pelos espaços nacionais, incluindo os centros mais evoluídos. Pessimista Os vetores de decisão do eleitorado são influenciados, ainda, por dois elementos que parecem paradoxais. De um lado, um pessimismo galopante, que se faz presente nas locuções de que o "o país não tem jeito, estamos todos perdidos, não vale a pena lutar por isso etc., etc.". De outro, um otimismo extravagante, que evidencia a superlativa dose emotiva da alma nacional. Nesse sentido, as alavancas de força se apresentam nas festas de época e fora de época, no Carnaval, nas folias cotidianas dos bares e até na esteira da bagunça que, em maior ou menor grau, transparece na fisionomia das cidades, na improvisação dos motoristas de trânsito e na linguagem desabrida das ruas. O pessimismo induz o eleitor a se afastar dos políticos, que, indistintamente, ganham a pecha de "ladrões e corruptos". Imprecação e exageros Os perfis populistas e messiânicos é quem levam a melhor, ao sintonizarem a linguagem com a imprecação popular. Não por acaso, o chavão "bandido bom é bandido morto, lugar de bandido é na cadeia", toca forte no coração das massas. Já o otimismo de nuances ufanistas, cuja origem remonta os passos iniciais da descoberta das belezas naturais, da exuberância da flora e da fauna, marca o caráter nacional com os selos da displicência, da sensualidade, do ócio e da pachorra. As grandezas do Brasil afloram e são apresentadas pelas embriagadas quantificações de nossos potenciais: o maior carnaval, o maior São João do mundo, o maior produtor disso e daquilo, as mulatas mais bonitas, as melhores iguarias e algumas maravilhas do mundo. A busca da catarse Se o pessimismo é oposicionista, o otimismo tropical é situacionista, ou, em outras palavras, tende a reforçar o status quo. Infere-se, assim, que a crença da vitória do Brasil nas Copas sempre faz a catarse coletiva. E a catarse, com suas vertentes de emoção, vibração, êxtase e felicidade, acaba purgando pecados acumulados. Trata-se de uma formidável estrutura de consolação da sociedade. A consequência se fará presente na maior complacência dos eleitores ao analisarem os quadros de amargura e angústia que os afligem. Parte II Raspando o tacho - Javier Milei nomeia a irmã como secretária-Geral da presidência da Argentina. Na verdade, uma espécie de superministra. - Bolsonaro teria sido impedido de participar da foto oficial de Milei com as autoridades mundiais presentes à posse. É verdade que alguns presidentes vetaram sua presença? Como? Avisando ao cerimonial? Estranho. - A cratera de Maceió é um gigantesco buraco eleitoral, com impacto nas urnas de 2024. - Marcelo Alecrim, o super-empreendedor potiguar, foi anunciado pré-candidato à prefeito de Natal em 2024. Este escriba acha que Alecrim preferirá contemplar a cena eleitoral da rede de sua bela casa praiana. - O prefeito Álvaro Dias, de Natal, é um gestor muito bem avaliado. - Ronaldo Caiado exibe boa performance em pesquisas do Instituto Paraná Pesquisas. Em um cenário, bate Lula com 40,4% contra 20,9%. Tarcísio de Freitas teria 12,5% e Ciro Gomes 6,2%, Romeu Zema, 4,1%. Se as eleições presidenciais fossem hoje. - Como Javier Milei governará sem apoio do Congresso? E sem plata? - Falta coerência ao Brasil em matéria de condenação dos combustíveis fósseis. Então, evite incentivar exploração de novas fronteiras de petróleo. - Lula foi pego de surpresa com o espetáculo circense de Nicolas Maduro. - Renan Calheiros denunciou a Braskem: crônica de um desastre anunciado. A cratera em Maceió. - Pelo que se percebe, Aloysio Mercadante está feliz na presidência do BNDES. - Como é possível? A pior gestão da improvisada Dilma Rousseff lhe confere o título de economista de 2023? Afinal, quem conferiu este galardão? Entidades que prezam fazer loas? - Tempos de calor extremos nos esperam no verão. Fecho a coluna com a mineirice de Zé Abelha. As três pessoas No confessionário, Monsenhor era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: - As três pessoas são o senhor, o Dr. Didico e o Dr. Zé Augusto. (Historinha contada por José Abelha em A Mineirice).
quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Porandubas nº 832

Retomo a historinha hilária, que se tornou marca desta coluna. Um leitor lembrou-me que essa piada cabe bem nesse momento em que a Argentina dá posse ao seu novo presidente Javier Milei. Este escriba lembra e pede desculpas: trata-se de um chiste. Uma brincadeira.Humildade argentina A Argentina de Javier Milei declara guerra à China. Comoção geral. Após consulta popular feita na "Plaza de Mayo", a Argentina enviou uma mensagem à República Popular da China nesses termos: - Chinos de mierda, maricones: les declaramos "guierra": tenemos 105 tanques, 47 aviones sanos, 4 barcos que navegan y 5.221 soldados. O governo chinês deu imediatamente a resposta: - Aceitamos a declaração. Informamos que temos 100.000 tanques, 150.000 aviões, 2.500 navios e 800 milhões de soldados. Orgulhosos, os argentinos retrucam: - Retiramos la declaración de guierra... No tenemos como alojar tantos prisioneros. Vamos às coisas sérias.... Parte I A coluna faz, na primeira parte, uma pequena reflexão sobre a força moral na política, um conceito que se esvai na poeira da deterioração de valores e princípios. O maior trunfo de uma campanha No momento em que interessados começam a se habilitar para se apresentar como candidatos à prefeito e vereador em 2024, nasce a conveniência de se fazer um levantamento sobre os trunfos de uma campanha. O maior deles é a força moral. Será esta o contraponto ao estado de degradação que corrói parcela razoável de nossos quadros políticos. Trata-se de uma força que funcionará como imã, puxando a atenção e a adesão dos eleitores. Quem tem força moral? Os candidatos se esforçarão em dizer que a possuem. Ocorre que a força moral não é um conceito sobre o qual se possa cantar loas. Quem a carrega, não precisa discorrer sobre ela. Será reconhecido por isso. Gandhi, pobre e despojado, era um ícone de força moral. Arrastou multidões. Como a simplicidade, a força moral é a virtude dos sábios e a sabedoria dos santos. Quem possui esse tipo de força neste país? Poucos. Quem detém um conceito de moral é aquele cuja vida sai pura depois de um simples ensaio de observação. Não é levado a processo de investigação. O ideal da coletividade Tem força moral aquele que coloca o ideal da coletividade acima dos interesses personalistas de grupos e pessoas. Em uma sociedade acentuadamente corporativista como a nossa, isso é muito difícil. Políticos e candidatos cada vez mais tendem a fechar posições com expectativas e demandas setorizadas, provocando um reducionismo no ideário social que acaba inviabilizando políticas mais globais. Os detentores de força moral são aqueles que fazem da política uma missão, dentro da qual, com sacrifício próprio, se submetem a passar quatro, oito ou mais anos, servindo ao povo. As regras do jogo Não há como sofismar. Para a grande maioria de candidatos, os gastos de uma campanha política são absurdamente maiores do que ganharão, se eleitos para exercer um mandato de prefeito ou de vereador por quatro anos. Logo, as regras do jogo precisam ser esclarecidas. E as alternativas são estas: primeiro, as campanhas são patrocinadas por terceiros, cidadãos ricos que se postam ao lado das causas sociais; segundo, candidatos fazem o sacrifício de pagar de seu bolso quantias que jamais serão ressarcidas e, desta forma, oferecem uma contribuição cívica e um exemplo de amor pátrio; e - a alternativa mais plausível - ao longo do mandato, recuperam o gasto com altos juros e correção monetária superfaturada. Valores morais A política pouco atrai a cidadania moral. A moralidade, como se pode deduzir, se instala em espíritos cívicos desprovidos de ganância, distantes da arrogância e do utilitarismo imediatista que nivela quase todos os viventes de um mundo muito estruturado no apego aos bens materiais. Cidadãos de espírito moral abrigam valores como a modéstia, a humildade, a misericórdia, o senso de justiça, a fidelidade a princípios, a generosidade, o amor ao próximo, a tolerância e a coragem de ser honesto e autêntico em ambientes corrompidos, sujeitos a pressões e contrapressões, invadidos pela ligeireza das circunstâncias. Parece um decálogo religioso? Sim. Difícil de cumprir? Sim. Mas deve se tentar segui-lo à risca. É fácil descobrir os espíritos morais Os espíritos morais são pessoas de palavra, coerentes, com marca registrada no cartório do caráter. Sabem medir as palavras, ocupando-se de temas relevantes. São pessoas substantivas. O comportamento de uma pessoa com força moral é como um verso, no qual todas as sílabas são medidas. Alguém que chegou a essa altura do texto conhece, por acaso, alguém com esses atributos? Há pessoas com tal perfil, mas poucas, muito poucas, no mundo da política. É fácil reconhecê-las. Por isso, quando identificadas, elas devem ser conduzidas à missão na esfera pública. Basta olhar para seu passado, sua origem, examinar seu pensamento, seu legado. Basta analisar como se comportam, o que dizem, como falam. Driblando a linguagem Há candidatos que falam muito e dizem pouco. Quase nada se extrai de seu discurso. Alguns chegam ao exagero de querer transformar erros crassos em acerto ou em mais uma firula de marketing. São notados pelos dribles que dão na linguagem ou pela maneira como transformam o choro em riso ou vice-versa. Mas há quem fale coisas certas, no momento adequado, para atender às demandas legítimas e justas. Há pessoas que entendem a política como missão, não como negócio. Contra modismos O candidato com força moral não é levado a adulterar as coisas. A demagogia não imanta seu discurso. Não se faz de santo, nem de sábio. Ele é o que é. Não se agarra ao populismo, forma muito usada para não contradizer o sentimento popular e, assim, evitar o afastamento das forças sociais. Não promete escadas para se chegar ao céu. Como sabemos, a experiência brasileira revela que esse estilo complacente rende frutos apenas imediatos, porém de altos custos futuros. O candidato moral luta contra os modismos. Retidão É capaz de reconhecer erros, não como desculpa para ganhar eleição ou como forma de exorcizar os pecados, mas como um ato de profunda convicção. Elege a retidão como inspiração de vida. Confúcio disse: "se um homem consegue dirigir com retidão sua própria vida, as tarefas de governo não devem ser um problema para ele. Se ele não consegue dirigir sua própria vida com retidão, como pode dirigir outras pessoas com o espírito de correção? Quando, por cem anos, o país for dirigido por homens de força moral, a crueldade poderá ser vencida e o homicídio eliminado." A utopia da transformação Por fim, o político de força moral é sincero com seu sonho. Embala-se na utopia da transformação e, sobretudo, na crença de que qualquer avanço no caminho do progresso só será possível pela via da efetiva incorporação do povo no processo de controle e decisão das ações públicas. Parte II Raspando o tacho (Pequenas notas sobre a conjuntura). - A cratera que o empreendimento da Braskem abriu em Maceió é um pedaço da montanha de irresponsabilidade que grassa no país. Faz bem o senador Renan Calheiros em pedir urgência para o funcionamento da CPI da Braskem, que já pagou à prefeitura quase 10 bilhões de reais ao correr do tempo. - A crônica do desespero e da angústia que solapa a população da região afetada ganha espaços na mídia. - Lula, com suas falas, constrói barreiras que impedem maior aproximação com o agronegócio. - Aliás, o Brasil mostra posições antagônicas de suas estratégias. Uma no cravo, outra na ferradura. - De um lado, fixa-se no terreno dos combustíveis fósseis. Sinaliza, até, intenção de explorar o petróleo na região equatorial da Amazônia. Estudo da Petrobras indica que bloco na Foz do Amazonas possa conter 5,6 bilhões barris de petróleo. Um único bloco na Margem Equatorial, na região amazônica do Amapá, pode conter reservas de mais de 5,6 bilhões de barris de petróleo. - De outro lado perfila ao lado do hidrogênio verde, apontado por especialistas como uma possível alternativa aos combustíveis fósseis. O Brasil tem se apresentado como um possível grande produtor desse tipo de combustível. - O "não" de Macron ao acordo da UE com o Mercosul não significa um veto. Ele fala pela França, pressionado pela forte indústria do leite. Os produtores defendem fortes medidas protecionistas. - O Brasil precisa ser coerente na moldura internacional. - O PSD terá a palavra final no acordo para eleger o novo presidente do Senado. Tem a maior bancada, 15 senadores. Davi Alcolumbre, (União-Amapá), pensa em se filiar ao PSD ou ao MDB para se viabilizar como candidato. Está muito cedo. Mas a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) tem possibilidades. Rodrigo Pacheco tem muito tempo, ainda, para fazer suas manobras. - A governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, pode deixar o PSDB, um partido em declínio. Os tucanos, agora sob o comando de Marconi Perillo, sairão do fundo do poço? Perillo, ex-governador de Goiás, garante que o "fundo tem mola". - Geraldo Alckmin, o vice-presidente da República, hoje no PSB, foi visitar João Doria, a convite deste, dirigindo seu carro. Sinal de modéstia e vivência. Foi maltratado pelo ex-governador de SP quando este acirrava o discurso de campanha. Alckmin foi abraçar seu ex-pupilo. Minha saudosa mãe sempre dizia: nunca diga - desta água não mais beberei. Fecho a coluna com JQ. Saudação aos presidentes Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora: - Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque por que do resto ando cheio. Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um outro cantador o vê, saúda: - Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora. Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará.
quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Porandubas nº 831

A primeira parte da coluna tem como foco uma leitura dos governantes. Quais são os sete pecados capitais dos administradores? Confiram. Parte I Olhando no espelho Os governantes não gostam de ver seus retratos em preto e branco. Só a cores. Ou seja, com muita cor, muito adorno. Alguns se olham no espelho, como a madrasta da Branca de Neve, e perguntam: "espelho, espelho meu, há alguém mais competente do que eu"? O deleite que desfrutam na cama do poder acaba desenvolvendo neles uma cultura de fruição e gozo, que lhes enfraquece a capacidade de ver as coisas com isenção, acuidade e objetividade. Tornam-se imunes à realidade. Pecado 1 - A insensibilidade Cobrem-se com um manto que os deixam em estado contínuo de dormência. O poder provoca delírios e, assim, com o porre que lhes adormece as mentes, os governantes cometem seu primeiro pecado capital. É o pecado da insensibilidade. De tanto ver de perto, eles se desacostumam a ver de longe. Da tênue autoconfiança do início do governo, passam a maximizar essa qualidade, após três anos com a caneta na mão. Transformam-se em imperadores, donos do mundo, senhores de capitanias hereditárias. Incorporam o Complexo de Olimpo, com toda sua aura divina. Pecado 2 - A onipotência Com tal identidade, as realizações e programas do governo deixam de ser algo inerente à função de governar para se transformar em feitos pessoais do governante magnânimo e generoso. A população é inoculada com a injeção mistificadora que projeta a identidade física do governante sobre o conceito jurídico do governo. E o pior é que os governantes acabam se achando com a cara de Deus. Flagra-se, aqui, seu segundo pecado capital, o sentimento da onipotência. Pecado 3 - A crença na grana O mandonismo imperial está calçado no poder monetário. Os governantes decidem o quê, onde e como fazer. O planejamento orçamentário contemplará obras fundamentais, porém não deixará de atender o varejo eleitoral. O governo Federal cria um novo PAC. Os governos estaduais, PACs fragmentados. Com dinheiro nos cofres, não perderão a eleição. E aqui está seu terceiro pecado capital. A crença na força absoluta da grana. Pecado 4 - A rotinite Depois de meses de incessantes atividades administrativas e políticas, os governantes amolecem a musculatura e começam a padecer de rotinite aguda. Os Estados e municípios comem apenas o feijão e o arroz necessário à magra existência. Não há nenhuma criatividade, não se buscam soluções inteligentes e inovadoras. E o caldo insosso acaba gerando o quarto pecado capital dos governantes, a rotina. Pecado 5 - A improvisação Daí para o quinto pecado, o salto é pequeno. Pois os governantes já não obedecem a uma agenda planejada. Não administram seus tempos de acordo com um sentido de prioridades e lógica. Tudo ocorre ao bel-prazer. E a desorganização grassa, bagunçando as malhas burocráticas e gerando muita improvisação. Mas tudo vai as mil maravilhas, para eles, porque os seus assessores mais próximos capricham no puxa-saquismo. Vivem fazendo elogios, escondem as coisas malfeitas, sobrevalorizam os feitos positivos. Pecado 6 - A bajulação  As assessorias desqualificadas e os grupinhos de "luas-pretas" constituem um dos maiores danos à imagem e à eficácia dos governos, descortinando o panorama do sexto pecado capital, a bajulação consentida. E lá se vão os governantes desfilando suas glórias, feitos e emoções à imagem e semelhança do Criador. Suas carruagens de fogo e seus cometas planetários trafegam pelos céus, deixando rastros de nuvens coloridas que se esvaem nos ventos do tempo. De tanto andarem de sapato de salto alto, os governantes acabam pisando nos pés do povo. Pecado 7 - A ausência de senso comum Têm respostas prontas para perguntas que não são feitas. E são capazes de provar que o melhor para as massas desprovidas e incultas é aquilo que eles acham que elas merecem. Não acreditam em pesquisas. Fogem delas como o diabo foge da cruz. E, nesse ponto, os governantes abrem seu inferno para comemorar o sétimo pecado capital, a ausência do senso comum. Será o Benedito? Às vésperas da escolha do interventor de Minas Gerais, em 1934, Benedito Valadares se encontrou no Rio de Janeiro com José Maria Alkmin: - Se você for o escolhido, me convida para secretário? - Você está louco, Benedito? Respondeu um divertido Alkmin. Dias depois, Getúlio Vargas anunciaria a escolha de Valadares, que logo recebeu um telegrama: - Parabéns. Retiro a expressão. Ass. Zé Maria. Zé Maria Alkmin acabou nomeado secretário do interior. (Historinha mandada por Álvaro Lopes.) Mais uma da dupla. O engodo A matreirice sempre deu o tom na política nacional. No dia 31 de março, data do golpe dos militares para depor João Goulart, Benedito Valadares encontra-se com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte. Benedito joga a pergunta: Alkmim, você está indo pra onde? O matreiro ex-ministro da Fazenda responde ao governador: vou para Brasília. Benedito puxa Olavo Drummond pelo paletó e tasca: ah, ah, ah, ele está querendo me dizer que vai para o Rio de Janeiro. Mas ele vai mesmo para Brasília. Velha artimanha das raposas políticas. Digo a verdade para o interlocutor desconfiar da informação. Um engano de segundo grau. Dizer a verdade e gerar desconfiança. Um povo descrente Um povo descrente é como um rio seco. Um povo sem esperança é como uma árvore desfolhada, sem viço e com a cor das coisas mortas. O povo brasileiro pena amarguras no deserto frio das desesperanças. Vive um avançado grau de desânimo e morre um pouco todos os dias ao sabor da febre intermitente dos sonhos desfeitos. Milícias e mortes por desvios de balas. Um povo sem sonhos é uma entidade sem espírito e sem direção. Tiraram-lhe a vontade, a admiração pelos ritos da pátria e o respeito às instituições. O clima de terra devastada em que se transforma o país, as acusações que pululam de todos os cantos, os interesses em choque e a polarização entre duas bandas políticas afastam grupos sociais do sistema político, abrindo vazios entre os poderes decisórios e a sociedade. Parte II Raspando o tacho - Javier Milei começa a viver a realidade política. Depois de execrar o presidente Lula, faz uma amistosa carta de convite para sua posse na presidência da Argentina. - Minha saudosa mãe já dizia: meu filho, nunca diga - desta água, não beberei. - Tudo indica que o amapaense Davi Alcolumbre se sentará novamente na cadeira de presidente do Senado, com o apoio do atual presidente Rodrigo Pacheco, que, por sua vez, sonha governar Minas Gerais. - Lula dá ao STF um vigoroso suporte com a escolha de Flávio Dino, um juiz preparado. O Maranhão está em festa. - Inimaginável ver o governo Lula, com os cofres abertos para o corpo congressual, ter de negociar projeto por projeto. Compras caras. - Gangues de drogas chegando em peso ao litoral do Nordeste, invadindo recantos turísticos. - Greve dos funcionários do metrô é teste para o governo Tarcísio de Freitas. - O mais próximo da cadeira do Ministério da Justiça, até o momento, é o ex-ministro do STF, Ricardo Lewandowski. - A Pasta da Justiça pode ser desmembrada para dar lugar a mais uma: a da Segurança Pública. O país vê aumentado o índice de violência. - Se a área da Segurança pode trazer intensa visibilidade ao gestor, pode também ser uma fonte de desgaste. - Joe Biden está apertado. Enfrenta pressões internas e externas. E Trump ganha, hoje, nas pesquisas. - A guerra Ucrânia x Rússia desapareceu do mapa. Os russos estão aproveitando do fato para incrementar seus ataques. Está em vantagem. - O PT não está satisfeito com as escolhas de Lula para o STF e para a PGR. E deve fechar o bico. Críticas? Muitas nos bastidores. Fecho a coluna com as linguagens do momento. Dez linguagens para o final de 2023 1. A linguagem da afirmação da identidade. 2. A linguagem da factibilidade/credibilidade. 3. A linguagem das pequenas coisas. 4. A linguagem da participação - o NÓS versus o EU. 5. A linguagem da verificação - exemplificação - como fazer. 6. A linguagem da coerência. 7. A linguagem da transparência. 8. A linguagem da simplificação. 9. A linguagem das causas sociais - a leitura dos mapas cognitivos do eleitorado. 10. A linguagem da tempestividade - rapidez/oportunidade/proximidade. (Adaptado do meu livro Tratado de Comunicação Organizacional e Política)
terça-feira, 21 de novembro de 2023

Porandubas nº 830

A primeira parte da coluna será uma tentativa de interpretar a vitória do excêntrico Javier Milei na eleição presidencial da Argentina. I Parte Uma ave rara A vitória do anarco-libertário-liberal Javier Milei na Argentina coroa o sentimento antipolítica que se espraia não apenas no sul do nosso continente, mas outros pedaços do planeta. O eleitor argentino elegeu um parente do outsider da política, um estranho no ninho das aves tradicionais que povoam os Executivos e Legislativos. Uma figura exótica até na maneira de se apresentar, casacos de couro dos roqueiros, cabelos em alvoroço. Que faz, logo no início do discurso de vitória, o maior agradecimento a irmã, Karina, sem a qual nada daquilo que estava ocorrendo não aconteceria. Autoestima mil Javier exibe uma autoestima no pico do ranking. Considera-se o primeiro libertário-liberal da História da Humanidade (sic) eleito presidente de um país. Promete colocar a Argentina no primeiro lugar das potências mundiais, posição que já ocupou no passado. Eita! Quando, quando foi isso????????? Não disse e, pelo que se sabe, se a ele foi perguntado, não se repercutiu a resposta. Reconstrução? Opa, opa! Repetiu no discurso que vai resgatar o lugar de potência mundial para a Argentina. E, a partir do dia 10 de dezembro, quando tomará posse, vai começar a era da Reconstrução. Opa! Termo que pertence a Lula? Pois sim, Lula também garantiu a reconstrução do país, devastado por Bolsonaro. Populismo Interessante. Os populistas acarinham o coração das massas com seus discursos genéricos e de eloquência extravagante. O mundo mirabolante é prometido. Os apelos ao coração das massas assoladas por alta inflação e corrupção acabam gerando urros catárticos. Na Argentina, a inflação beira os 150% por ano. A população abaixo da linha de pobreza é de 40%. Este é o pano de fundo da catarse ante a crença de que o inferno tem seus dias contados para dar lugar ao paraíso. Teor explosivo A cartilha de promessas de Javier Milei é uma ladainha de promessas de alto teor explosivo. Promete que vai dolarizar a economia, fechar o Banco Central, privatizar as estatais, cortar ministérios (de 18 para 8), privatizar o mar, nomeando até as baleias como alvo de sua "fúria privatizante", permitir a venda de órgãos do corpo humano, etc, etc..Sobre privatização: "Na transição que estamos pensando, na questão energética, a YPF e a Enarsa têm um papel. Desde que essas estruturas sejam racionalizadas, elas serão colocadas para criar valor para que possam ser vendidas de uma forma muito benéfica para os argentinos". Racionalidade? Difícil de acreditar. Se cumprir o prometido, cairá Diz essas extravagâncias com a boca de um leão, o rei da selva, com o qual se identifica ao começar seus discursos. No palco da vitória, uma pessoa vestida de leão fazia uma estrambótica ginástica. Pois bem, os efeitos dessas promessas, à luz do bom senso, seriam tão catastróficos, a ponto de sugerir a inferência: não aguentaria. Logo, logo, cairia. A desarrumação da casa, de modo drástico, o despejaria da Casa Rosada. Karina, a estrategista Karina Milei, a irmã de 50 anos, é a maior referência de Javier, o eleito. Não fosse ela, não haveria um Javier político, um homem destemido, um candidato vitorioso na eleição argentina. Pois a baixinha de cabelos alourados, discreta e atenta, será a primeiríssima dama do país, mais que a namorada de Javier, Fátima Florez, 40 anos, essa de cabelos naturais, não pintados, humorista de TV, imitadora de Xuxa e Cristina Kirchner, entre outras(os), como revela a imprensa argentina. Karina é superprotetora. Só chega perto de Javier Milei quem tem autorização da estrategista da campanha do irmão. Florez, porém, espera ocupar a vaga de primeira-dama. Casamento à vista? Pior para Lula A eleição de Javier Milei resvala na imagem do presidente do Brasil. Primeiro, observa-se que a escolha de um figurante de direita, mais que radical, um anarquista dos velhos tempos, reequilibra a balança ideológica na América do Sul, atenuando a força que a esquerda tem exibido, com a maioria dos mandatários nacionais que agrega. Milei não vai se afastar do Mercosul, mas bagunçará o coreto. Atente-se que o Brasil de Lula acaba de chegar, por rodízio, à presidência do órgão. Os bolsonaristas, ademais, ganham alento para corroborar suas posições e acirrar críticas ao lulopetismo. Quem irá à posse de Javier? Lula não deve ir à posse de Milei. Será o embaixador em Buenos Aires o representante do Brasil? O presidente espera que o novo presidente argentino peça desculpas pelo destempero com que brindou Lula: comunista e corrupto. Ou foi ladrão? Seja qual for o adjetivo, foi uma impropriedade, sabendo-se que a expressão raivosa deve, sempre, ser contida, sob pena de gerar constrangimentos. E se Javier não pedir desculpas? Atente-se para a nota de Lula parabenizando a democracia no país de Messi. Mas não citou o nome do eleito. II Parte Raspando o tacho - Milei fez dois discursos. O primeiro, lido, muito genérico. O segundo, para a massa concentrada na avenida Cordoba, de improviso, e também muito genérico, cheio de imagens e chavões. - Para a massa, a esperança venceu o medo. Os extremos do arco ideológico se cruzam. Lula e Javier. - Imaginem a cena de pessoas tentando sacar alguns dólares no Caixa Eletrônico e receberem a informação: não há disponibilidade no momento. - As eleições municipais começam a refazer o tabuleiro dos jogadores. - Araçuaí, em Minas Gerais, registrou 44,8º C, a maior temperatura já registrada na história do Brasil. - Pela primeira vez no mundo, registra-se um dia com temperatura média global 2º C acima da era pré-industrial. - Querem derrubar o presidente da Petrobras, o bem preparado ex-senador pelo RN, Jean-Paul Prates. Um expert na área de combustíveis. Precisam combinar com Lula, seu patrocinador. - Bolsonaro quer pegar carona no trem de Milei. Vai à posse do eleito e levará uma caravana. Uma farra em Buenos Aires. - Chuvas no Sul continuam a puxar tragédias. Seca no Norte continua a gerar escassez. - Recebo informação do professor Miguel Fernandes, do meu saudoso grupo Escolar Coronel Fernandes (onde estudei do 2º ao 4º ano primário), que os alunos dessa querida Escola vão participar do final de campeonato de xadrez em Natal. Viva! Viva! Viva! Meus cumprimentos aos alunos. Meu abraço no professor Miguel. P.S. Saudades do professor Chico Dubas, o diretor em minha infância. - Sensação deste escriba: o mundo está descendo a montanha. Em declínio.  Fecho a coluna com um pouco de humor Voxê que sabe Lembremos a conversa cheia de x do marechal Eurico Gaspar Dutra (1945/1951). O marechal trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51: Voxê qué xabê Voxê qué xabê Não pixija sabê Pra que voxê qué xabê? O ex-secretário de Planejamento e Gestão do Estado da Paraíba, Osman Cartaxo, pinça do arquivo de seus engraçados "causos" uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou: - Bom dia, coronel. O velho marechal respondeu de pronto: - Não xô coronel. Xô o presidente da República. O matuto emendou: - Mas não é coronel porque não quer.
quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Porandubas nº 829

Abro Porandubas com o Barão de Itararé Pérolas - Cobra é um animal careca com ondulação permanente. - Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades. - Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância. - Há seguramente um prazer em ser louco que só os loucos conhecem. - É mais fácil sustentar dez filhos que um vício. - A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados. - Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai. - O advogado, segundo Brougham, é um cavalheiro que põe os nossos bens a salvo dos nossos inimigos e os guarda para si. - Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você. - Mulher moderna calça as botas e bota as calças. - A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana. - Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato. ------------------------------------------------------------------------------------ Na primeira parte da coluna, tentarei esboçar os movimentos e tendências que se farão presentes na paisagem institucional brasileira nos próximos tempos. Parte I O desenho institucional 1. A consolidação de polos ideológicos O país mostra-se exaurido do velho debate entre perfis. O individualismo sinaliza arrefecimento, com menor ênfase nas qualidades e defeitos dos fulanos, beltranos e sicranos. Não significa que entraremos, de imediato, nos polos ideológicos, e sim que começaremos a adentrar no terreno da racionalidade, abrindo campos doutrinários e ideológicos, ganhando clareza na defesa de posições de esquerda, direita e centro. O país tende a desfraldar bandeiras no campo da ideologia. 2. Economia sob o cabresto da política A política tende a guiar a locomotiva, puxando os carros do trem, a partir do vagão da economia. O Parlamento redescobre seu poder de mexer no orçamento, fazendo manobras, exigindo recursos, emendando peças orçamentárias e, dessa forma, influenciando os rumos econômicos. Significa que o país passará a vivenciar com mais (ou menos) conforto, a depender da panela de pressão da economia. Esta vazará seu vapor no ritmo e na forma da política. Em suma, o fôlego social dependerá da vontade política dos representantes. 3. Polarização lulopetismo x bolsonarismo na esteira da economia A efervescência que tem caracterizado o debate entre o lulopetismo e o bolsonarismo tende a arrefecer, mas sua intensidade ficará sob o guarda-chuva da economia. Caso a situação seja saudável, com impactos positivos na sociedade, o apoio ao governo será maior, sendo verdadeira a recíproca. Se as condições econômicas apertarem o bolso do consumidor, voltaremos ao estágio de acirramento de tensões. A economia ditará o tom da orquestra social. Afinada, a harmonia se estabelece. Desafinada, a efervescência se imporá. Como a política influenciará a economia, o espírito do tempo sairá das cúpulas côncava e convexa do Parlamento. 4. A intensificação da organicidade social É possível enxergar o papel dos grupamentos sociais na tessitura institucional. A sociedade parece esgotada com as promessas não cumpridas pela representação política, o que faz lembrar a expressão de Norberto Bobbio, quando escreveu sobre as promessas não cumpridas pela democracia. Significa que a sociedade se afasta do poder tradicional - os representantes - para criar novos polos de mando e influência, presentes na miríade de organizações não governamentais. Há, no Brasil, cerca de 815 mil Ongs. Que acolhem pleitos de grupos, setores, áreas, núcleos, encaminhando-os aos representantes políticos. 5. A pressão centrípeta (das margens) A organicidade social forma um rolo compressor, a partir das margens da pirâmide social, para fazer pressão junto ao poder público central. Trata-se de uma ferramenta poderosa, a pressão centrípeta, que age a partir das margens para Brasília, carregando suas demandas e dando vazão à sua locução. Nesse ponto, juntam-se às forças do meio da pirâmide, resultando daí uma fabulosa onda de reclamos e reivindicações. 6. O poder das classes médias As classes médias serão determinantes no processo de formação de opinião pública. Funcionam como pedras jogadas no meio da lagoa: seu impacto na água cria ondas que, em fluxo contínuo, correm até as margens. Significa que a tuba de ressonância da OP (Opinião Pública) será tocado pelas classes médias. O topo da pirâmide também recebe os inputs do meio, portanto, as classes médias também influenciam as elites, a par das classes D e E. 7. A força do regionalismo Observa-se, nos últimos tempos, a emergência do regionalismo, que fala alto, cobra e exige participação na mesa do poder federal. Os Estados parecem despertar do sono letárgico que, por décadas, os têm deixado distantes do poder executivo federal. Expõem seus problemas, clamam por fatias maiores do orçamento, exigem mais colaboração dos representantes regionais, enfim, querem dizer presença no processo decisório. 8. Obediência às funções dos poderes Após uma temporada de tensões entre os Poderes, com maior ênfase entre os Poderes Legislativo e Judiciário, descortina-se uma era de harmonia, com respeito aos limites funcionais de cada instituição. Na verdade, o que tem ocorrido fez e faz bem à democracia, conforme as lições do constitucionalista Michel Temer, que não enxerga crise entre Poderes, mas tão somente a disposição do Judiciário de dar respostas às demandas que lá chegam. Sob essa interpretação, a vida institucional tende a ganhar maior equilíbrio e harmonia. 9. O profissionalismo das forças armadas As Forças Armadas, após vivenciarem um ciclo de polêmica participação de seus quadros na vida política, entram em refluxo, intensificando o profissionalismo, assim respondendo às críticas que têm sofrido. Haverá participação de militares na vida política, sim, mas dentro dos parâmetros estabelecidos por dispositivos legais, como a proibição de quadros da ativa na participação da agenda eleitoral. A cúpula das Forças está comprometida com o resgate da boa imagem da instituição. 10. Discurso eleitoral com foco em doutrina Os pleitos eleitorais serão desenvolvidos sob o debate mais focado em doutrina, significando a exposição de propostas temáticas em detrimento dos traços pessoais de candidatos. Dessa forma, o discurso eleitoral tende a absorver matiz doutrinária, com clarificação sobre temas da atualidade, defesa da pluralidade de gêneros, aborto, privatização, marco temporal para as terras indígenas, reformas do Estado, entre outras temáticas. 11. A segurança pública como prioridade A segurança pública subirá no ranking de prioridades, exigindo ações mais profundas do Estado, com foco na eliminação dos grupos de milícias e na contenção das formas de bandidagem. As fronteiras serão mais policiadas, com o duro combate ao contrabando. 12. O espraiamento do ambientalismo O discurso ambiental continuará a ganhar espaço e a preservação do meio ambiente será uma bandeira desfraldada por todo o território nacional. Os cuidados ambientais terão reflexo na projeção da imagem do Brasil no mundo. II Parte Raspando o tacho (notas sobre a Conjuntura) - Os governos que tocam a flauta da privatização encontram forte resistência de grupamentos parlamentares, como o governo Tarcísio de Freitas. O apagão que deixou São Paulo sem energia durante 5 dias tem sido um argumento contra a privatização de serviços públicos. A Enel é o alvo do tiroteio. - As pautas econômicas entram na agenda de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. - Lula está demorando para indicar nomes para o STF e para a PGR. Pressões de todos os lados deixam-no em dúvidas. - Janja quer um gabinete no Palácio do Planalto. Ora, que seja dado. Ela é o termômetro de Lula. - O mundo, com as guerras da Ucrânia/Rússia e Israel/Hamas, ficou mais próximo da morte. A banalização do Mal. - O governo Lula chega ao fim de ano com desgastes maiores que os previstos. A taxa de aprovação tem diminuído. - As listas de saída de estrangeiros na faixa de Gaza não têm contemplado a última leva de brasileiros. A 5ª lista saiu e, mais uma vez, o Brasil não foi contemplado. Celso Amorim, o assessor especial/internacional do Governo, está muito chateado. Não tem explicação a dar. Pérolas Fecho a coluna com pérolas do Enem - A harpa é uma asa que toca. - O vento é uma imensa quantidade de ar. - O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas. - Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor. - Péricles foi o principal ditador da democracia grega. - O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades. - A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário. - Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso. - O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro. - A febre amarela foi trazida da China por Marco Polo. - "O pobrema da amazônia tem uma percussão mundial. Várias Ongs já se estalaram na floresta." - "A amazônia é explorada de forma piedosa."
quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Porandubas nº 828

Abro o texto com um "causo" hilário, envolvendo uma "raposa" da política mineira. Quiçá e cuíca Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: - Cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil. Ali estava escrito: - Quiçá daqui saia o melhor gado do Brasil. A imprensa caiu de gozação. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: - E esta, senhor governador, é a célebre cuíca. Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção: - Não caio mais nessa não. Isto é quiçá! (Historinha enviada por J. Geraldo). Parte I Na primeira parte da coluna, faço um registro histórico. Narro como vi o atentado terrorista no aeroporto dos Guararapes, em Recife, naquela manhã de sol ardente de 25 de julho de 1966. Esperando Costa e Silva Repórter da Folha de São Paulo, sucursal do Nordeste, andava eu de um lado para outro, no aeroporto dos Guararapes, em Recife, tentando identificar autoridades entre as cerca de 300 pessoas que aguardavam o marechal Costa e Silva. Ele viria de João Pessoa, na Paraíba, para seu périplo pelo NE na pré-campanha para a presidência da República pela então Aliança Renovadora Nacional, ARENA. Para frustração da multidão que o aguardava, o alto-falante avisou: devido a uma pane no avião, o marechal viria de automóvel. Em minha mente de repórter em início de carreira, tinha uma pergunta embaraçosa a fazer ao candidato: "Por que ele não era o preferido do presidente Castelo Branco para sucedê-lo"? A bomba Preparava-me para sair quando o artefato explodiu. Poderoso deslocamento de ar jogou-me a metros de distância (sensação horrível de voar pelos ares) de onde me encontrava. Intensa fumaça, gritos de terror e uivos de dor. Tonto, levantei-me, sem saber para onde ir. As pessoas corriam em direção à saída. Voz corrente: um atentado para matar Costa e Silva. Na frente do aeroporto, esperando um táxi, dava para enxergar o apoplético coronel Hélio Ibiapina, óculos Ray-Ban, face avermelhada, dando ordens, gesticulando nervosamente, ordenando o desvio de carros. E a dúvida bateu na mente: pane no avião? Será que os militares não sabiam de nada? Pane no avião presidencial? Hum... Sangue no paletó No táxi, um susto: vi sobre um dos ombros do meu paletó cinza-esverdeado massa de miolos esfarelados e gotas de sangue. Eu estava nas proximidades dos dois mortos do atentado: o jornalista Edson Regis de Carvalho, secretário da Casa Civil de Pernambuco, do governo Paulo Guerra, e o vice-almirante aposentado Nelson Gomes Fernandes. Fui direto à Italcable, na avenida Dantas Barreto, no centro do Recife, onde rabisquei telegrama para a Folha, noticiando a explosão e o zum-zum: outra bomba teria explodido na sede da União dos Estudantes de Pernambuco e mais uma na USAID (United States Agency for International Development). Diarréia Corri para a sucursal da Folha, na praça Joaquim Nabuco, ao lado do cine Moderno, no primeiro piso. Subi a pequena escadaria e fui direto ao banheiro para administrar o problema estomacal que me acometera. Uma disenteria. Só depois passei a relatar o atentado terrorista no aeroporto a Calazans Fernandes, chefe da sucursal e a Manuel Chaparro, grande jornalista, hoje em recuperação da saúde, e que sempre contou esse detalhe pitoresco deste escriba indo ao banheiro às pressas. Os dois, perplexos, olhavam para as manchas de sangue e detritos no meu paletó. As versões A história foi apurada. Passei anos desconfiado sem saber quem teria sido o mentor. Atribuía-se inicialmente ao ex-deputado Ricardo Zarattini, que chegou a ser torturado, e ao professor Edinaldo Miranda. Teria sido perpetrado pela Ação Popular, a AP, da esquerda católica, sendo o ex-padre Alípio de Freitas o mentor, e Raimundo Gonçalves Figueiredo, Raimundinho, codinome Chico, o operador. Este morreu em abril de 1971 em tiroteio com policiais. Maleta escura Jacob Gorender, no livro "Combate nas Trevas", relata parte do caso. Uma maleta escura com a bomba foi encostada numa pilastra próxima à livraria Sodiler. O guarda-civil Sebastião Thomaz de Aquino, o Paraíba, ex-jogador do Santa Cruz Futebol Clube, teria pegado a maleta para entregá-la no DAC, ali no aeroporto. A bomba explodiu. Matou duas pessoas e feriu 14. Investigação O Jornal do Commercio, de Recife, sob a coordenação do repórter Gilvandro Filho, entrevistou o padre Alípio de Freitas, já em Portugal, que defendia a causa de operários e a reforma agrária. A investigação concluiu que os dois acusados eram inocentes, fato reconhecido pelo Estado apenas em 2013, por meio da Comissão da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara. Para passar o Brasil a limpo, é mais do que hora de tirar o lixo debaixo do tapete. Até hoje, há muita especulação sobre o atentado. Parte II Raspando o tacho - Ao desdizer o ministro Fernando Haddad sobre a meta do déficit zero no Orçamento de 2024, argumentando que não se preocupa com isso, o presidente Lula desautoriza e corrói o conceito de responsabilidade na gestão fiscal. Ruim para o prestígio do país. - O governo vê declinar sua avaliação positiva e aumentar a avaliação negativa. Últimas pesquisas de opinião. - Mais um naco (e que naco) do bolo foi dado ao Centrão: a Caixa Econômica Federal. - Menos uma mulher no topo da administração Federal. - A carnificina na Faixa de Gaza faz da ONU um organismo sem nenhum poder de decisão. Acorrentado. Inerte. - Os terroristas do Hamas ganham com o ímpeto de guerra. A corrente religiosa vê seus mortos no paraíso. - Cerca de 230 reféns estão nos túneis do Hamas. Israel tem encontrado poucos até o momento. - Lula usa a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para dar recados ao mercado. E, às vezes, não se contém e manda, ele mesmo, recados obtusos. - Rodrigo Pacheco tem divergido muito de Arthur Lira. Cada presidente com seu rolo compressor sobre o Executivo. - Os candidatos a prefeitos em 2014 começam a contratar Institutos de Pesquisa. - Murilo Hidalgo, do Instituto Paraná Pesquisas, manda resultados do levantamento que acaba de fazer em Curitiba. O ex-prefeito Luciano Ducci (PSB) lidera a corrida para a prefeitura, com 25,6% das intenções de voto, seguido pela deputada Rosângela Moro (União Brasil), com 15,3%. - Brasil bate recorde de população empregada. Ótimo. - Em uma carta conjunta, Jennifer Aniston (Rachel), Courteney Cox (Monica), Lisa Kudrow (Phoebe), Matt LeBlanc (Joey) e David Schwimmer (Ross) lamentaram a partida do colega de elenco de Friends, Matthew Perry. "Éramos mais que uma família", dizem na carta. - Ex-diretora de Paulo Guedes, Marina Helena, suplente de deputada, será candidata do Novo à prefeitura de SP. Foi chefe de desestatização do governo Bolsonaro. - Mais enchentes no Sul. Seca piora no Norte. Brasil e suas regionalidades. - E Neymar, hein? Messi, pela 8ª vez, é o melhor jogador de futebol do mundo. Neymar vai passar uns 10 meses no retiro, viajando no seu avião e gozando férias no ócio. Claro, e tentando se recuperar da lesão no joelho. Seu time das Arábias que espere... Táticas de guerra - Fecho a coluna com pequenas lições sobre as formas de guerrear. Táticas de guerra, segundo o general Sun Tzu "Prepare iscas para atrair o inimigo. Finja desorganização e esmague-o. Se ele está protegido em todos os pontos, esteja preparado para isso. Se ele tem forças superiores, evite-o. Se o seu adversário é de temperamento irascível, procure irritá-lo. Finja estar fraco e ele se tornará arrogante. Se ele estiver tranquilo, não lhe dê sossego. Se suas forças estão unidas, separe-as. Ataque-o onde ele se mostrar despreparado, apareça quando não estiver sendo esperado. - Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas. - Não marche, a não ser que veja alguma vantagem; não use suas tropas, a menos que haja alguma coisa a ser ganha; não lute, a menos que a posição seja crítica. Nenhum dirigente deve colocar tropas em campo apenas para satisfazer seu humor; nenhum general deve travar uma batalha apenas para se vangloriar. A ira pode, no devido tempo, transformar-se em alegria; o aborrecimento pode ser seguido de contentamento. Porém, um reino que tenha sido destruído jamais poderá tornar a existir, nem os mortos podem ser ressuscitados."
quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Porandubas nº 827

Abro o texto com um hilário "causo" de matreirice na política. Rui Carneiro Paraibano matreiro, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha: - Paraibanos, estive em Roma com o Papa. Ele me cochichou: - Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você. Ganhou a eleição. Parte I - A mãe das reformas A primeira parte da coluna procura analisar a mãe das reformas, a administrativa. Vai ou não vai ser aprovada durante o governo Lula III? Ao leitor, as conclusões. A reforma administrativa Fala-se muito de reforma administrativa. E por que não é feita? Ora, porque a parte que puxa o cabo de guerra para o passado ganha de goleada do time que puxa o cabo para a frente. Analisemos. Quem se der ao exercício de contemplar a fisionomia nacional vai deparar com imensos contrastes. Há ilhas de excelência no meio de feudos. Há avanços de tecnologia de ponta ao lado de muralhas do passado. O mandonismo Na seara da administração pública, uma burocracia altamente profissionalizada convive com largas fatias do mandonismo político, a denotar o esforço de uns para olhar adiante sob o solavanco de outros que teimam em olhar para trás. Herança civilizatória: o patrimonialismo, a invasão da coisa pública pelo interesse privado. O pensamento de que o cargo público lhe pertence, pelo fato de ter ganho uma eleição, torna o representante uma estaca dos feudos que se implantam nas três esferas da Administração Pública, municípios, Estados e União. A mãe das reformas A mãe de todas as outras, antes mesmo da área política, como normalmente se tem propagado, é a reforma do modelo de operação do Estado. Redimensionar a estrutura estatal, conferindo-lhe dimensão adequada para a obtenção de eficácia, significa mudar comportamentos tradicionais, racionalizar a estrutura de autoridade, reformular métodos e, ainda, substituir critérios subjetivos e ancorados no fisiologismo por sistemas de desempenho. Coisa de democracias mais antigas e consolidadas. Coisa de cultura política voltada para o bem-comum. A meritocracia A meritocracia é o instrumento adequado para oxigenar, qualificar e expandir a produtividade na administração. As levas de indicações partidárias acabam contribuindo para inchar estruturas, expandir a inércia e as teias de interesses escusos. A proposta começa com a substituição de milhares de cargos comissionados por uma carreira de Estado, à semelhança do que existe em sistemas parlamentaristas, nos quais quadros permanentes, qualificados e motivados são imunes às crises políticas. O parlamentarismo Mudam-se os dirigentes, mas as equipes continuam comandando a gestão pública. Aliás, o parlamentarismo, sempre mal explicado por aqui, é o sistema mais adequado para o Brasil. Já o presidencialismo perpetua as mazelas. Cultiva uma "estadania", o sistema que coloca o Estado como o patrão que tudo resolve. Os "estadãos", não cidadãos, dependem das mamatas da vaca leiteira, o Estado. O empreguismo, os lotes de cargos distribuídos entre partidos, fazem parte da liturgia presidencialista. Reconhecer o mérito Da burocracia comprometida com o mérito deverão ser cobrados resultados dentro de metas preestabelecidas, reconhecendo-se as qualidades de cada perfil e implantando um modelo de premiação e promoção para motivar as equipes. Não será tarefa fácil alterar a fisionomia da Administração Pública. O atual sistema de loteamento faz parte da velha cultura patrimonialista. Formar quadros Sem quadros, qualquer reforma fenecerá. O fortalecimento das áreas de formação, reciclagem e aperfeiçoamento de recursos humanos, voltadas para a operação do Estado, deve ser prioridade. Essas ideias parecem consensuais entre grupos de bom senso da própria Administração Pública. E por que não se aplicam? O que se constata é uma assimetria da organização do poder no Brasil. O dono da orquestra dá o tom. Os músicos são indicados pelos senhores do mando. O círculo vicioso da política gira, gira, gira, mudando figuras e comandos, apenas trocando perfis, não o sistema. A pressão social Há poucas brechas para se avançar. Mas é possível, sob pressão intensa da sociedade, fazer fluir oxigênio novo. Quando ideias transformadas em projetos chegam ao Congresso sob o empuxo social, ganham repercussão e acabam entrando em pauta. Foi o que ocorreu com situações que caracterizam o ingresso do Brasil na modernidade: a pesquisa com células-tronco, a aprovação do Projeto Ficha Limpa, a Lei Maria da Penha, de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outros estatutos. Articulação Uma condição se faz necessária para se avançar. A força acumulada pelo governo para fazer rolar o seu rolo compressor no Congresso. E o governo precisa fazer isso no seu primeiro ano ou, no máximo, no segundo. À medida que se aproximam as eleições, tudo será mais difícil. O Congresso quer mais fatias de poder. Os representantes só decidem olhando para os umbigos. Parlamentares insatisfeitos Nem mesmo o poder dos presidentes das Casas congressuais - sejam eles Arthur Lira, Rodrigo Pacheco ou outros - conseguem apoio para aprovar pautas governamentais. Conclusão: Lula terá pequena margem de manobra para aprovar a reforma administrativa. Um projeto que gera polêmica. Parte II Raspando o tacho - A pauta econômica na reta final. Ufa. - Fernando Haddad vê semana decisiva para sua pauta econômica no Congresso. Mas parlamentares cobram alta fatura. Reforma tributária chega ao 'mata-mata' no Senado, que também vai votar projeto de extensão da desoneração da folha. - Já a Câmara deve analisar taxação de fundos exclusivos e offshore. - Lula volta a despachar no Palácio do Planalto. Mais alegre, andando de um lado para outro, e dando seus alôs midiáticos para líderes internacionais, entre os quais Vladimir Putin. - A força emergente no Congresso é a da bancada do agro. A maior. - A situação na Argentina continua mostrando uma grande interrogação. Os votos de Patrícia Bullrich vão para Massa ou para Milei? Para os dois. Mas quem terá a maior fatia? Bullrich ficou em terceiro, com uma boa votação, cerca de 24% dos votos, ou seja, 6,2 milhões. - O medo de Milei e o receio de terem Massa como uma continuidade administrativa na economia devastada balizarão o processo decisório na Argentina. Os eleitores se sentem entre a cruz e a caldeirinha. - E a guerra, hein? Os ataques terrestres dos israelenses em Gaza são o foco da guerra nesta semana. - E a guerra entre Rússia e Ucrânia, hein? Putin defende o cessar fogo em Gaza, mas fica de bico calado sobre sua guerra. - Na próxima semana, o Brasil deixará de presidir o Conselho de Segurança da ONU, onde passará um mês de comando. Cumpriu bem a tarefa. - Nota 10 ao programa de resgate de brasileiros vindos de Israel. Há ainda alguns em Gaza. - A seca no Norte do país é o novo calcanhar-de-Aquiles dos governantes, o Federal e os estaduais. - As enchentes no Sul do país constituem, por sua vez, o calvário de gaúchos e catarinenses. - A violência no Rio de Janeiro e em São Paulo é uma bomba que joga pra longe os governantes dos dois Estados, com sérios danos à sua imagem no ano eleitoral de 2024. Até porque não há esperança de melhoria no aparato de segurança. - O Brasil eleva sua posição no ranking da violência mundial. - Eduardo Bolsonaro, o deputado com estrondosa votação em São Paulo, fez o que pelo Estado? Não sabe nem onde fica o Tatuapé, que confunde com o animal correndo com suas quatro patas... - O pai, Jair Bolsonaro, quer emplacar o filho mais novo, Renan, como vereador em Camboriú, Santa Catarina, no pleito de 2024. - O mais velho, Flávio, gostaria de ser candidato a prefeito no Rio de Janeiro. Porém, teme ser um fracasso, o que impactaria todo o projeto de poder da família. - Guilherme Boulos, deputado Federal, tem imagem associada ao MST e suas invasões de propriedade. Sua meta: aliviar essa associação para ganhar densidade e se eleger prefeito de São Paulo no próximo ano. Conseguirá? Constatação: caiu na armadilha do Hamas, mais uma associação negativa da qual procura se desvencilhar. Fecho a coluna com outro "causo" de matreirice. A banana Na campanha pela prefeitura de São Paulo, em 1985, contra Fernando Henrique, Jânio foi ao bairro de São Miguel Paulista, reduto de nordestinos. Enfrentou uma feijoada, regada a caipirinhas múltiplas. Caiu na cama da casa de um eleitor. Atrasado, às 19h, foi acordado. Em sobressalto, vestiu o terno amarfanhado, pegou uma banana e colocou no bolso. Subiu o palanque e tascou: - Político brasileiro não se dá o respeito. Eu não. Desde as 7h da manhã estou caminhando por este bairro e até agora não comi nada. Então, com licença". Sob os aplausos da galera, devorou a banana. Ganhou as eleições. Espanou a cadeira onde, momentos antes, se sentara Fernando Henrique, que achava ter ganho o pleito.
quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Porandubas nº 826

A coluna sempre trouxe uma historinha hilária na abertura. Ante a escalada de medo e violência dos últimos tempos, este analista decidiu suspender a "graça" para ajustar o texto ao espírito do tempo. Mas insistentes pedidos fazem retornar os "causos". Vez ou outra, eles abrirão a coluna. Lei da Gravidade A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. E a lei da gravidez, essa, nem se fala. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água lá embaixo e a cidade, lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões e, sinceramente, achava o problema de difícil solução a curto prazo, conforme desejavam: - Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo? - O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade. - Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição, visando perseguir o PSD. O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche, que "o governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal". E está encerrada a sessão. (A historinha é de José Flávio Abelha, em seu livro A Mineirice). Parte I Avaliação do governo O método é de Carlos Matus, cientista político chileno. Ele é o criador do Planejamento Estratégico Situacional, um modelo que surgiu da reflexão sobre a necessidade de aumentar a capacidade de governar. E que avalia o desempenho de uma administração pela somatória de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O equilíbrio entre eles é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações programáticas. Procuremos fazer breve leitura do governo Lula sob esses quatro cinturões. As coisas não acontecem O governo Lula III acumulou, desde a posse, força descomunal, a partir da reposição da imagem do país na paisagem internacional, mas não tem sabido transformá-la em ferramenta de eficácia da gestão. A administração tem deixado escapar, aos poucos, a condição de usar o poder como "capacidade de fazer com que as coisas aconteçam", como ensina Bertrand Russell. Basta analisar os furos exagerados em pelo menos três desses cinturões. Tensões na área política A área política é um território semeado de tensões e pressões, que têm levado à instabilidade. A base governista, de cujo apoio o governo tanto necessita para aprovar projetos e medidas provisórias, constitui um aglomerado de grupos heterogêneos, envolvidos em querelas. Cada partido, seja do Centrão, seja da esquerda, quer ganhar uma fatia maior do bolo. O ponto central, ainda não internalizado pelo governo, é o de que seu governo não se assenta no conceito de coalizão, mas na moeda fisiológica da adesão, o que torna frouxos os elos com as estruturas partidárias. O balcão Não se estabeleceu, desde o início, um pacto de longa duração. Os acordos ficam sujeitos ao gosto das circunstâncias, propiciando a negociação no balcão da fisiologia. Será tarefa quase impossível consertar um erro de origem, ainda mais quando se vê no comando da Câmara um perfil de forte tradição fisiológica. O território social não passa de paisagem devastada pela improvisação. Onde estão as políticas públicas para equacionar o déficit nas áreas da saúde, educação, mobilidade urbana, segurança pública? Se existem, o governo falha na comunicação. A gestão com congestão No cinturão gestão, da organização administrativa, a observação é de que é frágil para abarcar um corpo governamental muito gordo. Ministérios incham a máquina do Estado. Milhares de servidores exibem como qualidade a carteira de filiação partidária. Com o nivelamento por baixo, a burocracia emperra. Os gastos públicos têm obedecido ao patamar do teto de gastos aumentado em proporção geométrica. Para que formar 38 (ou 39?), se apenas 15 a 20 dariam melhor resposta às demandas nacionais? E que eficiência se pode esperar de um ministério que é uma colcha de retalhos, com partes esburacadas, como as que abrigam ministros sob suspeita, envolvidos em escândalos, gente sem competência gerencial, quadros que vivem em torno de uma Torre de Babel? A malha de transportes Como um país se dá ao luxo de ver uma parte de sua safra perdida por causa da péssima condição das estradas? Como se pode deixar cair no ralo dezenas de bilhões por ano em razão da calamidade do sistema viário? O cinturão econômico O cinturão econômico, esse sim, parece bem ajustado. Trata-se de uma área que navega pelo piloto automático. O ministro Fernando Haddad, apesar de prometer zerar o déficit público, ganhou apoio do mercado. Mesmo assim, é passível de críticas. Em que o superávit primário do PIB contribuirá para aumentar o emprego? O desemprego diminui, mas tem base para suportar os gastos governamentais? O arrocho tributário alcança patamar nunca visto. Ficaremos com 27% de tributação na reforma tributária? Mesma coisa de hoje. Com essa gama de interrogações, o sinal amarelo prenuncia que os cordões do governo poderão, logo, logo, se romper. A imagem do Brasil O governo Lula vai bem na área da imagem externa. O país conseguiu repor sua imagem na galeria das Nações respeitadas. Imagem destroçada pelo governo Bolsonaro. Com suas viagens, Lula reconquistou a posição de credibilidade do país. P.S. A maioria da população não aprova sua agenda internacional, segundo institutos de pesquisa. Parte II Raspando o tacho - Notinhas sobre a conjuntura - Murilo Hidalgo, do Instituto Paraná Pesquisas, manda sua última pesquisa sobre o governo Lula. O foco: as viagens internacionais do presidente. Aprovação - 44,1%; desaprovação - 50,4%; não sabe, não opinou - 5,5%. - Murilo também manda pesquisa de avaliação dos ministros de Lula. Alguns deles passando da nota 5, mas ali no meio, sem distinção. Simone Tebet e Camilo Santana, Planejamento e Educação, com 5,4%; Geraldo Alckmin e Flávio Dino, Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e Justiça, ambos com 5,3%; Nísia Trindade e Fernando Haddad, Saúde e Economia, com 5,0%. - Lula continua sob uma cortina em sua recuperação. Não pode deixar de fazer rigorosa fisioterapia. - O governo merece nota 10 com seu programa de resgate de brasileiros de Israel. FAB, 10 com louvor. - O país foi ágil e eficaz na logística do transporte dos brasileiros. E agora se dispõe a ajudar os países amigos da região. - O texto costurado pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU tem mais chance de prosperar que o texto russo, aliás já reprovado. - Boa notícia: pessoas que estavam em situação de desespero no sul da faixa de Gaza conseguiram receber água e comida. - E a guerra Rússia x Ucrânia, hein? - O grande temor: o alastramento do conflito no Oriente Médio. - O Brasil dos contrastes: os rios secando na região amazônica e as ruas de cidades alagadas no Sul. Um país continental. - Bolsonaro, em viagens pelo país, se apresenta como o principal cabo eleitoral de 2024, ano das eleições municipais. - Impressiona como o país continua dividido. - Foco do governo no Congresso: reforma administrativa. E a pauta econômica. - A gestão de Josué Gomes, na FIESP, é um continuum de bons eventos. Uma administração voltada para debater o país. Parabéns. - O que é Felicidade? Rubens Figueiredo, cientista social e especialista em pesquisas, trabalhou bem o tema em palestra no COSENP da FIESP. Fez um interessante giro sobre os caminhos da felicidade no planeta. Dei minha contribuição lembrando os quatro impulsos básicos do ser humano, estudados por Pavlov: instintos combativo e nutritivo (ligados à conservação do indivíduo), sexual e paternal (voltados para a perpetuação da espécie). Todos eles propulsores da felicidade. - O vírus da Covid-19 volta a assustar. Nas últimas semanas, o alastramento da Covid ganhou volume em São Paulo. Um salto de 30%. Maior patamar desde janeiro. - Marcos da Costa, secretário de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, comunica que o governo acaba de lançar o programa de acessibilidade das pessoas com deficiência auditiva aos serviços públicos do Estado de São Paulo. Vai atender a cerca de meio milhão de pessoas. Meus aplausos. - O papa Francisco é cobrado para expressar mensagens mais duras em relação ao terrorismo do Hamas. Sem prejuízo da defesa do Estado palestino. - Cessar fogo nesse momento seria um trunfo para o Hamas, dizem os analistas. Um impasse: e as mortes de civis? Fecho a coluna com uma pitada de riso. Precisamos trabalhar O brigadeiro Eduardo Gomes fazia, no largo da Carioca (Rio de Janeiro), seu primeiro comício da campanha presidencial de 1945. A multidão o ouvia em silêncio: - Brasileiros, precisamos trabalhar! Do meio do povo, uma voz poderosa gritou: - Ih, já começou a perseguição! Bagunça geral. O comício quase acabou.
quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Porandubas nº 825

Parte I O mundo vive momentos de tensão. Cerca de 10 guerras fazem parte da paisagem de destruição, mortes, violência extremada, caos. A recente ação terrorista do Hamas, com seus ataques covardes ao Estado de Israel, é o ponto culminante da escalada de violência em que caminha o planeta. O Produto Internacional Bruto da Felicidade sofre perdas, só sentidas por ocasião dos tempos das Guerras Mundiais e da Guerra Fria. Tempos harmônicos se foram na poeira da Humanidade. Sob essa ordem de violência, assume capital importância o Poder Judiciário. Sobre ele, este analista dedica a primeira parte da coluna. Uma leitura sobre o Judiciário Uma onda criminosa, como a metástase de um câncer, propaga-se rapidamente no mundo, infiltrando-se até no Poder Judiciário. A constatação é grave. Afinal de contas, trata-se de um Poder que é o mais identificado com a virtude da moral. Representa o altar mais elevado e nobre da verdade e da justiça. Acusações que atingem um ou outro de seus pares acabam maculando a imagem da instituição. E a imagem de um Judiciário desacreditado estampa um dos maiores danos à alma nacional. Já foi o mais respeitado O Judiciário já foi o mais respeitado dos Poderes da República, seja pela identidade de seus integrantes, seja pela nobreza de suas funções constitucionais. Nos últimos tempos, o STF passa a imagem de uma gigantesca delegacia de polícia. Em alguns Estados, as práticas administrativas dos Poderes são influenciadas por costumes políticos desenvolvidos no seio de famílias e grupos. Tem sido comum a indicação política de juízes para as Cortes Superiores, a ponto de se identificar facilmente os patrocinadores políticos de espaços de mando e poder na área da Justiça. A sagrada função do juiz A figura do juiz, em nosso país, não se cerca mais daquela aura sagrada que tanta reverência impunha no passado. Em tempos idos, cultivava-se admiração pela liturgia da Justiça. Os juízes assumiam na plenitude aqueles traços nobres, que Francis Bacon tão bem descreveu em seus ensaios: "os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspetos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza." O rebaixamento O rebaixamento dos níveis educacionais, dos padrões técnicos e da qualidade dos recursos humanos, o descumprimento à tripartição dos Poderes, pela canibalização recíproca de espaços e funções, e o arrefecimento de valores fundamentais (o respeito à lei, à disciplina e à autoridade), a negligência para com o dever, a escassez de solidariedade, a falta de seriedade e a indignidade pessoal se fazem presentes na festa de banalização da vida pública. Tudo tem ficado mais assemelhado. E pior. A maré de demandas Atingido pela sujeira que borra a moldura de todas as instituições, sem exceção, o juiz tem de enfrentar um calvário particular, a via crucis da crise, determinada pelos dilemas que lhe são impostos pelo caráter dual do Estado brasileiro. De um lado, o Estado liberal, fincado nas bases do equilíbrio entre os Poderes, no império do direito e das garantias individuais. De outro, o Estado assistencial, de caráter providencial, voltado para a expansão dos direitos sociais, ajustados e revigorados pela CF de 88. Os resultados vão bater na mesa do juiz: enxurradas de demandas crescentes e repetitivas em questões de toda a ordem - trabalhistas, tributárias e previdenciárias - para milhares de reclamatórias nas instâncias da Justiça. A hora da verdade Chegou a hora da grande verdade para os tribunais. Ou o Judiciário se estrutura para atender às demandas de uma sociedade cada vez mais consciente e participativa ou acabará por ser afundado na vala comum do descrédito. Não há meio termo. Para ganharem o que merecem e precisam, as Cortes, respirando o cheiro do tempo, hão de se abrir para a sociedade, mostrando que não têm nada a esconder. Hão de fortalecer a imagem de guardiões da lei. Urge limpar das impurezas a estátua de Themis, a deusa da Justiça, cujos olhos cobertos por uma faixa simbolizam a imparcialidade no julgamento de ricos e pobres, poderosos e humildes, grandes e pequenos. Os contornos da crise A crise do Judiciário adquire contornos definidos quando junta os adjetivos que marcam sua ação: lento, formalista e inacessível. Sua estrutura tem sido incapaz de administrar a explosão dos novos e complexos conflitos de uma sociedade em mutação e propiciar tutela jurisdicional tempestiva aos litígios clássicos. A excessiva demora do processo traz insegurança e o acúmulo de demandas gera colapso no sistema. Cipoal legislativo O cipoal legislativo - 188 mil leis, das quais menos de um terço em vigor - atrapalha o ordenamento jurídico, provocando interpretações contraditórias, controvérsias e aumento progressivo dos recursos. Apesar de termos um modelo federalista, copiado do norte-americano, a esfera Federal é quem legisla nos campos do Direito material e processual, gerando excesso de centralização. Os Tribunais Superiores, por seu lado, mais atendem às demandas dos Poderes Executivo e Legislativo do que às lides oriundas do povo. Os instrumentos criados para assegurar celeridade à Justiça - juizados especiais de pequenas causas cíveis e criminais, rito sumaríssimo na Justiça do Trabalho, súmula vinculante, súmula impeditiva de recursos, tutela antecipada - são uma gota d'água no oceano dos processos. O próprio Estado é quem mais entope as veias do Judiciário. A judiciocracia A política passa a ser objeto de contestação, dando origem à "judiciocracia", neologismo para designar uma democracia feita sob obra e graça do Poder Judiciário. Vale lembrar, porém, que a tendência de maior participação dos tribunais em ações legislativas e executivas decorre da própria "judicialização" das relações sociais, fenômeno que se expressa de maneira intensa tanto em democracias incipientes quanto em modelos consolidados. No princípio do Estado moderno, o Judiciário era mero executor de leis. Montesquieu ponderava que juízes significavam a boca que pronuncia as palavras da lei, entes que não podem aumentar ou enfraquecer seu vigor. Invasão entre Poderes O tripé dos Poderes alinhava-se numa reta, embora o Legislativo ainda tivesse maior projeção. Com o advento do Welfare State, o Executivo passou a intervir de maneira forte para expandir a rede de proteção social. Passou, inclusive, a legislar, fato hoje medido entre nós pelas medidas provisórias. Ganhou proeminência entre os Poderes. O atual ciclo confere mais força ao Judiciário pelo fato de ser este intérprete final da letra constitucional. Ao decidir se os Poderes Executivo e Legislativo, partidos e outras instâncias agem de acordo com a Constituição, o STF acaba definindo a política que regra a vida nacional, elevando o Judiciário a um patamar superior. A coloração política Infelizmente, o país passou a conviver com um processo de judicialização da vida social. Disputas multiplicaram-se nas esferas pública e privada. A visibilidade dos tribunais se intensificou e seus membros passaram a dar uma interpretação política aos conflitos sociais. Hoje, nomeações de juízes assumem forte coloração política. Ao lado de alta cultura jurídica, magistrados passam também a ser conhecidos como ministros nomeados pelos presidentes fulano, beltrano e sicrano. O tensionamento O contencioso político-jurídico se adensa. Instâncias políticas e jurídicas convivem, ora pacífica, ora conflituosamente. Tensões acendem as fogueiras de crises intermitentes. Nesse ponto, afloram críticas. Ao interferir fortemente na política, o Judiciário estaria desenvolvendo uma hegemonia dentro do arranjo político-institucional. Posta nesses termos, a inquietação leva em conta, ainda, o processo de nomeação "política" de juízes das altas Cortes, o voluntarismo político e a orientação ideológica de membros do MP que buscam afirmar o caráter politizado da instituição. O fato é que a intervenção jurídica no campo político não pode passar despercebida. Parte II Raspando o tacho - Lula, bem orientado, expressou sua visão sobre a guerra entre Israel e o Hamas, designando esse grupo como "terrorista". Fez bem. Não dá para dourar a pílula diante de tamanha barbaridade cometida contra homens, mulheres e crianças. - A reação de Israel tem sido devastadora. Netanyahu precisa mostrar ação decisiva ante o fracasso da inteligência israelense, que não detectou indícios de planejamento dos ataques - água, terra e ar - dos terroristas. - A ONU não emprega o termo terrorista para o Hamas. Hora de mudar a concepção. - Hora de um grande diálogo de Israel com os palestinos. Hora de consolidar a posição em prol do Estado Palestino. - Cerca de dois mil brasileiros devem ser retirados de Israel. - Ante esse novo conflito, a guerra entre Rússia e Ucrânia passa "batida" na mídia. - Ambos os países perdem com esse novo conflito. Zelensky vai sofrer o desvio de atenção dos europeus e dos EUA, que começam a considerar prioritária a ajuda a Israel. Kiev receberá menos ajuda. Putin ganha com a reorientação de rumos dos países ocidentais. - Lula está mesmo recolhido. Não deu as caras nem para mostrar o tratamento das bolsas em redor dos olhos. - Essa semana será, para a esfera política, um feriadão. - A ameaça de dar visibilidade à morte de civis, tornados reféns, é mais um ato de covardia do Hamas. Barganha para fazer parar a reação israelense sobre a faixa de Gaza. Fecho a coluna com Augusto Franco. Sergipe de Franco Augusto Franco, governador, cheio de si, desceu no Galeão, e foi logo respondendo à pergunta de uma atendente da Varig: - O sr. é o dr. Augusto Franco, de Sergipe? - Não, minha filha, Sergipe é que é de Augusto Franco.