COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Política, Direito & Economia NA REAL

Enfoque político, jurídico e econômico.

Francisco Petros
terça-feira, 21 de setembro de 2004

Dois fatos e um mito

Francisco Petros* Dois fatos e um mito Na última sexta-feira (17/9/04), a agência classificadora de riscos Standard & Poor's elevou o rating dos títulos externos do Brasil de B+ para BB-. A perspectiva (outlook) passou de "favorável" para "estável" o que significa que não deve haver novas revisões no crédito do Brasil no curto prazo. No que se refere aos títulos domésticos (emitidos em reais) não houve alteração de rating. Trata-se de uma excelente notícia para o país de vez que reduzirá os custos de suas emissões privadas e soberanas. A melhora da avaliação do risco-país deve-se fundamentalmente aos excelentes resultados da balança comercial e à redução dos passivos públicos indexados à taxa de câmbio. Vale ressaltar que a avaliação de crédito de um país não se refere per se a qualidade da gestão da política econômica, mas a capacidade de pagamento de suas dívidas. Um país pode permanecer estagnado por muitos anos em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em função de políticas econômicas equivocadas e manter a sua qualidade de crédito. É o que aconteceu com o Japão desde meados da década passada até o ano passado. Não obstante este aspecto, temos razão em comemorar a nova avaliação da Standard & Poor's.Se do lado do crédito soberano a avaliação do país melhorou, de outro lado tivemos a preocupante notícia de que o Comitê de Política Monetária (COPOM) iniciou um "ciclo de ajuste da taxa básica de juros". Segundo informações do jornal O Globo no último dia 17/9/04, o presidente da República e o Ministro da Fazenda Antônio Palocci interferiram junto ao Presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles para que a taxa básica de juros não fosse elevada imediatamente para 17,5% ao ano. Trata-se de uma notícia grave e que deve aumentar a volatilidade da taxa de juros no mercado futuro e no custo de emissão dos títulos prefixados por parte do Tesouro Nacional. Lamentavelmente, os membros do COPOM têm contribuído de forma sistemática para a piora das expectativas dos agentes econômicos num momento em que o país começa a crescer sem que exista déficit nas contas externas conforme ocorreu nos últimos dez anos. É ilusório imaginar que esta postura pretensamente conservadora do COPOM não terá efeito sobre as decisões de consumo e investimento nos próximos meses e anos. Não devemos ter dúvidas: a falta de crescimento é o principal risco para um país! A própria agência Standard & Poor's alertou, no seu comunicado sobre a elevação do rating dos títulos externos brasileiros, que "o crescimento no investimento permanece em níveis baixos".Há vários formadores de opinião, empresários, líderes sindicais, analistas e economistas que se mostram dispostos a refletir e combater as idéias que têm se propagado a partir da diretoria do BC. Isto é muito positivo, pois não é razoável que um conjunto de funcionários públicos nomeados possa monopolizar a visão sobre a execução da política monetária e, desta forma, destruir a ótima oportunidade que o país tem para dar um passo à frente, de crescer, de se desenvolver, de reduzir as inquietudes sociais e se projetar mais confiante em relação ao futuro. No âmbito internacional, economistas respeitados como Joseph Stiglitz, Paul Krugman, Heiner Flassbeck (diretor da UNCTAD), entre outros, têm alertado em relação à política monetária adotada no Brasil.É essencial que o Brasil aumente o consumo interno através da recuperação dos salários e dos empregos perdidos ao longo dos últimos anos. A missão de manter saudáveis as contas externas por meio da obtenção de saldos crescentes da balança comercial tem de ser permanente. Entretanto, o Brasil é um país continental e que precisa aumentar o consumo doméstico para atrair investidores internos e externos para novos setores econômicos. É o que acontece com a China que atrai sistematicamente investimentos de todo o mundo na crença de que o consumo interno do país será crescente. No caso do Brasil, a oportunidade me parece ainda mais promissora, pois somos um país democrático, sem ameaças externas do ponto de vista militar, com uma natureza exuberante, com uma larga costa marítima, com um povo carente de educação, mas com vontade de trabalhar e assim por diante. Podemos nos tornar, pouco a pouco, um país exemplar do ponto de vista dos grandes temas do futuro: a preservação da natureza e o compromisso com o progresso social. A China, para citar o exemplo sempre tão glorificado pelos estudiosos, não tem estas oportunidades tão visíveis. Trata-se de um país ditatorial, poluidor, com uma mobilidade social constrangida politicamente, armamentista, etc.Assim sendo, não nos parece razoável que sejamos submetidos a "formas definitivas" de pensamento como se tivéssemos alcançado o "estado da arte" em certas políticas públicas. Em matéria econômica, não é possível construir mitos e torná-los verdadeiros enigmas que agem sobre toda a sociedade sem que saibamos exatamente a razão para tanto. A história nos mostra o que ocorreu com as teorias liberais no século XVIII, o marxismo no século XIX e boa parte do século XX, o Welfare State nos anos 40 a 70 do século passado, no monetarismo a partir dos anos 70 e assim por diante. Todas estas teorias econômicas foram repensadas ao longo da história. Por que nós não podemos revisar com profundidade e seriedade a política de metas de inflação e o papel do BC? Não será este um mito que nos lança a um labirinto que limita o crescimento do paí[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 14 de setembro de 2004

De novo, alta dos juros

Francisco Petros* De novo, alta dos juros Nos últimos três meses, por meio de pronunciamentos e das notas das reuniões do Comitê de Política Monetária (COPOM), o Banco Central desenvolveu e consolidou a idéia de que a taxa básica de juros, atualmente em 16% ao ano, tem de ser aumentada para que as metas de inflação de 2004, 2005 e 2006 sejam cumpridas. Segundo a autoridade monetária, as "expectativas" são de que a inflação esteja subindo. Seria necessário "deflacionar as expectativas". E como são apuradas as tais "expectativas de inflação"? Por meio de pesquisas realizadas pelo Banco Central (BC) junto às instituições financeiras e aos principais escritórios de pesquisa econômica do país. Poderíamos, de nossa parte, perguntar o contrário: como é que os "pesquisados" formam suas expectativas? Resposta: através de reuniões e análises feitas com base nos documentos e nas declarações do próprio BC. Um processo circular.Há indicadores de inflação que vêm apontando alta nos preços. Quais os produtos que estão com preços em elevação? Resposta: aqueles produtos cujos preços estão relacionados com as cotações externas (denominados tradeables, tais como os produtos siderúrgicos e alguns derivados do petróleo), as tarifas indexadas a índices de preços (tais como telefonia e energia elétrica), serviços que tiveram mudanças regulamentares relevantes (o exemplo mais relevante são os planos de saúde) e os alimentos e o vestuário que sofrem efeitos sazonais relacionados especialmente com aspectos climáticos. Os denominados "preços livres" têm apresentado um comportamento relativamente estável ao longo dos últimos meses.Pois bem: é muito provável que nesta próxima quarta-feira o COPOM referende um aumento na taxa básica de juros. As expectativas são de que a elevação seja de 0,25% a 0,5% ao ano. O objetivo desta elevação é o de demonstrar a responsabilidade inequívoca do BC em relação às metas de inflação. Vale ressaltar que as taxas de juros no mercado futuro já refletem esta postura presumivelmente "conservadora" do BC. As aplicações prefixadas com prazos de vencimento de um ano já estão com taxas de juros de 18% ao ano. Os empréstimos pessoais e empresariais também estão com taxas mais altas há cerca de três meses. Resta saber o quanto a taxa de juros básica deveria subir para "enquadrar" as "expectativas" formadas no processo "circular" acima descrito.Do ponto de vista político, o Banco Central parece "autorizado" a realizar o "ajuste" na taxa de juros básica. O Ministro da Fazenda Antônio Palocci e o Ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu falaram abertamente na semana passada sobre a perspectiva de elevação da taxa de juros. Ambos reiteraram que o "crescimento econômico está assegurado, mesmo que as taxas de juros estejam mais elevadas". Um desejo perfeitamente compreensível. Resta saber se é realizável.Tudo isto nos remete novamente aos aspectos que já foram levantados em diversos artigos publicados neste espaço. Vamos a eles: 1) O sistema de metas de inflação tem de ser monitorado e fiscalizado pelo Legislativo. Trata-se de uma questão de governance. Não é razoável que o Executivo proponha as metas de inflação, cujos critérios de estabelecimento merecem ser conhecidos e debatidos, e, a partir daí, passe a "perseguir" tais metas sem a supervisão independente de nenhum órgão ou Poder;2) É preciso estudar com profundidade este processo de "formação de expectativas" em relação à inflação futura. Não existe nenhuma evidência "científica" de que tais expectativas, baseadas em pesquisas junto ao "mercado", sejam críveis para fins de estabelecimento da taxa de juros básica;3) É urgente que se investigue e, sobretudo, se estabeleçam regras para o fornecimento de informações e as reuniões entre o Banco Central e o "mercado". Notícias da imprensa relatam que há grupos de pessoas e/ou instituições (um tal "Grupo de Fátima", por exemplo) com acesso privilegiado à autoridade monetária. Tais reuniões podem, eventualmente, estar contribuindo para a "formação das expectativas" em relação à política monetária;4) Não existe nenhuma evidência empírica ou científica de que a taxa de juros básica (selic), a qual indexa as aplicações pós-fixadas diariamente, tenha de estar em termos reais (descontada a inflação futura) em níveis ao redor de 10% ao ano. Sabe-se apenas que a relação risco versus retorno é extremamente favorável ao detentor de poupança financeira e prejudicial ao setor produtivo;5) Deveria ser obrigatório que, a cada decisão do COPOM, o Tesouro Nacional publicasse qual é o impacto previsto sobre as contas públicas da elevação ou redução da taxa de juros básica. Seria muito educativo que a sociedade brasileira tivesse pleno conhecimento dos custos da política monetária para o Erário, ou seja, para o bolso de cada um de nós. Este item é particularmente vital para um país que tem uma relação dívida bruta/Produto Interno Bruto de quase 80% (56% descontando-se as reservas); Depois de quase dois anos do governo do Partido dos Trabalhadores, está evidente de que não houve alterações fundamentais na condução da política econômica governamental. É claro que os fundamentos da boa gestão econômica - no que se refere à responsabilidade fiscal e a gestão da política monetária - têm de ser mantidos e uma "ruptura" com estes princípios não faz sentido. Entretanto, é preciso desvendar e reavaliar os critérios que norteiam as práticas destes fundamentos. A política monetária adotada pelo Banco Central necessita de um debate e revisão urgente. É preciso que a sociedade brasileira entenda que o maior ônus para um sistema produtivo é o custo de capital. Não se pode atribuir uma "sabedoria superior" àqueles que têm a responsabilidade de gerir as políticas que estabelecem este custo. Sob pena de se estar redistribuindo os recursos da sociedade de maneira injusta e [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 24 de agosto de 2004

As "férias" do mercado

Francisco Petros* As "férias" do mercado No atual contexto, as perspectivas para o desempenho da economia brasileira no curto prazo são mais promissoras. Basicamente, as expectativas estão mais positivas motivadas pela percepção de que o crescimento está mais intenso e que os riscos fiscais e externos menos relevantes.Esta percepção não nos parece equivocada, mas precisa ser qualificada. No que se refere ao crescimento é preciso que fique claro que este tem duas características básicas: (1) a base de comparação (o ano recessivo de 2003) favorece a que os indicadores sejam mais expressivos. Por exemplo: o nível de vendas do varejo em julho (dados do IBGE) cresceu "expressivos" 12% em relação ao mesmo mês do ano passado (o mês mais fraco de 2003); (2) o desempenho do agro-negócio e das exportações está muito bom, acima das expectativas e favorecido por preços externos favoráveis e abertura de novos mercados. Finalmente, depois de muitos anos temos resultados da balança comercial que dão segurança ao nosso balanço de pagamentos.No que se refere aos riscos externos, estes não são nada desprezíveis, mas ganhamos um tempo precioso para avançarmos nas reformas. Há sinais de enfraquecimento da economia norte-americana e isso pode contribuir para que as taxas de juros externas permaneçam baixas por mais tempo que o inicialmente era esperado pelos agentes. Para países como o Brasil, altamente dependentes de fluxos internacionais para se financiar, a continuidade da fartura de liquidez externa é um ótimo sinal.Se no curto prazo os sinais são mais promissores, no médio (06 meses) e longo prazo (12 a 24 meses) o cenário é opaco. Isso não quer dizer que será ruim. Quer dizer que é muito incerto e pautado por variáveis difíceis de se prever. Se o leitor se defrontar com economistas, analistas ou outro qualquer com convicções muito sólidas sobre o que acontecerá no médio e longo prazo, escute-os com atenção, mas não leve muito a sério o que leu ou ouviu. Como é que alguém pode prever como será a política econômica de Bush ou Kerry? Ou, qual será a cotação do petróleo daqui a semanas ou meses? Ou, elaborar uma previsão sobre os riscos geopolíticos?Do meu ponto de vista, só há um modo de se comportar neste contexto no que se refere aos investimentos. É cuidar mais dos "processos" dos que das "previsões". O que significa isso? Essencialmente, trata-se de analisar os fundamentos presentes nos mercados e nas economias e procurar discernir sobre suas tendências sem querer adivinhar os fatos, os preços futuros e assim por diante. Avaliar tendências também é uma atividade difícil, mas por não ser pretensiosa quanto à necessidade de se fazer previsões, permite que correções de rumo sejam feitas ao longo do tempo e mantém a liberdade intelectual para mudar de opinião a qualquer tempo. "Se os fatos mudam, mudo de opinião", dizia Lord Keynes.No geral, no mercado financeiro e de capital, os "jogadores" acreditam que o conhecimento das "regras" do mercado - ferramentas de análise, acesso fácil a uma quantidade enorme de informações, equipes de especialistas, etc. - os tornam "bons jogadores". É como se alguém que conheça com profundidade as regras de pôquer se considere um bom jogador de pôquer. Duas coisas muito diferentes.Os diversos segmentos do mercado financeiro têm mais variáveis aleatórias que inicialmente se imagina. Sendo assim, é mais importante acompanhá-las e entendê-las do que prevê-las.Considerando-se o acima exposto - no que diz respeito à forma de se avaliar investimentos e se posicionar no mercado - as variáveis externas recomendam redobrada cautela. As variáveis internas um certo otimismo. Do lado externo, os dois principais riscos são (1) a evolução dos preços do petróleo e (2) as incertezas sobre a política monetária e fiscal dos EUA; do lado interno as duas principais variáveis são (1) o nível de investimentos necessário para que exista crescimento sustentado e (2) a implementação de reformas mais profundas pelo governo e pelo Congresso, depois das eleições municipais de outubro.Acredito que até meados de setembro, o comportamento e os preços dos ativos permanecerá sem tendência definida. Haverá, até mesmo, uma sensação de que nada estar a acontecer. O mercado está de fé[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 17 de agosto de 2004

O mau império contra o Império do Mal

Francisco Petros* O mau império contra o Império do Mal Dentre os diversos aspectos que têm afetado negativamente o desempenho dos mercados internacionais, a existência de relevantes e abrangentes riscos geopolíticos é dos mais importantes. Os efeitos destes riscos são claramente perceptíveis na evolução dos preços do petróleo, nas cotações das commodities e dos principais mercados acionários, especialmente o norte-americano.A expressão civis Romanus sum ("sou cidadão romano") foi utilizada por aqueles que exprimiam o orgulho de possuir a cidadania romana durante o vasto império construído por quase toda a Europa, norte da África e Oriente próximo e tinha um significante que extrapolava em muito o seu significado. Na essência, expressava a existência da Pax Romana, capaz de se sobrepor à extraordinária capacidade militar do império romano. A Pax Romana era, sobretudo, a crença de que o processo civilizatório de Roma - o seu humanismo político e cultural - era capaz de se impor perante os povos e os integrarem no contexto do Império. Implicitamente, as sociedades submetidas ao Poder Romano, percebiam no sistema romano uma rara oportunidade de transformação intestina das diversas sociedades locais com vistas à participação no modo econômico e político de Roma. Assim, criou-se um sentido de unidade em meio a um largo espectro de diversidades dos povos. Como sabemos, é a unidade fator essencial aos impérios. O fracasso dos impérios ocorre na inexistência desta unidade e na geração de fortes contradições dentro destes. Ao se perder o sentido da unidade, o império está sujeito desde a contestação contínua dos povos submetidos a ele (inclusive a militar) até a barbárie, a expressão maior da anti-civilização e do anti-humanismo (na acepção helênica do conceito).Os acontecimentos de 11 de setembro foram, em tempos recentes, a expressão maior desta contestação bárbara frente a um Império cuja Pax não é percebida. A América, potência militar incontestável, persiste sem um projeto que permita o progresso dos povos e a adesão aos melhores valores de sua sociedade. Sequer entende a diversidade da humanidade e projeta-se através de uma falsa consciência de que é possível redesenhar o mundo a partir de Washington. Simplesmente, não há uma Pax Americana. Sequer existe uma burocracia estatal nos EUA capaz de implementar os seus projetos de forma multilateral. Caiu-se no unilateralismo, elemento perigoso para quem tem o domínio militar, mas que precisa de algo mais para ter o domínio político. A América precisaria ceder e entender que não adianta submeter. É preciso integrar e atingir pontos comuns, abdicando de interesses imediatos, para pavimentar caminhos que levem ao progresso sócio-econômico-político às nações que inexoravelmente são dependentes do império norte-americano.O estudo "Ranking the Rich: The 2004 Commitment Development Index", divulgado pelo Center of Global Development nos trouxe notícias pouco alentadoras sobre o relacionamento dos EUA com o mundo. Este estudo cataloga o ranking dos países ricos que mais lutam contra a pobreza do globo. É elaborado levando-se em consideração o papel de cada nação no comércio mundial, na imigração, no investimento transnacional, no papel de pacificação dos povos, na ajuda filantrópica internacional e nas políticas de proteção ao meio ambiente. Os EUA ficaram no 20º lugar dentre as 21 nações relacionadas. Neste estudo, a posição norte-americana ficou prejudicada de vez que apenas se considera o "papel de pacificador" no caso de ações multilaterais. Sabidamente este não tem sido a forma de agir do governo do Presidente George W. Bush. Também nos aspectos de imigração, são consideradas apenas as "imigrações brutas" (sem repatriações) o que beneficia países como a Suíça que têm processos imigratórios temporários que prevêem repatriação obrigatória depois de um período determinado. Também as doações privadas são desconsideradas. Mesmo "corrigindo" o ranking, os EUA melhoram a sua posição para o 17º lugar, muito atrás de países como o Canadá e da Suécia. A pergunta é óbvia: é razoável que um Império esteja tão mal colocado num ranking como este? Não será este um sinal da origem da raiva, do ódio e da não-aceitação dos valores americanos?Nos últimos dias têm-se produzido muitos e significativos exemplos de que as políticas norte-americanas necessitam ser repensadas para que o seu Império não seja cada dia mais odiado mundo afora. Cito alguns: (1) Hugo Chávez ganhou o plebiscito na Venezuela com um forte discurso anti-americano (depois do apoio de Bush ao golpe de Estado em 2002); (2) O Iraque em meio as suas enormes divisões está implementando uma guerra contra a "ocupação" americana e não uma "libertação" de Saddam Hussein; (3) a equipe norte-americana foi fortemente vaiada no desfile das Olimpíadas de Atenas. As equipes mais aplaudidas foram a da Autoridade Palestina, o Iraque, o Afeganistão e as Coréias do Sul e do Norte (que desfilaram conjuntamente). Significativo não?Bush, enquanto prega uma luta religiosa contra o Império do Mal, parece que perde pontos comandando mal o seu império. Com efeitos políticos, sociais e econômicos indelé[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 10 de agosto de 2004

Emprego e previsões

Francisco Petros* Emprego e previsões O cenário externo persiste extremamente difícil de ser previsto. Conseqüentemente, prevalece uma significativa instabilidade das expectativas e elevada volatilidade dos diversos segmentos do mercado financeiro e de capital.Na última sexta-feira, o Board of Labor Statistics do Departamento de Comércio dos EUA divulgou os dados sobre a geração de empregos no mês de julho. As expectativas dos analistas, economistas e investidores gravitavam ao redor de 220-250 mil vagas que seriam criadas no mês. Os dados efetivamente divulgados mostraram que apenas 38 mil vagas foram criadas e a taxa de desemprego ficou pouco abaixo do mês anterior (caiu de 5,6% para 5,5%). O ritmo de crescimento das vagas de trabalho de julho é o mais fraco desde dezembro do ano passado. Apenas para (1) atender ao crescimento da população e (2) atingir um nível de desemprego de 4% que é considerado pelos estudiosos do assunto e pelo próprio Federal Reserve (Banco Central dos EUA) como sendo o ideal para atender aos objetivos de máxima capacidade utilizada sem pressões inflacionárias, o crescimento mensal das vagas de trabalho deveria ser de 250-280 mil. Observados os indicadores do mês de julho, pode-se imaginar a frustração dos analistas e dos investidores.Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, em seu depoimento perante o Congresso dos EUA em 20 de julho passado, disse que estava otimista em relação aos indicadores de emprego de julho. Neste depoimento ele foi explicitamente questionado sobre a situação do mercado de trabalho e tentava explicar os fracos números de emprego dos meses de maio e junho. Aparentemente, também o Federal Reserve foi surpreendido pelos números fracos de julho.E o que importa este indicador para o Brasil? É preciso entender que os indicadores de emprego são, juntamente com os de capacidade ociosa, produtividade e inflação, os mais importantes para a definição da política de juros básicos pelo Federal Reserve. Os juros básicos dos EUA estão para o mundo como a taxa Selic está para o Brasil. Quaisquer alterações nas expectativas em relação à taxa básica de juros dos EUA provocam enormes movimentos nas taxas de câmbio, juros e no mercado de ativos ao redor do mundo. Foi exatamente isso que ocorreu na última sexta-feira, depois da divulgação dos dados de emprego nos EUA: o dólar se desvalorizou perante quase todas as moedas internacionais (inclusive em relação ao real), as taxas de juros dos títulos do Tesouro norte-americano caíram fortemente, assim como as ações se desvalorizaram. Apesar dos indicadores de emprego de julho terem sido muito fracos é provável que o Fed aumente hoje a taxa de juros básica de 1,25% para 1,50% ao ano. Entretanto, está muito difícil prever quais serão os próximos movimentos do Fed nas próximas reuniões de seu comitê responsável pela gestão da política monetária. Com efeito: o mercado financeiro mundial deve continuar muito volátil a cada divulgação de indicadores econômicos dos EUA. No curto prazo, o Brasil pode ser beneficiado pelo menor custo de capital vigente no mercado internacional. Para um país que tem amortizações de empréstimos externos de US$ 35-40 bilhões por ano, o nível mais baixo das taxas de juros internacionais é fator vital para definir o curso do risco-país e, por conseguinte, as expectativas de crescimento, câmbio e juros domésticos.Quem não deve ter ficado nada feliz ao ler estes números foi o Presidente George W. Bush. Empregos e impostos são os dois "carros-chefe" das discussões entre os eleitores norte-americanos. John F. Kerry, o candidato democrata, tem enfatizado que o crescimento atual não é sustentável e a recuperação do mercado de trabalho incipiente. Ele culpa a política fiscal de Bush como elemento fundamental para este fracasso de vez que gerou um enorme déficit fiscal e reduziu os impostos dos mais ricos que são os que gastam menos em termos relativos. Até novembro muito pode acontecer, mas se a economia mostrar sinais fracos, as chances de Kerry nas eleições presidenciais de novembro devem aumentar. Obviamente, em tempos de riscos geopolíticos elevados e campanhas eleitorais marcadas por um marketing e propaganda nos quais a imagem é mais importante que as idéias, tudo é possível de ocorrer. Contudo, a questão do emprego parece ser paradigmática no atual contexto.Por fim, uma pequena nota sobre a capacidade de se elaborar previsões. Há um notável arsenal de instrumentos e programas de análise e previsões econômicas no mercado financeiro ao redor do globo. Entretanto, o que verificamos é que os erros destas previsões são grosseiros quando confrontadas com a realidade factual. Tenta-se adivinhar o futuro quando se deveria mostrar para os agentes econômicos e a sociedade em geral as variáveis de risco presentes no cenário. Isto seria mais útil às decisões de investimento e consumo. Os indicadores de emprego dos EUA são apenas um pequeno exemplo da incapacidade de se fazer previsões, apesar da sofisticação dos estudos e ferramentas disponíveis para tal [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 3 de agosto de 2004

Vão aumentar os juros?

Francisco Petros* Vão aumentar os juros? Agora é oficial! A divulgação das notas da reunião de julho do COPOM - Comitê de Política do Banco Central (BC) revelou as dificuldades da execução da política de metas de inflação, num contexto de recuperação econômica e nível insuficiente de investimentos que aumentem a capacidade de produção das empresas e as necessidades de infra-estrutura.Nestas notas, os diretores do BC informaram que "os núcleos de inflação [...] têm se situado em valores relativamente estáveis nos últimos meses, mas em patamares incompatíveis com as metas de inflação de médio prazo". A meta de inflação para 2004 é de 5,5% (com desvio máximo superior de 8%) e a de 2005 é 4.5% (também com desvio máximo superior de 8%).Mais adiante, nas referidas notas do COPOM, o BC refere-se ao nível de ocupação da capacidade produção da indústria em abril, calculada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), que está no nível de 81,9% (o maior nível dos últimos três anos). Segundo a autoridade monetária, o ritmo de recuperação da indústria nos últimos meses "indica a possibilidade de um preenchimento mais rápido da capacidade ociosa existente".Mais à frente, o BC explicita que "a situação, de um lado, de rápido crescimento da demanda e, de outro, de crescimento dos investimentos, tem gerado uma maior incerteza sobre a capacidade de se expandir a oferta de bens e serviços sem a emergência de pressões inflacionárias". (O grifo é meu). Isto significa que a inexistência de capacidade produtiva no curto e, até mesmo, no médio prazo, pode gerar aquilo que os economistas denominam de inflação de demanda que ocorre quando o consumo de uma economia é maior que a oferta disponível. A partir desta conclusão, os "membros do COPOM avaliam que a manutenção da taxa básica de juros nos níveis atuais por um período prolongado de tempo deverá permitir a concretização de um cenário benigno para a inflação [...]. No entanto, a autoridade monetária reitera que estará pronta para adotar uma postura mais ativa, caso venha a se consolidar um cenário de divergência entre a inflação projetada e a trajetória das metas...". (Os grifos são meus). Leia-se: o BC poderá elevar a taxa de juros básica, atualmente em 16% ao ano!Estas notas do COPOM são muito importantes de serem analisadas e mostram que o país, ao atingir um nível de apenas 4% de crescimento neste ano comparativamente ao recessivo ano de 2003 está sujeito a existência de uma inflação de demanda. Para que não exista tal tipo de inflação é preciso que o nível de investimento - entendido como o aumento da capacidade produtiva - seja maior que o crescimento do consumo. Por sua vez, os investimentos aumentam quando {a taxa de juros + "prêmio de risco" exigido para os projetos} é maior que a taxa de juros sem risco (aplicação em títulos do governo os quais, por princípio, não têm risco). Além disso, é preciso que exista confiança das empresas e investidores de que o crescimento é sustentado, ou seja, que a cada ano o consumo aumentará. Assim, se desperta aquilo que o grande economista do século XX, John M. Keynes, denominava do "espírito animal" dos investidores.Ocorre que as taxas de juros prefixadas dos títulos do governo, descontando-se a inflação, estão no nível entre 8% e 11% ao ano para prazos de vencimento de 12 a 18 meses. Se considerarmos as taxas de juros dos títulos pós-fixados - que não tem risco, caso haja elevação da taxa básica pelo BC - situa-se no nível ao redor de 9% ao ano em termos reais. Ora, a pergunta é simples: será que alguém vai investir com taxas de juros tão altas?Além disso, o consumo interno é baixo, pois os salários não crescem e o desemprego é elevado. Como motivar o investidor a aumentar a capacidade produtiva se as expectativas de consumo são negativas? E mais: se os juros permanecerem em patamares tão altos, a relação dívida/PIB não cai dos patamares atuais de 56% em termos líquidos (descontando-se as reservas) e 76% em termos brutos (dívida total). Desta forma, gera-se uma enorme desconfiança na solvência do país. Só para ilustrar: nos últimos doze meses (encerrado em junho) o superávit primário do setor público (receitas tributárias menos despesas) foi de 4,5% do PIB e o déficit nominal (que inclui o pagamento de juros da dívida pública) foi de 3,7% do PIB. O que isso significa? Significa que o pagamento dos juros da dívida pública não é coberto pela enorme arrecadação de impostos (cerca de 38% do PIB)!O que as notas da última reunião do COPOM estão a nos mostrar é que estamos diante de um enorme desafio! O país precisa crescer e os meios para alcançar este objetivo são insuficientes dentro do contexto da política econômica atual. Ou implementamos uma sólida, consistente e criativa política econômica ou não vamos sair da situação atual. Não se trata de implementar estratégias "heterodoxas" tais como "calotes de dívida" ou "congelamentos de preços". Trata-se de implementar reformas profundas no setor público e privado, tornando possível que o Estado induza o crescimento. Induzir implica, em alguns casos como os da infra-estrutura, investimentos estatais (mesmo que somados ao setor privado). Na maioria das vezes, implica em menor tributação para que o setor privado desperte o seu espírito [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 27 de julho de 2004

Enigma e paradigma

Francisco Petros* Enigma e paradigma Nos últimos meses, temos publicado diversos artigos que versam sobre aspectos econômicos e financeiros que têm influenciado a evolução da conjuntura internacional e brasileira, bem como os seus efeitos nos diversos segmentos do mercado financeiro. Tais publicações versaram sobre aspectos específicos e visões parciais da realidade econômica que estamos a presenciar diariamente. Gostaríamos de fazer um breve "resumo" de nossas reflexões com o objetivo de estruturar um "quadro" para os nossos leitores: Atividade econômica e política monetária dos EUA: no depoimento semestral perante o Congresso, o Presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, confirmou que, independentemente dos efeitos mais imediatos que a elevação da taxa básica de juros possa provocar, o Banco Central dos EUA buscará atingir uma taxa de juros "neutra" que não coloque em risco o crescimento econômico e a estabilidade de preços no longo prazo. É difícil prever qual será a taxa básica "neutra", bem como o ritmo de crescimento de longo prazo da maior economia global. Vale lembrar que nunca na história econômica norte-americana o endividamento relativo das famílias em relação à renda que obtêm e o patrimônio que possuem foi tão elevada;Déficits "gêmeos" (externo e fiscal) do EUA: as propostas dos dois candidatos à presidência dos EUA não são claras em relação ao tema. Ao contrário: com as pesquisas mostrando um "empate técnico" entre Kerry e Bush, os economistas de cada uma das equipes dos respectivos programas de governo democrata e republicano procuram "obscurecer" o que poderá ser feito em relação ao perigoso déficit fiscal e ao desequilíbrio externo. Todavia, algo será feito - tais déficits estão entre 4,5% e 5,0% do Produto Interno Bruto (PIB) - e é provável um aumento dos impostos para cobrir o "rombo" fiscal, inclusive em função dos gastos de seguridade social (previdência e médica). Quanto ao déficit externo, Quem se arrisca a dizer como se comportará o império?Desaceleração econômica da China: muito se comenta sobre a economia do gigante asiático, mas uma coisa é certa: um crescimento anual entre 8% e 10%, durante mais de uma década, exige uma enorme absorção de poupança (interna e externa) e provoca desequilíbrios estruturais na economia. O Brasil vivenciou esta conjuntura no final da década dos 60 e início da década dos 70. O futuro da economia chinesa é um enorme enigma a ser decifrado nos próximos anos. Os dados disponíveis mostram um quadro de aparente tranqüilidade. Quem os fornece? O governo comunista chinês. Quem os apura? O governo comunista chinês. Quem torce para que tudo esteja certo? O mundo inteiro!Riscos geopolíticos: aqueles que imaginavam que a queda do Muro de Berlim criaria uma nova ordem mundial, a partir da hegemonia dos EUA, estão assistindo a uma desordem mundial. O "concerto das nações" - historicamente promovido e liderado pelo império dominante - necessita rapidamente de um "conserto". Os EUA, pela primeira vez na sua história, praticam uma política externa unilateral. No passado, ou foram isolacionistas ou multilateralistas. Sob Bush Jr. tornou-se unilateralista. Não há uma Pax Americana a servir de respaldo para tal política externa. Neste contexto, o terrorismo surge como uma ameaça real e imprevisível e sem uma articulação política forte a combatê-lo. Um dos seus efeitos é alta das cotações do barril de petróleo (atualmente ao redor de US$ 40);Política e economia brasileira: num ano eleitoral, mesmo que seja de votações municipais, o debate sobre a sustentação da política econômica está aceso e aberto. Tais discussões gravitam em torno da possibilidade da equação ser uma verdade ou um engano (ou será auto-engano?): "metas de inflação com juros de mais de 10% ao ano, descontando-se a inflação + alto nível de tributação (38% do PIB) + alto endividamento público (78% do PIB em termos brutos e 57% em termos líquidos) + ausência de reformas profundas + apoio político instável ao governo no Congresso = a crescimento econômico sustentado". A vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2002 não implicou em mudanças na execução desta equação, mas no aprofundamento do modelo anterior. Os resultados são fracos e as perspectivas incertas O FMI sanciona esta política, mas a reunião dos críticos dela, está aumentando. Estes são apenas alguns dos principais aspectos presentes no mercado financeiro e nos debates econômicos e políticos ao redor do globo. A conclusão sobre os efeitos que tais variáveis provocarão nos diversos segmentos do mercado financeiro continua bastante difícil de ser enunciada. Insisto, mais uma vez, em expor este quadro abstrato (e paradoxalmente real) perante os olhos dos leitores para que possam perceber os desafios que estão diante de nós. Não hesito em afirmar que se trata de uma conjuntura que não é vista desde o final da II Guerra Mundial. O que parece provável é que teremos mudanças muito importantes e profundas no mundo e no Brasil. Um novo paradigma a partir do atual [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 20 de julho de 2004

Calotear ou não calotear

Francisco Petros* Calotear ou não calotear A questão fiscal e do endividamento público brasileiro está se tornando cada vez mais presente nas discussões entre os economistas e políticos. Tais discussões estão extrapolando o âmbito dos seminários e de setores acadêmicos e começam a ser divulgadas na mídia e por personagens que inesperadamente surgem no cenário. Foi o que aconteceu neste fim de semana (17 e 18/7/04), quando o jornalista Merval Pereira do Globo dedicou duas colunas sobre as reflexões em relação à possibilidade de um "calote" da dívida interna.O ponto de partida da matéria de Pereira foi uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à Revista Primeira Leitura (edição de Julho/04) onde afirmou que "é a dívida que está comandando o governo; não é o governo que está comandando a dívida". Além disso, o ex-presidente falou abertamente que para que "o país volte a crescer vamos ter de resolver esta questão (da dívida interna)". O ex-presidente diz que a solução tem de ser "pactuada". Não seria um "calote", mas algo "politicamente discutido". Como? Através de "uma pedagogia da dívida", nas palavras de Fernando Henrique Cardoso. Assim, a sociedade entenderia "de onde é que vem" o endividamento e, assim se obteria "a adesão de grupos importantes a uma nova solução, que evite a impressão de se estar propondo um calote".Estamos diante de um fato dos mais significativos. Os senhores lembram das discussões ao longo de 2002 sobre a possibilidade de que Lula ou Ciro Gomes viessem a dar um calote na dívida interna, caso fossem eleitos? Lula, para se viabilizar junto às classes dirigentes e médias da sociedade brasileira divulgou um documento, a Carta ao Povo Brasileiro, na qual assumia uma série de compromissos e responsabilidades em relação à condução da política econômica, inclusive no que se referia ao cumprimento de contratos (que incluía o pagamento da dívida interna). A atual discussão sobre a situação fiscal brasileira evidencia que este compromisso pode ter cumprido o seu papel estabilizador no processo eleitoral, mas pode não ser passível de uma solução de continuidade diante da realidade objetiva: o setor público brasileiro está endividado em excesso e não há como compatibilizar crescimento sustentado com, (1) aumento de investimentos públicos, (2) o financiamento da dívida via metas fiscais, (3) o cumprimento de metas de inflação e (4) ações que melhorem o regime de exclusão social em que vivemos.O lado positivo é que esta discussão se amplia a partir de uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique, em cujo governo o endividamento público cresceu em grande velocidade e magnitude. Lamentavelmente, ainda não temos nenhum grupo politicamente organizado que faça uma proposta factível para que a solvência do setor público brasileiro não seja mais contestada ou debatida nos termos atuais: "calotear ou não calotear, eis a questão!"De forma bastante singela, há dois caminhos para que o tema do endividamento público seja enfrentado. O primeiro seria através de uma profunda reforma do Estado por meio de uma revisão completa dos gastos e investimentos públicos e que fosse capaz de, ao mesmo tempo, (1) aumentar a eficiência e a produtividade das ações estatais de forma a viabilizar investimentos públicos e sociais e (2) reduzir os gastos públicos e impostos, aumentando a produtividade do setor privado o que faria o país crescer de forma sustentada.Com efeito: haveria a redução da relação dívida pública/ PIB que está atualmente no patamar de 57% em termos líquidos (descontando-se as reservas) e 78% em termos brutos (dívida total/PIB).O segundo caminho é a redução da dívida por meios políticos de forma negociada ("repactuação?") ou não (leia-se, calote no melhor estilo argentino ou russo). Assim, o setor público ganha fôlego, as taxas de juros caem e o país volta a crescer. Este crescimento será mais ou menos efêmero caso haja ou não uma profunda reforma do Estado. Senão, depois de algum tempo, um novo calote (ou repactuação) será "necessário" (na falta de outra palavra).Na primeira hipótese, a das reformas profundas que resolvam o problema da solvência do país, será preciso bem mais do que uma lipoaspiração da Constituição, conforme as palavras do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. É necessário um enorme apoio político para que o Estado fique menor. Serão implementadas reformas de natureza liberal! Será possível fazê-lo no atual quadro partidário do Congresso? Ou a partir de um Governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores?Na segunda hipótese, tudo é possível acontecer! Advogar uma "pedagogia" para que se obtenha "adesão" à hipótese de redução do endividamento público me parece muito difícil. A natureza do capitalismo é não-cooperativa. Ou seja, ninguém está disposto individualmente a perder algo em benefício da coletividade. Apenas o Estado, de forma coercitiva, é capaz de fazê-lo. Talvez o ex-presidente Cardoso pudesse desenvolver melhor a sua idéia "pedagógica". Pessoalmente, acredito mais na hipótese "caótica", caso haja a percepção de que um calote (ou repactuação) da dívida interna está próximo de ocorrer.De qualquer maneira, uma coisa é certa: está ficando claro que do jeito que está, o país não anda. É preciso que o governo e a sociedade tenham coragem de enfrentar a realidade como ela é. Há um problema muito grave de solvência do setor público e ele começa a "transbordar" podendo colocar em risco a estabilidade do paí[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 13 de julho de 2004

Chegou a hora do investimento?

Francisco Petros* Chegou a hora do investimento? Tenho insistido nos últimos artigos que os próximos meses serão decisivos para a dinâmica econômica mundial e brasileira. Os fundamentos têm sido afetados por múltiplos e importantes fatores que podem afetar de maneira substantiva a economia mundial e, por conseguinte, a evolução do mercado financeiro e de capital. A situação não é nada usual de vez que há temores em relação à inflação nos EUA e o papel a ser exercido pelo Federal Reserve, o ritmo de desaceleração econômica da China, os temores geopolíticos, a evolução do mercado de petróleo, etc.Com a taxa de juro básica norte-americana no nível mais baixo dos últimos 46 anos, há riscos consideráveis de distorções no mercado de ativos, nos preços das commodities e no mercado cambial. Modificações bruscas no sistema de preços aumentam a aversão ao risco e, simultaneamente, os fluxos de capitais, fator crítico para os países emergentes.Neste contexto, a divulgação dos indicadores de produção industrial do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do mês de maio/04 trouxe um dado que deveria chamar muita atenção dos analistas do cenário econômico. Com o crescimento de 2,8% da produção industrial nos últimos doze meses, 7,8% em relação ao mês de maio do ano passado (ambos os números dentro do esperado pelos economistas), a ocupação da capacidade nominal instalada do setor industrial do país atingiu o patamar de 82,5%. Quando este indicador está no nível entre 80% e 85% pode-se dizer que a indústria está à plena capacidade. Isso se deve ao fato de que a plena capacidade da indústria não é homogênea. Um exemplo para ilustrar o que estamos dizendo: se o setor de aços planos está no limite da capacidade, este fato impede que a indústria automobilística não possa estar à plena capacidade, pois pode faltar aço para a produção de automóveis. Ou se importa aço, ou se espera que a capacidade da indústria de aço seja ampliada. Há um segundo e importante efeito neste processo: a possibilidade de que se gere inflação de custos, pois setores que têm a demanda elevada podem ajustar os seus preços para cima, caso haja escassez do produto. Se o setor é oligopolizado a alta de preços é ainda mais facilitada.Um indicador de capacidade industrial ocupada ao redor de 80% é, portanto, um evidente indicador de que os investimentos têm de aumentar para que o crescimento seja sustentado e sem inflação. Nos últimos anos os números do PIB (Produto Interno Bruto) indicam que os investimentos estão no patamar entre 17% e 19%. Este nível está estagnado há mais de vinte anos.Especialistas em contas nacionais dizem que para que o crescimento seja sustentado e não inflacionário os investimentos têm de crescer para o patamar de 22% a 24% do PIB. Para aqueles que não têm familiaridade com o conceito de "investimento" é bom deixar claro que "investimento" em ciência econômica significa ampliação e/ou criação de uma nova unidade produtiva (uma usina elétrica, uma fábrica, etc.). Quando se fala de "investimento direto" na divulgação das contas externas (balanço de pagamentos) não necessariamente se trata de um "investimento" no sentido daquele que é empregado para fins de cálculo do PIB. Por exemplo, se uma multinacional compra uma empresa de telefonia com recursos externos isto significa que houve um "investimento direto" em termos de contas externas e não houve "investimento" em termos de contas nacionais (PIB). Ocorreu apenas a transferência do controle acionário da empresa, não a "criação" de uma empresa.Tendo em vista o ambiente externo muito incerto e o fato de que estamos num momento em que os investimentos têm de crescer para que o crescimento se torne sustentado vale a pena refletirmos sobre algumas questões: 1) É possível que isto ocorra sem que a taxa de juros real (descontada a inflação) para patamares bem mais baixos do que o atual nível de 10%-11% ao ano? (Senão, os capitalistas não vão correr riscos investindo).2) Como conciliar uma taxa de investimento mais alto quando a tributação é de 36% do PIB e, mesmo assim, não cobre sequer os juros devidos para a administração de dívida interna que representa cerca de 57% do PIB em termos líquidos (descontando-se as reservas) e ao redor 80% em termos brutos?3) Como estimular o investimento quando a renda interna é frágil em função dos baixos salários reais e do alto desemprego?4) Como pode o Estado investir em infra-estrutura quando os recursos mal bastam para o seu custeio e o pagamento da dívida interna?5) Como pode o setor privado (doméstico e internacional) investir quando há insegurança jurídica nos contratos estabelecidos com o setor público (casos da telefonia, pedágios de estradas, etc.)?6) Como atrair investimentos para um país que ocupa a 109ª posição entre 175 países em termos de exclusão social? (Este dado foi extraído do Atlas da exclusão Social no Mundo, publicado por pesquisadores brasileiros).7) Como atrair investimentos para um país no qual a criminalidade é endêmica? (A taxa de homicídios passou de 11,7 pessoas/ por 1.000 habitantes em 1980 para 27,0/ 1.000 nos últimos 20 anos, um crescimento de 130% em 20 anos!)? Você acha que a atual política governamental é suficiente para responder aos anseios de um país com crescimento sustentado? Se a resposta for sim, você é um grande otimista. Se for não, então temos que trabalhar para que as coisas mudem.Em tempo: dados recentes do BIRD (Banco Mundial) indicaram que o Brasil foi o país que sofreu a queda mais significativa de investimentos diretos nos últimos três anos. Depois de atrair um total de US$ 33 bilhões am 2000, o volume caiu para US$ 17 bilhões em 2002 e US$ 10 bilhões em 2003. Segundo o BIRD há dois motivos para esta queda de investimentos: redução das privatizações (que, como dissemos acima, não é investimento para fins de cálculo do PIB) e baixo crescimento domé[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 6 de julho de 2004

Observar mais, agir menos

Francisco Petros* Observar mais, agir menos Na semana passada foi confirmada a expectativa de alta da taxa básica de juros, administrada pelo Federal Reserve, o Banco Central dos EUA. Absolutamente dentro do esperado: de 1,00% para 1,25% ao ano. Como temos ressaltado nesta coluna, a política monetária dos EUA é o principal fator de risco para os países emergentes, inclusive o Brasil. Mesmo com a alta da taxa de juros nos EUA, o nível é o mais baixo desde 1946. O encarecimento do custo de capital na maior economia mundial (que representa ¼ de toda a riqueza gerada a cada ano) tem implicações diretas sobre os fluxos de capital entre países e entre os diversos segmentos do mercado financeiro (renda fixa e variável). Entretanto, os analistas foram surpreendidos por outros indicadores de atividade da economia norte-americana (compras de matérias-primas e os números de empregos), inferiores aos esperados pelos investidores e analistas.É possível que estes números mais fracos já sinalizem que o "pico" do crescimento da economia dos EUA tenha ficado para trás, mesmo que ainda não seja possível ser mais afirmativo em relação ao tema. Todos os estímulos fiscais (especialmente a redução de impostos de pessoas físicas) e a frouxidão da política monetária já estão vigorando há mais de três anos. Se isto se comprovar verdadeiro, é provável que o Federal Reserve implante o aumento da taxa de juros básica de maneira mais gradual e previsível. Conseqüentemente, o risco para os títulos de renda fixa de prazo mais longos (2, 5, 10 anos), cotados em moeda forte, será menor. Com efeito: isto é positivo para o Brasil que poderá se financiar a custos mais razoáveis em função da menor aversão ao risco por parte dos investidores.Foi a razão exposta no parágrafo anterior que justificou a euforia no mercado de ações, de juros e de câmbio na semana passada aqui no Brasil. Entretanto, este não foi um fenômeno isolado. As moedas internacionais menos importantes, tais como o dólar canadense, o dólar australiano, o rand sul-africano se valorizaram frente ao dólar estadunidense. O euro e as outras moedas européias (a coroa sueca, o franco suíço, etc.) também subiram em função da queda nas taxas de juros dos títulos de longo prazo do Tesouro norte-americano.Pode parecer paradoxal, mas uma economia mais fraca dos EUA pode ser positiva para os países emergentes de vez que os riscos de inflação norte-americana são menores. Apesar de tudo, é muito difícil estimar se este desaquecimento provocará redução dos preços das commodities (fundamental para os países emergentes) e como a China será afetada. Foi o "dragão chinês" o principal estímulo para que a demanda mundial crescesse com mais vigor que o esperado em 2003 e neste ano.Há ainda outros riscos que não devemos esquecer e que são substanciais: a possível "bolha" no valor dos ativos (imóveis e ações, por exemplo), os "déficits gêmeos" dos EUA (fiscal e externo) e o tratamento deste problema econômico após o processo eleitoral ao final deste ano. Se Bush for reeleito, a proposta é que a redução dos impostos nos últimos dois anos seja permanente. As propostas econômicas de John Kerry ainda não são conhecidas na sua plenitude. Entretanto, o discurso se aproxima ao de Bill Clinton que sempre foi adepto de uma política de impostos mais altos com gastos seletivos mais elevados para os setores de educação e proteção social (seguridade e saúde pública).Diante de um cenário mais calmo, o Governo Lula poderá consolidar ainda mais o seu discurso de que a recuperação econômica está vigorosa e que será sustentável. Temos chamado a atenção para o fato de que as estatísticas sobre a atividade econômica serão mais positivas até o fim do ano. A base de comparação será menor, pois foi a partir de meados do ano passado que ocorreu o auge da recessão. Assim, a "sensação" de crescimento aumentará. Este não é um aspecto desprezível, pois melhores expectativas contribuem para um melhor ambiente de consumo e investimento. Todavia, expectativas têm de ser racionais para que o crescimento seja sustentado (consumo e investimento maiores e crescentes no futuro).Ainda existem os riscos que as eleições municipais podem provocar sobre a configuração do Governo Lula, o fato de que a inflação será maior no curto prazo em função de tarifas públicas mais elevadas e a baixa renda interna. A balança comercial é o segmento da política econômica de maior sucesso, fortalecido pelo fantástico setor agrícola brasileiro. Não fossem tais resultados, o Brasil estaria sofrendo com mais intensidade os efeitos da falta de reservas altas e a alto endividamento interno e externo. Estamos num melhor momento no curto prazo. No médio e no longo prazo há poucos elementos para avaliar a evolução do cenário. É hora de se observar mais e agir [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 29 de junho de 2004

A voz dos oráculos

Francisco Petros* A voz dos Oráculos Durante o boom das bolsas de valores dos EUA, ao longo dos anos 90 - principalmente na segunda metade da década passada - houve uma discussão generalizada sobre a existência de um Novo Paradigma nos conceitos e na gestão macroeconômica. Generalizou-se a crença sobre a existência de uma Nova Economia baseada em novos níveis de produtividade e crescimento, fruto de gigantescos avanços tecnológicos e do fenômeno da globalização. Com efeito: a avaliação dos ativos merecia uma revisão diante deste "admirável mundo novo". A inflação caiu em quase todos os países do mundo. O império soviético desmoronado deixou de ser o principal risco geopolítico e os EUA feitos a nação hegemônica desviou suas estratégias para uma nova guerra: a do comércio. Os riscos de elevados custos de energia reduziram-se em função da estabilização política após a primeira Guerra do Iraque e a descoberta de novas reservas de petróleo na Europa Ocidental, no Alasca, na África e mesmo no Brasil. Foram os anos dos yuppies, jovens e aguerridos profissionais do mercado financeiro a mostrar os seus diplomas MBA e PhD e a ocupar as first e business classes das companhias aéreas. Pregavam o novo evangelho da Nova Economia. Seus pares nos países mais pobres se tornaram os "sacerdotes" da esperança do progresso que respingaria com enorme sucesso nas sociedades mais atrasadas. Formou-se assim a unanimidade rodriguiana. Contra ela, restava apenas a rendição incondicional.O início do novo milênio mostrou-nos que o boom era uma bolha. Os ganhos de produtividade não cresciam na velocidade de um novo paradigma - sequer era fenômeno novo; a globalização dominante foi mostrando os "dentes protecionistas" dos países ricos; os novos conceitos de avaliação dos ativos foram sendo desmoralizados pelas quedas generalizadas das cotações dos ativos; alguns (não muitos!) yuppies foram parar na cadeia em função de fraudes financeiras contra investidores; os balanços de muitas e importantes empresas mostraram-se "peças de ficção" e os países pobres continuaram pobres e sob o jugo de suas conhecidas elites. O "perigo vermelho" foi substituído pela "guerra contra o terrorismo" e os custos de energia subiram velozmente.Se a história é capaz de nos ensinar algo, é que as previsões são a prática mais fútil dos homens. Continua a ser o "calcanhar de Aquiles" principalmente nos "oráculos" do mercado financeiro. Nesta coluna sempre procuramos exercer um certo "espírito crítico" diante dos fatos econômicos e políticos, sem a pretensão de tentar adivinhá-los. Nem desejamos espalhar pessimismo ou expectativas negativas. Apenas apreciamos os fatos e nos preocupamos em emitir com honestidade intelectual uma opinião sobre política, economia e sobre o mercado financeiro.Vejamos os fatos e o cronograma que se desfralda diante de nossos olhos. Ao longo do 2º semestre, o Federal Reserve avaliará os risco da inflação nos EUA e ditará o grau e a intensidade de sua política monetária; as eleições norte-americanas de novembro serão das mais "apertadas" entre Bush e Kerry e ninguém pode prever como será a política econômica dos EUA daí por diante; as eleições municipais no Brasil podem produzir mudanças na condução do Governo Lula; há dúvidas consistentes de que o "crescimento estatístico" da economia brasileira se tornará sustentado; o risco geopolítico persiste alto e o terrorismo é um fenômeno que veio para ficar; ninguém sabe prever como ficará o Oriente Médio posteriormente a "devolução" (sic) do poder aos iraquianos.Estas são apenas algumas das variáveis mais importantes presentes a afetar o mercado financeiro. Seus efeitos sobre o andamento dos fluxos de capital, sobre as taxas de câmbio, sobre as taxas de crescimento da atividade econômica mundial, sobre a política comercial mundial, etc. são extremamente difíceis de se prever. Não é à toa que os movimentos das cotações dos ativos e contratos dos ativos nos mercados mundiais estão erráticos, com baixa volatilidade e volumes modestos negociados diariamente. Fruto de uma completa ausência de consenso entre os agentes no que tange às opiniões sobre o andamento dos mercados. Falta a unanimidade sobre novos paradigmas e uma nova economia. Talvez a inteligência esteja mais presente neste momento de incerteza. Um dado [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 22 de junho de 2004

A palavra dos "gringos"

Francisco Petros* A Palavra dos "Gringos" "O ministro da Fazenda está vivendo seu melhor momento em virtude de um evento raro na Presidência de Lula, a produção de resultados positivos ao mesmo tempo para o governo e para o país". (Revista Veja, 9/6/04) Neste último domingo (20/6/04), o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve a oportunidade de ler opiniões bastante interessantes de quatro economistas norte-americanos sobre o andamento da economia brasileira e sobre a atual política econômica liderada pelo Ministro Antonio Palocci. O jornal Folha de S. Paulo reproduziu, numa matéria intitulada "Brasil decepciona 'notáveis' da economia" da jornalista Érica Fraga, opiniões de quatro economistas de diferentes tendências. Como se tratam de eminentes economistas estrangeiros, talvez o Presidente da República preste mais atenção nas suas opiniões e, assim sendo, possa refletir com mais convicção sobre o andamento de seu governo.O Nobel de economia de 2001, Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial e atual professor da Universidade de Columbia, um "neo- Keynesiano", afirmou que "depois de apresentar altas taxas de crescimento durante várias décadas, o Brasil deverá crescer algo mais que 2% neste ano. O pior é que esse crescimento é motivo de comemoração. Parece que o nível de aspiração da população está mudando, o que é ruim". Foi mais longe quando afirmou que "se o governo Lula não mudar de estratégia logo, corre o risco de terminar seu mandato sem ter o que mostrar".Robert Rubin, atual presidente do Comitê Executivo do Citigroup e ex-secretário do Tesouro dos EUA do Governo Clinton foi mais diplomático, mas sentenciou categoricamente: "Se você olhar para o Brasil e o México, que são as duas maiores economias da região (latino-americana), muito foi atingido, o que é muito impressionante. Mas, as taxas de crescimento têm sido decepcionantes. Por outro lado, se você olhar o que ocorreu na Ásia, onde também ocorreram reformas, e depois olhar para o Brasil e o México, há, obviamente, uma diferença enorme em termos de taxas de crescimento".Outro professor da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs também não mostrou grande entusiasmo com a política econômica brasileira e defendeu um Estado mais intervencionista para que haja desenvolvimento sustentado. "Há uma sensação de que o governo Lula não possui uma estratégia de longo prazo. Espero que essa sensação seja falsa, mas a verdade é que as perspectivas pioraram bastante nos últimos dois meses", afirmou o economista.Por fim, Stanley Fisher, ex-diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atual Presidente do Citigroup International, afirmou que "Lula teve de caminhar rumo a uma posição mais conservadora para sua própria sobrevivência. Apesar disso, diz que o governo não está desenvolvendo medidas estruturais necessárias, o que limita as chances de crescimento sustentado".Os leitores podem constatar que não há dentre os acima citados nenhum economista que possa ser acusado de "conspirar" contra a política econômica brasileira ou de estar propondo um "Plano B" para que o Brasil possa crescer e se desenvolver. Também acredito que estes economistas não serão tratados na imprensa local e pelos analistas do "mercado" como "pessimistas", "derrotistas", "alternativos" e outros adjetivos mais agressivos com os quais costumeiramente os defensores do status quo da política econômica atual descrevem os economistas que têm espírito crítico diante da realidade deste país. Nas linhas acima há apenas uma objetiva constatação de que as coisas não estão funcionando no Brasil. Possivelmente as avaliações dos economistas norte-americanos também pudessem servir para avaliar a política econômica do Governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de vez que a política atual é a exata cópia daquela que foi implementada sob a liderança do ex-ministro Pedro Malan.Será lamentável se o Presidente Lula, na solidão do Palácio da Alvorada, não refletir sobre os depoimentos relatados pela Folha neste domingo passado. Sua Excelência tem sido fiel às idéias e às práticas adotadas pela atual equipe econômica. Talvez ele possa questionar neste momento se os resultados da atual política econômica serão fiéis às promessas que lhes fazem e que são pregadas no país e no exterior. Vale relembrar ao Presidente que a autoridade para a gestão da política econômica pode ser transferida aos Ministros da área, mas a responsabilidade pelos seus efeitos e o alcance de suas metas é exclusiva de Sua Excelência. O país como um todo saberá se teremos o prometido crescimento sustentado, especialmente as camadas mais pobres e sofridas da sociedade.Talvez seja um ótimo momento para o Presidente também escutar o conteúdo de "políticas alternativas" sem se sentir ameaçado pelos preconceitos que normalmente cercam as "novas idéias". Numa situação difícil como a que o Brasil está, as políticas têm de ser responsáveis, mas ao mesmo tempo ousadas, ambiciosas e verdadeiramente reformistas. Palavra dos "gringos", sempre tão escutados no Planalto [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 15 de junho de 2004

O nosso "Príncipe"

Francisco Petros* O nosso "Príncipe" A imprensa brasileira está a reportar de forma seguida e recheada de "informações de bastidores" um conflito intenso entre o Ministro da Casa Civil José Dirceu e o Ministro da Fazenda Antonio Palocci. A despeito de se espalharem notícias que dão conta desta intensa disputa no centro do Poder, ainda não está claro o caráter desta disputa, mesmo que sejamos capazes de entender as suas razões. Se aceitarmos a idéia inocente de que se trata apenas de uma disputa sobre o controle da máquina governamental, estaremos implicitamente aceitando que não há uma luta política baseada em concretas percepções e concepções sobre a forma de condução da economia. Logo, trata-se de "ocupar espaços" para conduzir e manter o poder dentro do PT e em relação à aliança que sustenta o governo. Note-se que se trata de uma aliança que transpassa partidos programaticamente de extrema esquerda (como o PC do B) até partidos como o neo-conservador PP. Uma tarefa e tanto, não?Há a possibilidade desta disputa intestina no petismo estar relacionada à condução da política econômica e aos efeitos que esta proporcionará nas eleições municipais deste ano e nas eleições de 2006, nas quais serão eleitos o Presidente da República, os Governadores de Estado e a maioria do Congresso Nacional. Esta possibilidade, a nosso ver muito mais provável e racional, claramente mostra que o Ministro da Fazenda está muito à frente de seu "rival" José Dirceu. Conforme foi estampado na capa da revista Veja, "Palocci ganha todas". Já o Ministro José Dirceu atolou-se no caso Waldomiro Diniz e na perda de suas atribuições de articulador político do Governo, entregue a Aldo Rebelo, comunista do PC do B e ex-líder de uma bancada de nove deputados.O Ministro da Fazenda Antonio Palocci de fato está encenando um papel extraordinário ao consolidar a hegemonia de um pacto conservador com o mercado financeiro e com as elites econômicas do país. Em meio a enorme desarticulação das políticas governamentais, Palocci tornou-se o nosso Príncipe Clemens Metternich, o brilhante articulador do Congresso de Viena que restaurou a hegemonia das monarquias européias, após o início da ascensão das classes burguesas pós-1789. Aquele príncipe concebeu e estruturou um projeto que manteve um clima de estabilidade geopolítica na Europa por quase quarenta anos. Mais exatamente, entre 1814 e 1848. E o nosso "príncipe" Antonio Palocci? Por quanto tempo manterá a sua hegemonia, no caso, a prevalência de suas formulações econômicas dentro do governo?Esta pergunta é importantíssima de vez que há um enorme temor no "mercado" de que o Governo Lula retorne as suas origens e pratique as políticas que preconizou por mais de vinte anos. Neste caso, seria José Dirceu o articulador deste "retorno"? (Note-se que pode ser apenas um "retorno parcial", mas seriam mudanças fundamentais da política econômica palocciana).Palocci ganhou fôlego com divulgação da variação do Produto Interno Bruto (PIB) do 1º trimestre de 2004. O índice mostrou um crescimento de 1,6% em relação ao último trimestre do ano passado e 2,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Nos últimos 12 meses o crescimento foi zero. Tais números foram recebidos com euforia pelo "mercado". Para nós, a surpresa foi a "surpresa". O número foi absolutamente dentro das expectativas e torna possível, mesmo que não tão provável, uma taxa de crescimento de 3,5% em 2004. O PIB do primeiro trimestre cresceu porque as exportações cresceram (mais de 40% em relação ao 1º trimestre de 2003 e 20% em relação ao 4º trimestre de 2004), bem como puxaram o crescimento industrial. Além disso, o setor mais moderno da economia nacional, a agropecuária, cresceu 6,4% em relação ao ano passado. Se dependêssemos do consumo interno o crescimento do PIB seria próximo de 0,5%. Portanto, a euforia instalada do mercado não tem razão de ser, mesmo que tenha servido ao fortalecimento de Palocci perante seus críticos, dentro e fora do Governo e junto ao Presidente Lula.Infelizmente, esta euforia obscurece por mais algum tempo a discussão sobre a viabilidade de um crescimento sustentado no médio prazo. Observada a perspectiva de crescimento do Brasil em 2004 (3,5%) e comparada com a média dos países desenvolvidos (4,2%, segundo o FMI) e outros países emergentes (China 9,8%, Malásia 7,6%; Singapura 7,5%; Hong Kong 6,8%; Taiwan 6,3%; Chile 5,2%), veremos o quão medíocre é o crescimento brasileiro. Fato.Também nos parece incrível que, em meio a embriaguez da euforia com a divulgação do PIB, o Ministro Palocci possa ter sentenciado que "a taxa de juros já fez o seu papel". É inacreditável que um gestor de política econômica, mesmo em se tratando de um sanitarista, possa acreditar que uma taxa de juros real (descontada a inflação projetada) entre 8% a 12% ao ano possa ser a "taxa de equilíbrio" de uma economia que necessita crescer acima de 5%, somente para absorver a mão de obra que ingressa no mercado de trabalho. Não é à toa que a relação investimento/PIB (especialmente em infra-estrutura) não passa de 18% quando precisava ser de 22%-23% para que o crescimento fosse sustentado. Além disso, como é possível alguém que executa políticas públicas afirmar que a dívida pública é sustentável a partir deste pressuposto?Também beira ao mau gosto promover-se às expensas da divulgação de um crescimento medíocre quando o desemprego bate recorde (13,1% em abril, segundo o IBGE). Finalmente, o Ministro decretou que como está tudo bem com a macroeconomia - seria o "estado da arte"? - de agora em diante, é preciso resolver os problemas microeconômicos (a Lei de Falências, a Lei de Biossegurança, as Parcerias-Público-Privadas, etc.).A hegemonia de Palocci certamente não será como a do Congresso de Viena - foi apenas uma ironia textual, é claro! O Ministro da Fazenda não é o "Metternich" da economia brasileira. É apenas o equilibrista a fazer alegorias entre taxas de juros altas e crescimentos esporádicos para a manutenção de um status quo que mantenha a solvência do país. E só.Se há uma disputa entre o Ministro da Fazenda e o da Casa Civil, pouco se sabe sobre os seus fundamentos. Sequer sabemos se há algo de consistente em matéria de uma política econômica alternativa que possa ser gerada no seio deste governo.De qualquer maneira, ao que parece, este processo de "enganação nacional" persistirá por mais algum tempo. A divulgação dos próximos indicadores econômicos deverá ser favorável a Palocci e ao Governo. Não porque exista crescimento de facto. Será um "crescimento estatístico". Crescimento sustentado sempre está baseado em expectativas racionais que fazem os indivíduos e as empresas consumirem e investirem mais. Por enquanto, o que temos é a "euforia irracional", o discurso fácil dos palanques e disputas políticas cujo caráter ainda está por ser [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
Francisco Petros* Crescimento estatístico e crescimento sustentado Nos últimos dias, tem prevalecido um cenário mais positivo entre os investidores e os empresários. A divulgação do PIB (Produto Interno Bruto) do 1º trimestre do ano que mostrou um crescimento de 1,6% em relação ao trimestre anterior e 2,7% em relação ao 1º trimestre do ano anterior e renovou as esperanças daqueles que acreditam num processo de crescimento sustentado na economia brasileira. Além disso, o governo conseguiu com relativa tranqüilidade ganhar a batalha legislativa na Câmara dos Deputados que manteve a proposta governamental de um aumento do salário-mínimo para R$ 260. Há dados adicionais, como, por exemplo, os da Associação Comercial de São Paulo e da ANFAVEA - Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores que mostram que a demanda interna está aumentando. São fatos e contra fatos não há argumentos.Mesmo assim não devemos esquecer que as estatísticas merecem qualificações e que estas são extremamente importantes para que possamos entender os fatos e os fenômenos econômicos. No caso do PIB a dois aspectos muito importantes a serem avaliados.O primeiro aspecto diz respeito ao fato de que estamos num processo de recuperação que é beneficiado pela existência de capacidade ociosa na economia. Ou seja, o crescimento do PIB está se aproximando da capacidade de produção num ambiente econômico mais tranqüilo na economia brasileira, bem como favorecido por uma conjuntura externa excelente. As exportações puxaram o crescimento industrial, o que tem sido muito positivo do ponto de vista do crédito externo, e a agricultura mostra-se o setor mais dinâmico da economia brasileira. Tanto na indústria quanto na agricultura o "fator China", com sua economia excepcionalmente forte e uma demanda por importações imprevista pesaram favoravelmente. Como já mencionamos em um artigo específico sobre a China há uma enorme probabilidade da economia chinesa apresentar uma desaceleração importante (de um crescimento de 10% ao ano para algo em torno de 6%), mesmo que estas taxas de crescimento continuem muito altas em comparação à média mundial.A questão fundamental para que o crescimento brasileiro seja sustentado é que a taxa de investimentos suba, especialmente nos setores de infra-estrutura (rodovias, ferrovias, energia, etc). Atualmente ela gravita em torno de 18% do PIB. Para que o crescimento permaneça acima de 5% ao ano esta taxa tem de subir para um patamar de 21% a 22% do PIB. Para isso, depende de confiança que atrai poupança interna e externa. A poupança interna depende da taxa de juros doméstica. A poupança externa depende da taxa de juros internacional. A taxa de juros doméstica está amarrada por um sistema de metas de inflação duvidoso do ponto de vista técnico e a taxa de juros externa depende do andamento da política monetária dos EUA, cujos sinais são de aperto, mas não se sabe a velocidade e intensidade da alta da taxa primária a ser promovida pelo Federal Reserve. Há ainda, no âmbito doméstico, aspectos relacionados à regulação, a chamada "agenda microeconômica". Ou seja, leis e regulamentações que dêem confiança aos investidores.O segundo aspecto está relacionado à recuperação do consumo. Para tanto, é preciso que o emprego aumente e/ou os salários e/ou haja uma expansão do crédito. Bem, os últimos números de emprego são claros mesmo que o governo - com a sua capacidade inequívoca de influenciar a opinião pública - tenha conseguido minimizar a tragédia na qual o país está metido. O desemprego, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), atingiu o seu recorde histórico. Há 2,8 milhões de pessoas desempregadas, 13,1% da mão-de-obra. Na região metropolitana de São Paulo, o desemprego está acima de 20%. O próprio IBGE informa que a recuperação do emprego apenas virá se o crescimento do PIB for de 5% e de forma sustentada. Ora, acreditar que os salários podem subir num contexto como esse é o mesmo que acreditar que existem armas de destruição em massa no Iraque. Mesmo assim, ambas as teses ainda têm ardorosos defensores com eco na imprensa.No que se refere ao crédito, os últimos dados disponibilizados pelo Banco Central (BC) mostram que há mais de cinco anos, o volume de crédito está estagnado. O volume de crédito dividido pelo PIB oscila entre 24% e 27% do PIB (o último dado de abril é 26%). Quanto às taxas de juros, estas falam por si mesmas: 44,7% ao ano para pessoas físicas e 29,9% ao ano para pessoas jurídicas. No caso do crédito, as medidas governamentais para reduzir as taxas de juros estão relacionadas com a melhoria da legislação que facilita a recuperação de créditos (como a Lei das Falências) que, segundo os especialistas, expande a taxa de risco (spread) do sistema financeiro. Os problemas relacionados com a tributação da intermediação financeira não são atacados. Há ainda, uma eventual concentração bancária que impede uma maior concorrência no sistema. De qualquer maneira a conclusão no que tange ao crédito é simples: a sua reativação depende da queda da taxa de desemprego e taxas de juros acessíveis. A observação e a análise dos aspectos relacionados ao crédito não são promissores, pois não há evidências de que as variáveis neste segmento estão melhorando.Em suma: o crescimento do PIB neste ano pode ser entre 3% e 4%. Os dados do primeiro trimestre comprovam esta possibilidade. Trata-se de uma inquestionável estatística. Contudo, o ponto fundamental é saber se este crescimento é sustentável. As evidências observadas no que se refere ao investimento, ao consumo e ao crédito colocam severas dúvidas sobre as possibilidades de crescimento. Além dos riscos externos conhecidos.__________ [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 1 de junho de 2004

É hora de mudar?

  Coluna publicada no informativo Migalhas 936, dia 1/6/04.   Francisco Petros* É hora de mudar? "Sempre que a realidade econômica muda, minha convicção acadêmica também muda", disse o grande economista do século passado, J.M. Keynes a propósito da relação entre a observação objetiva dos fatos e a abstração acadêmica que se traduz em políticas econômicas.Os indicadores de emprego do mês de abril, divulgados pelo IBGE, dão evidências suficientes para que se reflita sobre a qualidade do modelo econômico adotado pelo atual governo, o mesmo da administração anterior. No Brasil, a taxa de desemprego atingiu o nível recorde de 13,4% da População Economicamente Ativa (PEA) - um total de 2,8 milhões de pessoas sem emprego. Deste montante, mais de 26% procuram emprego há mais de um ano. Os "subocupados por ineficiência de horas trabalhadas", com jornada inferior a 40 horas e que, apesar de estarem empregadas, continuam procurando emprego aumentou 14,3% de março para abril e 3,3% em relação a abril de 2003. Números objetivos.Infelizmente, o debate sobre o atual estado da economia brasileira e a qualidade das políticas governamentais é colocado em termos maniqueístas: ou se é absolutamente contra ou se é cegamente a favor. A defesa da revisão das metas de inflação e, por conseguinte, a análise da política monetária, é na maioria das vezes desqualificada como sendo leniente em relação à inflação. A definição de um Estado regulador e propulsor do desenvolvimento é frisada como sendo a defesa da "estatização". Assim sendo, propaga-se uma defesa, a nosso ver pouco inteligente, daquilo que se denomina "mercado". O propalado discurso do senso comum assume um caráter ideológico. Todavia, o que vemos não tem nada de ideológico. Assistimos a tragédia social do desemprego, a expansão da desesperança nas possibilidades do país, a queda do nível dos investimentos e declínio do consumo, fruto da queda da renda.Ora, nos parece inevitável que, diante da evidência de que a política econômica produz resultados pífios e insustentáveis, a sociedade demandará mudanças. E é preciso estar preparado para mudar, sob pena de se criar uma nova política econômica inconsistente e que eleve os riscos do país. É claro que mudar implica em riscos. Ficar inerte também. Não há nenhum indicador que mostre um consistente e sustentável aumento da atividade econômica. Deixamos os detalhes de lado. Referimo-nos à essência do processo.Infelizmente, a implementação de mudanças no curso da política econômica, caso sejam engendradas pelo atual governo, se fará numa conjuntura mais desfavorável no mercado internacional. Já tínhamos alertado aos nossos clientes, durante o ano passado e no início deste ano, que os fundamentos da economia brasileira continuavam frágeis, apesar de melhores. Esta fragilidade foi minimizada pela expansão recorde da liquidez externa patrocinada pelos gestores da política econômica dos EUA nos últimos três anos. De agora em diante, haverá menos recursos disponíveis no mundo para financiar países emergentes. Além disso, as cotações do petróleo subiram para níveis superiores aos alcançados há treze anos. O melhor momento ficou para trás. A realidade econômica mudou. E como diria Keynes, chegou a hora de certas convicções mudarem.Perspectivas Mais IncertasEstá evidente que a atual administração da economia brasileira não tem implementado medidas e reformas que possibilitem o crescimento sustentado do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos. As conhecidas e comentadas vulnerabilidades do país permanecem basicamente as mesmas dos últimos anos. O principal aspecto positivo é a mudança no perfil do balanço de pagamentos, no qual os resultados da balança de comércio são o ponto mais positivo.O cumprimento do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) parece fato certo. Os saldos fiscais são suficientes para o preenchimento dos requisitos exigidos pelo organismo multilateral. O que é decepcionante é que depois do enorme esforço fiscal o principal indicador de risco do país tenha permanecido intacto. A relação dívida bruta em relação ao PIB é da ordem de 80% e a dívida líquida sobre o PIB gravita entre 56% e 57%, indicadores muito semelhantes aos registrados no final de 2002 e 2003. No atual contexto internacional esta não é uma boa constatação, pois significa que o crédito para o Brasil ficará mais escasso e caro de vez que não apresentamos uma evolução substantiva deste indicador de solvência. Com efeito: está cada dia mais distante a possibilidade de o Brasil obter o grau de investimento que representaria uma melhor visão sobre a solvência do país por parte das agências classificadoras de riscos (rating agencies).Com uma conjuntura internacional mais incerta já surgem análises de economistas influentes e dos próprios analistas do sistema financeiro sugerindo o aumento do superávit primário fiscal que é o resultado da diferença entre as receitas e despesas do setor público antes do pagamento dos juros da dívida. Por mais louvável que possam parecer tais propostas trata-se de algo improvável de acontecer. Em primeiro lugar, isso exigiria mais cortes de despesas públicas, coisa improvável de ocorrer num ano eleitoral. Em segundo lugar, porque não parece razoável imaginar uma nova rodada de elevação de impostos. A arrecadação já representa 37% do PIB, indicador equivalente a países desenvolvidos. E por último, é preciso lembrar que cortes substantivos de despesas públicas implicariam em novas reformas constitucionais, como na área da previdência social. Atualmente, o apoio do Congresso a uma iniciativa de aumento de superávit fiscal é diminuto. Assim sendo, propostas como estas não prosperarão. Sem trocadilho.Um outro aspecto a ser observado nas próximas semanas diz respeito à evolução das cotações do barril de petróleo no mercado internacional que influenciará a política monetária dos EUA, a atividade econômica mundial e os efeitos sobre a dinâmica da inflação no Brasil. Um aumento dos preços dos derivados do petróleo tem alta probabilidade de ocorrer. O nível deste aumento é uma enorme dúvida.__________ [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 25 de maio de 2004

Na China, Lula e o seu melhor momento

Francisco Petros* Na China, Lula e o seu melhor momento Nos próximos dias, a imprensa brasileira dará grande destaque à visita do Presidente Lula à China. No que tange aos aspectos relevantes desta viagem diplomática e comercial, a estratégia do governo faz muito sentido. Em pouco menos de dez anos as exportações brasileiras para a China comunista praticamente quadruplicaram (de US$ 1,3 bilhão em 1994 para US$ 4,6 bilhões em 2003). No ano passado e neste ano, houve um estímulo adicional às exportações brasileiras que foi a necessidade de importação de alimentos por parte da China, em função da quebra de safra daquele país. A maior importação de alimentos deu grande impulso ao aumento dos preços das commodities no mercado internacional. Caso exemplar foi o da soja. Cerca de 64% das exportações brasileiras para a China são de commodities (incluindo a soja, o ferro e o aço). Apenas 10% do total exportado possuem maior valor agregado no que se refere à tecnologia. Apesar do Brasil ter um superávit de US$ 2,5 bilhões com a China, há uma diferença fundamental na composição das exportações chinesas quando comparadas com as nossas: mais de 95% dos produtos chineses são manufaturados e deste total, 2/3 têm conteúdo tecnológico considerável. Por exemplo, o Brasil é grande importador de partes de produtos eletrônicos chineses. Portanto, os "termos de troca" (relação preço versus quantidade) são favoráveis à China.É provável que a China permaneça nos próximos anos como grande parceiro comercial do Brasil na área agrícola, especialmente porque o país comunista não tem alta produtividade na área agrícola que possa satisfazer as necessidades de crescimento da produção de alimentos para os 1,1 bilhão de chineses. De outro lado, é bastante provável que a China se torne forte competidora em segmentos nos quais o Brasil tem um segmento exportador dinâmico e competente, como é o caso do setor de papel e celulose e o de aços planos.A estratégia chinesa está baseada na visão de que o país deve buscar ser cada vez mais influente na economia mundial o que lhe permitirá extrair vantagens crescentes nas negociações comerciais. Trata-se de uma nação com um imenso arsenal atômico que lhe permite uma presença constante e influente nas decisões geopolíticas das grandes nações. As concessões comerciais para os parceiros comerciais estratégicos são feitas após a análise cuidadosa dos interesses chineses em cada um dos setores e na possibilidade daquelas concessões se tornarem "vantagens comparativas" no futuro. A regra de que "não existe almoço grátis" é critério básico para a burocracia estatal chinesa. Cada contrato comercial é "deglutido" com muito cuidado e estabelecido dentro de uma visão de curto, médio e longo prazo.Também é interessante notar que a China é altamente eficiente em se colocar como um país com alto potencial de consumo interno, em função de sua elevada população, quando na realidade trata-se de um país que busca aumentar a sua capacidade produtiva com vistas à exportação. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita chinês é de pouco mais de US$ 1,0 mil enquanto o PIB per capita brasileiro é quase três vezes maior (US$ 2,9 mil). A principal vantagem comparativa chinesa está relacionada ao baixíssimo custo de sua mão-de-obra, subjugada por um regime tirânico em termos de liberdades individuais e que permite "administrar" as pressões sociais por meio de pequenas concessões - como, por exemplo, maior tempo de descanso semanal - no longo prazo. A criação de uma burocracia estatal e cada vez mais especializada permite que haja estrito controle sobre a dinâmica econômica e, por conseguinte, sobre os processos sociais. Um subproduto "natural", mesmo que indesejado deste processo, é a corrupção e uma espécie de "nepotismo político" na obtenção de favores do governo chinês. Também, o Partido Comunista Chinês tem permitido que as reformas econômicas façam florescer uma classe efetivamente capitalista que organize setores econômicos estratégicos como os de alta tecnologia. O comunismo chinês divide os lucros com os capitalistas para que possa apurar resultados que aumentem a produtividade de toda a economia. Do lado financeiro, a incorporação de Hong-Kong à China possibilitou um excelente canal para a melhoria do relacionamento do país com o sistema financeiro internacional. Também neste caso há a associação aparentemente impossível entre o sistema comunista e o capitalismo emergente de Hong-Kong.Além dos problemas estruturais da China relacionados com o subdesenvolvimento, tais como, a existência de bolsões de pobreza, o desrespeito às leis ambientais internacionais, a falta de liberdades individuais, etc., a China vive um momento de maiores riscos na administração de sua economia.O sistema financeiro do país tem sérios problemas estruturais e uma crise bancária pode se instalar nos próximos anos na economia chinesa. Esta é uma das causas para que o Governo chinês não valorize o yuan, a moeda do país. (A China opera com o sistema de câmbio que permite que o governo desvalorize/valorize, de tempos em tempos, a taxa de câmbio). Os saldos excepcionais do balanço de pagamentos chinês permitiriam esta valorização, como forma de conter a alta da inflação e para aumentar a produtividade do país via aumento de importações de bens de capital. Contudo, o sistema financeiro tem passivos indexados a moedas internacionais e os ativos, em grande parte créditos concedidos às pessoas físicas para aquisição de bens de consumo e imóveis, estão denominados na moeda local. O Banco Central Chinês, nos últimos dois meses, iniciou um extenso programa de redução dos riscos financeiros das empresas, pessoas físicas e do próprio sistema financeiro com o objetivo de reduzir este risco estratégico do país. Será um processo de anos e não de apenas alguns meses.A inflação é outro problema visível no país. O crescimento médio de cerca de 8,5% ao ano da economia chinesa nos últimos dez anos evidencia que há um processo de superaquecimento que tem repercutido em inflação de custos. A meta de inflação para este ano foi estabelecida pelo governo em 3%. Nos últimos dois meses, a inflação mensal foi de 3%. A política anti-inflação do governo tem dois pilares básicos: (1) controle do volume de crédito e (2) aumento da taxa básica de juros para reduzir a atividade econômica. Ambas, sinalizam para a redução da taxa de crescimento da economia (PIB) para o nível entre 5%-6% neste ano e em 2005. Porém, até o momento, não foram sentidos efeitos significativos da implementação destas medidas econômicas no frenético ritmo de crescimento chinês. Ano passado, a economia chinesa cresceu 9,1%. Neste ano, o crescimento dos últimos doze meses está em 9,7%, mesmo após a adoção das medidas restritivas por parte do Banco Central. De qualquer maneira, a delicada situação da economia dos EUA e a constatação de que a China começa a apresentar sinais de saturação da sua infra-estrutura, após tantos anos de crescimento muito acelerado são aspectos que merecem enorme atenção no momento por parte dos analistas da economia mundial.A viagem do Presidente Lula merece atenção e é a melhor parte da estratégia de comércio exterior do Governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Trata-se se um evento especial para o Brasil no momento em que há grande descrença nas possibilidades da política econômica comandada pelo Ministro da Fazenda Antonio Palocci. Há grande possibilidade de que sejam criadas novas oportunidades para o Brasil do outro lado do mundo. A burocracia e os políticos chineses parecem cientes deste momento especial das relações entre os dois países e devem transformar a visita do Presidente Lula numa efetiva consolidação das relações entre as nações. Obviamente, há riscos relevantes no caminho e eles estão muito relacionados com a conjuntura atual da China e do mundo. Todavia, entre os pesos de uma conjuntura desfavorável e a obtenção de vantagens de longo prazo, parece razoável imaginar que estamos no melhor momento do Governo Lula até agora.__________ [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 18 de maio de 2004

Petróleo: entre a realidade e a especulação

Francisco Petros* Petróleo: entre a realidade e a especulação O principal problema da economia mundial é a evolução econômica norte-americana, diante da certeza de um maior aperto monetário nos próximos meses por parte do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA O processo, que tem efeitos negativos sobre todos os países, especialmente sobre os altamente endividados como o Brasil, não é o único entrave. Nas últimas semanas aumentaram as preocupações com a forte alta das cotações do barril do petróleo. Na sexta-feira passada, o barril do petróleo tipo "leve" (West Texas) fechou acima de US$ 41/barril na New York Mercantile Exchange. O barril de petróleo tipo "Brent" fechou acima de US$ 37,00 na London's International Petroleum Exchange.Os indicadores mostram que os estoques ao redor do mundo, especialmente nos EUA, estão baixos. Também existem evidências que os países produtores de petróleo, principalmente os do Golfo Pérsico não investiram muito nos últimos anos na prospecção, em função do longo período de baixos preços do produto no mercado internacional a partir do início da década dos anos 90 até o final de 2001. Apesar de haver uma série de dúvidas sobre os "fundamentos" da indústria de petróleo, alguns especialistas não acreditam que as altas recentes estejam relacionadas com problemas específicos de oferta e demanda neste mercado, mesmo se for considerada a redução da oferta por parte do Iraque desde a primeira guerra contra os EUA (1990) e depois das sabotagens (bem sucedidas) da resistência iraquiana à ocupação do país liderada pelo atual Presidente norte-americano, George W. Bush.A oferta do produto é controlada pelo cartel da OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo que impõe cotas aos seus filiados. Originalmente, imaginava-se que o preço do barril de petróleo ficasse no intervalo de US$ 22 a US$ 28/barril. Quando o preço caísse abaixo de US$ 22/barril, a OPEP reduziria proporcionalmente as cotas de exportação de seus países-membros. Acima de US$ 28/barril, ocorreria o inverso. Este controle da oferta tem sido totalmente ineficaz nos últimos seis meses. No próximo dia 22 haverá um novo encontro da OPEP em Amsterdam (Holanda), quando pode ser decidido um aumento da oferta. O representante da Arábia Saudita Ali Naimi, o mais influente da organização, proporá um aumento de 6% na oferta por parte dos países-membros com o objetivo de reduzir as cotações no mercado internacional. Os países produtores temem que a alta das cotações possa prejudicá-los na medida em que esfriam a atividade econômica global. A receita (quantidade versus preço) destes países torna-se menor no caso de uma recessão. Foi o que ocorreu nos primeiros cinco anos da década passada.Do lado da demanda há sinais notáveis de maior consumo no sudeste asiático e, em maior medida, nos EUA. Nos outros países o crescimento é mais moderado e a oferta interna tem crescido (como no caso do Brasil, hoje país muito pouco dependente de importações de petróleo). Nos EUA, também houve pouco investimento em refino de petróleo nos últimos anos o que tem provocado altas superiores dos preços dos derivados de petróleo em relação à elevação das cotações do barril do petróleo cru. A renda disponível dos norte-americanos tem se reduzido na atual conjuntura do mercado de petróleo. Os consumidores têm sido surpreendidos todos os dias com preços maiores nas bombas dos postos de gasolina.O diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) Rodrigo Rato declarou, na primeira entrevista oficial ao assumir o cargo há duas semanas, que a alta das cotações do petróleo é um risco maior que a elevação da taxa primária de juros por parte do Federal Reserve. Trata-se de uma "declaração diplomática" no que se refere aos impactos da política monetária dos EUA sobre a economia mundial, mas bastante sincera no que se refere aos efeitos da alta das cotações do petróleo.Apesar dos aspectos acima mencionados, é muito provável que a tendência altista dos preços do petróleo esteja associado a uma "bolha especulativa". Neste processo, os "fundamentos" pesam pouco aos olhos dos investidores. Gera-se um processo endógeno (formado pelo próprio mercado) pelo qual as cotações sobem em função das próprias expectativas altistas. Falta uma "análise fria" dos fatos. Resultado: os preços sobem com forte demanda especulativa. Todavia, há uma exceção vital no que se refere aos fundamentos: a situação geopolítica do Golfo Pérsico e, principalmente do Iraque, tem facilitado este processo especulativo. Note-se que estamos a pouco mais de um mês da instalação de um "governo provisório" iraquiano que será - em tese - o maior poder político do país.A situação complicou-se ainda mais, pois nesta segunda-feira, o presidente interino do conselho provisório iraquiano, Izzedine Salim, foi assassinado. Trata-se de um conselho cuja presidência é rotativa e base do futuro governo. Por mais que este "governo provisório" seja manietado pelo poder efetivo das tropas norte-americanas, esta "passagem do poder" é fator de mais incerteza sobre o futuro do país. Se fracassar será uma dose de maior decepção. A condução da política dos EUA em relação aos países árabes será ainda mais contestada e as pressões internas dentro destes países será crescente, principalmente por parte das facções guiadas pelo fundamentalismo religioso. Portanto, há "gasolina de sobra para incendiar as cotações do petróleo". Quem viver, verá.Além dos efeitos marginais que a crise do petróleo pode provocar sobre as taxas de câmbio e de juros no mercado internacional, para o Brasil há três riscos diretos: (1) se o petróleo continuar em patamares elevados e reduzir a atividade global, seremos afetados pelo lado do comércio exterior; (2) mesmo sem ser muito dependente da importação do petróleo, o Brasil ainda compra o produto do exterior (20% do total, aproximadamente) o que aumenta o custo das importações; (3) se o governo resolver repassar a alta do preço do petróleo no mercado internacional para os preços internos, isso pode afetar a política atual de metas de inflação. Se não houver o repasse, os acionistas da Petrobrás serão prejudicados, pois não obterão lucros maiores com a alta dos preços dos derivados de combustíveis. Isso pode afetar a credibilidade do governo junto aos investidores num momento em que a aversão ao risco por parte dos investidores está subindo. No momento a escolha do Governo do Presidente Lula foi a de não aumentar os preços dos derivados de petróleo. Ou seja, favorece-se a sociedade como um todo cuja renda está baixa. Quanto aos acionistas da Petrobrás...__________ [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 11 de maio de 2004

Como vai agir o Fed?

Francisco Petros* Como vai agir o Fed? No mês de abril consolidou-se a idéia de que o imenso esforço de acomodação monetária promovida pelo Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, nos últimos três anos resultou na recuperação da demanda agregada da maior economia mundial. Somou-se a este esforço monetário a prática de uma política fiscal expansionista, promovida pelo Presidente George W. Bush que elevou o déficit das contas públicas a patamares recordes.A recuperação da capacidade de geração de empregos, de aumento de consumo e investimento dos EUA apenas foi acompanhada pelo extraordinário e continuado crescimento da economia chinesa. As outras principais economias mundiais ainda carecem de ajustes para ganhar dinâmica em termos de crescimento. Os fluxos de capitais foram fartos e financiaram com custos muito reduzidos a recuperação de economias debilitadas como as do Brasil, da Argentina e da Turquia. O maior consumo interno dos EUA e, principalmente, da China contribuíram para a elevação recorde dos preços das commodities.Diante da conjuntura atual, o Federal Reserve começa a revisar a sua política de acomodação monetária. Trata-se de um processo delicado e que exigirá racionalidade econômica, sabedoria em relação aos mercados financeiros e arte. A questão fundamental a ser respondida é: qual é a taxa de juros básica de equilíbrio? Por "equilíbrio" entenda-se o adequado balanceamento entre inflação baixa (entre 1% e 2% em termos anuais) e crescimento robusto (ao redor de 3%). A delicadeza deste processo se deve, sobretudo, às expectativas que serão engendradas no mercado financeiro e de capital. Sabe-se que, depois de períodos de forte expansão monetária e enorme desequilíbrio fiscal, é possível e, na maioria das vezes provável, ajustes abruptos nos preços dos ativos. Tais ajustes podem deteriorar expectativas de consumidores e investidores e reduzir o crescimento econômico. Eventualmente, pode gerar recessão.Em última instância, o que se deseja saber é se teremos uma "aterrissagem suave" (soft landing) na política de maior aperto monetário por parte do Fed. A resposta a esta questão não é possível ser dada. É importante observar o histórico do Maestro Alan Greenspan, o lendário presidente do Banco Central norte-americano, e da "doutrina" construída dentro da instituição. Ambas indicam que a tarefa de elevar os juros será inexoravelmente executada para que não surja uma indesejada inflação. De outro lado, a administração desta política deve ser gradual e transparente. A "surpresa" deste processo é que a inflação pode surgir antes do esperado e o mercado financeiro internacional pode reagir de forma irracional a este processo.Para o Brasil, este processo tornará os seus fundamentos econômicos, políticos e sociais mais evidentes. A fartura de recursos externos permitiu tempo e oportunidade para que os ajustes necessários para que o país pudesse crescer de forma consistente pudessem ser feitos. A partir de agora, poderemos verificar o quão vulnerável ainda é o nosso país. Será um teste, sem dúvida alguma.A Conjuntura BrasileiraA política fiscal conservadora e a prática de taxas de juros internas elevadas garantiram ao governo e ao país, uma maior credibilidade na solvência do elevado endividamento interno e externo do país. Não resta a menor dúvida de que esta foi a maior vitória governamental desde o início do mandato do Presidente Lula. De outro lado, os sinais que o governo emite no que tange ao desenvolvimento de sua política econômica futura são muito contraditórios e opacos.No âmbito macroeconômico, a administração da economia parece se resumir na garantia de suficientes resultados fiscais para pagar os elevados juros da dívida pública. A política monetária é conservadora e o sistema de metas de inflação tornou-se inquestionável como se fosse o "estado da arte" da ciência econômica. As reformas estão relegadas a um plano inferior. Não há nada de substancial que se possa comentar no que se refere à tributação, ao sistema de crédito, à reforma trabalhista, ao relacionamento entre as entidades federativas e assim por diante. A reforma da previdência é emblemática neste sentido: está claro que esta foi realizada pelo governo atual a grande distância das necessidades das contas públicas e dos interesses das gerações futuras.No âmbito microeconômico, o governo tenta estruturar "marcos de regulação" que garantam a confiança dos investidores nos setores de infra-estrutura. Não é o que parece estar acontecendo. Basta examinarmos os decrescentes níveis de investimentos domésticos e estrangeiros nos setores básicos da economia brasileira. Além disso, as dúvidas sobre as questões macroeconômicas tornam ainda mais difíceis que se acredite em "marcos" quando a economia está atolada em problemas mais importantes, tais como o tratamento das vulnerabilidades externa e fiscal.Os resultados destas inquietações já estão postas e o governo precisará reagir se desejar levar o país ao caminho do crescimento. Neste primeiro trimestre, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deve ser de apenas 1% e no ano o crescimento previsto em 3,5% não deve ser atingido. Mesmo que o fosse, o Brasil cresceria na média 50% menos que os países emergentes (previsão de crescimento de 6,6% em 2004) e, até mesmo, em relação aos países ricos o crescimento seria inferior.Também nos preocupa que o Governo começa a perder com rapidez apoio popular, apesar de manter uma maioria parlamentar ainda que desorganizada e pouco eficiente. Ou seja, estamos assistindo à execução de um projeto econômico duvidoso do ponto de vista de seus resultados e com uma aferição cada vez pior por parte da opinião pública.A soma dos aspectos acima mencionados com um cenário externo mais inquieto não é algo que possa passar desapercebido pelos analistas da economia e do mercado financeiro brasileiro. Muito menos pode deixar o governo paralisado. Os diversos segmentos da sociedade brasileira estão inquietos em relação ao futuro. A hora é de agir.__________ [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 4 de maio de 2004

O cenário externo e o Brasil

Francisco Petros* O cenário externo e o Brasil "Até antes da campanha eu dizia, eu não tenho o direito de errar. E agora quero compartilhar isso com vocês dizendo: nós não temos o direito de errar". (Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva - 6/11/02) Na semana passada o mercado financeiro internacional apresentou um desempenho que merece atenção por parte daqueles que se preocupam com o andamento da política em geral e da política econômica, em particular, no Brasil.As bolsas de valores dos EUA apresentaram desempenhos negativos (o índice S&P 500 caiu 2,9% e o NASDAQ 6,2%) e consistentes (com elevados volumes negociados) e as principais bolsas européias caíram ao redor de 2,5% (em euro). Na Ásia, as quedas dos mercados acionários foram mais acentuadas (o índice Nikkei japonês -3%, o Índice de Hong Kong -3,6%, a Coréia do Sul -7,8%, Tailândia -4,9%, Taiwan -9,3%). Na América Latina os índices de ações (também em moedas locais) recuaram (México -9,4%, Chile -2,1%, Argentina -5,8% e Brasil -9,4%).Além das quedas dos mercados acionários, as moedas de países que têm resultados da balança comercial fortemente correlacionados com os preços das commodities sofreram fortes desvalorizações na semana. O peso chileno caiu 1,9%, o dólar canadense -1%, o rand sul-africano -3,1%, a lira turca -2,6% e o won coreano -1,3%.Existem três riscos no mercado internacional que estão deixando os investidores preocupados. O primeiro diz respeito à política monetária dos EUA. O segundo diz respeito à administração da política econômica do Governo Chinês e o terceiro refere-se aos efeitos que os dois primeiros podem causar sobre a liquidez internacional e os preços dos ativos e das commodities.No que se refere aos EUA, a situação é particularmente intrigante. As evidências de que a atividade econômica está aquecida aumentaram após a divulgação de diversos indicadores de produção e consumo. Também é mais transparente que a inflação começa a dar sinais de alta, seja pelo o aumento do consumo, seja pelo aumento dos custos em função da alta das commodities nos últimos meses. Nesta terça-feira, o Comitê Federal de Mercado Aberto (a sigla em inglês é FOMC) do Federal Reserve se reunirá para decidir sobre a taxa básica de juros (atualmente em 1% ao ano). É muito provável que a taxa permaneça no mesmo nível. Todavia, os títulos com prazo de vencimento mais longo (cinco e dez anos) subiram para os níveis mais altos dos últimos meses, 3,7% e 4,5% ao ano respectivamente. Também há dúvidas crescentes sobre as futuras ações do Banco Central dos EUA que pode elevar a taxa primária de juros com mais intensidade e velocidade que o previsto pelos analistas e investidores. Este processo provocou a desvalorização dos ativos e um progressivo aumento do custo dos empréstimos e dos títulos de renda fixa. Vale observar que as famílias norte-americanas estão com níveis de endividamento jamais vistos (ou seja, com baixa poupança) e os investimentos são muito sensíveis às oscilações da taxa de juros dos títulos do Tesouro norte-americano que repercutem de forma sistemática sobre o crédito privado. Além disso, o déficit fiscal é alto (ao redor de 5% do PIB - Produto Interno Bruto) e o déficit externo cerca de 4,6% do PIB. Em palavras simples, os EUA para manterem o atual nível de consumo e investimento necessitam do dinheiro do resto do mundo e os custos (juros e variação cambial) têm de ser compatíveis com o crescimento esperado (4% em 2004 e 3,5% em 2005). As respostas dos candidatos à Presidência dos EUA para os problemas econômicos dos EUA são incompletas - fruto do ambiente de proselitismo eleitoral.No que se refere à China a situação é ainda mais confusa. Em primeiro lugar, não devemos esquecer que o modelo econômico chinês está baseado em uma ditadura duradoura e sustentado por uma burocracia que combina excelentes qualidades técnicas, mas está estruturada na forma clássica dos sistemas comunistas o que possibilita a corrupção, o favorecimento a interesses de grupo, etc. A economia passa por um momento de superaquecimento. Não se trata propriamente de uma "bolha" de ativos. Trata-se de uma incapacidade de continuar crescendo a um ritmo anual de 8% (média dos últimos dez anos) sem investimentos pesados em infra-estrutura e com um sistema de crédito absolutamente caótico. Os bancos estatais são deficitários e têm uma estrutura de capital (relação entre capital próprio e de terceiros) extremamente frágil. A burocracia chinesa começou a agir para reduzir o ritmo de crescimento e aumentou as exigências de capital de bancos e também das empresas. A taxa de juros básica deve subir com o objetivo de equilibrar melhor a oferta e demanda tanto no setor real quanto no sistema financeiro. A agricultura passa por um momento difícil com quebras de safras e aumento do desemprego no campo. Os níveis de urbanização da população estão aumentando. Imaginem as dificuldades deste processo num país de mais de um bilhão de pessoas...A reunião das inquietações dos investidores com as perspectivas da política monetária dos EUA e da economia chinesa contribuíram para a queda no valor dos ativos e dos preços das commodities na semana passada. É muito provável que estas inquietações não sejam tão passageiras e a repercussão destas sobre os fluxos de capital são imprevisíveis a despeito dos exercícios teóricos de economistas do FMI, da OCDE, do Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc.Infelizmente, este cenário confuso e imprevisível não é bom para o Brasil. O risco-país que em janeiro gravitava ao redor de 400 pontos (ou 4% acima da taxa de juros dos títulos do Tesouro norte-americano), atualmente está em 670 pontos. O mais preocupante a meu ver é que o governo, os políticos e líderes sociais continuam tratando os problemas nacionais com políticas sob uma fachada conservadora. O que parece estar faltando é um projeto nacional consistente e responsável. O Governo e a equipe econômica parecem acreditar que o crescimento econômico virá como decorrência "natural" de uma política econômica "financista", cujo único objetivo, provisoriamente atingido, é o de manter o crédito externo do país relativamente estável. A melhora dos indicadores econômicos é muito tênue, os indicadores sociais se deterioram e continuamos a agir como no último ano quando a alta liquidez externa escondeu as fragilidades do Brasil.__________ [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 27 de abril de 2004

a

Francisco Petros* O Dia do Trabalho "Recomendar aos pobres que sejam econômicos é ao mesmo tempo grotesco e insultante. É o mesmo que aconselhar a um homem que está morrendo de fome a comer menos". (Oscar Wilde) No próximo sábado comemoraremos o Dia do Trabalho no Brasil e na maioria dos países do mundo. No caso de nosso país, esta data deveria ser uma excelente oportunidade para uma reflexão sobre o atual momento da economia brasileira e a inserção do país no cenário internacional. Não sei se realizaremos esta reflexão. Dados recentes do relatório World Economic Outlook (WEO) produzido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que o crescimento mundial neste ano deve atingir 4,5% e, no segmento dos países emergentes, o crescimento deve se situar acima do patamar de 6%. O Brasil, segundo este relatório, deve crescer 3,4%, pouco mais da metade dos países emergentes e 1% menos que os países desenvolvidos. Dentre os países emergentes, o destaque deve ser a China com uma taxa de crescimento acima de 8% e a Índia que crescerá ao redor de 7%. A palidez do crescimento brasileiro está diretamente relacionada com o fato de que o país está submetido a um processo de forte restrição fiscal e externa que impõe reduzido consumo interno, elevada tributação, falta de investimentos públicos e privados e uma política de juros fortemente associada ao denominado "risco-país". Além da política de metas de inflação de duvidosa elaboração teórica e prática. O Brasil completará no próximo ano duas décadas de estagnação. O Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu nos últimos vinte anos a uma taxa média de 2,7% ao ano, cerca de 1,1% em termos per capita (descontando-se o crescimento populacional). Desde o lançamento do Plano Real em 1994, o crescimento per capita foi de 0,7% ao ano. Os indicadores são sofríveis e os efeitos sobre o mercado de trabalho extremamente significativos e perversos. Atualmente, existem cerca de dois milhões de desempregados na região metropolitana de São Paulo, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Ecônomicos (DIEESE), no mês de março, o desemprego em São Paulo (região mais desenvolvida do país) atingiu mais de 20% da População Economicamente Ativa (PEA). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos últimos meses, descontando-se os efeitos sazonais, indicam uma taxa de desemprego ao redor de 12%-13% da PEA. No que diz respeito à recuperação do poder de compra dos trabalhadores a situação também é muito preocupante. Segundo o DIEESE que realizou uma pesquisa nacional referente ao ano de 2003, 58% das negociações salariais (um total de 556) foram concluídas com reajustes inferiores à variação do INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Portanto, somente 42% de tais negociações repuseram o poder de compra dos salários. Este é o pior resultado desde 1996 quando a pesquisa começou a ser realizada. Das 556 negociações salariais, 79 (14,2% do total) conseguiram um aumento superior a 1% da variação do INPC. Somente 3 negociações (0,5% do total) resultaram em aumento de salários superiores a 5% da variação do INPC; 166 das negociações (29,9% do total) resultaram em variações negativas em mais 3% em relação ao INPC. Cerca de 28% dos aumentos salariais foram parcelados - no ano anterior isto somente ocorreu em 5,6% dos casos. Isso significa que a recuperação do consumo será muito mais lenta que o esperado e terá efeitos danosos sobre o crescimento da economia neste ano e no próximo. É muito provável que as previsões do governo e do FMI para o crescimento do PIB neste ano não sejam atingidas. É mais provável um crescimento entre 2,0% e 2,5% em 2004. Quase metade do crescimento dos países mais desenvolvidos e aproximadamente 1/3 do crescimento dos países emergentes. Politicamente, este é um processo muito perigoso de vez que abre uma oportunidade excepcional para políticas e políticos populistas e oportunistas (sobre isso escreveremos em breve). Os segmentos econômicos que estão aumentando as vagas para os trabalhadores são aqueles que estão relacionados com o aumento das exportações. Mesmo assim, nestes segmentos a taxa de produtividade é crescente o que significa que a taxa de emprego e os reajustes salariais crescem a uma taxa inferior ao crescimento da produção. Mesmo no setor financeiro, abarrotado de altos lucros nos últimos anos, a taxa de emprego está caindo e a reposição salarial é inferior à taxa de inflação. O Brasil tem hoje um dos setores financeiros mais produtivos e lucrativos em termos mundiais, apesar do baixíssimo crescimento. Os efeitos da dinâmica do mercado de trabalho são danosos e estão à vista de todos nós inclusive do ponto de vista da psicologia social. O aumento da desesperança, do consumo de álcool e das drogas, a escalada galopante da criminalidade, a aceitação das condições do subemprego e a associação da falta de emprego e o crime organizado. Há ainda o pleno funcionamento dos "mecanismos de opressão" das pessoas nas corporações e empresas que sob a ameaça do desemprego sujeitam-se a tarefas que não têm relação com seus respectivos cargos, a prestação de horas-extras de trabalho sem remuneração, tempo mais reduzido para as suas refeições e assim vai. Chefes de departamento e diretores de empresas são parte ativa deste processo. Suas cabeças também estão a prêmio. É provável que uma reforma trabalhista no Brasil seja ainda mais desfavorável ao segmento do trabalho. China e Índia estão "roubando" empregos de países ricos e, até mesmo, de países subdesenvolvidos como é o caso do México - ano passado este país perdeu cerca de 200 mil empregos industriais para países do sudeste asiático. A restrição de direitos dos trabalhadores nestes países (que tornam altíssimas as taxas de produtividade de suas economias) é uma ameaça aos avanços sociais conquistados pelos trabalhadores em diversas partes do mundo. Resultado do processo de globalização. Vale lembrar que a China vive sob uma sangrenta e opressiva ditadura e na Índia prevalece um complexo sistema de castas. Este tema - a "exportação de empregos" - também é muito discutido pelos dois candidatos à presidência dos EUA, o republicano George W. Bush e o democrata John F. Kerry. Até agora, não existe nenhuma prática econômica, nenhuma construção teórica ou mesmo uma ideologia que dê respostas claras e eficazes sobre os caminhos que o capitalismo tomará em relação ao mercado de trabalho. Por enquanto, há apenas os protestos de uns poucos em reuniões semestrais ou anuais, do FMI e do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou do World Economic Forum, este último realizado na gélida cidade de Davos. São protestos fracamente articulados, mesmo que muito barulhentos, que produzem efeitos facilmente negligenciados pelos líderes políticos e empresariais ao redor do mundo. No Brasil, as comemorações do Dia do Trabalho simbolizam de forma clara a situação frágil do setor sindical e a falta de uma nova via de pensamento para articular Capital e Trabalho e criar condições favoráveis e efetivas para que o Brasil possa dar uma arrancada desenvolvimentista. Em São Paulo, o principal evento que comemorará o Dia do Trabalho será na imponente Avenida Paulista e deve atrair milhares (talvez mais de um milhão) de pessoas. Não sei quantas destas estão desempregadas. Entretanto, elas terão a oportunidade de manear os seus corpos ao som elétrico de Gilberto Gil e Ivete Sangalo, outros cantores populares e músicos. Enquanto isso, na segunda-feira, outros postos de trabalho também estarão a manear entre salários com menor poder de compra e possíveis demissões. Acho que não veremos algo além disso. _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 20 de abril de 2004

A soma de Política com Economia

Francisco Petros* A soma de Política com Economia Economia e Política não podem ser "separadas" no que se refere à macroeconomia. O nome clássico da ciência econômica era "Economia Política". Este nome caiu em desuso, pois era associada aos estudos econômicos de Karl Marx. Como sabemos, a crítica "política" de Marx engendrou-se a partir da utilização de um método (dialética) para observar um fenômeno (econômico) e, a partir daí, construiu-se uma teoria política (o socialismo). O "fenômeno econômico" foi descrito anteriormente pelos liberais ingleses, especialmente Adam Smith e David Ricardo. Criou-se a teoria do "Valor Trabalho" que explicou o sistema de formação de preços, mas não a extensão deste sistema: o lucro.Karl Marx apontou o seu olhar crítico para o aspecto crucial do liberalismo inglês e explicou a criação do "valor" (lucro) por meio de uma construção rigorosa do ponto de vista científico, a chamada "mais-valia". Para destruir a "mais-valia" a solução era política: destruir o próprio capitalismo. Os liberais ingleses posteriores a Ricardo e Smith, especialmente Alfred Marshall, "fugiram" da construção anterior dos dois teóricos ingleses e desenvolveram a "teoria marginal do valor" e, a partir de então, houve sempre uma preocupação em dissociar o termo "Economia Política" dos estudos econômicos dos liberais. "Fugiram" da denominação "Economia Política", como o diabo foge da cruz.Conto a história acima apenas para chamar à atenção de nossos leitores para certas "análises econômicas" cheias de "ciência" que na realidade não passam de "sombras platônicas" da realidade. Há um desprezo da Política como parte essencial da observação dos fatos econômicos. Há algo pior: os economistas se julgam realmente capazes de fazer projeções baseadas em modelos científicos. E não pecam pela modéstia. Vendem uma idéia como se fosse a plenitude da sabedoria humana. Por exemplo, não faltam previsões sobre taxas de câmbio no mercado. É fato que não existe nenhum modelo que seja capaz de prever com razoável precisão taxas flutuantes de câmbio. Entretanto, sobram previsões! Há ainda economistas que abusam das regressões estatísticas para serem categóricos e afirmarem como a atividade econômica está se desenvolvendo.Há pouco mais de dois meses, os economistas (especialmente os do mercado financeiro) comentavam sobre a "forte" recuperação da atividade econômica desde o final do ano passado. O crescimento do PIB era previsto como "no mínimo" de 3,5% para este ano e para o ano que vem. A divulgação da Pesquisa sobre Produção Industrial do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do mês de fevereiro mostrou que a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) na comparação dos últimos 12 meses em relação aos 12 meses anteriores está se desacelerando em 21 dos 26 setores pesquisados. Ou seja, a taxa de crescimento do PIB em 2004 é bastante incerta, possivelmente será um "fenômeno estatístico" - devido à base de comparação com o fraco período anterior, não-sustentado e sem uma expansão substantiva da base produtiva. Não há recuperação da renda, não há confiança dos investidores e assim por diante. Enfim, não há nenhuma evidência definitiva de que estamos numa rota de recuperação da atividade econômica. Nas palavras de Lord Keynes não há sinais de que o animal spirit dos agentes econômicos esteja sendo despertado. Ao contrário.E por que os fatos não estão confirmando as previsões? De forma bastante singela eu diria que a principal motivação para tal é que a "Política" vai mal. Há uma incompatibilidade objetiva entre as necessidades do país e o projeto e a execução de uma política econômica que resulte em desenvolvimento para o país. As reformas econômicas estão paralisadas e as que foram executadas são insuficientes - é o caso da reforma da previdência social. O Congresso não consegue sequer votar Medidas Provisórias (MPs) devido às divergências da "base aliada". Depois do "Caso Waldomiro Diniz", as bancadas de deputados e senadores se sentem "credoras" de favores e cargos do Governo e discutem isso abertamente na imprensa. O Governo parece perdido em administrar os conflitos sociais, tais como as inquietantes invasões urbanas e rurais do Movimento dos Sem-Terra (MST). A "solidez" da política fiscal está sendo testada pelos aumentos substantivos a certas categorias do serviço público. Abriu-se em todo o setor público uma imensa lista de demandas. Com a popularidade em queda, a eficiência das "metáforas presidenciais" como instrumento de catalisação das expectativas tornou-se duvidosa e já se registra um Presidente mais nervoso com a "falta de sensibilidade política" de ministros e presidentes de estatais em relação às demandas de deputados e senadores.O Ministro Antonio Palocci parece mais à vontade abraçando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do que com os seus companheiros do Partido dos Trabalhadores (PT) explicando a sua política econômica. (Aliás, o Secretário-Geral do PT Sílvio Pereira fez, neste último fim de semana, uma declaração não somente de apoio, mas de "amor" à atual política econômica. Vejam: "Não adianta brigar. O modelo econômico é esse e não mudará. Para o bem ou para o mal, vamos com esse mesmo até o fim").Poderíamos seguir com muitos exemplos que mostram um governo sem projeto e, portanto, um país sem destino. Os economistas persistem com uma incapacidade infindável de fazer previsões. Todavia, as suas planilhas começam a mostrar resultados piores quando comparados com os de poucas semanas atrás. OK!, O cenário internacional também piorou - fato este que já comentamos neste espaço há duas semanas. Contudo, a "essência" das divergências entre as projeções anteriores e as atuais se deve à falta de uma observação mais nítida e dedicada sobre a natureza política do governo, dos agentes sociais e os seus efeitos sobre o andamento da economia. Talvez seja uma boa hora de se somar no processo de análise "economia" e "política", preocupando-se mais com o processo analítico do que com resultados de projeções "objetivas" para os indicadores econômicos. O momento do Brasil é mais delicado que parece. É mais político que econômico."_________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 13 de abril de 2004

Tratando os leões

Francisco Petros*   Tratando os Leões   Por estes dias a Dívida Consolidada do Setor Público (DCSP) deve superar o total de R$ 1,3 trilhão. Em termos relativos ao Produto Interno Bruto (PIB) este número significa cerca de 60% (descontando-se o total das reservas do total da DCSP) e 80% em termos brutos. A DCSP inclui a Dívida Pública Mobiliária Federal (DPMF) da ordem de R$ 743 bilhões ao final do mês de fevereiro que é representada pelo total dos títulos que são negociados no mercado financeiro. A DPMF é constituída de títulos indexados à taxa de juros básica (atualmente em 16,25% ao ano) e que representam cerca de 52% do total. Se a taxa de juros básica varia, a dívida varia na mesma proporção (descontando-se os impostos que incidem sobre os juros, tais como a CPMF e o Imposto de Renda). Os títulos indexados ao dólar representam cerca de 19% da DPMF, os títulos com taxas de juros prefixados 15% e os indexados à inflação (IGP-M e IPC) 14%. Portanto, 85% do total da DPMF flutuam em função da taxa de juros, e/ou da taxa de câmbio e/ou da taxa de inflação. Esta composição da DPMF já foi pior e melhorou desde meados do ano passado por razões endógenas (construídas pelo próprio mercado) por meio da queda da taxa cambial e da demanda por títulos públicos, bem como pela maior colocação de títulos prefixados uma vez que o mercado espera taxas de juros básicas mais baixas no futuro.Apesar da melhoria do perfil da dívida nos últimos meses, temos de reconhecer que a situação do endividamento público brasileiro é grave. O Brasil é o país mais endividado em termos relativos (dívida pública/ PIB) dentre os países emergentes e o mais vulnerável do ponto de vista externo. Neste contexto, cresce (dentro e fora do governo) a discussão sobre a redução do superávit primário fiscal (receitas menos despesas antes do pagamento dos juros) por meio da exclusão dos investimentos públicos de seu cálculo. Se o superávit primário for reduzido, haverá menos recursos para pagar os juros e mais para investimentos públicos e a relação dívida pública/PIB se tornará um indicador mais crítico aos olhos dos investidores domésticos e externos. Entretanto, mais investimentos públicos podem significar mais crescimento do PIB o que influencia positivamente a relação dívida/PIB por meio do aumento do denominador. Há ainda a possibilidade de que as taxas de juros caiam, mas a meta de inflação estabelecida pelo governo (muito apertada e tecnicamente mal construída) é uma barreira importante para que isto ocorra no curto prazo.O Fundo Monetário Internacional (FMI), a partir da semana passada, começou a jogar "água gelada" (via entrevistas e relatórios) nas pretensões do Governo brasileiro de efetuar mais investimentos públicos e descontá-los do cálculo do superávit primário. Como se sabe o FMI é um organismo multilateral (de direito), mas de facto é uma espécie de "auditor" do sistema financeiro. O argumento "técnico" do FMI para rejeitar a proposta brasileira é simples: investimentos públicos reduzem a capacidade de redução da dívida pública e são "duvidosos" do ponto de vista do crescimento do PIB, pois têm baixa produtividade. Não deixa de ser um forte argumento de vez que o setor público brasileiro é uma draga voraz de recursos e faz uma entrega sofrível de serviços e bens.As razões dos credores são legítimas (contra a redução do superávit primário), afinal de contas o Brasil é um país com risco alto (dívida elevada). Entretanto, está ficando cada vez mais difícil para o Governo explicar para os seus eleitores as razões pelas quais as promessas de campanha não estão sendo cumpridas. De outro lado, o governo se amarrou a um número de superávit primário (4,25% do PIB) que se transformou na "pedra angular" de sua política econômica. No ano passado, com a taxa de juros e de câmbio nas alturas um maior aperto fiscal se fez necessário para que a dívida não explodisse. Neste ano, os juros são menores (apesar de altos), mas o superávit primário permanece no mesmo nível. A relação dívida/PIB também está estável apesar do aumento do superávit primário. O Governo parece comprometido com uma "austeridade" que programaticamente inexistia no passado no Partido dos Trabalhadores (PT). Desta forma, se o governo mudar este indicador de superávit primário para baixo, o "mercado" vai identificar nesta medida maiores riscos para a solvência da dívida. Figurativamente, é como se o tratador dos leões de um circo aumentasse num certo momento a ração de carne das feras de 5 kg para 10 kg por dia. Se o dono do circo, por razões de economia, mandar reduzir a ração, o tratador vai ter de convencer os leões que eles vão ter de comer menos a partir de então. No meu entender, leões são mais conhecidos pela ferocidade e pelos estragos que suas mordidas fazem e não pela compreensão daquilo que ouvem.De qualquer forma, estamos num momento muito especial e perigoso: o Governo do Presidente Lula terá de fazer uma escolha clara em relação a sua política econômica. Se quiser manter o status das recomendações do FMI e, ao mesmo tempo, não reformar profundamente o Estado, terá de seguir a política "fiscalista" de Palocci. Se quiser aumentar os investimentos públicos terá de reduzir as despesas de custeio da máquina estatal (com reformas estruturais) ou reduzir o superávit primário e deixar menos recursos para pagar os juros. Há combinações possíveis nas alternativas acima, mas esta é a "Escolha de Sofia" do Presidente Lula. Em meio às dúvidas fiscais, ele corre o risco considerável de cumprir um mandato medíocre em termos de crescimento._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 6 de abril de 2004

Entre a esperança e o medo

Francisco Petros* Entre a esperança e o medo Estamos diante de um dos mais desafiadores momentos para os analistas do mercado financeiro internacional. Temos uma mistura intrigante de fundamentos econômicos e políticos que colocam uma perspectiva absolutamente incerta sobre o andamento do cenário no mercado internacional. Na última sexta-feira foram divulgados os números de emprego dos EUA. Foram criadas no mês de março 308 mil vagas de trabalho, segundo o Labor Board of Statistics (LBS). Trata-se do número mais alto desde o auge da "bolha de tecnologia" em abril de 2000. Os economistas previam um número entre 108 mil e 125 mil novas vagas de trabalho - eles sempre erram! Paradoxalmente, a taxa de desemprego subiu para 5,7% em março (5,6% em fevereiro). A taxa "natural" de desemprego na economia norte-americana, a plena capacidade, é estimada em 4,0%, o que significa que nos próximos dois anos, a criação de novas vagas deveria gravitar ao redor de 200 mil/mês. A média dos últimos três meses é de 171 mil novas vagas criadas. Entretanto, o número espetacular do mês de março teve influência fundamental no cálculo desta média. O tema do desemprego é o mais importante na disputa eleitoral entre democratas e republicanos neste ano. Bush aplicou uma receita arriscada para retomar a atividade econômica dos EUA depois do "estouro da bolha" em 2000. Reduziu a taxa de impostos (principalmente para as classes sociais mais abastadas), aumentou os gastos públicos (especialmente no setor bélico) e, em conjunção com o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, estimulou a depreciação do dólar frente às principais moedas internacionais para estimular as exportações. O Federal Reserve está praticando a taxa de juros básica mais baixa desde o final dos anos 40. Uma considerável recuperação econômica ocorreu no último ano (+3%) e deve prosseguir este ano (projeção de +4%). Contudo, não houve considerável melhoria do emprego, fator crucial para se verificar a sustentação do crescimento econômico. Cerca de 2/3 do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA é representado pelo consumo dos indivíduos. Emprego e salários são fundamentais, portanto. Ocorre que Bush também provocou um o maior desequilíbrio fiscal e externo da história econômica. O déficit fiscal é estimado em 5% em 2004 e o déficit externo em mais de US$ 530 bilhões (4,6% do PIB). Ambos estão sendo financiados com a passividade do Federal Reserve que se mostra "paciente" (palavra de Alan Greenspan e sua tropa) com estes desequilíbrios. Os democratas, liderados por John Kerry, pouco carismático apesar de suas condecorações de herói da guerra do Vietnã, têm insistido em mostrar a irresponsabilidade da estratégia econômica de Bush. O desemprego alto é o argumento mais forte utilizado no proselitismo da campanha. Se os últimos números de emprego se confirmarem ao longo dos próximos meses, os democratas terão de mudar a sua estratégia eleitoral. A situação do Iraque - um desastre geopolítico de proporções ferroviárias - é apenas o quarto item mais importante para o eleitor norte-americano, segundo as pesquisas de opinião. Também não devemos esquecer que Bush tem se utilizado de "políticas" (com "p" bem pequenino) em relação ao eleitorado negro e hispânico, normalmente apoiadores dos democratas. Para o Brasil, tudo isso é muito relevante. Se a economia dos EUA voltar a crescer de forma relevante, o custo das captações externas do país vai aumentar, pois as taxas de juros de mercado vão subir em função de expectativas crescentes de que o Fed saia da sua posição passiva e comece a aumentar a taxa de juros primária (atualmente em 1% ao ano). De outro lado, suspeita-se que, depois de um período tão longo de expansão monetária, os ativos (ações, títulos de renda fixa, imóveis, etc.) possam estar com valores "inchados". Uma nova "bolha"? Esta se tornou pergunta corriqueira para muitos economistas. Caso os ativos sofram desvalorizações substanciais, num período curto de tempo a "aversão ao risco" se eleva e este é aspecto crítico para um país tão vulnerável quanto o Brasil. Não devemos esquecer que temos uma dívida interna imensa (cerca de 80% do PIB em termos brutos e 58% descontando-se o valor das reservas) e um passivo externo (dívida externa mais investimentos estrangeiros) da ordem de US$ 300 bilhões. A "aversão ao risco" dificulta financiamento e a rolagem das dívidas, um cenário conhecido na última década. O cenário melhor para o Brasil neste momento é que possamos assistir a uma "acomodação sem grande turbulência" dos preços dos ativos e das taxas de juros dos títulos do Tesouro dos EUA. É um cenário possível, mas a sua probabilidade dependerá muito da evolução da campanha eleitoral nos EUA e das variáveis do próprio "mercado" (endógenas). Talvez seja o caso do Presidente Lula, figura que ganhou proeminência internacional, pedir ao Duda Mendonça que assessore o Senador Jonh Kerry, vendendo a idéia de que a "esperança tem de vencer o medo". Desta feita o slogan se globalizaria. Quem sabe, até poderíamos pagar os custos do Duda. Talvez sejam pequenos em comparação aos custos econômicos de eventuais turbulências na maior economia mundial._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 30 de março de 2004

Waldomiro, um agente da mudança

Francisco Petros* Waldomiro, um agente da mudança O escândalo de corrupção do assessor palaciano Waldomiro Diniz trouxe à tona uma discussão muito mais ampla sobre o governo do Presidente Lula do que inicialmente poderia ser imaginado. Como numa crônica de Nelson Rodrigues, extrapolou-se do ordinário para além da realidade aparente. Em "circunstâncias normais" não é razoável que um fato específico como este pudesse se amplificar a ponto de se tornar o amálgama de uma série de outros fatores que colocam o país numa situação, a meu ver, vulnerável do ponto de vista da estabilidade política, social e econômica. Ora, a investigação de um caso ou mesmo de uma rede de corrupção é um "caso de polícia" ou de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Para a Polícia Federal o caso já foi. No que se refere a CPI, houve uma grave agressão à Democracia. De qualquer forma, espera-se que a partir das investigações surjam as punições derivadas da Justiça. Todavia, nas últimas semanas, verificou-se que esta crise espalhou-se e colocou em evidência fatores que, uma vez combinados, podem gerar uma deterioração significativa na evolução da economia brasileira. Em primeiro lugar, ficou nítido que as alianças políticas no âmbito do Legislativo e da Federação (especialmente, num ano de eleições municipais) são mais um fator de instabilidade do que de estabilidade. O custo do "enterro" das CPIs no Congresso é alto de vez que abriu a oportunidade para que os partidos aliados ao Partido dos Trabalhadores (PT) pudessem ampliar as suas parcelas de poder na gestão do governo e do Estado. Esta "ampliação" tornou-se um jogo não-cooperativo de vez que adiciona mais paralisia à execução das políticas do governo. Cargos e posições políticas nos mais variados níveis do Estado são "negociados" de maneira pouco conseqüente do ponto de vista operacional. Trata-se "apenas" de cumprir acordos feitos anteriormente nas Casas Legislativas. Tudo para que o governo não fosse investigado. Até mesmo, a votação de uma emenda constitucional permitindo a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado está sendo "negociada". Mudar a Constituição neste item nos parece um exagero. Contudo, faça-se a "pequena política", útil ao momento, mesmo que às custas de uma Carta que deveria valer para gerações e não para legislaturas. A outra variável que surgiu na atual crise foi a contestação crescente da política econômica. A insatisfação social é crescente, como provam as últimas pesquisas de opinião. Fruto do alto desemprego e da falta de perspectivas de crescimento sustentado. Uma em cada cinco pessoas habilitadas ao trabalho está desempregada na região metropolitana de São Paulo. A taxa de desocupação do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística está ao redor de 12% e desde o final de 2002 está acima de 10%. Trata-se de uma tragédia social, especialmente por alcançar principalmente as pessoas com mais de 40 anos e os jovens que se formam no ensino médio e superior. Além disso, há o subemprego e a informalidade sem que exista uma rede de proteção social capaz de detê-los. O relatório anual do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, divulgado neste último fim de semana, chama a atenção para a questão e levanta inclusive a hipótese de que as economias latino-americanas possam passar por mais instabilidades políticas em função da falta de esperança surgida pelo alto desemprego. Além disso, há o risco de que a recuperação econômica do continente seja abortada por esta deterioração das expectativas internas no que se refere às políticas econômicas e sociais e pelo provável início do aperto monetário, a partir do final deste ano, no mercado internacional. Num quadro como este, a crise "Waldomiro Diniz", detonou críticas à manutenção do atual status da política do Governo e abriu a oportunidade para movimentos paredistas como os dos fiscais agrícolas e da Polícia Federal. Começam a surgir "alternativas" à atual política econômica. Algumas absolutamente consistentes. Outras apenas utilizadas para que se possa "barganhar" apoio político junto a um governo mais frágil. Aparentemente, não teremos soluções definitivas no curto prazo para a atual crise política. Talvez porque ainda não tenha sido percebido pelos agentes que não se trata de algo episódico. Trata-se de algo mais profundo, da exposição mais explícita de nossas mazelas políticas, sociais e econômicas. Waldomiro Diniz, sem dúvida nenhuma, é um personagem menor. Contudo, um personagem que surge num horizonte carregado de problemas. É difícil fazer um prognóstico sobre como as coisas evoluirão. O Governo jura que na economia tudo continuará como dantes, combinando o "receituário ortodoxo" que ironicamente "legitima" o Partido dos Trabalhadores perante o "mercado". Esta certamente não é uma concepção abstrata. Conhecemos os resultados obtidos nos últimos anos por esta "ortodoxia", baseada numa racionalização estranha de uma realidade trágica uma vez que o país não cresceu. As imensas dificuldades da economia brasileira deixam evidente que será difícil permanecer dentro do padrão da atual política. "A sua manutenção é vista como fator crucial para que não haja retrocesso", diz Presidente Lula. Resta saber o que Sua Excelência dirá quando a sociedade perceber que sob o atual status da política econômica não haverá progresso. Como dizia Keynes, "problemas excepcionais requerem políticas excepcionais". O atual momento do país exige muita ousadia somada a muita responsabilidade. Waldomiro não imaginava que pudesse fazer tanto..._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 23 de março de 2004

A Conspiração contra a Racionalidade

Francisco Petros* A Conspiração contra a Racionalidade "Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? - O que eu vejo é o beco" (Poema do Beco) Manuel Bandeira (1886-1968) Um dos mais importantes pilares da teoria econômica e de finanças reza que os agentes se guiem pela racionalidade. Por razões objetivas. Pela observação dos fatos e por uma interpretação cerebral destes. Ora, de fato, seria muito difícil construir teorias baseadas na irracionalidade. Paradoxalmente, a análise da realidade nos mostra que a irracionalidade é um dos elementos mais presentes no cotidiano do mercado. A "exuberância irracional" sobre a qual Alan Greenspan falou há alguns anos. Às vezes nos perguntamos: como é possível que se formem ilusões tão grandes no mercado, esta "entidade" cujo pressuposto essencial é a racionalidade? As linhas acima são apenas um preâmbulo para sugerir uma reflexão sobre a realidade brasileira atual. Refiro-me não apenas à política econômica do Governo do Partido dos Trabalhadores, mas também à Política, com "P" maiúsculo. Afinal de contas, a dissociação da Economia e da Política, especialmente no que se refere à macroeconomia contém certo conteúdo arbitrário. A sugestão de que um Ministro da Fazenda ou um Presidente de Banco Central deveriam se guiar apenas pela "técnica econômica" não passa de elemento retórico para não dizer satírico. O momento atual é rico para que se faça uma reflexão sobre a possibilidade concreta de nos tornarmos de facto uma Nação que segue o caminho seguro do desenvolvimento e da modernidade. Entretanto, a realidade exuberante dos fatos recheia-se de uma irracionalidade que impressiona. No artigo anterior, comentei a natureza do sistema de metas de inflação e as suas contradições metodológicas e factuais na execução da política monetária por parte do atual governo. Agora temos a "surpresa": o fato de que o Banco Central ter reduzido a taxa básica de juros em 0,25% ao ano o que contraria a sua própria lógica, a mesma que julgamos sem lógica. Basta ler as notas da reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) de janeiro e, principalmente, as de fevereiro e analisar se a redução de juros se justificava à luz da razão do Banco Central. Agora, em meio a uma crise política que põe à mostra da sociedade a alma do poder no Brasil, emergiu o debate sobre a consistência e a viabilidade da atual política econômica liderada pelo Ministro Antonio Palocci. De repente, começam a surgir vozes, surpreendentemente mais eloqüentes no campo oposicionista, de que não há nada de errado na condução da política econômica atual. Quiçá faltem apenas "correções", dizem os defensores da atual política econômica do governo.Este tipo de discussão resvala inclusive para a denúncia de que há quem deseje "o pior": uma "conspiração para que o governo fracasse". Todavia, o debate mais importante não se faz. Será que a seguinte combinação de políticas e fatores econômicos levará o país ao crescimento sustentável? (1) Metas de Inflação ao redor de 5,5%, incluindo as variações das tarifas públicas indexadas e juros reais ao redor de 10% ao ano; (2) Superávit fiscal primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) que inviabiliza investimentos públicos em infra-estrutura; (3) Arrecadação tributária de cerca de 38% do PIB e que sufoca o consumo e o investimento doméstico; (4) endividamento público consolidado de 80% do PIB e 58% líquido (descontando-se as reservas); (5) passivo externo líquido (dívida + investimento externo) ao redor de US$ 300 bilhões (mais de 50% do PIB) e (6) reformas econômicas e do Estado, baseadas naquilo que é "politicamente possível" e não na discussão verdadeira das necessidades do país. Nem tratarei do fato de que estamos em meio a um ambiente externo amplamente favorável. Talvez em meio a uma "bolha", conforme já se debate abertamente na imprensa internacional. O mercado financeiro e de capital, local e internacional, parece acreditar que a "ortodoxia" do Governo do Presidente Lula da Silva será capaz de tornar a combinação de fatores acima exposta numa equação matemática que justifica os valuations do mercado acionário, a taxa de risco dos títulos externos, a taxa de câmbio atual e assim por diante. Há ainda outro argumento bastante sugerido nas rodas de economistas e analistas. Trata-se das tais "reformas microeconômicas". Afinal de contas, a "macroeconomia" vai bem para não dizer "perfeita", segundo a voz do consenso. Tais reformas microeconômicas dizem respeito ao barateamento do crédito, a regulação do setor elétrico, a maior liberação dos fluxos de capitais, etc. A "ortodoxia" macroeconômica gera "confiança". Um pouco mais de políticas microeconômicas e o sucesso vem por acréscimo... Ora, vejam... A Europa devastada pela II Guerra, a China pós-reformas econômicas iniciadas em meados dos 70, a Coréia e a Índia não adotaram este tipo de "macroeconomia". Ao contrário, estas nações fizeram enormes intervenções do Estado, via déficits fiscais controlados, desvalorizaram o câmbio frente ao dólar, adotaram vigorosas "políticas industriais", etc. Os resultados demonstram que, a despeito das diferentes fases de desenvolvimento destes países, houve expressiva diferença de crescimento do PIB em comparação ao que ocorreu nos últimos anos na economia brasileira. Cuidaram da macroeconomia dentro de um receituário que hoje é chamado de "heterodoxo". (Obviamente, quando digo "heterodoxo" não me refiro a receituários irresponsáveis de políticas econômicas). Será que alguém vai lembrar a "ortodoxia" Argentina dos anos 90 e início desta década? Sob a aura da política preconizada pelo FMI o país foi à bancarrota. À lona. Junto com a "macroeconomia responsável" recomendada pelo "mercado". (Lembro-me, no início dos 90, de uma capa de uma importante revista norte-americana com a foto de Domingo Cavallo, o "ortodoxo" Ministro da Economia da Argentina. O título: "The Big One"). Será que alguém lembra da Rússia? A sua "macroeconomia de mercado" levou-a ao calote, a reestruturação da dívida, ao caos microeconômico de sua já devastada indústria. Ficou mais cambaleante que o então Presidente Boris Ieltsin. No Brasil deveria haver pelo menos a "dúvida" de que há algo de errado na nossa macroeconomia. Ao invés do discurso fácil que versa sobre "conspirações" urdidas contra o Ministro da Fazenda e sua política econômica, a sociedade deveria se debruçar sobre alternativas inteligentes de macro e micro economia. O atual "pacto de poder" do governo que pode suportar a "governabilidade" do país e a sustentação da atual política econômica apenas sugere que se trata de um arranjo momentâneo de uma maioria política que pode estar a corromper o futuro do país. Espero que a sociedade brasileira não descubra tardiamente e de forma trágica (no sentido mais weberiano da palavra) que a Política e a Economia caminham tão juntas. Mais ainda: que a racionalidade teórica da ciência econômica e das finanças pode ser algo diferente do que ocorre na prática._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 16 de março de 2004

Temos de debater a meta de inflação!

Francisco Petros* Temos de debater a meta de inflação! Uma pergunta, mas não há como não fazê-la no contexto do debate atual (ou "não-debate") sobre a política de juros do Banco Central (BC) à luz do estabelecimento das metas de inflação: alguém responsável, à "esquerda" ou à "direita", deseja a volta da inflação? Entretanto, foi nestes termos que o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva respondeu à platéia dos que ousam debater as metas de inflação atuais. Disse o mandatário: "quando a meta de inflação é de 5,5% para este ano vem alguém questionar se não pode ser 6%. Quem quer que seja 6% vai querer deixar chegar a 7%, 8%, 9%". Concluo que o Presidente acredita que sempre haverá alguém com um incontido desejo de que a inflação seja crescente. Assim sendo, a meta fica como está! Ao invés de justificar de forma racional a meta de inflação de 5,5% em 2004, o Presidente apenas criou a "parábola da multiplicação das metas de inflação". (Ainda bem que não é o milagre!). Ao se mostrar um "ortodoxo" na matéria econômica, o presidente se desvia do real debate: o custo do capital e do Tesouro. De outro lado, se alguém debate a meta de inflação, torna-se um inflamado defensor da inflação. Pode?!Não sou defensor da inflação, não rezo pela cartilha da irresponsabilidade monetária. Todavia, acredito que tenho (todos!) o direito de colocar alguns aspectos relativos a este debate: A taxa básica de juros, atualmente em 16,5% ao ano, é o mais importante instrumento disponível pelo BC para "formar as expectativas dos agentes econômicos" em relação à política monetária futura. Ao manusear a taxa de curto prazo (conhecida como taxa Selic), o BC busca influenciar o que se chama de "estrutura a termo da taxa de juros", a chamada "curva dos juros" (curto médio e longo prazo). Note que o BC "busca influenciar", pois quem forma a "estrutura a termo da taxa de juros" é o "mercado". Aqueles que compram e vendem títulos públicos de diferentes prazos e privados (cujos prêmios de risco dependem da qualidade do emissor acrescidos da taxa básica de juros). Se uma meta de inflação é estabelecida de forma "errada", logo o BC vai "persegui-la", via taxa de juros de curto prazo (Selic), de forma mais custosa para todo o sistema econômico. E vice-versa. Mas, como é estabelecida a "meta de inflação"? Através da previsão de um determinado índice de preços ou de um conjunto destes que se torna(m) a meta de inflação. A partir do estabelecimento desta meta, o BC manuseia a taxa nominal de juros (Selic) para que a inflação "permaneça dentro da meta". No Brasil, o índice de inflação adotado para o estabelecimento da meta de inflação é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor - Amplo) coletado nas principais capitais dos estados e baseado numa cesta de produtos que incluem desde alimentos até serviços públicos (água, energia elétrica, etc.). Ocorre que a variação de um índice de preços nem sempre significa alta da inflação. Um exemplo simples: se há chuvas em excesso numa região, os preços dos alimentos podem subir, mas isso não significa que subirão necessariamente de forma constante. Outro exemplo: se as cotações do mercado internacional de petróleo sobem, os preços dos combustíveis são majorados. No primeiro caso, o aumento da taxa de juros não contribuirá para "controlar as chuvas" que afetam a oferta de alimentos. No segundo caso, um aumento da taxa de juros no mercado local, não influenciará a cotação do petróleo que é uma commodity. É natural que, mesmo diante de "choques de oferta" ou variações de preços de commodities, a autoridade monetária esteja atenta para que estes aumentos não "se espalhem" por toda a economia. Ou seja, o BC deve ser conservador. Contudo, quando se analisa um conjunto enorme de variações de preços, é preciso muita acuidade, senão o BC seguirá sempre sendo "conservador" e a taxa de juros adquire um "viés altista". Afinal de contas, como saber se há alta de preços (variação de índices de preços) ou alta constante de preços (inflação de facto)? Esta é uma das razões pela qual o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA não estabelece uma "meta de inflação", pois o Fed julga ser quase impossível fazer "uma leitura" correta sobre a evolução dos índices de preços. Contudo, é um acreditado guardião contra a inflação. Como agem os BCs com credibilidade? A exemplo do que ocorre na prática, usam uma combinação de "arte" e "técnica" e olham a economia como um todo. Pesquisam com profundidade as variações de preços e usam técnicas para projetar a inflação futura. Não desprezam os aspectos técnicos, mas também não os engrandecem. Analisam a realidade da atividade econômica, dos fluxos de capital, do mercado de trabalho e assim por diante. Assim como no caso da técnica, a realidade aparente também merece desconfiança dos responsáveis pela gestão da política monetária. Projetam, mas analisam possíveis erros. Agora vejamos o caso atual do Brasil. Os índices de inflação neste início de ano subiram em função de choques de oferta nos alimentos, altas anuais das mensalidades escolares (índices de preços ao e, no caso dos índices de atacado, em função de altas das cotações das commodities, como aço, produtos petroquímicos, metais especiais, etc. A atividade econômica persiste fraca, mesmo que crescente. Vem de um ano de recessão. O desemprego bate recorde. Os empresários se sentem inseguros. Houve alta de impostos. A partir de janeiro, o BC parou de reduzir a taxa básica de juros e começou a emitir "atas do COPOM (Comitê de Política Monetária)" sinalizando que "talvez" a inflação suba além da meta de 5,5%. Uma meta sobre a qual pesam dúvidas de natureza técnica. Será que as recentes altas de preços se tornarão altas constantes de preços (inflação)? Há demanda para isto? Com a sua atitude "ortodoxa", o BC instalou na sociedade e, em particular, nos agentes econômicos a desconfiança. Surgem as perguntas. Há algo errado em termos de inflação? Será que será possível crescer? Deterioram-se as expectativas. Mais um detalhe: quem estabeleceu a meta de inflação? O próprio governo, através do Conselho Monetário Nacional (CMN)! Sem a supervisão de nenhum órgão ou poder "independente". Apenas com base na sabedoria dos próprios policy makers. É como se um magistrado fosse ao mesmo tempo legislador e julgador de causas baseadas naquela lei que o próprio juiz criou. De um modo simplista, há "dois custos" numa economia nacional: (a) o custo da mão-de-obra (salários) e (b) os outros custos de produção. Os salários são estabelecidos pelo mercado de trabalho. Os outros custos são determinados pelo "custo de capital" que nada mais é do que o "custo de oportunidade" de consumir e/ou investir comparado à renda obtida pelas aplicações financeiras. Com efeito: quando uma sociedade aceita passivamente que um governo estabeleça uma meta de inflação sem discuti-la, está aceitando um determinado "custo de capital". É razoável que isto não seja discutido e debatido? É razoável que se deixe um tema tão caro à sociedade somente sob a "batuta" de um BC? É razoável que se onere o orçamento com pagamento de juros sem que se fiscalize a formação de seus custos? Política monetária é um tema muito complexo. Reconheçamos. O estabelecimento de metas de inflação necessita de muita reflexão, técnica e talento. Entretanto, não existe "suprema sabedoria" da parte de ninguém para dizer qual é a meta de inflação correta e como conduzir a política monetária à luz desta. Contudo, a melhor maneira de evitar erros grosseiros é debater, entender e fiscalizar a autoridade monetária. A diretoria do Banco Central não está acima da sociedade. Suas políticas merecem debate. Como qualquer outra entidade de natureza pública. Debater não quer dizer que se deseja inflacionar o país. O que se deseja é transparência!_________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 9 de março de 2004

Um país com destino certo

Francisco Petros* Um país com destino certo "Não há dúvida alguma que o Brasil é um país muito rico. Nós que nele vivemos; não nos apercebemos bem disso, e até, ao contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de verba". (Marginália, 8-5-1920 - Lima Barreto). Uma das coisas mais fascinantes no Brasil é a capacidade do povo acreditar que vivemos num país que vai dar certo. Inexoravelmente este é o nosso destino. Esta talvez seja uma característica que se fundamenta na antiga dúvida se somos de facto uma Nação. Afinal de contas, a construção de uma Nação não é algo que possa ser dissociado da construção da própria cidadania, onde prevalece o senso de Justiça e o direito e o dever para com a Liberdade e o sentido do significado de Progresso. Aqui não importa a discussão sociológica ou política do que seja uma Nação, mas apenas a dúvida se Ela existe sem que haja cidadania onde a percepção da realidade é mais nítida, clara e transparente para a sociedade. Parece inegável de que existe este senso comum de estamos destinados ao sucesso. Se alguém levanta a menor suspeita de que talvez não consigamos "dar certo" é imediatamente considerado "pessimista", "anti-patriota", "desesperançado" e quem quiser debater o tema, em geral, é desqualificado. Veja o caso da política econômica atual. Suas premissas são de que o Brasil precisa de rígido controle fiscal com o objetivo de equilibrar a relação dívida pública/PIB, metas de inflação cumpridas à risca pelo Banco Central, liberdade para o fluxo de capitais externos, ou seja, o conhecido receituário proposto e fiscalizado por esta "entidade" denominada "mercado". Tais premissas parecem até razoáveis, na medida em que compõem aquilo que se consolidou na teoria e na prática como um padrão adequado para a condução da política econômica de um país. Porém, o que ocorre no Brasil é que este receituário é praticado sem que haja "espírito crítico" capaz de qualificar o significado de cada item deste receituário. E pouco se sabe o que alcançaremos com estas políticas.Vejamos alguns exemplos. No caso da política fiscal, o governo anterior e o atual construíram uma máquina arrecadadora que consome cerca de 38% do PIB e cujo resultado foi o de apenas estabilizar o nível de endividamento consolidado do setor público. No período de 2002/2003, apesar de toda contenção das despesas públicas, da queda do dólar (indexador de cerca de 20% da dívida mobiliária) e do aumento da arrecadação em mais de 15%, o endividamento público permaneceu estável em 52% do PIB. Enquanto isso, a infra-estrutura persiste num processo de deterioração, os investimentos em saneamento, saúde e educação são insuficientes para superar a histórica situação crônica em que vivem e o crédito público não contribui para a criação de novos negócios (e empregos). Basicamente, toda a melhoria dos resultados fiscais foi destinada ao serviço das dívidas interna e externa. Os juros são elevadíssimos e são justificados por uma política de "metas de inflação" sobre a qual sobram suspeitas. A meta estabelecida pelo próprio governo - sem revisão do Legislativo - é apertada, os índices de inflação são muito influenciados por variações sazonais de preços e pelas variações da taxa de câmbio. Assim, a formação da taxa de juros básica tem claro viés altista o que cria uma enorme transferência de renda entre o setor financeiro (os poupadores) e o setor real (os produtores). É impressionante que mesmo com severas dúvidas sobre o funcionamento do sistema de metas de inflação, uma imensa maioria de analistas, investidores, economistas e "formadores de opinião" elogiam a "credibilidade" do Banco Central. Alan Greenspan, o poderoso Chairman do Banco Central dos EUA, no seu depoimento junto ao Congresso dos EUA no último dia 25 de fevereiro, disse textualmente que o estabelecimento de uma meta específica de inflação não melhora as condições do Fed em cumprir os seus objetivos. No Brasil o sistema de metas de inflação é quase um dogma.A conquista recente da "estabilidade" da política econômica no Brasil é efêmera. Os fracos fundamentos da economia do Brasil estão obscurecidos pela maior expansão de liquidez do pós-guerra, fruto de taxas de juros negativas nos EUA e muito baixas nas principais economias mundiais. As reformas votadas no Congresso no ano passado são medíocres e incapazes de modificar a trajetória sofrível da taxa de investimento que perpetua a estagnação que vigora há mais de vinte anos. A reforma da previdência social não significou mais que 0,2% do PIB de economia para os cofres públicos. A reforma tributária sequer ocorreu. Foi um arremedo, uma luta federalista pala divisão do bolo da arrecadação. Muito provavelmente teremos mais um ano de alta da arrecadação.Mas não faltam otimistas a pregar em favor do "reformismo" do Presidente Lula. Através dele adentraremos numa nova era de crescimento sustentado. Mesmo com pobres argumentos, os tais analistas e "formadores de opinião" são capazes de convencer a sociedade de que "estamos no caminho certo". O Ministro Antônio Palocci tornou-se o símbolo deste tempo de estabilidade (sic). É considerado um animal político incapaz de adicionar risco. Um homem previsível, sereno e conciliador. Um ícone deste tempo.De minha parte, não consigo me lembrar de um país que tenha sido capaz de se transformar para melhor sem arrojo, sem homens que tenham assumido riscos e contrariado o senso comum. Talvez o Brasil seja a exceção da história e o seu destino realmente esteja traçado. Será de glória. Percorrerá um caminho virtuoso onde tudo de bom ocorrerá. Os bons efeitos virão, sem causa aparente. Tal qual uma benção divina. Um milagre. Talvez esta seja a razão para que não seja necessário o debate sobre aquilo que, em princípio, seria importante para o país. Podemos vibrar, pois já vivemos o fim da História. _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______