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Migalhas Notariais e Registrais

Questões práticas e teóricas envolvendo o Direito Notarial e de Registro.

Izaías G. Ferro Júnior, Carlos Eduardo Elias de Oliveira, Hercules Alexandre da Costa Benício, Flauzilino Araújo dos Santos, Ivan Jacopetti do Lago e Sérgio Jacomino
Com a Declaração de Inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, no julgamento dos Recursos Extraordinários 878.694/MG e 646.721/RS, o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, fixou a seguinte tese: "É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002". É inconstitucional, portanto, qualquer tipo de distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos (casamento e união estável) o regime do artigo 1.829 do Código Civil, que assim preconiza: "Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:                   I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais." Como consequência, no citado artigo 1.829, onde se lê "cônjuge", dever-se-á, na verdade, ler e compreender "cônjuge ou companheiro". Essa foi a leitura feita pelo Supremo Tribunal Federal do citado dispositivo legal à luz da Constituição Federal, equiparando-se o companheiro ao cônjuge na ordem de vocação hereditária. Superada essa questão, resta ainda saber: O companheiro é ou não herdeiro necessário? Poderá ser excluído da sucessão legítima através de testamento? As respostas a tais questionamentos são de crucial importância ao Direito, especialmente aos ramos do Direito de Família e Sucessões e do Direito Notarial e Registral, tendo inúmeras consequências jurídicas. Os herdeiros necessários são aqueles arrolados no artigo 1.845 do Código Civil. São eles:  - os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Pertence a essa classe especial de herdeiros, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima (CC, art. 1.846), a qual não poderá ser objeto de disposição em testamento. Tampouco poderão ser afastados da sucessão legítima, por testamento, referidos herdeiros necessários, salvo nos casos de deserdação previstos na lei civil. Acontece que, em tais julgamentos, o Pretório Excelso não enfrentou a questão de ser ou não o companheiro herdeiro necessário, não se manifestando com relação ao rol previsto no artigo 1.845 do Código Civil. Entretanto, ao se interpretar referido artigo em consonância com a Constituição da República e com os Princípios Constitucionais norteadores do Direito de Família contemporâneo, intimamente ligados ao caso em apreço, outro não pode ser o entendimento: o companheiro deve ser reconhecido como herdeiro necessário. Com relação ao tema, assevera Flávio Tartuce (2018, p. 1688): "Findo o julgamento pelo STF, para esta edição 2018 da obra, traremos as observações que podem ser feitas sobre o acórdão, sem prejuízo de aspectos que restaram em aberto, pois não enfrentados pelo decisum. O primeiro deles, reafirme-se, diz respeito à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no art. 1.845 do Código Civil, outra tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões e que tem numerosas consequências. O julgamento nada expressa a respeito da dúvida. Todavia, lendo os votos prevalecentes, especialmente o do relator, a conclusão parece ser positiva, sendo essa a posição deste autor, conforme destacado em outros trechos deste livro." Nesse mesmo sentido são as lições de Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2020, p. 1858), ao comentarem o artigo 1.845 do Código Civil: "Nesse ponto surge outra questão da mais alta relevância: o companheiro também figura no rol dos herdeiros necessários? [...] A respeito do tema, Paulo Lôbo destaca que são equiparados os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente e do companheiro, inclusive quanto à ordem de vocação hereditária e à qualificação como herdeiro necessário. Lembra que entre todas as entidades familiares existentes, a que mais se aproxima da união estável é a união conjugal, pois ambas são compostas de casais com ou sem filhos, em convivência pública e duradoura, com objetivo de constituição de família, distinguindo-se apenas pela existência ou não do ato jurídico do casamento. Assim, 'são iguais os direitos dos cônjuges e companheiros relativamente à ordem de vocação hereditária (art. 1.829, III), ao direito real de habitação (art. 1.831), à sucessão concorrente com os descendentes e quota mínima (art. 1.832), à sucessão concorrente com os ascendentes (art. 1.837), à qualificação como herdeiro necessário (art. 1.845)' (LÔBO, Paulo. Direito Civil. Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 168). É também a nossa posição e, cremos mais, essa será a postura interpretativa que se imporá, acreditamos, na doutrina e na jurisprudência brasileira, na linha da evolução histórica-normativa que temos assinalado." (Grifo nosso) Importantes, também, as lições do professor Christiano Cassettari (2021, p. 789): "Se no sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, isso significa que o companheiro passou a ser herdeiro necessário, desde então. Logo, todos os testamentos que forem abertos após a publicação desse julgamento, se excluírem o companheiro, deverão ser objeto de redução, conforme o art. 1.967 do Código Civil." Dessa forma, em que pese entendimento em sentido contrário, levando-se em consideração o que vem sendo decidido hodiernamente pela Suprema Corte Brasileira, no sentido de igualar a união estável ao casamento para fins de proteção do Estado e de efetiva proteção da família, bem como os princípios norteadores do Direito de Família contemporâneo, especialmente os Princípios Constitucionais da Igualdade, da Liberdade, da Especial Proteção à Família e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, deve o companheiro ser reconhecido como herdeiro necessário, não podendo, portanto, ser afastado da sucessão legítima, por meio de testamento, concorrendo ou não com filhos do companheiro falecido.  Referências BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 Disponível aqui. Acesso em: 08 fev 2023. STF. RE 646.721/RS Disponível aqui. Acesso em: 08 fev 2023. STF. RE 878.694/MG. Disponível aqui. Acesso em: 08 fev 2023. CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. 9º ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Braga. Código Civil Comentado artigo por artigo. Salvador-BA: Editora Juspodivm, 2020. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil Volume único. 8ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Forense, 2018.
A Corregedoria Nacional de Justiça acha-se debruçada sobre o desafio de regulamentar a lei 14.382/2022. Ainda recentemente, o Sr. Corregedor Nacional de Justiça, Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, baixou o Provimento CN-CNJ 139/2023, de 1º de fevereiro, que instituiu as regras basais do SERP - Sistema Eletrônico de Registros Públicos1. Entre os assuntos que certamente entrarão no radar do órgão, acha-se a utilização das assinaturas eletrônicas no processo registral imobiliário. Tema de capital importância para os cartórios brasileiros, as assinaturas eletrônicas são instrumentos e ferramentas que vão aptificar os agentes a interagir na infovia de interoperabilidade do SERP e dos Operadores Nacionais das várias especialidades. Lembremo-nos de que o tema não interessa tão somente na perspectiva do funcionamento do SERP, mas abrange, naturalmente, a gestão documental a cargo dos próprios cartórios. Documentos, livros, registros, inscrições etc., acolhidos, produzidos e mantidos na própria serventia, devem submeter-se a rígida codificação e enquadrarem-se em tabelas de temporalidade2. MP 1.162/2023 - a reforma da reforma Mal terminava de alinhavar estas notas ligeiras, tendo depositado o texto na redação do Migalhas Notariais e Registrais, eis que nos chega a notícia do advento da MP 1.162, de 14/2/2023. Aparentemente, o Executivo busca corrigir alguns problemas e defeitos revelados por outros juristas - e por mim mesmo, em artigos anteriores3 - relativamente à reforma da LRP. Estas mudanças sucessivas ocorrem basicamente em virtude de enxertos artificiais de disposições alheias à nossa tradição registral. Como disse alhures, são como flores de plástico postas sobre um jardim tropical... Peças recolhidas de experiências alienígenas e que, de certa maneira, instabilizam o sistema de Registro Imobiliário e se chocam com a ratio do Direito Civil pátrio. Antes de prosseguir com as considerações originais, vamos abrir um pequeno parêntese para nos determos ligeiramente nas novidades consubstanciada no inc. IV, inserido no art. 6º da lei 14.382/2022, art. 17-A na lei 14.063/2020 e a alteração do inc. II do art. 221 da LRP, todos embalados pela dita medida provisória. São elas, in verbis: Art. 6º Os oficiais dos registros públicos, quando cabível, receberão dos interessados, por meio do Serp, os extratos eletrônicos para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos, nos termos do inciso VIII do caput do art. 7º desta lei. § 1º Na hipótese de que trata o caput deste artigo: [...] IV - os extratos eletrônicos relativos a bens imóveis produzidos pelas instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública poderão ser apresentados ao registro eletrônico de imóveis e as referidas instituições financeiras arquivarão o instrumento contratual em pasta própria. Art. 17-A.  As instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública e os partícipes dos contratos correspondentes poderão fazer uso das assinaturas eletrônicas nas modalidades avançada e qualificada de que trata esta Lei. ... Art. 221 - Somente são admitidos registro: [...] II - escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes, dispensados as testemunhas e o reconhecimento de firmas, quando se tratar de atos praticados por instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário, autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública; (Redação dada pela Medida Provisória 1.162, de 2023) À parte a redação rebarbativa do inciso IV do art. 6º, acima transcrito, vê-se que a pequena reforma da reforma previu uma faculdade que se concede às instituições financeiras permitindo que elas utilizem o sistema de meros extratos na consumação do registro. As novas disposições não alteraram substancialmente a situação anterior - exceto que a via notarial foi parcialmente obliterada, substituindo-se a "pasta própria" do tabelionato pela congênere das ditas instituições financeiras. A questão central, já enfrentada em artigo anterior4, a rigor remanesce como pedra de tropeço (ou de opróbrio) da reforma. Examinando atentamente o texto da lei, haveremos de conceder que ou bem o título inscritível será o extrato, subvertendo-se completamente o sistema registral, ou ele sempre reclama a contraparte (o próprio "instrumento contratual", como grafado na lei). Vejamos em detalhe. Reza o caput do art. 6º que os oficiais, quando cabível, receberão extratos eletrônicos "para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos". Nota bene: inscrição de fatos, atos e negócios jurídicos - claras hipóteses de títulos materiais cujo rol se acha nos incisos I e II do art. 167 da LRP, instrumentalizados pelos títulos indicados no art. 221 da LRP. Seguindo o sinuoso percurso da norma, lemos no inciso I do § 1º do art. 6º que o Oficial "qualificará o título pelos elementos, pelas cláusulas e pelas condições constantes do extrato eletrônico". Em seguida lê-se, no § 2º do mesmo artigo, que nos casos de extratos, proceder-se-á à "subsunção do objeto e das partes aos dados constantes do título apresentado", a sugerir que o título deva ser apresentado. Por fim, o Oficial qualificará o título em seus aspectos formais e materiais (não o extrato, que contém apenas certos dados estruturados veiculados por meios eletrônicos e processados no hub pseudo registral)"5. Não queiramos ser mais realistas do que o rei. Parece certo que o "extrato" tenderá a absorver o título, na exata medida em que as entidades registradoras progressivamente vão assimilando o próprio Registro de Imóveis. Está em causa uma profunda mudança de paradigmas do sistema registral pátrio. Advirta-se, pois, de que já não estaremos diante de um título em sentido próprio, mas de outra coisa, bem diferente, longe mesmo, até, de um conjecturável negócio jurídico abstrato, que atrairia a qualificação registral sobre aspectos relativos à existência, validade e eficácia de um negócio jurídico que não é um negócio jurídico, de um  instrumento que não é instrumento, de um título que não é um título6. Nasceu entre nós, com o advento da MP 1.085/2021, o registro por mera indicação, artefato algoritimizável, que não reclama maiores zelos e responsabilidades do que a vigilância da infovia e de seus aparatos tecnológicos. Por outro lado, o art. 17-A, igualmente enxertado na lei 14.063/2020, leva a três ordens de considerações: (a) se o instrumento remanescer arquivado nas "pastas próprias" das instituições financeiras (inc. IV do art. 6º da lei 14.382/2022), tollitur quaestio. Nada há de novo no front, já que o instrumento jamais chegará ao Registro de Imóveis. Nesse caso, tanto faz que a banca adote a modalidade avançada ou qualificada de assinatura eletrônica (aparentemente já não poderá utilizar as assinaturas simples). No caso em que (b) o contrato seja enviado ao Cartório, a assinatura avançada poderá de fato ser adotada, mas isto é um plus em relação às regras anteriores (inc. II do artigo 221 da LRP, alterado). No ingresso de títulos em papel ou mesmo eletrônico (pela plataforma do ONR), não se exigia o reconhecimento de firmas dos contratantes e testemunhas... Agora, ao menos, a instituições financeiras (ou empresas privadas contratadas para tal mister) atrairão para si a responsabilidade autenticatória das firmas dos contratantes, deslocando inteiramente o eixo das responsabilidades civis, penais e administrativas do registrador para os entes financeiros. Por fim, (c) a disposição legal não alcança o extrato, já que ele não representa "instrumentos particulares com caráter de escritura pública", nem é assinado pelos "partícipes dos contratos" (dicção do art. 17-A da Lei de Assinaturas Eletrônicas). Por fim, para não deixar passar a oportunidade, note-se que a manutenção inalterada do inc. III do art. 6º da lei 14.382/2022 abre a janela para que todo e qualquer instrumento particular, portado e "autenticado" pelo próprio interessado (art. 6º da lei 14.382/2022), possa aceder ao registro por meio de extratos apresentados por tabelião de notas, "hipótese em que este arquivará o instrumento contratual em pasta própria" (inc. III do dito art. 6º). A barafunda legislativa se complexifica a cada emenda da emenda. Espera-se que a Corregedoria Nacional de Justiça possa colocar o assunto em bom rumo sistemático, nos termos do inc. VIII do art. 7º da lei 14.382/2022. Voltando à vaca fria... Como decíamos ayer, compartilho com a comunidade de estudiosos de direito registral as ligeiras reflexões que vão logo baixo, buscando contribuir com os debates e discussões que se seguirão até a regulamentação de toda a infraestrutura do SERP pela Corregedoria Nacional de Justiça7. Para maior conforto, resolvi segmentar esta série em três capítulos. Com isso, mantenho o padrão enxuto da Coluna Migalhas Notariais e Registrais, e não canso em demasia os nossos leitores. Boa leitura! Assinaturas eletrônicas - dispersão sistemática na regulação   De partida, é preciso destacar a falta de rigor sistemático no tratamento da matéria nas várias leis que se sucederam ao longo do tempo. Desde o advento da MP 2.200-2, de 2001, até a recente reforma da LRP, muitas leis e regulamentos advieram, tornando pedregosa a tarefa de discernir o que deva prevalecer como referência a orientar os operadores e órgãos reguladores em relação às assinaturas eletrônicas. Pergunta-se: afinal, para a transmissão ou oneração de bens imóveis será obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada ou será admitida a avançada?8 Comecemos por assinalar que as leis de regência, para o caso do Registro de Imóveis, são: a MP 2.200-2/2001 (§ 1º do art. 10) e a lei 14.063/2020 (inc. IV, § 2º, do art. 5º). Entretanto, recentemente se vem insinuando no ordenamento legal a admissibilidade de utilização de assinaturas avançadas para alguns casos específicos. Os exemplos são os seguintes: a) Registro Mercantil. Registro de atos perante as juntas comerciais - letra "c", § 1º, do art. 5º c.c. inc. IV do mesmo artigo da Lei 14.063/2020; b) Cédulas escriturais de Produto Rural. Inciso II, §4º, do art. 3º da lei 8.929/1994, na redação dada pela Lei 14.421/2022; c) LRP - art. 17 e parágrafos c.c. art. 38 da Lei 11.977/2009, alterados pela lei 14.382/2022. Questiona-se: os dispositivos legais supra, que sancionam sua utilização, devem ser consideradas hipóteses excepcionais em relação às regras gerais? No caso do Registro de Imóveis, especialmente, as assinaturas avançadas poderão ser utilizadas tout court? Registro de atos perante as juntas comerciais A lei 14.063/2020 criou uma exceção à exigência da assinatura eletrônica qualificada. Vejamos o quadro legal: Art. 5º [..].  § 1º [...] II - a assinatura eletrônica avançada poderá ser admitida, inclusive: [...] c) no registro de atos perante as juntas comerciais; § 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada: IV - nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea "c" do inciso II do § 1º deste artigo; Para compreendermos perfeitamente o quadro delineado, é preciso coordenar estes dispositivos com a legislação atinente ao registro do comércio. Assim, tanto a Lei 8.934/1994 (art. 85), quanto a lei 6.404/1976 (§ 2º do art. 98 e art. 224), o decreto 1.800/1996 e a IN-DIRE 81/2020, todos eles preveem que a certidão dos atos constitutivos e de suas alterações constitui título inscritível no Registro de Imóveis. A autenticação dos atos praticados perante as juntas comerciais, bem como as certidões expedidas pelo órgão, ambas admitem a utilização da assinatura eletrônica avançada. As certidões podem ser assinadas com certificados digitais da ICP-Brasil, mas poderão sê-lo, igualmente, por "qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, nos termos do § 2º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, e da lei 14.063, de 23 de setembro de 2020" (art. 104 da IN-DIRE 81/20209). Entretanto, as certidões, depois de expedidas em forma digital, serão disponibilizadas "nos respectivos sítios na internet em formato PDF" (art. 104, cit.). Nestes casos, será sempre possível conferir a autenticidade da certidão no site da própria junta comercial, a exemplo do que ocorre rotineiramente com a reprodução de peças processuais dos tribunais brasileiros. No caso de autos digitais, deve-se prover "elementos que permitam verificar a sua autenticidade em endereço eletrônico para esse fim, disponibilizado nos sítios do Conselho Nacional de Justiça e de cada um dos Tribunais usuários do Sistema Processo Judicial Eletrônico - Pje"10. Este aspecto de autenticação não passou desapercebido pela juíza titular da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo na sentença prolatada no Processo 1112167-65.2022.8.26.0100, de onde se colhe: "Outrossim, a autenticidade da certidão apresentada, [...] pode ser confirmada no portal mediante o código de autenticação (omissis) anotado no rodapé do documento, onde também se encontra a informação de que a JUCESP garante a autenticidade do registro e da Certidão de Inteiro Teor quando visualizados diretamente no seu portal eletrônico"11. Este microssistema confere aos instrumentos que acedem ao Ofício Imobiliário um grau de segurança bastante aceitável em relação à criticidade da decisão inscritiva (art. 7º da Lei 14.129/2021). Cédulas escriturais e as garantias imobiliárias Vimos que se admite o uso de assinatura eletrônica avançada ou qualificada  na emissão de cédulas de produto rural emitidas em forma escritural, quando carregarem garantias reais mobiliárias ou imobiliárias (inc. II, § 4º, do art. 3º da lei 8.929/1994, na redação dada pela lei 14.421/2022). A emissão de tais cédulas pode ser feita em forma escritural ou cartular. Vale a pena nos demorarmos um pouco na compreensão das ditas figuras. A distinção se acha originariamente consagrada na lei 10.931/2004 (§ 4º do art. 18). Em brevíssima síntese, podemos dizer que a cédula escritural é a destinada a custódia nas instituições custodiantes regulamentadas pelo Banco Central do Brasil. A cédula escritural tanto pode ser emitida em forma cartular, quanto eletrônica - sendo que esta última haverá de se tornar a regra absoluta12. Para compreendermos com clareza o microssistema representado pelo registro e custódia das cédulas de crédito em entidades exógenas ao sistema registral pátrio, é preciso retroceder a investigação a alguns poucos anos. Seu début parece ter ocorrido com o advento da Lei 12.543/2011, que introduziu o art. 63-A na Lei 10.931/2004. Posteriormente, a lei 13.476/2017 revogaria dito dispositivo e alteraria o art. 26 da lei 12.810/2013 para dispor acerca da "constituição de gravames e ônus, inclusive para fins de publicidade e eficácia perante terceiros, sobre ativos financeiros e valores mobiliários objeto de registro ou de depósito centralizado". Note-se - aqui também - a progressiva apropriação de expressões peculiares do sistema de publicidade jurídica usadas de modo uniforme há muitas décadas13. São sintomas de uma mudança paradigmática a qual aludi logo acima. Esta viragem, por si só, é um claro signo do lento processo de apropriação das atividades registrais por entidades pararregistrais14. A custódia e o registro de tais títulos de crédito, garantidos por bens móveis ou imóveis, se dá em entes centralizados, exógenos ao sistema registral, embora a garantia real imobiliária ainda se constitua pela inscrição no Registro de Imóveis competente (§ 2º do art. 12 da mesma Lei 8.929/1994, dentre outros). A centralização de dados se tornou uma tendência que parece exercer uma força atrativa irresistível - tropismo registral, como disse alhures15. A dança do art. 42-A da Lei 8.935/1994, incrustrado na Lei dos Notários e Registradores, é um exemplo, mas não o único16. Voltando à CPR, é importante destacar que as alterações introduzidas na lei foram justificadas na mensagem de encaminhamento da MP 1.104/2022 ao Congresso Nacional, da qual se colhe o seguinte: "Considerando os níveis de confiança das assinaturas estabelecidos pela lei 14.063, de 2020, e a necessidade de permitir maior liberdade para que as partes contratantes definam o nível de confiança que melhor atendam aos seus interesses negociais, proponho que para a assinatura da CPR e do documento que contenha a descrição dos bens vinculados em garantia possam ser utilizados os três níveis de assinatura eletrônica (simples, avançada e qualificada); e que, no registro e na averbação de garantia real vinculada à CPR, constituída por bens móveis e imóveis, possam ser utilizadas as assinaturas eletrônicas avançada ou qualificada"17. A mensagem alude à maior liberdade negocial para que as partes possam definir o nível de confiança que melhor atenda aos seus interesses, sopesados os níveis de risco em relação à "criticidade da decisão, da informação ou do serviço específico" (art. 7º da Lei 14.129/2021). Este é o eixo da questão: em que casos a assinatura avançada pode ser admitida, garantindo-se um nível tolerável e administrável de confiança e segurança nas transações que redundam na mutação jurídico-real? A lei o admite, é certo, mas não discrimina o casos. É preciso, portanto, antes de regulamentar a sua utilização, compreender o contexto em que o dispositivo autorizador calha. As disposições da lei da CPR (e da própria LRP) devem coordenar-se logicamente com a Lei 14.063/2020, norma geral que a ilumina e confere um sentido racional ao microssistema. Note-se aqui um pequeno e fundamental detalhe: a assinatura avançada será admitida exclusivamente nas hipóteses em que sua adoção seja consentida e reconhecida como válida pelas partes ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento. É o que nos revela o dito inc. II, in fine, do art. 4º da Lei 14.063/2020. Para maior clareza, eis o que nos revela o dispositivo: "assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento (.)" (g. n.). O caráter excepcional de admissão da assinatura avançada permite sua utilização no caso de as partes (ou a pessoa a quem for oposto o documento) aceitarem-na antecipadamente. O prévio acordo entre as partes - ou a falta de impugnação daquele contra quem foi produzido o documento, ou em relação a quem seus efeitos se produzirão - gera a autenticação, nos termos dos incisos II e III do art. 411 do CPC18. A mensagem ministerial, veiculada ao Congresso Nacional, não alude a terceiros - i.e., a quem poderá ser oposta as garantias reais cartulares, especialmente porque a eficácia e a oponibilidade dos direitos reais se irradiam erga omnes, colhendo, naturalmente, os sucessores a que título for. Neste ponto, abre-se um campo fértil para eventuais disputas judiciais, que se resolveriam, em grande medida, com a predefinição da autoria e integridade do instrumento, evitando-se eventual judicialização e o elevado custo transacional que podem incorrer as partes nas suas transações de crédito com garantias imobiliárias adjetas. Não custa relembrar que os Registros Públicos atuam na esfera ante judicial, sistema de segurança jurídica preventiva de conflitos e litígios. Uma vez desencadeado o conflito de interesses, judicializada a demanda, abre-se a dilação probatória e as partes produzirão livremente as provas que calharem (art. 369 do CPC). Sabemos que isso é tudo o que o sistema registral não é, não promove, nem fomenta. A assinatura qualificada, gozando das mesmas garantias que a assinatura manuscrita e com firma reconhecida, aporta um plus: o instrumento assinado com os certificados da ICP-Brasil, preenchidos os requisitos legais, gera os efeitos de validade, autenticidade e eficácia ex lege. Note-se que estes potentes efeitos decorrem diretamente da própria lei e não dependem nem do prévio reconhecimento de validade entre as partes, nem da aceitação pela pessoa a quem for oposto o documento (nem, tampouco, de sucessores a que título for). Os documentos eletrônicos firmados com assinaturas qualificadas já nascem com estes atributos, diferentemente das demais modalidades (simples e avançada). A assinatura qualificada - diz o texto legal - é "a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos" (§ 1º do art. 4º da lei 14.063/2020). A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, acolhendo o parecer do magistrado JOSUÉ MODESTO PASSOS, consagrou o entendimento de que, no caso de assinaturas qualificadas (ICP-Brasil), "as declarações constantes dos documentos eletrônicos presumem-se desde logo verdadeiros em relação aos signatários (Cód. Civil, art. 219, caput), sem mais. Caso sejam empregados outros meios de comprovação de autoria e integridade, essas declarações presumem-se verdadeiras entre os contratantes, mas não são ipso iure oponíveis a terceiros, que primeiro têm de verificar, junto aos relativos sites certificadores, com a segurança necessária, a autenticidade do que está aposto"19. É preciso levar em consideração a natureza singular dos direitos reais. A propriedade não se extingue pelo decurso do tempo20 e as assinaturas avançadas, dependendo de sua fonte certificadora (normalmente empresas privadas), podem perder-se na nuvem de elétrons com o passar do tempo. O surgimento e desaparecimento de empresas "ponto com" ocorre amiúde em face dos impactos de processos disruptivos da economia digital. A perenidade dos atos cartoriais reclama o tratamento técnico seguro e adequado. Enfim, admitida que seja a recepção pelos Registros Imobiliários das CPR's, firmadas com assinaturas avançadas, a hipótese deve alinhar-se com a exceção criada na própria LRP (inc. II do art. 221), ao dispor acerca dos instrumentos particulares oriundos de "instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário". Eis um típico exemplo de substituição de segurança jurídica por segurança econômica e tecnológica21. No próximo artigo, vamos ajustar ainda mais o foco: assinatura avançada no Registro de Imóveis. __________ 1 Provimento CN-CNJ 139, de 1º/2/2023, Dje de 2/2/2021, Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO. Acesso aqui.  2 JACOMINO. Sérgio. CRUZ. Nataly. Gestão documental no Registro de Imóveis - A reforma da LRP pela lei 14.382/2022. Revista de Direito Imobiliário, Vol. 93, jul.-dez. 2022, p. 13 et seq. Sobre o tema, v. dossiê CNJ/CONARQ.  3 Recomendo a leitura dos seguintes artigos, todos publicados no Migalhas Notariais e Registrais: SERP - havia uma pedra no caminho, em que analiso a redação defectiva do inc. III do mesmo art. 6º da Lei e, especialmente, Extratos, títulos e outras notícias - Pequenas digressões acerca da reforma da LRP (lei 14.382/22), no qual critico a confusão criada com os títulos inscritivos. Acesso aqui. 4 JACOMINO. Sérgio. Extratos, títulos e outras notícias - Pequenas digressões acerca da reforma da LRP (lei 14.382/22), op. cit. 5 Id. Ibidem. 6 A barafunda terminológica se espraia por todo o corpo da lei. A expressão títulos se acha em vários quadrantes com o sentido próprio - art. 172, n. 3 e 4, III, art. 176 etc. 7 As nótulas que compõem o presente artigo decorreram da excelente interlocução travada com o Prof. Dr. RICARDO CAMPOS, da Faculdade de Direito da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha). Em virtude da sua nomeação para compor o ilustre Conselho Consultivo do Agente Regulador do ONR (Portaria CN-CNJ 7, de 31/1/2023), é imperioso consignar que as conclusões aqui esboçadas são de minha exclusiva responsabilidade e não expressam, necessariamente, as opiniões do ilustre professor. 8 A classificação e definição legal de assinaturas eletrônicas simples, avançada e qualificada acha-se no art. 4º da lei 14.063/2020. 9 IN-DREI 81, de 10/6/2020, alterada pela IN DREI 55, de 2/6/2021. Acesso aqui. 10 V. § 1º do art. 4º da Resolução CNJ 185, de 18/12/2013. Acesso aqui. O mesmo exemplo encontramos com os notários, que emitem o seu "manifesto notarial" que aponta para o site do próprio Colégio Notarial do Brasil onde se pode baixar documentos, traslados e certidões assinados com a assinatura qualificada. 11 Processo 1VRPSP 1112167-65.2022.8.26.0100, j. 21/11/2022, Dje 23/11/2022, Dra. LUCIANA CARONE NUCCI EUGÊNIO MAHUAD. Acesso aqui. 12 V., pode exemplo, o § 4º do art. 18 da lei 10.931/2004: "A emissão da CCI sob a forma escritural ocorrerá por meio de escritura pública ou instrumento particular, que permanecerá custodiado em instituição financeira". Remeto o leitor para o pequeno roteiro elaborado por mim: Item 4 - que diferença existe entre a CCI cartular e a escritural? In JACOMINO. S. Cédula de Crédito Imobiliário - roteiro prático para o registrador. In Boletim Eletrônico do IRIB n. 593. São Paulo: IRIB, 18/12/2002. Acesso aqui. 13  A expressão "gravames" não se acha consagrada no ordenamento civil e integra o dialeto da novilíngua de instituições financeiras. Para uma abordagem detalhada das expressões que hoje transitam no sistema, V. JACOMINO. Sérgio. CRUZ. Nataly. Ônus, gravames, encargos, restrições e limitações. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 2022. Acesso aqui. 14 Em relação ao tema, em outro artigo busquei demonstrar como os ativos, títulos e valores mobiliários, custodiados e registrados em entidades pararregistrais, acabaram por assimilar a transmissão da propriedade fiduciária imobiliária pela via de cessão de direitos creditórios, alienação esta que se dá fora do sistema do direito civil. V. JACOMINO. Sérgio.  Cédula de Crédito e o Registro Eletrônico de Cessões Vinculadas a Direitos Reais de Garantia. No prelo. 15 No discurso proferido na abertura do 38º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis, realizado em 24/6/2019 na cidade de Cuiabá, MT, questionava os registradores nos seguintes termos: "haveremos de nos vergar, numa espécie de tropismo incondicional aos influxos que nascem exclusivamente de necessidades do mercado financeiro? Vamos depositar nas mãos de agentes e representantes dessa magnífica força do mercado imobiliário a reengenharia do próprio sistema registral?". São Paulo: Irib. JACOMINO. Sérgio.  O sentido e a direção - a charada do registrador. 24/6/2019. Íntegra aqui. 16 O art. 42-A veio embarcado por emenda apresentada na tramitação MP 1.051/2021 (PLV 16/2021), consagrada afinal pela Lei 14.206/2021 (art. 25). Posteriormente, na conversão da MP 1.085/2021, o dispositivo que havia sido revogado por ela (inc. IV do art. 20) voltaria uma vez mais à balha. Mais recentemente, nos termos do art. 10 do Provimento CN-CNJ 130/2023, os ON's, bem como os tabeliães e registradores, ficaram proibidos de "cobrar dos usuários do serviço público delegado valores, a qualquer título e sob qualquer pretexto, pela prestação de serviços eletrônicos relacionados com a atividade dos registradores públicos, inclusive pela intermediação dos próprios serviços, conforme disposto no art. 25, caput, da Lei n. 8.935 de 1994, sob pena de ficar configurada a infração administrativa prevista no artigo 31, I, II, III e V, da referida Lei". O art. 42-A padece de regulamentação, mas afigura-se um cenário de limitada atuação do ente ali previsto. Anteriormente, v. JACOMINO. Sérgio. Agonia central - ou anomia registral? - bis. São Paulo: Observatório do Registro, 23.102021, acesso aqui. 17 EM nº 54/2022 ME, de 9/3/2022. Convertida na Lei nº 14.421 de 20/07/2022, ficou estabelecido que as partes elegerão "a forma e o nível de segurança da assinatura eletrônica que serão admitidos para fins de validade, eficácia e executividade" (§ 4º do art. 3º da Lei 8.929/1994). O tema da garantia de "executividade" remete, novamente, à ideia de prova pré-constituída e requisitos de caráter jurídico para segurança e previsibilidade dos atos e negócios jurídicos. 18 Pode ocorrer, eventualmente, a preclusão do direito de questionar a autenticidade do documento.  EDcl no RMS 52044/DF, j. 23/10/2018, Dje 31/10/2018, Relator Min. OG FERNANDES. "Não havendo impugnação específica acerca da autenticidade dos documentos, mas apenas afirmação que deveriam ser reconhecidos em cartório, deve ser reconhecida sua validade". V. NERY. Nelson. NERY. Rosa Maria de Andrade. CPC Comentado. 17ª ed. São Paulo: RT, 2019, p. 1.039, n. 2. 19 Processo CG 10.060/2022, decisão de 9/2/2022, Desembargador FERNANDO ANTÔNIO TORRES GARCIA. Acesso aqui. 20 "O sistema jurídico brasileiro", diz Pontes, "não cogita da limitação da propriedade no tempo, salvo em se tratando de propriedade literária, artística, científica ou industrial (propriedade intelectual), ou quando ligada a certo gênero de exploração. Em princípio, a propriedade é perpétua". Mais adiante, acentua que a "transferência da propriedade é perpétua, ou por todo o tempo em que ela subsista". MIRANDA. Pontes de. Tratado. Tomo XI, Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 23, § 1.164, n. 3. 21 A dispensa do reconhecimento ocorre em outras hipóteses - especialmente de títulos de extração administrativa e os oriundos de instituições financeiras. V. JACOMINO. Sérgio. O instrumento particular e o Registro de Imóveis. Academia.edu, Jan. 2010, acesso aqui.  
A busca por uma sucessão familiar adequada e menos impactante é algo que vem crescendo muito no país. A sucessão não planejada resulta em uma série de problemas, por exemplo, a necessidade de tomar decisões imediatas, as quais acabam não permitindo uma análise mais aprofundada, que possibilitaria o direcionamento do melhor caminho a ser seguido por aquele núcleo familiar específico. Além disso, a falta de um planejamento sucessório prévio resultará na necessidade de tomarmos decisões importantes nos momentos mais difíceis e delicados de nossas vidas, que é justamente quando perdemos um ente querido. Adiantar-se em relação a algo que, inevitavelmente, irá acontecer, é uma ótima estratégia e acaba evitando surpresas indesejáveis. Esse planejamento prévio se torna mais atrativo uma vez que, além de evitar problemas futuros e gerar economia patrimonial para a família, conta com a participação de todos os familiares, unidos no mesmo propósito, que podem estudar melhor as alternativas disponíveis e decidirem, juntos, o melhor caminho para todos. Para que o planejamento e execução aconteçam da melhor maneira, é necessário observar alguns pontos: 1- As expectativas dos envolvidos devem ser alinhadas antes de qualquer movimentação; 2- Averiguar se existem objetivos em comum acerca do negócio e patrimônio; 3- Cada um deve entender seu papel na família e negócio, bem como sua cota de contribuição em cada esfera; 4- Compreender que sucessão do patrimônio e sucessão da gestão se diferenciam; 5- Observar se existem interessados na sucessão da gestão, realizar a inserção gradativamente dentro do modelo de negócio e desenhar um plano de carreira para o sucessor; 6- Entender que não há padrão dentre as opções de arranjo patrimonial, e que as ferramentas aplicadas devem estar em consonância com o modelo de gestão e a dinâmica familiar; 7- Um planejamento pronto e completo dificilmente atenderá as necessidades individuais de cada família e negócio; 8- Inferir se haverá ou não a possibilidade de permanência de uma sociedade entre os sucessores, ou por alguns deles. Além dos diversos ramos de negócios existentes, é necessário saber quais os objetivos individuais e coletivos de cada núcleo familiar. Sempre há diversidades de problemas, que também podem sofrer muitas variações, a depender das diferentes regiões em que se concentram os negócios e os bens de cada família. Além disso, também é necessário analisar as intenções, os costumes e as pretensões futuras de todos os sucessores e seus antecessores, para possibilitar um planejamento sucessório mais adequado e específico. Vale lembrar que nesta diversidade, neste processo complexo onde papéis se sobrepõem nas três esferas, os interesses da família não devem ser causa de anulação do indivíduo. No aspecto jurídico, dentre os instrumentos legais existentes para a realização do planejamento sucessório, podemos citar várias ferramentas de proteção ao patrimônio dos herdeiros, tais como: A- Escrituras públicas de doação, seja em adiantamento da legítima herança, da parte disponível do patrimônio, ou de ambas, e, a cada vez mais utilizada, escritura pública de partilha em vida, que vem revolucionando o cenário de sucessão familiar, e, ainda, a formalização de holdings familiares, seja por escritura pública ou por instrumento particular. B- Não menos importante, temos o Testamento Público, uma opção que também vem crescendo muito no país, principalmente depois da pandemia que enfrentamos recentemente. C- Existem, ainda, ferramentas legais de proteção que podem ser inseridas em muitos desses instrumentos jurídicos, tais como a reserva de usufruto, as cláusulas de incomunicabilidade (específica ou geral), impenhorabilidade, inalienabilidade e de reversão. D- Escrituras declaratórias de união estável e os pactos antenupciais, os quais poderão ser amplamente explorados com diversas cláusulas e regramentos de proteção. Em muitos casos o planejamento sucessório ideal pode abranger mais de um desses instrumentos, ou até todos eles. Para que certos planejamentos sucessórios sejam realmente viáveis, não basta uma análise somente do ponto de vista tributário. A economia de imposto deve ser analisada juntamente com diversos outros fatores importantes. Uma economia momentânea pode nem sempre ser o ideal, podendo, a depender do caso, gerar mais gastos no futuro. Um exemplo muito comum é o excesso de propagandas em torno da realização da holding familiar. Muitas dessas propagandas passam a falsa ideia de que somente a holding é, em qualquer situação, a melhor ferramenta de planejamento sucessório. Essa afirmação não procede, uma vez que ela tanto pode ser uma ótima opção para algumas famílias, como também pode não ser a melhor opção para outras. Podendo, também, ser apenas uma das opções dentro do planejamento sucessório, dentre várias outras necessárias. A título de exemplo, podemos garantir que nem sempre uma economia de imposto de transmissão (ITCMD), para realizar a transferência do patrimônio aos herdeiros, pode ser a solução de todos os problemas; pelo contrário, a depender do caso, o meio mais econômico hoje pode ser o começo de todos os problemas que terão no futuro. Assim, criar uma sociedade entre os herdeiros somente para economizar o imposto de transmissão pode ser algo totalmente inviável, caso a solidez desta sociedade se mostre praticamente inviável entre eles. Estudos recentes demonstram que a busca pela extinção da sociedade entre os herdeiros vem crescendo consideravelmente, uma vez que o próprio vínculo parentesco acaba dificultando a harmonia necessária para o bom andamento da sociedade empresarial. Desse modo, nota-se que, em tais situações, diante da impossibilidade de manter uma sociedade saudável entre os sucessores, optar pela integralização de imóveis em sociedade empresarial e posterior doação de cotas, poderia apenas adiar os problemas e criar gastos mais elevados no futuro, quando da dissolução desta sociedade e divisão patrimonial. Nesse cenário, a escritura pública de partilha em vida, cuja utilização vem crescendo consideravelmente no país, seria uma opção a ser considerada, visto que por meio dela o patrimônio já pode ser separado em quinhões para cada sucessor, e, ainda, com a participação dos antecessores em cada quinhão. O resultado dessa partilha vem sendo muito elogiado pelas famílias, que conseguem separar o patrimônio dos sucessores, e ao mesmo tempo ter os antecessores como sócios de cada sucessor de forma individual, pois reservam para si o usufruto, ou parte dele, em cada quinhão. Em termos mais simples, significa dizer que os pais conseguem dividir o patrimônio de modo que cada filho já fique com seu patrimônio certo, permanecendo os pais em todos os quinhões, ou seja, os pais seguem ao lado dos filhos, orientando-os e acompanhando-os em todas as decisões. Além disso, o grande diferencial é que na partilha em vida, diferente da doação, todos participam, ou seja, os filhos participam da divisão do patrimônio realizada, e da transmissão de seus pais para eles e para os seus irmãos, aceitando o que está recebendo e concordando com aquilo que os irmãos recebem, evitando-se qualquer tipo de problema futuro. O planejamento sucessório, além dessas possiblidades, também pode ser aproveitado, como dito anteriormente, para colocar regras de proteção patrimonial para os sucessores. Essa é uma importante fase do planejamento, que deve ser minunciosamente estudada de acordo com a situação concreta de cada família. Portanto, planejar a sucessão é um caminho que possibilita organizar e profissionalizar o negócio, utilizando ferramentas e regramento específico a cada modelo de gestão e dinâmica familiar, respeitando fatores singulares, buscando a perpetuidade.
Introdução - Características dos direitos reais em geral Em nossa última publicação, vimos os princípios norteadores dos direitos reais, que nos conferirão maior facilidade com o trato da questão que esta série pretende responder - qual a natureza jurídica do direito de laje. Nesta, agora, iremos nos aproximar mais desta questão, trazendo apontamentos que serão relevantíssimos para a crítica dos argumentos utilizados pelos autores brasileiros para a definição da natureza jurídica do direito de laje. Especificamente, um prévio estudo sobre as características dos direitos reais mostra-se necessário para que, mais à frente, possamos empreender uma análise percuciente dos caracteres exclusivos do direito de propriedade, que nos permitam distingui-lo dos demais direitos reais (limitados). Segundo a doutrina portuguesa, são as seguintes as características presentes em todos os direitos reais: a) inerência, b) eficácia absoluta e c) sequela/ambulatoriedade. Vejamos sucintamente cada uma delas. Inerência (aderência direta e imediata) O direito real adere, direta e imediatamente, à coisa ao qual se refere.1 Assim, a inerência significa que o direito real está de tal forma ligado à coisa que é o seu objeto, que a ela inere e não pode dela ser desligado.2 Ou, nas palavras de Clóvis Bevilaqua: "ele adere, imediatamente, à coisa, vinculando-a, diretamente, ao titular."3 Absolutividade Os direitos reais são direitos absolutos. Como precisamente leciona Luciano de Camargo Penteado, "direito absoluto é o que configura situação jurídica absoluta, isto é, não relacional." Isto é, "é o que prescinde, para a sua configuração, de relação jurídica. Situações jurídicas absolutas são as que independem de vínculos prévios com outros sujeitos de direito para se configurar." Além das situações jurídicas reais, são absolutas, por exemplo, as situações jurídicas geradas pelos direitos de personalidade." Assim, "decorre da característica de direito absoluto que têm os direitos reais a sua oponibilidade erga omnes."4 Nesse sentido, como consequência do caráter absoluto do direito real, resulta o fato de existir um dever genérico de respeito desse direito por parte dos outros sujeitos, aos quais o titular do direito pode sempre opor eficazmente o seu direito. Clique aqui e confira a íntegra da coluna. __________ 1 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 17. 2 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 44. 3 BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Coisas. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. I, p. 252. 4 PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 100.
Resumo: O inventário e partilha extrajudiciais foram procedimentos reinseridos no ordenamento jurídico brasileiro por ocasião da entrada em vigor da lei 11.441/2007. Aborda-se neste artigo: conceito; histórico; competência notarial; regime jurídico aplicável; o prazo e multa tributária; pressupostos e requisitos legais; partilha parcial e sobrepartilha; repercussões tributárias do instituto; e a gratuidade da escritura pública. Conceito A palavra inventário se origina do latim invenire, que traduz a ideia de encontrar, achar, descobrir, inventar. Decorre também de inventum, isto é, invenção, invento, descoberta (VENOSA, 2011, p. 37). Em sentido lato, trata-se do procedimento destinado à declaração do patrimônio do falecido para a liquidação do acervo, com eventual quitação de dívida e partilha do saldo remanescente em favor dos sucessores (KÜMPEL, 2017, p. 911). A acepção estrita do termo não destoa: consiste no rol de todos os bens e responsabilidades patrimoniais de um indivíduo (DIAS, 2011, p. 533), que se transmitirão aos sucessores. A finalidade do instituto é, pois, encontrar, descobrir e descrever os bens do acervo hereditário, discriminando o ativo e o passivo, bem como eventuais interessados nesses bens, sobretudo os herdeiros e os credores. Partilha, por seu turno, é o ato procedimental que põe fim à comunhão hereditária, atribuindo a cada sucessor, isoladamente considerado, sua parcela no monte partível, isto é, os bens eventualmente restantes após solver-se o passivo1. Isso porque a herança é deferida como um todo unitário (art. 1.791, caput, do Código Civil - CC), ou seja, os bens objeto da sucessão são transmitidos conjuntamente, formando um condomínio de caráter eminentemente transitório (PEREIRA, 1997, p. 289), que assim permanecerá até que se ultime a partilha (art. 1791, parágrafo único, do CC). Histórico Embora seja lição corrente na doutrina2 no sentido de que, em nosso direito, o inventário sempre fora judicial até a lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, enquanto a partilha, havendo concordância entre os herdeiros, pudesse ser também extrajudicial, tal não se confirma. De fato, as Ordenações Filipinas já previam3, como atribuição do Tabelião de Notas, a lavratura de inventários. Alguns autores, no entanto, já salientavam que a via judicial nem sempre fora o procedimento obrigatório para o inventário. Monteiro (1974, p. 271), por exemplo, leciona que, no regime da lei 3.232, de 22 de outubro de 1884, processava-se o inventário perante repartição fiscal, desde que os herdeiros fossem capazes. Inclusive, resgatando ensinamento de Lopes da Costa, anota que, no Estado de Minas Gerais, assim se procedeu até o advento da lei 693, de 12 de setembro de 1917, que aboliu o inventário administrativo. Caio Mário afirma, ademais, que, em outros ordenamentos jurídicos4, e na sistemática do direito anterior, o inventário judicial é facultativo no caso de serem todos maiores e capazes, como ainda no de ser ínfimo o valor do espólio (PEREIRA, 1997, p. 266). Pontes de Miranda trata, sem maiores divagações, da abolição do inventário extrajudicial pelo Código de Processo Civil de 1939 - CPC/39 (MIRANDA, 1954, p. 197); sepultando, por definitivo, interpretações do art. 1.770 do CC/16  que, embora usasse o termo "inventário judicial", não impossibilitava o administrativo. Com efeito, trata-se de novidade relativa, que já possuía precedentes no antigo ordenamento pátrio. Dessa sorte, a lei 11.441/2007, que alterou o Código de Processo Civil de 1973 - CPC/73, apenas reinseriu o inventário administrativo em nosso sistema jurídico, mantendo, a propósito, algumas restrições do direito pré-codificado, como demonstrado acima. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 Com sua precisão habitual, preleciona Pontes de Miranda: "A partilha, no sentido estrito do Direito das Sucessões, é a operação processual pela qual a herança passa do estado de comunhão pro indiviso, estabelecido pela morte e pela transmissão por força de lei, ao estado de quotas completamente separadas, ou ao estado de comunhão pro indiviso ou pro diviso, 'por força de sentença'" (MIRANDA, 1954, p. 223). Caio Mário também destaca o fato de pôr fim à comunhão hereditária (PEREIRA, 1997, p. 290). 2 Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, 2021b, p. 240; DIAS, 2011, p. 563. 3 Confira-se, por oportuno: "E farão todos os testamentos, cedulas, codicillos, e quaesquer outras ultimas vontades, e todos os inventarios, que os herdeiros e Testamenteiros dos defuntos e outras pessoas lhes quizerem mandar fazer, per qualquer maneira que seja: salvo os inventarios dos Menores, Orfãos, Prodigos, ou Desasisados, onde houver Serivão de Orfãos, porque então os fará elle [...]" (Livro I, Título LXXVIII, "7"). 4 Conquanto não fosse, ainda, o caso, quando o texto foi escrito pelo mestre, foi aprovada, em 2019, a lei 117, de 13 de setembro, que revoga a legislação anterior que tratava do inventário notarial, já admitido anteriormente no ordenamento português por força da lei 23, de 5 de março de 2013. 5 A redação era: "Proceder-se-á ao inventário e partilha judiciais na forma das leis em vigor no domicílio do falecido [...]". Note-se que, apesar do texto legal, era pacífico que a partilha podia ser feita extrajudicialmente, sendo que a controvérsia recaia somente sobre o inventário.
A adjudicação compulsória no Direito Brasileiro é um instituto de direito processual civil que tem como fito a aplicação da matéria regulada no art. 1.418 do Código Civil Brasileiro que dispões que o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. Trata-se, portanto, de procedimento que deve ter como autor o compromissário comprador, ou ao cessionário dos direitos à aquisição, anunciada em face do titular do domínio do imóvel, que prometeu vender o bem imóvel, entretanto não outorgou a escritura definitiva, buscando, então, o suprimento dessa ação do promitente vendedor. Com a edição da lei federal 14.382 de 27 de junho de 2022, tornou possível o suprimento de vontade do titular do domínio pela via extrajudicial, o que antes somente era possível com a provocação do judiciário. Dita lei incluiu o art. 216-B na Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73), autorizando seu processamento diretamente junto ao Registro Imobiliário da situação do imóvel, nos mesmos moldes da usucapião extrajudicial. Quando da conversão da MP 1.081 na lei 14.382, o presidente vetou o inciso III do art. 216-B da LRP, excluindo a necessidade da lavratura de ata notarial lavrada por tabelião de notas para o ingresso e processamento da adjudicação junto ao cartório de registro de imóveis competentes. No dia 22 de dezembro de 2022, o Congresso Nacional rejeitou dois vetos presidenciais referentes a lei que cria o Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), para dela ficar constando o texto inicial aprovado pela casa na MP 1085, determina a partir de então a lavratura de ata notarial quando da adjudicação de imóvel objeto de promessa de venda ou cessão, onde deverão constar dados de identificação do imóvel e do comprador e prova do pagamento, dispensando, ainda a comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor quando do deferimento da adjudicação compulsória. Sendo assim, a redação do art. 216-B da lei 6.015/73 (LRP) passa a ter a seguinte redação: "Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo. § 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, instruindo o pedido com os seguintes documentos: I. instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso. II. prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de quinze dias, contados da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do Registro de Imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do Registro de Títulos e Documentos. III. ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade. (grifei) IV. certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente demonstrando a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de venda do imóvel objeto da adjudicação. V. comprovante de pagamento do respectivo Imposto de Transmissão de Bens Imóveis - ITBI. VI. Procuração com poderes específicos. § 2º O deferimento da adjudicação independe de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor. § 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º, o oficial do Registro de Imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou do instrumento que comprove a sucessão. Necessário esclarecer que o art. 1.225 do Código Civil Brasileiro, em seu inciso VII prevê que em havendo promessa de compra e venda celebrada por instrumento público ou particular registrada no cartório de registro de imóveis, nasce o direito real à aquisição do imóvel, podendo o promitente comprador, exigir a outorga da escritura definitiva, ou adjudicar o bem para si. O Superior Tribunal de Justiça, em tese sumular (Súmula 239), definiu que não é obrigatório o registro no cartório de registro de imóveis para que haja o direito à adjudicação compulsória. Desta forma, para o processamento da adjudicação compulsória cartorial se faz necessário: I. manifestação de vontade; II. instrumento escrito, público ou particular, independente da denominação dada ao instrumento, desde que verificadas as características da promessa de compra; III. inexistência de cláusula contratual de arrependimento; IV. comprovação da quitação da dívida assumida. A ata notarial mencionada prevista no inciso III do art. 216-B da LRP, deverá ser lavrada pelo tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel compromissado ou a maior parte dele. Se dispensadas as diligências do notário, a competência territorial acaba podendo os requerentes optarem por qualquer tabelião de notas (art. 8° LNR). A queda da competência territorial do notário não se demonstra como melhor solução, vez que a diligência inspecional poderá dar mais certeza ao registrador imobiliário para a lavratura do registro da transmissão da propriedade.  Preenchidos os requisitos de manifestação de vontade e os previstos no art. 216-B da LRP, passamos à construção da ata notarial para a adjudicação compulsória: ATA NOTARIAL PARA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA Aos ___________ (___) dias do mês de ______ (___) do ano de dois mil e vinte e _________(202_), eu, Douglas Gavazzi, substituto legal do 2° Tabelião de Notas de São Paulo, Capital, assento no livro notarial a presente ATA NOTARIAL, nos termos do artigo 216-B, inciso III, da Lei de Registros Públicos, cuja diligência se deu às ___h___m (__________) do dia ___/___/202__, na forma a seguir: REQUERENTES | COMPROMISSÁRIOS COMPRADORES (art. 319, II CPC) FULANO DE TAL, nacionalidade, profissão, portador da cédula de identidade RG nº _______ -SSP/SP, inscrito no CPF nº __________ e sua esposa, FULANA DE TAL, nacionalidade, profissão, portadora da cédula de identidade RG nº _______ -SSP/SP, inscrita no CPF nº __________, casados pelo regime da _________ aos ___/__/___ conforme certidão de casamento matrícula n° _____________ do RCPN de _________; residentes e domiciliados na ________________, cidade, estado, CEP:_______. ADVOGADO(A) (art. 216-B, VI LRP) FULANO DE TAL, nacionalidade, portador da cédula de identidade RG nº _______ -SSP/SP, inscrito no CPF nº __________ , inscrito no Ordem do Advogados do Brasil - Secção __________ sob n° ____________; residente e domiciliado em ________________, com escritório profissional na ____________, cidade, estado, CEP:_______. COMPROMISSO | ESPECIALIDADE SUBJETIVA Aos _____________, _________________ (especialidade subjetiva) formalizaram com _______________ (prováveis cedentes) "Contrato Particular de COMPRA e VENDA do seguinte imóvel: DESCRIÇÃO DO IMÓVEL, objeto da matrícula ____________ ou transcrição _________ do ____ Oficial de Registro de Imóveis de ____________, constando nela que os titulares do domínio adquiriram dito imóvel através da _______________, registrada sob n° ______________. Descrever cláusulas contratuais ou inserir fotos do mesmo. CESSÃO DOS DIREITOS CONTRATUAIS (se houver) Aos _____________, os requerentes formalizaram com os cedentes _______________ "Contrato Particular de Promessa de Cessão" dos direitos destes últimos referentes ao imóvel descrito na clausula anterior, objeto da matrícula ____________ ou transcrição _________ do ____ Oficial de Registro de Imóveis de ____________. O cessionário, nesse caso, se sub-roga nos direitos do cedente, a teor do disposto no art. 349 do Código Civil, vez que, tendo o cessionário sucedido na relação contratual, o mesmo passa a desfrutar da mesma condição do cedente, dispondo de direito próprio contra o promitente vendedor. Então, considerando que os REQUERENTES, ao quitarem o preço da venda pelo imóvel objeto desta ata notarial passam a deter todas as ações relativas ao imóvel, sub-rogam-se nos direitos do bem, possuem legitimidade para buscar direito que se constrói por este instrumento de constatação, cabendo-lhes ter a escritura definitiva do imóvel outorgado. DISPONIBILIDADE | ESPECIALIDADE OBJETIVA O imóvel sobre o qual se pretende a transmissão do domínio por adjudicação está matriculado (ou transcrito) sob n° ______________ no __° Oficial de Registro de Imóveis de ______________, com a seguinte descrição: _____________________. Está cadastrado junto à Prefeitura Municipal de ______________ através do cadastro n° _____________, com o valor venal atual de R$___________ (_____________). VALOR E PROVA DE QUITAÇÃO Tendo sido ajustado o valor de R$__________ ou ________ (valor da época) para a efetivação da cessão dos direitos mencionada no item anterior, os REQUERENTES, arcaram integralmente com o preço combinado, sendo certa a inexistência de débitos tributários a incidir sobre o imóvel, conforme se comprova da certidão negativa de débitos abaixo consignada. Apesar de cumprida integralmente a avença, conforme se comprova dos recibos apresentados a este notário, cuja veracidade se atesta, os REQUERENTES tentaram obter reiterada e amigavelmente, com os titulares de domínio e seus herdeiros a outorga da competente escritura definitiva de compra e venda, a fim de que o referido negócio se aperfeiçoe unicamente para fins de registro. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA DE ARREPENDIMENTO O artigo 1.417 do Código civil Brasileiro regra que mediante promessa de compra e venda, em que não se pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Verifica-se dos instrumentos apresentados a este tabelião, que ambos foram firmados com clausula de IRRETRATABILIDADE e de IRREVOGABILIDADE, podendo, ainda, atestar a ausência de clausula de ARREPENDIMENTO, neste caso não incidente as prescrições e regras contidas no art. 420 do Código Civil Brasileiro e nem mesmo do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor no que aplicável aos contratos imobiliários nos termos da jurisprudência vigente. INADIMPLEMENTO DOS TITULARES DO DOMÍNIO Verificada a quitação e com base nos documentos apresentados a este notário, (comprovantes de depósitos, notas promissórias, e-mails, mensagens de WhatsApp, redes sociais) e não tendo obtido êxito algum na busca da solução amigável do caso, os REQUERENTES se servem do procedimento da ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL prevista no art. 216-B da Lei de Registros Públicos a qual se processará junto ao ____ Oficial de Registro de Imóveis de ____________. DILIGÊNCIA INSPECIONAL No dia _________, a pedido do REQUERENTE, providenciei diligência no imóvel objeto do pedido de adjudicação compulsória, às _____h ________min, onde o REQUERENTE me atendeu, franqueando meu ingresso no imóvel, sendo possível a captura das fotos abaixo, as quais o fiz através do meu aparelho celular. FOTOS. RATIFICAÇÕES TESTEMUNHAIS (se for o caso) Na mesma data da diligência, tive a oportunidade de conversar com o confortante do lado direito (prédio n° ____) Sr. _________________, o qual me relatou que conhece o REQUERENTE desde ___________, podendo atestar que o mesmo ali reside e/ou é tido como proprietário do bem, sem conhecimento de qualquer forma de esbulho.  Também conversei com o confortante do lado esquerdo (prédio n° _____), Sr. _________________, o qual me relatou que conhece o REQUERENTE desde ___________, podendo atestar que o mesmo ali reside e/ou é tido como proprietário do bem, sem conhecimento de qualquer forma de esbulho. E por fim, o confrontante dos fundos (prédio n° _____), o qual me relatou que conhece o REQUERENTE desde ___________, podendo atestar que o mesmo ali reside e/ou é tido como proprietário do bem, sem conhecimento de qualquer forma de esbulho. DIREITO DO REQUERENTE | FUNDAMENTOS LEGAIS O compromisso, como contrato preliminar, engloba relações jurídicas diversas, geradoras de obrigações e direitos recíprocos entre os contratantes. Nesse negócio jurídico o promitente comprador tem a obrigação de pagar quantia certa (em dinheiro - art. 481 CC o que foi feito conforme se prova nas clausulas anteriores), enquanto o promissário vendedor tem obrigações de diferentes naturezas: a) a primeira consistente em dar a posse do imóvel (obrigação de dar) o que foi feito, estando o REQUERENTE na posse do bem imóvel desde _______________; e b) a segunda, consistente em outorgar a escritura definitiva, após o pagamento do preço (obrigação de fazer infungível), motivo pelo qual se aparelha a presente adjudicação. Assim sendo, a pretensão do REQUERENTE encontra amparo jurídico nos seguintes diplomas legais: decreto-lei 58/67, artigos 15 e 16; Código Civil, artigos 1.417 e 1418; e Código de Processo Civil, artigos 466-A, 466-B e 466-C. O Decreto-Lei nº 58/67 nos seus artigos 15 e 16 regra que os compromissários têm o direito de, antecipando ou ultimando o pagamento integral do preço, e estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda. Entretanto, recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, o que agora, diante do que autoriza a Lei Federal 14.382/22 requer-se processamento pela via administrativa. Referidos contratos (processa e cessão) não se encontram registrados junto ao registro de imóveis competente, entretanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 239), definiu que não é obrigatório o registro no cartório de registro de imóveis para que haja o direito à adjudicação compulsória.   PROCURAÇÃO Os requerentes outorgam ao advogado(a) ________________, qualificado acima, todos os poderes para a regularização do imóvel em tela, podendo retificar ou aditar a presente ata notarial, dar ingresso junto ao registro imobiliário, assinar os requerimentos necessários, alegar, atestar, requerer, conferindo-lhe os poderes da cláusula "ad judicia" e "ad extra", podendo representá-lo(s) em juízo para suscitar dúvida ou em caso de conversão deste procedimento em processo judicial, outorgando-lhe ainda poderes especiais para receber citação, de concordar, acordar, confessar, discordar, desistir, executar e fazer cumprir as exigências registrais afim de possibilitar a consecução da adjudicação do bem. CONVERSÃO DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EM USUCAPIÃO A critério do Registrador Imobiliário, caso entenda que os documentos instruíram o pedido de ADJUDICAÇÃO compulsória são insuficientes para a continuidade do pedido na forma do instituto de escolha das partes, requerem o aproveitamento da presente ata notarial ao processamento da Usucapião Extrajudicial, esclarecendo o tempo da posse: (art. 4º, I, "b" Prov. 65/CNJ) _____________; que o atingimento (art. 4º, I, "e" Prov. 65/CNJ) se dá exclusivamente sobre o imóvel da matrícula n°______________ o que dispensa a elaboração de memorial descritivo e de planta ou levantamento planialtimétrico; a atribuição de valor (art. 4º, I, "f" Prov. 65/CNJ) para efeito de usucapião bem como para a cobrança de emolumentos notariais e registrais de R$_____________; e a modalidade do instituto (art. 4º, I, "d" Prov. 65/CNJ) que o advogado, presente à lavratura, entende que examinado o tempo e o tipo da posse do requerente alinhavado aos elementos extrínsecos à posse, a presente prescrição aquisitiva preenche os requisitos e se insere na hipótese de usucapião ___________, nos termos do artigo _______, do Código Civil Brasileiro, do que concorda o requerente, visto possuir, justo título, ter a posse, acrescida dos seus antecedentes, há mais de _____ anos. DOCUMENTOS APRESENTADOS Os requerentes apresentaram os seguintes documentos: a) contrato de compromisso de venda e compra de _____________; b) contrato de cessão de direitos de _____________; c) comprovantes de quitação do preço; d) certidão negativa de tributos municipais; e) certidão negativa de feitos ajuizados em nome dos titulares do domínio (analogia ao art. 4º, IV, "f" Prov. 65/CNJ) _______________; f) certidão negativa de feitos ajuizados em nome dos requerentes _______; g) certidão da matrícula do imóvel sob n° ________ do ___° Oficial de Registro de Imóveis de ______. CONSULTA À CENTRAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS Conforme determina o art. 14, do Provimento nº 39/2014, do Conselho Nacional de Justiça - Corregedoria Nacional de Justiça, datado de 25 de Julho de 2014, foram, na presente data, realizadas buscas na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB, não sendo encontrado qualquer apontamento de Indisponibilidade de Bens em nome dos requerentes e dos titulares do domínio, de acordo com Relatório de Consulta de Indisponibilidade emitido às ______, do dia ________ - Códigos HASH: ___). DECLARAÇÕES DOS REQUERENTES | COMPROMISSÁRIOS Os requerentes declaram sob as penas da lei: 1) que todas as declarações prestadas nesta ata notarial são verdadeiras, responsabilizando-se civil e criminalmente pelas mesmas. 2) que por mim, tabelião substituto tomaram ciência de que omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deva constar, ou ainda, inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante constitui crime formal de falsidade ideológica tendo como sujeito o Estado, que busca a proteção da fé pública dos órgãos auxiliares da Justiça, sendo assim, objeto de ação penal pública incondicionada e independe de qualquer representação formal; 3) que aceitam e concordam com todos os termos e constatações feitas nesta ata. CIENTIFICAÇÃO Os REQUERENTES foram cientificados que esta ata notarial não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial da ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA para regular processamento perante o ____° Oficial de Registro de Imóveis de _____________. REQUERIMENTOS Requerem e autorizam o Senhor Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de ___________, a prática de todos os atos registrais em sentido amplo, nos termos do artigo 216-B, da Lei Federal nº 6.015/73, autorizando, desde já, em caso de impossibilidade de cumprimento de exigências formuladas pelo Oficial, a suscitação de dúvida prevista no art. 198 da referida lei registral. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO O imposto de transmissão de bens imóveis deverá ser recolhido pelos REQUERENTES junto ao registrador imobiliário competente, após a confirmação da transmissão da propriedade (derivada) conforme jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmada nos autos do recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1294969, com repercussão geral (Tema 1124) de que o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) só é devido a partir da transferência da propriedade imobiliária, efetivada mediante o registro no cartório de Registro de Imóveis.  ATESTADO E ENCERRAMENTO Da análise de toda a documentação apresentada e fatos constatados é possível atestar que o requerente porta documentos necessários ao processamento da ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, permanecendo ainda, na posse pacífica do imóvel objeto, portando-se como se dono fosse ficando, portanto, demonstrada a origem, a natureza e o direito. De tudo dou fé. Com a lavratura da ata notarial, o advogado contratado pelos compromissários compradores deverá instruir requerimento junto ao registro de imóveis da situação ou circunscrição competente, contendo a descrição dos fatos e do direito.  É fato que requerimento poderá ser instruído com mais de uma ata notarial, por ata notarial complementar ou por escrituras declaratórias lavradas pelo mesmo ou por diversos notários, ainda que de diferentes municípios, as quais descreverão suas constatações. Uma vez instruído o pedido, os titulares do domínio serão notificados pelo oficial de registro de imóveis ou por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos para que manifestem consentimento no prazo de quinze dias, considerando-se sua inércia como concordância. O Conselho Nacional de Justiça não se posicionou por alguma normatização sobre o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial (assim como fez com a usucapião), entretanto, imagina-se que se infrutíferas as notificações dos titulares do domínio ou estando em lugar incerto, não sabido ou inacessível, o oficial de registro de imóveis certificará o ocorrido e promoverá a notificação por edital publicado, por duas vezes (à exemplo da usucapião), em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretando o silêncio do notificando como concordância, sendo possível a publicação do edital em meio eletrônico, pelo próprio Sistema Eletrônico de Registros Públicos - SERP. A adjudicação compulsória se mostra como forma de aquisição derivada da propriedade. Assim, ocorre quando a transmissão é feita de um proprietário a outro, por ato inter vivos ou causa mortis. A coisa chega ao adquirente com as mesmas características anteriores, não se extingue o ônus, como por exemplo, servidão, hipoteca, penhora, arresto, usufruto, reversão, entre outros. Com isso, a indisponibilidade dos titulares do domínio impede o ingresso da adjudicação junto ao fólio real, sendo que os requerentes deverão servir-se das vias jurisdicionais próprias para o levantamento da constrição. A rejeição do pedido extrajudicial da adjudicação compulsória não impede o ajuizamento de ação no foro competente. A repulsão do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente perante o próprio oficial de registro de imóveis, que deverá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição, sempre cabendo a suscitação da dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP. Diferentemente da usucapião extrajudicial (modo de aquisição originário), o registro da adjudicação não implica na abertura de nova matrícula e deverá ser feito na sequencia prevista pela própria lei de registros públicos. Convém salientar que a ata notarial de adjudicação compulsória e o registro submetem-se aos emolumentos previstos nos atos com valor econômico tendo como base o valor venal (ou de mercado) do imóvel à época da lavratura do ato, sendo que  diligências, notificações e atos preparatórios e instrutórios para a lavratura da ata notarial, certidões, buscas, averbações, notificações e editais relacionados ao processamento do pedido da adjudicação compulsória serão considerados atos autônomos para efeito de cobrança de emolumentos. A sociedade habituada a converter seus conflitos aos tribunais em busca da prestação jurisdicional, por acreditar que o Poder Judiciário é a melhor fonte de acesso à Justiça, se recruta ao fenômeno da desjudicialização com essência nas serventias notariais e de registro, como um relevante instrumento capaz de proporcionar a mesma (ou melhor) tutela dos direitos pretendidos.
Resumo 1. Com o registro da incorporação imobiliária, nasce o condomínio protoedilício (§ 15 do art. 32 da lei 4.591/1964). 2. O condomínio edilício nasce apenas com o registro da sua instituição (art. 1.331 do CC; art. 7º da lei 4.591/1964; e art. 167, I, "17", da LRP). 3. É indevido e incorreto tecnicamente misturar essas duas modalidades de condomínio ou promover uma promiscuidade registral como marco natalício delas. Além da clareza da redação legal, há diferenças ontológicas e teleológicas entre essas duas modalidades de condomínio a impedir a unificação normativa. 4. O registro da instituição do condomínio edilício só pode ocorrer após a averbação da construção, embora - de modo indevido - existam alguns Estados brasileiros que, por razões puramente pragmáticas, antes da Lei do SERP, admitiam o registro precoce da instituição do condomínio edilício. Após a Lei do SERP, é discutível se subsistem essas razões pragmáticas.   5. A abertura de matrículas-filhas após o registro da incorporação é justificada pela natureza jurídica do condomínio protoedilício e está autorizada pelo art. 237-A da LRP (na redação da Lei do SERP). 1. Introdução Este artigo trata da subsistência do que designamos de condomínio protoedilício mesmo após o advento da lei 14.382/22 (Lei do SERP, Sistema Eletrônico de Registros Públicos). Demonstra, por consequência, que o condomínio edilício não nasce com o registro da incorporação imobiliária na matrícula, e sim com o futuro registro da instituição do condomínio edilício na forma do art. 1.331 do Código Civil (CC), do art. 7º da lei 4.591/64 e do art. 167, I, "17", da lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos - LRP), os quais não foram alterados pela Lei do SERP. 1 Esclarece que a Lei do SERP, na verdade, faz referência ao condomínio protoedilício, e não ao condomínio edilício, quando faz referência à expressão "condomínio por frações ideais" ou "condomínio sobre as frações ideais" no novo inciso II do § 10 do art. 213 da LRP e no novo § 15 do art. 32 da lei 4.591/64. Vejamos os referidos dispositivos: Lei 4.591/64 "Art. 32. O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos: (...) § 15.  O registro do memorial de incorporação e da instituição do condomínio sobre as frações ideais constitui ato registral único". Lei de Registros Públicos "Art. 213. (...) (...) § 10. Entendem-se como confrontantes os proprietários e titulares de outros direitos reais e aquisitivos sobre os imóveis contíguos, observado o seguinte: I - o condomínio geral, de que trata o Capítulo VI do Título III do Livro III da Parte Especial da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), será representado por qualquer um dos condôminos; II - o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 a 1.358 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), será representado pelo síndico, e o condomínio por frações autônomas, de que trata o art. 32 da lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, pela comissão de representantes". Sobre o tema, já havíamos alertado para tanto em nossa obra, escrita a quatro mãos, intitulada Lei do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos.2 2. Modalidades de condomínios no Direito Brasileiro. No Direito das Coisas, entendemos pela existência de sete modalidades de condomínios, a seguir expostas brevemente. A primeira delas é do condomínio geral ou tradicional, em que cada condômino é titular de uma fração ideal da coisa. Essa primeira categoria se subdivide em duas, podendo ser voluntário ou convencional, com tratamento entre os arts. 1.314 e 1.326 do Código Civil; ou necessário, regulado entre os arts. 1.327 a 1.330 da mesma codificação privada. A segunda modalidade é do condomínio edilício, em que cada condômino é titular de uma unidade imobiliária autônoma - de propriedade privativa -, vinculada a uma fração ideal do solo e das áreas comuns das edificações. As suas regras estão entre os arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil em vigor. A terceira modalidade condominial é do condomínio de lotes, sendo similar ao condomínio edilício, com uma principal diferença, eis que a unidade privativa é um lote, assim definido como "o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe", na forma do art. 2º, § 4º da lei 6.766/79.  Está disciplinado pelo art. 1.358-A do Código Civil, incluído pela lei 13.465/17, além do tratamento constante da última norma especial citada. O condomínio urbano simples é a quarta modalidade condominial, sendo igualmente similar ao condomínio edilício, com duas principais diferenças: as edificações consistem em casas ou cômodos, e o instituto só se aplica a áreas urbanas. Está disciplinado pelos arts. 61 a 63 da lei 13.465/17, que trata da Regularização Fundiária Urbana (Lei do REURB). Seguindo na exposição que ora nos interessa, como quinta modalidade, há o condomínio em multipropriedade, também similar ao condomínio edilício, mas duas principais diferenças, eis que a unidade imobiliária autônoma é uma unidade periódica; e a vinculação dessa unidade se dá a uma fração ideal de um imóvel-base. Está disciplinado pelos arts. 1.358-B a 1.358-U do Código Civil. Apesar da controvérsia sobre a sua natureza jurídica, pelo tratamento da lei o fundo de investimento seria a sexta categoria condominial, pelo que está expresso no caput do art. 1.368-C do Código Civil, no sentido de que esse constitui "uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza". Além dessa norma, está tratado até a letra f do mesmo comando. Por fim, tem-se aquilo que denominamos como condomínio protoedilício, correspondente à situação condominial especial e transitória que intermedeia o período entre o registro da incorporação imobiliária e a futura instituição do condomínio edilício. Essa última figura será tratada de forma mais profunda mais à frente, sendo tal instituto o foco do presente artigo, ao lado do condomínio edilício. 3. Condomínio edilício, existência física da edificação e incorporação imobiliária. O condomínio edilício é, por definição legal, atrelado a uma edificação já existente. O próprio caput do art. 1.331 do Código Civil é textual em vinculá-lo a "edificações": "pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos". Trata-se de norma semelhante ao que já estava previsto no caput do art. 1º de Lei de Incorporação Imobiliária (lei 4.591/64), que alude expressamente a "edificações ou conjunto de edificações".3 Em complemento, outros comandos legais partem do mesmo pressuposto, como os dispositivos que, ao tratar do condomínio edilício, expressamente fazem menção a partes fisicamente existentes da edificação. Veja, por exemplo, os arts. arts. 3º, 5º, 8º e 9º da lei 4.591/64. Se, eventualmente, o titular da propriedade pretender alienar "na planta" as futuras unidades autônomas, terá o dever jurídico de efetivar previamente um ato jurídico específico, a ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, qual seja a incorporação imobiliária, nos termos do art. 29 da própria lei 4.591/64.4 A incorporação imobiliária, assim, é o ato jurídico que autoriza e possibilita a concretização dessas alienações "na planta". Sua razão de ser é a necessidade de tutelar os interesses individuais homogêneos de potenciais adquirentes das unidades imobiliárias. Trata-se, portanto, de um instituto vocacionado à efetiva tutela coletiva de direitos, para a diminuição dos riscos assumidos pelos compradores. 4. Condomínio edilício: nascimento. Quanto ao condomínio edilício, ele consiste em uma pluralidade de unidades imobiliárias autônomas vinculadas a uma fração ideal do solo e às demais partes comuns, consoante o citado art. 1.331 do CC. Nasce ele por meio do registro, no Cartório de Imóveis, de um ato jurídico específico, qual seja a instituição do condomínio edilício (art. 1.332 do CC). Esse ato de instituição traz, assim, a estrutura jurídico-real do condomínio edilício, o seu esqueleto.5 Ou, ainda, pode-se dizer que a instituição do condomínio encerra um ato de gestação.6 O funcionamento do condomínio edilício, por sua vez, é tratado pela sua convenção, que traz as regras de operacionalização interacional dos condôminos, como quórum de votação, forma de administração, entre outros, consoante o art. 1.333 do Código Civil.7 Pode-se afirmar, portanto, que convenção dá a alma àquele metafórico esqueleto.8 A convenção de condomínio, nesse contexto, constitui o estatuto coletivo que regula os interesses das partes que fazem parte da relação jurídica condominial, havendo um típico negócio jurídico decorrente do exercício da autonomia privada.9 Assim, em regra, a existência física da edificação é um pressuposto para o condomínio edilício. Todavia, em alguns Estados brasileiros, a prática registral flexibilizava essa premissa, admitindo-se o registro da instituição do condomínio edilício antes mesmo da averbação da construção, após a expedição do "habite-se". O motivo para tanto era meramente pragmático, com a ideia de se criar precocemente um sujeito de direito - o condomínio edilício -, com CNPJ próprio, sobretudo para celebrar contratos que atendam aos interesses da coletividade formada, como os relativos ao fornecimento de serviços essenciais, como água e energia elétrica. A propósito, em razão do princípio da unitariedade matricial, a abertura de matrícula das unidades autônomas antes do registro da instituição condomínio edilício sempre foi tema sensível. Por uma interpretação literal, realmente não se poderia admitir a abertura dessas matrículas em tais condições, pois a existência do condomínio edilício só se dá com o registro do ato de sua instituição. Havia, porém, um problema prático-registral no caso de haver o registro de uma incorporação imobiliária, relacionado à poluição informacional da matrícula-mãe, gerando uma situação insustentável se todos os atos jurídicos relativos a cada uma das várias unidades autônomas fossem nela concentrados. Em outras palavras, a matrícula-mãe ficaria confusa, com o cruzamento de informações jurídicas dos fatos jurídicos de cada uma das várias unidades autônomas. A título de ilustração, falecimentos, casamentos, transmissões causa mortis, penhoras e outros vários fatos jurídicos de cada unidade imobiliária ficariam perdidos na matrícula-mãe, ao lado de atos relativos à própria edificação. Por essa razão, algumas unidades da federação, como o Estado de São Paulo, chegaram a uma solução pragmática, de admitir a abertura de uma ficha auxiliar para cada unidade autônoma futura, que se convolaria em uma matrícula quando do futuro ato de instituição do condomínio edilício.10 Tratava-se, assim e na nossa opinião, de uma solução tecnicamente perfeita, contando com o nosso apoio. Justamente por isso, outros Estados, diante das mesmas razões pragmático-registrais, foram além e autorizaram a abertura de matrículas antes mesmo do ato de instituição do condomínio edilício, flexibilizando o princípio da unitariedade matricial. Isso, porém, não significava que o condomínio edilício já tivesse sido instituído desde então, pois a instituição só se concretizaria com o registro futuro do ato de instituição, após a averbação da construção. A abertura precoce da matrícula era apenas um imperativo de ordem pragmático-registral para impedir a citada poluição informacional da matrícula-mãe. O próprio art. 237-A da Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73) corroborou esse caminho quando se tratasse de registro de incorporação imobiliária. A abertura das matrículas-filhas passou a ser permitida, de modo facultativo. Esse cenário passou a valer desde o surgimento do referido dispositivo com a Medida Provisória 459/09, que gerou a lei 11.977/09 (Lei Minha Casa, Minha Vida), e persiste, com ajustes, com a sua atual redação vigente, por força da Lei do SERP (lei 14.382/22).11 Portanto, reafirmamos o nosso entendimento segundo o qual condomínio edilício só nasce com o registro do seu ato de instituição. Ademais, em regra, esse nascimento pressupõe a prévia existência física da edificação, formalizada por meio da averbação da construção após a expedição do "habite-se". Antes da Lei do SERP, admitia-se, de modo excepcional e em alguns Estados da federação, o registro precoce do registro do ato de instituição do condomínio edilício, o que era - a nosso sentir - equivocado. Após a Lei do SERP, deixou de ter sentido essa verdadeira contemporização praticada em alguns Estados, porque o instituto do condomínio protoedilício ficou mais bem delineado, com indicação de seus representantes (a comissão de representantes) para a prática de atos jurídicos. É possível discutir se o condomínio protoedilício poderia vir a receber CNPJ e a praticar atos jurídicos em seu próprio nome, mesmo fora das hipóteses de destituição do incorporador - art. 43, § 3º, inc. II, letra c, da lei 4.591/64 -, desde que haja assembleia geral deliberando nesse sentido.12   5. Condomínio protoedilício (condomínio sobre frações ideais) Após o registro da incorporação imobiliária - nos termos do antes referenciado art. 29 da lei 4.591/64 -, o terreno passa a ser juridicamente vinculado a transformar-se em um condomínio edilício, o que será efetivado após a conclusão das construções. Essa vinculação, porém, sujeita-se a duas condições, eventos futuros e incertos. A primeira delas é a conclusão das obras; a segunda a não desistência do incorporador, dentro do prazo de carência. Sobre essa última condição, a Lei de Incorporação Imobiliária autoriza que o incorporador desista do empreendimento dentro de um lapso temporal indicado quando do registro da incorporação. Esse lapso temporal é batizado como prazo de carência (arts. 32, "n", e 34 da lei 4.591/64). É justamente por conta dessa vinculação condicional do terreno a um futuro condomínio edilício que a Lei de Incorporação Imobiliária admite que o incorporador possa alienar, "na planta", as futuras unidades autônomas. Na verdade, o objeto da alienação é a fração ideal do terreno, que corresponderá à futura unidade autônoma pretendida pelo adquirente. O fato é que, nessa dinâmica jurídica, a propriedade do terreno abandona o seu perfil unitário ou, se for o caso13, o regime de condomínio geral do art. 1.314 do Código Civil.14 Surge uma situação condominial intermediária, temporária e de transição, envolvendo a comunhão - potencial ou efetiva -, dos adquirentes das futuras unidades autônomas. Entendemos que essa situação condominial não se confunde com o instituto do condomínio edilício, cuidando-se de uma situação condominial própria. Prova disso é que o próprio § 1º-A do art. 32 da Lei de Incorporação Imobiliária refere-se a essa situação como um regime condominial especial, in verbis: "o registro do memorial de incorporação sujeita as frações do terreno e as respectivas acessões a regime condominial especial, investe o incorporador e os futuros adquirentes na faculdade de sua livre disposição ou oneração e independe de anuência dos demais condôminos".  A lei 14.382/22 (Lei do SERP), ao acrescentar o § 15 do art. 32 da Lei de Incorporação Imobiliária, bem como o inciso II ao § 10 do art. 213 da Lei de Registros Públicos, denominou essa situação condominial como "condomínio sobre as frações ideais" ou "condomínio por frações ideais", em alusão ao fato de que os adquirentes são titulares de uma fração ideal do terreno vinculada às futuras unidades autônomas. Na verdade, o legislador não se preocupou com um nome de batismo, o que evidencia a constatação de ter usado preposições diferentes nas expressões destacadas. Não houve, portanto, uma preocupação taxonômica do legislador, ou seja, a sua atenção estava mais no conteúdo do que na forma. O seu objetivo era deixar claro o regime jurídico especial dessa situação condominial. Aliás, a taxonomia, com a denominação das categorias jurídicas, representa mais uma tarefa da doutrina do que do legislador. Por isso, preferimos, em sede doutrinária, designar essa situação condominial de condomínio protoedilício. Vejamos, assim, o que sustentamos em obra escrita a quatro mãos:  "Regime condominial especial (condomínio protoedilício). Com o registro da incorporação imobiliária, nasce o 'regime condominial especial', por força do qual e' viável a alienação ou a oneração individualizada das futuras unidades autônomas, independentemente da anuência dos demais (art. 32, § 1º-A, da lei 4.591/64). Essa situação e' batizada de 'condomínio por frações autônomas' pelo inc. II do § 10 do art. 213 da LRP. Parece-nos mais adequado considera'-lo um condomínio protoedilício, pois ele e' um 'nascituro' do futuro condomínio edilício. O § 1º-A do art. 32 da lei 4.591/64 e' importante para deixar claro que regras do condomínio tradicional, como o direito de preferência dos condôminos no caso de venda da fração ideal (art. 504 do CC), não são aplicáveis ao condomínio protoedili'cio".15 Assim, parece-nos que não houve, ao menos na sua totalidade, uma inovação legislativa nesse tratamento. A Lei do SERP apenas deu clareza ao que já se admitia no âmbito da comunidade jurídica, afastando dúvidas, esclarecendo a natureza jurídica dessa categoria e estabelecendo algumas regras operacionais importantes. Sobre a existência de um "nascituro" para o condomínio edilício futuro, Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro, em sentido próximo, fala na presença de um instituto "congênito" ao registro da incorporação. Vejamos as suas palavras, às quais nos filiamos:  "Coloca-se em evidência que este regime condominial especial, congênito ao registro da incorporação, não dispensa - e nem poderia - o registro da instituição e especificação do condomínio edilício que continua sendo necessário como medida essencial para descortinar a transposição de um regime jurídico condominial para o outro (leia-se: de condomínio de frações ideais para o condomínio edilício). Noutras palavras, o registro da incorporação, que antecede a edificação do prédio e serve antes de tudo a viabilizar o início da negociação das unidades autônomas a serem erigidas, em nada se relaciona com o nascimento jurídico das unidades em regime de condomínio edilício, ainda não instituído. Por possuírem naturezas e efeitos jurídicos distintos, o registro da incorporação não se presta a suprir o registro posterior da instituição e especificação condominial".16 Acrescenta-se que o legislador foi absolutamente consciente ao se referir ao condomínio protoedilício por meio de expressões diversas, como condomínio sobre frações ideias. Durante o processo legislativo de conversão da Medida Provisória, foram feitas tentativas de utilização do nome condomínio edilício no novo texto legal. O pleito, porém, não foi acolhido por uma razão clara, qual seja a de que o condomínio protoedilício não se confunde com o condomínio edilício. Trata-se de um instituto totalmente diverso, e com marco natalício diverso. O condomínio protoedilício nasce com registro da incorporação imobiliária, ao passo que o condomínio edilício, com o registro do seu ato de instituição. Para se alterar essa realidade jurídica, seria necessário que vários dispositivos da legislação brasileira fossem modificados ou mesmos revogados, com inclusão dos artigos que preveem o registro da instituição do condomínio edilício. Entretanto, nota-se que o legislador não avançou nesse sentido, mas, muito ao contrário, destacou a diferença da situação condominial especial surgida com a incorporação imobiliária, distanciando-a juridicamente do condomínio edilício, que só nasce com o registro do ato de instituição. Aliás, a diferença de regime jurídico entre o condomínio edilício e o condomínio protoedilício tem ressonância em outros países. Na Espanha, por exemplo, o condomínio edilício é conhecido como propiedad horizontal. Já as situações jurídicas de alienações "na planta" - que, entre nós, são tratadas sob as vestes de institutos como incorporação imobiliária - estão dentro do que os juristas espanhóis designam de situación de prehorizontalidad. Os espanhóis tratam, em separado, as duas hipóteses - a de propiedad horizontal e a situación de prehorizontalidad -, por um motivo óbvio: o regime jurídico de cada um é diferente, por dizer respeito a contextos totalmente diferentes. Nesse sentido, o jurista espanhol Rafael Arnaiz Eguren - uma das principais autoridades no tema - é bem assertivo em realçar a diferença de regime jurídico entre a propriedad horizontal e a situación de prehorizontalidad, do que decorre a inviabilidade de pretender buscar unificar científica e normativamente as hipóteses.17 De fato, o regime jurídico de horizontalidad pode resultar de uma situação prévia de prehorizontalidad, dotada de um regime jurídico próprio. O regime jurídico para as situações protoedilícias - ou, no linguajar espanhol, situações de prehorizontalidad -, oscila a depender do País. Na Argentina, por exemplo, o seu novo Código Civil (Código Civil y Comercial de la Nación) promoveu mudanças no seu mecanismo de proteção dos adquirentes de imóveis "na planta", passando a exigir do empreendedor a contratação de um seguro obrigatório para cobrir eventuais prejuízos18. Em igual sentido, o articulo 2.070 do Código Civil Argentino - que integra o Capítulo 10, tratando da Prehorizontalidad -, ao se referir às situações protoedilícias - prehorizontales -, é inequívoco em falar de situações anteriores à constituição do condomínio edilício - propriedad horizontal: "CAPITULO 10. PREHORIZONTALIDAD ARTICULO 2070. Contratos anteriores a la constitución de la propiedad horizontal. Los contratos sobre unidades funcionales celebrados antes de la constitución de la propiedad horizontal están incluidos en las disposiciones de este Capítulo". Como se vê, mesmo sob uma perspectiva de outros Países, não há falar em condomínio edilício antes da existência física de uma edificação. Seguindo na exposição a respeito do tema, pontuamos que condomínio protoedilício é representado pela comissão de representantes, que representa os interesses dos titulares das futuras unidades autônomas. Como é notório, é obrigatória a sua criação em caso de incorporação imobiliária, com registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos (art. 50, caput, da Lei de Incorporação Imobiliária). Sem prejuízo do que está nos parágrafos do supracitado art. 50 da Lei de Incorporação Imobiliária, essa comissão de representantes tem como atribuições principais: a) o direito a receber do incorporador os documentos relativos ao andamento das obras (art. 31-D, incisos IV e VI, e art. 43, caput, inc. I, da Lei de Incorporação Imobiliária); e b) representar os titulares das futuras unidades autônomas nos atos decorrentes da substituição do incorporador (art. 31-F, § 1º e art. 43, § 1º, da Lei de Incorporação Imobiliária). A propósito, vejamos as palavras sempre precisas de Caio Mário da Silva Pereira: "Os adquirentes representam-se, pois, pela Comissão, escolhida por eles próprios, a qual conserva o mesmo poder em relação aos cessionários ou sub-rogados nos direitos daqueles que realizaram a nomeação. No direito francês, criou-se um órgão de defesa dos interessados, com a denominação de Conseil de Surveillance, com o encargo de efetuar, no interesse coletivo dos associados, fiscalização permanente sobre a administração da sociedade".19 Como se percebe, a atuação da comissão de representantes não se confunde com as atividades dos órgãos administrativos do condomínio edilício, quais sejam o síndico, o subsíndico - eventualmente -, e o conselho fiscal, que estão tratados entre os arts. 1.347 a 1.356 do Código Civil. Por todo o exposto, do ponto de vista formal, cumpre esclarecer que o condomínio protoedilício nasce automaticamente com o registro da incorporação imobiliária, conforme se retira do § 15 do art. 32 da Lei de Incorporação Imobiliária.20 Em nome da boa técnica de redação registral, convém que o registrador, no teor do ato de registro, faça menção expressa a tanto. O condomínio edilício, por sua vez, só nascerá quando do registro, na matrícula, do ato de instituição do condomínio edilício. A Lei do SERP nada mudou nesse ponto. Assim, segue atual, por exemplo, a lição de José Marcelo Tossi Silva que, de modo explícito, realça que o registro da incorporação imobiliária não afasta a necessidade de, no momento oportuno, ser feito o registro da instituição do condomínio edilício.21 6. Da distinção entre o condomínio protoedilício e o condomínio edilício Como já demonstrado, o condomínio protoedilício não se confunde com o condomínio edilício, por ser, como definimos, o "nascituro" do último. Há, assim, uma espécie de ato jurídico preliminar, que almeja o ato definitivo, que é justamente o condomínio edilício. A distinção entre institutos jurídicos deve observar tanto a opção legislativa quanto razões de ordem ontológica e teleológica. O legislador foi bem claro em distinguir as duas espécies de condomínio. Além disso, a razão de ser e a finalidade dos institutos não coincidem. De fato, o condomínio protoedilício: a) não exige a existência física de uma edificação; b) é representado pela comissão de representantes, registrada no Cartório de Registro de Títulos e Documentos; c) nasce com o registro da incorporação; d) objetiva proteger os titulares das futuras unidades autônomas de intercorrências durante o andamento das obras; e e) deve ser considerado extinto no caso de desistência do incorporador dentro do prazo de carência (art. 34 da Lei de Incorporação Imobiliária). Essa estrutura jurídica é totalmente diferente do condomínio edilício, cuja razão de ser e a finalidade pressupõem a existência física da construção. O seu objetivo é garantir a boa interação entre os diferentes titulares das unidades autônomas dentro do contexto de uma edificação já existente. Sem a existência física da construção, não se deve falar em condomínio edilício, repise-se. Aliás, no caso de ruína da edificação, deve-se considerar extinto o condomínio edilício se não se deliberar pela sua reconstrução, nos termos do art. 1.357 do Código Civil, que por razões óbvias não se aplica ao condomínio protoedilício.22 Assim, para os necessários fins de diferenciação categórica, observamos que o condomínio edilício: a) exige a existência física de uma edificação; b) é representado pelo síndico; c) nasce com o registro do ato de instituição no Cartório de Registro de Imóveis; d) objetiva tutelar a interação dos condôminos dentro do contexto de uma edificação já existente; e e) extingue-se com a ruína da edificação, salvo se se deliberar pela reconstrução. 7. Problemas práticos em reconhecer o nascimento do condomínio edilício com o registro da incorporação Além de contrariar o texto legal, a tese que pretende reconhecer a instituição do condomínio no registro do memorial de incorporação imobiliária ocasionaria problemas jurídicos relativos a conflitos normativos de difícil superação. E esses problemas serão prejudiciais tanto para as incorporadoras quanto para os adquirentes. Como primeiro problema, o Código Civil estabelece alguns requisitos formais que devem ser observados nos condomínios edilícios, destacando-se os quóruns exigidos para determinadas questões, como para a realização de obras e de benfeitorias (ex.: arts. 1.341 e 1.342). Por óbvio que tais regras não podem ser aplicadas ao condomínio existente antes da realização e encerramento das obras, o que não faria o menor sentido, seja no plano fático, seja no jurídico. Essa afirmação igualmente vale a respeito dos deveres dos condôminos em pagar as contribuições relativas ao condomínio edilício, em conservar a edificação, em não ameaçar o sossego dos demais condôminos, nos termos dos incisos do art. 1.336 do Código Civil.23 Mais uma vez tais previsões pressupõem a existência física de uma edificação, com a interação social entre os condôminos em razão do exercício da posse sobre as unidades autônomas existentes. Ora, os pressupostos são diferentes no ambiente do condomínio protoedilício, em que não há essa interação por se tratar de uma situação destinada a garantir o sucesso futuro da edificação de acordo com o projeto. Mesclar institutos com pressupostos, regimes jurídicos e finalidades diferentes sempre dá ensejo a teses jurídicas perigosas, ameaçando a segurança jurídica, a certeza, a estabilidade e a funcionalidade das categorias jurídicas. Como é notório, o que fundamenta as regras relativas ao condomínio edilício previstas no Código Civil é a efetivação da vida em comum, no melhor sentido da função social da propriedade, nos termos do art. 5º, incisos XXII e XXIII da Constituição e do art. 1.228, § 1º, da codificação privada em vigor.24 Essa é a estrutura existente, justificada pela sua finalidade, que não está presente no condomínio protoedilício. Por isso, a tese de defender o nascimento do condomínio edilício com o registro da incorporação imobiliária é totalmente antifuncional. Em continuidade de estudo, o condomínio edilício não possui natureza transitória, ao contrário do condomínio protoedilício. Dessa afirmação decorrem problemas jurídicos de difícil equacionamento, como as regras relativas à desistência da incorporação imobiliária dentro do prazo de carência previsto no art. 34 da Lei de Incorporação Imobiliária. Essas regras só podem ser aplicadas ao condomínio protoedilício, pois esse é que tem natureza transitória, não podendo incidir em casos envolvendo o condomínio edilício, sob pena de gerar situações de abandono e de não atendimento da função social. Outro problema a ser considerado é que não há como conciliar as regras de gestão do condomínio edilício previstas no Código Civil com a gestão do condomínio protoedilício, especialmente diante do fato de que o incorporador tem o dever legal de seguir o projeto, e não as deliberações dos condôminos, que são soberanas, sobretudo aquelas que surgem da convenção condominial e das assembleias gerais. Sobre a convenção de condomínio, o art. 1.333 do Código Civil é claro quanto à aplicação da força obrigatória, pela máxima pacta sunt servanda, prevendo que "a convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção". Há, assim, um negócio jurídico coletivo que submete os participantes do condomínio edilício às suas regras. Como bem explica Marco Aurélio Bezerra de Melo, "na formação tem-se um negócio jurídico plurilateral, em que os condôminos deliberarão, por maioria, respeitados a lei 4.591/64 e o Código Civil, os seus interesses na forma como lhes aprouver. Após o registro da convenção de condomínio, teremos uma regra de direito em que se estabelecerão os direitos e deveres recíprocos dos condôminos, independentemente de estes terem ou não participado na sua laboração. Outro motivo que aproxima a convenção de uma norma jurídica é a sua normatividade genérica e abstrata, de modo que todas as pessoas que ingressarem na esfera de proteção jurídica da convenção se submeterão ao seu comando".25 Aplicar essas premissas jurídicas antes da existência do edifício, com o encerramento da construção, é inviável juridicamente.  Outro problema a ser considerado como consequência nefasta da tese indevida de admitir o nascimento do condomínio edilício com o registro da incorporação imobiliária diz respeito à inviabilidade de subsunção das punições impostas aos condôminos antissociais, que não cumprem com as suas obrigações perante o condomínio, para o cenário de uma situação condominial de um imóvel ainda "na planta"; sem existir citada interação efetiva de convívio entre os condôminos. Não seria possível, assim, aplicar o art. 1.337, seja o seu caput ou seu parágrafo único, que consagram penalidades de cinco a dez vezes o valor da contribuição condominial ao condômino nocivo.26 Em continuidade de exposição da problemática a respeito da confusão entre os institutos, se se considerar como edilício o condomínio existente com o mero registro da incorporação, os adquirentes poderiam ser cobrados quanto às contribuições condominiais antes mesmo de estarem imitidos na posse de suas unidades. A mesma afirmação valeria para o incorporador, pois seria considerado igualmente como condômino, em um regime jurídico totalmente avesso e distante ao que hoje é praticado, o que geraria insegurança e instabilidade jurídica. Além disso, o próprio direito do incorporador em desistir da incorporação dentro do prazo de carência seria sujeito a controvérsias jurídicas se se entendesse já existir um condomínio edilício. É que, no condomínio edilício, os condôminos é que velam pela edificação, de maneira que seria extremamente possível vir a prevalecer a tese de que o incorporador, para desistir da incorporação no prazo de carência, precisaria de consentimento de 2/3 (dois terços) dos condôminos por força de possível leitura do art. 1.351 do Código Civil.27 De fato, as regras de desistência do incorporador dentro do prazo de carência não convivem com a equivocada tese de já existir um condomínio edilício. Igualmente sofreria o incorporador problemas jurídicos relacionados à relativa liberdade de que ele desfruta na condução das obras. Em havendo um condomínio edilício, o incorporador teria de sujeitar-se às deliberações aprovadas em assembleia, além de ter de submeter-se a atuação de eventual conselho fiscal que o condomínio venha a instituir, consoante o art. 1.356 do Código Civil.28 Aliás, soa de difícil conciliação haver um conselho fiscal do condomínio edilício com a comissão de representantes, visto que essa última igualmente tem o papel de velar pelos interesses dos adquirentes durante a construção. Existem, ainda, antinomias praticamente insuperáveis se adotássemos a equivocada tese de nascimento do condomínio edilício no momento do registro da incorporação. Uma delas diz respeito ao fato de que o condomínio edilício é um sujeito de direito despersonalizado, que é representado pelo síndico, que pode praticar atos jurídicos e que tem CNPJ. Parece-nos ser totalmente inviável conciliar essa realidade jurídica com o papel da comissão de representantes e com outros dispositivos da lei 4.591/64. Por exemplo, no caso de destituição do incorporador por justo motivo, o art. 43, § 2º, da lei 4.591/64 menciona que a ata da assembleia de destituição do incorporador, se registrada no Cartório de Títulos e Documentos, é idôneo para "a inscrição do respectivo condomínio da construção no CNPJ" e para a "imissão da comissão de representantes na posse do empreendimento". Ora, se já existe um condomínio edilício com CNPJ, o qual é representado pelo síndico, não haveria sentido algum em, nesse caso da destituição, ser criado um outro condomínio, com outro CNPJ, a ser conduzido por uma comissão de representantes. Há um problema lógico insuperável em defender a existência de um condomínio edilício, representado por síndico e com CNPJ, concomitantemente com outro condomínio, representado por comissão de representantes e com CNPJ. Também seria de dificílima conciliação as regras relativas à alteração do projeto de incorporação. O art. 43, inc. IV, da lei 4.591/64 estabelece que o incorporador, ao longo das obras, não pode alterar o projeto nem se desviar do plano da construção, "salvo autorização unânime dos interessados".29 Se, porém, entendermos equivocadamente que já há um condomínio edilício desde o registro da incorporação, tornar-se-á possível defender a aplicação do art. 1.351 do Código Civil, que autoriza mudanças de destinação do edifício por 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos, ou a aplicação do art. 1.341 da própria codificação privada, que autoriza benfeitorias voluptuárias ou úteis mediante respectivamente 2/3 ou maioria dos condôminos. Como se percebe, essa seria mais uma antinomia de dificílima conciliação e solução técnica, que surgiria se se promovêssemos a mistura dadaísta e incompatível de situações jurídicas ontológica e teleologicamente diferentes - a situação protoedilícia ou de prehorizontalidad, para os espanhóis e os argentinos -, e a situação edilícia. Como outra questão de relevo, é descabido estender para o condomínio protoedilício as regras de extinção do condomínio edilício, sendo certo que este último, por exemplo e como antes pontuado, extingue-se com a ruína da edificação sem posterior deliberação pela reconstrução (art. 1.357 do Código Civil). No caso do condomínio protoedilício, por sua vez, se a obra que está em andamento ruir, cabe ao incorporador reerguê-la, cumprindo o projeto original e atendendo aos interesses dos adquirentes que, como regra geral, são consumidores protegidos pela lei 8.078/990. Não se poderia conceber, assim, em um dever de os condôminos deliberarem pela reconstrução, pois foi o incorporador quem se obrigou a entregar uma coisa futura. Nesse contexto, o sistema ora vigente possibilita um controle efetivo quanto à entrega aos adquirentes do produto oferecido, no caso as unidades imobiliárias adquiridas por meio da incorporação. Como é notório, no atual sistema, não havendo ainda um condomínio edilício quando o imóvel está em construção é aplicado, como premissa-geral e na imensa maioria das situações concretas, o Código de Defesa do Consumidor, com todas as suas regras e princípios protetivos aos consumidores adquirentes. Caso seja reconhecida a presença de um condomínio edilício na primeira fase do empreendimento imobiliário deixará de ter incidência o CDC, o que retirará a garantia consolidada dos direitos dos adquirentes consumidores, com grandes prejuízos para a coletividade e para a própria ordem pública. Como é cediço, a lei 8.078/90 é norma principiológica, com prioridade de aplicação, nos termos do seu art. 1º, e da proteção constitucional dos consumidores como direito fundamental, consagrado pelo art. 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988, in verbis: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Como está expresso no dispositivo inaugural da Norma Consumerista, "o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias". Observe-se, nesse contexto, que a jurisprudência superior tem posição consolidada no sentido de não aplicar o Código de Defesa do Consumidor na relação interna entre condôminos e condomínio, entre outras razões, por faltar a alteridade da relação jurídica, uma vez que os condôminos são componentes do próprio condomínio edilício. Essa posição está tão consolidada na Corte que passou a compor a sua ferramenta Jurisprudência em Teses. Conforme a premissa número 10, constante de sua Edição n. 68, dedicada ao condomínio edilício e publicada em 2016, "nas relações jurídicas estabelecidas entre condomínio e condôminos não incide o Código de Defesa do Consumidor". Nesse contexto, além de todos os problemas técnicos aqui expostos, e da grave confusão categórica em se afirmar a existência de um condomínio edilício desde o início das etapas do empreendimento imobiliário, com o imóvel ainda "na planta", fica claro o objetivo de afastar a incidência do CDC, trazendo gravíssimos problemas para os consumidores adquirentes, vulneráveis e hipossuficientes, favorecendo-se sobremaneira agentes de mercado hipersuficientes, no caso as construtoras, incorporadoras e agentes financeiros. Assim, é totalmente inconciliável misturar a situação de representação dos entes condominiais. Enquanto o condomínio protoedilício é representado pela comissão de representantes; o condomínio edilício é representado pelo síndico. Por todo o desenvolvido, observa-se que o legislador não se atreveu a confundir os institutos jurídicos do condomínio protoedilício e do condomínio edilício por uma razão clara e percetpível de imediato: os seus pressupostos, os regimes jurídicos aplicáveis e as finalidades dessas figuras são totalmente diferentes. Totalmente inviável, portanto, no âmbito da aplicação das normas jurídicas, forçar interpretações no sentido de mesclar ou baralhar esses institutos, sob pena de criar uma caótica Babel de antinomias normativas, de se quebrar um sistema de aquisição seguro e com funcionalidade, que visa a trazer certeza e a efetiva proteção aos adquirentes que, regra geral, são consumidores, vulneráveis e hipossuficientes, amparados pelo Código de Defesa do Consumidor. Cabe um último esclarecimento, o art. 30 da lei 4.591/64 estabelece que é incorporador os "proprietários e titulares de direitos aquisitivos que contratem a construção de edifícios que se destinem a constituição em condomínio, sempre que iniciarem as alienações antes da conclusão das obras". O raciocínio até aqui exposto aplica-se também a essa hipótese: com o registro da incorporação, nascerá o condomínio protoedilício. Antes desse registro, os condôminos que contrataram a construção do edifício para futura instituição de um condomínio edilício mantêm uma posição de condomínio tradicional, nos termos dos arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, mas estão vinculados contratual ou estatutariamente ao acordo existente entre eles para a realização da obra e para a futura instituição do condomínio edilício. ---------- 1 CC/2002. "Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. §1º. As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (Redação dada pela Lei nº 12.607, de 2012). § 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos. § 3º. A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004). § 4º. Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público. § 5º. O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio". Lei n. 4.591/1964. "Art. 7º O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel, dêle constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade." Lei de Registros Públicos. "Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. I - o registro: (...) 17) das incorporações, instituições e convenções de condomínio;" 2 OLIVEIRA, Carlos E. Elias; TARTUCE, Flávio. Lei do Sistema Eletrônico de Registros Públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 243. 3 Lei 4.591/64. "Art. 1º As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta Lei". 4 Lei 4.591/64. "Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, (VETADO) em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas. Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o alienante como incorporador. 5 OLIVEIRA, Carlos E. Elias de; COSTA-NETO João. Direito Civil. Volume Único. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 967. 6 TARTUCE, Flavio. Direito Civil. Volume 4. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 13ª Edição, 2021, p. 407. 7 CC/02. "Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção". 8 Nesse contexto de afirmação, vejamos as lições do segundo coautor: "Instituir e' o ato que dá' existência jurídica ao condomínio, fazendo nascer juridicamente as unidades autônomas vinculadas a uma fração ideal do solo e das áreas comuns. O ato de instituição e' registrado na matrícula do imóvel, a qual fica no Livro 2 do Cartório de Registro de Imóveis (arts. 167, "17", 176, 227, 237-A da LRP). Constituir e' o ato pelo qual se registra a convenção de condomínio, estabelecendo regras relativas ao funcionamento do condomínio. A convenção, além de reiterar os requisitos formais do ato instituição - para deixar claro quais são as unidades autônomas -, da' as regras relativas a` custeio financeiro do condomínio, a` sua administração, a` competência da assembleia e ao regi- mento interno. Os seus requisitos estão no art. 1.334 do CC e no art. 9o, § 3o, da Lei no 4.591/64. A constituição se instrumentaliza por uma convenção que deve ser registrada no Livro 3 do Cartório de Registro de imóveis (arts. 167, "17", e 178, III, LRP e art. 9o, § 1o, da Lei no 4.591/64). Ela não e' registrada na matrícula do imóvel - a qual fica no Livro 2 -, porque a convenção não trata da estrutura de direito real de propriedade do condomínio edilício, e sim das regras de funcionamento do condomínio. Numa metáfora, instituir o condomínio edilício e' criar o corpo (esqueleto e carne). Constituir e' dar a alma para esse corpo funcionar" (OLIVEIRA, Carlos E. Elias de; COSTA-NETO João. Direito Civil. Volume Único. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 967).  9 TARTUCE, Flavio. Direito Civil. Volume 4. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 13ª Edição, 2021, p. 407-408. 10 Em São Paulo, por exemplo, veja os itens 220 a 222 do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo (NSCGJ/SP): "220. Recomenda-se a elaboração de uma ficha auxiliar de controle de disponibilidade, na qual constarão, em ordem numérica e verticalmente, as unidades autônomas, a exemplo do estabelecido para os loteamentos (item 176.1 171.1.) (Alterado pelo Provimento CG nº 37/2013 e Renumerado pelo Provimento CG nº 56/2019). 221. Antes de averbada a construção e registrada a instituição do condomínio, será' irregular a abertura de matrículas para o registro de atos relativos a futuras unidades autônomas. (Alterado pelo Provimento CG nº37/2013 e Renumerado pelo Provimento CG nº 56/2019). 222. Uma vez averbada a construção e efetuado o registro da instituição e especificação do condomínio, proceder-se-á' a` averbação desse fato em cada ficha complementar, com a nota expressa de sua consequente transformação em nova matrícula e de que esta se refere a unidade autônoma já' construída, lançando-se, então, no campo próprio, o nu'mero que vier a ser assim obtido (modelo padronizado) (Alterado pelo Provimento CG nº 37/2013 e Renumerado pelo Provimento CG nº 56/2019). 222.1. Antes de operada a transformação em nova matrícula, quaisquer certidões fornecidas em relação a` unidade em construção deverá incluir, necessariamente, a da própria matrícula em que registrada a incorporação. (Acrescentado pelo Provimento CG nº 37/2013 e Renumerado pelo Provimento CG nº 56/2019)".  11 É a atual redação desse dispositivo legal, com todos os seus parágrafos: "Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo, na modalidade loteamento ou na modalidade desmembramento, e da incorporação imobiliária, de condomínio edilício ou de condomínio de lotes, até que tenha sido averbada a conclusão das obras de infraestrutura ou da construção, as averbações e os registros relativos à pessoa do loteador ou do incorporador ou referentes a quaisquer direitos reais, inclusive de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento e suas unidades, bem como a própria averbação da conclusão do empreendimento, serão realizados na matrícula de origem do imóvel a ele destinado e replicados, sem custo adicional, em cada uma das matrículas recipiendárias dos lotes ou das unidades autônomas eventualmente abertas.   (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022). § 1º Para efeito de cobrança de custas e emolumentos, as averbações e os registros relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico e realizados com base no caput deste artigo serão considerados ato de registro único, não importando a quantidade de lotes ou de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes.   (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022). § 2º Nos registros decorrentes de processo de parcelamento do solo ou de incorporação imobiliária, o registrador deverá observar o prazo máximo de 15 (quinze) dias para o fornecimento do número do registro ao interessado ou a indicação das pendências a serem satisfeitas para sua efetivação. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009). § 3º O registro da instituição de condomínio ou da especificação do empreendimento constituirá ato único para fins de cobrança de custas e emolumentos.  (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011). § 4º É facultada a abertura de matrícula para cada lote ou fração ideal que corresponderá a determinada unidade autônoma, após o registro do loteamento ou da incorporação imobiliária.   (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022). § 5º Na hipótese do § 4º deste artigo, se a abertura da matrícula ocorrer no interesse do serviço, fica vedado o repasse das despesas dela decorrentes ao interessado, mas se a abertura da matrícula ocorrer por requerimento do interessado, o emolumento pelo ato praticado será devido por ele.    (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)". 12 Lei n. 4.591/1964. "Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: (...) § 2º Da ata da assembleia geral que deliberar a destituição do incorporador deverão constar os nomes dos adquirentes presentes e as seguintes informações: (...) III - as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia." 13 Referimo-nos à hipótese de dois ou mais sujeitos serem titulares do terreno. 14 CC/2002. "Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outro" 15 OLIVEIRA, Carlos E. Elias; TARTUCE, Flávio. Lei do Sistema Eletrônico de Registros Públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 243. 16 RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro O regime jurídico-registral da incorporação imobiliária à luz da lei 14.382/22. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/371876/o-regime-juridico-registral-da-incorporacao-imobiliaria. Acesso em 17 de janeiro de 2023. 17 Sobre Rafael Eguren, o registrador espanhol Fernando P. Méndez González - tido como a maior autoridade registral espanhola (vide https://www.anoreg.org.br/site/imported_1889/) - testemunha: "Todos los registradores de la propriedad, salvo, quizás , los más recientes, saben que Rafael Arnaiz Eguren se há distinguido constantemente em ambas dimensiones: ejercicio prudente de las facultades registrales y defensa enérgica de las mismas frente a los intentos de debilitamiento propiciados por intereses especiales y sesgados, com gran capacidad - en ocasiones - de interloución política. (...) Rafael Arnaiz Eguren es, además, el Registrador de la Propriedad de referencia en los asuntos urbanísticos relacionados con el Registro para todos los registradores de la propriedade y, en general, para los profisionales del derecho que se relacionam habitualmente con el Registro de la Propriedad. Sus opiniones gozan, además, de una gran influencial doctrinal" (GONZÁLEZ, Fernando P. Méndez. Prólogo 1ª Edición. In: ERGUREN, Rafael Arnaiz. Terreno y edificación, propiedad horizontal y prehorizontalidad. Navarra/Espanha e Pamplona/Espanha: Thomson Reuters, 2015, p. 60). 18 HERNÁNDEZ, Joaquín Alejandro. Nuevo régimen de prehorizontalidad y seguro obligatorio. Disponível em: https://www.elseguroenaccion.com.ar/nuevo-regimen-de-prehorizontalidad-y-seguro-obligatorio/. Publicado em 31 de maio de 2018. 19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 293. 20 Lei n. 4.591/1964. Art. 43. § 15. "O registro do memorial de incorporação e da instituição do condomínio sobre as frações ideais constitui ato registral único". 21 "Isso, todavia, não dispensa o registro da instituição do condomínio, que é obrigatório mesmo quando existente prévio registro da incorporação imobiliária" (SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 14). 22 CC/2002. "Art. 1.357. Se a edificação for total ou consideravelmente destruída, ou ameace ruína, os condôminos deliberarão em assembleia sobre a reconstrução, ou venda, por votos que representem metade mais uma das frações ideais. § 1 o Deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se do pagamento das despesas respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante avaliação judicial. § 2 o Realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, será repartido o apurado entre os condôminos, proporcionalmente ao valor das suas unidades imobiliárias". 23 CC/2002. "Art. 1.336. São deveres do condômino: I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004). II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes". 24 CF/1988. Art. 5º. (...). XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social". CC/2002. "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.  § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas". 25 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 3ª Edição, 2021, p. 1037. 26 CC/2002. "Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia". 27 CC/2002. "Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção, bem como a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária. (Redação dada pela Lei nº 14.405, de 2022)" 28 CC/2002. "Art. 1.356. Poderá haver no condomínio um conselho fiscal, composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico". 29 Lei n. 4.591/1964. "Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: (...) IV - é vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal";
O contemporâneo acórdão da 3º Turma do STJ, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi reforçou a ratio decidenci do excelente acórdão da 4º turma de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão. Trata-se de interpretação dentro dos limites da legalidade em atendimento aos objetivos teleológicos do ordenamento jurídico.  O fenômeno já conhecido da extrajudicialização, ou seja, prática de determinados atos pelos cartórios extrajudiciais. Vale ressaltar, que sempre deverá ser consensual essa relação jurídica processual. Havendo litigiosidade, o Poder Judiciário e os advogados constituídos atuarão na busca pelo justo em ambiente não administrativo, e sim contencioso. Flávio Tartuce sempre defendeu que a exigência da via judicial no caso existência de testamento deveria ser mitigada, possibilitando assim a feitura em âmbito administrativo, especialmente nos casos em que os herdeiros são maiores, capazes e concordam com esse caminho facilitado, havendo prévio processamento de abertura do testamento na via judicial. Além disso, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o fim social da lei 11.441/2007 foi a redução de formalidades, devendo essa sua finalidade sempre guiar o intérprete do Direito. O mesmo deve ser dito quanto ao CPC/2015, inspirado pelas máximas de desjudicialização e de celeridade, em vários de seus comandos. Aliás, essa posição doutrinária foi citada e transcrita no memorável acórdão das 4º e 3º Turmas do STJ sobre o tema. Não por acaso tivemos enunciados do Colégio Notarial do Brasil em 2014, da VII Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em 2015 e enunciado do IBDFAM no mesmo sentido. Em 2016, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo editou alteração normativa para viabilizar em âmbito extrajudicial a perfectibilização desse ato que era interpretado com alcance restrito (apenas em âmbito judicial). Nesse contexto, o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do RESP 1.808.767 do STJ, da 4º Turma, disruptivo em sua intelecção normativa, já havia se posicionado positivamente quando aprovados os enunciados doutrinários sobre a extrajudicialização do direito. Aliás, o referido acórdão foi devidamente relacionado na ratio decidendi do recente acórdão da 3º Turma do STJ, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, objeto da presente análise, corroborando ainda mais a construção desse fenômeno, hipertrofiado sobretudo, com a aprovação do atual Código de Processo Civil, em suas parêmias extrajudicializantes. A maior importância dessas decisões, foram permitir um novo alcance hermenêutico ao dispositivo (artigo 610 do CPC), perscrutando um novo passo adiante, extrajudicial, mas respeitando o comando normativo "... que será judicial...". Por outro lado, podemos dizer que o alcance da expressão; "mesmo havendo testamento, é admissível a realização de inventário e partilha por escritura pública, na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e concordes", significa entalhar que o fenômeno extrajudicializante permitiu atender ao dispositivo legal estabelecido no Código de Processo de Civil (artigo 610) com as mesmas cautelas e práxis do ordenamento jurídico. Ainda que em um primeiro momento a leitura possa indicar a total exclusão da via administrativa, a interpretação teleológica permite as duas vias, não apenas a judiciária. Com efeito, vale ressaltar que na sistemática proposta, a diferença é que haverá um diálogo de concreção biprocessual - judicial e extrajudial - irradiando assim uma simbiose processual em um procedimento híbrido, mais célere, sem afastar a aplicação legal e a análise judicial prévia, o que representa uma atuação bifronte, sem afastar a missão constitucional do Ministério Público, muito menos do Poder Judiciário. Em relação ao MP, poderia ser descartado, pela ausência de incapazes, no entanto, esse raciocínio permitiu um grande passo adiante para aplicação desse mesmo arquétipo normativo nos casos de pessoas incapazes. Nesse ponto, cabe uma observação, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu no seu inciso XXXV do artigo 5º, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Por outro lado, o Código de Processo Civil possibilitou buscar a justiça por outros meios, não apenas o Poder Judiciário como única forma de acesso. Segundo o artigo 3º, não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, permitindo arbitragem, na forma da lei, e direcionando a promoção Estatal, sempre que possível, à solução consensual dos conflitos, devendo a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. No entanto, não podemos generalizar as situações, relativizando a lei, descumprindo o ordenamento jurídico. Devemos ter muita cautela na implementação das soluções jurídicas, sem divorciarmos das conquistas processuais, da segurança da essencialidade da advocacia e do papel institucional do Ministério Público - como fiscal da lei - e do Poder Judiciário. Por isso, defendemos a possibilidade dessa pacificada solução, em todos os casos, com existência de testamento e com incapazes, inspirando as Corregedorias Estaduais na edição de normas de serviço que facilitem a prática dos atos pelos advogados, notários e juízes, aplicando-se em inventários, partilhas, divórcios e separações. Objetivamente representa a pacificação do tema, permitindo os julgadores terem maior tranquilidade nos julgamentos - afastando qualquer tipo de infração hermenêutica -, não correndo o risco de insegurança de inovações legais, aplicando o direito em conformidade com o ordenamento jurídico posto. Também indica uma vereda aos Corregedores Estaduais na implementação das Normas de Serviço (expressão Paulista) ou Código de Normas Extrajudiciais. Como já mencionado em um recente alvará do TJSP, da Comarca de Iacanga, irradiada de nosso posicionamento simbiótico, essa estrutura processual híbrida, portanto, está sendo lentamente absorvida pela jurisprudência de outros Tribunais, além do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sempre tendo em vista a efetivação dos princípios supramencionados e revelando, dessa forma, o enorme peso que a compreensão principiológica galgou para que tais mitigações tanto no caso do testamento quanto no caso do sucessor incapaz ocorressem. Na verdade, nesse caso, ainda que tenha esses novos paradigmas hermenêuticos, o que não representa em nenhum momento a subsunção da coerente crítica de Lenio Luis Streck ao tratar do fenômeno de "pamprincipiologismo". Nesse contexto, vale transcrever seu posicionamento: "Por certo, a principal preocupação da Teoria do Direito deve ser o controle da interpretação, problemática agravada pelo crescimento da jurisdição em relação à legislação. O "caso brasileiro" é paradigmático nesse sentido. Se aos princípios é possível debitar esse crescimento tensional, é igualmente neles que reside o modo de, ao mesmo tempo, preservar a autonomia do Direito e a concretização da força normativa da Constituição. Daí a necessidade de um combate hermenêutico à pamprincipiologia, que enfraquece sobremodo o caráter concretizador dos princípios, ao criar uma gama incontrolável de standards retóricos--persuasivos (na verdade, no mais das vezes, enunciados com pretensões performativas) que possibilitam a erupção de racionalidades judiciais ad hoc, com forte cunho discricionário. Entretanto, como contrapartida, deve haver um cuidado com o manejo dos princípios, que não podem ser transformados em álibis retóricos e, com isso, fragilizar a autonomia minimamente exigida para o direito nessa quadra da história. Tampouco se pode continuar a utilizar a vetusta cisão entre regras - que seriam aplicadas por subsunção - e princípios, esses "aplicados por ponderação." Percebe-se que a irradiação principiólogica desenvolvida e a simbiótica relação processual freia o alcance semântico ao interpretar corretamente o artigo 610 do CPC, na medida em que permanece o procedimento "judicial", ainda que com uma mitigação da instrumentalidade das formas. Aliás, aproveitando o ensejo e a evolução do tema, dentro dos limites legais do artigo 610 do CPC, esse caso representou uma grande evolução, notadamente podendo aplicar a solução nos inventários com incapazes, destaca-se um trecho, obiter dictum, dessa atual decisão que corroborará com a aplicação desse arquétipo simbiótico: "... 12) Reafirmando essa tendência, acrescente-se que o art. 2.015 do CC/2002 estabelece que "se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz", ao passo que o art. 2.016 do mesmo Código assevera que "será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz..." Além da própria ementa: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL EM QUE HÁ TESTAMENTO. ART. 610, CAPUT E § 1º, DO CPC/15. INTERPRETAÇÃO LITERAL QUE LEVARIA À CONCLUSÃO DE QUE, HAVENDO TESTAMENTO, JAMAIS SERIA ADMISSÍVEL A REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. INTERPRETAÇÕES TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA QUE SE REVELAM MAIS ADEQUADAS. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI Nº 11.441/2007 QUE FIXAVA, COMOPREMISSA, A LITIGIOSIDADE SOBRE O TESTAMENTO COMO ELEMENTOINVIABILIZADOR DA PARTILHA EXTRAJUDICIAL. CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA INEXISTENTE QUANDO TODOS OS HERDEIROS SÃO CAPAZES E CONCORDES. CAPACIDADE PARA TRANSIGIR E INEXISTÊNCIA DE CONFLITO QUE INFIRMAM A PREMISSA ESTABELECIDA PELO LEGISLADOR. LEGISLAÇÕES ATUAIS QUE, ADEMAIS, PRIVILEGIAM A AUTONOMIA DA VONTADE, A DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E OS MEIOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL, AINDA QUE EXISTENTE TESTAMENTO, QUE SE EXTRAI TAMBÉM DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO". Portanto, não há uma total desjudicialização, pois continua havendo o atendimento teleológico do dispositivo com a análise cognitiva do Magistrado e do Promotor de Justiça, após a competente deflagração realizada pelo advogado. Dessa forma, não há desvirtuamento legal, muito menos atividade legislativa administrativa, mas sim a escorreita aplicação da ratio decidendi do RESP 1.808.767 e do atual da 3º Turma, RECURSO ESPECIAL Nº 1.951.456 - RS (2021/0237299-3), com a efetiva proteção dos incapazes - realizado judicialmente - e a valorização da norma fundamental prevista no §§ 2º e 3º do artigo 3º do Código de Processo Civil. Assim, haverá uma atuação simbiótica desses dois sistemas de acesso à justiça, o extrajudicial e o judicial, já que etimologicamente estarão sempre ligados. Por fim, com todo esse arcabouço, podemos afastar essa aflição gnoseológica jurídica para aplicar a concreção biprocessual - judicial e extrajudial - irradiando assim uma simbiose processual em um procedimento híbrido, mais célere, sem afastar a aplicação legal e a análise judicial prévia, representa uma atuação bifronte, sem afastar a missão constitucional do Ministério Público, muito menos do Poder Judiciário. Referências BRASIL. LEI N. 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código civil, Brasília, DF, jan 2002. Disponível aqui. Código Civil. Acessado em 20.11.2022. BRASIL. LEI N. 13.105 DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de processo civil, Brasília/DF, mar 2015. Disponível aqui.  Acessado em 20.11.2022. STJ. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.951.456 - RS (2021/0237299-3),. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 2022. Disponível aqui. acesso em 24.11.2022 STRECK, Lenio Luiz. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio Dilemas da crise do direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 49 n. 194 abr./jun. 2012. Disponível aqui. Acesso em: 23.11.2022 TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 6: direito das sucessões. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 600/605.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Ata notarial ou escritura pública declaratória?

As definições de ata notarial e de escritura pública são bem delineadas, portanto, nesse ponto, não há considerável divergência. Apenas para reforçar tais conceitos, trazemos a seguir o quadro elaborado pelos ilustres notários e doutrinadores Paulo Roberto Gaiger Ferreira e Felipe Leonardo Rodrigues, em obra inédita de autoria de ambos, sobre a qual podemos afirmar se tratar da mais completa obra existente sobre ata notarial do país (Ata Notarial - Doutrina, Prática e Meio de Prova. 2.ed.rev.ampl. e atual. - Salvador: Editora JusPodivm, 2020. pp 149 e 150). Semelhanças e Diferenças entre ata notarial e escritura pública Ata Notarial Escritura Pública Assessoria notarial Assessoria notarial Imparcialidade Imparcialidade Fatos Jurídicos Atos e negócios jurídicos Autenticatória Constitutiva, modificativa e Extintiva O tabelião é o autor. As partes não atuam, apenas indicam o quê constatar O tabelião é o autor, redigindo legalmente a vontade das partes Autentica e dá forma aos fatos presenciados para a proteção de direitos Autentica e dá forma à relação jurídica Desistência da assinatura pela parte: o ato pode ser subscrito, a critério do tabelião Desistência da assinatura pela parte: o ato não pode ser subscrito pelo tabelião, o ato fica sem efeito ou incompleto Sem juízo ou opinião subjetiva sobre os fatos pelo tabelião. Há um juízo estritamente objetivo Há um juízo subjetivo e objetivo sobre a capacidade das partes e legalidade sobre os atos e negócios jurídicos Descrever fatos que contenham ilícito: sim, pode Instrumentalizar atos e negócios ilícitos: não pode O tema que divide opiniões entre os notários brasileiros e estudiosos do Direito Notarial e Registral surge especificamente quando se trata da escritura pública declaratória e a sua distinção em comparação com a ata notarial. Isso ocorre devido aos costumes praticados no notariado ao longo do tempo, cujos profissionais, em sua maioria, utilizaram a escritura pública declaratória para atender a vontade das partes quando, apenas, quisessem declarar algo. Assim, notamos que há um conflito entre os conceitos legais dos atos e os costumes na prática notarial. Por um lado, há quem defenda que, quando as partes procuram um notário com a única finalidade de declarar algo, o instrumento público adequado seria a escritura pública declaratória. Por outro lado, há quem defenda que nessa situação, o instrumento público adequado seria a ata notarial. Entre os adeptos da primeira corrente (escrituras declaratórias), existem duas interpretações sobre o tema, uma mais rígida e outra mais moderada. Na mais rígida se defende, por exemplo, que, caso houver qualquer tipo de declaração de pessoas durante a realização de uma ata notarial, essa declaração não poderia ser incluída na ata, pois toda e qualquer declaração deve ser formalizada por escritura pública declaratória, sendo necessário, nesse caso, realizar outro ato público em apartado, ou seja, a ata notarial para a constatação do que lhe foi requerido, e a escritura declaratória para as declarações que surgirem durante o ato. A interpretação mais moderada, ainda dentro da primeira corrente (escrituras declaratórias), apesar de defenderem a escritura pública declaratória como o instrumento adequado quando se tratar de apenas colher declarações, não se recusam, no exemplo acima, a colher depoimentos ou declarações que possam surgir durante a realização da referida ata notarial, pois entendem que, neste caso específico, tais declarações surgiram durante a realização da ata, posto que seria o ato notarial secundário ou complementar, sendo a ata, nessa situação, o ato notarial principal ou primário. Já a segunda corrente (ata notarial) defende que toda vez que se tratar de um ato que não contenha um negócio jurídico, onde a vontade das partes não resulta em um efeito jurídico obrigacional, o instrumento adequado sempre será a ata notarial, independentemente de as partes comparecerem no cartório somente para declararem algo. Essa corrente defende a literalidade dos conceitos legais de cada ato, não fazendo exceção quando se trata de declarações. Paulo Roberto Gaiger Ferreira e Felipe Leonardo Rodrigues, que são defensores da segunda corrente (ata notarial), na obra já citada, trazem um exemplo bem simples para se distinguir esses dois instrumentos públicos. Os autores citam duas situações parecidas, mas que pela existência de um complemento em uma delas, faz com que o instrumento público adequado se torne outro. O exemplo trazido por eles é de quando duas pessoas comparecem perante um tabelião para declarar, apenas, que vivem juntas, ou seja, essa não seria uma declaração de vontade das partes e sim o relato de um fato que é existente e está sendo declarado por elas, sendo, portanto, o instrumento adequado para o caso a ata notarial. Porém, nesse mesmo exemplo, se estas duas pessoas, além de declarar o fato existente de viverem juntas, complementam que essa união se submeterá às regras de determinado regime de bens, haverá, então, na explicação dos autores, uma declaração de vontade que resultará em um efeito jurídico obrigacional ou real, passando, a partir daí, a ser uma escritura pública declaratória o instrumento adequado ao caso. O fato é que ao longo do tempo a ata notarial foi muito pouco utilizada, e a grande maioria dos notários se acostumou com a escritura pública declaratória para toda e qualquer declaração que as partes viessem a realizar dentro do Tabelionato. Mesmo que hoje já tenhamos estudos mais avançados sobre a ata notarial, a exemplo da brilhante obra já mencionada, e que o uso da ata notarial é cada vez maior em nosso país, muitos notários ainda não se acostumaram com a ideia de lavrar uma ata notarial em casos que sempre utilizaram a escritura pública declaratória. O próprio nome do ato, que contém a palavra "declaratória", faz com que muitos afirmem ser esse o instrumento correto, pois alegam que não se trata de uma escritura comum, que envolve necessariamente um negócio jurídico, e sim de uma escritura específica, a qual serve para colher a declaração das partes. O problema que surge sobre o tema não é tanto sobre a instrumentalização pública adequada para tais declarações, pois apesar de serem instrumentos distintos, ambos são aceitos, inclusive no Poder Judiciário. Também não encontramos nenhum caso de punição a notário por praticar de uma forma ou de outra, pois essa divergência está mais ligada à técnica notarial, não gerando riscos ou prejuízos aos usuários com a utilização de ambas. O que se torna preocupante é outra situação, que abrange até onde vão os limites de tais interpretações e seus reflexos para a sociedade. Desse modo, o que gostaríamos de chamar a atenção não é sobre qual interpretação está correta e deva ser usada, até porque, como já dito, qualquer que seja a forma que o notário optar lavrar, mesmo que não seja o instrumento adequado, será aceito, como vem sendo ao longo de todos esses anos. O que, para nós, é preocupante, são os apegos a certos formalismos na hora de lavrar o ato, os quais podem resultar em sérios prejuízos aos usuários dos serviços notariais. Um exemplo deste "excesso de formalismo", ao nosso ver, dá-se no momento da realização da ata notarial para fins de usucapião extrajudicial. Há entendimento no sentido da impossibilidade de colheita de depoimentos e declarações de pessoas que residem ao redor do imóvel usucapiendo, quando da realização da ata notarial, por mais que tais depoimentos sejam importantíssimos para contribuir na comprovação do tempo de posse, sob alegação de não ser possível inserir declarações de pessoas em atas notariais, sendo o instrumento adequado uma escritura pública declaratória. Vejam, com todo respeito a quem pensa de modo diferente, isso vai totalmente de encontro com o que se espera da usucapião extrajudicial, que é agilidade e economia. Como o requerente irá conseguir que várias pessoas que moram ali na vizinhança compareçam no cartório para realizarem tais declarações? Ou, mesmo que o cartório pratique o ato em diligência, realizando várias escrituras públicas declaratórias com as pessoas que moram próximo ao imóvel, quanto ficaria o valor de todos esses atos ao final? Portanto, a recusa em colher tais depoimentos na própria ata se mostra muito prejudicial às partes e à Sociedade, inviabilizando a usucapião extrajudicial e ferindo frontalmente dois princípios notariais, o da economia para as partes e o da eficiência. Mas então qual seria a saída para determinados conflitos de interpretação? Entendemos e respeitamos as duas maneiras de interpretação sobre ata notarial e a escritura pública declaratória, sendo ambas aceitáveis, contanto que não sejam prejudiciais aos usuários; portanto, evitar excessos nas interpretações pode ser o caminho mais adequado e justo. Uma sugestão, também, seria aceitar a forma escolhida pela parte, desde que essa seja aceita pela jurisprudência. Exemplo: o notário que entenda que se trata de escritura declaratória quando duas pessoas somente declaram que moram em referido endereço, caso lhe seja solicitado que faça o ato como ata notarial, poderia lavrá-lo como tal, mesmo não concordando, tendo em vista ter respaldo doutrinário e jurisprudencial. E o contrário também poderia ocorrer, ou seja, nessa mesma situação, o notário que entenda ser a ata notarial o instrumento adequado, poderia lavrá-lo como escritura pública declaratória, caso a parte insista que o ato seja lavrado como tal. Não havendo prejuízos para as partes, e sendo o ato defensável e aceito, inclusive em juízo, se necessário for, entendemos não existir motivos para a recusa, pois estaria o notário atendendo a um pedido do usuário, em relação ao qual não existe ilegalidade presente. Isso não significa dizer que os notários devem sempre agir assim, estamos tratando especificamente dos casos que envolvem as polêmicas de interpretação sobre onde deve ser usada a ata notarial, e onde deve ser usada a escritura pública declaratória. Porém, o que não deve ocorrer, sob pena de sérios prejuízos aos usuários dos serviços notariais, a nosso ver, são recusas como as que trouxemos de exemplo neste singelo artigo, de se negar a constar depoimentos e declarações em atas notariais, quando estas surgirem durante a constatação, tanto em atas para fins de usucapião extrajudicial ou em qualquer outra ata notarial de constatação que o notário esteja em diligência. Por fim, esclarecemos que elaboramos uma sugestão de enunciado para a 1ª Jornada de de Direito Notarial e Registral, realizada nos dias 04 e 05 de agosto de 2022, porém, infelizmente, por um erro de envio de nossa parte, o enunciado não foi nem para a apreciação inicial. A proposta de enunciado que elaboramos foi a que segue. Enunciado: As Atas Notariais para fins de Usucapião Extrajudicial podem conter depoimentos, testemunhos ou quaisquer espécies de declarações de pessoas em seu conteúdo, sem a necessidade de se formalizar escrituras públicas declaratórias em apartado. Tal proposta será enviada para a próxima Jornada, para que possa ser avaliada pela comissão de Notas, com a intenção de evitar possíveis recusas que, além de causarem prejuízos aos usuários, prejudiquem a evolução da usucapião extrajudicial no país. Assim entendemos, respeitando as opiniões contrárias.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

SERP - havia uma pedra no caminho

O Congresso Nacional acabou por derrubar alguns vetos de dispositivos da Lei 14.382/2022. Entre outros, já apontados e comentados1, gostaria de chamar a atenção, especificamente, para a derrubada do veto ao seguinte dispositivo da Lei: "Art. 6º Os oficiais dos registros públicos, quando cabível, receberão dos interessados, por meio do Serp, os extratos eletrônicos para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos, nos termos do inciso VIII do caput do art. 7º desta Lei. § 1º ............................................................................................................................... III - os extratos eletrônicos relativos a bens imóveis deverão, obrigatoriamente, ser acompanhados do arquivamento da íntegra do instrumento contratual, em cópia simples, exceto se apresentados por tabelião de notas, hipótese em que este arquivará o instrumento contratual em pasta própria". O inciso foi promulgado, nos termos do § 5º do art. 66 da Constituição Federal, e se acha agora em pleno vigor. Geleia geral notarial e registral Já havia me dedicado ao tema aziago da substituição dos títulos, em sentido material e formal, por meras notícias digitais (notes), afeiçoadas a sistemas de registração alienígenas. Sobre a substituição paradigmática do sistema de registro de direitos pelo de registração por mera indicação, remeto o leitor aos argumentos já expendidos anteriormente2. A derrubada do veto introduz um novo elemento que haverá de render algumas discussões, razão pela qual retorno ao tema. O notário ganhou uma atribuição heterodoxa: arquivamento de instrumentos particulares em suas "pastas próprias", seja lá o que isto queira significar em tempos de digitalização. O tabelião de notas possivelmente concorrerá com o SERP neste mister, a fiar-se no disposto no inc. VIII do art. 3º da Lei 14.382/2022, alçados, ambos, a uma espécie de ente para-registral3. Entretanto, o notário ganha uma atribuição ainda mais inusitada: recebido o instrumento e arquivado em suas "pastas próprias", dele expedirá (ou concertará) o extrato, que se torna, assim, uma espécie de traslado do documento por ele arquivado. De outra forma, terá sentido que receba o instrumento, arquivando-o em suas pastas, e acate o extrato elaborado por terceiros? Como estará seguro de que este não se acha em descompasso com o instrumento contratual? Instaurou-se a geleia geral nas notas e registros! Analisando o quadro legal, não deixo de me lembrar dos velhos extratos do século XIX. Constatem a simetria encontrada entre a moderna Lei 14.382/2022 e o vetusto Decreto 3.453, de 26/4/1865: Art. 53. A pessoa, que requerer a inscrição ou transcrição de qualquer título, deverá apresentar ao oficial do registro: § 1º O título. § 2º O extrato do mesmo título em duplicata, contendo todos os requisitos que para inscrição e transcrição este regulamento exige, e pela mesma ordem, em que são exigidos. Estes extratos serão assinados pela parte ou por seu advogado ou procurador. O regulamento de 1865 ainda cravava que um dos principais deveres dos oficiais do registro seria justamente a "conferência dos extratos entre si e com o título" (§ 2º do art. 98). Esta ideia da extratação foi abandonada ainda no século XIX por se tratar de "uma perfeita inutilidade", consoante Lafayette4. Um pouco mais tarde, Lacerda de Almeida averbaria que os extratos eram "uma adaptação servil e inútil do sistema de registro francês"5. Hoje diríamos, "adaptação servil (e imperita) do sistema norte-americano"... Ironias à parte, é preciso reconhecer que novos extratos foram concebidos no passado recente para que pudéssemos enfrentar, de modo rápido e eficiente, as demandas da sociedade digital. Era preciso informatizar os processos de encaminhamento de títulos a registro, criando uma infovia registral. Os novos extratos representaram, assim, uma solução inteligente e adequada às necessidades do crédito imobiliário. Para sua regulamentação e adoção foram buscados fundamentos na legislação hipotecária e naquelas em que ocorre a previsão de contratação imobiliária estereotipada - nos típicos contratos de adesão6. As inovações igualmente figuraram na especificação do SREI - Sistema de Registro de Imóveis eletrônico7 e a sua execução, no Estado de São Paulo, foi posta em prática no período de 2012-20138, na gestão do desembargador José Renato Nalini. A ideia era espraiar o modelo para todo o Brasil. Entre outros objetivos, esta foi razão pela qual se criou  o ONR - Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico. Buscávamos dotar o sistema registral imobiliário de novas ferramentas tecnológicas, mudanças estas que suscitaram grandes resistências, como se sabe. A regulamentação dos extratos repousava em bons precedentes e fundamentos legais e foi objeto de prova de conceito (POC) do SREI, levada a efeito pelo NEAR-lab - Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados do Registro de Imóveis eletrônico9. Em vista do que se construiu no passado, legado do qual muitos de nós nos orgulhamos, não se pode presumir que sejamos avessos à ideia do extrato em si mesmo considerado. O problema é sua defectiva consagração nesta lei, cuja aplicação e regulamentação advinha-se tormentosa. Voltando à vaca fria, a redação original do art. 194 da LRP era clara o suficiente e sua aplicação provada pela experiência de muitas décadas. Alterou-se para pior. Os títulos físicos, uma vez digitalizados (e devolvidos às partes), serão arquivados em repositórios eletrônicos de difícil gestão e conservação (aliás, não regulamentados10). Teremos em cartório meros representantes digitais divorciados de sua fonte primária original. Por outro lado, se o instrumento ("cópia simples") vier encapsulado em arquivos eletrônicos, o que se fará? Não há previsão de arquivamento de instrumentos eletrônicos (sejam digitalizados ou natodigitais) no Registro de Imóveis, consoante a LRP (art. 194). Caso o interessado queira uma certidão do instrumento registrado, a quem deverá solicitar a sua expedição? Ao Registro de Imóveis da circunscrição correspondente (arg. do art. 18, in fine, c.c. inc. III do art. 6º da Lei 14.382/2022)? Ou tal título remanescerá em repositórios eletrônicos administrados pelo SERP (inc. VIII do art. 3º da Lei 14.382/2022)? Nesse caso, O próprio SERP, a máquina ou um técnico contratado, expedirá a certidão de documento arquivado nesta espécie de "entidade registradora"? Ou o título remanescerá nas "pastas próprias" dos notários, de cuja fonte extrairão a certidão? Ou em cada um destes repositórios? Por fim, ad absurdum, poderia ser o próprio interessado que terá atestado que o "conteúdo corresponde ao original firmado pelas partes"? Ora, tendo autenticado o instrumento na entrada, por que não poderá fazê-lo a qualquer tempo? Quem expedirá a certidão, ministrando-lhe os efeitos jurídicos de eficácia que dimana da fé pública notarial e registral? De quem será a responsabilidade pela recepção, gestão, ordem e conservação de tais documentos? No cenário criado por esta lei, respondam-me sinceramente: que diferença faz que estes depósitos de dados se façam em entes como o SERP ou em blockchain, ou mesmo que se "tokenisem" a propriedade, ou a garantia real? Esses dados remanescerão gravados, perene e indelevelmente, nas cadeias on chain das novas serpes digitais... Considerando-se que o valor probatório dos instrumentos particulares, performado ex ante (prova pré-constituída e notarizada, dotado de força orgânica, "motor da ação"11), se esvai progressivamente do sistema e a qualificação registral se degrada (l. "a", inc. I, art. 6º), que diferença essencial pode haver? A situação jurídica se estabilizará ex post na via jurisdicional? Como sustentar a preponderância da segurança jurídica preventiva em face da eminente segurança econômica e tecnológica que desponta se, ao final e ao cabo, deflagrado um litígio acerca da contratação e de seus efeitos revérberos, tudo se resumirá à produção de provas em juízo (art. 369 do CPC)? Não se deve esquecer de que a presunção do registro foi construída ao longo de mais de uma centúria na relação intrínseca e direta que se estabeleceu entre o registro e a titulação notarial ou de instrumentos particulares notarizados (instrumentos particulares com firmas reconhecidas - inc. II do art. 221 da LRP c.c. inc. I do art. 411 do CPC). Um sistema digital baseado na recepção e emissão de dados não autenticados ("cópias simples") gera facilmente o fenômeno GIGO -   garbage in - garbage out (lixo entra, lixo sai). Insegurança jurídica entra - insegurança jurídica sai. O instrumento particular registrável agora é qualificado pela lei como mera "cópia simples", presumivelmente um singelo PDF, despojado de seu envoltório jurídico (vestido formal, prova pré-constituída, motor da ação etc.), "acompanhado de declaração, assinada eletronicamente, de que seu conteúdo corresponde ao original firmado pelas partes" (§ 4º do art. 6º). "Declaração" firmada por quem, cara-pálida? Pelo apresentante, por analogado do §2º do art. 130 da LRP12? Por procuradores? A lei não diz, mas faz presumir que seja o "interessado" que assume esta responsabilidade autenticadora no caso do Registro de Imóveis, legitimando o acesso do título à tábua registral (arg. do art. 6º, caput, da Lei 14.382/2022). Acha-se restaurado entre nós o princípio de rogação ou instância (inc. II do art. 13 da LRP)? E aí se pergunta: o quê do famoso artigo 217 da LRP? Quem haverá de qualificar o legítimo interesse do apresentante no envio de extratos via SERP? Remanescerá a dita disposição como mero arcaísmo na lei - a exemplo dos igualmente famosos extratos (art. 193 da LRP)13? A resposta a questões como as aqui agitadas nos será dada pela regulamentação a cargo da CN-CNJ. O órgão deverá regulamentar "os padrões tecnológicos de escrituração, indexação, publicidade, segurança, redundância e conservação de atos registrais, de recepção e comprovação da autoria e da integridade de documentos em formato eletrônico, a serem atendidos pelo Serp e pelas serventias dos registros públicos, observada a legislação"(inc. III do art. 7º da Lei 14.382/2022). Nesta altura, o exegeta deve estar se perguntando: afinal, o registro será feito pelo extrato ou pela "cópia simples" do instrumento encaminhada ao SERP? Ou por ambos? A cópia será assinada eletronicamente? E o extrato? Por quem? Assinatura eletrônica avançada ou qualificada14? A representação dos contratantes, quando calhar, será qualificada pelo notário ou pelo registrador? Ou somente o envio da "cópia simples" será autenticado?   Vejamos no detalhe. Com a derrubada do veto, o inc. III, § 1º, do art. 6º se ilumina pelo § 4º do art. 6º, que reza: § 4º O instrumento contratual a que se referem os incisos II e III do § 1º deste artigo será apresentado por meio de documento eletrônico ou digitalizado, nos termos do inciso VIII do caput do art. 3º desta Lei, acompanhado de declaração, assinada eletronicamente, de que seu conteúdo corresponde ao original firmado pelas partes. O registrador deverá receber os extratos "acompanhados do arquivamento da íntegra do instrumento contratual, em cópia simples" em forma eletrônica, diz a lei. Já o inc. VIII do art. 3º da Lei 14.382/2022 reza que o SERP  terá a função de "armazenamento de documentos eletrônicos para dar suporte aos atos registrais". O SERP encaminhará o instrumento ("cópia simples") pareado com o extrato ao Registro de Imóveis? Aparentemente, a resposta é positiva, a teor do dispositivo ressuscitado. Nesse caso, então, por que a referência contida no § 4º do art. 6º - "nos termos do inciso VIII do caput do art. 3º desta Lei"? São disposições de certo modo despiciendas e já se achavam no texto antes do veto. Todo o articulado é confuso, emaranhado, macarrônico, disfuncional. Quando se diz que  o oficial "qualificará o título pelos elementos, pelas cláusulas e pelas condições constantes do extrato eletrônico"15 (item § 1º do art. 6º), somos levados à conclusão de que são coisas distintas - extrato e título. E são mesmo! Com a derrubada do veto, a distinção e a função de ambos se tornaram nítidas (ou mais obscuras, dependendo da perspectiva). Reitera-se a pergunta feita acima: o registro se fará pelo extrato ou pelo instrumento? Ou por ambos. Parece razoável e lógico que deva haver uma íntima congruência entre o título e o extrato. Sabemos que o instrumento contratual deverá obrigatoriamente ser arquivado no Registro de Imóveis competente (ou no tabelionato de livre escolha do interessado). Entram em cena, novamente, os repositórios de caráter público - tabelionatos e registros imobiliários. Pergunta-se: o tabelião, ou o registrador, ao qualificar o título, "pelos elementos, pelas cláusulas e pelas condições constantes do extrato eletrônico", devem denegar o acesso quando não sejam congruentes entre si? Caso contrário, como expedir certidão de um instrumento que pode não ser o mesmo que foi efetivamente inscrito? Erigiu-se uma "esquizo-titulação".  O que é título, para efeitos da lei civil e registral? Barafunda imensa, esta que foi criada... Por outro lado, não se argumente que a lei sancionou a faculdade de o requerente, a seu alvedrio, "solicitar o arquivamento da íntegra do instrumento contratual que deu origem ao extrato eletrônico". O dispositivo que franqueia o exercício dessa faculdade se refere exclusivamente a instrumentos que tenham por objeto bens móveis (inc. II do art. 6º), não imóveis. Aqui não calha qualquer tipo de analogia, especialmente porque a própria lei distingue claramente as duas hipóteses no mesmo quadrante (inc. III), com o destaque do advérbio - obrigatoriamente. A natureza e os efeitos dos contratos são distintos e calham em registros públicos diversos (RTD e RI), malgrado o fato da conhecida intentona de consumação da geleia geral registral. Calha aqui uma nótula de frustração e de certo desapontamento. Sempre sustentamos que quem deveria gerar o extrato a partir de todo e qualquer instrumento apresentado a registro, fosse público ou privado, deveria ser o próprio registrador, com uso e apoio de novas tecnologias da informação e comunicação -machine learning, inteligência artificial, algoritmos especializados etc.16 De certo modo, sempre foi assim e o é até hoje: o registrador desempenha uma função criativa, no sentido de que é ele, o registrador, que extrai do título os elementos de transcendência real e conforma o ato de registro. Capacitação econômica e técnica, portanto, jamais nos faltaram. O que a lei fez foi simplesmente trasladar atribuições, tão nobres, dignas, tradicionais, próprias de um jurista, para terceiros. Não se deve iludir, sempre haverá quem promova uma diligência preventiva de litígios (due diligence) nas vésperas de qualquer contratação que tenha por objeto bens imobiliários e mobiliários sujeitos a registro e à publicidade jurídica. E nem por isso se dirá que tal atividade seja custosa e burocrática... A infovia notarial Diz o dispositivo que os extratos poderão ser apresentados por tabeliães de notas, "hipótese em que este arquivará o instrumento contratual em pasta própria". Voltamos às questões: os interessados encaminharão - instrumento e extrato - já elaborados ao tabelião? Ou serão eles próprios, os notários, que elaborarão um heterodoxo "traslado por extrato" dos instrumentos contratuais (originais ou "cópias simples")? Que tipo de autenticação promoverão os nossos notários? Darão certidão ou tirarão traslados? Farão a concertação, como se fazia com as públicas-formas? Ou será, ainda, que, pela via notarial, os próprios instrumentos originais devam ser apresentados aos tabeliães, sujeitando-os à qualificação notarial? Daí se lavrará um ato notarial de entrega do instrumento contratual e arquivamento, autenticando-se, ato contínuo, o extrato? Tudo se fará sob sua estrita responsabilidade? Eles encaminharão o extrato diretamente aos registradores pela plataforma digital dos próprios notários? Ou pelo SERP? Os instrumentos remanescerão no SERP ou na plataforma do e-Notariado? Ou em novos repositórios criados nas serventias imobiliárias? Percebem que, longe de facilitar e racionalizar o processo de registro, criamos vários hubs que representam, na prática, nódulos informacionais que tendem a ser expelidos do circuito por redundância? Quando a lei diz que será arquivado o "instrumento contratual em pasta própria" não nos parece crível que se possa arquivar meras cópias, cujo valor probante é consabidamente escasso, especialmente nos casos de criação, alteração e extinção de direitos reais. É uma espécie de capitis diminutio da função notarial e registral. Se requerida a certidão, far-se-á uma cópia de cópia? Ora, o representante digital não se confunde com o seu original. Nem mesmo o registrador deveria albergar cópias totalmente carentes de autenticação (i. e. definição de autoria das partes e não só do apresentante)17. Garbage in - garbage out. O que se buscou com a lei seria factível se a reforma promovesse um ecossistema registral homogêneo e inteiramente coerente com as tradições do direito civil pátrio, mas isto infelizmente não aconteceu. Ao assimilar os modelos de registro de garantias alienígenas18, postamo-nos com os pés fincados em duas canoas. Como disse alhures, incrustaram-se flores de plástico num jardim tropical, importando elementos de direito estranhos à nossa tradição, enxertando-os, a fórceps, na ordem civil19. O quadro se revela inçado de acidentes rebarbativos, representando imensas dificuldades hermenêuticas. Questão lateral: instrumentos particulares extratados por tabeliães Uma questão lateral se revela de modo inesperado: o notário poderá receber qualquer instrumento particular quando não for obrigatória a escritura pública?20 Poderão recepcionar o instrumento particular, autenticar o extrato e encaminhá-lo ao Registro de Imóveis? Será possível conjugar o disposto no art. 6º da Lei 14.382/2022 com o artigo 1.417 do CC21? Notem que não há restrição alguma no caput do art. 6º. "Quando cabível", diz a lei, "os oficiais receberão dos interessados, por meio do SERP, os extratos eletrônicos para registro ou averbação". Calha perguntar: extratos de todo e qualquer instrumento particular? A lei legitimaria qualquer "interessado" a apresentar seus instrumentos particulares, bastando provar o interesse na prática do ato de registro? Espera-se que a Corregedoria Nacional regulamente precisamente as hipóteses em que seja "cabível" o uso dos extratos, nos termos do inc. VIII do art. 7º da Lei 14.382/2022. Poderá levar em consideração a experiência provada no Estado de São Paulo, delimitando, claramente, o âmbito de sua ocorrência22. SERP - um fruto serôdio O fato é que, depois de uma tramitação acidentada da MP 1.085/2021, com 667 emendas rejeitadas e 15 aprovadas pelo relator na tramitação da matéria23, ficou patente que as reformas eram precipitadas e açodadas e tiveram que ser aprovadas ao cair da noite, com base num "relatório relâmpago" do Deputado Isnaldo Bulhões. Tudo a confirmar a péssima impressão que ficou de toda essa iniciativa24. Convertida a MP 1.085/2021 na Lei 14.382/2022, vemos que pouco mudou nos cartórios  brasileiros. A remansosa tramitação dos títulos segue sua indolente procissão formalista, sem atalhos nem ganhos de produtividade. Há boas iniciativas, é claro, especialmente aquelas que já se achavam consagradas na experiência exitosa da regulamentação feita em São Paulo. Nesse sentido, é preciso reconhecer que nada há de novo no front. Isto é, nada de bom que já antes não havia. Estranho e cruel paradoxo! Lembra-nos de Lampedusa, que registrou que "tudo deve mudar para que tudo fique como está". Em tempos de slogans e narrativas, criou-se uma ilusão de eficiência e modernidade que há de se revelar, pouco a pouco, mera ilusão. Nesse sentido, a reforma pode ser considerada reacionária, um grande retrocesso para os negócios, para o crédito imobiliário, para a sociedade e para os próprios registradores. Entretanto, sempre restam esperanças... Os mais despertos sabiam que a solução dos graves problemas do Registro Imobiliário não se achava na potencialização dos ramais de acesso aos cartórios (SERP, centrais estaduais, entidades registradoras etc.). O nó górdio se achava posto no interior de cada serventia, na modelagem e efetivação do que se chamou de SC (Sistema de Cartório), como desenvolvido na especificação e prova de conceito do SREI-ONR, elaboradas e provadas ao longo de mais de uma década. A este desafio de desenvolver o SC nos dedicamos no ONR - Operador Nacional de Registro de Imóveis. Este velho registrador não espera que a regulamentação possa promover o milagre da multiplicação da rapidez e eficiência do processo registral, prometida e infelizmente não entregue. Ela virá de setores orgânicos da própria categoria, não de técnicos e profissionais alheios ao mister registral25. Finalizo enfatizando que os registradores brasileiros devem ter os olhos postos no futuro. Contudo, devem assentar as mudanças nas bases e alicerces da larga tradição da instituição registral brasileira, acolhida no seio da ordem jurídica pátria. A assimilação de novas tecnologias, e seu emprego racional ao longo do tempo, já nos deu bom testemunho a própria história do Registro de Imóveis nacional. Assim foi no passado; assim há de ser no futuro. Que os próprios registradores - e não outros profissionais do direito - possam propor e efetivar as mudanças, tomando as rédeas das grandes transformações que a sociedade contemporânea espera de suas instituições jurídicas. __________ 1 LAMANA PAIVA. João Pedro. Congresso Nacional derruba vetos da Medida Provisória nº 1.085, transformada na Lei nº 14.382/2022. Boletim Eletrônico do IRIB n. 5.246, de 2/1/2023. 2 JACOMINO. Sérgio. Extratos, títulos e outras notícias - Pequenas digressões acerca da reforma da LRP (Lei 14.382/22). São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 1/7/2022.  3 Fixem-se na redação do art. 3º da Lei: "O Serp tem o objetivo de viabilizar: (...) VIII - o armazenamento de documentos eletrônicos para dar suporte aos atos registrais". 4 PEREIRA. Lafayette Rodrigues. Direito das Cousas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1905, p. 589, nota 9. 5 LACERDA DE ALMEIDA. Francisco de Paula. Direito das Cousas. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, Vol. II, 1903, p. 334, § 184. 6 Exemplos são encontradiços na legislação: contratos-padrão de parcelamentos do solo (inc. III do art. 1º c.c. §2º do art. 18 do Decreto-Lei 58/1937; inc. VI do art. 18 c.c. art. 27 da Lei 6.766/1979). Incorporações imobiliárias (art. 67 da Lei 4.591). No âmbito do crédito rural, v. o disposto no § 1º do art. 83 da Lei 4.504/1964; art. 43 c.c. letra "b", parágrafo único do Decreto 59.428/1966. No âmbito do SFH, v. artigos 60 e 61 da Lei 4.380/1964. Para comentários estendidos, v. JACOMINO. Sérgio. Op. cit. nota 2. 7 V. a especificação do SAEC/SC no dossiê publicado no bojo da Recomendação CNJ 14/204, de 2/7/2014. Acesso aqui. Para uma panorâmica, vide: Bernal. Volnys. UNGER. Adriana J. SREI Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário - Parte 1 - Introdução ao  Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário. São Paulo: LSITEC/CNJ, 20/5/2002, p. 18, n. 3.4.2. Acesso aqui. 8 Provimento CG 42/2012, de 17/12/2012, des. José Renato Nalini. O trabalho contou com a coordenação do hoje desembargador Antônio Carlos Alves Braga Jr. Acesso aqui. 9 V. a íntegra do documentário aqui. 10 Vide esboço da codificação e tabela de temporalidade in JACOMINO. Sérgio. CRUZ. Nataly. Gestão documental no Registro de Imóveis. A reforma da LRP pela Lei 14.382/2022. In RDI n. 93, jul./dez 2022. 11 ALMEIDA JR. João Mendes de. Direito Judiciário Brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940, p. 203, n. IV. 12 "§ 2º O registro de títulos e documentos não exigirá reconhecimento de firma, e caberá exclusivamente ao apresentante a responsabilidade pela autenticidade das assinaturas constantes de documento particular". 13 "Art. 193. O registro será feito pela simples exibição do título, sem dependência de extratos". A reforma foi tão precipitada que deixou em vigor dispositivos como este... 14 Se o exegeta se limitar ao conjunto legal em vigor, haverá de concluir que a assinatura qualificada é simplesmente indispensável. Vide CAMPOS. Ricardo. JACOMINO. Sérgio. Assinaturas Eletrônicas. Notas e Registros Públicos: Implicações da Lei 13.482/2022 e o Valor Probatório no Sistema Legal Brasileiro. 2022. No prelo. 15 Às vezes fico com a impressão de que a redação foi malbaratada. Não seria mais lógico que se dissesse que o oficial "qualificará o extrato pelos elementos, pelas cláusulas e pelas condições constantes do título"? Estranha figura de metonímia que, invertida, toma a parte pelo todo. A fonte dos elementos que comporão o extrato é o título, não vice-versa. 16 No NEAR-lab, avançamos consideravelmente nos estudos da construção de um vocabulário controlado (ontologia registral) para fins de desenvolvimento de algoritmos para registração guiada. Os extratos estavam bem encaminhados. Vide: POC-SREI, Capítulo IV - SC - Sistema do Cartório. Acesso aqui. 17 Acerca do esvaziamento das funções típicas dos registradores de títulos e documentos pela adoção do sistema de mero arquivamento de documentos autenticados por apresentantes, v. JACOMINO. Sérgio. Oficina notarial e registral: Instrumento particular. Título inscritível - certidão de RTD. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais. Acesso aqui. 18 Vide PINTO E SILVA.  Fábio Rocha. In ABELHA. André. CHALHUB. Melhim. VITALE. Olivar. Org. Sistema eletrônico de registros públicos: Lei 14.382, de 27 de junho de 2022 comentada e comparada. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 36, passim. 19 JACOMINO, Sérgio op. cit. nota 2. 20 Art. 108 do Código Civil c.c. com o art. 406 do CPC. 21 Aludimos à promessa de compra e venda, mas há inúmeros outros exemplos de instrumentos particulares que têm acesso ao registro predial - locações, cédulas etc. Para aprofundamento do tema, vide: JACOMINO. Sérgio. O instrumento particular e o Registro de Imóveis. São Paulo, 2010. Acesso aqui. 22 O âmbito de admissibilidade do uso de extratos pode ser consultado no excelente parecer oferecido pelo Des. Alves Braga no Processo CG 131.428/2012, decisão de 15/4/2013 (DJE 24/4/2013), do Des. José Renato Nalini. Acesso à íntegra do parecer e da decisão aqui. 23 Sabemos que a MP 1.085/2021 teve uma tramitação acidentada. Longe de representar uma matéria pacificada, que atenderia, como se sugeria fartamente na imprensa, aos altos anseios do mercado, da sociedade, e do crédito imobiliário, o total de emendas apresentadas (316 na Câmara e 351 no Senado) demostraram que a reforma merecia uma reflexão ponderada e não deveria ser objeto de uma medida provisória, mas um projeto de lei. 24 "Já era noite quando o Ofício 196/2022 do Senado chegou à Câmara, e o Relator, Deputado Isnaldo Bulhões Jr., apresentou prontamente o relatório relâmpago (Parecer Preliminar de Plenário 3) votando pelo acolhimento das alterações promovidas pelo Senado"... Tratou-se de verdadeira blitzkrieg empreendida por alguns setores do Governo Federal aliados a grupos interessados. A expressão é bastante reveladora e integra a apresentação encomiástica que se fez do diploma legal em ABELHA. André. CHALHUB. Melhim. VITALE. Olivar. Op. cit. p. XVII. 25 Não resisto à tentação de indicar, ao paciente leitor que chegou até aqui, uma boutade lançada para uma plateia perplexa durante o transcurso do XXIII Encontro dos Oficiais do Registro de Imóveis do Brasil realizado em 1996: Informática Registral - uma coisa séria demais...
Introdução - Princípios norteadores dos direitos reais O leitor, ao se deparar com o título desta publicação - e com os das próximas, se perguntará: qual a relação dos princípios norteadores dos direitos reais, tema tão abstrato e geral, com a natureza jurídica do direito de laje, questão tão específica? A relação é clara; nada do que aqui se escreverá será inútil para uma análise percuciente da questão que a série pretende responder. Para que se possa aceitar ou refutar argumentos, quaisquer que sejam eles, há de se ter uma base teórica sólida. No caso do direito de laje, esta base teórica se resume a boa compreensão do regime dos direitos reais em geral, do direito de propriedade e do direito de superfície. É a partir desta base sólida, relativamente específica, que será possível criticar todos os argumentos dados pelos autores para o direito de laje ter esta ou aquela natureza jurídica. Se assim não se proceder, não se estará fazendo realmente ciência dogmática, mas construção de teorias derivadas de opiniões. Iniciaremos, então, o estudo do regime jurídico geral dos direitos reais por breves notas sobre seus princípios norteadores.                                Princípio da coisificação Os direitos reais versam sobre coisas, e não sobre pessoas ou bens que não se caracterizam como coisas, ainda que se tratem de bens patrimoniais.1 Coisas, na definição de José Manoel de Arruda Alvim Netto, são "objetos corpóreos, isto é, não só existem no mundo físico, como também se apresentam formando um corpo, donde hão de ser tangíveis pelo homem e devem ter consistência".2 Assim, segundo o autor, "os direitos reais recaem sempre sobre uma coisa determinada, tangível e corpórea (móvel ou imóvel), que são seu objeto material."3 Este é o significado do princípio da coisificação. Esta concepção, que se pode dizer clássica, contudo, vem ganhando novos contornos com o desenvolvimento da sociedade e o surgimento dos chamados "novos" bens, havendo tendências para a equiparação de determinadas realidades à coisa. É o que ocorre, por exemplo, com a equiparação feita pela própria lei de certos bens com valor econômico (v.g., energia elétrica) às coisas.4 Princípio da taxatividade (numerus clausus) Por taxatividade dos direitos reais entende-se que são direitos reais somente aqueles desenhados segundo este regime em lei. Nesse sentido, a identificação do direito real e a conceituação como tal dependem de eleição do legislador que, atendendo a conveniências de certas ordens5, insere-os no ordenamento jurídico.6 Desta feita, a criação, pelos privados, de direitos reais não previstos em lei é vedada, diversamente do que se passa com os direitos obrigacionais, que podem ser criados para além dos modelos previstos em lei.7 Deve-se frisar que a taxatividade dos direitos reais exige apenas que a sua criação se dê por meio de lei, não se restringindo, porém, ao Código Civil.8 Exemplifica esta afirmação a criação da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis pela lei 9.514/1997, etc. Princípio da tipicidade A tipicidade, diversamente da taxatividade dos direitos reais, diz respeito aos elementos constitutivos, ao conteúdo dos direitos reais: não pode o particular alterar as situações reais, afastando a incidência da norma que a disciplina, mediante modelação negocial.9 Assim, a tipicidade é uma exigência adicional à da taxatividade. Enquanto a taxatividade diz respeito à enunciação dos direitos reais, a tipicidade diz respeito à estruturação destes. Nesse sentido, não só a criação de direitos reais não previstos em lei é vedada aos privados (taxatividade), como também o é a modificação do regime jurídico legalmente estabelecido pela autonomia da vontade (tipicidade). Como ensina José Manoel de Arruda Alvim Netto, há, no direito das coisas, um conjunto de normas cogentes que serve ao direito privado, estando o limite à autonomia privada na inviabilidade de conformar ou redefinir os modelos dos direitos reais, o que só pode ocorrer pela lei. O que pode escassamente ocorrer, aponta o autor, é que a norma deixe espaço ou algum espaço à autonomia privada, como ocorre no que pode ser objeto de usufruto e de uma servidão. Nestes dois casos, diz, "não se pode pretender que estejamos em face de um tipo fechado e exaurientemente definitório da realidade nela gizada, senão que, em certa escala, aberto."10 No direito português, por exemplo, o Código Civil é claro ao estabelecer que o objeto da servidão pode consistir em "quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, suceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que aumentem o seu valor". De onde conclui Menezes Leitão que "as servidões constituem assim hoje um direito atípico."11 No direito brasileiro, embora menos claro o Código Civil quanto à atipicidade, a doutrina relembra adágio romano - servitutum numerus non est clausus - para concluir que as espécies de servidão são "ilimitadas".12-13 Igualmente, no direito de superfície pode ser identificado um espaço à vontade dos contratantes, deixando a lei margem ao proprietário a faculdade de conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, nos termos do art. 1.369 do Código Civil de 2002.14 Impende observar, finalmente, que há hipóteses que, embora não tenha sido explícito o legislador, devem também ser consideradas direitos reais, desde que amoldáveis a tipos suscetíveis a serem submetidos aos princípios dos direitos reais. Tem-se, como exemplo, o direito de retenção e o direito de retrovenda, que conferem ao titular direito à coisa, e não à indenização. Assim, conclui-se que a taxatividade dos direitos reais, acima abordada, se entende como "somente são direitos reais aqueles previstos no sistema", levando em consideração, porém, que "previsto pelo sistema não envolve, necessariamente, uma explicitude absoluta".15 Princípio da publicidade Os direitos reais devem ser ostentados publicamente, em razão de sua eficácia absoluta, erga omnes. Em outras palavras, para que possam ser exercidos e produzir efeitos contra todos, impõe-se que sejam publicizados para toda a sociedade.16 No que diz respeito especificamente às coisas móveis, manifesta-se a publicidade precipuamente por meio da posse; no que diz respeito aos imóveis, avulta a função do Registro de Imóveis.17 Ressalve-se, porém, que nem todos os direitos com eficácia absoluta, que se exercem erga omnes, são direitos reais, como os direitos da personalidade, que "no necesitan de publicidad, como el derecho a la vida, al honor, etc., pues su existencia es suficiente, nadie podría alegar su ignorancia."18 Princípio da transmissibilidade Os direitos reais, à semelhança do que sucede com os direitos obrigacionais, podem mudar de titular, sendo transmissíveis inter-vivos ou mortis causa.19 A ligação entre um direito real e o seu titular é, nesse sentido, cindível.20 Ressalve-se, contudo, que a transmissibilidade consiste em nota meramente tendencial dos direitos reais, comportando exceções. Cita-se, como exemplo que excepciona o princípio da transmissibilidade, o direito real de usufruto, que não é alienável inter-vivos (apenas seu exercício pode ser cedido, nos termos do artigo 1.393 do Código Civil de 2002), assim como não é sucessível, eis que se extingue com a morte do usufrutuário (art. 1.410, Código Civil de 2002).21 O princípio da transmissibilidade possui íntima relação com as formas de constituição e de aquisição dos direitos reais, que podem ser originárias ou derivadas. No direito brasileiro, a tradição e o registro são os modos fundamentais de aquisição derivada de direitos reais, respectivamente, sobre móveis e imóveis. São, na linguagem vinda dos glosadores, o modus, antecedidos de um titulus. É por meio destes modos que há transmissão de direitos reais no ordenamento brasileiro.22 No que diz respeito aos direitos reais imobiliários, a eficácia do direito real depende da existência e validade do título causal. Se este é nulo, a aquisição do direito real não vale. Ou seja, o modo de aquisição é condicionado à validade do título que lhe serve de base, causa.23 Vale frisar que na aquisição originária de direitos reais, a situação se altera: perfeitos os requisitos da aquisição (como no caso da usucapião), passa a existir o direito real, do ponto de vista substancial. Não há, nesta hipótese, transmissão. Para vir a fazer parte formalmente do universo dos Direitos Reais, haverá de ser reconhecido judicial ou extrajudicialmente, como, ainda, deverá vir a ser objeto de publicidade, no caso de coisa imóvel, no registro imobiliário, com o que, então, logrará vir a ter a publicidade própria dos direitos reais. É certo, porém, que nesta hipótese, a publicidade não é constitutiva do direito real, como o é na hipótese de aquisição derivada.24 Princípio da atualidade Ao contrário das obrigações, que podem ter como objeto mediato coisas futuras - tendo como objeto imediato uma conduta futura do devedor -, as coisas têm que ter existência presente, atual, para que possam ser objeto dos direitos reais.25 Assim, só pode haver direito real sobre coisas presentes que existam já em poder do titular e não sobre coisas futuras. A noção de coisa futura compreende ambas as vertentes, absoluta e relativa: as coisas que não existem ainda e aquelas que apesar de terem já existência física não estão ainda em poder do disponente.26 Com efeito, uma coisa que não existe não pode ser objeto de direito real. Por outro lado, a coisa pode existir sem que o direito real esteja na titularidade do disponente. Neste caso, o negócio de disposição do direito real é válido, se a coisa for tomada como futura. No entanto, a eficácia do negócio só vem a ser deferida para o momento em que o disponente adquire o direito.27 Há exceções, contudo, ao princípio da atualidade da coisa. Por exemplo, em regra, não cabe a hipoteca de bens futuros, salvo no caso de prédio em construção ou apartamento em edifício coletivo, quando a referência ao memorial descritivo, plantas e projetos constituem os dados especializadores (v. princípio da especialidade, infra), de sorte a permitir que a evolução da construção, nas suas diversas fases, vá objetivando o gravame gradativamente.28 No âmbito das incorporações imobiliárias, o princípio da atualidade da coisa foi objeto de relevantes estudos doutrinários.29 De forma sucinta - como este espaço exige, pode-se afirmar que, no âmbito da incorporação imobiliária, é possível a existência de direito real sobre coisa futura, a partir da criação de um direito real preliminar sobre a coisa atual que, após a construção sobre esta coisa, sucede automaticamente sobre a coisa futura, construída.   Princípio da especialidade O princípio da especialidade é aquele em que se estabelece, a partir da identificação da coisa, para viabilizar a percepção de uma situação entre o sujeito e o objeto (a coisa), proporcionando essa especificação a identificação objetiva da coisa. Ou seja: é a configuração dos indicativos objeto e sujeito do direito real sobre uma coisa.30 Assim, pelo princípio da especialidade, o direito real incide, sempre, sobre uma coisa certa e determinada, individualizada. Não incide, pois, sobre coisas genéricas ou indeterminadas. Quanto à possibilidade de se estabelecer direitos reais sobre coisas coletivas (universalidades de fato), a doutrina portuguesa diverge. Parte dos autores entende que não existem direitos reais sobre universalidades, incidindo o direito individualmente sobre cada uma das coisas que compõem a universalidade.31 Outra corrente entende que o fato de os direitos reais terem como objeto coisas certas e determinadas, individualizadas, não é incompatível com a possibilidade de o seu objeto ser uma universalidade.32 Princípio da elasticidade (expansão potencial) e da consolidação Pela elasticidade (ou expansão potencial) e pela consolidação, os direitos reais podem ser comprimidos quando um outro direito real passa a incidir sobre a coisa, e podem ser estendidos quando readquirem toda a sua amplitude por cessação de um direito real compatível.33 Segundo a doutrina majoritária, trata-se de princípio que norteia o regime de todos os direitos reais, e não só da propriedade. Esta ressalva é importante, pois são diversos os autores que tratam a elasticidade como característica exclusiva do direito de propriedade, o que não é tecnicamente correto.34 Por exemplo, tendo sido constituído um direito de usufruto sobre a coisa, será este e não a propriedade a ficar diminuído pela constituição posterior de uma servidão. Ao revés, é também o usufruto que se beneficia com a extinção da mesma servidão.35 Princípio da exclusividade (compatibilidade) Em relação aos direitos reais, pode-se falar em princípio da exclusividade, no sentido de que não se pode conceber dois direitos reais, de igual conteúdo, sobre a mesma coisa.36 Em outras palavras, não é possível, onde um direito real anteriormente existe, estabelecer outro da mesma espécie.37 Assim, se sobre a coisa recaírem dois direitos reais, não serão da mesma espécie, ou, não serão integrais. Portanto, "com respeito aos direitos reais, duas pessoas não ocupam o mesmo espaço jurídico, deferido com exclusividade a alguém, que é o sujeito do direito real."38 É o que ocorre no condomínio: os condôminos não são donos integrais da coisa, pois o direito real de propriedade, que sobre ela incide, é um só; este, entretanto, se divide entre os vários condôminos.39 Há uma pluralidade de sujeitos da mesma relação jurídica, mas esta é uma só, e o seu objeto não pode suportar nova relação da mesma natureza.40 A doutrina portuguesa fala também em princípio da compatibilidade, no sentido de que só pode existir um direito real sobre determinada coisa na medida em que seja compatível com outro direito real que a tenha por objeto.41 __________ 1 TRIUNFANTE, Armando. Lições de Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2019, p. 33. 2 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 82. 3 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 50. 4 Sobre este intricado tema, veja-se, sobretudo: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 82 e ss. 5 V. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 20; WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. 12. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 17-18; ASCENSÃO, José de Oliveira. A tipicidade dos direitos reais. Lisboa: Petrony, 1968, p. 107-108. 6 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 16. 7 PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 92. 8 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. 12. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 25. 9 V. PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 94; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 19; TRIUNFANTE, Armando. Lições de Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2019, p. 29-30. 10 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 113 e ss. 11 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 353. 12 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil. 3ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 1975, v. 1, p. 261. 13 Sobre a tipicidade dos direitos reais, v. ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 78-82. 14 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 114. 15 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 66-67. No mesmo sentido é a conclusão de José de Oliveira Ascensão, v. ASCENSÃO, José de Oliveira. A tipicidade dos direitos reais. Lisboa: Petrony, 1968. Escreve o autor português que, para a existência de um tipo de direito real, "a nominação por lei nem sequer é necessária. Pode a lei ter estabelecido uma situação jurídica sem a nominar, quiçá imersa na regulamentação de um instituto mais vasto, e o intérprete descobrir nela os traços de um novo direito real, a que poderíamos chamar um direito real inominado." (Ibidem, p. 109). Logo após, indaga e responde: "Que é então necessário para que se possa dizer que há um tipo legal de direito real, uma vez excluídas a definição e a nominação por lei? É necessário que a lei: - contenha a descrição essencial de uma dada situação; - estabeleça para ela um regime real." (Ibidem, p. 109-110). Na mesma obra, v. também o item nº 40, p. 121-122, em que o autor chega a seguinte conclusão: "Concluindo: a tipicidade taxativa não implica um monopólio legal na qualificação de direitos reais. O intérprete pode incluir nesta categoria qualquer situação, desde que nela encontre os seus traços essenciais." (Ibidem, p. 122). 16 ALLENDE, Guillermo L. Panorama de derechos reales. Buenos Aires: La Ley, 1967, p. 219. 17 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 50. Sobre o tema do histórico e justificação do Registro de Imóveis, veja-se: CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 11-28. E, sobre a publicidade como elemento necessário para a eficácia ultra partes das situações jurídicas, veja-se: BRANDELLI, Leonardo. Fraude à execução imobiliária e a publicidade registro no novo CPC. In: Direito registral e o novo Código de Processo Civil. Ricardo Dip... [et. al.]; Coordenação: Ricardo Dip. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 84-96. 18 ALLENDE, Guillermo L. Panorama de derechos reales. Buenos Aires: La Ley, 1967, p. 219-220. 19 FRAGA, Álvaro Moreira Carlos. Direitos reais: segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto. Coimbra: Livraria Almedina, 1975, p. 103-104. 20 JUSTO, A. Santos. Direitos reais. 2. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 32. 21 FRAGA, Álvaro Moreira Carlos. Direitos reais: segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto. Coimbra: Livraria Almedina, 1975, p. 103-104. V., também, LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 23. 22 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 154 e ss. 23 GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 13. 24 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 154 e ss. 25 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 21. 26 TRIUNFANTE, Armando. Lições de Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2019, p. 33-34. 27 VIEIRA, José Alberto. Direitos reais. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2020, p. 104, p. 209. 28 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. 27. Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 318. 29 V. CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação imobiliária: ensaio de uma teoria geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 67-68; CAMBLER, Everaldo Augusto. Responsabilidade civil na incorporação imobiliária. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 42; TERRA, Marcelo; WALDER, Waldyr. A matrícula na incorporação imobiliária. In: Doutrinas Essenciais de Direito Registral, v. 6, p. 763-780, dez., 2011, passim; ASCENSÃO, Maria Teresa Pereira de Castro; ASCENSÃO, José de Oliveira. Instituição, incorporação e convenção de condomínio. In: Doutrinas Essenciais de Direito Registral, v. 4, p. 475-494, dez., 2011, p. 479-480. 30 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Comentários ao Código Civil brasileiro, volume XI, tomo I: livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda; ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 228. 31 V. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 21. 32 V. FRAGA, Álvaro Moreira Carlos. Direitos reais: segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto. Coimbra: Livraria Almedina, 1975, p. 99 e ss. 33 TRIUNFANTE, Armando. Lições de Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2019, p. 36. 34 Cite-se, por exemplo, Carlos Alberto Mota Pinto, que ao tratar da elasticidade, limita sua lição ao direito de propriedade, sem mencionar a elasticidade de outros direitos reais: FRAGA, Álvaro Moreira Carlos. Direitos reais: segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto. Coimbra: Livraria Almedina, 1975, p. 113-114. E, no direito brasileiro, cite-se Luciano de Camargo Penteado, que faz uma afirmação que nos parece incorreta: "A potência expansiva da elasticidade é interior ao direito de propriedade, por isso é uma das suas características, até mesmo diferenciadoras dos outros direitos subjetivos." (PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 168). 35 TRIUNFANTE, Armando. Lições de Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2019, p. 36. 36 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, v. V, p. 8. 37 BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Coisas. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. I, p. 252. 38 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 50. 39 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, v. V, p. 8. 40 BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Coisas. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. I, p. 252. 41 JUSTO, A. Santos. Direitos reais. 2. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 31.
Introdução O Novo Código de Normas da CGJ/RJ (NCN/RJ) foi publicado no dia 19/12/22 e entrará em vigor no próximo dia 01/01/23. Foram quase dois anos de trabalho e dedicação, no qual atuamos intensamente na qualidade de relator geral, junto aos membros das comissões especiais e ao juiz auxiliar da CGJ/RJ, Dr. João Luiz Ferraz. O resultado é um Código de Normas mais moderno, dotado de normas voltadas à simplificação dos procedimentos, à desburocratização, à desjudicialização e ao uso da tecnologia como ferramenta principal para conferir segurança jurídica ao serviço. O maior benefiado é o cidadão, usuário dos serviços notariais e registrais do Estado do Rio de Janeiro, e por que não dizer, o próprio Poder Judiciário, que ganha um notariado e um sistema registral que nunca contribuiu tanto para a desjudicialização. Faremos uma análise das principais mudanças implementadas em cada uma das atividades, dividindo o trabalho em "temas". Iniciaremos pelas inovações na atividade notarial, onde tivemos a oportunidade, enquanto membro da comissão notarial, de apresentar diversas sugestões, como o inventário extrajudicial com incapaz e a ata notarial para produção de prova oral. Em cada "tema" afeto à atividade notarial faremos a análise de uma ou mais mudanças implementadas. O primeiro "tema" envolve a produção de prova oral para instrução de processo judicial em curso.  A ata notarial como meio de prova A atividade notarial vem exercendo papel relevante perante a sociedade, contribuindo especialmente com a redução de conflitos perante o Poder Judiciário, no que se denominou de desjudicialização. São diversos os exemplos, como o divórcio,o inventário, a mediação, a usucapião, dentre outros, os quais até pouco tempo levavam anos de disputa, assoberbando o sistema judicial com um alto custo para a economia do País. Atento a esta realidade, o Novo Código de Normas da CGJ/RJ (NCN/RJ) não apenas aprimorou as regras até então vigentes, como inovou com novas soluções, como a ata notarial para oitiva de testemunhas em processos judiciais em curso. De fato, a ata notarial vem se revelando em importantíssimo instrumento de prevenção de litígio, dada a presunção de veracidade que decorre da fé pública do tabelião, razão pela qual é amplamente aceita pelos Tribunais de Justiça do País como documentos públicos aptos a comprovar os fatos presenciados pelo tabelião, a teor do que dispõe os artigos 384 e 405 do CPC, verbis: Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial. Art. 405. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença. O NCN/RJ dedicou um capítulo às atas notariais em sentido amplo, prevendo em seu artigo 399 que "a ata notarial é o instrumento público, dotado de presunção de veracidade, pelo qual o tabelião declara, sem juízo de valor, a existência e o modo de existir de algum fato ou a percepção que deles tenha". No parágrafo primeiro do citado artigo 399 foi prevista expressamente a possibilidade do tabelião utilizar recursos tecnológicos para "registro de suas percepções", como a gravação de imagens, vídeos ou áudio. Neste sentido, o NCN/RJ também inova ao permitir que tais registros constem da própria ata notarial, com possibilidade de uso de QR Code, tecnologia que permite que o destinatário da prova, v.g., um magistrado, acesse diretamente o arquivo de vídeo ou áudio, evitando transcrições que, além de trabalhosas, nem sempre refletem com exatidão o fato percebido pelo notário. Já tivemos oportunidade de realizar diversas atas notariais com uso do QR Code, as quais tem sido utilizadas com sucesso em processos judiciais.   Com efeito, deste contexto que envolve a fé pública do tabelião, o uso da tecnologia de gravação por vídeo e a facilidade do QR Code para acessar os registros realizados, o NCN/RJ previu o uso da ata notarial para casos expressos de desjudicialização, como a nomeação de curador e apoiadores por ata notarial (art. 405), a usucapião extrajudicial (art. 411) e a produção extrajudicial de prova oral (art. 420). Da produção extrajudicial de prova oral A matéria encontra-se prevista a partir do art. 420 do NCN/RJ, que dispõe: Art. 420. A requerimento de qualquer das partes e desde que autorizado pelo juízo competente, ouvido previamente o Ministério Público quando atuar no feito, admite-se a lavratura de ata notarial para colheita de prova oral.§ 1º. Nas ações em que funcione a Defensoria Pública ou pessoa jurídica de direito público, o deferimento do pedido da parte adversa dependerá de sua concordância.§ 2º. Não impede a lavratura da ata notarial o fato de um dos depoentes residir em comarca diversa que poderá ser ouvido tanto por precatória do juízo, como por ata notarial lavrada por tabelionato diverso situado na comarca de sua residência ou, ainda, perante o notário da comarca em que tramita a ação, se o interessado se comprometer a levá-lo ao ato, sob pena de perda da prova em caso de seu não comparecimento.  De plano, tem-se que a lavratura da ata notarial para fins de produção de prova oral depende necessariamente da autorização do juízo competente. De fato, o magistrado é o destinatário direto da prova e cabe a ele avaliar, caso a caso, as hipóteses em que a prova oral poderá ser colhida perante o notário. No entanto, é fato que a produção de prova oral no processo cível é dispendiosa, seja financeiramente seja no aspecto temporal. As pautas estão sobrecarregadas, havendo audiências que levam até 12 meses ou mais para serem realizadas, com risco de adiamento pelo não comparecimento de testemunhas. Além disso, tem-se o fator econômico, o tempo que o magistrado perde para produzir tal prova quando poderia estar proferindo sentenças ou decisões interlocutórias, o custo das comunicações e intimações que devem ser feitas, assim como a necessidade de espaços físicos apropriados à produção da prova. E quais seriam os óbices à produção de prova oral por ata notarial lavrada pelo tabelião de notas? Absolutamente nenhum! O exame do CPC/15 revela inexistir qualquer óbice à produção da referida prova oral via ata notarial lavrada por tabelião de notas, muito pelo contrário, trata-se de medida que somente contribuirá para o julgamento célere e seguro da causa. Importante ressaltar que o CPC/15 trouxe diversas inovações em matéria de prova, inovando em relação ao código de 1973. De um lado, passou a adotar um modelo processual cooperativo, onde todos os sujeitos do processo, juiz e partes, devem atuar de forma coparticipativa no processo, para que se chegue a uma decisão justa e efetiva, conforme art. 6º:  Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Evidente que a produção de prova oral, na maior das vezes, é fator determinante para se chegar a uma decisão de mérito justa, cuja efetividade irá depender diretamente do seu fator temporal. Por outro lado, o CPC/15 rompeu com o princípio da identidade física do juiz, antes previsto no art. 132 do CPC/73, segundo o qual o magistrado que encerrasse a instrução processual deveria também proferir a sentença, razão pela qual nada obsta que a prova oral seja produzida perante o tabelião e registrada em ata notarial. O princípio do contraditório, por sua vez, poderia ser um óbice de difícil transposição, na medida em que a ausência da parte, através de seu advogado, quando da oitiva da testemunha colocaria por terra a higidez da referida prova. No entanto, em se tratando de prova produzida em local público, qual seja, no tabelionato de notas, perante o notário, agente dotado de fé pública, devidamente noticiada nos autos, com data e hora previamente agendada, não há razão lógica, salvo o intuito protelatório e caracterizador de litigância de má-fé, para a parte ex adversa deixar de comparecer ao ato. Recorde-se aqui o que diz o artigo 6º do CPC/15, impondo o DEVER às partes de cooperarem entre si para que se obtenha -em tempo razoável- decisão de mérito justa e efetiva. Neste sentido, buscando preservar o contraditório o NCN/RJ previu que deverá ser dada oportunidade à parte ex adversa arrolar sua testemunhas, para serem ouvidas via ata notarial, assim como comparecer ao ato no dia e hora designados para realizar as perguntas que desejar às testemunhas arroladas, tudo conforme previsto nos artigos 421 e 422 do NCN/RJ: Art. 421. Na petição apresentada ao juízo competente, o solicitante deverá indicar o serviço notarial onde praticará o ato e arrolar peritos, assistentes técnicos, parte e testemunhas que pretende sejam ouvidas pelo tabelião, requerendo seja determinado a seu ex adverso que faça também sua indicação, caso também deseje produzir prova oral.Art. 422. Deferido o pedido, o interessado deverá juntar nos autos da ação o requerimento de ata notarial formulado perante o tabelião, dando ciência ao juízo da data, horário e local agendado para prática do ato para que promova a ciência do advogado da parte contrária por meio de intimação no Diário da Justiça Eletrônico ou, se exigida, sua intimação pessoal. Logo, a parte ex adversa terá ciência inequívoca do deferimento da prova e das testemunhas que serão ouvidas, podendo indicar as suas testemunhas e comparecer ao ato no dia agendado para, querendo, formular suas perguntas e acompanhar a oitiva. No dia agendado, o procedimento deverá observar o que dispõe o art. 426 do NCN/RJ, sendo obrigatória a gravação em vídeo do depoimento, sendo permitida a gravação em vídeo, também, pelos interessados (art. 426, I, "b"). Cada depoimento deverá gerar um arquivo de vídeo próprio, o qual será vinculado a um QR Code que constará da ata notarial (art. 431, II do NCN/RJ). Importante ressaltar que o tabelião não participa de forma ativa na produção da prova, atuando de forma neutra, limitando-se a constatar e registrar os fatos (depoimentos prestados e demais intercorrência), segundo as perguntas formuladas diretamente pelos advogados às testemunhas, sendo-lhe vedado formular perguntas, a não ser aquelas determinadas pelo juízo (art. 426, I, "a" do NCN/RJ). Com efeito, não há qualquer óbice legal que impeça o deferimento da prova oral colhida por ata notarial. Por outro lado, nada impede que, após a produção da referida prova documental, a parte necessite ouvir em juízo a testemunha que já prestou depoimento via ata notarial. Neste caso, caberá ao magistrado apreciar a necessidade e, uma vez demonstrado o intuito protelatório após a sua produção, aplicar a pena de litigância de má-fé ao responsável. Também não há óbice no fato de que as perguntas, em se tratando de ata notarial, serão formuladas pelos advogados. O CPC/15 passou a admitir expressamente a possibilidade do advogado formular as perguntas diretamente à testemunha, diferentemente do CPC/73 que exigia que as perguntas passassem, necessariamente, pelo magistrado, conforme disposto no art.  459, verbis: Art. 459. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, começando pela que a arrolou, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com as questões de fato objeto da atividade probatória ou importarem repetição de outra já respondida. Referida regra assemelha-se ao sistema anglo-saxônico do direct examination, no qual as perguntas são feitas diretamente pela parte que arrolou a testemunha, diferentemente do sistema romano inquisitivo, no qual todas as perguntas passam necessariamente pelo juiz. Com efeito, o procedimento seguirá exatamente como previsto para a audiência realizada em juízo, com a única diferença de que toda a prova será produzida perante o notário, que coordenará o procedimento, que de tudo fará registrar por vídeo para posterior avaliação do juízo competente. Durante o procedimento, a falta de decoro ou ordem causado por qualquer dos presentes, permite ao tabelião encerrar o ato e comunicar o fato ao juízo competente, inclusive com encaminhamento do vídeo, perda do depósito prévio realizado e advertência de que o juízo competente poderá aplicar ao responsável a pena de litigância de má-fé. Findo o procedimento e lavrada a ata notarial, caberá ao solicitante apresentá-la aos autos do processo como documento público (art. 405 do CPC/15), o qual será devidamente apreciado pelo magistrado, nos termos do art. 371 do CPC/15: Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. Cumpre ressaltar que o CPC prevê expressamente o uso da ata notarial como meio de prova admitido no processo, dispondo em seu art. 384 que: Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.  Conclusão Com efeito, a ata notarial para oitiva de testemunhas é documento público que, uma vez autorizado pelo juízo competente, instrumentaliza fato diretamente constatado pelo tabelião, com presunção de veracidade, consistente nas declarações prestadas pelas testemunhas, segundo as perguntas formuladas pelos interessados, sendo, portanto, prova legítima e apta a fundamentar a sentença judicial de mérito. Além disso, tal procedimento extrajudicial contribui diretamente para a efetividade do processo judicial, pois é sabido que existem poucos juízes para um número cada vez maior de litígios, sendo certo que a produção de prova oral é um dos momentos processuais que mais tempo demanda do magistrado e da Justiça como um todo. A produção da referida prova, através de ata notarial, da forma contemplada pelo NCN/RJ, assegura o contraditório e garante a efetividade do processo, devendo servir de exemplo a outras Corregedorias do País.  
Iniciaremos uma série de diversos artigos sobre direitos reais voltados a responder uma intricada questão: qual a natureza jurídica do direito de laje? A resposta, contudo, será dada por argumentos eminentemente técnicos, dogmáticos, e não por opiniões e soluções rápidas, com pouca ou nenhuma sustentação científica, verdadeiros achismos. Esta espécie de resposta exige sólido conhecimento das bases científicas de um ramo do Direito (no caso, do Direito das Coisas) e, por conseguinte, algo que cada vez se torna mais difícil de encontrar nos dias atuais: profundo e calmo estudo, com tempo de maturação para as ideias se assentarem e poderem ser constantemente criticadas, revistas e, enfim, aperfeiçoadas. Como se sabe, o direito de laje é um direito real autenticamente brasileiro. Não há direito real com nomen iuris assemelhado em outros ordenamentos jurídicos, assim como não há direito real com regime jurídico idêntico ao direito de laje em sistemas estrangeiros. Isto se deve, precisamente, ao fato de o direito de laje ter surgido em uma realidade peculiar brasileira, qual seja, as construções sobrepostas erigidas sobre construções-base nas favelas urbanas brasileiras. O "direito" de laje surgiu, como fenômeno social, antes de sua regulamentação formal pelo Estado, por meio da MP nº 759/2016. Por sua vez, a regulamentação do direito de laje por esta norma deu-se, declaradamente, com vistas à "regularização fundiária regularização fundiária de favelas" (item 95 da Exposição de Motivos da MP nº 759/16), "em reforço ao propósito de adequação do Direito à realidade brasileira, marcada pela profusão de edificações sobrepostas" (item 113).¹ Por conta dessa peculiaridade específica do direito de laje, é impossível metodologicamente iniciar seu estudo por meio de fontes (direito positivo, doutrina, jurisprudência, etc.) estrangeiras - porque não há direito real equivalente, pelo menos prima facie, ao direito de laje em outros países.2 Sendo assim, o estudo do direito de laje deve partir necessariamente das peculiaridades (formais e informais) brasileiras que perpassam este novo direito real, incumbindo, parece-nos, propriamente à doutrina brasileira delimitar o que é, precisamente, o direito de laje. Não obstante, os autores brasileiros pouco vêm estudando sobre o direito real de laje. E, quando o estudam, na maioria dos casos, infelizmente, estudam sem grande profundidade científica, chegando a conclusões com poucos fundamentos dogmáticos. É o que ocorre, na maioria dos casos, quando se escreve sobre a natureza jurídica do direito real de laje, questão de alta complexidade, pertencente "à área cinzenta do Direito", geradora de "um acirrado debate doutrinário (autores ultraque trahunt), sem perspectivas de consenso"3. Sucintamente, o debate sobre a natureza jurídica do direito de laje se resume a seguinte questão: é o novo direito real de laje um direito real sobre coisa própria ou um direito real sobre coisa alheia? A doutrina se divide. São diversos os autores que entendem ser o direito de laje um direito real sobre coisa própria4, assim como o são os autores que entendem ser o direito de laje um direito real sobre coisa alheia. Dentre estes últimos, alguns entendem ser o direito de laje uma modalidade de superfície5-6, enquanto outros entendem ser uma nova modalidade de direito real.7 No âmbito jurisprudencial, por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça manifestou, mesmo que de forma incidental, e não principal, o entendimento de que o direito de laje tem natureza de direito real sobre coisa alheia.8 Enfim, parece-nos que para se alcançar uma resposta sustentável em termos dogmáticos à questão da natureza do direito de laje, deve-se previamente estudar alguns pontos específicos do regime jurídico geral dos direitos reais, do regime jurídico especial do direito de propriedade e regime jurídico especial do direito de superfície. É isto o que faremos ao longo dos próximos textos que serão aqui publicados.  ___________ 1 Exposição de motivos da Medida Provisória nº 759/16, disponível aqui. 2 Por exemplo, afirma Marco Aurélio Bezerra de Mello que "não é possível importar o modelo do direito de sobrelevação português ou suíço com algumas adaptações, pois em tais países não nos parece que a favela seja uma forma de habitação tão ricamente utilizada como ocorre no Brasil." (MELLO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito à posse da Laje. GenJurídico, 2017. Disponível em: < genjuridico.com.br/2017/10/26/direito-posse-da-laje/ >. Acesso em: 07.06.2021). 3  FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de laje: do puxadinho à digna moradia. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 56. 4 São adeptos deste entendimento, por exemplo: Arnaldo Rizzardo (v. RIZZARDO, Arnaldo. O direito real de laje. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 986, p. 263-275, dez., 2017, passim); Eduardo Silveira Marchi (v. MARCHI, Eduardo C. Silveira. Direito de Laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil. São Paulo: YK, 2018, passim); Francisco Eduardo Loureiro (v. LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 14. Ed. In: Cezar Peluso (Coord.). Barueri: Manole, 2020, p. 1.558); César Augusto de Castro Fiuza e Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto (v. COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho; FIUZA, César Augusto de Castro. Ensaio sobre o direito real de laje como previsto na Lei 13.465/2017. Civilistica.com, a. 6, n. 2, 2017. Disponível aqui; Patricia André de Camargo Ferraz (v. FERRAZ, Patricia André de Camargo. Direito de Laje: Teoria e Prática - nos termos da Lei 13.465/17. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 43 e ss.); Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (v. FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de laje: do puxadinho à digna moradia. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 56 e ss.); Nelson Rosenvald (v. ROSENVALD, Nelson. O direito real de laje como nova manifestação de propriedade. Nelson Rosenvald, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 17 de setembro de 2019); Carlos Eduardo Elias de Oliveira (v. ELIAS DE OLIVEIRA, Carlos Eduardo. Direito real de laje à luz da Lei nº 13.465, de 2017: nova lei, nova hermenêutica. Disponível aqui. Acesso em: 17 de setembro de 2019); Sílvio de Salvo Venosa (v. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: reais. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 689, nº 27.1); Vitor Kümpel e Bruno De Ávila Borgarelli (v. KÜMPEL, Vitor Frederico; BORGARELLI, Bruno de Ávila. Algumas reflexões sobre o direito real de laje - Parte 1. Migalhas, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 17 de setembro de 2019); Alexandre Laizo Clápis e Raphael Marcelino (v. CLÁPIS, Alexandre Laizo; MARCELINO, Raphael. Direito real de laje. In: Estatuto fundiário brasileiro: comentários à Lei nº 13.465/17, tomo 1. Coords. Everaldo Augusto Cambler, Alexandre Jamal Batista e André Cordelli Alves. São Paulo: Editora IASP, 2018, nº III, p. 38); Marco Aurélio Bezerra de Mello (v. MELLO, Marco Aurélio Bezerra de. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Anderson Schreiber...[et al.]. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, coms. ao art. 1.510-A, p. 1.250); MARQUESI, Roberto Wagner. Desvendando o direito de laje. Civilistica.com, a. 7, n. 1, 2018. Disponível em: aqui. Acesso em: 09.06.2021, passim; CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli; OLIVEIRA, Fernanda Lourdes de. Aspectos urbanísticos, civis e registrais do direito real de laje. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 7, nº 2, ago., 2017, p. 123-147, passim; Roberto Paulino de Albuquerque Junior (este autor possui posição contraditória, como se pode verificar de artigo mencionado na próxima nota, de sua autoria) e Otavio Luiz Rodrigues Junior (v. ALBUQUERQUE JUNIOR, Roberto Paulino de; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. O direito real de laje: elementos para uma crítica. In: MARCHI, Eduardo C. Silveira (Coord.). Regularização fundiária urbana. 1ª. Ed. São Paulo: YK Editora, 2019, p. 202 e 204). 5 São adeptos deste entendimento, por exemplo: Roberto Paulino Albuquerque Júnior (v. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino. O direito de laje não é um novo direito real, mas um direito de superfície. Conjur, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 17.09.2019); Frederico Henrique Viegas de Lima (v., principalmente, LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Direito de Laje: uma visão da catedral. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 82, p. 251-280, jan.-jun., 2017, nº 5, p. 265 e ss.; HENNIKA, Luís Henrique da Silva; SANTIN, Janaína Rigo. Direito de superfície e direito de laje: uma análise à luz do direito urbanístico. Revista Jurídica Luso-Brasileira, ano 4, nº 3, p. 801-835, 2018, nº 5, p. 823 e ss.; e, também,  LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Direito de Laje: características e estrutura. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 83, p. 477-494, jul.-dez., 2017, passim); Marcelo de Oliveira Milagres (v. MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito de laje?. Revista de Direito Privado, v. 76, São Paulo, p. 75-88, abr., 2017, passim). 6 Há, também, julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo em que se afirma que "O direito de laje, portanto, não constitui um direito real novo, mas uma modalidade de direito de superfície que era (e é) praticado por usos e costumes, nos chamados 'puxadinhos', normalmente, para acomodação de parentes e agregados que vão se incorporando a determinada família." (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 1003793-19.2017.8.26.0006. 12ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Jacob Valente. Julgado em 19.12.2019). 7 São adeptos deste entendimento, por exemplo: Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (v. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direitos reais. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, v. 5, 2020, p. 553, nº 2); Salomão Viana (v. STOLZE, Pablo; VIANA, Salomão. Direito de laje - Finalmente, a Lei!. Jusbrasil, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 17 de setembro de 2019); Flávio Tartuce (v. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 567 e ss., nº 6.8.); Maria Helena Diniz (v. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, v. 4, p. 547); Paulo Lôbo (v. LÔBO, Paulo. Direito Civil: Coisas. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, v. 4, 2020, p. 320 e ss.); Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho (v. MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros. Anotações sobre a usucapião extrajudicial, direito real de laje e usucapião coletiva de acordo com o regime da Lei nº 13.465/17. In: ARISP (org.). Primeiras impressões sobre a Lei nº 13.465/2017. Disponível aqui. Acesso em: 07.05.2021, p. 89-90); Rodrigo Reis Mazzei e Rodrigo Sanz Martins (v. MAZZEI, Rodrigo Reis; MARTINS, Rodrigo Sanz. O direito de laje e sua previsão autônoma em relação ao direito de superfície: breve ensaio sobre a opção legislativa e o diálogo necessário entre as figuras. In: ABELHA, André (coord.).  Estudos de direito imobiliário: homenagem a Sylvio Capanema de Souza. São Paulo: Ibradim, 2020, p. 372-380); CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli; OLIVEIRA, Fernanda Lourdes de. Aspectos urbanísticos, civis e registrais do direito real de laje. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 7, nº 2, ago., 2017, p. 123-147. 8 "3. Nesse passo, como instrumento de função social, notadamente em razão da realidade urbanística brasileira, previu o legislador, recentemente, o direito real de laje (CC, art. 1225, XIII, redação da Lei 13.465/2017). O foco da norma foi o de regulamentar realidade social muito comum nas cidades brasileiras, conferindo, de alguma forma, dignidade à situação de inúmeras famílias carentes que vivem alijadas de uma proteção específica, dando maior concretude ao direito constitucional à moradia (CF, art. 6°). Criou-se, assim, um direito real sobre coisa alheia (CC, art. 1.510-A), na qual se reconheceu a proteção sobre aquela extensão - superfície sobreposta ou pavimento inferior - da construção original, conferindo destinação socioeconômica à referida construção." (Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. REsp. nº 1.478.254. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 08.08.2017. - Grifos nossos).
Introdução O fenômeno da hiperjudicialização no Brasil tem marcas singulares.  Como apontado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na 16ª edição do "Relatório Justiça em Números", o Poder Judiciário brasileiro encerrou o ano judiciário de 2019 com 77, 1 milhões de processos judiciais em tramitação.1 A 17ª edição do "Relatório Justiça em Números" aponta que, a despeito da redução do acervo processual, 75,4 milhões processos judiciais tramitaram no Brasil em 2020, volume processual sem paralelo em outros países do mundo.2 Mas não é só: com mais de 1,1 milhão de profissionais inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o país é o recordista mundial em número de advogados. Além disso, juristas como o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso e o ex-presidente da República Michel Temer sustentam que o país lidera o ranking mundial de ações trabalhistas, com mais de 3,6 milhões ações distribuídas apenas no ano de 2016. Por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que conta com 360 desembargadores, detém o maior acervo processual registrado para um tribunal de justiça, com mais de 20 milhões processos judiciais em tramitação, consoante dados apresentados em 2019.3 Os números paulistas impressionam, mas seguem o padrão nacional: no período de 19 de março de 2020 a 30 de março de 2020, durante o início do agravamento da pandemia da covid-19, os servidores e magistrados atuantes na 1ª instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) - o terceiro em volume de processos do país - praticaram nada menos que 973.468 atos processuais.4 Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que possui o segundo maior número de servidores e processos em tramitação, divulgou que - desde o dia 16 de março de 2020, quando iniciou-se o Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência (RDAU) - realizou mais de 140 milhões de movimentações processuais.5 Os números dos tribunais superiores caminham em sentido semelhante: em maio de 2020, em entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Dias Toffoli, afirmou que o tribunal é a suprema corte que decide o maior número de casos no mundo. Como exemplo, revelou à época que, em pouco menos de dois meses, o STF já havia recebido 1.800 casos envolvendo a covid-19, proferindo 1.600 decisões.6 Por fim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) informou que - durante o período de atendimento remoto (iniciado em 16 de março de 2020) proferiu - até o início do mês de outubro de 2021 - nada menos que 1,1 milhão de decisões.7 Clique aqui e confira a íntegra da coluna. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 14.04.2022.  2 Disponível aqui. Acesso em 14.04.2022. 3 Acervo das varas da Justiça de São Paulo é o menor dos últimos seis anos 4 Disponível aqui. Acesso em 14.04.2022. 5 Disponível aqui. Acesso em: 14.04.2022. 6 Disponível aqui. Acesso em: 14.04.2022. 7 Disponível aqui. Acesso em: 14.04.2022.
A adjudicação compulsória, prevista no artigo 1418 do Código Civil, na lição de Ricardo Arcoverde Credie, pode ser definida como a ação pessoal que pertine ao compromissário comprador, ou ao cessionário de seus direitos à aquisição, ajuizada com relação ao titular do domínio do imóvel - que tenha prometido vendê-lo através de contrato de compromisso de venda e compra e se omitiu quanto à escritura definitiva - tendente ao suprimento judicial desta outorga, mediante sentença constitutiva com a mesma eficácia do ato não praticado.1 A obrigação principal do promitente vendedor no compromisso de compra e venda, portanto, é outorgar a escritura definitiva ao promitente comprador que cumpriu todas as obrigações contratuais. Essa obrigação consiste num facere, juridicamente fungível, porque pode ser suprida por decisão judicial. A adjudicação compulsória nada mais é, portanto, que a emissão judicial do consentimento prometido e injustamente negado, é a substituição da vontade do promitente vendedor por meio do Poder Judiciário. A premissa fundamental da adjudicação compulsória é, assim, o inadimplemento do promitente vendedor, a recusa ou omissão do promitente vendedor em transmitir a propriedade quando o comprador já houver cumprido suas obrigações contratuais. Com a publicação da lei14.382, de 27 de junho de 2022, fruto da conversão da MP 1.085/21, a substituição da vontade do promitente vendedor passou a ser possível, também, pela via administrativa. O texto legal previsto na nova lei inseriu o art. 216-B na Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73), trazendo a possibilidade da adjudicação compulsória extrajudicial, que é requerida, processada e deferida perante os Cartórios de Registro de Imóveis, similarmente ao que hoje já acontece com a usucapião extrajudicial.2  Conforme o artigo 216-B, são legitimados a requerer a adjudicação compulsória extrajudicial o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado (§1º), e o pedido deve ser instruído com instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, prova do inadimplemento (recusa do vendedor em outorgar a escritura), certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação,  comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e  procuração com poderes específicos (incisos I a VI, do §1º).   A Medida Provisória nº 1.085/21 trazia, também, como requisito e como documento a instruir o pedido de adjudicação compulsória, a ata notarial, no inciso III, do §1º, do artigo 216-B: III - ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade; Tal inciso, infelizmente, sofreu veto presencial por ocasião da conversão da MP 1.085/21 na lei 14.382/22. Muito embora não conste mais expressamente do texto legal atual, entendemos que a ata notarial é elemento fundamental da adjudicação compulsória extrajudicial, sendo documento indispensável na instrução do requerimento a ser feito perante o Registrador de Imóveis no sentido de dar segurança quanto à autenticidade da documentação apresentada (contrato particular de promessa de compra e venda), quanto à efetiva posse do imóvel, quanto à comprovação do efetivo pagamento do preço pelo promitente comprador e quanto à comprovação do inadimplemento do promitente vendedor (recusa em outorgar a escritura definitiva do imóvel). Conforme nota Técnica nº 03/2022, emitida pelo Colégio Registral de Minas Gerais3, entende-se dispensada a subscrição dos instrumentos particulares por testemunhas, bem como o reconhecimento de suas firmas, no caso de terem sido apostas no documento, por não se tratar de elemento essencial do contrato preliminar, nos termos do artigo 462 do Código Civil. Apesar de não ser elemento essencial do contrato preliminar, a ausência do reconhecimento de firmas pode comprometer a autenticidade do documento apresentado. Entretanto, negar seguimento à adjudicação compulsória extrajudicial simplesmente pela ausência deste elemento poderia deixar "desamparados" inúmeros promitentes compradores, em razão de ser corriqueira a ausência de reconhecimento de firma nestes documentos. Desta forma, a ata notarial toma especial e essencial relevância, a fim de garantir a autenticidade dos documentos contratuais apresentados, já que o notário tem, a um, expertise para verificação de assinaturas e, a dois, a possibilidade de comparecer pessoalmente ao imóvel adjudicando, a exemplo da usucapião extrajudicial, para realizar diligências que julgar necessárias à lavratura da ata notarial, atestando a posse e fortalecendo as provas que instruirão o requerimento perante o registrador. Outro fator importante que a realização da ata notarial pode demonstrar e atestar, previamente ao ingresso do procedimento da adjudicação compulsória no Registro de Imóveis competente, é a disponibilidade ou a indisponibilidade do bem ou em nome do promitente vendedor, através de consulta pelo tabelião a Central Nacional de Indisponibilidades - CNIB, evitando, assim, que o promitente comprador "perca tempo", processando o pedido perante o Registrador de Imóveis e tendo o registro negado em razão de eventual indisponibilidade. Pois, é notório que, conforme o artigo 14, §1º, da Resolução 39/2014, do CNJ, a existência de comunicação de indisponibilidade impede o registro do direito no Registro de Imóveis, enquanto vigente a restrição. Além disto, a comprovação do pagamento do preço pelo comprador é condição essencial para o processamento do pedido de adjudicação e consequente registro em favor do adjudicante, eis que o direito à adjudicação compulsória somente nasce após o adimplemento das obrigações contratuais pelo promitente comprador. É o que está previsto no artigo 476 do Código Civil, segundo o qual um dos contratantes só pode exigir o cumprimento das obrigações pela outra parte após o adimplemento das suas próprias obrigações. Muitas vezes, o promitente comprador não tem mais o recibo de pagamento ou as notas promissórias que comprovam a quitação do preço. A ata notarial, portanto, pode atestar a quitação do negócio jurídico, mediante a apresentação ao Tabelião de diversos documentos, tais como declaração de imposto de renda, mensagens de e-mails e de texto entre os negociantes que comprovem o recebimento pelo promitente vendedor, extratos bancários, entre outros. Do mesmo modo, a recusa ou omissão do promitente vendedor em outorgar a escritura definitiva é premissa fundamental da adjudicação compulsória, conforme verificado no início deste artigo. Assim, a ata notarial pode contribuir também neste aspecto, comprovando fatos que não estejam demonstrados por documentos, a exemplo de troca de mensagens e e-mails entre as partes contratantes, que podem comprovar as tentativas feitas para a obtenção da escritura definitiva, evidenciando dificuldade ou impossibilidade. Conforme bem salientou Lamana Paiva, a justificativa do óbice à correta escrituração da transmissão da propriedade é essencial para que a via administrativa da adjudicação compulsória não se torne causa para burlar o direito civil, notarial e registral e tributário.4 É importante evitar que a adjudicação compulsória extrajudicial seja utilizada com finalidade fraudulenta, mediante uma simples "combinação" do promitente comprador com o promitente vendedor, comprometendo-se o último a não responder a notificação do Oficial Imobiliário, prevista no inciso II, do §1º, do artigo 216-B, a fim de caracterizar a sua recusa e permitir a transferência de propriedade ao promitente comprador sem a correta escrituração. Neste sentido, Eduardo Pereira, Leandro Corrêa e Rafael Depieri destacam que, pela própria natureza da adjudicação compulsória, de forma oposta dos divórcios e inventários, não poderá haver consenso na adjudicação compulsória extrajudicial, sob pena de, em verdade, estar-se registrando uma compra e venda por instrumento transverso ou, até mesmo, simulado.5 Portanto, além de dar segurança em relação à autenticidade do contrato preliminar, atestar a posse, dando legitimidade ao requerente da adjudicação compulsória, atestar a questão da disponibilidade do bem e comprovar a quitação do preço, a ata notarial é elemento essencial para comprovar a real recusa ou desídia do promitente vendedor em outorgar a escritura definitiva, evitando que a adjudicação compulsória extrajudicial seja utilizada do famoso "jeitinho" brasileiro. Neste aspecto, é muito importante, conforme bem salientaram José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves6, que o tema seja objeto de regulamentação pelo CNJ e pelas Corregedorias dos Estados, que podem dispor sobre detalhes, como o cabimento de intimação por edital, o valor da causa, entre outros, e, também, acrescentamos nós, a orientação senão pela obrigatoriedade, pela forte recomendação no sentido do pedido de adjudicação compulsória ser instruído com ata notarial feita pelo tabelião de notas do local de situação do imóvel. A edição de tal norma complementar dará segurança aos operadores do sistema, permitindo que os pedidos de adjudicação compulsória extrajudicial sejam processados e "julgados" com tranquilidade e celeridade, garantindo que o instituto seja utilizado para o fim que foi criado: desjudicializar, permitir que o promitente comprador garanta seu direito a propriedade sem recorrer ao Judiciário quando efetivamente houver a recusa ou omissão do promitente vendedor. __________ 1CÓDIGO CIVIL COMENTADO: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. Claudio Luiz Bueno de Godoy.( et al.); coordenação Cezar Peluso. 15. Ed. Barueri/SP: Manole, 2021. 2 Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo. § 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:   I - instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;   II - prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;   III - (VETADO);    IV - certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;  V - comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);   VI - procuração com poderes específicos.   § 2º (VETADO).   § 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.   3 COLÉGIO REGISTRAL DE MINAS GERAIS - CORI/MG.   Nota Técnica nº 03/2022.  Disponível aqui. 4 PAIVA, José Pedro Lamana. Adjudicação compulsória extrajudicial. Disponível em https://anoregrs.org.br/wp-content/uploads/2020/10/ADJUDICACAO-COMPULSORIA-COMPLETO.pdf 5 PEREIRA, Eduardo Calais. CORRÊA, Leandro Augusto Neves. DEPIERI, Rafael Vitelli. Adjudicação compulsória extrajudicial: conceitos e limites. Disponível aqui. 6 GERMANO, José Luiz. NALINI, José Renato. GONÇALVES. Thomas Nosch. Cartórios agora podem fazer adjudicação compulsória. Disponível aqui.
O Brasil foi pioneiro na implantação dos atos notariais eletrônicos, tornando-se referência para muitos outros países, graças ao incansável trabalho do Colégio Notarial do Brasil e do Conselho Nacional de Justiça. Com a entrada em vigor do Provimento nº 100, do Conselho Nacional de Justiça, em 26 de maio de 2020, foi autorizada a prática de atos notariais eletrônicos em todos os Tabelionatos de Notas do país, por meio da plataforma do e-Notariado, que foi implementada e é mantida pelo Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal. Desde então, a modalidade eletrônica tem sido cada vez mais utilizada pela sociedade, uma vez que facilita sobremaneira a vida dos usuários, que não precisam se deslocar fisicamente até o Cartório sua confiança. Em síntese, os atos notariais eletrônicos são feitos por meio de videoconferência, que é obrigatoriamente realizada dentro da plataforma do e-Notariado, onde se faz a leitura para as partes, análise da capacidade e a confirmação se estão de pleno acordo com o conteúdo do ato notarial ali apresentado. Somente após a confirmação de todos os participantes do ato, é que eles irão assinar de forma eletrônica, por meio de certificado digital. O procedimento é bem simples e os Cartórios estão preparados para auxiliar os usuários na utilização da plataforma, motivo pelo qual sua utilização está cada vez mais frequente. Os atos notariais eletrônicos possuem a mesma segurança jurídica dos atos lavrados de forma presencial, eis que garantem a identidade, a capacidade e a livre manifestação de vontade das partes pela videoconferência e assinatura eletrônica, por meio de certificado digital. Conforme concluiu a União Internacional do Notariado - UINL, nas Diretrizes para a celebração de escrituras notariais à distância, a escritura pública eletrônica não modifica em nada as qualidades da escritura pública feita em papel. Apenas é uma modalidade distinta que permite a comunicação à distância com as partes solicitantes. De acordo com a UINL, o importante não é a presença física perante o notário, mas o comparecimento direto com o notário responsável pelo ato eletrônico, mesmo por uma plataforma tecnológica. Em princípio, todos os atos de competência do tabelião de notas podem ser feitos de forma eletrônica, pela plataforma do e-Notariado. Entretanto, um deles, o testamento público, um dos atos mais solenes do direito brasileiro, gera polêmicas quando o assunto é sua lavratura de forma on-line. Neste breve artigo, analisaremos, portanto, ainda que de forma resumida, a possiblidade de realização de testamento público de forma eletrônica, e quais seriam as regras de competência territorial mais justas a serem aplicadas ao caso. A realização de testamento público por meio eletrônico foi alvo, inicialmente, de alguns debates, e isso se deu ao fato de não ter sido mencionada a palavra "testamento" no Provimento n° 100, do CNJ.  Sendo o testamento, conforme já mencionado, um dos atos mais solenes realizados pelo notário, contendo regras específicas, a falta de menção expressa deixou dúvidas se houve ou não permissão para a lavratura do ato de forma eletrônica. Porém, com o passar do tempo, o entendimento que predominou é que o fato de não ter sido mencionada a palavra "testamento", no Provimento n° 100, não significa que a sua lavratura de forma eletrônica não estivesse autorizada, visto que o Provimento regulamenta a possibilidade de realização de todos os atos notariais, e o testamento público é um deles. Por ser o testamento um ato notarial, e não ter sido feita nenhuma exceção a ele, entendeu-se como sendo possível sua realização por meio eletrônico, da mesma forma que inventários, divórcios e partilhas, que também não são expressamente mencionados no Provimento. Afinal, se a grande motivação para possibilitar a realização de atos notariais eletrônicos foi a pandemia que, infelizmente, atingiu toda nossa população, como deixar de fora a possiblidade de realizar o testamento público, que talvez seria o ato notarial que mais precisasse desse respaldo? Diante da possibilidade de realização de atos notariais eletrônicos, não seria lógico alguém que estivesse doente, ou somente com receio de contrair a doença, e quisesse realizar um testamento público para deixar registrada sua última vontade, tivesse que ir ao tabelionato presencialmente. Outro ponto muito importante, analisado em favor da possibilidade do testamento on-line, foi o fato de que os atos notariais eletrônicos possuem a mesma segurança dos atos feitos de forma presencial: mesmo por meio eletrônico, todas as regras próprias e formalidades do testamento são facilmente cumpridas, uma vez que, com uma videoconferência una, testemunhas e testador estarão ao mesmo tempo perante o notário, que irá conferir a capacidade, a identidade e a livre manifestação de vontade do testador. Assim como na reunião presencial, na videoconferência, o contato entre a parte e o notário, neste caso entre o testador e o notário, também é realizado "face to face", apenas o meio é diferente, pois são usados processos digitais. Assim, pode-se concluir que, por meio eletrônico, é possível manter toda a segurança inerente ao ato, assim como ocorre no meio físico. Em relação à competência territorial para a prática do testamento eletrônico, antes de adentrarmos nas três correntes que se formaram sobre o tema, é importante dizer que o Provimento n° 100, do CNJ, estabeleceu competência territorial para a prática dos atos notariais eletrônicos com o objetivo precípuo de evitar concorrência predatória entre os tabelionatos de notas do país, já que o ato eletrônico não possui barreiras geográficas e há diferença grande no valor dos emolumentos praticados pelo Estados Brasileiros, que possuem tabelas de emolumentos próprias. No Brasil, a lei prevê que é livre a escolha do tabelião de notas pelas partes (art. 8º, da lei Federal 8.935/94). Contudo, o tabelião não pode praticar atos fora da circunscrição para a qual recebeu a delegação (art. 9º da mesma Lei). Assim, ao que tudo indica, o Provimento n° 100, buscando a profilaxia do ato notarial eletrônico, combinou as regras de competência previstas nestes dois artigos, de modo que, quando se fala em atos eletrônicos, estes artigos devem ser lidos conjuntamente: é livre a escolha do tabelião dentro da competência (municipal ou estadual) para o qual este recebeu a delegação. Neste cenário, compatibilizando o sistema com a jurisdição territorial, o Provimento n° 100, nos artigos 19 e 20, adotou o Município e o Estado do domicílio das partes e o local do imóvel como critérios básicos de competência territorial para a prática dos atos notariais eletrônicos. Tendo isto em mente, vamos às três correntes que se formaram em relação à competência territorial para a prática do testamento público on-line: 1º) Corrente Restritiva: O Tabelionato competente para lavrar o Testamento Público por meio eletrônico será o do domicílio do Testador. 2º) Corrente Moderada: O Testador poderá escolher qualquer Tabelionato de sua confiança, desde que dentro do Estado onde tem seu domicílio. 3º) Corrente Liberal: O Testador poderá escolher o Tabelionato de Notas de sua confiança no Brasil, independentemente do seu domicílio. A primeira corrente adota um dos critérios básicos de competência territorial eleitos pelo Provimento n° 100, o domicílio da parte, no caso, o domicílio do testador. Já a terceira corrente entende que, na falta de regra específica no Provimento n° 100 sobre a competência territorial para a prática do testamento eletrônico, deve-se seguir a regra legal existente no artigo 8º, da lei Federal 8.935/94, sendo livre a escolha do notário pelo testador, independentemente de seu domicílio. Isto porque, em tese, não se deve ampliar o alcance de uma norma restritiva. Se o Provimento n° 100 não estabeleceu expressamente competência para o testamento, é porque não quis fazê-lo, aplicando-se, como consequência, o princípio da livre escolha previsto na lei Federal 8.935/94. Além disto, por ser o testamento um ato tão solene e confidente, um ato de última vontade em que a confiança da parte no notário é ainda mais relevante que em outros atos notariais, o testador deveria ter essa liberdade preservada. E, se analisarmos de modo mais profundo, o testamento não parece ser um ato que geraria concorrência predatória, pois, por todo o contexto que envolve esse ato, e, também, pela forma de cobrança dos emolumentos correspondentes em todos os Estados, certamente o testador não irá se preocupar mais com o valor do que o conteúdo e tudo que ele significa. A primeira corrente parece limitar ao extremo a competência territorial, fazendo com que o testador não tenha escolha alguma, sendo forçado a fazer o seu testamento on-line no tabelionato de seu domicílio. Tal corrente não nos parece a mais acertada por dois motivos: I) muitas pessoas preferem fazer seus testamentos em cidades distintas de sua residência para evitar especulações sobre o documento; e, II) alguns cartórios ainda não aderiram ao e-Notariado, o que prejudica as pessoas que querem ou precisam fazer seu testamento de forma on-line, mas são privadas desta possibilidade em razão de não existir tabelionato habilitado em seu domicílio. A terceira corrente, por sua vez, que deixa completamente livre a escolha, acaba por esbarrar na preocupação do Conselho Nacional de Justiça em relação à prevenção de concorrência desleal ou predatória e todas as consequências danosas que esta acaba surtindo. Assim, parece-nos que a imposição de um limite, por mínimo que seja, de competência territorial, seria algo a evitar problemas futuros, não retirando totalmente a liberdade de escolha do testador. Mas então qual seria a regra de competência mais justa diante deste cenário? Eis que chegamos na segunda corrente, no caminho do meio, a Corrente Moderada. A segunda corrente defende que o testador pode escolher qualquer Tabelionato de sua confiança, desde que dentro do Estado onde tem seu domicílio. Tal corrente parece combinar, como numa sinfonia harmoniosa, a liberdade de escolha tão importante no testamento - para preservar a confiança do testador no notário e a confiança do testador no sigilo do documento - com a preocupação com a concorrência predatória, já que dentro do mesmo Estado, o testamento público tem o mesmo valor, independentemente do Município onde for lavrado. Desse modo, concluímos que a regra de competência menos gravosa ao Testador e que vai ao encontro do nosso ordenamento jurídico, sem ferir o Provimento n° 100, tampouco a lei Federal 8.935/94, seria justamente esta segunda corrente: a livre escolha do notário de confiança do testador, desde que dentro do Estado em que tem seu domicílio. Este entendimento traz uma ampla possibilidade de escolha, mas com um limite mínimo que visa somente coibir problemas futuros no notariado, para que este possa continuar obtendo sucesso perante a sociedade, e cada vez mais possa evoluir, facilitando a vida de todos e mantendo a segurança jurídica de sempre. Assim entendemos, respeitando as opiniões contrárias.
Introdução Neste ano, a lei 9.514/97, que introduziu no ordenamento jurídico o procedimento da execução extrajudicial de créditos imobiliários garantidos por alienação fiduciária, completou vinte cinco anos de vigência. Como se extrai do enunciado do art. 22 da lei 9.514/97, o instituto da alienação fiduciária é definido como "o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel". O interessante conceito de propriedade fiduciária não era novidade no Brasil1, contudo, por motivo da grave crise do mercado imobiliário da década de 80, que duramente impactou o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), foi somente com a Lei nº 9514/97 que o instituto fora introduzido às operações de crédito imobiliário.   Nesse sentido, o cenário econômico nacional e a alienação fiduciária - ao criarem eficiente sistema de recuperação de crédito - permitiram, em conjunto, um boom no mercado imobiliário brasileiro, barateando o custo de crédito para milhares de famílias que buscam o dito "sonho brasileiro da casa própria", tal como pretendido pelos idealizadores da lei 9.514/972. Em retrospecto, embora não previsto pelos idealizadores do texto legislativo, pode-se apontar que o procedimento extrajudicial de créditos imobiliários da lei em questão também contribuiu para não agravar as mazelas decorrentes do fenômeno da hiperjudicialização, representado pelos mais de 70 milhões de processos em tramitação no Brasil3. Ganharam os devedores, credores, o Poder Judiciário e a sociedade brasileira. Não causa surpresa, portanto, dados no sentido de que atualmente mais de 90% das operações de garantia de créditos imobiliários são realizadas por meio de alienação fiduciária. Em comparação, os números apontam que atualmente somente 6% das operações de crédito utilizam-se do instituto da hipoteca4. A discrepância entre esses dados permite concluir que se mostraram acertados os prognósticos dos idealizadores da lei 9.514/97. Há que se reconhecer, contudo, que a aceitação do procedimento extrajudicial de alienação fiduciária de bem imóvel não foi simples. Como ocorre no Brasil com textos legislativos que introduzem medidas de desjudicialização, o procedimento da execução extrajudicial de créditos imobiliários fora recepcionado à época com críticas e desconfiança por parte da comunidade jurídica5. Além disso, há os que clamam por suscitar inconstitucionalidade total ou parcial da iniciativa, o que persiste até os dias atuais6. Deve-se também conceder que a lei 9.514/97, que fora objeto de seguidas alterações desde sua promulgação, necessita de reformas em importantes pontos, como nos relativos aos procedimentos de atos executivos. Conforme amplamente noticiado pela imprensa especializada, esses e outros pontos são objeto de debates no âmbito do Congresso Nacional, por meio do PL 4.188/2021 (recentemente aprovado com alterações pela Câmara dos Deputados), inciativa legislativa também conhecida como o "Marco Legal das Garantias", cujos tópicos ali tratados, por fugirem do limitado escopo deste texto, não serão aqui examinados. Ainda assim, neste quase um quarto de século de vigência da virtuosa lei, que revolucionou o sistema de garantia imobiliária, a despeito da existência de pontos a serem reparados, é indiscutível a efetividade7 e os benefícios da lei até este momento. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 CHALUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária de bens imóveis. 20 anos de vigência. Editora Thomson Reuters. Rio de Janeiro. 2018, p. 2. 2 Dados extraídos da Exposição de Motivos do PL 3.242/97, transformado na Lei nº 9.514/97. Acesso em 14.11.2022. 3 Como aponta o Relatório "Justiça em Números" do CNJ. Acesso em 15.11.2022. 4 Dados extraídos da Exposição de Motivos do Anteprojeto do PL 4.188/2021 (recentemente aprovado com alterações pela Câmara dos Deputados. Acesso em 15.11.2022. 5 CHALUB, Melhim. op. cit. p. 2. 6 O STF, no ano passado, por sete votos a cinco, julgou constitucional o decreto-lei 76/66, que regulamenta a execução extrajudicial de dívida hipotecária (Tema 249). Além disso, o STF deverá julgar ainda neste ano o RExt nº 860631/SP, que questiona a constitucionalidade do procedimento de alienação extrajudicial previsto na lei 9514/97 (Tema 982). Confia-se que o STF - desta vez por quórum mais expressivo - rejeitará a alegação de inconstitucionalidade da indigitada lei.  7 Para precisa definição dos conceitos de vigência, vigor, eficácia e efetividade da norma, verificar: OLIVEIRA, Carlos Elias e COSTA-NETO, João. Direito Civil, Volume Único. Editora Método. Brasília, 2022. p. 8.
Às vésperas do aniversário de 28 anos da publicação da lei 8.935/1994 e da comemoração do dia dos notários e registradores, foi deferida autorização judicial para lavratura de um inventário extrajudicial com incapaz de forma desigual, com prévia e arraigada análise do Ministério Público e da autoridade judiciária: "[...] Ante a concordância do Ministério Público e não se verificando a existência de qualquer prejuízo para a herdeira incapaz, DEFIRO A EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ para autorizar a Cessão de Direitos pelo viúvo meeiro aos herdeiros filhos e o processamento do inventário dos bens deixados por M.A.B.G. pela via extrajudicial. Por consequência, DECLARO EXTINTO o processo, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. A presente sentença valerá como permissão à realização de abertura de inventário extrajudicial dos bens deixados pela 'de cujus' M.A.B.G. Proceda a inventariante ao recolhimento das custas, sob pena de inscrição do débito na Dívida Ativa. Aguarde-se, por 30 (trinta) dias, apresentação da escritura de partilha finalizada. Oportunamente, arquivem-se os autos. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se." Processo Digital nº: 1002024-05.2022.8.26.0457 da 2º Vara da Comarca de Pirassununga/SP. O motivo é de comemoração, o fenômeno extrajudicializante permitiu atender o dispositivo legal estabelecido no Código de Processo de Civil (artigo 610) com as mesmas cautelas e práxis do ordenamento jurídico, com prévia minuta elaborada pelo Cartório do Distrito de Cachoeira de Emas, Município e Comarca de Pirassununga, São Paulo. Com efeito, o precedente inova substancialmente a outrora solução de pagamento igualitário, nesse caso, os autores da ação demonstraram a necessidade de rápida formalização do inventário, em virtude da avançada idade do viúvo e a urgência de regularização dos imóveis e das empresas. Pretendem os interessados realizar o inventário extrajudicial dos bens deixados pela de cujus, mesmo com a existência de herdeira incapaz (pessoa com deficiência). A exordial deflagrada por advogado pirassununguense reuniu todos os precedentes desse fenômeno extrajudicializante, com as honrosas citações destes autores que cunharam essa solução disruptiva, assim como houve apresentação de tabela com o patrimônio, minuta elaborada pelo Cartório de notas com cessão de direitos, tornando os pagamentos hereditários diferenciados, e não igualitários como defendido previamente. Nesse caso, houve cessão de direitos da meação pelo cônjuge supérstite, tornando assim os pagamentos diferenciados. Com efeito, percebe-se uma economia processual e um planejamento sucessório, tendo em vista que o cônjuge cedente já possui idade avançada. Outrossim, de acordo com a petição: "...sem nenhum prejuízo ao incapaz envolvido, e que a requerente "incapaz" é pessoa com deficiência curatelada, requer desde já que seja expedido Alvará Judicial, para autorizar o processamento de Inventário pela via extrajudicial notadamente no tabelionato de Notas da Cachoeira de Emas na comarca de Pirassununga/SP, considerando-se a abertura do inventário na data da decisão de fls. 34 (09/06/2022) e inventariante a Autora." Comprometeram-se os autores a apresentar a escritura lavrada e que a ação fosse convertida em AÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL, para autorizar o processamento de Inventário e Cessão de Direitos pela via extrajudicial, no Tabelionato de Notas da Cachoeira de Emas, nesta comarca de Pirassununga/SP. Realmente, defendemos outrora que a desjudicialização das situações consensuais permite que a justiça se atenha à sua missão: compor litígios. O juiz é um profissional treinado para o enfrentamento do conflito. Já os delegatários do foro extrajudicial são insuperáveis na rápida e eficiente solução das situações consensuais. Enquanto a mudança legislativa não se faz, nada impede que os advogados e os tabeliães procurem obter junto aos juízes, como se fez no caso mencionado, autorização para que, em casos de partilha ideal com presença de menores ou incapazes se possa fazer a partilha ideal, ante a ausência de qualquer prejuízo para a pessoa que mais precisa ser protegida. Como premissa desse estudo, vale destacar que a mesma solução já foi implementada pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio do RESP 1.808.767 - lavratura com testamento -, assim, o inventário extrajudicial com incapaz possui o mesmo arquétipo do referido acórdão, já pacificado no STJ e replicado na normatização administrativa da maioria das Corregedorias Estaduais. Clique aqui e confira a íntegra da coluna.
quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Levando os emolumentos a sério

Emolumentos e os enunciados da I Jornada em Direito Notarial e Registral da CJF/STJ. Na célebre obra "Levando os direitos a sério", Ronald Dworkin procura desenvolver uma teoria do direito assentada nas melhores práticas morais de determinada sociedade. Com uma crítica ao positivismo, Dworkin buscou, em casos práticos e factíveis, a demonstração de que o direito não deve ser compatibilizado apenas com regras, mas, principalmente, como os princípios, que têm o poder de nortear a orientação e aplicação do direito1. Em conjunto, propõe uma teoria da justiça, segundo a qual todos os juízos a respeito de políticas públicas devem se basear na ideia de que todos os membros de uma comunidade são iguais enquanto seres humanos, independentemente das suas condições sociais e econômicas2, como John Rawls já havia teorizado com o "véu da ignorância"3. Esse princípio que fundamenta o estado democrático de direito leva em consideração a necessidade de aplicação de leis a todos os cidadãos, sem um estado de exceção4, no qual a lei varia ao sabor de quem julga e de acordo quem é julgado. Na democracia, respeita-se as leis, e todos são sujeitos de direitos postos na legislação5. Observa-se no país, em alguns juízos, um esforço para, em suas decisões, não haver pagamento pelo trabalho de notários e registradores, com dimensões que buscam ultrapassar a letra da própria legislação ou muitas vezes a ignorando6. O trabalho do notário e registrador depende essencialmente dessa remuneração para a viabilidade do serviço que não consome dos cofres públicos, ao contrário, o alimenta, já que boa parte do valor é revertido para o poder judiciário e outros7. Além disso, os emolumentos financiam os cartórios deficitários, que necessitam dos valores de compensação para sobreviver8. O esforço para o não pagamento dos emolumentos esbarra no nosso sistema na previsão de que somente a lei pode prever situação de isenções9, além da violação ao princípio da igualdade da Constituição10. Esse modelo vigente no país a partir do artigo 236 da Constituição é acertada, pois seleciona os melhores profissionais por concurso público (os chamados "delegatários"), os coloca responsáveis por erros, praticam atos privados na gestão da serventia e são fiscalizados pelo próprio poder judiciário. Os níveis de corrupção são baixíssimos, porque são facilmente identificados e punidos por um sistema que funciona. Não à toa que, novamente, em 2022, na pesquisa Datafolha de quais são as instituições do país com maior confiança da população, os cartórios aparecem em primeiro lugar11. Quando colocada a lente na problemática do uso indiscriminado das indisponibilidades de bens, da baixa gratuita de gravames ou de transferências de propriedade sem o seu pagamento, ou até mesmo da concessão indistinta gratuidades de justiça nos processos judiciais, sem ao menos o cumprimento ou observância dos requisitos legais, não se está levando o direito a sério. Não se está levando o Estado de Direito a sério. Dito isto, este texto traz três importantes enunciados que dizem respeito ao assunto e foram aprovados na I Jornada de Direito Notarial e Registral. Jornada e direitos dos delegatários em pauta. Nos dias 04 e 05 de agosto de 2022, ocorreu a I Jornada de Direito Notarial e Registral do Conselho da Justiça Federal, com o propósito de unir especialistas para a elaboração de enunciados com viés orientativo. Trata-se de doutrina qualificada, com a chancela do Superior Tribunal de Justiça. Os enunciados são enviados para uma Comissão de juízes e especialistas que poderão aprová-los, editá-los ou refutá-los. Os aprovados, em seu texto original ou modificado, vão a um Plenário, composto por todos que tiveram enunciados aprovados e pelos membros das Comissões. Somente com 2/3 de aprovação os Enunciados são ao fim aprovados pela Jornada12. Participamos da construção dos enunciados 31, 36 e 78 que tratam dos temas de emolumentos13. Passamos a apresentá-los. Enunciado nº 31: "A gratuidade da Central Nacional de Indisponibilidades, prevista no Provimento nº 39/14 do CNJ, refere-se ao uso da plataforma. Os atos de averbação e cancelamento são cobrados através dos emolumentos, exceto nas hipóteses legais de isenção". O texto esclarece os efeitos da gratuidade prevista no artigo 7º, parágrafo único, do provimento nº 39/2014 do CNJ, que regulamenta a Central Nacional de Indisponibilidades (CNIB). Art. 7º. A consulta ao banco de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB será obrigatória para todos os notários e registradores do país, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei e das normas específicas. Parágrafo único. Nenhum pagamento será devido por qualquer modalidade de utilização da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB pelos registradores, tabeliães de notas, órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública. Apesar da previsão normativa ser clara ao tratar que a gratuidade diz respeito apenas à utilização da Central, diversos juízos ainda têm adotado entendimento equivocado sobre o tema, determinando a prática dos atos registrais de forma gratuita quando provenientes dos resultados obtidos por meio da CNIB, como base no "Convênio CNIB". O Provimento do CNJ nº 39/14, que dispõe sobre a instituição e funcionamento da - CNIB, prevê que o uso da plataforma é gratuito, mas não os atos praticados pelo Registrador. O juiz acessa e utiliza de forma gratuita o sistema disponibilizado pela CNIB, ordenando restrições e cancelamentos de maneira geral e indistinta. Mas para a prática do ato registral de cancelamento, a ser realizado nas matrículas dos imóveis de propriedade do executado, e em seu benefício, ou nos livros do Registro de Títulos e Documentos, o Registrador deve ser devidamente remunerado. Diante de interpretações equivocadas, o CNJ, ao ser instado a interpretar o referido artigo pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, já decidiu por unanimidade pela legalidade da cobrança dos emolumentos em virtude do cancelamento das indisponibilidades (Consulta nº 0002379-11.2018.2.00.0000). No voto, o Conselheiro Relator assinala: A controvérsia cinge-se sobre a possibilidade de cobrança de emolumentos pela averbação de ordens de indisponibilidades e respectivos levantamentos via CNIB. [...] A gratuidade a que se refere a norma diz respeito aos atos praticados necessários à alimentação e à consulta ao CNIB, não alcançando, por conseguinte, o ato praticado pelo serviço extrajudicial para dar cumprimento à decisão judicial. [...] Uma coisa é a alimentação da plataforma pelos seus operadores e outra são os atos praticados pelas partes envolvidas no que diz respeito averbação das ordens de indisponibilidades, isto é, a decisão judicial que determina a indisponibilidade de bens proferida pelo juízo competente e a averbação em si executada pela serventia extrajudicial. [...] Ante o exposto, entendo que a gratuidade conferida pelo parágrafo único do art. 7º do Provimento CNJ nº 39/2014 não alcança a cobrança de emolumentos pelas serventias de registro de imóveis ao averbarem as ordens de indisponibilidades e respectivos levantamentos comunicados por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens. Portanto, o Enunciado deixa claro, mais uma vez, o direito do Registrador em ser remunerado pelos atos praticados em seus livros a partir da Central Nacional de Indisponibilidades.14 Enunciado nº 36: "Compete ao arrematante o pagamento dos emolumentos relativos aos cancelamentos dos ônus gravados na matrícula do imóvel quando do registro da carta de arrematação." Há dois tipos de emolumentos envolvendo o tema arrematação de imóveis. Cancelamento de gravames. Cancelamentos, como sinalizados, são atos de averbação em que incidem emolumentos ao Registrador (artigo 167, II da Lei Federal 6.015 combinada com as situações das leis estaduais). O cancelamento do gravame é despesa da própria execução (artigo 894 do CPC). Somente a lei pode trazer situações de gratuidade de emolumentos. E não haveria inclusive razoabilidade para a lei propor gratuidade em uma aquisição onerosa de um bem, por quem tem condição de pagar todos os atos praticados pelo cartório. Mesmo que o edital dispunha sobre o não pagamento dos emolumentos de cancelamento de gravames com o valor da arrematação, de maneira que sejam liberados para a prática do ato, é certo que o responsável pelo seu pagamento é o arrematante, pois, pelo princípio da continuidade (artigo 237 da Lei Federal 6.015), o registro do seu título aquisitivo depende do cancelamento dos gravames anteriores. É o beneficiário dos cancelamentos, pois o imóvel passa a ser seu, de sua titularidade. Este é o entendimento de diversos tribunais, citamos como exemplo o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO NOTARIAL IMOBILIÁRIO. LEVANTAMENTO DEGRAVAMES DO IMÓVEL LICITADO EM HASTA PÚBLICA. ORDEM JUDICIAL. INTERESSE PARTICULAR DO ARREMATANTE. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS EMOLUMENTOS.CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE MOTIVO ENSEJADOR DEISENÇÃO DAS DESPESAS. APLICAÇÃO DO ARTIGO 789, PARÁGRAFO PRIMEIRO, DACLT. INOCORRÊNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA Cabe mandado de segurança de impetração do titular do cartório de registro de imóveis contra ato judicial que lhe determina levantamento de gravames registrados em matrícula de imóvel alienado em hasta pública, por impossibilidade de o impetrante, auxiliar e "longa manus" do juízo da execução, contra a ordem recorrer. O juiz tem o dever legal de fiscalizar a cobrança das custas e emolumentos, na exata medida em que a impetrante tem o direito (também legal) de perceber, no caso em análise, pagamento pelo serviço que executará. As exceções de tal obrigação devem vir expressas e delas extrai-se com maior incidência a gratuidade processual. Na expropriação, figura ator diverso às partes litigantes, o arrematante, que, ao aderir espontaneamente à licitação em hasta pública, atrai para si os ônus daí resultantes. O interesse em ver o imóvel livre das anotações de gravame e receber plenamente a propriedade imobiliária que resulta da arrematação é apenas do arrematante. Não se lhe aplica, pois, a regra contida no artigo 789,§ 1º, da CLT. Segurança concedida Registro da carta de arrematação. O segundo se refere ao emolumento devido pelo registro da carta de arrematação. O seu registro é do próprio custo da aquisição, tal qual o ITBI, que incide sobre aquisições por leilão15, e é pago pelo arrematante. Insere-se no rol do artigo 2º, II, b e seu §1º da Lei Federal de Emolumentos (Lei 10.169/2000). Ambos emolumentos são devidos imediatamente na prática do ato, pelos termos da lei federal 6.015 no seu artigo 206-A. O título, judicial, para ambos atos (cancelamento e registro) será a carta de arrematação, baixando-se os gravames e transferindo-se a propriedade. O Enunciado repete o entendimento que já é o do STJ. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E IMOBILIÁRIO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 282/STF. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DE LEI FEDERAL. SÚMULA 328/STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. ... 4. A Lei 6.015/73 prestigia o princípio da continuidade do registro como basilar para os serviços notariais e de registros imobiliários, delegados pelo Poder Público a particulares (CF, art. 236). Assim, a carta de arrematação do recorrente somente pode ser registrada após os cancelamentos dos anteriores registros de penhoras sobre o imóvel. Logo, o recorrente tem interesse não somente pelo registro da carta de arrematação, mas, também, pelos cancelamentos dos registros das penhoras. Prestado o serviço pelo cartório de imóveis, o ora recorrente deverá arcar com todos os custos inerentes. Dessa forma, fica rejeitada a apontada violação aos arts. 580, 581, 794, I, 890, §§ 1º e 2º, do CPC, porque o recorrente não está liberado do pagamento dos emolumentos referentes aos cancelamentos das anteriores penhoras que recaíram sobre o bem. 5.. (REsp n. 907.463/RN, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 5/11/2013, DJe de 18/9/2014.) Portanto, uma ordem judicial que determine a baixa gratuita de gravames e a transferência da propriedade sem o pagamento de emolumentos viola a lei de maneira gritante. Enunciado nº 78: "A gratuidade de justiça conferida a uma das partes do processo judicial não é extensível para outras partes não beneficiadas, para fins de pagamento de emolumentos extrajudiciais". O enunciado visa aclarar os efeitos da gratuidade de justiça no âmbito registral, sobretudo, no que se refere à sua extensão. A gratuidade de justiça, prevista no artigo 98 do Código de Processo Civil, consiste em benefício concedido à parte hipossuficiente da relação processual, possibilitando a realização de atos processuais sem o adiantamento das custas e demais gastos. A partir do Código de Processo Civil de 201516, a gratuidade foi estendida ao pagamento dos emolumentos, permitindo a prática de atos registrais em detrimento da parte beneficiária da gratuidade sem o adiantamento do valor devido17. Os efeitos da gratuidade se restringem apenas a parte que goza deste benefício, não abarcando os demais atores do processo. O artigo 99, § 6º do CPC expressamente estabelece que o benefício da gratuidade é pessoal, não se estendendo aos demais, salvo por meio de expresso requerimento e deferimento. No mesmo sentido o art. 10 da Lei Federal nº 1.060/195018. Mesmo com o claro texto legal e entendimento jurisprudencial no sentido do enunciado, muitas ordens, surpreendentemente, estendem ao executado/réu o direito de gratuidade de justiça conferido ao exequente/autor. Nesses autos, o benefício da parte hipossuficiente, acaba, surpreendentemente, na prática, beneficiando o executado que deu causa à ação e à execução, e que, muitas vezes, dificulta a recuperação dos créditos judiciais. É "premiado" o responsável pelo processo com a extensão ilícita da gratuidade do hipossuficiente. *** Os enunciados da I Jornada de Direito Notarial e Registral têm uma importância significativa para a pacificação de temas que interessam ao cidadão e ao operador do sistema extrajudicial. Mais que isso, os enunciados acima são fundamentais para a estabilidade do sistema, no reforço das previsões legais que identifica direitos, sujeitos e não prevê exceções, ou, pior, uma realidade de Exceção. A sua correta compreensão é um passo relevante para um sistema extrajudicial sadio. Que os direitos dos registradores e notários possam ser levados a sério. __________ 1 DORWIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Martins Fontes: São Paulo, 2007 2 CORRÊA LEITE, Taylisi de Souza. O Modelo de Regras de Ronald Dworkin. Disponível aqui. 3 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Martins Fontes: São Paulo 4 Para Andityas Soares de Moura Costa, Professor de filosofia do direito na UFMG, a expressão estado de exceção: designa  a  provisória suspensão da Constituição em sua inteireza ou em pontos de grande importância, como, por exemplo, os direitos e garantias fundamentais (...) Em sua obra Estado  de  Exceção, o filósofo italiano Giorgio Agamben demonstrou que a exceção autoritária não é uma espécie de negação do Estado Democrático de Direito. Ao contrário, a exceção habita dentro da democracia e do Estado de Direito, motivo pelo qual é mais correto falarmos em espaços de exceção. Tal percepção é preciosa porque nos permite refletir sobre nossas práticas político-jurídicas  cotidianas  para  nelas  descobrir  camadas  de  autoritarismo  que,  à primeira vista, parecem alheias e inexplicáveis. Somente uma leitura crítica de nossa vivência social pode evidenciar que, não obstante a perfeição e a beleza dos enunciados normativos da Constituição de 1988, nossa democracia se construiu tendo em vista uma tradição autoritária, a qual não desaparece da noite para o dia simplesmente porque mudamos nossas leis e governantes. Assim, uma das principais tarefas do pensamento crítico  consiste  em  denunciar  os  espaços  de  exceção  que  parasitam  o  cenário político-jurídico nacional. (pag.12) (Fonte: Vista do Estado de Exceção e Democracia no Brasil (ufmg.br) 5 O célebre jusfilósofo Javier Hervada, quando trata sobre o direito como justiça, diz que "o que constitui o dever jurídico ou dívida de justiça é exatamente a coisa que é direito. Isso é o que dever ser dado, nem mais nem menos: o justo" HERVADA, Javier. Lições Propedêuticas de Filosofia do Direito. Martins Fontes: São Paulo, 2008, p. 143. 6 Tomadas de decisão sem a observância do direito de todos os envolvidos não se compatibilizam com nosso estado democrático, que obriga a fundamentação de todos os atos decisórios sob pena de nulidade Nesse sentido, o artigo 11 do CPC: "Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade". 7 O emolumento ("taxa cartorial") é o único mecanismo de remuneração da atividade notarial e registral, previsto no artigo 236 da Constituição Federal, que não depende de recursos públicos. É o que viabiliza o pagamento de todo o aparato físico da serventia (dos móveis, aparelhos ao local), contas de energia, água, papel, selos, de contratação de pessoal, tecnologia, seguros, contabilidade, jurídico, treinamentos contínuos e toda a sorte de obrigação legal. O valor ainda é transferido, a título de taxa de fiscalização, ao Tribunal de Justiça e demais beneficiários (Ministério Público, Defensoria Pública e outros, valores que podem chegar a 52% a depender do estado), pagos impostos (ISS e IRPF de 27,5%), para o que sobrar, ser a remuneração do oficial. 8 Como sabido, a remuneração dos cartórios superavitários é responsável pelo custeio dos cartórios deficitários, através dos fundos de compensação (Lei Federal 10.169/2000). 9 Vide a exemplo o julgado: RE 638026; Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Julgamento: 18/07/2014; Publicação: 01/08/2014 10 Celso Antônio Bandeira de Mello, na sua obra "conteúdo jurídico do princípio da igualdade (Malheiros, 2004), nos ensina que: o princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes (...). 11 O retrato não isenta as necessárias melhorias de simplificação de procedimentos na legislação e necessária acessibilidade digital à população, o que parece estar em curso com medidas como a lei 14.382 (lei do serviço eletrônico de registro público), o funcionamento e expansão das centrais eletrônicas, exemplificativamente. Ainda há desníveis significativos entre diferentes partes do país e uma expectativa de padronização dos serviços, já que cada delegação é independente. 12 Como exposto pelo Conselho da Justiça Federal: "As Jornadas de Direito buscam delinear posições interpretativas sobre as normas vigentes, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, a partir do debate entre especialistas e professores, com a produção de enunciados a serem publicados e divulgados sob a responsabilidade do Centro de Estudos Judiciários e supervisão da Coordenação Científica". Disponível aqui. 13 O autor Bernardo Chezzi foi convidado como Especialista da Comissão de Registro de Imóveis, foi proponente e trabalhou no aperfeiçoamento junto com os demais especialistas daquele grupo de todos enunciados dessa atribuição. O autor Gabriel Souza teve enunciado selecionado pela Comissão, sendo convidado a participar da plenária. Os enunciados aprovados 31, 32 e 78 foram propostos pelos autores. 14 Vê-se que a opção do CNJ foi, para viabilizar a indisponibilidade via CNIB, que os atos de averbação da indisponibilidade fossem pagos junto com os de cancelamento, pelo interessado, na baixa desse gravame. Todavia, o correto, nos termos do artigo 206-A da 6.015, é que o requerente, quando pessoa sob o regime privado, pague pela averbação. O pagamento a posteriori é um dos motivos de banalização do instrumento de indisponibilidade para execução de dívida. Sobre isso, veja artigo Bernardo Chezzi publicado no Jornal Estado de São Paulo e no Portal Migalhas (https://www.migalhas.com.br/depeso/375112/o-uso-da-indisponibilidade-geral-de-bens-para-constricao-de-dividas) 15 STJ, REsp 1.803.169/SP; STJ, AREsp 1425219/SP; STF ARE 1322769-AgR; STJ AgInt no AgInt no AREsp 162.397/SP, dentre outros julgados. 16 Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. 17 Nesse sentido, destacou João Pedro Lamana Paiva: A gratuidade da justiça sofreu alterações com impacto direto nas atividades notarial e registral, conforme art. 98 da moderna norma processual. A assistência judiciária gratuita, deferida pelo juiz, foi estendida aos emolumentos dos atos praticados por notários e registradores. (PAIVA, João Pedro Lamana. O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SUAS REPERCUSSÕES NAS ATIVIDADES NOTARIAIS E REGISTRAIS. Revista de Direito Imobiliário, vol. 83/2017, p. 159/178, Jul - Dez / 2017). 18 Art. 10. São individuais e concedidos em cada caso ocorrente os benefícios de assistência judiciária, que se não transmitem ao cessionário de direito e se extinguem pela morte do beneficiário, podendo, entretanto, ser concedidos aos herdeiros que continuarem a demanda e que necessitarem de tais favores, na forma estabelecida nesta lei.
Em 22 de abril de 2022 o CNJ - Conselho Nacional de Justiça editou a resolução 452/221, que alterou o artigo 11 da resolução CNJ 35/07, para permitir que o(a) inventariante nomeado represente o espólio "na busca de informações bancárias e fiscais necessárias à conclusão de negócios essenciais para a realização do inventário e no levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário". Permitiu-se, dessa forma, a nomeação do inventariante em escritura pública anterior à partilha ou à adjudicação (Resolução CNJ 35, art. 11, §1º), prática que já era admitida por vários Tribunais do país, bem como o seu acesso a saldos e extratos bancários de contas do de cujus e o levantamento (saque) de quantias - eventualmente existentes - com a finalidade de efetuar o pagamento do devido imposto de transmissão (ITCMD) e os emolumentos notariais e registrais do Inventário Extrajudicial. Visou-se, com isso, resolver celeuma existente no cotidiano de quem labora com o Direito das Sucessões, consistente na ilegítima recusa de algumas poucas instituições bancárias em fornecer os necessários saldos e extratos aos herdeiros, sob a alegação de que se fazia necessária a apresentação de alvará judicial. Trata-se de medida necessária e aguardada pela comunidade jurídica e pela sociedade de modo geral, com vistas a viabilizar a realização/conclusão do Inventário Extrajudicial. E não poderia ser diferente, pois o Direito deve servir à sociedade, que clama por atos e procedimentos mais céleres e eficazes. Acreditamos, entretanto, que a alteração poderia ter sido ainda melhor se tivesse contemplado o pagamento de honorários advocatícios, mesmo que parciais, pois não há como se falar em realização de Inventário, Judicial ou Extrajudicial, sem a presença obrigatória de advogado. Essa é uma questão crucial! Da mesma forma, dever-se-á permitir o levantamento de valores eventualmente existentes em conta para o pagamento de eventuais débitos tributários existentes, a fim de se possibilitar a realização do inventário pela via administrativa, de maneira a se atender à resolução 35/07 do CNJ. Fica registrada, portanto, sugestão de alteração! Outra questão de grande relevância que defendemos há algum tempo, cerne deste artigo, é a inerente à venda de bens do espólio, independentemente de autorização judicial, nos casos em que as partes vierem a optar pela realização do Inventário de forma extrajudicial. A explicação seria a seguinte: O CPC, atualmente, em seu artigo 619, I, in verbis, exige alvará judicial para venda de bens do espólio: "Art. 619. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz: I - alienar bens de qualquer espécie; [...]" Acontece que é um contrassenso exigir que as partes, capazes e concordes, que já optaram por promover o Inventário pela via extrajudicial, precisando alienar um ou mais bens, sejam obrigadas a se dirigir ao Poder Judiciário para requerer autorização judicial. Tal previsão vai de encontro ao importante movimento de desjudicialização existente em nosso país, o qual é, inclusive, contemplado em vários dispositivos do referido Codex, a exemplo do que prevê o artigo 610, §1º, que trata do Inventário Extrajudicial e de seu artigo 733, que dispõe sobre o divórcio, a separação, e a dissolução de união estável, consensuais, por escritura pública. Além disso, fere o Princípio da Autonomia da Vontade, bem como os Princípios da Intervenção Mínima do Estado e da Economia Procedimental, na medida em que retira das partes, capazes e concordes, no livre uso e gozo de suas capacidades civis, o poder de decisão/disposição e a possibilidade de venderem um ou mais bens, em momento de necessidade, obrigando-as a bater às portas do Judiciário para requerer algo que de forma simples poderia ser resolvido e evitado. Devemos lembrar que o artigo 619 do atual Código de Processo Civil replicou a regra do revogado artigo 992 do CPC de 1973, época em que ninguém sequer cogitava falar em Inventário Extrajudicial, carecendo da necessária alteração legislativa. Não há razão, portanto, de se exigir alvará judicial nesses casos, desde que inexistam débitos do espólio, dos herdeiros e do meeiro, capazes de impedir a venda. Não haverá prejuízo algum a quem quer que seja. Prejuízo existe, com a devida vênia a quem pensa diferente, ao se exigir o alvará judicial nessas situações, privando as partes de vender bens que já estão em sua esfera patrimonial, em razão do Princípio da Saisine (droit de saisine), consagrado pelo artigo 1.784 do Código Civil. Bastaria a devida autorização expressa concedida pelo cônjuge supérstite/meeiro acompanhado de todos os herdeiros e respectivos cônjuges - com exceção daqueles cujos casamentos foram realizados sob o regime da Separação de Bens - na própria escritura de nomeação de inventariante. Na prática, portanto, o inventariante devidamente nomeado e autorizado por todos os herdeiros/sucessores e seus cônjuges, bem como pelo meeiro, e que tenha prestado compromisso, sempre assistidos por advogado, em Escritura Pública de Nomeação de Inventariante, já estaria apto a requerer a lavratura e a representar o espólio na assinatura da competente Escritura Pública de Compra e Venda a ser outorgada ao comprador. A Escritura Pública de Nomeação de Inventariante, nesse caso, contendo autorização/poderes especiais e expressos concedidos ao inventariante, substituiria o alvará judicial. Por que não? Defendemos essa "tese", pela primeira vez, em maio do corrente ano, em uma live com o amigo Davi Camboim, do @estudosnotariais, e, há algumas semanas, em outra live, dessa vez com o amigo João Massoneto, Tabelião Substituto do Tabelionato de Notas e Protesto de Monte Azul Paulista-SP. Mister se faz frisar, ainda, não se tratar de cessão de direitos hereditários, mas sim de verdadeira compra e venda de bens do espólio, com o devido recolhimento tributário e apta ao registro na Serventia Predial competente, na respectiva matrícula do imóvel. Um passo gigantesco nesse relevante e indispensável movimento de desjudicialização. Além disso, tal medida trará, seguramente, inúmeros benefícios à sociedade e ao Poder Judiciário, eis que capaz de formalizar com segurança algo que já acontece na prática, promovendo paz social e prevenindo o surgimento de litígios que certamente desembocariam na Justiça. Sabemos que inúmeros são os casos de venda de bens do espólio por instrumento particular e sem qualquer recolhimento tributário. Muitos, com a finalidade de evitar a ida ao Judiciário para pedir o alvará judicial e o tempo despendido, alienam o bem por contrato particular, sem a necessária segurança jurídica, comprometendo-se a transferir a escritura posteriormente, o que em muitos casos nunca acontece. Infelizmente, isso é mais comum do que se imagina. Assim, outro aspecto positivo é o de possibilitar o devido recolhimento do imposto de transmissão inter vivos, com a formalização do negócio jurídico através da competente Escritura Pública de Compra e Venda perante os tabelionatos de notas do país, representando grande benefício aos Fiscos Municipais. Não se pode olvidar, também, que nem sempre o espólio possui liquidez para custear as despesas advindas do Inventário, tais como, ITCMD, emolumentos notariais e registrais, honorários advocatícios e eventuais tributos capazes de impedir a realização pela via extrajudicial, sendo tal medida, a nosso ver, salutar e necessária. Lembre-se que, mesmo com a possibilidade de levantamento de valores em instituição bancária, permitida pela atual redação do artigo 11 da Resolução 35 do CNJ, nem sempre o espólio possui, em conta bancária, saldo suficiente a custear as despesas do inventário. Faz-se, portanto, imprescindível a venda de algum bem, com a finalidade de levantamento das quantias necessárias. Negar às partes esse direito é, data maxima venia, andar na contramão da desjudicialização, burocratizando-se algo que, com praticidade e segurança, poderia ser resolvido rapidamente e com menores custos na via extrajudicial. E, com relação a eventuais débitos, como ficaria a situação? Simples. Bastaria, a declaração de inexistência firmada por todos os herdeiros e meeiro, sob as penas da lei, corroborada pela apresentação de certidões negativas de débitos de protesto e do foro judicial do último domicílio do de cujus, bem como da competente certidão negativa da Central de Indisponibilidade de bens, esta última também com relação aos herdeiros e meeiro, além da apresentação da certidão de ônus reais com relação ao imóvel. Convém lembrar ainda que, com a atual redação dos artigos 54 e 55 da Lei 13.097/2015 a concentração dos atos na matrícula, fortaleceu a fé pública registral, onde privilegiou-se a segurança jurídica com a publicidade registral imobiliária. Além disso, visando trazer mais segurança, na própria escritura de nomeação de inventariante, além da necessária autorização e a adequada identificação do imóvel, poder-se-ia constar, caso essa seja a vontade das partes, o valor pelo qual desejam que o imóvel seja vendido. Trata-se, portanto, de alternativa de acesso à Justiça e de importante mecanismo de pacificação social, harmoniosa com o movimento de desjudicialização existente em nossa nação e com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, por sua rapidez, praticidade, segurança e eficácia. Mister se faz frisar, ainda, que tivemos, há alguns dias, a grata notícia de que fora publicado, no Estado do Rio de Janeiro, o provimento CGJ/RJ 77/222, de 17 de Outubro de 2022, que dispõe sobre a alienação, por escritura pública, de bens integrantes de acervo hereditário, independentemente de autorização judicial, o qual, em seu artigo 1º, assim dispõe: Art. 1º. O Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça - Parte Extrajudicial fica acrescido dos seguintes artigos: "Art. 308-A. É possível a alienação, por escritura pública, de bens integrantes do acervo hereditário, independentemente de autorização judicial, desde que dela conste e se comprove o pagamento, como parte do preço: I - da totalidade do imposto de transmissão causa mortis sobre a integralidade da herança, ressalvado o disposto no artigo 669, II, III e IV, do CPC; e II - do depósito prévio dos emolumentos devidos para a lavratura do inventário extrajudicial. § 1º. A alienação disciplinada neste artigo não poderá ser efetivada quando: I - tiver por objeto imóveis situados fora do Estado do Rio de Janeiro; II - o inventário não puder ser lavrado por escritura pública na via extrajudicial; e III - constar a indisponibilidade de bens quanto a algum dos herdeiros ou ao meeiro. § 2º. O espólio será representado por inventariante previamente nomeado em escritura declaratória, ou no próprio instrumento de alienação de bens integrantes do acervo hereditário. § 3º. Ao discriminar a forma de pagamento da parte do preço, o tabelião deverá consignar na escritura os elementos identificadores: I - de orçamento expedido por notário escolhido pelo interessado, a fazer parte integrante do ato, indicando: a) a relação dos bens do espólio que serão inventariados extrajudicialmente, incluindo o objeto da alienação; b) os dados bancários necessários ao depósito prévio dos emolumentos para a realização do inventário; c) a data de sua elaboração; d) advertência de que a não lavratura da escritura pública de inventário extrajudicial em até 90 (noventa) dias da ciência do depósito prévio importará ao alienante na perda dos emolumentos depositados pelo adquirente em favor do tabelião; II - da declaração de herança por escritura pública (HEP) e das guias para pagamento expedidas pelo órgão da Fazenda Estadual e documentos congêneres expedidos por órgãos competentes para o lançamento do imposto de transmissão causa mortis de outros entes da federação. § 4º. Caso não haja a antecipação do pagamento, será possível a alienação com cláusula resolutiva expressa de que parte do preço será pago pelo depósito prévio dos emolumentos para a lavratura do inventário, em até dez dias, e pela quitação do imposto de transmissão causa mortis da integralidade da herança. Vale muito a pena a leitura e o estudo, na íntegra, do diploma normativo. Trata-se de provimento de suma importância, a nosso ver, que tende a ter as suas disposições replicadas por outros Tribunais do país, haja vista os inúmeros benefícios da medida, como aqui já demonstrado. Permitir, assim, a realização de tal procedimento pela via administrativa, em tabelionato de notas, independentemente de autorização judicial, é, a nosso ver, medida que se impõe e alternativa inteligente e consonante com o clamor e o dinamismo social, bem como com o movimento de desjudicialização existente em nosso país, na medida em que promove paz social com efetividade, previne o surgimento de inúmeros litígios, ajuda o Poder Judiciário em sua importante missão de prestar jurisdição com efetividade àqueles que necessitam, possibilita o recolhimento dos tributos devidos, viabiliza a realização do inventário de forma extrajudicial e, atende, por sua celeridade e segurança jurídica, à dignidade da pessoa humana e à autonomia da vontade, ressaltando-se a obrigatória participação de advogado, assistindo as partes, no ato de autorização da venda (Escritura Pública de Nomeação de Inventariante). ______________ 1 https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/377438/escritura-de-nomeacao-de-inventariante-e-a-venda-de-bens-do-espolio[1] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4503. Acesso em: 01/11/2022 2 Disponível em: http://vfkeducacao.com/portal/foi-publicado-o-provimento-cgj-rj-no-77-2022-que-dispoe-sobre-a-alienacao-por-escritura-publica-de-bens-integrantes-de-acervo-hereditario/ Acesso em: 25/10/202 ______________ *Anderson Nogueira Guedes é advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito Notarial e Registral, em Direito de Família e Sucessões e em Direito Tributário, com atuação, ainda, nas áreas de Direito Imobiliário e Contratual, Direito do Agronegócio e Direito Empresarial. Foi Tabelião Substituto de Serventia Extrajudicial, por mais de 15 anos. Palestrante. Membro Efetivo da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões e da Comissão de Estudos das Questões Jurídicas do Agronegócio, da OAB/MT. Autor de diversos artigos jurídicos publicados em sites especializados em Direito Notarial e Registral do país e em Revista Jurídica. Coautor das obras: Tabelionato de Notas - Temas Aprofundados, O Novo Protesto de Títulos e Documentos de Dívida - Os Cartórios de Protesto na Era dos Serviços Digitais, Registro de Imóveis - Temas Aprofundados e O Registro Civil na Atualidade - A Importância dos Ofícios da Cidadania na Construção da Sociedade Atual, publicados pela Editora Juspodivm, e da obra O Direito Notarial e Registral em Artigos Vol IV, publicado pela YK Editora. Aprovado em vários concursos públicos para ingresso na Atividade Notarial e Registral.
O escopo desse estudo reflexivo e intuitivo se consubstancia no levantamento de algumas perguntas práticas decorrentes da problemática apresentada e seus efeitos imediatos, notariais e registrais, perscruta assim contribuir com o Poder Judiciário Paulista e com as instâncias extrajudiciais na melhor intelecção desse fenômeno. Ademais, apresentamos reflexões desta celeuma, com a proposição de algumas possibilidades para uma nova proficuidade. O recente precedente do Conselho Superior da Magistratura na Apelação 1109321-12.2021.8.26.01001 estabeleceu que o acréscimo patrimonial, obtido de forma não onerosa, impõe a declaração e o recolhimento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e por Doação - ITCMD ou a comprovação da sua não incidência por declaração do órgão competente, obrigando o Oficial Registrador promover a fiscalização do pagamento desse imposto. No entanto, o voto vencido, de lavra do doutor Fernando Antonio Torres Garcia - Corregedor Geral da Justiça - demonstrou a melhor solução - com respeito e a máxima venia aos demais nobres julgadores, aos quais aproveitamos, inclusive, para renovar nossos protestos de elevada estima e distinta consideração. Pois bem, apresentamos a seguir algumas perguntas, baseadas em fundamentos jurídicos, para que os leitores possam perscrutar prévias reflexões práticas: Tendo em vista este último precedente e seu voto vencedor, seria cabível a orientação notarial para lavratura de duas compras e vendas recíprocas? Essa conclusão poderá levar os usuários a "mentir" ou modular a manifestação de vontade - simulação -, com intuito de economizar a "suposta e inexistente doação" dentro no negócio jurídico eminentemente oneroso? Como estabilizar os anseios subjetivos e a complexidade dos objetos imóveis em face da efêmera sociedade? Exemplo prático disso já foi demonstrado pela decisão da Doutora Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, da 1ª VRPSP - Processo: 1127941-72.2021.8.26.01002, na qual houve a permuta de um sítio em Tatuí por um apartamento, uma sala comercial e uma vaga dupla de garagem na Capital Paulista. O imóvel rural - com tamanho e estrutura de lazer limitado -, tem potencial de gerar mais custos para manutenção, ao passo que nos urbanos se presume um potencial de frutos civis - aluguéis- produzidos periodicamente. A seguir, ofertamos um trecho da decisão que explora a causalidade subjetiva inerente a permuta, além de uma análise tributária necessária: " .... De fato, para os contratantes, o valor intrínseco dos bens pode ser bastante variável, ganhando relevante valorização por questões personalíssimas de fundo emocional e afetivo ou tornando-se desinteressantes e até desprezíveis por alterações na condição de vida de cada um, como no caso da requerente que informa ter se mudado para Portugal, o que a impede de usufruir o imóvel rural, preferindo imóveis urbanos com a expectativa de retorno financeiro que não alcançaria com o sítio. É nesse contexto que, sob o aspecto das relações privadas, o preço dos bens envolvidos em um contrato de permuta pode não ser integrativo do negócio jurídico. Contudo, para efeitos tributários, a expressão econômica dos bens negociados é essencial para a fixação de uma base de cálculo objetiva, que não pode variar conforme a conveniência dos contratantes. No caso concreto, a parte recebeu imóveis cuja soma do valor venal totalizou R$ 1.196.011,00 e, na condição de contribuinte, calculou o ITBI recolhido tomando por base esse valor. Por outro lado, o sítio que entregou na permuta estava avaliado, para fins tributários, em R$830.666,00 conforme Declaração do ITR para o exercício de 2018, o que resulta em diferença de R$365.345,00, para a qual não houve compensação financeira. Não resta dúvida de que se tratou de negócio oneroso, ao menos em parte, pois, embora não tenha havido pagamento em dinheiro, houve troca de patrimônio com a entrega do imóvel rural. Portanto, é inquestionável a incidência do ITBI. Contudo, pode a permuta ser considerada um negócio complexo (parte oneroso e parte gratuito), ensejando a incidência simultânea e complementar de ITBI e de ITCMD? O acréscimo patrimonial auferido pela parte que recebeu imóveis de maior valor sem a correspondente compensação financeira pode caracterizar doação sujeita à incidência do ITCMD? Embora a tese da caracterização de doação tributável seja sedutora, uma análise sistemática indica que a resposta deve ser negativa, sobretudo pela bitributação que acarretaria. " 3. Seria possível a criação de uma dívida recíproca por instrumento particular (aparente simulação) para que ambos possam instrumentalizar uma dação em pagamento de forma mútua? Ou seja, afastar completamente o ato gratuito, não havendo possibilidade de controle como no mencionado acordão do Egrégio Conselho Superior Magistratura. Em outras palavras, as partes fomentarão instrumentos particulares para projetarem o programa obrigacional e a consequente formalização em dação em pagamento, acertando os aspectos contábeis da tributação por meio desses instrumentos, em um verdadeiro diálogo transacional. Ou ainda, simular uma permuta com torna estabelecendo determinado valor mínimo para subsunção da ratio decidendi da Apelação Cível: 1099753-06.2020.8.26.01003? Vale ressaltar que nesse precedente do CSM/SP foi afastado completamente o recolhimento do ITCMD conforme a ementa: "REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura pública de permuta de bens imóveis com valores distintos e torna. Negócio jurídico oneroso. ITBI recolhido. Inexistência de fato gerador do ITCMD. Exigência de comprovação do pagamento do imposto estadual afastada. Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título. " 4. Ainda sobre a pergunta anterior, qual é o limite da qualificação registral na escritura de dação em pagamento, notadamente no dispositivo notarial que menciona a origem da dívida? Essa resposta pode ser a bússola interpretativa para solução das permutas imobiliárias, devendo os notários, por meio da prudência notarial, desenvolverem dispositivos hermenêuticos de orientação e explicação para futura qualificação registral e de eventual fiscalização tributária, afastando por completo a gratuidade - animus donandi4 -, demonstrando uma causalidade específica para aquele negócio, em uma verdadeira operação de abstração jurídica. 5. É justo estabelecer o valor venal atribuído pelo Fisco como valor absoluto? Essa resposta por si só impede a solução que está sendo adotada no respeitável acordão. Caso analisado dentro de um mesmo município - imóveis permutantes-, é possível afirmar determinada isonomia, na medida em que os valores estabelecidos, seja venal ou de referência, coadunam com a mesma fórmula aritmética de elementos como: potencial construtivo, zoneamento, etc. Por outro lado, caso sejam imóveis de municípios diferentes, haverá uma patente injustiça. Dessa forma, como compatibilizar, por exemplo, o valor estimado de mercado ou do valor do IPTU da cidade de Pirassununga/SP com o valor venal de referência de Campinas/SP? As diferenças são exorbitantes, mas será que não é possível a permuta de uma casa de Pirassununga por outra de Campinas? Sem nenhum tipo de torna? Mesmo os valores venais totalmente diferentes? Além disso, há inúmeros precedentes do STJ que inviabilizam essa automática interpretação. Mesmo sendo precedentes repetitivos, devemos desconsiderá-los? 6. Há doação sem o animus donandi? Há novação sem animus novandi? Seria possível interpretarmos uma manifestação de vontade ou presumir uma vontade desse tipo? Para Antônio Junqueira de Azevedo, o animus donandi é um elemento categorial da natureza jurídica específica do tipo do negócio jurídico, posicionando como pressuposto existencial. Em outras palavras, aplicando-se regime de presunção que ocorreu uma doação, seria aplicado todo arquétipo inerente à doação, todos efeitos, como por exemplo antecipação da legítima, caso seja uma permuta entre genitores e filhos?  Como sabemos, o Código Civil Brasileiro não previu a causa como pressuposto de existência, muitos menos como requisito de validade dos negócios jurídicos. No entanto, caso lavre uma escritura de dação em pagamento e não conste a origem da dívida, certamente será qualificada de forma negativa pelo Registrador. Isso demonstra uma possível aplicação analógica, ainda que mitigada, de um negócio jurídico causal (causa como elemento estruturante), requerendo necessariamente uma análise fática preexistente para perfectibilização do ato notarial na tábua registral. Para Emilio Betti, os negócios distinguem-se em causais e abstratos, conforme a função econômico-social - causa - que os informa, seja ou não, manifesta e reconhecível pela sua estrutura, de modo que haverá influência direta ou indireta na irradiação do tratamento jurídico e dos seus efeitos. Para o referido autor, há negócios que revelam a causa de forma automática, implícita, em um verdadeiro exercício de abstração, não revelando uma necessidade individual e específica na satisfação do programa negocial. Neste sentido, a causa em determinados negócios tem relevância direta, diferente dos negócios abstratos, como o autor cita os cambiários, por exemplo. Nessa modalidade negocial há previsão legal de abstração e autonomia dos negócios genéticos. De outro bordo, há na permuta uma causa integrante da simbiótica relação jurídica, um desejo, a vontade de trocar um bem pelo outro, com objetivos subjetivos únicos e diferenciados, inerentes de cada negócio jurídico. Utilizando-se do arquétipo jurídico existente e a capacidade prudencial dos notários, defendemos a possibilidade da criação de um dispositivo de circunspecção notarial - irradiação prática dessa característica prudencial segundo São Tomás de Aquino5 - na escritura pública, muito similar ao dispositivo de origem da dívida constantes na dação em pagamento. Assim, poderá auxiliar a qualificação registral do Registrador para o afastamento total de eventual burla tributária ou ato volitivo de gratuidade. Outrossim, ressaltamos que é possível ainda praticar o ato registral e comunicar o Fisco competente para eventual fiscalização, caso seja necessária. Devemos sempre nos pautar nos precedentes consolidados, notadamente que não deve o Oficial Registrador verificar o quantum recolhido, apenas se houve ou não o pagamento, com exceção de flagrante irregularidade, devendo tal aferição ser atribuição exclusiva do ente fiscal. Por outro lado, o recente o PARECER PGFN/CRJ/COJUD SEI N° 8694/2021/ME (com precedentes do STJ) que resultou no Despacho PGFN nº 167, de 08 de abril de 20226, entalhou o seguinte: "...Contrato de permuta, sem parcela complementar. Resumo: O contrato de troca ou permuta não deve ser equiparado, na esfera tributária, ao contrato de compra e venda, pois não haverá, em regra, auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca. O art. 533 do Código Civil apenas ressalta que as disposições legais referentes à compra e venda se aplicam, no que forem compatíveis, com a troca no âmbito civil, definindo suas regras gerais. Como corolário, não havendo comprovação documental em sentido contrário, nem parcela complementar, o valor do imóvel recebido nas operações de permuta com outro imóvel não deve ser considerado receita, faturamento, renda ou lucro para fins do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS apurados pelas empresas optantes pelo lucro presumido. Precedentes: REsp nº 1.733.560/SC, AgInt no REsp nº 1.758.483/SC, AgInt no REsp 1.796.877/SC, AgInt no AgInt no REsp nº 1.639.798/RS, AgInt no REsp 1.737.467/SC, AgInt no REsp 1.800.971/SC, AgInt no REsp nº REsp 1.868.026/PB, REsp nº 1.754.618/SC, REsp nº 1.798.211/RS, REsp nº 1.801.839/RS, REsp nº 1.850.377/SC, REsp nº 1.737.790/RS e REsp nº 1.738.667/SC. Data de início da vigência da dispensa: 08/04/2022. Referência: Parecer SEI nº 8.694/2021/ME."Encaminhe-se à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil para ciência, consoante sugerido. Outrossim, restitua-se à Procuradoria-Geral Adjunta de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial para adoção das providências pertinentes, em especial, aquelas apontadas no item 15 do PARECER PGFN/CRJ/COJUD SEI N° 8694/2021/ME (SEI nº 16442676)."( grifo nosso)                Em outras palavras, a Procuradoria da Fazenda Nacional manifestou-se no sentido de não tributação da permuta como na compra e venda, demonstrando por si só, o reconhecimento de um negócio causal diferente da compra e venda.  Corrobora ainda nesse sentido, o Recurso Especial Repetitivo7 Nº 1.937.821 - SP (2020/0012079-1), sob relatoria do Ministro Gurgel de Faria, com fulcro no artigo 1.039 do Código de Processo Civil, na qual firmou as seguintes teses: "... a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU,que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 1488 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente."(grifo nosso) Em outros termos, como afastar a declaração dos contribuintes de forma direta sem a regular instauração do processo administrativo próprio? Ou pior, como presumir que a diferença se trata de doação com a consequente bitributação (ITBI e ITCMD). De acordo com o Ministro Gurgel de Faria: " verifica-se que a base de cálculo do ITBI é o valor venal em condições normais de mercado e, como esse valor não é absoluto, mas relativo, pode sofrer oscilações diante das peculiaridades de cada imóvel, do momento em que realizada a transação e da motivação dos negociantes". Vale enfatizar que o sistema não presume a má-fé dos contratantes, a presunção é pela boa-fé conforme disposto:  Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º  A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) V - correspondera qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)  De forma objetiva, a ideia é desenvolver uma nova interpretação partindo dessas premissas, ou ainda uma alteração lege ferenda nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, capítulo XVI - Do Tabelionato de Notas - para incluir uma recomendação na formalização da permuta, a descrição da finalidade e causa da troca do negócio jurídico, demonstrando circunspectivamente as vontades da relação contratual sem a necessária contraprestação, similar ao que acontece com a dação em pagamento, notadamente na obrigatoriedade de constar a origem da dívida no título notarial. Isto é, aplicar o mesmo raciocínio da dação em pagamento na permuta! Em arremate, mais uma vez em formato objetivo, concluímos: 1. Se não houver mudança nesse entendimento jurisprudencial, a comunidade jurídica elegerá outros meios para formalização desses negócios jurídicos, podendo inclusive impactar na diminuição de atos extrajudiciais, prejuízo ao erário e insegurança jurídica. 2. Valorização da arte notarial por meio da previdência, na medida em que os notários desenvolverão dispositivos hermenêuticos de orientação e explicação para futura qualificação registral e de eventual fiscalização tributária, afastando por completo a gratuidade, demonstrando uma causalidade específica para aquele negócio, em uma verdadeira operação de abstração jurídica. Dessa forma, o dispositivo de circunspecção notarial - irradiação prática dessa característica prudencial segundo São Tomás de Aquino - terá roupagem muito similar ao dispositivo de origem da dívida constante na dação em pagamento, amplamente consolidada nas instâncias extrajudiciais. 3. No tocante aos aspectos tributários, a premente necessidade de releitura da Jurisprudência Administrativa em face do Despacho PGFN nº 167, de 08 de abril de 2022, que encampado em inúmeros precedentes do STJ, afastou por completo a equiparação na esfera tributária do contrato de permuta com a compra e venda - decerto a doação - pois em regra não haverá auferimento de receita, nem parcela complementar, o valor do imóvel recebido nas operações de permuta com outro imóvel não deve ser considerado receita, faturamento, renda ou lucro para fins do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS apurados pelas empresas optantes pelo lucro presumido. Além disso, a citada decisão da Doutora Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, afora todos fundamentos, ressaltou sobre a bitributação e competência tributária em face da hipótese de incidência presente na permuta. Portanto, a ocorrência de eventual ganho de capital a ensejar renda tributável é matéria distinta, relativa a hipótese de incidência em concreto diverso e suscetível a legislação e fiscalização própria. 4. Não equiparar as questões de valor venal de imóveis de municípios diferentes na permuta, até porque, a formula de criação dos valores são diferentes, seja o valor de mercado, seja o valor atribuído unilateralmente pela municipalidade, são realidades e premissas diferentes (isonomia formal versus isonomia material). 5. Aplicação imediata do Precedente qualificado que consubstanciou no tema 1113 do STJ, na qual a Primeira Seção estabeleceu que base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, embora seja possível delimitar um valor médio dos imóveis no mercado, a avaliação de cada bem negociado pode sofrer oscilações positivas ou negativas, a depender de circunstâncias específicas. _________________ 1 Disponível em: https://www.kollemata.com.br/permuta-sem-torna-acrescimo-de-patrimonio-itcmd-recolhimento-tributos-fiscalizacao.pdf Acesso em 05/11/2022 2 Disponível em: https://www.kollemata.com.br/39683.pdfAcesso em 05/11/22 3 Disponível em: https://www.kollemata.com.br/escritura-de-permuta-com-torna-valores-distintos-titulo-oneroso-itbi-itcmd-fato-gerador-ausencia.pdf acesso em 08/11/2022. 4 Conforme leciona Maria Celina Bodin de Moraes (2013): "Identifica-se, assim, mais propriamente, noanimus donandio motivo individual e contingente que impulsiona o doador, configurando-se comoo elemento psicológico, ou seja, a finalidade prática, a razão determinante para a conclusão do contrato, mas não para a sua qualificação. O motivo é o objetivo que faz com que o contratante realize o negócio. Normalmente, ele é irrelevante porque depende exclusivamente de questões internas do próprio contratante. Alguém pode querer doar  para  ser  reconhecido,  por estar  agradecido,  por  visar  a  um  interesse  ulterior:  não  importam  os  seus  motivos particulares.  Excepcionalmente, o  ordenamento  atribui-lhes  relevância  causal  como quando prevê que a remuneração e o casamento, expressos nas finalidades do contrato de doação, não permitem a sua revogação por ingratidão (Código Civil, art. 564).Exclui-se,  pois,  da  causa  do  negócio  a  referência  ao animus  donandi,  bem  como  se diferencia a gratuidade da ausência de sinalagmaticidade, correspondendo esta última, justamente,  ao  efeito  essencial  do  contrato.  Superada a  teoria  voluntarista  do animus donandi, o conceito de liberalidade, constante do art. 538 do Código Civil, deve assumir o  significado  de  finalidade,  típica  e  constante,  de  conferir  a  outrem  uma  vantagem patrimonial sem qualquer correspectivo." (grifo nosso) 5 Art7ºSe a circunspecção pode ser parte da prudência. -  No Tratado da Prudência, Tomás de Aquino:  "Solução: Da prudência é próprio, como dissemos, principalmente ordenar com acerto os meios para o fim. O que não se fará retamente, se o fim não for bom e não for também bom e conveniente o meio ordenado ao fim. Ora, a prudência versa como dissemos, sobre os atos particulares, em que concorrem muitas circunstâncias. Por isso, pode dar-se que um meio seja, em si mesmoconsiderado, bom e conveniente ao fim, que, contudo, por certas circunstâncias que nele concorrem, se torna mau ou não conducente ao fim.". (grifo nosso)  6 Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=123595 Acesso em 05/11/2022 7 Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1113&cod_tema_final=1113 acesso em 08/11/2022    8 Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial (BRASIL, 1966) (grifo nosso). _________________ BODIN  DE  MORAES,  Maria  Celina. Notas  sobre  a  promessa  de  doação. Civilistica.com.Rio  de  Janeiro, a. 2,  n.  3,  jul.-set./2013.  Disponível  em:  . Data de acesso. 08/11/2022 EMILIO BETTI, Teoria generale  Del negozio giuridico, Torino, UTET, 1952, 2a ed. EMILIO BETTI, Teoria Geral do Negócio Jurídico, Trad. Servanda Editora, Campinas. SP: 2008. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Estudos e pareceres de direito privado. . São Paulo: Saraiva, 2004. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. . São Paulo: Saraiva.  2010. TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001-2006, 11v.  
  Dando seguimento aos debates técnicos e práticos da nossa Oficina Notarial e Registral (Migalhas Notariais e Registrais), apresento-lhes um caso interessante de apresentação a registro de título consistente de certidão expedida pelo Registro de Títulos e Documentos de instrumento particular ali registrado. O assunto não é exatamente inédito. Há precedentes que apontam a uma orientação já pacificada no âmbito da justiça registral. O que chama a atenção, na verdade, é a viragem representada pela reforma da Lei de Registros Públicos pelo advento da lei 14.382/22. Como veremos mais à frente, o novo marco legal pode levar a uma rediscussão dos temas postos na dúvida suscitada, afinal julgada procedente, razão pela qual a veiculo por aqui. Vamos ao caso concreto. Tema da dúvida Foi-nos apresentado para registro um título consistente em certidão de RTD extraída de microfilme do contrato particular de compromisso de compra e venda datado do início da década de 90, expedida em 2021 pelo Oficial de RTD competente. O título foi devolvido por nota devolutiva contra a qual o interessado se insurgiu, reingressando com o requerimento de suscitação de dúvida, nos termos do art. 198 da lei 6.015, de 1973. Quais foram basicamente as razões de recusa? Os motivos impedientes para o acesso do título foram os seguintes: (a) certidão de RTD ou cópia reprográfica não são títulos hábeis para ingresso no fólio real e (b) o título é omisso quanto o estado civil do adquirente. A necessidade de determinação do sujeito de direito na aquisição de direitos parece extreme de dúvidas. A lei 6.015/1973 impõe, como requisito formal do registro (e, portanto, do próprio título que lhe sirva de base) a indicação da qualificação completa do promitente comprador (art. 176, § 1º, III, 2, "a"). Entretanto, só isto não basta; é necessário, também, sendo casado, que se indique o nome e a qualificação do cônjuge, bem como a indicação do regime de bens no casamento e se este se realizou antes ou depois da lei 6.515/77. Deverá ser sempre indicado o número do CPF (Instrução Normativa RFB 1.548, de 13/2/2015, art. 3º, II, "a" e "d"). Sempre será possível suprir tal exigência por aditamento ao título ou mediante a juntada de documentos pessoais (RG, CPF, certidão de casamento atualizada e, se for o caso, escritura de pacto antenupcial e certidão de seu registro, tudo no original ou em cópia autenticada). Parece não haver dúvidas a esse respeito. O tema central, e mais relevante, da dúvida, era outro. Vamos desde logo a ele. Título - via original A questão fulcral repousa no fato de que o interessado juntou certidão de RTD e cópia de promessa de compra e venda, conjunto que retraça uma sucessão desencadeada a partir da proprietária tabular. Ela teria prometido a venda do imóvel a determinado promitente comprador e este, por seu turno, o prometeu vender a terceiro. À parte a incorreção consistente na intitulação do instrumento como "promessa de compra e venda", superável com espeque no art. 112 do CC, atentando-se mais à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem, havia um obstáculo mais sério: como admitir a registro uma certidão de RTD que ostenta, segundo o interessado, o "mesmo valor probante que o original" (art. 217 do CC e art. 161 da LRP)? Tradicionalmente, sempre se entendeu que tais títulos não merecem o ingresso. Citemos uma decisão do Conselho Superior da Magistratura que indica várias outras que se orientaram no mesmo sentido: "No que respeita às certidões expedidas pelos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos, a partir dos assentamentos mantidos como fruto de sua atividade, este Conselho Superior já firmou orientação no sentido de sua irregistrabilidade, vez que distingue-se o valor probante previsto no artigo 161 da Lei Federal n.6015/73 da forma específica reclamada para o ingresso dos títulos no registro predial e imposta, restritivamente, pelo artigo 221 do mesmo diploma legal (Apelações Cíveis 3.332-0, da Comarca de Guarujá; 3.522-0, da Comarca de Barueri; 6.391-0, da Comarca de Atibaia; 10.962-0/8, da Comarca da Capital; 14.797-0/3, da Comarca da Capital). A possibilidade de certidões serem admitidas como títulos registráveis se limita a sua extração de autos judiciais e, implicitamente, quando expedidas por notários, a partir de instrumentos por estes lavrados, não se incluindo, neste âmbito, as certidões emitidas pelos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos, de atos praticados com base em instrumentos particulares, sob pena, inclusive, de se tornar letra morta o disposto no artigo 194 da Lei de Registros Públicos, que determina, ao registrador imobiliário, que, diante da recepção de um instrumento particular, promova seu arquivamento"1. Além disso, pode-se questionar: qual o valor probante das certidões extraídas do RTD? O Código Civil prevê no seu artigo 217 que terão "a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas". Já a LRP prevê em seu artigo art. 161 que as "certidões do registro de títulos e documentos terão a mesma eficácia e o mesmo valor probante dos documentos originais registrados, físicos ou nato-digitais, ressalvado o incidente de falsidade destes, oportunamente levantado em juízo". Paleologia registral O tema versado na dúvida é tradicional no direito pátrio. A validade e o valor probante dos instrumentos registrados em RTD foram objeto de acesa diatribe que envolveu os advogados no antigo Instituto da Ordem dos Advogados de S. Paulo. Na sessão plenária do dia 16/4/1929 foi a debates e discussões a tese proposta por LIMA PEREIRA e SPENCER VAMPRÉ acerca do valor probante das certidões expedidas pelo RTD. O Professor AZEVEDO MARQUES resolveria a questão adequadamente - e as suas lições atravessariam a noite dos tempos e nos chegariam com o mesmo vigor, atualidade e pertinência. Diz o lente das Arcadas que a "certidão extraída por oficial do Registro de Títulos e Documentos Particulares, de transcrição integral do documento, sendo impugnada, não contém, por si só, desacompanhada do original, valor probante algum"2. As objeções levantadas no começo do século passado foram acolhidas e hoje se acham assimiladas, malgrado o fato da redação dada ao art. 161 da LRP após o advento da lei 14.382/22. De fato, não se pode admitir a quebra do sistema de segurança jurídica do Registro de Imóveis com a admissão de títulos cuja validade, integridade e autenticidade não sejam previamente certificadas ou notarizadas, consoante a regra do inc. II do art. 221 da LRP3. Acerca da legitimidade das obrigações, fazemos nossas as advertências do mesmo Professor AZEVEDO MARQUES, que qualificaria de "monstruosidade" considerar, de modo absoluto, que a certidão expedida pelo RTD possa ostentar o mesmo valor probante que todo e qualquer original ali registrado: de outro modo resultaria que "qualquer documento falso, uma vez registrado, tornar-se-ia válido e provado!"4. CARVALHO SANTOS mais tarde defenderia a ideia de que as certidões extraídas dos instrumentos particulares registrados em RTD fazem a mesma prova que os originais, "vale dizer, [o mesmo valor probante] que esses livros". E conclui: "o valor probante que serve de paradigma, portanto, tem de ser o dos livros", jamais do título neles registrado5. Há uma confusão subjacente entre atribuições próprias de notários em contraste com registradores de RTD. Distinguindo as hipóteses, indaga o mesmo CARVALHO SANTOS: por que razão a certidão (ou o traslado) faz prova como o original? Responde-nos: "Precisamente porque pressupõe a lei que o original tenha sido feito pelo oficial público, cujos atos merecem inteira fé". E concluiu: a "certidão poderá merecer fé que houve o registo do documento, mas nunca que o documento é verdadeiro e para os devidos efeitos do registo é que a sua certidão não pode merecer fé"6. Justamente por essa razão, não sendo o título extraído das notas ou do processo judicial, o instrumento particular original deveria ser mantido no arquivo do Registro de Imóveis, nos termos da redação anterior do art. 194 da LRP, a fim de prover a fonte primária para eventual prova de autenticidade. Precedente da 1VRPSP Por dever de lealdade é preciso dar notícia de existência de precedente da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo que deferiu registro nas condições aqui debatidas. Trata-se do Processo 1106944-05.2020.8.26.01007, cujos fundamentos para julgamento da dúvida improcedente foram os seguintes: a) O art.161 da Lei de Registros Públicos revela que as certidões RTD "terão o mesmo valor probante dos originais, ressalvado o incidente de falsidade destes, oportunamente levantado em juízo". Do mesmo jaez o item 44.1, Cap. XVIII, das NSCGJSP. b) O registro no RTD "é uma forma de garantir autenticidade, conservação, publicidade e segurança de um documento original, a fim de manter intacto o conteúdo do documento em caso de extravio, desgaste pelo tempo ou mesmo na ausência do original". c)  O documento "autenticado" pelo Oficial de RTD "equipara-se ao original para qualquer finalidade a que se destina, ainda mais se considerarmos que atualmente vigoram as certidões eletrônicas, em substituição aos papéis, o facilita o trânsito pela via digital, não sendo mais necessária a apresentação de papéis pelos usuários". São respeitáveis os argumentos que fundamentaram a R. decisão. Todavia, as peculiaridades do caso concreto - em que se busca o registro de promessas instrumentalizadas por certidão de RTD e cópia reprográfica - autorizam o questionamento e o reavivamento das questões decididas em isolado precedente. Além disso, a decisão do caso concreto não se revestiu de "caráter normativo", razão pela qual reitero os fundamentos jurídicos que se mantêm como razão de denegação de registro. Como vimos, o art. 161 da LRP não livra o título registrado de eventual invalidade por inautenticidade. A eficácia do registro em RTD não é saneadora. Não é adequado, sob pena de subverter o sistema de segurança jurídica preventiva, que se admita o registro de documentos que podem se revelar inquinados de vício de inautenticidade. Já nos alvores do século XX, o mesmo professor AZEVEDO MARQUES vislumbrava uma distinção essencial entre os documentos que eram registrados para mera perpetuação e aqueles que geram obrigações. Diz ele: "Há a distinguir duas espécies de documentos: os meramente graciosos, que se registram para serem conservados ou perpetuados (expressões sinônimas), e os que geram obrigações, os quais são registrados para marcar o início dos seus efeitos contra terceiros. As certidões destes últimos nada provam, senão a época, ou a data em que produzem efeitos contra terceiros, se 'apresentados em juízo os respectivos originais', forem contestados por terceiros. A certidão do registro, portanto, não supre o original, quando a sua apresentação for necessária por versar a controvérsia sobre o próprio original. Eis porque é desnecessária a formalidade complicada e prematura da conferência no ato do registro"8. O registro no RTD, tal e como conformado atualmente pelas recentes reformas, provaria unicamente a data do registro e eventual início de prova de sua existência e validade - nada que um bom sistema de blockchain não supriria com vantagens, inclusive econômicas. As declarações consubstanciadas em instrumentos particulares, desde que assinados, presumem-se verdadeiras em relação aos signatários (art. 219 do CC) e não dependem a priori da formalidade de registro no RTD. Diferentemente, a eficácia jurídica em face de terceiros dos instrumentos particulares que tenham por objeto um direito real se consuma com o seu registro no Registro de Imóveis. O art. 221 da LRP impõe o preenchimento de certos requisitos formais que o simples registro no RTD não supre. Enfim, o registro residual, feito no RTD, com as degradadas garantias formais, não se presta a mais do que assinalou a seu tempo AZEVEDO MARQUES - as certidões do RTD nada provam, "senão a época, ou a data em que produzem efeitos contra terceiros, se 'apresentados em juízo os respectivos originais'". Por outro lado, as certidões eletrônicas e os títulos apresentados ao Registro de Imóveis, assinados digitalmente, devem conformar-se ao disposto no § 2º do art. 5º da Lei 14.063, de 23/9/2020, que exige a utilização da chamada assinatura digital qualificada - aquela que utiliza o certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da MP 2.200-2, de 24/8/20019. Seja como for, o fundamento que permitiria o ingresso de títulos pela via eletrônica impõe a autenticidade dos firmantes e o preenchimento dos requisitos exigidos pela lei para aptificá-los à produção dos potentes efeitos que se alcançam com o registro público de direitos. Títulos em cópia reprográfica Por fim, resta enfrentar a questão remanescente que se relaciona com a promessa apresentada em cópia simples - a compromisso de compra e venda de 15/12/14, anexo. As cópias simples não ingressam no Registro de Imóveis. Brevitatis causa: "A cópia constitui mero documento e não instrumento formal previsto como idôneo a ter acesso ao registro e tendo em vista uma reavaliação qualificativa do título, vedado o saneamento intercorrente das deficiências da documentação apresentada"10. Julgamento da dúvida A dúvida por nós suscitada foi afinal julgada procedente. No julgamento, a MM. Juíza, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, observou que o art. 217 do Código Civil, o art. 161 da LRP e o item 44.1 do Capítulo XVIII da NSCGJSP "reconhecem a equivalência das certidões extraídas por Tabeliães ou Registradores com os documentos originais, mas apenas para o fim específico de prova, o que não os torna instrumentos hábeis ao ingresso no fólio real". E segue: "A possibilidade de certidões serem admitidas como títulos registráveis se limita a sua extração de autos judiciais e, implicitamente, quando expedidas por notários, a partir de instrumentos por estes lavrados, não se incluindo, neste âmbito, as certidões emitidas pelos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos, de atos praticados com base em instrumentos particulares, sob pena, inclusive, de se tornar letra morta o disposto no artigo 194 da Lei de Registros Públicos, que determina, ao registrador imobiliário, que, diante da recepção de um instrumento particular, promova seu arquivamento. De fato, a qualificação pelo registrador imobiliário, que envolve análise da higidez do documento, não pode prescindir do título original, acerca do que este juízo já emitiu entendimento (autos n. 1098944-89.2015.8.26.066311), tendo em vista a necessária segurança jurídica que norteia a sua atividade, notadamente quando se trata de certidão de instrumento particular (fls.), o que vale também para o contrato entregue em cópia simples, que se pretende registrar posteriormente (fls.). Acerca da necessidade de apresentação do original, este juízo já fixou entendimento (processo de autos 1098944-89.2015.8.26.0663), destacando a farta jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura (Apelações Cíveis 33.624-0/412, 94.033-0/313, 278-6/014, 38.411-0/915, 77.181-0/316 e 516-6/717, por exemplo)18. Posteriormente, em recurso de apelação, o CSMSP acabou por não conhecer da dúvida pela ocorrência de impugnação parcial, sem cumprimento tempestivo da exigência remanescente, o que impôs o não conhecimento do recurso19. Lei 14.382/22 O tema ainda haverá de ser revolvido pelas recentes alterações perpetradas na lei 6.015/73, algumas criticáveis, outras importantes e necessárias. Os instrumentos particulares são agora uma espécie de corpo extravagante no sistema da LRP. O art. 194, reformado pela recente lei 14.382/22, indica que os "títulos físicos", depois de digitalizados, serão devolvidos às partes, mantido o seu representante digital em repositórios da Serventia20. Somente os representantes digitais dos "títulos físicos" serão mantidos, os demais, não - físicos, natodigitais ou digitalizados21. A prova ou perícia (art. 23 da LRP), na hipótese de ocorrência de arguição de falsidade, se dará com base no representante digital, não no original devolvido à parte. O Oficial do Registro de Imóveis, por seu turno, dará fé, por certidão, do representante digital, não do documento em si, que foi dispensado (art. 18 da LRP). E voltamos à velha questão do registro em RTD - agora na perspectiva do RI: válido e autêntico, para todos os efeitos, será o registro, portado por certidão extraída do representante digital, não do título em si mesmo considerado. Ou como disse CARVALHO SANTOS, acima citado: "o valor probante que serve de paradigma, portanto, tem de ser o dos livros", jamais do título registrado. A defectiva redação do art. 194 foi criticada nos estudos sobre gestão documental do Registro de Imóveis22. Importante ressaltar, aqui, alguns poucos aspectos relevantes. Destaque-se que os registros feitos no RTD agora não exigem mais do que simples autenticação pelo apresentante do título. O RTD foi pouco a pouco reconformado a mero sistema de arquivamento digital de documentos, com a progressiva supressão de requisitos formais - como reconhecimento de firmas e a comprovação de autenticidade e integridade dos documentos que lhe são submetidos a registro (artigos 127 e 129 da LRP). A responsabilidade pela autenticidade caberá, agora, "exclusivamente ao apresentante" (§2º do art. 130 da LRP, na redação dada pelo novo diploma legal, ainda na vacatio), in verbis: "§ 2º O registro de títulos e documentos não exigirá reconhecimento de firma, cabendo exclusivamente ao apresentante a responsabilidade pela autenticidade das assinaturas constantes em documento particular". O privado inesperadamente foi investido de um mister jurídico de afiançar, sob sua responsabilidade, a autenticidade de documentos particulares submetidos a registro, suprimindo-se a notarização pela via do reconhecimento de firmas. Já vimos o engenheiro que virou suco23, agora nos defrontamos com o privado investido de superpoderes e responsabilidades autenticatórios, uma espécie de notário ad hoc. Desenha-se no cenário pátrio situações tragicômicas ocorrentes em outros meridianos24. Ora, se antes já se negava o acesso ao RI de certidões de RTD extraídas de instrumentos particulares que se quer convertidas em títulos em sentido próprio (inc. II do art. 221 da LRP), pelos bons fundamentos que se colhem nos precedentes citados, agora, com muito mais razão, deve-se obstar o seu acesso no Registro de Imóveis. Com esta malsinada reforma agravou-se o quadro de incidentes de falsidade de documentos privados. Nos termos do art. 428 do CPC, cessa a fé do documento particular "quando for impugnada a sua autenticidade e enquanto não se comprovar a sua veracidade". Nota bene: a simples impugnação de autenticidade do documento faz cessar a fé do instrumento particular. E isto por uma singela razão: tais títulos não gozam de fé pública, competência que só aos notários se reconhece e que vai impressa em todos os seus atos (inc. I do art. 411 do CPC cc. art. 3º da lei 8.935/1994). Bastará a impugnação da autoria (autenticidade) ou a "impugnação do conteúdo (quando supostamente tenha ocorrido preenchimento abusivo) para que se ponha em dúvida o seu valor"25. Desenha-se uma perfeita anomalia no sistema de registro de direitos, vale dizer: dos chamados registros de segurança jurídica preventiva. Ao admitirmos o acesso de instrumentos particulares ao Registro, "autenticado" sob responsabilidade de meros privados - apresentante a quem a lei atribuiu a "responsabilidade pela autenticidade das assinaturas constantes em documento particular" - admitimos que os registros jurídicos passaram a equivaler a qualquer birô privado de arquivamento de papeis e documentos, sejam eles físicos, natodigitais, digitalizados ou não, cuja validade, autenticidade e eficácia estarão sempre na dependência de ulterior reconhecimento judicial quando ocorrente a hipótese de instauração de querela di falso. Os tribunais inclinam-se à tese de que cessaria a fé do documento particular quando impugnada sua autenticidade e enquanto não se comprovar sua veracidade26. O fenômeno aqui discutido acaba por desconstituir a eficácia probatória (= deixam de provar), cabendo à parte que produziu o documento o ônus da prova de autenticidade e validade (inc. II do art. 429 do CPC). Nos documentos oriundos do financiamento imobiliário ou nos casos dos contratos de incorporações imobiliárias - em que as cláusulas são predispostas pelo agente financeiro ou pelo incorporador - avultam os riscos e os cuidados que o sistema deve ter para garantir a segurança dos consumidores27. Enfim, o RTD, no passado um bom sistema de prevenção de conflitos e litígios, passa a figurar no rol dos sistemas de meros registros administrativos28, cuja validade e eficácia busca o apoio na contraparte de certeza e higidez ocorrentes em proclamações judiciais, em que se estabilizam e sacramentam as relações jurídicas ex post. Está em causa a instituição de sistemas registrais de tutela forte ou fraca, como preleciona MÓNICA JARDIM29. O sistema brasileiro paulatinamente movimenta-se para o segundo caso, talvez por conta de uma certa racionalidade econômica ou tecnológica não provada. Adiro às conclusões da r. decisão. De fato, os defeitos congênitos que eventualmente possam inquinar os instrumentos particulares não podem ultrapassar as barreiras formais (inc. II do art. 221 da LRP) e contaminar o Registro de Imóveis. Com a nova lei, adentramos os átrios de um admirável mundo novo das novas tecnologias a nos impor um novo paradigma. Como disse alhures, "mudam os ventos, mas as velhas árvores resistem". ___________ 1 Ap. Civ. 65.430-0/8, São Paulo, j. 23/12/1999, DJ 3/2/2000, rel. des. Sérgio Augusto Nigro Conceição. Acesso: http://kollsys.org/11w. Adite-se para indicar que o art. 194 da LRP acaba de ser reformado pela Lei 14.382/2022 que dispôs que somente os "títulos físicos" serão digitalizados e devolvidos aos apresentantes, mantidos exclusivamente em arquivo digital. 2 RT 70/297, maio de 1929. 3 A propósito, indico as seguintes considerações: JACOMINO. Sérgio. MP 1.085/2021 - O vinho e a água chilra. Migalhas Notariais e Registrais. Acesso: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/362724/mp-1-085-21--o-vinho-e-a-agua-chilra. 4 Idem, ibidem. 5 CARVALHO SANTOS. J. M. Código Civil Brasileiro Interpretado. Vol. III, 14ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, p. 190 e 191, passim. 6 CARVALHO SANTOS. J. M. Op. cit. p. 190. No mesmo sentido: SERPA LOPES. M. M. de. Tratado. Vol. II, 4ª. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 113. 7 Processo 1106944-05.2020.8.26.0100, j. 13/1/2021, DJ 15/1/2021, Dra. Tânia Mara Ahualli. Acesso: http://kollsys.org/pto. 8 Idem, ibidem nota 2. 9 Mesmo após o advento da Lei 14.382/2022, seguimos sustentando que para a prática de atos de registro imobiliário é necessária a assinatura digital qualificada. CAMPOS. Ricardo. JACOMINO. Sérgio.  Assinaturas Eletrônicas. Notas e Registros Públicos: implicações da Lei 13.482/2022 e o Valor Probatório no Sistema Legal Brasileiro. No prelo. 10 Ap. Civ. 33.624-0/4, Ribeirão Preto, j. 12/9/1996, rel. des. Márcio Martins Bonilha. No v. aresto há citação de inúmeros precedentes. Acesso: http://kollsys.org/dc. 11 Processo 1098944-89.2015.8.26.0100, , j. 26/10/2015, Dje 29/10/2015, Dra. Tânia Mara Ahualli. Acesso: http://kollsys.org/ies. 12 Ap. Civ. 33.624-0/4, Ribeirão Preto, j. 12/9/1996, DJ 21/11/1996, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha. Acesso: http://kollsys.org/dc. 13 Ap. Civ. 94.033-0/3, São Paulo, j. 13/9/2002, DJ 13/11/2002, Rel. Des. Luiz Tâmbara. Acesso: http://kollsys.org/cci. 14 Ap. Civ. 278-6/0, Santos, j. 20/1/2005, DJ 11/3/2005, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale. Acesso: http://kollsys.org/70x. 15 Ap. Civ. 38.411-0/9, São Vicente, j. 7/4/1997, DJ 9/5/1997, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha. Acesso: http://kollsys.org/jj. 16 Ap. Civ. 77.181-0/3, São Paulo, j. 8/3/2001, DJ 3/4/2001, Rel. Des. Luís de Macedo. Acesso: http://kollsys.org/8e5. 17 Ap. Civ. 516-6/7, Novo Horizonte, j. 18/5/2006, DJ 12/7/2006, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas. Acesso: http://kollsys.org/8q5 18 Processo 1095809-59.2021.8.26.0100, j. 28/10/2021, Dje 28/10/2021, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad. Acesso: http://kollsys.org/s5z. 19 Ap. Civ. 1095809-59.2021.8.26.0100, São Paulo, j. 1/9/2022, Dje 26/10/2022, rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia. Acesso: http://kollsys.org/s59. 20 Não há qualquer especificação acerca dos repositórios digitais das Serventias. V. nota 22, abaixo. Sobre os representantes digitais, v. definição em Organização de Representantes Digitais no Arquivo Nacional - Manual De Procedimentos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2021, p. 9, n. 12. 21 Um efeito colateral, provavelmente não antevisto, é que o sistema imperfeito acaba por fortalecer a fé pública registral, admitindo-se que os títulos digitalizados (ou natodigitais) não remanescerão na Serventia, bastando, apenas, uma presunção que decorre do próprio ato de registro. 22 JACOMINO. Sérgio. CRUZ. Nataly. Gestão documental no registro de imóveis. A reforma da LRP pela Lei 14.382/2022. RDI 93, ago./dez. 2022, no prelo.   23 CAFARDO. Renata in O Estado de São Paulo, ed. 27/7/2008. A jornalista conta a curiosa história do engenheiro desempregado que virou dono de lanchonete e símbolo de um período difícil. 24 V. JACOMINO. Sérgio. Tio Sam e a fé pública in Observatório do Registro, 5/12/2008. Acesso: https://wp.me/p6rdW-5R. V. também: JACOMINO. Sérgio.  Hipotecas podres, King Kong, notários e registradores. In Observatório do Registro, 5/12/2008. https://wp.me/p6YdB6-aC. 25 ARENHART. Sérgio Cruz. Breves Comentários ao CPC. WAMBIER. Teresa Arruda Alvim, et. al. Org. São Paulo: RT, 2015, p.1.087. 26 V. RESP 1846649/MA, j. 24/11/2021, DJE 9/12/2021, rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE. No REsp 1.313.866/MG, j. 15/06/2021, DJe 22/6/2021, Rel. Ministro MARCO BUZZI, colhe-se: "a fé do documento particular cessa com a contestação do pretenso assinante consoante disposto no artigo 388 do CPC/73, atual artigo 428 do NCPC, e, por isso, a eficácia probatória não se manifestará enquanto não for comprovada a fidedignidade". 27 "Será correto o maior interessado - a raposa - guardar o conteúdo, a integridade e legalidade do contrato?" - pergunta-nos CLÁUDIA LIMA MARQUES e BRUNO MIRAGEM no artigo A raposa e o galinheiro: a MP 1.085/2021 e os riscos ao consumidor. Acesso:https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-raposa-e-o-galinheiro-a-mp-1-085-2021-e-os-riscos-ao-consumidor/ 28 V. JACOMINO, Sérgio. op. cit. nota 3, especialmente o sumidouro registral e a ineficiência do sistema. 29 JARDIM. Mónica. Os Sistemas Registrais e a sua Diversidade, Revista Argumentum. v. 21, n. 1, jan.-abr./2020. Vide também OLIVEIRA. Carlos Eduardo Elias de. Sistemas de registros públicos na visão da professora Mónica Jardim: breves notas e reflexões sobre o modelo brasileiro. 25/8/2021, Migalhas. Acesso: : https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/350651/sistemas-de-registros-publicos-na-visao-da-professora-monica-jardim.
1. Resumo Antes de começamos o artigo, antecipamos um resumo das suas conclusões em forma de tópicos: 1. Havendo ação cobrando a dívida, o depósito, pelo devedor, em juízo para fins de garantia ou a penhora da coisa não afasta os encargos moratórios por falta de fundamento legal. Os rendimentos da conta judicial, porém, devem ser considerados como antecipação de parte desses encargos moratórios, resguardado o direito à cobrança do excedente. 2. Não é, pois, aplicável a essa hipótese o art. 335, V, do CC, que autoriza a consignação em pagamento quando o objeto da obrigação for litigioso. A bem da verdade, o entendimento do STJ, com sua inevitável amplificação nos termos deste artigo, esvaziou a aplicação prática do inciso V do art. 335 do CC. 2. Caso o devedor queira afastar os encargos moratórios, cabe-lhe extinguir a obrigação por meio do pagamento (pagamento direto). 3. Esse pagamento pode ocorrer: (a) entrega da coisa devida diretamente ao credor; (b) depósito, em juízo, para fins de pagamento; (c) autorizar o credor a levantar a quantia depositada em juízo. 3. Em relação às duas últimas maneiras - que envolvem pendência de ação judicial de cobrança da dívida -, entendemos que, a partir da data de protocolo da petição autorizando o levantamento da quantia pelo credor, já há o pagamento (pagamento direto) a extinguir a obrigação. 4. Caso o devedor pretenda discutir o cabimento da dívida (o an debeatur ou o quantum debeatur), é preciso tomar cuidado: em já havendo ação judicial em curso cobrando a dívida, o pagamento deve ser feito "com ressalvas" explícitas, sob pena de possível preclusão lógica. 5. Se o devedor pagar a dívida ou depositar a coisa em juízo (seja para fins de pagamento, seja para fins de garantia) e se, posteriormente, vencer demanda judicial impugnando o an debeatur ou o quantum debeatur, entendemos que caberá à outra parte pagar os encargos moratórios a título de indenização mínima (art. 302, CPC). A exceção dá-se se a coisa tiver sido depositada em juízo para fins de garantia sem qualquer pedido ou provocação do credor. 5. O STJ entendia que era viável o afastamento da mora no caso de propositura de ação revisional de contratos, desde que o devedor tenha depositado o valor incontroverso e haja plausibilidade jurídico do pleito. Doravante, deve-se firmar que o entendimento acima não afasta o direito do credor a cobrar os encargos moratórios no caso de malogro do devedor na ação revisional. Se o devedor perder o pleito revisional, terá de pagar os valores controvertidos atrasados, com acréscimos de todos os encargos moratórios, deduzidos os rendimentos da conta judicial. Na prática, o entendimento acima servirá apenas para inibir que, na pendência da ação, o credor possa valer-se de medidas de índole coercitiva ou executiva, como negativação do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, busca e apreensão, reintegração de posse etc. 6. Recomendação informal e prática: se o leitor for questionar judicialmente a dívida, a recomendação é depositar o valor integral da dívida, externando que a finalidade é de pagamento "com ressalvas", ou seja, ressalvando o direito à repetição de indébito no caso de vitória na impugnação judicial do crédito. No caso de penhora do valor, a recomendação é que o leitor peticione autorizando o levantamento da quantia pelo credor, ressalvando, porém, o direito à repetição de indébito no caso de vitória na insurreição. Com isso, o leitor não sofrerá a surpresa de, após anos de judicialização, ter de pagar encargos moratórios atrasados. Essa recomendação, porém, não deve ser seguida se: (1) o leitor verificar que há sério risco de a outra parte "dar um calote" na hora de devolver o valor ao final da ação; e (2) o valor estimado dos encargos moratórios for irrelevante dentro das circunstâncias do caso concreto. Nessas hipóteses, é melhor que o leitor sequer faça o depósito em juízo do valor, nem mesmo para fins de garantia. É economicamente mais vantajoso deixar esse valor em alguma aplicação financeira pessoal, que certamente renderá mais do que os tímidos rendimentos das contas judiciais. 7. Sugestão de mudanças do Poder Judiciário: é conveniente que o Poder Judiciário reveja os convênios mantidos com bancos que mantêm contas judiciais vinculadas. O ideal é que esses convênios prevejam o direito da parte que depositou o valor em juízo em direcionar o valor da conta judicial a alguma aplicação financeira segura (de "renda fixa"), como títulos da dívida pública, Letras de Crédito Imobiliária (LCI) ou Letras de Crédito Agrária (LCA). Em outras palavras, os valores custodiados judicialmente, a critério de quem o depositou, devem ser submetidos a aplicações que um investidor "comum e conservador" (homo medius) deixa. Não há motivos para o valor ficar sendo derretido em uma conta judicial de rendimentos absolutamente atrofiados. Isso também vale para valores penhorados ou bloqueados judicialmente. 2. Introdução Um tema de interesse de todos os juristas é saber como estancar os encargos moratórios (juros moratórios, correção monetária e multa) no caso de controvérsia sobre a existência da dívida (an debeatur) e o seu valor (quantum debeatur). A questão parece-nos ter assumido novos ventos após a recente decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.820.963/SP no dia 19 de outubro de 2022. O acórdão ainda está pendente de publicação, mas a sessão de julgamento está disponível no YouTube1. Neste artigo, erguemos reflexões preliminares com base na sessão de julgamento que acompanhamos, sem prejuízo de novas reflexões após a publicação oficial do acórdão. A questão interessa não apenas a advogados, magistrados e outros profissionais que atuam diretamente em litígios judiciais, mas também de tabeliães de notas e de tabeliães de protestos (por lidarem quotidianamente com as obrigações). A resposta costumava ser a consignação em pagamento, que consiste no depósito da quantia em juízo ou em outro meio legal. O corriqueiro é que essa consignação em pagamento seja feita de forma incidental a um processo judicial em que se controverte a dívida. O advogado deposita o valor em juízo, a quantia fica rendendo em uma conta judicial e, ao final da ação, o montante final (com os rendimentos) seja "sacado" ("levantado") por quem venceu a demanda judicial mediante um alvará de levantamento expedido pelo juiz. O grande problema é definir se esse depósito em juízo faz cessar ou não a incidência dos encargos moratórios. Há inegável interesse financeiro do credor nesse tema. Imagine que um devedor esteja em mora no pagamento do valor de 10 milhões de reais. Por esse atraso, incidem, a título de encargos moratórios, juros moratórios de 1% a.m. e correção monetária de 0,5% a.m. Veja que, a cada mês de atraso, a dívida "engorda" 1,5% a.m. No primeiro mês, a dívida aumentará em R$ 150 mil. No segundo mês, subirá mais R$ 152,25 mil. Perceba o quão expressivo é o valor acrescido a título de encargos moratórios nesse exemplo. Imagine que o devedor entenda que a dívida é indevida por algum motivo (ex.: nulidade de um contrato). O credor, porém, está a cobrar a dívida. Há, pois, controvérsia sobre o cabimento da dívida. Indaga-se: o que o devedor poderá fazer para "estancar" a copiosa sangria de encargos moratórios enquanto se discute judicialmente se a dívida é ou não devida? A praxe era, no caso acima, o devedor depositar o valor em juízo (os 10 milhões de reais) incidentalmente à demanda judicial em que se discute o cabimento da dívida (ação de cobrança, ação de nulidade do contrato, ação de inexigibilidade da dívida, embargos do devedor, impugnação ao cumprimento de sentença etc). Ao final da demanda, o dinheiro depositado em juízo, com os rendimentos da conta judicial, seria levantado pelo vencedor. Assim, se a dívida for judicialmente tida por indevida, o devedor poderia levantar o dinheiro de volta, com os rendimentos da conta judicial. Caso, porém, a dívida seja tida por devida, o credor poderá levantar a quantia depositada com os rendimentos da conta judicial. Acontece que o rendimento da conta judicial costuma ser inferior ao dos encargos moratórios. Indaga-se: pode-se cobrar a diferença? No exemplo acima, os encargos moratórios estavam a render cerca de R$ 150 mil mensalmente. Suponha que o rendimento da conta judicial tenha sido apenas de R$ 100 mil mensais. Pergunta-se: pode-se cobrar os R$ 50 mil de diferença ao final da demanda? Até o supracitado julgado do STJ, não havia essa cobrança da diferença, seja pelo relativo consenso dos profissionais do Direito, seja pela forte inclinação jurisprudencial em considerar que o depósito em juízo no exemplo acima afastava a mora. Com o mencionado o julgado, entendemos que novos ventos passam a guiar a questão. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 Disponível aqui.
quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Concessão de uso do privado ao poder público

Condomínio de lotes  O desenvolvimento urbano das cidades brasileiras convive, desde a década de 1970, com empreendimentos imobiliários "fechados", tais como condomínios horizontais e loteamentos de acesso restrito à população não residente. A despeito de ser um produto imobiliário desejado por parcela significativa da população, especialmente nas classes A e B, tais modalidades de empreendimento se desenvolveram mesmo antes do advento da normatização jurídica que garantiu a adequada aprovação e legalização destes, tendo sido objeto de diversas discussões no mercado imobiliário e na seara de registro de imóveis. Nesta linha, destaca-se que muitos empreendimentos imobiliários "fechados" foram, na realidade, constituídos como loteamentos regidos pela lei 6.766/79 e outros como condomínios horizontais de casas térreas ou assobradadas regulados pela lei 4.591/64. O produto buscado em ambos os casos, independentemente da figura jurídica levada à registro, era o lote urbanizado em empreendimentos fechados. Quando qualificados como loteamentos (lei 6.766/79), operava-se o fechamento do empreendimento com a posterior concessão ou permissão, mediante ato administrativo específico do Poder Público Municipal, do uso das vias públicas e de áreas públicas localizadas no interior dos fechamentos às associações de moradores, as quais passavam a administrar, conservar e manter tais áreas. A figura do "loteamento fechado", portanto, se configurava como uma adaptação da figura jurídica existente - loteamento regido pela lei 6.766/79 - como resposta à demanda desse produto imobiliário. De outro lado, quando constituídos sob a forma de condomínio horizontal de casas térreas ou assobradadas (lei 4.591/64), dada a necessidade de vinculação de área construída à futura unidade autônoma, inúmeros empreendimentos permitiam a substituição da planta da casa padrão (unidade autônoma) decorrente da incorporação imobiliária, para posterior regularização. A figura do "Condomínio Fechado", neste sentido, também operava como uma adaptação do condomínio legalmente normatizado, visto que a possibilidade de substituir a planta da unidade autônoma sem qualquer área construída significava, na prática, a venda apenas do lote, para posterior regularização da área construída de acordo com a personalização de cada adquirente. Nota-se, portanto, uma demanda considerável por empreendimentos fechados que possibilitem a aquisição apenas do lote urbanizado para posterior edificação de acordo com as próprias necessidades do adquirente. Dessa demanda nasceram as modalidades - todas elas adaptadas - de empreendimentos que atendessem essas características. Como resposta a tal demanda e como resultado de históricas discussões, a lei 13.465/17, por meio do seu artigo 78, instituiu a figura do Loteamento de Acesso Controlado, com a inserção, basicamente de dois dispositivos na lei 6.766/79 - §8º ao artigo 2º e artigo 36-A - e instituiu o Condomínio de Lotes por meio do artigo 58, promovendo tal inovação ao incluir uma Seção ao Capítulo VII do Título III do Código Civil, que trata do condomínio edilício, para melhor regulamentar os empreendimentos fechados. Ademais, promoveu importante equiparação com a redação inserida no §7° ao artigo 2° da lei 6.766/79, ao dispor: "Art. 2° (...) (...) § 7° - O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes. "  É certo que mesmo antes do advento da lei 13.465/17 já se defendia a existência da figura do condomínio de lotes mediante a interpretação sistemática do artigo 8º da Lei de Incorporações (lei 4.591/64) com o artigo 3º do decreto-lei  271/67. Face à insegurança de tal interpretação e anterior consulta pública processo nº 2014/1412941, que culminou com a aprovação do Parecer pela inviabilidade e consequente exclusão do regramento dos chamados "condomínio de lotes" e a supressão dos itens 222.2 e 229, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, a lei 13.465/2017 deu maior clareza à plausibilidade jurídica dessa figura. Todavia, mesmo diante da normatização, o novo instituto deve ser concebido como figura "híbrida" do ponto de vista da disciplina jurídica aplicável, sendo inevitável considerar tanto as regras da lei 4.591/64 quanto, suplementarmente, da lei 6.766/79. Nesta linha, destaca-se que a normatização do condomínio de lotes a partir da lei 13.465/17 não afastou, na prática, a coordenação de legislações diversas para fins de delimitação do regramento aplicável. Os caminhos possíveis a tal disciplina, entretanto, apresentam necessidades de adaptações, seja do ponto de vista jurídico, quanto urbanístico, tributário e registral, como veremos a seguir. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 16/10/2022.
A Constituição Federal dispõe em seu art. 226 que a família é a base da sociedade, merecendo proteção especial do Estado quanto ao reconhecimento, desenvolvimento e tutela das mais diversas formas de composição da entidade familiar, bem como de seus membros. Tradicionalmente o casamento era a única forma legítima de arranjo familiar. A Constituição Federal de 1988 ampliou as hipóteses de arranjos afetivos classificados como família (união estável, núcleo monoparental, além do casamento), consagrando uma estrutura paradigmática aberta, fundada no princípio da afetividade - o que proporcionou avanços infraconstitucionais, doutrinários e jurisprudenciais significativos: família anaparental, mosaico ou reconstituída, família unipessoal, família solidária e etc. Dentre as diversas categorias de família - muitas ainda em formação e desenvolvimento doutrinário, legal e/ou jurisprudencial - merece grande destaque o instituto da união estável, ombreado inúmeras vezes quanto aos seus efeitos jurídicos com o casamento. A união estável é a união contínua, pública e duradoura, com o objetivo de constituição de família, conforma conceito trazido pelo art. 1.723 do Código Civil. (KARINE BOSELLI, IZOLDA ANDREA RIBEIRO e DANIELA MRÓZ - no livro: Registros Públicos, Coord. ALBERTO GENTIL. - 2. Ed. - Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. p.270). Diversamente do casamento que é obrigatoriamente constituído por um complexo de atos formais previstos rigorosamente em lei com ingresso obrigatório o Registro Civil das Pessoas Naturais (fase de documentação, fase de proclamas, fase de certidão e fase de registro), a união estável decorre apenas da constatação fática da presença dos quatro elementos essenciais indicados no art. 1723, do Código Civil. Ou seja, constatando-se na união amorosa entre duas pessoas à publicidade, continuidade, estabilidade e o objetivo de constituir família será reconhecida a união estável, independentemente da existência de um instrumento jurídico ou procedimento de constituição. É notória a facilitação de criação de núcleo familiar advindo da união estável (modelo adotado por milhares de famílias brasileiras), mas também sua dificuldade de conhecimento por terceiros da nova situação jurídica e todo o universo de implicações (como por exemplo: para o registro de imóveis, para aquisições e alienações de bens, penhoras em ações judiciais, direitos sucessórios, direitos previdenciários, securitários e afins). De todo modo, admitia-se como instrumento declaratório bastante para materialização da união estável a sentença judicial e a escritura pública, facultando-se o ingresso do título no Livro E do RCPN da Sede ou do 1º Subdistrito da Comarca em que os companheiros têm ou tinham sua última residência para alcance de melhor publicidade - conforme Provimento CGJ/SP 41/12 e o Provimento CNJ 37/14. A lei 14.382/22, de maneira ampliativa e objetivando normatizar a materialização da união estável, introduziu o art. 94-A na Lei de Registros Públicos, tipificando três instrumentos declaratórios de união estável, igualmente válidos e de pronta eficácia (independentemente de qualquer regramento administrativo complementar, que ainda que bem-vindo não é um condicionante para utilização): sentença judicial, escritura pública e o termo declaratório. Repise-se que a união estável não prescinde do instrumento jurídico de materialização para alcance dos seus efeitos legais, entretanto há notório benefício aos companheiros, bem como aos terceiros, na confecção de documento com tal propósito, que pode ou ser não registrado no Registro Civil das Pessoas Naturais (como a própria confecção do instrumento, também é facultativo o registro, mas importantíssimo para fins de publicidade e amplo conhecimento de terceiros). Dentre as três figuras de instrumentalização da união estável, incluídas no art. 94-A da Lei de Registros Públicos, a única ainda não experimentada por muitos na prática e que merece destaque, no presente trabalho, é o inovador termo declaratório confeccionado perante o Registrador Civil das Pessoas Naturais. Em linhas gerais, conceitua-se o termo declaratório de união estável confeccionado pelo Registrador Civil das Pessoas Naturais como o instrumento de concentração da declaração de vontade, livre e consciente, dos companheiros, no tocante a existência de união amorosa pública, continua, estável e com o objetivo de constituir família, facultando-se o acréscimo de incrementos de funcionamento do já estabelecido núcleo familiar - nos termos e direitos conferidos pela legislação civil. Dentre os diversos aspectos relevantes sobre o termo, dois são os temas que aqui merecem maior atenção: 1. O procedimento para instrumentalizar o termo declaratório; 2. O conteúdo jurídico que pode ser mencionado no termo declaratório. 1. Procedimento para instrumentalizar o termo declaratório: Inicialmente, cabe aos companheiros, devidamente qualificados (com apresentação de documentos válidos e atualizados), formular pedido conjunto, pessoalmente ou por meio de procuradores constituídos, solicitando a confecção do termo declaratório de união estável perante qualquer Registro Civil das Pessoas Naturais do país - abertura louvável de atuação ao Oficio da Cidadania de maneira plena (em atenção aos objetivos e disposições da lei 13.484/17), ante a sua presença na integralidade dos Municípios brasileiros e confiabilidade do serviço público prestado à sociedade. Reforço que não há sentido maior em possibilitar que a atividade extrajudicial que realiza o procedimento e o registro do casamento também atue na instrumentalização da união estável, modelo familiar também reconhecimento constitucionalmente. Os companheiros deverão declarar no pedido formulado ao Registro Civil das Pessoas Naturais a existência de união amorosa pública, continua, estável e com o objetivo de constituir família (nos termos do art. 1.723, do CC), facultando-se acréscimos de funcionamento do núcleo familiar quanto a contribuição econômica de cada um para gestão familiar, disposições patrimoniais em geral, nome que passam a adotar em virtude da união estável, desde que não colidentes com o sistema legal vigente. Recebido o pedido caberá ao Registrador Civil das Pessoas Naturais qualificar a vontade declarada e confeccionar o termo de declaração de união estável. O ato de qualificação (atividade típica dos registradores) deverá observar os limites legais para tanto, ou seja, constatação sobre a possibilidade da confecção do termo, ante as limitações do art. 94-A, parágrafo primeiro, da LRP (que apesar de fazer referência apenas ao ato de registro deve ser utilizado também para confecção do termo declaratório pelo Ofício da Cidadania), além do exame sobre a possibilidade legal das demais declarações desejadas quanto ao nome, efeitos patrimoniais pretendidos e afins. Positivamente qualificado o documento apresentado o Registrador Civil confeccionará o termo declaratório de união estável (entregando aos companheiros o instrumento); do contrário, não atendidos os limites e preceitos legais, caberá ao Registrador Civil apresentar nota devolutiva recusando a confecção do termo, apontando as falhas do pedido inicial dos apresentantes-companheiros. 2. O conteúdo jurídico que pode ser mencionado no termo declaratório, em princípio (desde que observados os limites legais), pode ser: declaração sobre o momento de início da união estável; declaração e reconhecimento de filhos advindos da união estável (o que pode ocorrer por qualquer instrumento público ou particular, nos termos da lei 8.560/92, art. 1º, II); declaração quanto ao nome que os companheiros passam a adotar em virtude da união estável; declaração sobre os efeitos patrimoniais aplicáveis aos companheiros. Vale mencionar que o art. 94-A da Lei de Registros Públicos não impôs a presença e assessoramento do advogado para solicitação de confecção do termo declaratório pelos companheiros perante o Registro Civil. Ainda que recomendável a consulta prévia à um profissional de confiança dos interessados, a ausência de obrigatoriedade não é uma anomalia ao sistema extrajudicial, pois diversos são os procedimentos administrativos que não exigem o advogado - como por exemplo: pedido de retificação de nome, pedido de consolidação de propriedade resolúvel na alienação fiduciária em garantia; pedido de retificação imobiliária; pedido de habilitação de casamento, pedido de registro ou averbação de título no Registro de Imóveis; pedido de suscitação de dúvida ou mesmo a impugnação na dúvida; tampouco a maioria dos atos notariais exigem em caráter obrigatório o advogado (exemplificativamente, como: para lavratura de ata notarial, testamento, compra e venda, permuta, doação e etc.) Reforça-se ainda que o ato de publicidade do termo declaratório com o ingresso no Livro E do RCPN da Sede ou do 1º Subdistrito da Comarca em que os companheiros têm sua residência não é automático ou obrigatório, mas recomenda-se fortemente que seja realizado, pois é exatamente da publicidade do termo que terceiros poderão ter conhecimento da união estável e dos contornos jurídicos entabulados. A título exemplificativa, vale trazer à colação alguns julgados emblemáticos do E. Superior Tribunal de Justiça no tocante as implicações jurídicas da falta de publicidade da existência de uma união estável: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. INSTRUMENTO PARTICULAR ESCRITO. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. VALIDADE INTER PARTES. PRODUÇÃO DE EFEITOS EXISTENCIAIS E PATRIMONIAIS APENAS EM RELAÇÃO AOS CONVIVENTES. PROJEÇÃO DE EFEITOS A TERCEIROS, INCLUSIVE CREDORES DE UM DOS CONVIVENTES. OPONIBILIDADE ERGA OMNES. INOCORRÊNCIA. REGISTRO REALIZADO SOMENTE APÓS O REQUERIMENTO E O DEFERIMENTO DA PENHORA DE BENS MÓVEIS QUE GUARNECIAM O IMÓVEL DOS CONVIVENTES. POSSIBILIDADE. REGISTRO EM CARTÓRIO REALIZADO ANTERIORMENTE À EFETIVAÇÃO DA PENHORA. IRRELEVÂNCIA. INOPONIBILIDADE AO CREDOR DO CONVIVENTE NO MOMENTO DO DEFERIMENTO DA MEDIDA CONSTRITIVA. 1- Ação de embargos de terceiro proposta em 12/2/19. Recurso especial interposto em 22/10/21 e atribuído à Relatora em 6/4/22. 2- O propósito recursal é definir se é válida a penhora, requerida e deferida em junho/2018 e efetivada em agosto/2018, de bens móveis titularizados exclusivamente pela convivente, para a satisfação de dívida judicial do outro convivente, na hipótese em que a união estável, objeto de instrumento particular firmado em abril/14, mas apenas levado a registro em julho/18, previa o regime da separação total de bens. 3- A existência de contrato escrito é o único requisito legal para que haja a fixação ou a modificação, sempre com efeitos prospectivos, do regime de bens aplicável a união estável, de modo que o instrumento particular celebrado pelas partes produz efeitos limitados aos aspectos existenciais e patrimoniais da própria relação familiar por eles mantida. 4- Significa dizer que o instrumento particular, independentemente de qualquer espécie de publicidade e registro, terá eficácia e vinculará as partes e será relevante para definir questões interna corporis da união estável, como a sua data de início, a indicação sobre quais bens deverão ou não ser partilhados, a existência de prole concebida na constância do vínculo e a sucessão, dentre outras. 5- O contrato escrito na forma de simples instrumento particular e de conhecimento limitado aos contratantes, todavia, é incapaz de projetar efeitos para fora da relação jurídica mantida pelos conviventes, em especial em relação a terceiros porventura credores de um deles, exigindo-se, para que se possa examinar a eventual oponibilidade erga omnes, no mínimo, a prévia existência de registro e publicidade aos terceiros. 6- Na hipótese, a penhora que recaiu sobre os bens móveis supostamente titularizados com exclusividade pela embargante foi requerida pela credora e deferida pelo juiz em junho/18, a fim de satisfazer dívida contraída pelo convivente da embargante, ao passo que o registro em cartório do instrumento particular de união estável com cláusula de separação total de bens somente veio a ser efetivado em julho/18. 7- O fato de a penhora ter sido efetivada apenas em agosto/18 é irrelevante, na medida em que, quando deferida a medida constritiva, o instrumento particular celebrado entre a embargante e o devedor era de ciência exclusiva dos conviventes, não projetava efeitos externos à união estável e, bem assim, era inoponível à credora. 8- Recurso especial conhecido e não-provido, com majoração de honorários. (REsp 1.988.228/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/6/22, DJe de 13/6/22.) E AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA. UNIÃO ESTÁVEL. OUTORGA UXÓRIA. IMPRESCINDÍVEL PUBLICIDADE OU CARACTERIZAÇÃO DE MA-FÉ. 1. Ausente incursão na seara fático-probatória ao analisar o recurso especial, pois foi alcançada a conclusão de que o aresto recorrido deveria ter sido reformado com base nas afirmações constantes no próprio acórdão impugnado pelo recurso especial, visto que a realidade dos autos retratada no aresto recorrido estava em dissonância com o entendimento que esta Corte. 2. Necessidade de autorização de ambos os companheiros para a validade da alienação de bens imóveis adquiridos no curso da união estável, tendo em vista que o regime da comunhão parcial de bens foi estendido à união estável pelo art. 1.725 do CCB, além do reconhecimento da existência de condomínio natural entre os conviventes sobre os bens adquiridos na constância da união, na forma do art. 5º da lei 9.278/96. 3. A invalidação de atos de alienação praticado por algum dos conviventes, sem autorização do outro, depende de constatar se existia: (a) publicidade conferida a união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, a época em que firmado o ato de alienação, ou (b) demonstração de má-fé do adquirente. 4. No caso, nem foi apontada a configuração de má-fé, nem existia qualquer publicidade formalizada da união estável na época em que firmado o contrato de alienação, de modo que não pode ser invalidado com base na ausência de outorga da convivente, ora recorrida. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.706.745/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/11/20, DJe de 17/3/21.) A novidade legislativa é extremamente bem-vinda, busca facilitar e democratizar ao extremo a materialização da declaração de união estável, utilizando-se da capilaridade do serviço extrajudicial - presente em todos os Municípios brasileiros - e da reconhecida confiança no valoroso serviço técnico-jurídico dos delegatários. Oxalá a sensibilidade do Legislador em simplificar a instrumentalização da união estável e o próprio registro no Livro E do RCPN sejam rapidamente aplicados em sua inteireza pelos Registradores de Pessoas Naturais.
Hoje, encerraremos o artigo publicado nas duas últimas semanas na Coluna Migalhas Notariais e Registrais. Mais um princípio relevante quando tratamos do nome civil é o da dignidade do nome. O nome deve ser digno. Deve promover a dignidade da pessoa humana. Deve prestigiar a identidade autopercebida pela pessoa, respeitado, porém, a segurança jurídica de terceiros. Sob essa ótica, o ordenamento censura nomes que exponham a pessoa ao ridículo. O registrador deve negar-se a registrá-los, assegurado aos pais provocar o juiz em um procedimento que entendemos ser de natureza administrativa e que atrai subsidiariamente as regras do procedimento de dúvida (art. 55, § 1º, LRP). Outro princípio é o da publicidade do nome. Considerando que o nome identifica a pessoa perante terceiros, é fundamental sua publicidade. No caso de mudança de nome, a regra é que terceiros tenham condições de saber o histórico de nomes. Sob essa ótica, o § 2º do art. 56 da LRP exige que as certidões deverão exibir o histórico no caso de alteração extrajudicial do prenome. Igualmente, é dever do registrador comunicar a mudança do prenome para os entes públicos incumbidos da emissão de documentos de identificação para efeito de atualização e ciência do histórico. Há uma particularidade quando se trata de mudança de sexo e de nome da pessoa transexual. Essa hipótese é tratada no Provimento nº 73/2018-CNJ. O fato de culturas preconceituosas ainda resistirem à movimentação jurídica em favor da liberdade exige que essa publicidade seja parcialmente restringida, tudo em proteção à própria pessoa. Desse modo, as certidões, em regra, não veicularão o histórico no caso de mudança de nome e de sexo envolvendo pessoas transexuais. Só a própria pessoa ou o juiz poderão furar esse sigilo parcial (art. 5º do Provimento 73/2018-CNJ). O último princípio é o da imutabilidade relativa do nome. O nome, em regra, não deve ser modificado diante da necessidade de estabilização das relações sociais em nome da proteção a terceiros. A exceção deve dar-se apenas quando o ordenamento permitir de modo excepcional. O ordenamento admite hipóteses de mudanças de nome. O primeiro grupo de hipóteses é o de mudança na via extrajudicial. Os casos estão nos arts. 55, § 3º, da LRP (alteração pela oposição fundamentada de um dos consortes) bem como no art. 56 da LRP (alteração do prenome) e no art. 57 da LRP (alteração de sobrenome), com exceção do § 7º deste último dispositivo (o qual exige expressamente decisão judicial para mudança de nome por conta de programa de proteção à testemunha). O segundo grupo de hipóteses é o de mudança na via judicial. Após a Lei do SERP, não ficou mais positivada essa hipótese. Mas ela é implícita à luz dos princípios supracitados e da dignidade da pessoa humana. Poderá qualquer pessoa pleitear judicialmente a mudança de nome fora dos casos extrajudiciais acima, desde que haja algum justo motivo, conceito aberto a ser analisado pelo juiz à luz da equidade, da proteção a terceiros e da dignidade da pessoa humana. O filho do famoso narcotraficante Pablo Escobar, por exemplo, obteve a supressão do seu sobrenome "Escobar", alegando, como justo motivo, os constrangimentos e os riscos que sofria por carregar o referido sobrenome1. Trata-se de um exemplo de justo motivo, que poderia ser acolhido no Brasil. Sob essa ótica, cabe um esclarecimento em relação art. 58 da LRP, que admite a substituição do prenome por "apelidos públicos notórios". Se a pessoa nunca tiver alterado o prenome na via extrajudicial após a entrada em vigor da Lei do SERP, essa substituição deverá ocorrer perante o RCPN, com base no art. 56 da LRP. Se, porém, ele já tiver alterado o prenome extrajudicialmente, a via do art. 56 da LRP estará fechada: sobra-lhe pedir a substituição do prenome por apelido público notório na via extrajudicial. Essa é a interpretação mais adequada do art. 58 da LRP. Igualmente, também há direito à mudança do nome (prenome e sobrenome) no caso de programa de proteção à testemunha (arts. 57, § 7º, e 58 da LRP). Trata-se de hipótese de alteração judicial do nome: o § 7º do art. 57 da LRP é textual em exigir decisão judicial. Em suma, a mudança judicial do nome dá-se nestes casos: a) programa de proteção à testemunha (arts. 57, § 7º, e 58 da LRP); b) segunda, terceira ou posteriores alterações do prenome, inclusive para a substituição por apelido público notório, desde que haja justo motivo (arts. 57 e 58, LRP); e c) justo motivo, desde que não se encaixe nas demais hipóteses legais de alteração extrajudicial do nome Entendemos que a via judicial não pode ser utilizada quando a hipótese encaixar-se em umas das vias hipóteses legais de alteração extrajudicial do nome. Faltaria "interesse de agir", uma das condições da ação. O Poder Judiciário não deve ser demandado se uma via menos onerosa e menos burocrática foi fornecida ao cidadão. Associando-se todos os princípios acima (especialmente o princípio da individualização do nome com o princípio da veracidade, entende-se o porquê de a legislação ter severa restrição em admitir mudança do sobrenome. A flexibilidade legal é apenas com o prenome. É que a função primordial do sobrenome é vincular a pessoa à sua verdade familiar. A função de identificação é secundária. Já o papel principal do prenome é a identificação da pessoa (não só perante terceiros, mas também perante si mesma). O prenome é o elemento do nome mais associado ao princípio da dignidade da pessoa. Sob essa ótica, a alteração imotivada na via extrajudicial é admitida apenas para o prenome após a maioridade civil (art. 56, LRP). Qualquer pessoa pode, por uma vez, mudar seu prenome sem necessidade de decisão judicial. Trata-se de um direito absolutamente legítimo em prestígio à dignidade da pessoa, que, por qualquer motivo, não se satisfez com o prenome que recebeu de seus genitores (ou de outro declarante). Cuida-se de um prestígio que o ordenamento defere à autopercepção da pessoa, como uma expressão da dignidade da pessoa humana. Até mesmo no caso de mudança de sexo e de nome de pessoa transexual, o ordenamento permite-lhe a mudança apenas do prenome. Não pode alterar o sobrenome, pois tem a função primordial de espelhar a linha familiar. Ainda sob a ótica acima, a alteração do sobrenome na via extrajudicial não autoriza supressão do que chamamos de "sobrenomes nativos", assim chamados os que foram recebidos pela pessoa quando do registro de nascimento. A alteração recai apenas em hipóteses de acréscimos ou - em alguns casos - de exclusão de "sobrenomes supervenientes", assim entendidos os que foram acrescidos à pessoa posteriormente. É o que está no art. 57 da LRP. __________ 1 Juan Pablo Escobar mudou nome para Sebastián Marroquín por questões de segurança e apresenta palestras nas quais fala sobre crimes do pai (Fonte).
Hoje, continuaremos o artigo que foi publicado na semana passada, na Coluna Migalhas Notariais e Registrais. Cenário normativo atual sobre o nome A legislação, ao lidar com o nome, parte de alguns princípios, à luz dos quais é mais fácil compreender o cenário normativo. O primeiro princípio é o que chamamos de princípio da individualização do nome. Por esse princípio, o nome deve buscar, ao máximo, identificar a pessoa de modo singular. O foco desse princípio recai sobre o prenome, que é o elemento do nome civil mais vocacionado a individualizar o indivíduo. Alerte-se que o sobrenome possui uma função primordial diversa: a de associar o indivíduo à sua linha familiar. Desse princípio, decorrem algumas regras destinadas a evitar a homonímia. Um exemplo é o art. 54, § 3º, e 63, LRP. No caso de irmãos, o ordenamento censura prenomes simples iguais. Imagine a confusão que haveria a terceiros se dois irmãos tivessem o mesmo prenome simples. Assim, caso os pais queiram conferir um mesmo prenome aos filhos, eles terão de valer-se de um prenome composto, admitido que apenas um dos elementos do prenome composto seja igual. Se se tratar de gêmeos, ambos terão de ter prenomes compostos. Se não se tratar de gêmeos, o segundo filho teria de ter prenome composto. Exemplifiquemos.  Suponha que os pais queiram que ambos os filhos chamem-se Eduardo. Se ambos forem gêmeos, como o registro civil será feito no mesmo momento diante da simultaneidade do nascimento, os dois terão de ter um prenome composto. Um deles poderia chamar-se João Eduardo, e outro, Luís Eduardo. É vedado que ambos se chamem, por exemplo, apenas "Eduardo". Ainda no mesmo exemplo, se não se tratar de gêmeos, o primeiro filho até pode receber o prenome simples de "Eduardo". O segundo filho, porém, quando futuramente vier a nascer, terá de ter prenome composto, como "Carlos Eduardo". Outro exemplo é o art. 55, § 3º, da LRP, o qual exige que o registrador oriente os pais a acrescerem sobrenomes com o objetivo de reduzir o risco de homonímia. Imagine, por exemplo, um filho chamado apenas "Bruno Silva". O risco de homonímia é brutal no Brasil. É conveniente alongar o nome com mais sobrenomes a fim de reduzir o risco de homonímia. O registrador não pode, porém, obrigar os pais a tanto. Seu dever é apenas de orientar, e não de impor. Outro exemplo é o art. 55, § 2º, da LRP. No silêncio do declarante, cabe ao registrador acrescer um sobrenome do pai e outro da mãe ao nome da criança registrada. Não há ordem preferencial, nem mesmo por questão de gênero: homens e mulheres têm direitos iguais. Cabe ao registrador suprir o silêncio do declarante e coletar um sobrenome paterno e um sobrenome materno. Essa escolha deverá ser feita de modo a reduzir riscos de homonímias: esse é o critério da escolha. Havendo diferentes opções empatadas sob esse critério, cabe ao registrador decidir por equidade. Por exemplo, entendemos que, caso algum dos genitores possua um sobrenome estrangeiro, este deverá ser o último sobrenome, porque o risco de homonímia será menor. É que, dentro do costume brasileiro (e de vários outros países), as pessoas costumam ser chamadas apenas pelo prenome e pelo seu último sobrenome. Publicações acadêmicas, por exemplo, seguem esse perfil de citação dos autores das obras1. Mais um exemplo é o uso do agnome. Este serve exatamente para distinguir a pessoa que receberá um nome igual ao de outro familiar. O agnome é elemento final ao nome que fará essa distinção. São exemplos de agnome "Filho", "Júnior", "Neto", "Primeiro" etc. O segundo princípio que rege o nome civil é o da veracidade. Preferimos batizar como princípio da veracidade do sobrenome, porque o seu foco recai sobre o sobrenome. Por esse princípio, os sobrenomes devem retratar a verdade familiar da pessoa. Devem espelhar a árvore genealógica dela, ou seja, a sua linhagem familiar. Por isso, é proibido incluir sobrenomes inexistentes na linha ascendente da pessoa, salvo lei em contrário (como os casos excepcionais de acréscimos posteriores de sobrenome do consorte (cônjuge ou companheiro) ou do padrasto ou madrasta - art. 57, II e § 8º, LRP). No caso de sobrenomes presentes apenas em ascendentes de segundo ou maior grau, é necessário comprovar a cadeia familiar perante o registrador (art. 55, caput, in fine, LRP). Questão controversa é definir se o filho poderá carregar sobrenomes apenas de ascendentes de segundo ou maior grau, ainda que seus genitores não possuam esse sobrenome. Entendemos inexistir obstáculo legal: o texto do caput do art. 55 da LRP não faz essa restrição. Suponha, por exemplo, que o pai se chama "Manoel Silva" e a mãe "Patrícia Araújo". Indaga-se: o filho poderia ser batizado como "Luís Corleone", considerando que o sobrenome Corleone é comprovadamente o do seu avô paterno? A resposta, a nosso sentir, é positiva. Todavia, entendemos que o registrador deve aconselhar os genitores a incluírem também o sobrenome de ambos ao para evitar desconfortos futuros. Realmente, em vários países, é costume associar os filhos aos genitores pela coincidência dos sobrenomes. No referido exemplo, os genitores poderão sofrer constrangimentos em viagens internacionais diante de suspeitas das autoridades imigratórias acerca da veracidade do vínculo de filiação. Apesar disso, o art. 55, caput, da LRP não faz qualquer restrição. Aliás, ele permite expressamente a inclusão de sobrenome de ascendentes distantes mediante comprovação da cadeia familiar. Outra questão é se o filho poderá ter o sobrenome de apenas um dos genitores. Não há restrição legal. Apesar da inconveniência, entendemos ser viável. Pense neste exemplo: o pai se chama "Manoel Corleone" e a mãe "Patrícia Araújo". Nesse caso, o filho poderia ser chamado apenas de "Luís Araújo". O registrador, porém, deve orientar os pais acerca da inconveniência disso, mas não os podem impedir a tanto. Entendemos que a intenção do legislador é proposital. Preferiu deixar a escolha para os declarantes, diante da existência de inúmeras variáveis. No exemplo acima, o pai poderá ter alguma razão de foro íntimo a justificar a sua vontade de não repassar o sobrenome "Corleone" ao filho. O pai poderia, por exemplo, associar esse sobrenome a algum passado vergonhoso de algum ascendente na prática de crimes cruéis. Portanto, a regra é a liberdade de escolha dos pais para os sobrenomes do filho menor. Quando o filho tornar-se maior, ele poderá acrescer outros sobrenomes, se quiser (art. 57, I, LRP). O terceiro princípio é o da isonomia entre os genitores. Não há preferência entre os genitores, independentemente do gênero. A ideia de prestigiar a vontade do homem já foi enterrada, há muito tempo, no cemitério da história. Homens e mulheres são plenamente iguais. Por isso, ambos os genitores têm direitos iguais na definição do nome do filho. Uma decorrência disso é o direito de oposição ao nome escolhido pelo outro genitor (art. 55, caput e § 3º, LRP). Se um dos genitores, sozinho, declarar o nascimento do filho e escolher um nome, poderá o outro genitor opor-se essa escolha no prazo de 15 dias do registro. A oposição tem de ser motivada, diz o § 3º do art. 55 da LRP. Entendemos que o jurista deverá ser bem flexível nessa exigência de motivação, limitando-se a exigir que o genitor opoente, no mínimo: (1) esclareça que não havia consentido com o nome escolhido pelo outro genitor; e (2) indique o nome desejado. Sem essa motivação, a oposição há de ser rejeitada. A oposição ao nome escolhido pelo outro genitor é apresentada perante o RCPN (Registro Civil das Pessoas Naturais) onde foi lavrado o assento de nascimento. Apesar do silêncio legal, deverá o registrador intimar o outro genitor para manifestar-se. Caso ele concorde com o nome indicado pelo opoente, o registrador promoverá a retificação do registro (arts. 55, § 3º, e 110, LRP). Se, porém, ele discordar, o registrador encaminhará os autos ao juízo competente. Entendemos que o juízo competente é o mesmo incumbido do julgamento de dúvidas registrais, pois o procedimento aí previsto tem natureza administrativa, e não jurisdicional. As regras do procedimento de dúvida devem ser aplicadas subsidiariamente. Qual o critério a ser adotado pelo juiz para decidir qual o nome deve prevalecer: o nome escolhido pelo pai ou o nome desejado pela mãe? Entendemos que o juiz deverá guiar-se por critérios objetivos e consonantes com os princípios jurídicos em pauta. Em primeiro lugar, deverá o juiz rejeitar nomes que sejam repetições de nome de algum familiar. Isso violaria o princípio da isonomia entre os genitores. É injusto e egoísta que o filho seja, por exemplo, batizado com o mesmo nome do avô materno, se o pai discorda disso. Em segundo lugar, deve o juiz buscar nomes que sejam mais imparciais em relação a ambos os genitores. Em sendo possível, deverá o juiz adotar prenomes compostos (contemplando os prenomes indicados por cada um dos pais) e incluir um sobrenome de cada genitor (conforme escolha deste ou, no seu silêncio, de acordo com a busca de evitar homonímias). Suponha que o pai queira o nome Manoel Araújo; e a mãe, Luís Oliveira. O juiz poderia decidir por uma mistura dessas opções em conflito: Luís Manoel Araújo Oliveira. Em terceiro lugar, o juiz deverá buscar evitar homonímias na formação do nome. Se, por exemplo, os pais litigam, entre si, acerca da ordem dos sobrenomes, deverá o juiz decidir pela ordem que reduza o risco de homonímia. Por esse motivo, conforme já exposto anteriormente, sobrenomes menos comuns no Brasil devem ser colocados prioritariamente ao final do nome. Em quarto lugar, na hipótese de os nomes em disputa empatarem à luz dos critérios acima, caberá ao juiz decidir de acordo com a equidade, buscando a solução que, ao seu sentir, satisfaça mais o interesse presumível da criança. O prazo de 15 dias para a apresentação de oposição fundamentada é decadencial. Transcorrido esse prazo, não há mais o direito de oposição extrajudicial ao nome escolhido pelo outro genitor. A decadência, porém, restringe-se ao uso da via extrajudicial. Entendemos que subsistirá o direito de o genitor insurgir-se judicialmente, desde que apresente motivos razoáveis que justifiquem a sua inércia naquela quinzena decadencial, como, por exemplo, uma internação hospitalar prolongada. Pense, por exemplo, na mãe que ficou internada por um mês após o parto enquanto o pai fez a declaração de nascimento do filho e escolheu um nome não acordado previamente com a mãe. Continuaremos a tratar do assunto na próxima Coluna Migalhas Notariais e Registrais. __________ 1 Há países com costume diferente. É o caso da Espanha, em que as citações acadêmicas focam no primeiro sobrenome, e não no último.
Introdução Este artigo centra-se em expor como ficou o cenário normativo acerca do nome civil após a Lei do SERP1 (lei 14.382/22). Nome enquanto direito da personalidade O nome é um direito da personalidade. É um direito existencial. É inerente à condição de pessoa. Por meio dele, a pessoa identifica-se perante terceiros e forma a própria visão de si. A importância do nome para a pessoa natural é inegável. Mas não se pode negar que, especialmente nos tempos atuais, outros direitos da personalidade concorrem com o nome em termos de identificação. O número de CPF (Cadastro de Pessoas Físicas) é um exemplo. Sua vocação inicial era no campo do Direito Tributário, para identificação dos contribuintes na sua relação fiscal. Todavia, as suas vantagens em termos de singularização da pessoa acabaram fazendo-o desbordar para o ramo do Direito Civil, tornando-se um elemento de identificação da pessoa natural. Nesse sentido, o CPF deve ser considerado um direito da personalidade. É mais seguro identificar uma pessoa pelo seu CPF do que pelo seu nome civil. Pelo nome, há riscos grandes de confusões decorrentes de homonímias. A própria legislação exige o CPF como elemento essencial na qualificação das pessoas em atos jurídicos e em processos judiciais. Outro exemplo são os codinomes utilizados em perfis de redes sociais. A identidade digital da pessoa é um direito da personalidade decorrente da proliferação da Internet no quotidiano dos indivíduos. Em termos jurídicos, consideramos que esses codinomes digitais devem ser protegidos enquanto um direito da personalidade. O foco deste artigo está apenas no nome civil. O nome é decomposto em três elementos: (1) prenome, que pode ser simples ou composto; (2) sobrenome, também chamado de nome de família, patronímico (quando oriundo da linha paterna), matronímico (quando derivado da linha materna) ou sobrenome familiar; e (3) agnome. Este último, a rigor, é parte integrante do segundo, mas, por questão didática, a doutrina o trata em apartado. É por isso que o art. 16 do CC2 e o caput do art. 55 da LRP3 não o mencionam expressamente. Ilustrando, o nosso nome (Carlos Eduardo Elias de Oliveira) envolve um prenome composto (Carlos Eduardo) e dois sobrenomes (Elias de Oliveira). Os principais dispositivos que tratam do nome são estes: a) arts. 16 a 19 do CC: cuidam da proteção do nome (e do pseudônimo) com foco externo, ou seja, preocupando-se com possíveis agressões praticadas por terceiros. b) arts. 55 a 58 da LRP: cuidam do nome com foco interno, ou seja, assegurando o direito da pessoa em determinar qual será o nome. Apesar de o nome ser um direito da personalidade da pessoa, há interesse público em proteger terceiros que poderiam ser prejudicados se houvesse uma tutela mais individualista do nome pelo ordenamento. Basta pensar, por exemplo, em uma pessoa que, de má-fé, causasse danos a terceiros e, depois, "desaparecesse" com um novo nome e uma nova identidade. Na próxima semana, continuaremos tratando do assunto, expondo o cenário normativo atual sobre o nome civil após a lei 14.382/22. __________ 1 SERP: Sistema Eletrônico de Registros Públicos 2 Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. 3 Art. 55. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome (...).
Objetivamos levantar reflexões sobre a formação da lei e sobre os limites da atuação de cada um dos Três Poderes diante da lei. A pretensão é apontar que o Estado Democrático de Direito, para sua estabilidade, envolve a necessidade de cautela de cada um dos Poderes no exercício de seu papel. O tema é fundamental para os juristas em geral, inclusive os que lidam com Direito Notarial e Registral, pois esclarece como as leis devem ser tratadas na prática pelos operadores do Direito. Seremos objetivos. A intenção é ser o mais prático possível na abordagem. A análise levará em conta não apenas experiências acadêmicas, mas também profissionais no âmbito dos Três Poderes. No Judiciário, a oportunidade de ter atuado como assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) possibilitou-nos testemunhar como os magistrados se comportam na prolação de suas decisões interpretando as leis. No Executivo, a experiência como Advogado da União por cerca de três anos, com foco em correições nos órgãos da Advocacia-Geral da União (especialmente órgãos vinculados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, à Consultoria-Geral da União, à Procuradoria-Geral da União e à Procuradoria-Geral Federal) permitiu-nos analisar o modo como os agentes do Poder Executivo se portam diante da aplicação das leis. No Legislativo, no cargo de Consultor Legislativo do Senado Federal, o auxílio na elaboração das leis (por meio de estudos e do oferecimento de sugestões de textos) franquea-nos acompanhar como elas são elaboradas. Clique aqui e confira a coluna na íntegra.
O art. 94-A da Lei de Registros Públicos (LRP) prevê o registro facultativo da união estável e foi fruto da Lei do SERP (Lei n. 14.382/2022) - Capítulo 1. O art. 94-A da LRP positiva, com alguns ajustes adicionais, o que já era permitido pelo Provimento n. 37/2014 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), norma que precisará ser atualizada - Capítulo 2. Apesar da atecnia do texto do art. 94-A da LRP, o registro da união estável é uma faculdade, e não um dever, haja vista sua natureza declaratória, extraída da leitura sistemática do referido dispositivo, com o art. 1.723 do CC - Capítulo 2. Cabe ao Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), na qualificação registral do título declaratório de existência de união estável, avaliar se o casal incorre ou não em algum impedimento matrimonial, causa suspensiva ou outro obstáculo ao casamento, observadas as particularidades da união estável, como a viabilidade de pessoas casadas formarem união estável se estiverem separadas. Nesta última hipótese, o registro facultativo só será admitido se a separação estiver devidamente formalizada mediante averbação da separação judicial ou extrajudicial no assento de casamento. Mera separação de fato, sem a devida formalização, impede o registro facultativo da união estável. - Capítulo 3. No caso de o título ser uma sentença declaratória de união estável, a qualificação registral negativa só se justificará se o impedimento matrimonial ou outro óbice jurídico surgir supervenientemente à sentença - Capítulo 3. No caso de causa suspensiva do casamento, o registro da união estável poderá ser feito, com uma advertência, qual seja a de que o regime de bens necessariamente será o da separação legal de bens (arts. 1.641, inc. I, e 1.723, CC) - Capítulo 3. A declaração da união estável deverá ser objeto de ato de registro stricto sensu, ao passo que a extinção da união estável deverá ser objeto de averbação no assento de união estável - Capítulo 4. Os arts. 106 e 107 da Lei de Registros Públicos, que tratam do dever de anotação e de comunicação envolvendo o assento de casamento, devem ser estendidos ao assento de união estável por analogia, tendo em vista a existência de lacuna legislativa - Capítulo 4. Para o registro da declaração da união estável ou para averbação de sua extinção, admitem-se um título judicial - sentença declaratória - ou dois títulos extrajudiciais - escritura pública declaratória lavrada por Tabelião de Notas ou termo declaratório lavrado perante o Registrador Civil das Pessoas Naturais - Capítulo 7. É dispensável a assistência de advogado para os títulos declaratórios existência ou de extinção da união estável - Capítulo 6.  O conteúdo do título declaratório de união estável deve conter, no mínimo, as informações essenciais à lavratura do registro. Este, por sua vez, obrigatoriamente deverá conter dados indispensáveis para a identificação: a) da data do registro (art. 94-A, inc. I, da LRP); b) dos envolvidos (art. 94-A, inc. II a IV, da LRP); c) da origem do título (art. 94-A, inc. V e VI, da LRP); d) do regime de bens (art. 94-A, inc. VII, da LRP); e) do novo nome dos companheiros, se for o caso (art. 94-A, inc. VIII, da LRP) -  Capítulo 6. O conteúdo do título declaratório da extinção da união estável satisfaz-se com a declaração dos companheiros, acompanhada das informações necessárias à identificação deles. É conveniente, mas não obrigatória, a menção aos dados do assento da união estável - Capítulo 6. É irrelevante, para efeito da averbação da declaração de extinção da união estável, que o título tenha tratado de questões jurídicas conexas, como partilha de bens, alimentos, guarda de filhos, entre outros temas - Capítulo 6. Título judicial ou extrajudicial estrangeiro de declaração de existência ou extinção da união estável envolvendo, ao menos, um brasileiro poderá ser inscrito diretamente no Livro "E" do 1º Ofício de RCPN do domicílio atual de qualquer dos companheiros no Brasil ou do último domicílio que qualquer deles teve no Brasil. O título deverá ser acompanhado de tradução juramentada e de sua legalização ou apostilamento, dispensado seu registro no RTD (art. 94-A, §§ 3º e 4º, da LRP) - Capítulo 7. No caso de título estrangeiro de declaração de "união estável" à luz da legislação estrangeira, o oficial deverá recusar o registro se o instituto estrangeiro de união não puder ser objeto de adaptação lato sensu para o instituto brasileiro correspondente. O registro facultativo de união estável previsto no art. 94-A da LRP deve ser disponibilizado pelos serviços consulares, observados, mutatis mutandi, por analogia, o art. 32 da LRP e outras normas relativas a casamento consular de brasileiro.  Clique aqui e confira a coluna na íntegra.