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Migalha Trabalhista

Textos direcionados a comentar novidades legislativas que possam propiciar uma visão contemporânea sobre assuntos que estejam na ordem do dia na área trabalhista/sindical.

Ricardo Calcini
A pandemia do coronavírus causou profunda transformação em todo o mundo. Seja na forma de convivência, nas restrições causadas e, como não poderia deixar de ser, nas relações de trabalho, notadamente em relação ao zelo e ao maior cuidado dos empregadores acerca das medidas de saúde, higiene e segurança que, se já eram importantes antes da pandemia, passaram a ser questão de ordem após esse histórico evento, a fim de evitar a caracterização de doença ocupacional decorrente da Covid. No plano legislativo, várias normas foram promulgadas para disciplinar procedimentos relacionados ao mundo do trabalho, mas iremos nos ater a duas delas e que trouxeram importantes mudanças que servem de norte para que o empregador possa se desincumbir do ônus de descaracterizar o nexo causal entre a eventual infecção do empregado pelo coronavírus e o ambiente de trabalho. A primeira é saber o que, efetivamente, o STF decidiu ao apreciar a constitucionalidade da MP 927/2020, em especial o art. 29, que previa que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Em suma, o STF não reconheceu automaticamente a COVID como doença ocupacional, apenas asseverou que o ônus da comprovação do nexo causal não pode e nem deve ser do empregado, mas sim do empregador. Ou seja, se a regra explicitada no dispositivo declarado inconstitucional era de que os casos de COVID não seriam ocupacionais, presume-se, agora, que tais casos são de natureza ocupacional, especialmente, mas não exclusivamente, quando se desempenhar atividade essencial, salvo se o empregador comprovar que adotou todas as medidas de higiene, saúde e segurança para evitar a contaminação. Assim, o STF decidiu que existem situações que, a priori, estabelecem nexo causal entre a doença e o trabalho, a exemplo do acometimento de profissionais de saúde que estejam na linha de frente no combate ao COVID. Decidiu também que em todos os casos caberá ao empregador fazer a prova de que adotou, no ambiente de trabalho, todas as medidas de higiene exigidas pelas autoridades sanitárias, como forma de evitar a transmissão e infecção pelo novo coronavírus. Trata-se de presunção juris tantum, que pode e deve ser desconstituída mediante prova em contrário. Devemos registrar, entretanto, a possibilidade de que, mesmo na área de saúde, em algumas situações o nexo causal seja desconstituído. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do TRT da 18ª Região, em sessão de 16/06/2021, proferiu decisão no processo nº 0010736-32.2020.5.18.0008, afastando o nexo causal entre a doença e o trabalho exercido por um técnico de enfermagem que atuava somente em homecare, ressaltando que o empregador fez prova de que o empregado não trabalhava em ambiente hospitalar exposto ao contato com pacientes com coronavírus. Há, ainda, jurisprudência que vem se firmando no sentido de que se a prova, a cargo do empregador, evidenciar que foram adotadas todas as medidas de proteção à saúde do trabalhador para combate à pandemia, exigidas pelas autoridades sanitárias, afasta-se o nexo de causalidade, ainda que o empregado trabalhe em ambiente cujo risco de contágio seja mais acentuado. É como decidiu o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Caruaru/PE, em sentença proferida no último dia 20/07/2021, no processo nº 0000875-16.2020.5.06.0312. Por outro lado, já há decisões firmando tese de que no caso de empregados que exercem suas atividades sob risco acentuado de contágio, como em ambiente hospitalar, a responsabilidade do empregador seria objetiva, isto é, independente de culpa, tornando-se desnecessário aferir se foram ou não adotadas as medidas de proteção, ao passo que para os trabalhadores que não estão expostos a risco acentuado no ambiente de trabalho aplica-se a responsabilidade subjetiva do empregador, o qual precisará comprovar a adoção das medidas protetivas para que a doença não se caracterize como ocupacional. É o que decidiu a 1ª Turma do TRT da 4ª Região, em acórdão publicado no dia 15/07/2021, no processo nº 0020390-19.2020.5.04.0821.  Analisando o art. 20 da lei 8.213/91, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho elaborou a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, fazendo registro sobre a caracterização da COVID como doença ocupacional nos casos em que houver o risco acentuado: "Inicialmente, é importante esclarecer que a COVID-19, como doença comum, não se enquadra no conceito de doença profissional (art. 20, inciso I), mas pode ser caracterizada como doença do trabalho (art. 20, inciso II): "doença adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente". A COVID-19 não consta da lista prevista no Decreto nº 3.048, de 1999 (anexo II), mas pode ser reconhecida como doença ocupacional, aplicando-se o disposto no §2º do mesmo artigo 20: § 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. As circunstâncias específicas de cada caso concreto poderão indicar se a forma como o trabalho foi exercido gerou risco relevante para o trabalhador. Além dos casos mais claros de profissionais da saúde que trabalham com pacientes contaminados, outras atividades podem gerar o enquadramento." A teor do § 2º do art. 20 da lei 8.213/91, a caracterização da COVID como doença ocupacional deve ser excepcional, já que se trata de patologia que não integra a relação estabelecida no Decreto 3048/99, o que atrai a necessária comprovação de que a doença resultou de condições especiais de trabalho, e sem a adoção das medidas de proteção contra o coronavírus. Acresça-se a essa conclusão o fato de que o art. 20, §1º, "d", da lei 8.213/91 prevê expressamente que:    "Art. 20. [...] § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: [...] d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho". (g.n.) Portanto, para que a Covid seja considerada doença ocupacional, será preciso coexistir as seguintes situações: a) A doença é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho (risco mais acentuado que o normal); b)  Que haja evidências concretas de que alguns trabalhadores se contaminaram concomitantemente; c) Que o empregador não tenha se desincumbido do ônus de demonstrar, de forma concreta, que envidou todos os esforços e implementou todas as medidas no sentido de evitar a contaminação.  Apesar da possibilidade de exclusão do nexo de causalidade entre o trabalho e a Covid-19 nas hipóteses acima destacadas, é imprescindível que o empregador tenha em mente as medidas de prevenção para evitar a disseminação do vírus no ambiente de trabalho. Existe, ainda, outra norma importante e que deve servir de norte para o empregador nas relações com seus empregados, qual seja, a lei 13.979/2020, que prevê em seu art. 3º, III, "d", que:  "Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: [...] III - determinação de realização compulsória de: [...] d) vacinação e outras medidas profiláticas" Acrescente-se, ainda, a previsão expressa no inciso III-A do mesmo artigo, que impõe ao empregado o "uso obrigatório de máscaras de proteção individual". Assim, da mesma forma que o empregador deve adotar todas as medidas de saúde, higiene e segurança do trabalho, visando neutralizar ou mesmo impedir a contaminação dos seus empregados, o empregado também deve fazer a sua parte, sendo desaconselhável recusar a vacinação, salvo motivação justificada, sendo-lhe, entretanto, garantido o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e o respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, na forma dos incisos I a III do parágrafo 2º do art. 3º da mesma lei 13.979/20201. Diz-se desaconselhável a recusa do empregado à vacina, pois, apesar de a vacinação não ser obrigatória, é medida compulsória, podendo-se aplicar sanções ao empregado diante da sua recusa, principalmente em razão desse comportamento importar em risco para toda a sociedade. Nesse cenário, importante alertar o leitor para a possibilidade de aplicação até mesmo da pena máxima prevista na lei trabalhista, qual seja, a dispensa por justa causa, desde que o direito à informação, citado no parágrafo acima, lhe tenha sido garantido. Nesse sentido, podemos citar recente acórdão do TRT da 2ª Região, no processo nº 1000122-24.2021.5.02.0472. A obrigação do empregado de cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho está expressa no art. 158 da CLT. O STF, ao julgar o ARE 1.267.879, declarou a natureza compulsória da vacinação. Confira-se a Tese fixada:  "6. Desprovimento do recurso extraordinário, com a fixação da seguinte tese: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar". (STF, Tribunal Pleno, ARE 1267879, Relator: Min. Roberto Barroso, publicado em 08/04/2021) Assim, caso fique demonstrado que o empregado teve ciência da necessidade de se vacinar e não o fez, nem apresentou qualquer justificativa, ao empregador é possível adotar medidas disciplinares, inclusive, a justa causa.  Diante da análise realizada, podemos concluir que, mesmo após o STF ter declarado inconstitucional o art. 29 da MP 927/2020, - norma que, inclusive, já caducou -, a Coviud-19 não é doença caracterizada automaticamente como de natureza ocupacional. Muito pelo contrário, seguindo a ordem das legislações trabalhista e previdenciária vigentes, a caracterização da doença ocupacional é excepcional, derivando de risco acentuado no ambiente de trabalho que advém da natureza da atividade (podendo, nesse caso, atrair a responsabilidade objetiva do empregador pela teoria do risco), ou da ausência de adoção das medidas de prevenção à transmissão do coronavírus, notadamente aquelas exigidas pelas autoridades sanitárias, o que enseja relação entre o trabalho e a doença (nexo causal), bem como caracteriza a negligência do empregador (culpa), fazendo incidir a sua responsabilidade subjetiva. Nesse contexto, é de suma importância que o empregador cumpra todas as medidas sanitárias de proteção e as fiscalize (a exemplo da fiscalização do uso de máscaras e ampla divulgação e orientação sobre vacinação), mantendo sempre em seu poder as evidências das condutas adotadas, de modo a se desincumbir do seu encargo probatório em eventual reclamação trabalhista. *Luis Henrique Maia Mendonça é advogado especialista em Direito Processual Civil, sócio do MMC & Zarif Advogados.   **Mariana Larocca S. Rodrigues Mathias é advogada especialista em Direito do Trabalho, sócia do MMC & Zarif Advogados. __________ 1 Nesse sentido, vide julgado do STF nas ADI's 6586 e 6587, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, publicado em 07/04/2021.
Nos últimos anos, o tema relativo ao assédio moral tem sido analisado sob os mais variados aspectos (psicológico, sociológico, jurídico) e sob as mais diversas abordagens (relativamente aos sujeitos envolvidos, aos fatores socioeconômicos e organizacionais do trabalho, às consequências na saúde física e mental do trabalhador etc), resultando em uma extensa bibliografia a respeito.  O presente artigo, de forma suscinta, examinará o assédio moral sob o seu aspecto configurativo, atendo-se, especialmente, a um dos requisitos caracterizadores deste tipo de violência no trabalho: a delimitação temporal.  Cabe esclarecer que o estudo ora proposto resulta da seguinte indagação: configura-se assédio moral a conduta abusiva praticada de forma pontual, mesmo que mais de uma vez, porém não de forma reiterada e prolongada no tempo?  O ponto de partida desta pesquisa, evidentemente, é a análise da conceituação do fenômeno em comento, da qual é possível se extrair os elementos caracterizadores do assédio moral.  É fato, no entanto, que não existe um conceito fechado sobre o tema. Verificam-se junto à doutrina variadas definições acerca do assédio moral. Também a jurisprudência cuida de conceituar o fenômeno a partir de elementos caracterizadores diversos.  Nesse prumo, Rodolfo Pamplona Filho define o assédio moral "como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social". Assim, para o jurista, os requisitos caracterizadores do assédio moral são: a) conduta abusiva; b) natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; c) reiteração da Conduta; e d) finalidade de exclusão.1  Já o Desembargador Federal do Trabalho, Dr. Sérgio Pinto Martins, diz que o assédio moral "é uma conduta ilícita, de forma repetitiva, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém."2  O autor afirma que este tipo de violência se caracteriza pela presença dos seguintes elementos: a) conduta abusiva; b) ação repetida; c) postura ofensiva à pessoa; d) agressão psicológica; e) finalidade de exclusão do trabalhador e g) dano psíquico emocional.  A jurisprudência trabalhista aponta, ainda, outros requisitos necessários para configurar o assédio moral, conforme é possível verificar pela ementa abaixo:  "RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE ASSÉDIO MORAL. A princípio, vale ressaltar que para configuração do dano moral na esfera trabalhista mostra-se necessária prova inequívoca de que o empregador tenha agido de maneira ilícita, por ação ou omissão, cometendo abusos ou excessos no poder diretivo, de modo a causar ofensa pessoal, violação à honra, imagem ou intimidade de seu funcionário, acarretando abalo emocional apto a ensejar a reparação pretendida. A doutrina e a jurisprudência têm apontado como elementos caracterizadores do assédio moral, a intensidade da violência psicológica, o seu prolongamento no tempo (tanto que episódios esporádicos não o caracterizam) e a finalidade de ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado, com a intenção de marginalizá-lo, pressupondo um comportamento premeditado que desestabiliza, psicologicamente, a vítima. O direito à reparação do dano nasce a partir do momento em que ocorre a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial, como a vida, a honra, a intimidade, imagem etc. No caso em tela não restou evidenciada a conduta ilícita da reclamada, eis que não comprovadas nos autos as humilhações e a forma vexatória de cobrança de metas." (TRT da 2ª Região; Processo: 1001950-31.2017.5.02.0202; Data: 13-06-2019; Órgão Julgador: 12ª Turma - Cadeira 1 - 12ª Turma; Relator(a): MARCELO FREIRE GONCALVES)  Do debate doutrinário e jurisprudencial, existente acerca dos elementos caracterizadores do assédio moral, inegável que os pontos em comum são a conduta abusiva e a ação repetida e prolongada no tempo.  Portanto, essencialmente, a configuração do assédio moral ocorre com a prática da conduta abusiva reiterada e ao longo de determinado lapso temporal, de modo que o elemento relativo à delimitação temporal é considerado o principal para a caracterização do referido fenômeno.3  Segundo os estudos pioneiros do assédio moral, estabeleceu-se como necessário para caracterizar o fenômeno "que as humilhações se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem a duração mínima de 6 (seis) meses."4  Nehemias Domingos de Melo afirma que "para caracterizar o assédio moral, não basta a situação vexatória esporádica ou ocasional. Há que resultar de uma ação prolongada e continuada (alguns chegam a estimar esse tempo em seis meses), de exposição constante, de reiterados ataques."5  Neste mesmo sentido, é a decisão proferida pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, in verbis:  "INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. A caracterização do assédio moral pressupõe uma cotidiana, exagerada e ilegal perseguição de um trabalhador em seu ambiente laboral. A referida perseguição, que configura o assédio moral, dá-se, ordinariamente, ao longo de um certo lapso temporal, não se limitando, portanto, a um fato isolado, mas a um conjunto de atitudes lastimáveis que resultam na opressão do trabalhador, retirando-lhe a autoestima e a capacidade profissional, atingindo a sua vida privada, honra, imagem e intimidade, passando a ser exigível, por consequência, reparação. Não existindo comprovação dos fatos alegados, indevida é a indenização por dano moral." (TRT da 2ª Região; Processo: 1000308-70.2020.5.02.0702; Data: 10-06-2021; Órgão Julgador: 1ª Turma - Cadeira 1 - 1ª Turma; Relator(a): MOISES DOS SANTOS HEITOR)  Alguns doutrinadores, entretanto, defendem "não ser necessária essa regularidade e esse prazo para que o fenômeno seja reconhecido, sendo evidentemente indispensável o prolongamento no tempo por meio de mais de um ato."6  Destaca-se que o TRT da 9ª Região, em acórdão publicado em 2004, entendeu pela ocorrência do assédio moral, afastando a necessidade da presença do requisito temporal, in verbis:7  "ASSÉDIO MORAL. SUJEIÇÃO DO EMPREGADO. IRRELEVÂNCIA DE QUE O CONSTRANGIMENTO NÃO TENHA PERDURADO POR LONGO LAPSO DE TEMPO. Conquanto não se trate de fenômeno recente, o assédio moral tem merecido reflexão e debate em função de aspectos que, no atual contexto social e econômico, levam o trabalhador a se sujeitar a condições de trabalho degradantes, na medida em que afetam sua dignidade. A pressão sobre os empregados, com atitudes negativas que, deliberadamente, degradam as condições de trabalho, é conduta reprovável que merece punição. A humilhação, no sentido de ser ofendido, menosprezado, inferiorizado, causa dor e sofrimento, independente do tempo por que se prolongou o comportamento. A reparação do dano é a forma de coibir o empregador que intimida o empregado, sem que se cogite de que ele, em indiscutível estado de sujeição, pudesse tomar providência no curso do contrato de trabalho, o que, certamente, colocaria em risco a própria manutenção do emprego. Recurso provido para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos provocados pelo assédio moral." Acórdão do TRT 9ª Região, autos TRT-PR-09329-2002-004-09-00-2. ACO-00549-2004. Publicado em 23.01.2004.  Seguramente, a ação abusiva e humilhante no trabalho, mesmo observada de forma isolada, pontual, ou, ainda não prolongada, porém capaz de provocar no trabalhador profunda dor emocional, de produzir um dano à sua dignidade, demanda a configuração da violência moral.  Defende tal posicionamento Leda Maria Messias da Silva, ao afirmar que "pode acontecer que uma única conduta do agente agressor, tenha um efeito tão negativo na vida da vítima, que isto venha a repercutir em uma série de atos desencadeados por aquela única conduta, então, será o caso de caracterização do assédio, por uma única conduta."8  Engessar a caracterização do assédio moral à exigência de um prazo mínimo e de uma periodicidade determinada, desconsiderando a análise das circunstâncias do caso concreto, pode implicar injustiça, haja vista que uma única conduta é hábil a gerar dano à honra e à intimidade do trabalhador.  Todavia, ainda que se entenda que a caracterização do assédio moral dependa da repetição e prolongamento no tempo, a violência sofrida pelo indivíduo no ambiente de trabalho pode configurar causa de rescisão indireta por rigor excessivo ou exigência de serviços além das forças do trabalhador (art. 483, "a" e "b", da CLT), por perigo manifesto de mal considerável (art.483, "c", da CLT), por descumprimento de deveres legais e contratuais (art. 483, "d", da CLT), ou por ato do empregador ou de seus prepostos que lesione a honra e a boa fama do empregado ou de pessoas de sua família (alínea "e" do art. 483 da norma consolidada).9  Derradeiramente, a violência moral no trabalho é conduta reprovável que afronta o patrimônio moral do trabalhador, devendo ser coibida e punida, independente de reiteração e de extensão ao longo do tempo. *Ana Paula Bodra é advogada trabalhista, especializada em Direito e Processo do Trabalho. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNITAU.  __________ 1 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 70, n. 9, p. 1079-1089, set. 2006. 2 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 3 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021. 4 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 5 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 6 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021. 7 ARAÚJO, Adriane Reis de. Assédio moral organizacional. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 73, n. 2, p. 203-214, abr./jun. 2007. 8 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 9 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.
O trabalho remoto é uma tendência do mercado que vem se desenhando há algum tempo e que se intensificou após a pandemia do novo coronavírus. Inesperadamente, as empresas tiveram que se adaptar à nova realidade imposta pela necessidade de manter o isolamento social e, mais do que uma necessidade, passou a ser um dos itens de maior desejo dos empregados. O home office foi amplamente implementado e o regime de teletrabalho, disciplinado pelo artigo 75-A e seguintes da CLT, ganhou maior espaço de aplicação. Se antes as empresas eram resistentes a esta forma de trabalho, justamente por se tratar de algo novo trazido pela lei 13.467/2017, agora o que se observa é a resistência dos trabalhadores em retomar atividades presenciais. A lei 13.467/2017 completou 4 (quatro) anos de sanção presidencial em julho/2021 e, mesmo após esse tempo, ainda há muitas dúvidas sobre o que é teletrabalho e como pode ser implementado, além dos riscos que pode gerar ao empregador, o que se intensificou com a disseminação do home office. De maneira geral, a diferença primordial entre as suas hipóteses, isto é, de teletrabalho e de home office, consiste no fato de que o teletrabalho precisa estar previsto no contrato de trabalho, além de que está fundamentado na lei celetista. O teletrabalho, portanto, não se restringe ao trabalho desempenhado de forma remota, assim como também o é o home office. Ele apresenta certas exigências de acordo com o que a nova redação da CLT determina. A título de exemplo, essa modalidade de prestação de serviços é aquela realizada preponderantemente fora das dependências da empresa, com a utilização de meios telemáticos, desde que não constitua trabalho externo. Por sua vez, o home office não foi algo inovador trazido pela reforma trabalhista ou pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, desde 2011 o artigo 6º da CLT tratava do trabalho desempenhado na residência do empregado, o qual não deve apresentar nenhuma distinção entre aquele prestado nas dependências do empregador, desde que presentes os pressupostos da relação de emprego. No home office não há qualquer exigência específica de previsão contratual tal como no teletrabalho, podendo ser estabelecido pelas políticas internas da empresa. Nesse sentido, será do empregador o encargo de estipular as regras do trabalho, de modo que cada empresa poderá ter seu regime próprio. Em ambas situações, empregados vêm percebendo como vantajoso o trabalho remoto em relação ao modelo presencial. Eles argumentam que experimentaram uma flexibilidade de horários que antes não era possível, o que os fez poder conciliar melhor responsabilidades profissionais e pessoais, além de poder passar mais tempo com a família. Além disso, defendem o ganho de autonomia em relação ao seu tempo, bem mais precioso atualmente. Se do lado dos empregados esse foi o ganho experimentado, do lado das empresas houve enorme economia financeira com estrutura física, seja com equipamentos e maquinários, seja com a redução de contas e aluguéis. E mais do que isso, de acordo com estudo realizado pela Fundação Dom Cabral em parceria com a Grant Thornton e a Em Lyon Business School com 1.075 respondentes, no período de 15 a 29 de março1, a produtividade do trabalho remoto vem sendo maior se comparada ao trabalho presencial. Delineado esse contexto, as empresas foram além e passaram a oferecer vagas de emprego que podem ser desenvolvidos de qualquer lugar do mundo, o que vem fazendo brilhar os olhos dos candidatos e empregados. É o chamado "anywhere office". Essa novidade não se confunde com o teletrabalho, pois ainda não encontra respaldo na lei, tampouco precisa ser estabelecida expressamente no contrato de trabalho. A mais importante diferença consiste no fato de que no "anywhere office" não há apenas preponderância da prestação de serviços fora da empresa, mas sim exercício do trabalho de forma integralmente distante. Na mesma linha de raciocínio, esse modelo vai além do home office, pois pressupõe que o empregador não pode exigir do empregado certa disponibilidade, ou seja, que o empregado não será chamado a comparecer presencialmente nas dependências da companhia. Assim, abre-se espaço para os casos em que o empregado se encontrará não só em cidade distinta a do empregador, mas até mesmo em país diverso. Afinal, o "anywhere office" não impede que o empregado exerça suas atividades em território nacional, internacional, ou, até mesmo, em ambos. Diante disto, surgem as dúvidas: nestas hipóteses, estaríamos diante de um contrato internacional de trabalho? Qual será a lei aplicável a esta relação empregatícia já que coexistiria em ordenamentos jurídicos distintos? As respostas aos questionamentos não são prontas e devem ser construídas caso a caso, de modo que aqui não pretendemos esgotar o assunto, mesmo porque é delicada a questão da legislação aplicável a uma relação jurídica e carece de muito debate, sobretudo quando se trata de contrato de trabalho que tangencia outras áreas do direito, tal como previdenciário e tributário, bem como permite discussões sobre equiparação salarial, isonomia entre empregados, hipossuficiência do empregado e direito coletivo. De toda forma, para colocarmos o tema à reflexão, inicialmente é preciso recorrer ao Direito Internacional Privado e à análise dos elementos de conexão existentes, que nada mais são do que os aspectos presentes no contrato de trabalho que o tornam internacional. Para as hipóteses em que se exige o deslocamento espacial do empregado, há normas que conduzem à solução do conflito de aplicação de regras existente, tais como Código de Bustamante, Convenção de Roma, Convenção do México e Tratado de Assunção. São indicados pelo Direito Internacional Privado os seguintes os elementos de conexão: (i) local da celebração do contrato (lex loci actum); (ii) local da execução do contrato (lex loci executionis); (iii) lei da jurisdição (lex fori); e, (iv) nacionalidade das partes. Nesta esteira, considerando que o trabalho "anywhere office" estaria sendo executado em outro país, é possível concluir que seria um contrato internacional. De acordo com o teor das normas do Direito Internacional Privado, a regra da solução dos conflitos das leis aplicáveis oscila entre o local da execução do contrato e a autonomia da vontade das partes. E, neste sentido, de acordo com o artigo 198 do Código de Bustamante2 (decreto 18.871/1929), Tratado Internacional ratificado pelo Brasil, a lei aplicável seria a do local de prestação de serviços. Tal entendimento, todavia, não é compartilhado pela jurisprudência brasileira, na medida em que as decisões judiciais, em sua maioria, elegem a lei brasileira ou aquela mais favorável ao empregado, regramento que também é admitido como critério para fixação da lei aplicável (princípio da norma mais benéfica). Aliás, os Tribunais Brasileiros, não raras as vezes, fundamentam as suas decisões de conflito de normas internacionais no princípio do centro de gravidade, como chamado no direito norte-americano, most significant relationship, que estabelece o afastamento do Direito Internacional Privado quando, excepcionalmente, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se uma ligação muito mais forte com outro direito. Estes posicionamentos jurisprudenciais ganharam força, inclusive, após o cancelamento da súmula 207 do C. TST, que determinava que deveriam ser aplicados os dispositivos da lei do local de prestação da obrigação. Segundo Amauri Mascaro Nascimento3, mencionada súmula foi construída e pacificada no intuito de proteger os trabalhadores estrangeiros que prestavam o labor no Brasil, de modo que não seria analogicamente aplicada aos casos reversos, isto é, a aqueles empregados brasileiros contratados para exercício da atividade no exterior, razão pela qual teve seu cancelamento decretado. Em contraponto, pode-se levar como premissa que o contrato de trabalho "anywhere office" não pode ser considerado como internacional, mas um contrato de trabalho brasileiro, porém sujeito às leis do país de origem, em que pese não haja determinação quanto ao local de exercício do trabalho. Isto porque é possível entender a questão da liberdade de escolha do lugar de trabalho como um benefício concedido ao empregado, previsto expressamente ou não no contrato de trabalho, mas, no mínimo, regulamentado pelas normas e políticas internas da empresa. Parte-se do pressuposto, nestes casos, de que a materialidade do trabalho pode ser exercida de qualquer lugar efetivamente, o que não acontece em casos em que há conflito de normas aplicáveis devido à necessidade de prestação de serviços naquele local específico. Assim, se cabe exclusivamente ao empregado a escolha do local de prestação de serviços, seria justo imputar à empresa o ônus de arcar com a aplicação de uma lei diversa daquela que se pretendia, no caso a brasileira? Não obstante os pontos trazidos acima, há quem defenda que sim, pois, de acordo com artigo 2º da CLT, o empregador arca com os riscos da atividade econômica e, tendo permitido ao empregado a escolha do local de prestação de serviços, deverá se responsabilizar com eventuais consequências negativas. Feitas estas colocações, o que se percebe é que o dinamismo social, indubitavelmente mais veloz do que a atualização das regras que acompanham a sociedade, mais uma vez deu espaço a uma lacuna na legislação, a qual, todavia, está em vias de ser preenchida, com a iminência da alteração da CLT por meio do PL 4.931/2020. Este projeto visa alterar determinados dispositivos da CLT, mais especificamente os artigos 75-A e seguintes, que justamente tratam do teletrabalho, além de incluir o artigo 75-I que versa exclusivamente sobre o teletrabalho transnacional. De acordo com a nova disposição celetista, em seu parágrafo 2º, em casos de execução de trabalho em outra localidade, serão aplicáveis as leis do local da prestação de serviços, sendo este conceito interpretado como o local do estabelecimento da empresa que mantém o vínculo: "Art. 75-I. Considera-se transnacional o teletrabalho quando o empregado estiver em país diverso do qual se localiza o estabelecimento da empresa ao qual esteja vinculado. § 2º No caso de teletrabalho transnacional, aplicar-se-ão as leis do local da prestação de serviços, assim entendido como sendo o local do estabelecimento da empresa ao qual o empregado se encontrar vinculado."  Mais do que isso, a proposta legislativa propõe alteração do artigo 651 da CLT, com vistas a determinar inclusive o foro de eventual reclamação trabalhista nestas hipóteses de trabalho transnacional: "Art. 651 (...) § 4º Na hipótese prevista no § 6º do art. 75-C desta Consolidação, é assegurado ao empregado em teletrabalho apresentar reclamação no foro do estabelecimento da empresa a que foi vinculado ou no local de sua residência no Brasil. § 5º Na hipótese de teletrabalho transnacional, é assegurado  ao empregado apresentar reclamação no foro do estabelecimento da empresa a que foi vinculado no Brasil." Diante disto, podemos concluir que o conflito de normas aplicáveis em casos de contratos de trabalho "anywhere office" estará solucionado? Ora, enquanto não se tem resposta a esta pergunta, o que certamente se pode afirmar é que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não aborda estes aspectos atrelados às novas formas de prestação de serviços. Portanto, o tema deve ser ponto de atenção para as empresas, o que não exime o Poder Legislativo de tratar da questão com brevidade a fim de regulamentar estas situações e conferir segurança jurídica às partes. *Livia Rodrigues Leite é advogada Especializada em Direito e Processo do Trabalho. Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho e Previdenciário pela FGV. Graduada pela FACAMP. __________ 1 Disponível aqui. 2 Art. 198. Também é territorial a legislação sobre accidentes do trabalho e protecção social do trabalhador. 3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro: Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. 18. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 319-320.  
A audiência é o ponto culminante do direito processual trabalhista. Trata-se de um ato complexo, uma vez que concentra e atrai os demais atos processuais. Não há dúvida que a audiência, em especial a audiência trabalhista, constitui o ato mais importante da ciência do Direito Processual Trabalhista. Audiência Trabalhista, portanto, é um ato formal e solene, que conta com o comparecimento dos sujeitos do processo: das partes, advogados, juiz do trabalho, servidores da Justiça do Trabalho, testemunhas e peritos. Atualmente, em tempos de pandemia, estamos vivenciando mudanças significativas na realização desse ato processual. Prova disso, o que antes era realizado presencialmente, na estrutura física da Justiça do Trabalho - com a oportunidade da observação atenta dos olhares entre os atores sociais, bem como a aproximação das partes - passou a ser realizado de modo virtual. Com o fechamento dos fóruns e consequente isolamento social, houve o impulsionamento de inovações tecnológicas. Como resultado disso, tal situação produziu reflexos no Processo Judicial Eletrônico. Em pouco tempo, foi necessário evoluir e avançar o que provavelmente somente ocorreria em longos anos. E, neste cenário, as audiências que representam um ato processual complexo ganharam maior destaque na prática trabalhista. Isso porque nos deparamos com a nova e atual discussão sobre videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso? O tema foi abordado no Ato Normativo nº 45 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT.GP.SG Nº 45/2021), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados na videogravação de audiências realizadas no âmbito da Justiça do Trabalho. Ressalta-se o artigo 1º do Ato: "Art. 1º É dispensada a transcrição ou degravação dos depoimentos colhidos em audiências realizadas com gravação audiovisual, nos termos dos arts. 367, § 5º, e 460 do CPC." Entrementes, a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), suspendeu a vigência do Ato nº 45 (CSJT.GP.SG Nº 45/2021) por despacho assinado em 21/07/2021. A validade do ato normativo, que entraria em vigor, foi objeto de controvérsias, inclusive contestada por diversas entidades, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil. Os aspectos técnicos de solução das dificuldades, como a preparação prévia das equipes de magistrados, sobretudo das técnicas de degravação, serão analisados pelo CSJT.1 Diante das constantes mudanças, destaco que nesse momento, 22 de julho de 2021, o ato está suspenso. Corremos um grande risco dessa mensagem se tornar ultrapassada em pouco tempo. Antes de refletirmos sobre a provocação, faz-se necessário tentarmos destacar o conjunto normativo, em outras palavras, o emaranhado de atos normativos que visam regulamentar os atos processuais realizados de modo virtual. Vale destacar o art. 236, §3º, do Código de Processo Civil, que assegura a prática de atos processuais por vídeoconferência: "§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real." Além disso, a Recomendação nº 94, do Conselho Nacional de Justiça, de 9/4/2021, que orienta os tribunais brasileiros a gravar atos processuais, sejam presenciais ou virtuais, com vistas a alavancar a efetividade dos procedimentos judiciais. Outra normativa observada é a Resolução nº 105 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ nº 105, de 6/4/2010), que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência, e o teor da decisão da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho no Processo Nº PP-1001015-64.2020.5.00.0000, ambos dispensando a transcrição dos depoimentos. Ainda, destacamos a Resolução CNJ nº 345, de 9/10/2020, que incentiva a prática de atos processuais exclusivamente por meio eletrônico. Muito se tem discutido sobre a não transcrição dos depoimentos pessoais das partes e testemunhas na ata de audiência. Há quem defenda que a videogravação da audiência trabalhista por se tratar de medida benéfica. Visto que o ato processual se tornará mais célere, afastará prejuízos processuais, uma vez que os depoimentos ficarão gravados e acessíveis a todos os sujeitos do processo. É o que se espera. De certa forma, pode-se observar aspectos positivos, ao conferir a fidedignidade dos atos processuais ocorridos na audiência, sobretudo a releitura da linguagem corporal no momento dos depoimentos pessoais, ou, ainda, diante de requerimentos feitos pelas partes. Diversamente disso, existem opiniões contrárias. Afinal, a posterior análise do processo, de certo modo, poderia ser prejudicada, uma vez que estaríamos diante da ausência da transcrição dos depoimentos pessoais na ata de audiência. Nesse sentido, não há como deixar de observar o art. 851 da Consolidação das Leis Trabalhistas: "Art. 851 - Os tramites de instrução e julgamento da reclamação serão resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão."  Considerando o que havia sido proposto no Ato nº 45 do CSJT, os registros em ata de audiência se tornariam ineficientes? E, mais, o duplo registro, aqui destacado o Ato de registrar em Ata de Audiência e da gravação em vídeo, tornam menos célere a marcha processual ou garantem o contraditório e a ampla defesa? São indagações pertinentes a outras tantas mudanças, mormente em um curto lapso temporal, sem que tenhamos oportunidade para um melhor desempenho. Em contrapartida, discute-se a real necessidade de se registrar os depoimentos e demais intercorrências ocorridas durante a audiência, visto que a gravação do ato processual estaria disponível. Quanto ao princípio da eficiência, discute-se o tempo despendido. O ato de registrar em ata de audiência seria tempo perdido, ou gastaríamos mais tempo assistindo as videogravações. Criou-se, portanto, uma celeuma. O princípio da cooperação, previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, impõe a todos os sujeitos da relação jurídica o dever de colaboração. Em nome da nossa responsabilidade social e profissional, nós operadores direito temos o compromisso do exercício constante de nos adaptarmos e nos atualizarmos. Desafiando melhor a dificuldade abordada, uma possível solução para a celeuma seria a manutenção do registro em ata de audiência, do modo como sempre foi realizado, e somando-se a isso a videogravação como uma ferramenta técnico-processual.  Em arremate, faz-se necessário que a Justiça do Trabalho e os tribunais com a sua competência delegada criem uma padronização, de modo a se adotar uma conduta quanto as audiências telepresenciais ou por videoconferência. Além disso, que sejam disponibilizadas ferramentas tecnológicas, treinamento, e, principalmente, tempo hábil, para que os envolvidos na relação processual tenham segurança jurídica. *Juliane Cristina Silvério de Lima é advogada. Professora de Direito e Processo do Trabalho. Mestranda em Direito pela EPD. Fundadora do Projeto Audiência Trabalhista de A a Z. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 22/7/2021.
A origem do sindicalismo está na união dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho no auge da Revolução Industrial. Esse movimento - primeiramente coibido por leis estatais - foi sucedido por uma fase de tolerância para, posteriormente, passar a ser plenamente reconhecido. A atividade sindical deve ser livremente exercida, devendo ser coibida toda e qualquer forma de obstrução, bem como deve sempre buscar a concreção da tutela coletiva de seus representados. A esse respeito a viga mestra é a liberdade sindical, espécie do gênero liberdade de associação, e que representa a base de todo o arcabouço jurídico engendrado para tutelar a livre atuação de trabalhadores, empregadores e seus respectivos sindicatos. Alinhada com a liberdade invariavelmente está a implantação do modelo da pluralidade sindical, que deixa mais concreto essa liberdade sindical e o fortalecimento dessas instituições, de modo a estabelecer analogicamente uma livre concorrência entre eles, e não uma imposição legal de representação como é feito pela unicidade sindical e a representatividade obrigatória. No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 assegura tanto o direito de livre associação quanto a liberdade sindical (artigos 5º, XVII a XXI, e 8º caput e I). Não obstante a positivação demonstrada, a liberdade sindical como direito fundamental padece de plena efetividade por conta da estrutura da organização sindical ainda vigente no Brasil, afora a manutenção da unicidade sindical, um dos grandes obstáculos à plena efetivação da liberdade sindical. Pautado nessa liberdade, o foco do direito coletivo do trabalho, enxergado de maneira ampla, possui nas relações sindicais a tutela específica e, ao mesmo tempo, ampla dos interesses coletivos dos trabalhadores e empregadores representados por seus entes sindicais. Logo, contraditório dentro de um sistema de liberdade sindical, como aliás é normatizado inclusive no plano constitucional, fato é que existir qualquer controle estatal - como é o caso, por exemplo, da manutenção da unicidade sindical e da representatividade obrigatória, que são ideias de sindicato monolítico obrigatório - obviamente se contrária à liberdade sindical. Não obstante, nesse modelo já de duvidosa liberdade sindical, pois, ainda há nítida interferência estatal, sobrevém a lei 11.648/08 outorgando a qualidade de ente sindical as centrais sindicais, o que é totalmente dissociado da liberdade e autonomia sindicais plenas e, inclusive, contraditório ao modelo da unicidade sindical. Ademais, essa intervenção contraria a estruturação piramidal já existente em nossa Constituição Federal, isto é, a imposição legal para que as centrais sindicais sejam consideradas entes sindicais causa um colapso estrutural no sistema já existente, pois, ante a unicidade e o sistema confederativo (artigo 8º, IV, da CF/88, destacando que tal padrão existe desde a década de 1930, consoante decreto 19.770, de 1931), não há compatibilidade para que as centrais ocupem qualquer lugar na estrutura, sem que, no caso, seja feita uma prévia e necessária reforma sindical. Essa forçosa limitação imposta pelo Estado é contrária ao quanto preconizado pela Convenção nº 87 da OIT, por manter conduta intervencionista do Estado, propiciando inclusive um sindicalismo corporativista. Gino Giugni1 define claramente que nos sistemas de liberdade sindical é assegurada a liberdade jurídica de constituir organizações com qualquer orientação ou estrutura. Esse modelo, ao nosso sentir, desfavorece a efetividade da atuação plena sindical, e, por consequência, a tutela dos interesses coletivos, pois, o cerne principal dos sindicatos é a representação de seus tutelados para a busca de melhorias nas condições sociais e de emprego havida pelas negociações coletivas, a qual deixa de ser evidenciada por haver uma representatividade imposta (unicidade) e não conquistada (unidade). É nesse o cenário que os entes sindicais atuam, sendo clara e muito ativa as legitimidades dos sindicatos de base, das federações e das confederações. As entidades sindicais, conforme Santos2, constituem espécies particulares de associação, com elementos peculiares que justificam variações na sua disciplina em relação à disciplina geral. E entre essas peculiaridades estão os poderes e as prerrogativas sindicais, os quais relevam o poder de estipular acordos e convenções coletivas de trabalho com abrangência categorial. Logo, por serem uma espécie de associação, aos sindicatos - além dos poderes, prerrogativas e deveres decorrentes de sua personalidade sindical - lhes são aplicáveis todos os dispositivos constitucionais referentes às associações. Contudo, mesmo ao passo da legitimidade dos entes sindicais para as ações coletivas, temos evidenciado a limitação dessa legitimação, com lastro na divisão do modelo sindical por categorias (artigo 511, parágrafos 1º e 2º, da CLT), ou seja, os sindicatos estão legitimados às matérias laborais de interesse metaindividuais,  mas limitados a categoria ou abrangência dessa. Indubitável restou essa legitimidade dos sindicatos quando o Supremo Tribunal Federal, em 12 de junho de 2006, analisando o Recurso Extraordinário nº 193.503-1-São Paulo, em acórdão relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, deixou assentado que o artigo 8º, III, da Constituição Federal, estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. E nada obstante todo acima exposto e a clarividente legitimação desses entes sindicais, o quadro atual é de esmagadora maioria do encabeçamento das ações civis públicas pelos Ministérios Públicos, do que pelos entes sindicais, estatística essa ressaltada por Mancuso3. A tutela coletiva exercida pelas centrais sindicais seja judicialmente ou extrajudicialmente é, ao nosso sentir, inexpressiva como veremos abaixo. Por regra, em nosso ordenamento jurídico as centrais sindicais são consideradas pessoas jurídicas de direito privado, que adquirem personalidade jurídica (ainda não sindical) com o registro de seus atos perante o cartório de registro público, vindo a obter a personalidade sindical apenas com o advento da lei 11.648/08. Diante desse desenho piramidal é preciso ainda respeitar o seu agrupamento, que se dá por critério de homogeneidade, dado pela divisão em categorias e pelo princípio da unicidade sindical, não havendo, assim, liberdade para a vinculação entre as diversas entidades sindicais que compõem a pirâmide, já que o sistema se organiza tendo em conta as outras restrições constitucionais existentes à liberdade de organização, quais sejam, a unicidade sindical, a base territorial mínima e a sindicalização por categoria. Não estamos aqui a diminuir ou desprezar a importância política aglutinadora e da enorme capacidade das centrais sindicais na defesa dos interesses de seus "representados", mas essas da forma como concebidas são incompatíveis com o modelo constitucional, de modo que a lei 11.648/08 que lhes outorgou a roupa de ente sindical o fez de maneira não só contrária ao texto constitucional, como também é certo que a mens legis buscava apenas o caráter econômico ligado à extinta obrigatoriedade da contribuição sindical, da qual rentabilidade econômica não participavam essas centrais. Nesse prisma, as centrais sindicais não integram o sistema confederativo sindical brasileiro, sendo entidades de representação geral dos trabalhadores de âmbito nacional, que não dispõem de poderes inerentes às entidades sindicais, principalmente a de representação jurídica. É relevante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro concentra no sindicato as funções de representação e de negociação, sendo que as demais entidades sindicais (federações e confederações, respectivamente) podem exercer essas funções em caso de inércia ou de inexistência do sindicato de base (arts. 617 e 611, § 2º da CLT). Entrementes, a Constituição de 1988 ampliou a legitimidade sindical, por meio das confederações, para propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da declaratória de constitucionalidade (art. 103, inciso IX da CF/88). Neste prumo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que só as entidades sindicais de terceiro grau, ou seja, as confederações serão legitimadas a ajuizar ações que versem sobre o controle de constitucionalidade (ADIn 4184/DF), deixando as centrais sindicais de fora desse rol, já que essas são organizações intercategoriais ou multicategorias em uma linha horizontal compreendendo diversas categorias. A própria lei das centrais sindicais que as outorgou a qualidade de ente sindical não lhes atribuiu legitimidade processual, mas sim, apenas, prerrogativas genéricas, tais como: coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas e participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores (art. 1º, lei 11.648/08). A respeito das centrais sindicais terem legitimidade para tutela de interesses coletivos, temos que o assunto é bastante denso e controvertido, porém vem prevalecendo que essas não têm representatividade jurídica, segundo Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich4, pois, quando não houver sindicato representativo da categoria econômica ou profissional, poderá a representação ser instaurada pelas federações correspondentes e, na falta dessas, pelas confederações (por aplicação analógica do artigo 857, parágrafo único da CLT). A legitimidade processual é tão inexistente que, em 12 de março de 2021 o Supremo Tribunal Federal, por maioria, em votação no plenário, não conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5306, ajuizada pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), contra a Lei Complementar Estadual 502/2013 de Mato Grosso, tendo prevalecido o voto apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual a jurisprudência do Supremo é de que as centrais sindicais não têm legitimidade ativa para ajuizar ação de controle concentrado de constitucionalidade. Importante trazer a lume que a ilegitimidade das centrais sindicais para ajuizar ou tutelar interesse processual coletivo reside no fato dessas congregarem integrantes das mais variadas atividades ou categorias profissionais ou econômicas, não se qualificando, assim, como uma confederação sindical nem como uma entidade de classe de âmbito nacional, conforme exigido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como bem evidenciou o ministro Alexandre de Moraes em seu voto da citada ADIn 5306. A ausência de tutela dos interesses coletivos pelas centrais sindicais, através das ferramentas ou ações coletivas, resta crível, ao passo de sua ilegitimidade e falta de interesse vinculante específico de agir, todavia, essas também não vem defendendo os interesses coletivos sequer pela via material. No tocante à tutela exercida pelas centrais sindicais  no campo extrajudicial ou medidas efetivas para tutelar os interesses gerais dos trabalhadores, como asseveram Krein e Colombi5,  foi aferido que nos maiores períodos de crise, a exemplo dos anos de 2014 e 2015, as atividades das centrais sindicais não passaram de gritos, passeata, eventos discursivos que em nada contribuíram para a tutela material do trabalhador. Ao nosso sentir, a situação trazida mostra o caráter somente econômico da lei 11.648/08 com o fito de ao adjetivar as centrais sindicais como ente sindical, busca apenas outorgar a essas legitimidade para participar da divisão econômica milionária, à época, aferida pela arrecadação da contribuição sindical, almejando com isso o fortalecimento de um estado que intervêm na ordem sindical e, em contraponto, mantém uma total desproteção do trabalhador por essas entidades nada efetivas no plano concreto na defesa dos interesses coletivos. A lei 11.648/08, a rigor, não trouxe novidades, não oferecendo às centrais nada além dos espaços e das fontes de recursos aos quais elas já tinham alguma forma de acesso pela própria competência (que, evidentemente, varia de uma para outra), tendo feito a  lei apenas institucionalizar os acessos e garantir a pluralidade de centrais, razão pela qual estabeleceu padrões reduzidos para obtenção de índice de representatividade. Visou também a legislação garantir os interesses corporativos da centrais, porém pautada inarredavelmente sobre a manutenção da unicidade compulsória na organização de base para manter seus controles sobre elas e o sistema. Logo, mantemos assim um velho sistema sob uma hipotética nova roupagem, mesmo após reforma trabalhista, com um sindicalismo corporativo e nada tutelar de sua coletividade representada, contribuindo para a não concreção dos direitos e de tutela coletiva, permanecendo, inclusive, a cidadania no mesmo ritmo, isto é, desprestigiada, pois, sindicato ou sistema sindical fraco ou monopolizado significa ausência de evolução social, econômica e de condições melhores de trabalho aos hipossuficientes empregados. ____________  1 GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33 2 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Pagina 50 a 51. 3 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109. 4 ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275 5 KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009. ____________  ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275 BRASIL. Constituição Federal de 1988.  Acesso em: clique aqui. Acessado em 21/01/2021. ________. Consolidação das Leis do Trabalho. Acesso em: clique aqui. GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33 KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Página 50 a 51.
Introdução A lei 14.112/2020 não só alterou a lei 11.101/2005, mas atualizou a legislação referente à recuperação judicial, à decretação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. O novo comando legal passou a vedar o prosseguimento das execuções relativas a créditos ou obrigações sujeitos à falência ajuizadas contra o devedor solidário. A interpretação lógica e sistemática da lei invoca como postulados básicos os princípios da universalidade e indivisibilidade do juízo falimentar, além do princípio da par conditio creditorum. Assim, eventuais créditos do exequente devem ser habilitados junto ao Juízo Universal, e não mais serem executados na Justiça Especializada. A decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial implica imediatamente (i) na suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor que estão sujeitas ao regime desta lei; (ii) na suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; e (iii) na proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. Dessa forma, a execução do crédito trabalhista está subordinada ao juízo universal e ao processamento da recuperação judicial ou da falência. Natureza jurídica do crédito trabalhista  A natureza jurídica do crédito trabalhista é alimentar e preferencial, nos termos do artigo 100 §1º - A da CRFB/88. Durante o processo de falência os créditos trabalhistas têm preferência de pagamento, num limite de até 150 salários-mínimos por trabalhador, sendo que eventual saldo remanescente passa a ter a mesma paridade dos créditos quirografários. O artigo 6º da Lei 14.112/2020 reitera, consolida e sistematiza a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. No seu art. 6º foram incluídos os incisos I, II e III que, de forma indubitável, determinam a suspensão das execuções já ajuizadas contra o devedor, inclusive dos credores particulares do sócio solidário, sujeitos à recuperação judicial ou à falência. A literalidade do termo "inclusive" se traduz em "até mesmo", ou seja, a decretação da falência implica na imediata suspensão de todas as execuções ajuizadas contra o devedor solidário relativas aos créditos sujeitos à falência. Dessa forma, a fase executória, os atos de execução em si devem ser imediatamente suspensos, haja vista que os créditos trabalhistas serão inscritos no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença resultante das ações na fase de conhecimento. Portanto, é inquestionável que todos os créditos trabalhistas, inclusive daqueles direcionados ao sócio solidário, ficam suspensos em prol do sistema de direito concursal brasileiro. Há expressa vedação legal para se proceder quaisquer meios de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor solidário, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. A novidade na incorporação ao texto legal tem seu cerne na fase executória e os atos de execução em si que deverão ser suspensos. Por esses motivos não se podem utilizar, doravante, entendimentos anteriores a vigência da Lei 14.112/20, que teve seu início para normatizar decisões presentes. Entrementes, o §2º do artigo 6º da lei 11.101/2005 foi mantido, de modo ser permitido pleitear perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação de créditos trabalhistas, sendo que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Responsabilidade solidária A responsabilidade do sócio pelas dívidas trabalhistas ocorre quando não se localiza nenhum bem de propriedade da empresa, ou seja, a inexistência de bens da empresa capazes de garantir a solvabilidade do débito exequendo. A inclusão de sócio no polo passivo é medida excepcional e adotada sempre que restam frustradas as tentativas de satisfação integral do crédito ante a não existência de bens suficientes da empresa executada, independentemente de sua responsabilidade direta ao processo trabalhista. A responsabilização dos sócios pela satisfação de créditos trabalhistas seguia o entendimento majoritário da doutrina e se fundava na inércia do executado em pagar ou indicar bens para saldar sua dívida, de acordo com o §5º do artigo 28 do CDC, aplicado subsidiariamente ao processo do Trabalho. No entanto, não havia até então previsão legal específica para a responsabilização do sócio, o que gerava decisões divergentes entre os juízos, pois parte se utilizava da teoria maior que exigia a comprovação da fraude ou confusão patrimonial para que autorizassem a desconsideração. Para Bernardes1 (p. 305) a "inovação trazida no artigo 10-A da CLT é benéfica por trazer a previsão genérica de responsabilidade subsidiária do sócio nos processos trabalhistas em consonância com a jurisprudência majoritária no cenário anterior à reforma". Destarte, para regular a desconsideração da personalidade jurídica foi inserido o artigo 855-A da CLT, estabelecendo a aplicação ao processo do trabalho do incidente previsto nos artigos. 133 a 137 da lei 13.105/2015. A responsabilidade não é presumida, pois ela decorre da lei ou da vontade das partes, nos termos do art. 265 do Código Civil. Em relação a terceiros, como ocorre com o crédito trabalhista, os bens particulares dos sócios, conforme dispõe o art. 1.024 do CC, não podem ser executados por dívidas da sociedade, exceto depois de executados os bens da pessoa jurídica. Prazo para pagamento dos créditos trabalhistas A arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento aos credores, será de competência do juízo falimentar nos termos do art. 7º - A da lei 14.112/2020. A regra geral do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas, no plano de recuperação judicial, é de um ano. Entretanto, a Lei nº 14.112/2020 incluiu a possibilidade do prazo estabelecido ser estendido em até dois anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente: (i) apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz, (ii) aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do §2º do art. 45  lei; e (iii) garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas. Dessa forma, as alterações promovidas pela lei 14.112/20 possuem características ampliativas em relação às possibilidades de negociações dos credores elastecendo o prazo para que as empresas em crise possam quitar seus débitos, bem como estimular a atividade econômica. Os créditos trabalhistas na falência estão limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho têm prioridade de pagamento e ocupam a primeira posição na classificação dos créditos. Os saldos dos créditos trabalhistas que excederem o limite serão considerados quirografários e obedecerão a ordem de classificação disposta no art. 83, inciso VI, alínea "c" da lei 14.114/2020. Falência da sociedade empresária  A falência constitui um novo estado jurídico que produz vários efeitos sobre os devedores e credores. Um dos efeitos é o alcance da pessoa do falido, os contratos firmados, seu patrimônio e o direito dos credores. Segundo o art. 76 da lei 11.101/2005, o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Nessa senda, os créditos trabalhistas originam-se da relação jurídica entre empregado e empregador, e, logo, estão dentre os créditos regulados pela Lei de Falências.   O processo de execução, ou cumprimento da sentença trabalhista segundo Calcini, Guimarães e Jamberg2  (p. 111), "se faz no interesse do credor, de modo que os atos executivos devem ser direcionados para o cumprimento da obrigação contido no título executivo, revelando, de outro lado, o prestígio do poder jurisdicional de fazer cumprir suas decisões". Desde a vigência da lei 11.101/2005, de forma positiva, as Justiças Comum e Especializada suscitam para si a competência para a satisfação dos créditos trabalhistas, gerando incontáveis conflitos de competência que acarretam em maior morosidade. Diante dessa perspectiva a Lei nº 14.112/2020 veio pacificar tais questionamentos e assentou a competência do Juízo Falimentar para a satisfação de créditos sujeitos no juízo universal, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.  Desconsideração da personalidade jurídica O princípio da desconsideração da personalidade jurídica, além de previsto no direito do trabalho, está disposto em outros ramos do direito como: empresarial, civil, consumidor e tributário. Este instituto, inicialmente, foi utilizado pela jurisprudência para obstar situações de abuso da personalidade jurídica com finalidade de lesar credores. A sociedade deixava de ter a função social da propriedade prevista no art. 170 da Constituição Federal, sendo utilizada de forma desvirtuada, com fins diversos. Bezerra Leite3 (p.124) preleciona que a "despersonificação do empregador, ou desconsideração da personalidade jurídica do empregador, constitui, a rigor, princípio do direito material trabalhista" (arts. 2º, 10 e 448, todos da CLT). Segundo Bernardes4 (p.298), o sócio pode ser responsabilizado por dívidas trabalhistas a partir da instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica "por força da qual se supera episodicamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica". Para Miessa5 (p. 1.266) "é sabido que a pessoa jurídica não se confunde com a figura de seus sócios. No entanto, o sócio tem responsabilidade secundária, ou seja, seu patrimônio poderá ser atingido para arcar com o pagamento de dívida da pessoa jurídica". O artigo 82-A da lei 14.112/2020 prevê a vedação da extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada sendo possível a desconsideração da personalidade jurídica. Esta, porém, somente pode ser autorizada nas hipóteses do Código Civil (art. 50, CC) e na forma procedimental prevista pelo Código Processual Civil (arts. 133 e seguintes, CPC), ou seja, através de instauração do incidente próprio. A Justiça do Trabalho, antes da inovação trazida pela lei 14.112/2020, permitia mesmo na falência que a execução continuasse em desfavor do sócio solidário que já integrava o polo passivo, devido ao entendimento que os bens dos sócios não se confundiam com os bens da massa falida. Assim, alguns credores trabalhistas recebiam a totalidade dos seus créditos no curso do processo trabalhista, enquanto no falimentar os demais estavam sujeitos a receberem percentual menor, ou seja, ocorria uma ruptura do princípio da par condictio creditorium, prática vedada no processo falimentar. Se não fosse dessa forma, não haveria a necessidade da existência do juízo universal, que tem a competência para dirimir os conflitos entre os credores e o devedor insolvente, assim declarado judicialmente, julgando todas as ações que envolvam interesses da sociedade. Ademais, a universalidade do juízo falimentar decorre de disposição legal, nos termos dos arts. 3º e 76, ambos da lei 11.101/2005. A indivisibilidade do juízo falimentar se refere às ações propostas quando já decretada a falência, sendo que a atração do juízo universal alcança apenas as ações ajuizadas pela massa falida ou contra ela. Resistência da Justiça do trabalho em remeter os processos para o juízo universal A Justiça do Trabalho vem sendo impactada nos últimos anos pela Reforma Trabalhista, pela Lei da Liberdade Econômica, pela Nova Lei de Falências, pelo Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), dentre outras Leis, Medidas Provisórias e entendimentos do Supremo Tribunal Federal. O princípio da proteção, essência do Direito do Trabalho, aplicado pelas regras in dubio pró-operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, resultam numa resistência histórica do cumprimento, na prática, de disposições legais de outros ramos do direito. Em que pese as normas postas suspenderem as execuções trabalhistas e determinarem a remessa dos processos para o juízo concursal, ainda se observam diversos julgados contrários, deflagrando total arbitrariedade dos magistrados trabalhistas. Interpretar e aplicar o Direito do Trabalho é respeitar a competência das outras áreas do Direito, pois o ordenamento jurídico é uno e o Direito deve ser expresso de forma sistemática e coordenada. O art. 6º, §2º, da lei 11.101/05 prevê que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Observe a importância da Justiça do Trabalho que entrega o bem da vida pretendido à quem de direito, para que juízo universal, que tem o poder-dever-função garanta a inclusão do crédito na classe própria. Assim, todos os ramos do direito estão imbricados com vista a regular as relações humanas e alcançar a paz social como valor maior cabendo aos juízos o respeito pela jurisdição que lhes compete. Overruling da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Superiores  O Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento no sentido de ser cabível o redirecionamento da execução em face dos bens dos sócios da empresa falida, na medida em que tais bens não se confundem com os bens da massa falida. O overruling consiste na superação de um precedente normativo, que pode se dar de forma expressa ou tácita, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil. Novos dispositivos legais foram introduzidos pela lei 14.112/2020, pelo que se depreende uma real superação da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Trabalhista em relação à temática. Em recente acórdão publicado em 18 de maio de 2021, entenderam os Desembargadores da 1ª Turma do TRT/RJ da 1ª Região que não há qualquer dispositivo no ordenamento jurídico pátrio, que "autorize que a superveniência da decretação do regime falimentar possa irradiar efeito desconstitutivo sobre pagamentos pretéritos licitamente efetuados"6. Entretanto, está-se diante de situação pretérita, quando os bloqueios ocorrem antes da sentença de quebra. Dessa forma, patrimônio do sócio solidário se mantêm apartado do patrimônio da massa para a satisfação do crédito trabalhista. E, por esse motivo, antes da decretação da falência, e consonante com a jurisprudência atual, este deverá ser colocado à disposição do Juízo Trabalhista e, por conseguinte, não ser objeto de atratividade pelo Juízo Universal Falimentar. Contudo, após a decretação da falência, a Justiça do Trabalho deixa de ser competente para continuar a executar patrimônio de sócio solidário, encerrando a sua atividade jurisdicional com a quantificação da dívida e a expedição de certidão para habilitação do crédito trabalhista no quadro geral de credores perante o Juízo Universal Falimentar, nos termos da lei 14.112/2020. Conclusão  Por todo o exposto, claro está que às inovações trazidas pela lei 14.112/2020 têm aplicabilidade imediata aos processos trabalhistas em curso, visto que se trata de norma processual, passando a ser aplicada no processo laboral a partir de sua vigência no ordenamento jurídico. O crédito trabalhista deve ser satisfeito com a pronta expedição de certidão de crédito para que o exequente se habilite nos autos da falência, nos termos do art. 83, I, da Lei Falimentar. Deferido o processamento da falência, exaure a competência da Justiça do Trabalho para promover qualquer ato executório em desfavor do devedor falido ou de socio solidário. A atratividade do juízo universal visa garantir a isonomia prevista no citado artigo 5º, para que todos os credores venham a receber o mesmo tratamento, respeitando o princípio da igualdade. Entendimento em sentido contrário, em arremate, chancelaria escancarada fraude ao concurso de credores, sendo poucos os privilegiados em detrimento da massa falida com burla a ordem obrigatória de classificação dos créditos na falência conforme previsão do artigo 83 da lei 11.101/2005, o que não se permite no ordenamento jurídico. *Heloísa Helena do Valle Marcello é pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasileiro de Economia e Capital. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Pedagoga e advogada. __________ 1 Bernardes, Felipe. Manual de Processo do Trabalho/Felipe Bernardes. 3. Ed. Ver. atual. e ampl. - Salvador: JusPodivm, 2021 p. 305. 2 Guimarães Rafael. Execução Trabalhista na prática/ Rafael Guimarães, Ricardo Calcini, Richard Wilson Jamberg. Execução Trabalhista na Prática - Leme, SP: Mizuno, 2021. 3 Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho - 16. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 124. 4 BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho - 3ª ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 298. 5 CORREIA, Henrique e MIESSA, Élisson. Tribunais e MPU - Noções de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho - Para Técnico (2020). 5ª Ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p.1.266. 6 PROCESSO nº 0018200-40.2006.5.01.0342 (AP).
sexta-feira, 11 de junho de 2021

As redes sociais e o Direito do Trabalho

O fenômeno da globalização consiste na interligação geográfica, política, econômica, social e cultural dos povos. Thomaz L. Friedman, na sua imperdível obra, "O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI", descreve, com profundidade, os efeitos e a dinâmica da globalização. Ele a segrega em três etapas. A primeira é a "globalização 1.0", que envolveu apenas os países. A "globalização 2.0" abrangeu as empresas. Já a "globalização 3.0" é o que se classifica como a "recém-descoberta capacidade dos indivíduos de colaborarem e concorrerem no âmbito mundial". Por esta última faceta, o indivíduo isolado ou organizado em pequenos grupos ganha uma força em âmbito mundial, o que foi possível em razão da "convergência entre o computador pessoal (que subitamente permitiu a cada indivíduo tornar-se autor de seu próprio conteúdo em forma digital), o cabo de fibra óptica (que de repente permitiu a todos aqueles indivíduos acessar cada vez  mais conteúdo digital no mundo por quase nada) e o aumento dos softwares de  fluxo de trabalho (que permitiu aos indivíduos de todo o mundo colaborar com aquele mesmo conteúdo digital estando em qualquer lugar, independentemente da distância entre eles)". Esta força individual ganhou ainda mais corpo com o advento das redes sociais, dando visibilidade às mais diversas espécies de manifestação. Nas palavras de Geraldo Magela Melo, as "plataformas de relacionamentos virtuais são muito mais que simples diários online, são meios de informação, educação interação e participação na vida familiar, social acadêmica, política e afetiva."1 Neste contexto, surge a necessária reflexão acerca das repercussões do uso das redes sociais no contrato de trabalho. Ab initio, não há muita dúvida acerca da possibilidade jurídica de não se permitir o uso de redes sociais durante a execução do trabalho. Observando-se critérios de razoabilidade, a proibição pode ser objeto de regulamentação por norma interna, sem maiores dificuldades. O principal aspecto a ser analisado é se uma postagem em redes sociais, em momento alheio ao da prestação de serviços decorrente do contrato de trabalho, tem o condão de gerar alguma repercussão jurídica na relação entre empregador e empregado. As redes sociais digitais permitiram o surgimento de uma vigilância silenciosa do empregador em relação a seus funcionários, consistente na análise de suas postagens nas mídias sociais. Criou-se o "Big Brother" no trabalho, como costuma afirmar o brilhante jurista José Eduardo de Resende Chaves Junior! Pode-se considerar, então, a existência de um Poder Empregatício Virtual? Ele viola a liberdade de expressão dos trabalhadores? No mundo pós-moderno a força das redes sociais para a formação da opinião pública é inegável, como bem delineia o documentário "O Dilema das Redes". Elas moldam a percepção política, social, cultural e de consumo de cidadãos em todo o mundo. Uma postagem, portanto, tem a possibilidade de atingir uma massa expressiva de pessoas, que repassam continuamente aquela mensagem ou vídeo, tornando-a viral! Não se pode negar o efeito positivo da "viralização" de conteúdo de rede social quando ele é positivo, de cunho educativo e assistencial. Também, inegável as consequências deletérias de postagens ofensivas que disseminam ódio ou inverdades ("fake news"). Sob esses prismas é que o fenômeno das redes sociais deve ser analisado no que tange aos seus efeitos no contrato de trabalho. Com efeito, a celebração do pacto laboral pressupõe a boa-fé objetiva entre os contratantes, conforme dicção do art. 422 do Código Civil, segundo o qual eles devem observá-la, também, nas fases pré e pós-contratual. A boa-fé permeia, portanto, a própria existência do contrato de trabalho. Nesta quadra, não há dúvida de que uma postagem negativa a respeito do seu empregador pode caracterizar quebra da fidúcia e da confiança, que são eles intrínsecos inerentes ao pacto de trabalho. Ora, como um empregador irá confiar num trabalhador que alega problemas de saúde e posta foto em redes sociais participando de festas? O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região já manteve justa causa exatamente na situação narrada: JUSTA CAUSA. REDES SOCIAIS. Configurada perda de confiança na empregada pela postagem de fotos em redes sociais participando de festividades em período em que estaria com problemas de saúde, o que torna impossível a manutenção do liame empregatício (TRT 4ª Região, processo n. 0022094-52.2015.504.0333, publicado no DEJT em 17/03/2017). O mesmo ocorre com funcionário que faz crítica a seu empregador de maneira pejorativa nas redes sociais. Neste sentido, também consagra a jurisprudência a possibilidade de rescisão do pacto laboral por justa causa: JUSTA CAUSA. POSTAGEM DIFAMATÓRIA DA EMPRESA EM REDE SOCIAL. CONFIGURAÇÃO. Não se nega à reclamante o direito de expressas seus sentimentos, mas a mesma deve arcar com as consequências de suas manifestações. Em nome do direito à liberdade de expressão não se pode ofender ou denegrir a imagem de pessoas física e jurídicas. Ao fazer a postagem "Hoje me sentido num Tribunal julgada a prisão perpétua no MOPC liberdade nunca canta", a reclamante comparou a reclamada a um tribunal que lhe atribuiu injustamente a pena máxima de prisão perpétua, privando-a da liberdade, apenas porque a empresa não concordou em demiti-la. Provimento negado. (TRT 2ª Região, processo n. 1000445-41.2019.502.0038, publicado no DEJT em 17/08/2020). A análise do cabimento da justa causa ou de outra penalidade (advertência ou suspensão) é sempre subjetiva e deve ser pautada pelo equilíbrio, sopesando os valores da liberdade de expressão e da boa-fé. Não é toda crítica, portanto, que pode e deve ensejar a aplicação de penalidades por parte do empregador. Em análise análoga àquela aqui descrita, o Tribunal Superior do Trabalho, corretamente, manteve a descaracterização de justa causa à trabalhadora que apenas emitiu comentário nas redes sociais acerca da baixa qualidade da alimentação fornecida por seu empregador: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - DIREITO DO EMPREGADO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS REDES SOCIAIS EM CONTRAPOSIÇÃO AO DIREITO À HONRA E À IMAGEM DA EMPRESA - JUSTA CAUSA DESCARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE A CONDUTA OFENSIVA E A PENA MÁXIMA DE DISPENSA . No caso dos autos , verifica-se que o fato, por si só, de a empregada emitir opinião pessoal nas redes sociais sobre a qualidade da alimentação fornecida pela empresa, em configuração de privacidade restrita ao seu círculo de amizade , e na condição de consumidora dos serviços hospitalares da demandada, não configura gravidade suficiente a ensejar a dispensa por justa causa, mormente quando não consignadas outras faltas cometidas pela autora em sua grade curricular, nem observada a gradação de penas para legitimar a resolução contratual, que se dera, com efeito, de forma abrupta, em decorrência do único fato referido, que não se demonstra grave o bastante para a dissolução do liame empregatício existente entre as partes - frise-se. Considerando tais premissas fáticas, extrai-se do acórdão regional a ausência de proporcionalidade entre a sanção máxima de dispensa com a falta funcional praticada, tendo em vista que a reclamada agiu com rigor excessivo ao proceder à rescisão contratual por justa causa. O ato praticado pela reclamante não ensejou seu enriquecimento ilícito, nem gravidade suficiente que impossibilitasse a subsistência do vínculo de emprego. Ao contrário, a conduta da reclamante insere-se no exercício do direito de liberdade de expressão de opinião e pensamento , assegurado constitucionalmente no art. 5º, IV, da Carta Política de 1988. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido" (AIRR-2361-81.2015.5.02.0034, 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 29/06/2018). É certo que a internet não é um território sem lei. A liberdade de expressão (art. 5º, inciso IV e IX, da CRFB/88) deve ser consagrada, mas quando ultrapassada a fronteira da razoabilidade e da boa-fé objetiva, aplicáveis a todos os contratos, inclusive o de trabalho (art. 422, do Código Civil), pode haver consequências na relação empregatícia. No mundo pós-moderno (líquido), manifestar-se na internet está cada dia mais próximo de um diálogo presencial, com repercussões inegavelmente maiores, inclusive econômicas. O mau uso das redes sociais pode acarretar consequências desagradáveis para as duas partes da relação empregatícia, na medida em que o empregador muitas vezes  é atingido em seus valores e pilares por uma postagem em rede social realizada por seu funcionário. Cada dia mais o trabalhador tem que ter ciência do seu poder nas redes sociais, inclusive para se manifestar e reivindicar, se for o caso, melhores condições de trabalho. Entretanto, deve estar ciente do Poder Empregatício Virtual, que subverte a lógica clássica da relação empregatícia, mas é uma realidade inexorável. Tudo isso não retira a recomendação de que os empregadores devem orientar seus funcionários acerca do comportamento nas redes sociais através do poder regulamentar, o qual pode ser exercido mediante treinamentos, cartilhas e códigos de conduta. Em arremate, as redes sociais fazem parte da realidade e da vida de qualquer um de nós. Por isso, não se pode deixar de lado os importantes e inerentes reflexos no mundo do trabalho! *Júlio César De Paula Guimarães Baía é graduado em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Pós-graduado em Direito Civil pela FGV. Mestre em Direito do Trabalho em UFMG. Ex-procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mineira de Futebol. Professor universitário. Professor dos cursos de pós-gradução da ESA/MG, do Ieprev, do Iprojud e da UNA. Coordenador da Pós-Graduação de Direito e Gestão do Trabalho e também da Pós-Graduação em Advocacia Corporativa, ambas da Faculdade Arnaldo Janssen. Consultor Educacional do Grupo Cogna. Coordenador do canal "Descomplicando o Direito do Trabalho, no YouTube. Advogado. __________ 1 MELO, Geraldo Magela. A reconfiguração do direito do trabalho a partir das redes sociais digitais. São Paulo. LTr, 2018. p. 52
Primeiramente, cabe conceituar o termo "extinção", cuja terminologia não é uníssona na doutrina. Dentre os que utilizam tal expressão, estão Délio Maranhão, Hugo Gueiros, Gabriel Saad, dentre outros. Há, contudo, quem prefira o termo "cessação", como Gustavo Felipe Barbosa Garcia e Sérgio Pinto Martins; ou "terminação", como Arnaldo Süssekind; ou dissolução, como Orlando Gomes. A própria Consolidação das Leis Trabalhistas emprega as mais variadas expressões, mas como sinônimas, a saber: rescisão, nos artigos 482 a 484; terminação e cessação do caput do artigo 477; e dissolução também no artigo 477, mas em seu § 2.º Inobstante a inexistência de um consenso terminológico, não restam dúvidas que estar-se-á falando da extinção do contrato de emprego - Cassar até refere que diferenciar esses termos nada mais é do que um "preciosismo", visto que todos se dirigem ao mesmo fato, qual seja, o próprio término do vínculo empregatício1. Garcia aduz que o término do vínculo empregatício é uma espécie, da qual são gêneros a resilição, a resolução e a rescisão2. Para o autor, a resilição pode ser tanto bilateral quanto unilateral. Será unilateral quando o contrato for denunciado pelo empregado ou pelo empregador, ou seja, quando somente uma das partes demonstrar a intenção (ou "animus") em resolver o contrato de trabalho. Frise-se que, em tal modalidade, não há causa que motive a parte que busca a denúncia do contrato: é a dispensa sem justa causa ou o "pedido" de demissão. Aqui, cumpre fazer uma breve discussão acerca do "pedido" de demissão. Parte da doutrina critica veementemente o emprego de tal expressão, pois não há, de fato, um "pedido" de demissão, visto se tratar de ato unilateral de iniciativa do empregado. Assim, como não há obrigação de se manter vinculado num contrato de trabalho, o empregado não requer a demissão, mas, tão-somente, comunica ao empregador que irá deixar de prestar seu labor no local - nas hipóteses em que não houver justa causa do empregador. Acrescente-se que, nesta situação, a extinção do contrato de trabalho, uma vez comunicada, em nada depende do aceite do empregador, porquanto nem sequer é razoável a ideia de que alguém fosse obrigado a trabalhar num local contra sua vontade. Voltando à resilição, a modalidade bilateral pode ser verificada quando ambas as partes contratantes, ou seja, tanto o empregador quanto o empregado, têm a intenção de pôr a termo ao contrato de trabalho. Cumpre destacar que o artigo 473 do Código Civil também faz uso de tal termo, ao arrolar o distrato como uma das causas de extinção contratual. A resolução, a seu turno, se dá quando há uma falta praticada pelo empregado ou pelo empregador (ou até de ambos), que acaba por dar fim ao contrato de trabalho. Ou seja, são hipóteses de resolução do contrato as dispostas nos artigos 482 até 484 da CLT, quando há justa causa ou falta grave, podendo acarretar em dispensa indireta ou em culpa recíproca. O autor pontua que tal expressão também é empregada nas situações em que houver onerosidade exagerada, ou seja, nas hipóteses em que existe a imposição de gravame a uma das partes, de modo a desestabilizar uma relação que já é inerentemente desigual e que acaba por inviabilizar a manutenção do contrato de trabalho. A rescisão, a seu turno, se dá nas situações em que é verificada alguma nulidade do contrato. Assim, se o objeto do contrato for ilícito, ou se o contrato for simulado, por exemplo, estar-se-á diante de uma situação ensejadora da rescisão do contrato de trabalho. Aqui, faz-se pertinente destacar que, consoante a Orientação Jurisprudencial n.º 199 da Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho3, em sendo ilícito (e, por consequência, nulo) o objeto do contrato, nada será devido, nem ao menos os salários, eventuais indenizações e demais vantagens percebidas pelo "empregado". De igual sorte, nada também será devido em contratos simulados, o que é natural, visto que não houve nenhuma prestação de serviço. Outrossim, conforme a Súmula n.º 363 do TST4, a qual, interpretada em conjunto com o artigo 19-A da lei 8.036/905, em sendo o trabalho proibido (uma contratação ilegal, por exemplo) serão devidos somente eventuais salários não pagos, além do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Verifica-se que, inobstante as diferenças entre elas, todas têm um ponto em comum, qual seja, a voluntariedade. É dizer: em todas as espécies há a manifestação de vontade de uma (ou ambas) as partes. Porém, há ainda a culpa recíproca, que se dá quando ocorrem condutas faltosas das partes, ou seja, tanto do empregado como do empregador. As do empregado estão, em suma, no artigo 482 da CLT, ao passo que as do empregador no artigo 483 do mesmo diploma legal. Garcia destaca, como pressuposto da culpa recíproca, a simultaneidade (num mesmo contexto temporal e circunstancial), gravidade e conexão entre as faltas - na medida em que uma falta é diretamente correlata e decorrente da outra6. Por isto, tem-se que esta espécie de término do contrato é rara, justamente pela dificuldade em se atender a tais condições, além da difícil produção de provas que demonstrem, insofismavelmente, tais situações. Nesse sentido, Delgado afirma que tal forma de ruptura contratual "supõe decisão judicial a respeito"7. Pode-se citar, a título exemplificativo, a situação hipotética em que o empregado diz contra o empregador palavras de baixo calão, atingindo sua honra e imagem, e o empregador faz o mesmo também ofendendo a honra e imagem do empregado. Para Melchíades Rodrigues Martins, nesta hipótese ocorre: "[...] a concorrência de atos suficientemente graves, praticados concomitantemente pelo empregado e empregador tornando-se inconciliável a continuidade do pacto laboral. Fazendo referência a Nélio Reis, afirma Russomano que: 'as culpas devem ser concomitantes porque devemos ocorrer ao mesmo tempo. Não é possível alegar-se culpa recíproca quando o empregado responde indisciplinadamente, ao empregador, sob o fundamento de que, em outra ocasião anterior e remota, o empregador lhe falara de modo pouco cortês e diz também ' que devem ser determinantes, porque a conduta das duas partes terá sido a causa eficiente da rescisão' e mais que as culpas devem ser equivalentes, sob pena de a maior absorver a menor, dando margem à punição de um só agente. E, para tanto, a culpa maior será, quase sempre, daquele que, tendo o control of situation, como diz a doutrina norte-americana, deixa de evitar o incidente e, por isso, aumenta sua responsabilidade na perturbação jurídica e social trazidas'. Enfim, para configuração da culpa recíproca é necessário que os atos, tido por faltosos, do empregador e empregado sejam concomitantes, determinantes e equivalentes"8. No ordenamento jurídico brasileiro, a extinção do contrato de trabalho em virtude da culpa recíproca está genericamente descrita no artigo 484 da CLT, o qual indica que a indenização deverá ser paga pela metade9. Na esteira deste artigo, o artigo 18, §2º, da lei 8.038/9010, discorre sobre o pagamento da multa do FGTS nos casos em que configurada a culpa recíproca, que será reduzida pela metade, ou seja, a 20%. Em conformidade com tais disposições legais, o TST editou a súmula 14, cuja redação atual aduz que, em sendo reconhecida a ocorrência culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho, o empregado terá direito a 50% do valor do aviso prévio, do décimo terceiro salário e das férias proporcionais. Curioso sublinhar que a redação anterior da Súmula supra ditava que o empregado não faria jus a tais verbas - ou seja, por mais que houvesse culpa recíproca, havia um ônus maior ao empregado. Porém, a atual redação, dada pela Resolução nº 121/2003, corrigiu a discrepância que a Súmula tinha com as leis já citadas. Destarte, são devidas também férias vencidas acrescidas de um terço, décimo terceiro salário vencido e eventuais salários não pagos, todos de forma integral, visto se tratar de direitos adquiridos previamente. Em arremate, essas eram as breves considerações acerca das hipóteses de extinção do pacto laboral, com especial destaque para o fenômeno da culpa recíproca, a qual, conquanto desconhecida na prática das relações trabalhistas, é prevista na legislação celetária e chancelada pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho. *Fernando Augusto Melo Colussi é advogado-sócio do escritório Albornoz Jordão Advogados Associados. Mestre em Direito pela PUC/RS. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Fundação Ministério Público (FMP). __________ 1 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 3. ed. Niterói: Impetus, 2009. 2 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 3 JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO (título alterado e inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010. É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico. 4 TST Enunciado nº 363 - Contratação de Servidor Público sem Concurso - Efeitos e Direitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. 5 Art. 19-A.  É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário. 6 Op. cit. 7 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1081. 8 MARTINS, Melchíades Rodrigues. Justa causa. São Paulo: LTr, 2010. p. 589. 9 Art. 484 - Havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão do contrato de trabalho, o tribunal de trabalho reduzirá a indenização à que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador, por metade. 10 Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais. § 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) por cento.
É notório que pandemia do coronavírus, que se iniciou em 26 de março de 2020 e se prolonga até os dias atuais, trouxe marcas devastadoras para o país, pois estamos vivenciando um dos piores cenários da economia e com isso os índices de desemprego se elevam a cada dia. Diante disso, muitos são trabalhadores sem expectativa de recuperação da situação financeira do Brasil - e, pior, estão acreditando até em dias mais difíceis - afinal, praticamente a cada semana são editados novos decretos estaduais e/ou municipais com medidas restritivas de deslocamento de pessoas e funcionamento de estabelecimentos comerciais com o objetivo de conter a contaminação da Covid-19.  E, no atual cenário, não se pode negar que por mais que sejam necessárias tais medidas para a contenção da disseminação do vírus, lado outro é certo que a economia tem sido bastante afetada, ainda mais para o Brasil, um país subdesenvolvido que há anos vem na luta para se reerguer. Nesse prumo, é incontroverso que a doença, a morte, o isolamento social e a queda na economia arruinaram a renda e o trabalho das pessoas, disseminando a pobreza e atingindo, de forma contundente, os trabalhadores mais pobres de todo o país, trazendo ao Judiciário trabalhista as pretensões de liberação do FGTS depositado em conta vinculada. Sendo assim, os trabalhadores viram como alternativa financeira demandarem ações na Justiça do Trabalho para requererem o levantamento do saldo do FGTS como fonte de auxílio de renda e, em muitos casos, talvez até da maioria, de manterem seu próprio sustento. Ocorre que essa solução não é tão simples, pois há uma parcela de magistrados que não entende que a competência seja da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de liberação dos depósitos do FGTS perante a Caixa Econômica Federal. Para essa visão, a competência para processar e julgar os feitos relativos à movimentação do FGTS, excluídas as reclamações trabalhistas, é da Justiça Federal1-2-3. Entretanto, em caráter excepcional, o pensamento deveria ser diferente, até por questão de razoabilidade em relação a todas as circunstâncias que vem enfrentando Brasil, em razão da pandemia da Covid-19 nunca vivenciado antes. E, salientando as reduções salariais autorizadas pela então MP 936/20204 e renovadas pela MP 1045/20215, perda de benefícios e vantagens, além da redução extrema de empregos, imperativa se torna a concessão do direito de sacar o fundo de garantia por tempo de serviço em agência Caixa Econômica Federal como forma de amparar e minimizar o sofrimento e o estado de miserabilidade tantas pessoas. Os magistrados que indeferem os pedidos de levantamento dos valores na conta do FGTS justificam suas sentenças apenas com base na súmula 82 do STJ, a qual prevê a competência da Justiça Federal para julgar casos de movimentação do FGTS, e, ao final, extinguem o processo sem analisar a questão central. Tal entendimento defende a competência material da Justiça do Trabalho para julgar causas que envolvam verbas de FGTS somente em causas que envolvam relação empregatícia, não sendo cabível nas demandas em que se discute somente a autorização de saque fundiário e instituição bancária, caso em que a competência será da Justiça Federal.  De toda sorte, ainda há esperança para os advogados que militam na área trabalhista e que tenham a pretensão de insistir no propósito de seus clientes, pois há magistrados que entendem que a Justiça do Trabalho é competente para julgar processos com pedido de expedição de alvará judicial para liberação do saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal. As sentenças que julgam procedente o pedido de levantamento dos valores depositados na conta do FGTS dos trabalhadores expõem nas suas teses uma visão macro da realidade enfrentada pelos trabalhadores brasileiros, assim sopesando todos os impactos que a decisão de extinção do processo pode ocasionar na vida daquele indivíduo. Diversos aspectos foram levados em consideração como o fato de se tratar de jurisdição voluntária em que não há conflito de interesses entre as partes, mas apenas a solicitação de providência sobre a qual não existe controvérsia; a nova redação dada ao art. 114 da Constituição Federal trazida pela Emenda Constitucional nº 45 de 20046, em que a Justiça do Trabalho passou a ter competência para julgar quaisquer processos relativos a direitos e obrigações que decorram da relação de emprego, mesmo que não se estabeleçam entre empregado e empregador; e o principal e mais relevante motivo: a pandemia causada pelo coronavírus - Covid 19, que tem se revelado como uma das maiores crises sanitárias em escala global deste século, com diversas consequências econômicas, sociais e humanitárias dela decorrentes, além das milhares de vidas ceifadas pelo mundo. De mais a mais, ainda foram mencionados o art. 20, XVI, "a", da lei 8.036/907, que autoriza a movimentação da conta de FGTS dos trabalhadores residentes em áreas de calamidade pública; o art. 7º, III, da CRFB/888, que diz ser o FGTS direito dos trabalhadores e que sua liberação não prejudica direito algum da parte empregadora; além do decreto 5.113/20049, que atende a disciplina legal vigente para os casos de calamidade pública, observando-se o limite de valores. Ademais, a liberação dos depósitos do FGTS em razão da pandemia não ofende o artigo 8º da CLT10, que prega a supremacia do interesse público, já que o interesse público maior é a saúde e o bem-estar da população. Não obstante a MP 1046/202111 não mencionar que estamos diante de um estado de calamidade pública, diferentemente da então MP 927/202012, além daquela não fazer nenhuma consideração a respeito das circunstâncias do estado de força maior, isso não gera qualquer ameaça ao direito do trabalhador em requerer o saque do fundo do FGTS. Isso porque o magistrado, no poder das suas atribuições, poderá declarar o estado de força maior com base nos fundamentos do art. 501 da CLT13. Assim, as finalidades sociais dos recursos do Fundo que são financiar investimentos no sistema habitacional, em saneamento e infraestrutura tornam-se insignificantes e inúteis se o trabalhador não estiver vivo para gozar dessas benesses. Afinal, não se deve esquecer que o caráter primordial do FGTS é ser um direito do trabalhador. No caso da pandemia provocada pela Covid-19, os magistrados que defendem o levantamento dos valores do FGTS entendem que o limite do saque do FGTS deve ser no valor de R$6.220,00, conforme preconiza o decreto 5.113/04, que traduz hipótese mais ampla que a da MP 946/202014 (art. 6º), assim superando o valor limite de R$1.045,00. Ressalta-se que é inegável a concessão do saque do FGTS diante do requerimento do trabalhador frente à necessidade pessoal diante do atual cenário da crise pandêmica. Em arremate, diante do atual panorama da crise da Covid-19, concluímos que a intenção dos juízes ao autorizar o levantamento do FGTS em casos de calamidade é socorrer o trabalhador num momento de revés diminuindo os impactos da fatalidade no meio social, como ocorreu em 2015 no caso do rompimento da Barragem da Mineradora Samarco em Mariana/MG. Logo, a liberação do FGTS vai ao encontro da premência de recursos materiais para municiar as famílias no enfrentamento da pandemia. *Thaís de Siqueira Campos Azevedo é advogada graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e graduanda em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, palestrante, membro da comissão de estudos de Direito e Processo do Trabalho da OAB/RJ e membro da comissão de Direitos Sociais da ABA Nacional, sócia e fundadora do escritório Thaís de Siqueira Campos Advocacia. **Roberta de Vargas Ferreira Manfredi é advogada, graduada em Direito pela FDV- Faculdade de Direito de Vitória, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela LFG e pelo IBMEC/RJ, palestrante, membro da Comissão de Óleo e Gás da OAB/RJ, sócia e fundadora do escritório Manfredi & Marques Advogados Associados.  __________ 1 TRT-7 - RO: 00003010520205070008. 2 TRT-1 - RO: 01003298020205010029. 3 TRT-3 - RO: 00103361020205030178. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. 8 Disponível aqui. 9 Disponível aqui. 10 Disponível aqui. 11 Disponível aqui. 12 Disponível aqui. 13 Disponível aqui. 14 Disponível aqui.
Você conhece a Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006, que vou chamar aqui de LMP)? Se não conhece, deveria. A LMP é considerada um dos instrumentos jurídicos mais avançados do mundo para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela se aplica aos casos em que a violência é praticada contra a mulher, por questão de gênero, em um contexto familiar doméstico ou em uma relação íntima de afeto, que resulte, dentre outros, em morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A violência de gênero, que a LMP combate, é a expressão máxima da discriminação contra a mulher. 1. Do que se trata quando falamos em violência de gênero?  Gênero é a construção social que organiza e interpreta as diferenças biológicas entre homens e mulheres. As relações de gênero são os famosos "papéis" que homens e mulheres se sentem socialmente destinados a desempenhar. Por exemplo: mulher é dócil e homem é competitivo, mulher cuida da casa e homem gerencia a empresa, mulher cuida da família e homem dos negócios. Esses papéis são socialmente/culturalmente distribuídos de forma desigual, cabendo à mulher uma posição subalterna nessa relação. Violência de gênero, portanto, é a que decorre dessa relação artificial de dominação do masculino sobre o feminino, a qual é estruturante da nossa sociedade. A assimetria de poder entre homens e mulheres é reforçada pela ideologia patriarcal, que compreende, grosso modo, mulheres como seres inferiores aos homens. Mulheres são perseguidas e maltratadas pelo fato de serem mulheres. Mulheres são mortas pelo fato de serem mulheres. O feminicídio é prova incontestável da afirmação. Um dos grandes méritos da LMP foi o de nomear e qualificar os tipos de violência de gênero: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Até o surgimento da Lei, muitas mulheres vivenciavam a violência doméstica em silêncio, pois não havia o reconhecimento expresso por um instrumento legal de que estavam sendo vítimas de uma conduta abusiva. A LMP não cria crimes. Ela descreve condutas que são consideradas como violentas, sendo que algumas destas condutas podem corresponder a tipos penais e outras não. Não é, portanto, um instrumento legal a serviço do direito penal. Uma mulher pode sofrer violência psicológica sem que o ato corresponda a um crime, mas nem por isso ele deixará de merecer a devida proteção.   2. Dimensão pedagógica da Lei Maria da Penha nas relações de trabalho  A LMP tem âmbito de aplicação restrito: suas medidas se aplicam às violências ocorridas no contexto familiar, doméstico ou em uma relação íntima de afeto. Sendo assim, como podemos aplicá-la às relações de trabalho? A resposta que proponho é: valendo-nos da sua dimensão pedagógica. Em outras palavras, ainda que tecnicamente a LMP não se circunscreva às violências de gênero praticadas fora do ambiente doméstico, nada impede que ela seja norteadora das medidas a serem adotadas pelas empresas para prevenir e coibir a violência contra as mulheres no local de trabalho. Para começo de conversa, precisamos compreender que o ambiente de trabalho é uma extensão da sociedade. Se vivemos em uma sociedade notoriamente violenta contra as mulheres, o ambiente de trabalho naturalmente reproduz essas relações de dominação e submissão. Nas relações de trabalho, a discriminação de gênero se verifica a partir da divisão sexual de trabalho, ideia artificial de que existem "trabalhos de homens" e "trabalhos de mulheres", sendo que os "trabalhos de homens" são aqueles melhor remunerados e reconhecidos como de maior valor, enquanto os "trabalhos de mulheres" têm ligação com o espaço doméstico, de cuidado com os outros e subvalorizados economicamente. Sendo a violência uma expressão da discriminação, os efeitos do fenômeno no mundo do trabalho não fogem à regra. Pesquisas apontam que as mulheres são as maiores vítimas de assédio moral e assédio sexual no trabalho. Quando compreendemos a dinâmica da violência de gênero, torna-se possível reconhecer que, assim como ocorre no espaço doméstico e familiar, no ambiente de trabalho as violências estão amparadas em papéis artificiais de domínio que incumbem aos homens, e de submissão reservados às mulheres. Mulheres também são violentadas no trabalho porque estruturalmente compreendidas como seres inferiores em direitos e oportunidades. Relacionamentos de trabalho podem ser abusivos ou tóxicos, assim como relacionamentos familiares e afetivos, porque todas as interações sociais entre homens e mulheres são permeadas por clivagens de gênero. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece que a violência e o assédio no trabalho implicam violação aos direitos humanos e são, em última instância, uma ameaça à igualdade de oportunidades e ao trabalho decente. As recentes Convenção 190 e Recomendação 206, ambas da OIT, que tratam de violência e assédio no trabalho, reconhecem a "violência e assédio de gênero" dirigidos contra as pessoas com base em seu sexo ou gênero, ou que afetam desproporcionalmente pessoas de um sexo ou gênero específico. Compreender os assédios moral e sexual nas relações de trabalho quando praticados contra a mulher como atos de violência de gênero, nos termos da LMP, permite enfrentar o problema atribuindo-lhe a gravidade e importância que exige. De fato, o que é o assédio moral, senão uma clara situação de violência psicológica, tal qual descrita na LMP? Veja o que diz a lei quando conceitua violência psicológica: "qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação." No mesmo sentido, o assédio sexual no trabalho, além de poder, em certas circunstâncias, configurar crime, é exemplo típico de violência sexual nos termos da LMP, entendida como "conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos". 3. Aplicação prática da dimensão pedagógica da Lei Maria da Penha às relações de trabalho Compreendidos o assédio moral e sexual como espécies de violência de gênero, nos termos da LMP, como podemos nos valer, na prática, da sua dimensão pedagógica nas relações de trabalho? Entendo que a leitura integrada da LMP, da Convenção 190 da OIT, da Recomendação 206 da OIT, e do decreto 9.571/2018, o qual regula as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos humanos, tudo oferece importante direcionamento para os programas de compliance nas empresas. Tomando-se, como exemplo, as diretrizes que a LMP dita para balizar o atendimento da vítima de violência doméstica pela autoridade policial. As empresas podem estabelecer direcionamento específico para apurar denúncia de assédio, moral ou sexual, contra mulheres, como por exemplo: (i) salvaguardar a integridade física, psíquica e emocional da trabalhadora vítima de assédio; (ii) garantir que, em nenhuma hipótese, ela permanecerá em contato com o agressor; (iii) não permitir sua revitimização, mediante sucessivas inquirições sobre os mesmos fatos, ou questionamentos sobre sua vida privada. Os cuidados para a inquirição da trabalhadora denunciante também devem ser os mesmos dispensados às vítimas de violência doméstica pela Lei Maria da Penha, como: (i) proceder à sua inquirição em ambiente reservado; (ii) se possível, que a escuta seja intermediada por profissional preparada para compreender as sutilezas das relações de gênero; e (iii) registrar o depoimento em meio eletrônico ou magnético, para que seja possível o acesso à degravação pela denunciante ou autoridades. Outras medidas podem ser previstas pelo regulamento interno da empresa, inspiradas na LMP, como o direito da mulher denunciante, se assim desejar, ser imediatamente removida do setor ou transferida de função sem quaisquer represálias ou consequências negativas. A Lei Maria da Penha é instrumento legal que tem por finalidade garantir que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goze dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, tendo asseguradas oportunidades e facilidades para viver sem violência. É também objetivo da LMP ver asseguradas, às mulheres, as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Os valores assegurados pela Lei Maria da Penha servem a todas as mulheres, em todos os ambientes da vida interpessoal e representa, em última análise, a garantia dos direitos humanos. Deve, portanto, nortear o combate e erradicação da violência contra a mulher em todas as suas manifestações e tomada como farol no ambiente corporativo. *Denise Pasello Valente é advogada, doutora e mestre em Direito do Trabalho pela USP. Idealizadora do perfil no Instagram @_calabocajamorreu para a defesa dos direitos das mulheres.
Após um ano do início da pandemia no Brasil algumas questões importantes que surgiram em razão das mudanças causadas pela Covid-19 nas relações de trabalho continuam sem regulamentação e seguem gerando dúvidas, insegurança e muito debate. Dentre muitos outros temas controvertidos que padecem de legislação específica, se destacam o home office, a Covid-19 como doença ocupacional e vacinação dos empregados. Dados divulgados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em 17 de março de 2021, demonstram que a Instituição recebeu mais de 40 mil denúncias relacionadas à Covid-19 entre março de 2020 e março de 20211. E um dos temas de maior controvérsia se relaciona ao pagamento das horas extras para os empregados em home office.  Na cartilha educativa "Teletrabalho - o trabalho de onde você estiver", o TST conceitua o home office como uma espécie da modalidade de teletrabalho2. Logo, apesar de opiniões contrárias, fato é que sendo o home office um termo específico para conceituar o teletrabalho realizado em casa, a ele se aplicando os artigos celetários sobre a matéria. Por força do artigo 62, inciso III, da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017)3, empregados em regime de teletrabalho (e, portanto, empregados em home office) estão excluídos das regras relacionadas ao controle de jornada e pagamento de horas extras. No entanto, a temática ainda gera muito debate. Em 2017, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) aprovou o Enunciado 214, que dispõe que, nos casos em que for possível o controle de jornada, ainda que indireto ou por meios informatizados ou telemáticos, o empregador deve pagar pelas horas extras eventualmente laboradas pelos empregados em teletrabalho. Na mesma linha, em outubro de 2020, o Ministério Público do Trabalho (MPT) editou a Nota Técnica nº 17/20205, com o objetivo de proteção da saúde e demais direitos fundamentais dos empregados em trabalho remoto ou home office, na qual recomendou às empresas a observância da jornada contratual nas atividades em home office, bem como a adoção de mecanismos de controle da jornada nesse regime. A seu turno, para a jurisprudência trabalhista, caso haja possibilidade de controle da jornada de trabalho por qualquer meio informatizado de comando (celular corporativo, login e logoff de sistema, whatsapp, dentro outros) ou na hipótese de determinação de jornada de trabalho, o empregado em home office terá direito a horas extras. Atualmente, já existem projetos de lei que se propõem a regulamentar o tema. O PL 5581/2020 apresentado perante a Câmara dos Deputados, por exemplo, dispõe de forma que os empregados em home office não terão direito a horas extras, desde que não haja estabelecimento de jornada no contrato de trabalho. Para os casos de determinação expressa de horário, a empresa deverá realizar controle de horas por qualquer meio idôneo. Outro aspecto polêmico em relação ao home office se relaciona com a obrigatoriedade de fornecimento de infraestrutura necessária e adequada à prestação de serviços, incluindo acesso à internet, energia elétrica, telefone e mobiliário, bem como fornecimento de equipamentos de proteção e infraestrutura com o propósito de garantir que o ambiente de trabalho remoto esteja em condições ergonômicas adequadas. Em relação à tal questão, a MP 927/2020, editada para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus, trazia disposição específica sobre a matéria6. O texto legal previa que na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do serviço em regime de home office, o empregador deveria fornecer os equipamentos em comodato ou pagar pela infraestrutura necessária. Embora referida MP tenha pedido a validade em 19 de julho de 2020, alguns advogados militam a tese que suas disposições devem ser aplicadas, por analogia, quando há imposição do regime de home office pelo empregador. O dispositivo legal que atualmente disciplina a matéria é o artigo 75-D da CLT7, também incluído pela Reforma Trabalhista de 2017, que dispõe que no teletrabalho referidas utilidades devem estar previstas no contrato de trabalho ou aditivo contratual, não havendo disposição sobre a responsabilidade pelo fornecimento de tais insumos pelo empregador. De acordo com a lei, portanto, desde que mediante ajuste escrito, os custos podem ser divididos entre empregado e empregador, ou, ainda, custeados por apenas uma das partes. Apesar de referida disposição legal, existe uma corrente doutrinária que defende que, tratando-se de ferramenta de trabalho, seus custos deveriam correr por conta do empregador, em razão do princípio da alteridade que deve reger a interpretação do artigo 75-D da CLT. Nesta linha, dispõe a ANAMATRA que as despesas com teletrabalho devem ser suportadas exclusivamente pelo empregador8, uma vez que o empregador não pode transferir ao empregado os custos dessa modalidade de prestação de serviços.  Por sua vez, na Nota Técnica nº 17/20209, o MPT orienta que as empresas devem observar os parâmetros de ergonomia para empregados em home office, "oferecendo ou reembolsando os bens necessários ao atendimento dos referidos parâmetros, nos termos da lei". Em recente julgado da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em processo movido em face da Gol Linhas Aéreas S/A (Processo 1000197-66.2018.5.02.0020)10, o Colegiado entendeu que as despesas para o trabalho em home office - como uso de espaço físico, energia elétrica, internet, material de trabalho em geral, computador e mobiliário de escritório - podem estar incorporadas ao salário pago, desde que isso esteja expressamente previsto em aditivo no contrato de trabalho. Para resolver o impasse, o já citado PL 5581/2020 propõe que as empresas que optarem pelo teletrabalho de modo integral deverão fornecer os equipamentos de proteção e infraestrutura com o propósito de garantir que o ambiente esteja em condições ergonômicas adequadas; ou, de forma alternativa, pagar indenização correspondente. Já o fornecimento da infraestrutura necessária e adequada à prestação de serviços, incluindo acesso à internet, energia elétrica, telefone e mobiliário, seria facultativo. Outros temas que margeiam o home office permanecem controvertidos diante da ausência de legislação específica, como os que se relacionam ao reconhecimento do acidente de trabalho ou doença ocupacional no âmbito da residência, direito à desconexão, garantia à privacidade e intimidade, enquadramento sindical, tratamento da jornada de trabalho do modelo híbrido, dentre outros. A ausência de norma legal para regulamentação da matéria tem gerado incerteza e dificuldade no planejamento das atividades por parte das empresas que se utilizam do home office. Mas não apenas as questões sobre home office foram provocadas pela pandemia. Uma temática que passou a gerar muita discussão em 2020 se relaciona com a caracterização ou não da Covid-19 como doença ocupacional. De acordo com dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho11, a Covid-19 já ocupa o terceiro lugar no ranking dos principais motivos de afastamento dos profissionais no trabalho e foram concedidos 37.045 auxílios-doença em decorrência da infecção por coronavírus em 2020. A controvérsia sobre a Covid-19 ser ou não doença ocupacional teve início em abril de 2020, quando o Supremo Tribunal Federal (STF)12 suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 92713, que estabelecia que a Covid-19 apenas seria considerada doença ocupacional no caso de comprovação de nexo causal entre a doença e o trabalho desempenhado. A derrubada do referido dispositivo deu margem para interpretação de que a Covid-19 seria presumidamente caracterizada como ocupacional. Em 1º de setembro de 2020, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.309, incluindo a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho e, no dia seguinte, cancelou os efeitos da norma, evidenciando a insegurança jurídica associada ao assunto. A questão ganhou ainda mais relevância em 11 de dezembro de 2020, quando o MPT editou a Nota Técnica nº 20/202014, com o objetivo de promover e proteger a saúde do trabalhador, passando a considerar a Covid-19 como doença ocupacional e a exigir a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para qualquer contaminação de empregados pela Covid-19. Em seguida, o Ministério da Economia divulgou a Nota Técnica - SEI nº 56.376/2020/ME15, reconhecendo que a Covid-19 pode ser definida como doença ocupacional apenas quando resultar das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionar diretamente. Diferentemente do entendimento do MPT, o Ministério da Economia defende que cabe à Perícia Médica Federal do INSS identificar a existência de nexo causal entre o trabalho e o contágio, não reconhecendo, portanto, a presunção em favor do empregado de que a doença resulta da atividade laboral do indivíduo. Com todo respeito a entendimentos contrários, essa nos parece ser a posição mais adequada. A Lei nº 8.213/91, que define o que é doença profissional e ocupacional, não considera como doenças relacionadas ao trabalho aquelas originadas de contextos endêmicos, a não ser que seja comprovado que a contaminação ocorreu em função de exposição decorrente diretamente do ambiente de trabalho16. Nesta perspectiva, como parte da jurisprudência entende que a Covid-19 é considerada uma doença endêmica, a Covid-19 apenas poderia ser considerada como doença do trabalho na hipótese de comprovação do nexo causal entre a doença e as atividades desenvolvidas. Logo, justamente em razão da preocupação da sociedade em prevenir e frear a propagação da Covid-19, inclusive no ambiente corporativo, em 2021 todas as atenções se voltaram ao Plano Nacional de Vacinação. Para os efeitos trabalhistas, referida preocupação se materializou no debate originado em torno da possibilidade de imposição de sanções aos empregados que se recusarem a tomar a vacina. Em 17 de dezembro de 2020, o STF decidiu que a União, os Estados e os Municípios poderiam estabelecer a compulsoriedade da imunização e impor restrições para quem decidir não se vacinar17. Seguindo o mesmo raciocínio, iniciou-se grande debate sobre a vacinação obrigatória ser condição para os empregados retornarem ou iniciarem o trabalho presencial. Para o MPT, por meio do Guia Técnico Interno sobre Vacinação editado em 28 de janeiro de 202118,  salvo situações excepcionais e plenamente justificadas (v.g., alergia aos componentes da vacina e contraindicação médica), não há direito individual do trabalhador a se opor à vacinação, desde que a vacina esteja aprovada pelo órgão competente (ANVISA), seja prevista no plano nacional de vacinação ou tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei e conste das ações das empresas. Nesse contexto, se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, observados os pressupostos incluídos no referido Guia, incluindo o direito ostensivo à informação, a empresa poderia aplicar, em último caso, a demissão por justa causa. Sobre o tema, em entrevista para a Folha de São Paulo19, a Ministra Presidente do TST, Maria Cristina Peduzzi, afirmou que "É difícil enquadrar como justa causa a recusa do empregado à vacinação, mas não se deve ignorar que a lei impõe ao empregador manter ambiente de trabalho saudável". A Constituição Federal, no artigo 7º, inciso XXII, garante como direito dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", motivo pelo qual nos filiamos à corrente que dispõe que as empresas não só podem, como devem garantir um ambiente de trabalho salubre, por meio de adoção de regras e protocolos de segurança para prevenção e redução do contágio pelo coronavírus, incluindo programa específico acerca da obrigatoriedade de vacinação, com imposição de sanções aos que recusarem a tomar a vacina de maneira injustificada. Em 2020, já falávamos na urgência na flexibilização das normas trabalhistas diante da Covid-19. Um ano depois, renovamos as mesmas expectativas e insatisfações diante da ausência de avanço legislativo. Não é demais lembrar que o artigo 8º da CLT dispõe que na hipótese de ausência de lei, as autoridades administrativas e as Cortes Trabalhistas devem considerar a preponderância do interesse público sobre o privado. Portanto, enquanto os temas polêmicos ora tratados não sejam objeto de legislação específica, justamente em razão do clamor público de se manter os empregos e atenuar os reflexos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da Covid-19, fixamos nossa posição de premência do reconhecimento da possibilidade de se flexibilizar os direitos trabalhistas, em especial por meio de acordos entre empregado e empregador, como mecanismo de preservação do interesse público e da continuidade da atividade empresarial no país. *Valéria Wessel S. Rangel de Paula é head da área trabalhista do Castro Barros Advogados. Graduada pela Faculdade de Direito no Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Trabalho pela PUC/SP e com MBA Executivo em Gestão Estratégica e Econômica de RH, na FGV.  __________ 1 Disponível aqui. Acessado em 30/03/2021, às 12h41min. 2 Disponível aqui. Acessado em 30/03/2021, às 12h44min.  3 DEL5452 (planalto.gov.br) - Acessado em 29/03/2021, às 20h21min Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (...) III - os empregados em regime de teletrabalho.(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) 4 Enunciado 21 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA. TELETRABALHO. CONTROLE DE JORNADA Reforma Trabalhista. Art. 62, inciso III/CLT. Controle efetivo da jornada. Nos casos em que for possível o acompanhamento ou controle indireto da jornada de trabalho pelo empregador, ainda que por meios informatizados ou telemáticos, o princípio do contrato realidade impõe a interpretação do dispositivo em epígrafe de acordo com o disposto no art. 7°, inciso XIII, da CF/88, art. 7°, "d" do PIDESC e art. 7º, "g", do Protocolo de San Salvador, garantindo ao trabalhador o direito às horas extras trabalhadas. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (2017) - 9 e 10 de outubro de 2017. 5 Disponível aqui. Acessado em 30/03/2021, às 12h52min. 6 MPV 927 (planalto.gov.br) - Acessado em 29/03/2021, às 20h31min. Art. 4º  (...) § 3º  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho. § 4º  Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância: I - o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador. 7 DEL5452 (planalto.gov.br) - Acessado em 29/03/2021, às 20h21min Art. 75-D.  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) 8 Enunciado 70 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA. TELETRABALHO: CUSTEIO DE EQUIPAMENTOS. O contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e sobre a forma de reembolso de despesas do teletrabalho, mas não pode transferir para o empregado seus custos, que devem ser suportados exclusivamente pelo empregador. Interpretação sistemática dos artigos 75-D e 2º da CLT à luz dos artigos 1º, IV, 5º, XIII e 170 da Constituição da República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (2017) - 9 e 10 de outubro de 2017. 9 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 12h52min. 10 Processo nº 1000197-66.2018.5.02.0020 (RO); Órgão Julgador: 3ª Turma; Juiz Relator: Paulo Eduardo Vieira de Oliveira; Data da disponibilização: 04/12/2019. 11 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 13h12min. 12 As ações foram ajuizadas pelo Partido Democrático Trabalhista (ADI 6342), pela Rede Sustentabilidade (ADI 6344), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADI 6346), pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348), pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) conjuntamente (ADI 6349), pelo partido Solidariedade (ADI 6352) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (ADI 6354). Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 14h01min. 13 MPV 927 (planalto.gov.br) - Acessado em 30/03/2021, às 13h20min. Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. 14 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 13h31min. 15 Disponível aqui, às 13h32min. 16 L8213consol (planalto.gov.br) - Acessado em 30/03/2021, às 14h03min. Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: (...) § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. 17 Processos ADIns 6.586 e 6.587 e ARE 1.267.879. Por maioria, os ministros fixaram a seguinte tese: I - A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras: a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei ou dela decorrentes e: tenham como base e evidência científica e análises estratégicas pertinentes; venham acompanhadas de ampla informação sobre eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes; respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam os critérios de proporcionalidade e razoabilidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; II - Tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União, como pelos Estados, DF e municípios, respeitadas as respectivas esferas de competências. 18 Disponível aqui, Acessado às 14h13min. 19 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 14h15min.
Estabilidade do dirigente sindical Em decisão recente, a 4ª Turma do Colendo Tribunal Superior do Trabalho se posicionou sobre a estabilidade provisória do dirigente sindical, ainda que o sindicato não possua a comprovação do seu registro no órgão competente (ARR-1393-06.2016.5.20.0005, DEJT de 31.07.2020): A ausência de comprovação desse registro, contudo, não pode impedir a eficácia (produção dos efeitos) dos atos praticados pelo sindicato, sob pena de ser criada uma presunção negativa de existência do próprio sindicato.  No caso em tela, o obreiro foi dispensado sem justa causa e alegou a estabilidade por ser dirigente sindical. Entretanto, no momento da dispensa, havia sido formado apenas um rascunho inicial do Sindicato, eis que ainda não existia pedido de registro do sindicato no órgão competente. Frise-se que essa decisão não é isolada, sendo um entendimento que já está sendo consolidado nos Tribunais Superiores. A SBDI-2 já havia decidido nesse mesmo sentido no processo ROAR-1276800-48.2007.5.02.0000, em decisão não tão recente.  A garantia provisória no emprego, outorgada em favor do empregado desde o registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical, estendendo-se até 1 (um) ano após o final do respectivo mandato, mesmo na condição de suplente, foi reconhecida, de início, em sede legislativa (art. 543, §3º, CLT), vindo, em momento subsequente, a qualificar-se como direito subjetivo, de índole social, impregnado de estatura constitucional, cuja base normativa repousa no art. 8º, inciso VIII, da Constituição, que assim dispõe: Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: [...] VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. O texto consolidado, que foi recepcionado (em parte) pela Constituição da República, já possuía texto semelhante ao constitucionalmente estabelecido e dispõe sobre a garantia provisória do dirigente sindical desde o registro da sua candidatura até um ano após o mandato, senão vejamos: § 3º - Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação. Da literalidade do texto constitucional extrai-se que a estabilidade somente alcança o membro de cargo de direção ou representação sindical e assim somente atinge os membros da Diretoria (ou órgão correspondente), mas não se aplica aos membros do Conselho Fiscal. Dicção da Orientação Jurisprudencial nº 365, da SDI-I do TST. Extrai-se também do texto constitucional que somente adquirirá a estabilidade o empregado eleito para o cargo, ou seja, não serão detentores de estabilidade os trabalhadores que recebam a atribuição por delegação, tais como os trabalhadores dirigentes do sindicato patronal ou aqueles a quem incumbir por nomeação a atribuição para o exercício desse mister. Limitação pacificada pela jurisprudência do TST nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 369 da SDI-I. Cabe aqui um destaque de que há uma forma de monopólio implícita no sistema de organização sindical. Como são os únicos entes legitimados para a representação dos trabalhadores no trato coletivo com os empregadores, os sindicatos afastam a autonomia privada dos trabalhadores para estabelecer as condições de trabalho em instrumento coletivo, que incidirão no contrato individual de trabalho. A estabilidade do dirigente sindical surge, então, como uma garantia ao exercício da representação coletiva, pois permite ao trabalhador incumbido da gestão sindical desenvolver seu mister sem receio de sofrer retaliações pelo seu empregador. É também fundamental observar que o sindicato necessita do cumprimento de duas fases para a sua existência e são elas: a fundação e o registro em órgão competente. Na fundação, há o registro em cartório que serve para conferir à entidade sindical a existência legal da pessoa jurídica, nos termos do art. 45 do Código Civil de 2002, e a respectiva publicidade inerente aos serviços registrais, conforme a lei 6.015/73. No entanto, seus efeitos são limitados, pois até esse momento a entidade tem apenas a característica de uma associação, não havendo capacidade de representação de sua categoria perante o sistema sindical brasileiro. A efetivação da personalidade jurídico-sindical se volta ao órgão competente para reconhecer a validade da fundação do sindicato e conferir o respectivo registro tratado no inciso I do art. 8º da CRFB que, atualmente, é o Ministério da Economia. Aqui cabe uma observação quanto ao registro sindical, criado com a Lei de Sindicalização, Decreto 19.770, de 19 de março de 1931, pois essa formalidade legal condicionava a existência da entidade de representação sindical ao reconhecimento mediante registro no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Tal controle se manteve mesmo na breve experiência pseudo-pluralista do decreto 24.694 de 1934 e com o decreto-lei 1.402 de 1939, quando o registro assumiu importância decisiva para transformar as associações sindicais em aparelhos do sistema corporativista como órgãos de colaboração com o Estado. A Consolidação das Leis do Trabalho de Vargas incorporou à legislação sindical de tutela repressiva o registro com significado de reconhecimento ou credenciamento que assegurava o controle estatal. E, mais, a Constituição de 1988 veda a exigência de autorização do Estado para a fundação de sindicato, mas ressalva o registro no órgão competente.  Assim, para se mostrarem legitimados à negociação coletiva, os sindicatos devem respeitar algumas regras, dentre elas a de ter seus atos constitutivos regularmente registrados junto ao Ministério da Economia, que é o órgão responsável, no momento do registro sindical, pela verificação do respeito à unicidade sindical. Destarte, embora vede ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, o texto constitucional estabelece a possibilidade de exigência legal do registro no órgão competente, não indicando o órgão destinado a efetuá-lo. Face ao imbróglio estabelecido, em 03 de agosto de 1992, a Associação Profissional dos Bombeiros Civis após ter o pedido de registro sindical sobrestado pelo Ministério do Trabalho -  até que fosse editada a regulamentação estabelecendo a quem competiria realizar o registro - propôs o Mandado de Injunção 144-8/SP para que o Supremo Tribunal Federal provocasse o Congresso Nacional a editar a respectiva norma regulamentadora. O entendimento do Supremo Tribunal Federal, no entanto, foi em sentido oposto. Segundo os ministros do STF - em decisão norteadora que pôs fim à celeuma previamente estabelecida - não haveria lacuna a ser suprimida na regra do art. 8, I da CRFB/88. A partir da análise do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, podem ser extraídas três grandes conclusões deste julgado: (I) Ficou estabelecida a competência legal do Ministério do Trabalho e Emprego para o registro das entidades sindicais, que desponta como corolário lógico da legislação pré-constitucional. (II)  Em seguida, concluiu-se que o Ministério do Trabalho se mantinha como órgão competente para zelar pelo princípio da unicidade sindical. (III)  E por fim, restou declarado no referido mandado de injunção que o registro sindical é requisito necessário à aquisição da personalidade jurídico-sindical, e não apenas cadastro de entidades sindicais. Em 2003, após diversos julgamentos relativos ao registro sindical, o Supremo Tribunal Federal, enfim, fixa sua jurisprudência quanto ao tema através da Súmula 677, estabelecendo a competência do Ministério do Trabalho para proceder registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade, até que a lei viesse a regular a matéria, in verbis: "Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade."  Conclusão Conforme dito acima, uma entidade sindical sem registro no Ministério da Economia é apenas uma associação, já que não possui legitimidade para representar uma categoria profissional. O que garante a legitimidade de representação da categoria é o registro no Ministério da Economia e, desta forma, faz-se a discordância do decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho. Dissonante o entendimento do Colendo Tribunal Superior do Trabalho quando defende que não há exigência do registro sindical, para que se estabeleça a estabilidade do empregado que é dirigente sindical (ou seria melhor dizer dirigente de associação que tem pretensão de tornar-se sindicato?), sendo que  o Supremo Tribunal Federal sustenta que há a necessidade do aludido registro para que a categoria seja legitimamente representada, conforme entendimento no Agravo Regimental no RE 740.434/MA. A estabilidade do dirigente sindical existe para que este não sofra discriminação por parte do empregador, por estar lutando por melhorias para a categoria de trabalhadores. Mas essa categoria apenas pode ser representada por sindicato devidamente registrado no Ministério da Economia, para que haja a garantia da Unicidade Sindical. Desta forma, não deveria ser estendido o direito da estabilidade no emprego, disposto no artigo 543, §3º da CLT c/c 8º, inciso VIII, da CRFB, ao dirigente de sindicato sem registro, eis que esse sindicato não possui legitimidade para representação da categoria.  Bibliografia  BARRETO, André. O Direito de estabilidade de dirigente de sindicato sem registro sindical. Brasil de Fato. Pernambuco. 2020. Disponível aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2020. BOITO  Jr.,  Armando.  O Sindicalismo de Estado no Brasil: Uma Análise Crítica da Estrutura Sindical. Campinas: Editora da Unicamp. 1991. CONEXÃO TRABALHO. 1ª Turma do STF reafirma que legitimidade de sindicato em processos judiciais depende de registro sindical no Ministério do Trabalho. S.L. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021. GOLDBERG, Arthur. Trabalho: União ou Monopólio? Rio de Janeiro: Lidador. 1965. SPERB, Arthur Coelho. Afinal quando nasce o sindicato? Jus.com.br. 2011. Disponível aqui. Acesso em 17 de fevereiro de 2021. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. SDI-2 assegura estabilidade de dirigente de sindicato sem registro no MTE. Jus Brasil. S.L. 2010. Disponível aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2021.
sexta-feira, 5 de março de 2021

Acordo extrajudicial trabalhista

A Reforma Trabalhista, lei 13.467 de 2017, convalidou a possibilidade da realização do acordo extrajudicial entre o profissional e seu antigo empregador. Certo é que a citada reforma trouxe regras especificas para a formalização do pacto, tais como realização de petição do acordo extrajudicial de forma conjunta, sendo as partes representadas por advogados diversos. Assim, 15 (quinze) dias após a distribuição do Termo de Acordo Extrajudicial, o juiz responsável analisará a petição conjunta e, se necessário, designará audiência, e, ao final, proferirá a sentença. O prazo prescricional referente aos direitos constantes no termo do acordo estará suspenso, voltando a fluir no primeiro dia útil imediatamente após o trânsito em julgado da sentença que negar a homologação do acordo. Importante destacar que as partes poderão interpor recurso caso o juízo realize a prolação da sentença indeferindo ou deferindo parcialmente a homologação do acordo pretendido pelas partes. Destaca-se que o regramento do Acordo Extrajudicial está previsto nos artigos 855-B ao 855-E da CLT. Ocorre que há grande discussão quanto aos alcances e efeitos da homologação do Acordo Extrajudicial constando cláusula de quitação geral e irrestrita ao extinto contrato de trabalho, e não apenas aos direitos descritos na petição conjunta. Recentemente, o TRT/MG da 3ª região ratificou a sentença do Juiz da Vara do Trabalho que não homologou o acordo extrajudicial. O acordo previa cláusula de quitação geral, não podendo o obreiro reclamar qualquer valor ou direito decorrente do extinto pacto laborativo. O Juízo de 1ª Instância não homologou o acordo, de modo que as empresas recorreram, sendo o recurso improvido. O Desembargador relator decidiu que "Não se pode admitir que o acordo extrajudicial contenha cláusula que represente renúncia total a direitos trabalhistas e ao direito de ação (artigo 5º, XXXV, da Constituição da República)", bem como que "a eficácia geral à homologação extrajudicial viola a Súmula 330 do TST, que prevê que a quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo, e a quitação irrevogável do extinto contrato de trabalho ofende o princípio da inafastabilidade da jurisdição, pelo qual não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito" (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição).  O TRT da 3ª região destacou que não foi regularmente comprovada a base de cálculo relativa ao valor acordado entre as partes, vez que não foi apresentado documento referente à rescisão do contrato de trabalho que demonstrasse a adequação dos valores descritos no acordo e a regularidade dos depósitos relativos ao FGTS, contrariando, portanto, o previsto na legislação trabalhista e atraindo a nulidade disposta no artigo 166, inciso II do CC.  Contudo, para o Tribunal Superior do Trabalho - TST, em decisão prolatada no Processo nº 1000015-96.2018.5.02.0435, não cabe a Justiça questionar a vontade das partes envolvidas.  No caso em tela, a empresa e seu ex-funcionário celebraram o Termo de Acordo Extrajudicial em virtude do extinto contrato de trabalho havido entre as partes, dando quitação geral e irrestrita a quaisquer direitos e/ou valores decorrentes daquele. Sendo certo, ainda, que a entidade empresarial assumiu deveres e concedeu vantagens que não estavam previstas em lei, ao profissional.  No entanto, o juiz de primeira instância homologou parcialmente o acordo, sob o argumento de que é válida a quitação apenas relativa às verbas e aos direitos constantes no acordo.  O ministro relator, Ives Gandra, ratificou, como visto preteritamente, que o artigo 855-B da CLT balizou a apresentação do Termo de Acordo Extrajudicial passível de homologação pela Justiça do Trabalho, constatando que as partes respeitaram integralmente o que dispõe a legislação em vigor e que a petição em conjunta demonstra a anuência mútua dos interessados em encerrar o contrato de trabalho.  O ministro frisou, ainda, em sua excelente decisão, que a atuação da Nobre Justiça do Trabalho é de não homologar ou homologar em sua integralidade o acordo realizado pelas partes, ou seja, "não lhe é dado substituir-se às partes e homologar parcialmente o acordo se este tinha por finalidade quitar integralmente o contrato de trabalho extinto". Assim, constata-se que o acordo extrajudicial poderá sim conceder ampla e irrestrita quitação ao extinto contrato de trabalho, desde que fique comprovado de forma robusta e contundente que os direitos e deveres decorrentes da rescisão do pacto laborativo estão sendo fiel e integralmente quitados.  Logo, não caberia a Justiça do Trabalho, em qualquer hipótese, sendo respeitado todo o regramento legal trabalhista e os demais requisitos gerais do negócio jurídico, questionar a vontade das partes. Daí porque ratifica-se que o Termo de Acordo Extrajudicial poderá ser um grande aliado empresarial na diminuição do passivo trabalhista, evitando, assim, que ex-funcionários ajuízem reclamatórias trabalhistas, notadamente porque no citado acordo estarão previstos e quitados todos os direitos e valores que os antigos funcionários eventualmente façam jus, constando, ainda, a cláusula de quitação geral ao extinto contrato de trabalho. *Rodrigo da Costa Marques é sócio coordenador do núcleo trabalhista do escritório Nelson Wilians Advogados, Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes (Niterói - RJ), com curso de pós-graduação - Direito e Processo do Trabalho - Universidade Candido Mendes, advogado com 11 anos de experiência, responsável pelo gerenciamento de equipes de advogados e de carteiras de clientes para atuação em processos judiciais e administrativos, além de elaboração de pareceres, relatórios de Assessoria Empresarial, estruturação e criação de projetos para redução de passivo trabalhista.  Fonte Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Laboratório e gerente conseguem homologação de acordo extrajudicial para encerrar contrato. Justiça do Trabalho rejeita acordo extrajudicial com cláusula que representava renúncia total de direitos.
No final de dezembro de 2020, foi sancionada a "nova" Lei de Recuperação Judicial e Falências. Desde o dia 23 de janeiro de 2021, estão valendo as novas regras da lei 14.112/2020, que reformulou a lei 11.101/2005. A mudança da legislação pode ser considerada uma das grandes apostas do Governo Federal na busca da recuperação da economia do país para este ano de 2021, contribuindo ainda para o célere restabelecimento da saúde financeira das empresas. O objetivo da Recuperação Judicial é evitar que uma empresa "quebre". A ideia não é apenas ajudar os empresários (donos do negócio), mas evitar que o índice de desemprego aumente ainda mais. A lei moderniza o sistema e prioriza a efetiva continuidade das atividades empresariais, considerando a importância social da empresa e a manutenção dos postos de trabalho. É verdade que, diante da crise causada pela Covid-19, o país segue suportando os trágicos efeitos da pandemia. As medidas de isolamento e distanciamento social refletem diretamente na economia do país. A pandemia acelerou a transformação da sociedade e da economia de praticamente uma década em um ano, em todo o mundo, conduzindo a economia mundial ao pior desempenho desde a Segunda Guerra Mundial. É obvio que no Brasil a história não seria diferente, afinal, segundo dados do IBGE, mais que 500 mil empresas encerraram suas atividades devido à crise atual. Em recente entrevista, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Luis Felipe Salomão, destacou que: "A expectativa é que até 80% das empresas vão enfrentar algum tipo de dificuldade decorrente da atual crise global. Este momento tão delicado demanda do Judiciário, cada vez mais, planejamento e estratégia para se evitar maiores prejuízos sociais e econômicos". Sua Excelência está à frente do recém-lançado estudo Métricas de Qualidade e Efetividade da Justiça Brasileira: o tempo e o custo de um processo de recuperação de crédito, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A Recuperação Judicial é vista como medida de reestruturação econômica por meio da qual empresas conseguem regularizar o seu passivo com descontos consideráveis, se protegendo, inclusive, de eventuais penhoras, podendo servir de instrumento para alavancar empresas em dificuldade. O empresário busca, através da Recuperação Judicial, um meio para evitar que a sua empresa seja levada a falência. O processo da recuperação permite que as empresas renegociem suas dívidas acumuladas em um momento de crise, recuperando suas atividades e evitando a dispensa de funcionários. Ao ingressar com o pedido, a empresa obtém o direito de suspender os pagamentos aos credores, recebendo ordem judicial autorizativa para que, durante o processo da Recuperação Judicial, efetue o pagamento apenas dos funcionários, da matéria prima e produtos essenciais para o devido funcionamento da empresa. A principal inovação com a nova legislação é a possibilidade de o devedor contratar um financiamento junto as instituições bancárias utilizando bens pessoais e até mesmo de outras pessoas como garantia, constituindo-se numa possibilidade de a empresa garantir seu fluxo de caixa. Diante da crise enfrentada pela empresa é comum que os bancos deixarem de emprestar dinheiro, devido ao alto risco de inadimplemento. Com a reforma legislativa, o empréstimo depende de autorização judicial, e caso a falência seja decretada antes da liberação do valor total do financiamento, o contrato será automaticamente rescindido, sem multas e encargos. Além da possibilidade do citado financiamento, a lei traz algumas mudanças que asseguram a suspensão das execuções por um prazo de 180 dias (stay period), com a possibilidade de renovação pelo mesmo período, bem como autoriza o parcelamento das dívidas tributárias em até 120 meses, autorizando, ainda, o parcelamento de novos débitos. O texto também inova quando traz a possibilidade de os credores apresentarem um Plano de Recuperação, com o objetivo de resolver o conflito entre as próprias partes. Tal situação ocorrerá quando, na hipótese de o Plano de Recuperação do devedor ser rejeitado, a Assembleia poderá aprovar um plano de recuperação apresentada pelos credores. É importante destacar a existência da Recuperação Extrajudicial, que é um procedimento de negociação privada, entre empresa devedora e seus credores, embora precise ser homologado no Poder Judiciário. Ao contrário da proibição anteriormente em vigor, pela nova lei pode-se incluir os créditos trabalhistas ou por acidente de trabalho na Recuperação Extrajudicial, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional (art. 161). Tanto na Recuperação Judicial, quanto na Extrajudicial, o Plano é um título executivo, e, consequentemente, se a devedora não cumprir com o que foi devidamente apresentado, o credor poderá pedir, por corolário lógico, a execução do acordo ou entrar com um pedido de falência. Pois bem, diante das inovações da nova lei, vamos verificar as principais alterações na legislação em relação aos Créditos Trabalhistas.  Durante o processo de recuperação judicial, a consequência mais comum é a redução no quadro de empregados, onde ocorrem as demissões em massa. Os empregados de uma empresa em recuperação ou falida continuam a ter a preferência aos seus créditos. Aliás, se identificando a presente de algum ativo, ele será naturalmente utilizado para pagar as dívidas trabalhistas. As ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, permitindo pleitear perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação dos créditos trabalhistas, que serão inscritos no quadro geral de credores pelo valor determinado em sentença. A lei 14.112/2020 trouxe também como inovação a possibilidade da extensão do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas em mais dois anos (artigo 54, §2°), mantendo a regra geral do prazo de um ano, que agora poderá ser estendido, totalizando um prazo final de pagamento de até três anos, desde que cumpridos os requisitos legais de forma cumulativa, quais sejam: (i) apresentação de garantias que o juiz entenda serem suficientes; (ii) aprovação dos credores trabalhistas no quórum determinado pelo artigo 45, §2°, da LRF (maioria simples dos credores presentes); e (iii) garantia da integralidade dos créditos trabalhistas. Assim, cumpridos os requisitos acima mencionados, é permitida a ampliação do prazo do pagamento, mas sem aplicação concomitante do deságio. Ainda, o legislador silenciou quanto à incidência de juros e da correção monetária para a recomposição dos valores durante esse prazo adicional. Quanto à classificação dos créditos, houve alteração no artigo 83. Nesse sentido, os créditos derivados da legislação trabalhista limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidente de trabalho, permanecem em primeiro lugar na ordem de classificação. Outra alteração importante diz respeito à manutenção da natureza do crédito, ainda que este seja cedido a terceiros, ou seja, o crédito continuará preferencial na ordem de classificação, sendo revogado o §4° do artigo 83. Antes, os créditos trabalhistas cedidos a terceiros perdiam sua natureza e passavam a ser tratados como créditos sem preferência. Em se tratando de créditos extraconcursais, segundo a nova legislação, os créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência foram colocados em quarto lugar na ordem de preferência do art. 84. Antes disso, teremos o pagamento antecipado e indispensável à administração da falência, além dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador.  Neste atual cenário, nasceu juntamente com a nova legislação a possibilidade aos credores, quando se tratar de crédito trabalhista, que adjudiquem os bens alienados na falência ou os adquiram por meio de constituição de sociedade de fundo ou de outro veículo de investimento, com a participação, se necessária, dos atuais sócios do devedor ou de terceiros, ou mediante conversão de dívida em capital. Enfim, ao analisar todo o contexto e as novidades trazidas com a lei 14.112/2020, notam-se que os objetivos principais foram facilitar a recuperação das empresas, trazer maior celeridade e efetividade à liquidação das empresas, viabilizar o acordo entre as partes e, quando não houver acordo, garantir um procedimento em tempo razoável que permita a manutenção dos postos de trabalho, o pagamento dos credores e a recuperação do empresário. *Regiane Aurélia Bonin de Moraes é advogada trabalhista, graduada pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP/SP, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIMEP/SP, pós-graduanda em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista pelo IEPREV.
Quando a terceirização surgiu a ideia era de que os tomadores pudessem contratar serviços específicos, ou seja, alguém terceirizaria uma atividade que não era de sua expertise. Porém, com o passar do tempo, a contratação por intermediário ganhou novos contornos, e assim acabou por surgir o conceito de terceirização predatória (aquela que se dá com o objetivo direto de redução de encargos e destinação dos lucros). A terceirização nas relações de trabalho sempre foi um tema que dividiu opiniões e gerou debates calorosos. Se, de um lado, há quem entenda ser interessante privilegiar a eficiência do processo produtivo de acordo com a demanda, flexibilizando assim a espécie de contratação, de outro, defende-se que a terceirização tem o cunho de afastar o empregado da tutela jurídica que lhe busca conferir o Direito do Trabalho. De acordo com o Professor Sergio Pinto Martins: [...] a terceirização deriva do latim tertius, que seria o estranho a uma relação entre duas pessoas. Terceiro é o intermediário, o interveniente. No caso, a relação entre duas pessoas poderia ser entendida como a realização entre o terceirizante e o seu cliente, sendo que o terceirizado ficaria fora dessa relação, daí, portanto, ser terceiro.1 Ainda sobre o tema, o autor e ministro do TST Maurício Godinho Delgado descreveu: [...] Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhista, que se preservam fixados com uma entidade interveniente [...].2 Logo, resta evidente, que o fenômeno da terceirização contraria o clássico modelo bilateral, em que a relação empregatícia se estabelece entre o trabalhador e o tomador. Em relação ao arcabouço legal, convém destacar que não existe uma lei específica acerca de terceirização, como às vezes se faz crer na prática, o que se tem é uma legislação (lei 6.019/74) que trata de trabalho temporário, e que, na referida norma, foram inclusas algumas disposições sobre a terceirização em si. Mas pode-se firmar a tese de que a lei 6.019/74 não é capaz de regular e trazer segurança jurídica a todas as situações e percalços que podem ocorrer no outsourcing. Por falta de amparo legal específico, a Súmula 331 do TST funcionou por muito tempo praticamente como fonte isolada de consulta quando o assunto era terceirização. Mais tarde, a lei 13.429/17 (que alterou a lei 6.019/74) foi a primeira a trazer informações excepcionais daquilo que era encontrado na Súmula 331 do TST, e, principalmente, foi a legislação que trouxe a primeira mensagem sobre a possibilidade da terceirização da atividade-fim. A redação da lei 13.429/17 acabou sendo muito contestada, pois acarretava dúvidas sobre a possibilidade ou não de terceirizar a atividade-fim (para muitos ela não tinha uma redação muito clara). Porém, com a chegada da reforma trabalhista, o legislador acabou por deixar a redação mais explícita e direta. A lei 13.467/17 alterou as redações dos artigos 4º-A e 5º-A da lei 6.019/74, e, a partir deste momento, ficou evidente a possibilidade da terceirização de quaisquer atividades, inclusive a principal, pois pelo que pareceu a intenção do legislador foi justamente espancar qualquer dúvida da redação da lei anterior. Mesmo com uma redação mais objetiva e cristalina, a lei 13.467/17 ainda merecia alguns questionamentos: seria constitucional a terceirização de quaisquer atividades das empresas? Ou seja, como aplicar o novo regramento previsto na lei 6.019/74 diante do que preconiza a Carta da República? Para reflexão acerca de alegada violação à Constituição Federal, vale a pena a transcrição dos dizeres de Gabriela Neves Delgado e Helber Santos Amorim (Precarização e Terceirização faces da mesma realidade, página 139): [...] A Constituição da República não deixa ao legislador infraconstitucional margem de ação para instituição ou autorização da terceirização na atividade fim das empresas, seja em face da alta densidade de conteúdo das regras dos arts. 7º a 11 do Texto Constitucional, que conferem uma proteção constitucional específica ao trabalhador, dotada de integração à empresa e de pretensão de continuidade do vínculo de trabalho, seja em face dos princípios constitucionais que asseguram os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamento da República (Constituição, art. 1º, IV), a função social da propriedade e da empresa como fundamento da ordem econômica (art. 170, III) e o primado do trabalho como base de toda ordem social (art. 193).                A permissão constitucional à terceirização na atividade-meio das empresas, assim como ocorre no âmbito da Administração Pública, tem por pressuposto viabilizar que o empreendedor dedique seus recursos à realização de sua atividade finalística, seu core business, a fim de racionalizar o aproveitamento do tempo e das energias institucionais com máxima eficiência administrativa. Nesse espaço da atividade-fim, a Constituição reserva à empresa a função social de promover emprego direto com o trabalhador, com máxima proteção social, tendo em conta a dupla qualidade protetiva desse regime de emprego: uma proteção temporal, que remete à pretensão de máxima continuidade do vínculo de trabalho, e uma proteção espacial, de garantia de integração do trabalhador à vida da empresa [...]. Diante das violações e questionamentos surgidos, o tema acabou sendo levado ao STF que, no dia 30 de agosto de 2018, no julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252, decidiu pela licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo, ou seja, permitiu que a terceirização ocorresse em qualquer tipo de atividade da empresa, chancelando assim o previsto na lei 6.014/74. Por mais que a Suprema Corte tenha entabulado seu entendimento sobre a possibilidade da terceirização da atividade-fim, é interessante destacar que a jurisprudência não acatou de forma imediata e absoluta tal posicionamento. Em nível de ilustração e para dimensionar o tamanho da discussão, a ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) organizou uma série de estudos sobre o tema e acabou por editar alguns enunciados contrários ao entendimento previsto na lei 6.019/74. Em um dos muitos enunciados elaborados, vale a pena a citação o de número 80 (COMISSÃO 6) da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, e ainda na mesma Jornada, porém em outra comissão (COMISSÃO 3), dois enunciados (32 e 33) merecem especial atenção.3  A realidade é que, mesmo com a presença de controvérsias e contestações, o permissivo legal e jurisprudencial para a contratação de quaisquer atividades acabou por consolidado. E, o alavancar exponencial do processo de terceirização parece um caminho sem volta, ainda mais se enxergado como uma possibilidade para a contratação "mais barata" e de maior lucratividade. Com isso, toma conta de muitos a sensação de que dificilmente no futuro o empregador vai desejar contratar os empregados diretamente. Em outras palavras, certamente ocorrerá a prevalência de contratações indiretas. Não se acredita que a contratação indireta "rasgue" direitos ou até mesmo a CLT, mas faz sim que cada vez menos haja preocupação com a figura do empregado, que cada vez menos haja interesse em um trabalho mais direto, mais qualificado e acompanhado de "cuidados" próximos do empregador. Logo, a questão que fica é: será que o empregado contratado diretamente pelo empregador de hoje será o terceirizado de amanhã? A resposta parece ser objetiva e um tanto óbvia. Ora, se terceirizar vai representar uma contratação mais barata e livre de menos ônus para o empregador, se terceirizar pode representar maior lucratividade, se a terceirização agora pode ocorrer em atividade-fim com aval do legislador e do STF, parece cristalina a ideia de que ao invés de contratar um empregado diretamente a empresa possa optar por contratar uma empresa, para esta fornecer os serviços. Isto fará (em uma previsão realista) com que o número de empregados contratados diretamente pelo empregador diminua e o número de terceirizações cresça. Indubitável que em situações futuras o empregado de hoje vire o terceirizado de amanhã. A ideia do presente texto não foi demonstrar que o número de empregos em nível geral vai diminuir, pelo menos não por força da possibilidade de terceirizar atividade-fim, mas sim deixar evidenciada a tese de que a contratação direta fatalmente vai reduzir, dando cada vez mais espaço ao trabalho terceirizado, que por razões já expostas no texto é questionável e violador de princípios, preceitos e valores constitucionais. Referências bibliográficas BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4ª edição ver. e ampl. - São Paulo: LTr, 2008. DELGADO. Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. Saraiva. 2014. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho - 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012 PINTO MARTINS, Sérgio. Direito do Trabalho. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Disponível aqui, acesso: 31/01/2021. Site do Planalto. Disponível aqui, acesso: 31/01/2021. Site do Planalto. Disponível aqui, acesso em 31/01/2021. Disponível aqui, acesso em 31/01/2021. Disponível aqui, acesso em 31/01/2021. *Leandro Antunes de Oliveira é sócio fundador do Antunes & Mota Mendonça Advogados. Doutorando em Direito PPGD/UVA. Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador técnico e professor da pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho do Ibmec/RJ. Professor universitário e de diversos cursos de atualização jurídica e OAB. Professor da pós-graduação Lato Sensu do CEPED/UERJ. Presidente da Comissão de Estudos de Direito Material e Processual do Trabalho da OAB/RJ. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB. __________ 1 MARTINS, Sergio Pinto. Terceirização no direito do trabalho - 15 ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 27. 2 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16 Ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 503. 3 Anamatra.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Justa causa por recusa em tomar vacina

Trabalhadores e empregadores têm recorrido a este escritório de advocacia especialista em Direito do Trabalho com a mesma pergunta: havendo disponibilização da vacina para Covid-19, seja via órgãos públicos, seja por intermédio da disponibilização privada pelo empregador (e, portanto, sem custo ao empregado), pode este se reusar a ser vacinado? E se o empregado se recusar a tomar vacina, pode ele ser dispensado pelo empregador por justa causa? Tal hipótese de justa causa por recusa em se vacinar encontra respaldo na CLT? Qual a orientação da jurisprudência sobre o tema? O que pensam os Tribunais acerca da recusa do trabalhador em se vacinar? Por mais que o direito à vida e à saúde sejam direitos constitucionais insculpidos como basilares, se faz necessário abordar o referido tema tendo em vista o negacionismo por parte da população quanto a questão. A temática ainda é muito nova no Brasil, mas sendo uma advocacia especializada em Direito do Trabalho, é possível antever desde logo alguns dos posicionamentos que serão adotados sobre a recusa do empregado em tomar vacina. Isto porque em recente decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar o art. 3º inciso III, alínea 'd', da lei 13.979/2020, o STF entendeu que é constitucional e, portanto, válido, a compulsoriedade do plano de vacinação. Decerto que o fato de ser válida a vacinação compulsória não quer dizer necessariamente que o Estado obrigará todos a tomar vacinas à força, contra suas respectivas vontades. Todavia, por outro lado, é também certo que aqueles que se negarem em receber a vacina terão de arcar com as consequências de tal ato. Analisemos sob a seguinte ótica: ninguém pode ser obrigado a tratar câncer, por exemplo, pois a decisão de não se tratar não afeta diretamente direito de terceiros. Ninguém será prejudicado por alguém não tratar câncer, apenas a pessoa que está doente é que sofrerá as consequências, mas igual raciocínio não ocorre ao tratarmos de doenças infectocontagiosas, que podem disseminar vírus e provocar mortes, além de prejudicar duramente a atividade do empregador, por exemplo. Diante de tal cenário se faz necessário refletir: quais as implicações trabalhistas dos trabalhadores que, injustificadamente, se negarem em a receber a vacina? Segundo o nosso entendimento aqui esposado, o direito à vida e a saúde coletiva se sobrepõem a qualquer direito de personalidade. Logo, embora exista um conflito de direitos fundamentais, pois, de um lado, é inegável que existe o direito à individualidade, o direito de autodeterminação que consiste na livre vontade das pessoas em guiarem suas vidas em acordo com suas próprias convicções morais, filosóficas ou religiosas; por outro lado, tais direitos não se sobrepõem ao direito da coletividade, em especial os direitos à vida e à saúde, de forma que está correta a interpretação do STF sobre a compulsoriedade da vacina. Os que conhecem a lei sabem que os direitos fundamentais dos cidadãos e os direitos sociais dos trabalhadores estão assegurados nos artigos 5º e 7º da Constituição Federal de 1988. Tais artigos, aliás, são considerados cláusulas pétreas e, portanto, imutáveis, não podendo ser alterados nem mesmo via emenda constitucional. É importante relembrarmos, porém, que o Supremo também já decidiu que direitos e garantias fundamentais não são apenas aqueles que constam nos respectivos artigos 5º e 7º da Lei Maior, abrindo a possibilidade de que outros direitos previstos também sejam considerados como cláusula pétrea, tamanha sua importância não apenas para a sociedade que somos, mas, sobretudo, para a sociedade que queremos ser e, bem por isto, é que o art. 225 da Constituição Federal que consagra o 'meio ambiente saudável como obrigação de todos', inclusive do trabalhador, por ser beneficiário direto. Logo, embora o direito ao ambiente saudável não esteja insculpido nos artigos 5º e 7º da Carta da República, este também deve ser considerado como direito fundamental, tendo em vista que é a premissa básica para se ter um trabalho digno. Assim, deve esta obrigação do empregador ser analisada como direito fundamental do trabalhador. Ademais, tal título dos direitos fundamentais é tão sensível e importante que o legislador que, conquanto tenha atribuído tal responsabilidade e obrigação ao empregador, também garantiu ao trabalhador a responsabilidade, via obrigação, em colaborar com as medidas de segurança e saúde para um ambiente saudável, como bem se extrai do parágrafo único do artigo 158 da CLT. A colaboração mencionada no inciso II do art. 158 da CLT, na verdade, trata-se de uma obrigação. Bem por isso, se o empregador solicitar que o trabalhador demonstre ter atendido às demandas de prevenção a disseminação da doença, via campanha de vacinação nacional/estadual, e não o faz, deixa colaborar com o meio ambiente seguro, colocando em risco não apenas a si próprio, mas também aos demais trabalhadores, o que, sem uma justificativa plausível e técnica, é inadmissível. Diante de tais premissas é cristalino que aquele trabalhador que se recursar injustificadamente em receber a vacina está agindo de forma faltosa, caracterizando, de imediato, ato incontinência de conduta, criando condição para aplicação da justa causa, se preenchidos os demais requisitos legais, quais sejam, imediatidade, proporcionalidade, non bis in idem e não discriminação. Outrossim, considerando o estado de pandemia, bem como que os reflexos da negativa do trabalhador em não receber a vacina transcendem o indivíduo colocando uma coletividade em risco, não há que se falar em gradação das penalidades, sendo proporcional a aplicação da justa causa em face da negativa de receber a vacina. Por fim, apenas para salientar, entendemos que a única possibilidade de justificativa para o não recebimento da vacina se daria por intermédio de laudo médico devidamente fundamentado expondo os riscos à saúde, não sendo possível a desincumbência de tal justificativa por mera declaração médica genérica. *Silmara Lino Rodrigues é fundadora do escritório SLR Advogados Associados. Graduada pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul/SP, com especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP (COGEAE); pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; pós-graduanda em Direito Empresarial e Complice pela EPD - Escola Paulista de Direito; e em Processo Civil pela ESA - Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Nova Lei do Trabalho Remoto no Brasil

A abertura deste breve texto está ligada à futura novidade legislativa que deve ser aprovada neste ano de 2021. Fruto do trabalho de um grupo técnico de estudiosos formado por advogados, magistrados, professores, auditores fiscais do trabalho e membros do ministério público do trabalho de todo país, no dia 17/12/2020 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5581 pelo deputado Federal, Rodrigo Agostinho (PSB/SP). Com efeito, é cediço que a decretação à época do estado de calamidade pública decorrente do novo coronavírus fomentou, em larga escala, o sistema do trabalho remoto que, há tempos, sempre foi sinônimo do chamado home office, mas que, por força da Lei da Reforma Trabalhista, ganhou maiores e mais complexos contornos com a criação da figura do teletrabalho. E sem adentrar no mérito da então Medida Provisória 927 que, no início da pandemia, trouxe um forçoso disciplinamento do trabalho remoto no país, mas que acabou perdendo vigência por não ter sido convertida em lei ordinária pelo Parlamento, fato é que, salvo os artigos normativos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (artigo 6º e parágrafo único - home office; e artigos 62, III c/c 75-A até 75-E - teletrabalho), não há legislação específica no Brasil que regulamente, em sua inteireza, os efeitos da prestação de serviços ocorrida à distância. Bem por isso, indiscutível que as diversas consequências jurídicas resultantes da transferência de milhares de trabalhadores dos seus locais nas empresas para suas casas, por força da pandemia da Covid-19, não estão disciplinadas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro. Isso obrigou, em certa medida, a promoção e a viabilização de negociações coletivas para trazer um mínimo de segurança jurídica a essas consequências, como também a adoção de normas internas contratuais pelas empresas, tudo em prol da busca de uma mínima previsibilidade jurídica para respaldar decisões que afetam, diária e diretamente, as relações laborativas entre empregados e empregadores. Acontece, porém, que a esmagadora maioria dos empregadores brasileiros, por fazer parte do grupo dos micros e pequenos empresários, não têm mínimas condições de negociar com o sindicato da categoria profissional, muito menos estão sendo corretos e adequadamente orientados de como proceder com a situação excepcional instaurada pelo coronavírus que impactou, decisivamente, na própria continuidade das atividades empresariais. Justamente neste atual cenário de crise das relações laborativas é fundamental perquirir acerca de uma legislação ordinária que traga diretrizes, ainda que básicas, para que sirvam de auxílio ao empresariado brasileiro e, de igual sorte, estabeleça condições que respeitem os direitos básicos desses empregados que fizerem de seus lares os novos ambientes de trabalho. Nesse sentido, questões afetas à jornada de trabalho e seu respectivo controle, ergonomia, saúde e segurança, medicina e as doenças ocupacionais - v.g., acidentes residenciais e a Síndrome de Burnout - tudo isso exige uma postura mais ativa do Congresso Nacional em parametrizar aludidas relações jurídicas. Logo, custos com a implementação do trabalho remoto, instrumentos a serem utilizados, material de apoio, responsabilidades e obrigações das partes contratantes do pacto laboral, dentre outras tantas problemáticas, são apenas facetas de complexas relações trabalhistas que estão sendo impactadas pelo uso das novas tecnologias.        De mais a mais, não se pode fechar os olhos no sentido de que parcela das grandes empresas adotará, em caráter definitivo e permanente, este novo regime de trabalho à distância que veio para ficar em algumas atividades profissionais e segmentos empresariais. Afinal, a redução de custos operacionais pelas empresas, aliada a uma melhor autonomia e produtividade dos colaboradores, são exemplos de que, pós pandemia, espera-se uma dinâmica distinta do modelo tradicional de trabalho até então praticado. Bem por isso, urge ser oportuno e necessário que o país tenha uma legislação que possa estar à frente do seu tempo, mostrando-se compatível com um novo mundo que, aliás, num futuro próximo, trará a implementação de regras para o 5G e para a expansão da internet das coisas (IoT). Assim sendo, tal como se deu no início deste brevíssimo artigo, e que, aliás, foi a maior justificativa para sua elaboração, oportuno realçar, uma vez mais, o PL 5581/2020, cujo inteiro teor pode ser acessado neste aqui, trazendo na íntegra a justificativa de sua propositura, a saber: Justificativa O ano de 2020 foi de uma enorme surpresa após sermos "invadidos" por um vírus que causou a morte de centenas de brasileiros, infectando milhões ao redor do mundo, denominado Covid-19, forçando a mudança drástica de postura por parte de todos nós brasileiros. Entre as mudanças determinadas pela pandemia, muito do que era dito pelas empresas tornou-se realidade, no sentido de colocar os trabalhadores em home office ou teletrabalho, tendo o legislador no ano de 2017 feito sensível alteração na CLT a respeito do tema, mas sem que patrões e empregados tivessem efetivamente aderido a este estilo de trabalho. No entanto, a partir de março de 2020, praticamente todos os brasileiros foram, digamos assim, forçados a trabalhar diretamente de suas residências, seja adaptando locais ou criando espaços em seus imóveis, bem como até mesmo mudando de lugar para poder enfrentar essa nova realidade que se avizinhava sem qualquer perspectiva de retorno a curto prazo, com exceção dos serviços definidos como "essenciais", que continuaram abertos, como supermercados e postos de combustíveis. Assim é que as empresas passaram a manter suas atividades, agora com seus empregados em suas respectivas casas, sem qualquer regulamentação efetiva, criando-se benefícios ou incentivos por vontade própria dos empregadores, o que não podemos permitir que continue, razão pela qual referido projeto de lei vem para regulamentar todo um sistema de trabalho que está sem efetiva proteção, tanto para patrões como para os empregados. Esta realidade, de trabalho em home office ou teletrabalho deverá se manter por um longo período em nosso País, sendo certo que o debate acerca da desnecessidade de retorno efetivo aos locais de trabalho ganha cada vez mais projeção, haja visto a enorme adaptação e aceitação por este "tipo" de trabalho sendo necessária a regulamentação da forma, saúde e segurança do teletrabalho. Com efeito, a preocupação ambiental plasmou-se internacionalmente em 1972, na Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, quando se reconhecia que o homem é duplamente natureza e modelador de seu meio ambiente e que, de todas as coisas no mundo, as pessoas são a mais preciosas, propelindo o progresso social, criando riquezas sociais e desenvolvendo a ciência e a tecnologia. A mesma tônica norteou a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e a chamada "Agenda 21", que compendiou as diretrizes de desenvolvimento econômico e social para o século XXI. Por fim, quero fazer um agradecimento especial ao Prof. Ricardo Calcini, que esteve à frente da coordenação geral do grupo de trabalho que analisou minuciosamente as questões relacionadas ao teletrabalho, bem como, aos renomados especialistas e acadêmicos, cito: Dr. Célio Neto, Dr. Guilherme Feliciano, Dra. Fernanda Perregil, Dr. Luis Otávio Camargo Filho, Dr. Patrick Maia Merisio, Dra. Cristiane Araújo, Dr. Carlos Eduardo Dantas, Dr. Leonardo Bello e Dra. Nadia Demoliner Lacerdaque; e, cujas sugestões estão consubstanciadas nesta proposição. Desta forma, apresento a esta Casa de Leis, proposta de legislação para regulamentar o tema, contando com meus Pares na discussão e aprovação de futura legislação, dando segurança jurídica aos trabalhadores e às pessoas jurídicas em um tema que certamente somente ganhará maior repercussão ao logo dos anos, devendo ser devidamente regulamentado, já que ausente legislação específica até o momento vigente em nosso país. Portanto, a existência de um regramento próprio do trabalho remoto é medida que se impõe, seja com o aperfeiçoamento do teletrabalho, seja com a criação novos institutos que possam regulamentar, de forma pormenorizada e com todas as suas particularidades, os direitos e obrigações existentes entre patrões e empregados quando o assunto, doravante, for a prestação de serviços à distância.
O tempo sempre foi um fator relevante na relação de trabalho, pois aquele que não detém os meios de produção somente pode oferecer a sua força de trabalho e o faz por determinado período. Karl Marx, em O Capital (1909), constatou que "a força de trabalho é comprada e vendida pelo seu valor, o qual, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção". No período pós Revolução Francesa, quando do estabelecimento de um Estado Liberal, foi alterada a forma de produção advinda principalmente com a Revolução Industrial. Flávio Roberto Batista (2016) descreve que esta revolução "marcou a passagem do protocapitalismo comercial para o capitalismo industrial", considerando que se deixou o modelo das Corporações de Ofício para uma produção mecanizada. Os trabalhadores deixaram de possuir o controle da sua força de trabalho, já que se iniciou a utilização das máquinas à vapor e a produção passou a ser mecanizada, alterando radicalmente a relação entre capital e trabalho. Dessa forma, a propriedade dos meios de produção era somente do burguês rico (BATISTA, 2016, p. 153-154). Evaristo de Moraes, em 1905, fazendo referência ao pensamento clássico dos economistas à época, afirmou que havia crença nas virtudes da liberdade do trabalho não se admitindo quaisquer normas para regulamentação do contrato entre empregado e empregador (MORAES, 1998). O pensamento até então vigente era do homem livre com o direito de vender o seu trabalho, pelo preço e nas condições que quisesse, resultando então opressão, miséria, exploração e rebaixamento progressivo (MORAES, 1998). A autonomia da vontade, vigente até o momento, fazia com que os trabalhadores "vendessem sua força de trabalho por até vinte horas diárias, bem como que o trabalho fosse feito por mulheres, inclusive as grávidas - eram comuns os partos dentro da fábrica, durante o horário de trabalho -, e crianças mesmo muito pequenas, a quantidade de acidentes fatais e mutilantes era muito alta, agravando ainda mais o cenário" (BATISTA, 2016). O fenômeno da Revolução Industrial fez que com o número médio de horas de trabalho por ano subisse das 2,5 mil horas nos períodos pré-industriais para 3-3,5 mil horas durante as revoluções industriais, não havendo registro de períodos históricos que este patamar tenha sido alcançado (ROSSO, 1996). Foi Robert Owen, em 1810, que dentre outras melhorias da condição dos trabalhadores em sua empresa em New Lanark (Inglaterra)[1], limitou a jornada de trabalho para 10 horas diárias, sendo este limite aplicado a todo país em 1847. Em nível constitucional, o texto do México de 1917, foi a pioneiro em estabelecer a "desmercantilização do trabalho", pois "firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre os trabalhadores e empresários na relação contratual (...)" (COMPARATO, 2012). Neste sentido, o referido texto constitucional, no seu art. 123, trouxe o limite da jornada de trabalho em oito horas (inciso I) e sete horas para trabalho noturno (inciso II), descanso de um dia para cada seis dias trabalhados (inciso IV), salário igual sem distinção de sexo ou nacionalidade (VII) e responsabilidade do empregador quando o empregado for vítima de acidente do trabalho ou de doença ocupacional (inciso XIV). No entanto, foi pequena a repercussão do texto constitucional mexicano. A Europa desconheceu à época a legislação até mesmo pela escassez de estudos doutrinários, ao contrário do que ocorreu com a Constituição de Weimar, de 1919 (OLIVEIRA, 1991 apud PINHEIRO, 2006). A estrutura da Constituição de Weimar, imantando os direitos sociais com a força de norma constitucional, iniciou uma conscientização no Ocidente sobre o dever do estado em garantir a dignidade humana (AUAD, 2008). O texto possui basicamente duas partes: uma que regula a estrutura administrativa do Estado e seus poderes, e outra que regula os direitos sociais como educação, saúde, dignidade da relação trabalhista, proteção à infância e à maternidade (AUAD, 2008, p. 338-339). A Constituição Weimar influenciou as constituições modernas, e claramente isso também ocorreu no Brasil na Constituição de 1934, que no art. 121 trouxe regras de proteção social do trabalhador, dentre elas o limite de trabalho diário de oito horas. A duração do trabalho possui diversas implicações. Sadi Dal Rosso (2006) cita três: (i) o impacto na qualidade de vida, considerando a possibilidade de usufruir ou não de mais tempo livre; (ii) demarca a quantidade de tempo durante o qual as pessoas se dedicam a atividades econômicas; e (iii) ainda tem relação direta entre as condições de saúde. Gil Sevalho (1993), citando a medicina de Broussais, aponta que este "via a saúde e a doença limitadas entre si pelo excesso ou diminuição do trabalho fisiológico normal sob a ação de estímulos ambientais externos". Dessa forma, o período de energia para outra pessoa, como um operário em uma fábrica, tem relação direta com a saúde do trabalhador. Como forma de resguardar a saúde do trabalhador e proporcionar sua recuperação física e mental foram estabelecidos descansos obrigatórios, um período de não trabalho, o qual deve ocorrer tanto no meio da jornada de trabalho e ainda entre o final de uma jornada e o início de outra. Rodrigo Coimbra (2016), citando Giuseppe D'eufemia (1969), destaca que a limitação da jornada respeita diversos motivos: humanos, sociais e econômicos em face dos limites fisiológicos do ser humano, e ainda questões sociais, políticas e religiosas. No entanto, geralmente a doutrina considera aspectos de natureza física ou biológica, psíquica, social, cultural e econômica. Sob a ótica física ou biológica, leva em conta a elevada duração da jornada, podendo causar a fadiga do trabalhador; psíquica e psicológica pelo esgotamento desta natureza do empregado, afetando a saúde mental e a capacidade de concentração do empregado; social e cultura, pois o empregado como componente social necessita ter relação com a comunidade e sua família; econômica, pois um trabalhador cansado não desempenha seu trabalho com mesma qualidade e rendimento, além de aumentar o risco de acidentes de trabalho e de doenças resultantes do trabalho (COIMBRA, 2016). O professor Maurício Godinho Delgado (2019) define como períodos de descanso os lapsos temporais regulares ou não situados intra ou intermódulos diários, semanais ou anuais do período de labor, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária ou política. No Brasil, desde 1988, a jornada máxima de trabalho deve ser de 44 horas semanais (inciso XIII do art. 7º da Constituição), dispondo a legislação que os intervalos, salvo casos específicos, devem ser de 15 minutos para uma jornada de trabalho acima de 4 horas até 6 horas, e de 1 a 2 horas para um trabalho acima de 6 horas (art. 71, caput e §1º da CLT). A Lei nº 605/49 regulamenta um descanso semanal que deve ser devidamente remunerado. No entanto, Sadi Dal Rosso (2011) expõe que essa separação de período de trabalho e de não trabalho está cada vez mais tênue, ressalvando que nem todas as atividades de não trabalho carregam o significado positivo, caso do desemprego, por exemplo. Contribui com a diminuição do tempo de não trabalho a gestão empresarial, quando  focada na cultura do desempenho, como exposto por Vincent de Gaulejac (2007), onde alguns trabalhadores são colocados em evidência para que outros se sintam obrigados a ter mesma rentabilidade. Esse sistema transmite uma ideia de pressão em toda a sociedade, pois é fomentada uma competição onde para ser o melhor precisa ser o primeiro. A vigilância de boa parte dos trabalhos deixou de ser física e passou a ser comunicacional. A tecnologia fez com que o controle seja sobre os resultados do trabalho, não havendo mais a necessidade de quadricular o tempo, mas sim conseguir uma disponibilidade total do trabalhador para atingir as metas da empresa (GAULEJAC, 2007). O tempo morto não mais existe, pois os períodos de deslocamentos, espera e contratempos podem ser utilizados para resolver pequenos problemas (GAULEJAC, 2007). Diante da grande exigência do trabalhador pós moderno, aprofundada pela crise econômica e a pandemia, com implementação em larga escala do teletrabalho, a desconexão passa a ser um direito extremamente relevante, pois o dano à saúde pode ser relevante. Ao contrário do que se entendia quanto ao teletrabalho, que seria um ganho na qualidade de vida do trabalhador por não ter que enfrentar o deslocamento e estar fora do ambiente empresarial, isso não ocorre. Como já expôs Márcio Túlio Viana (1999), esse sistema de trabalho não impede que o trabalho continue a sofrer as cobranças constantes: "na verdade, a volta ao lar que hoje se ensaia não significa menos tempo na empresa, mas - ao contrário - a empresa chegando ao lar". A permanência da conexão ocorre por exigência clara do empregador ou quando o empregado, por receio de perder o emprego, se permite permanecer conectado, o que muitas vezes é objeto de elogios perante os demais trabalhadores. Para Jorge Luiz Souto Maior, o direito à desconexão não é individual do trabalhador, mas da sociedade e da própria família, esclarecendo que o não-trabalho não se traduz no não trabalhar, mas no sentido de trabalhar menos, até o nível necessário à preservação da vida privada e da saúde (2003). A legislação francesa já avançou neste aspecto e regulamentou o direito à desconexão como um direito fundamental do trabalhador (Lei nº 2016-1088), estabelecendo que as empresas deverão adotar modalidades de modo a propiciar ao trabalhador do pleno exercício de seu direito a desconexão e ainda regular as ferramentas digitais para assegurar o cumprimento dos períodos de repouso e férias (HARFF, 2017). Em nossa legislação o direito à desconexão não é regulamentado de forma de clara, mas pode ser construído esse entendimento, pois os períodos de descanso são componentes importantes da saúde do trabalhador e a saúde é um direito fundamental, conforme art. 6º do texto constitucional. Notamos no recente noticiário um movimento espontâneo de empresas em respeitar o direito à desconexão. Estão adotando mecanismos de controle, não da jornada, mas do período de descanso do trabalhador, impedindo qualquer conexão deste ao seu empregador, seja em quantidade de horas no dia ou por dias inteiros. A tecnologia nos trouxe um mundo sem barreiras, a comunicação se dá em tempo real, houve uma profunda alteração da prestação de serviços, mas a fisiologia do trabalhador é aquela mesma da revolução industrial. Não podemos neste século ter as mesmas demandas, devemos evoluir.    *Alan Martinez Kozyreff é advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde, Especialista em Direito do Trabalho e em Direito Previdenciário. _________ 1- Robert Owen também atua na educação permanente dos trabalhadores, no bem-estar, limita a contratação de crianças para a partir de 10 anos de idade, proporciona educação infantil e lazer (SOUZA; OLIVEIRA, 2006). _________ AUAD, Denise. Os Direitos Sociais na Constituição de Weimar Como Paradigma do Modelo de Proteção Social da Atual Constituição Federal Brasileira. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 103, p. 337/355, jan./dez. 2008. BATISTA, Flávio Roberto. Apontamentos Críticos Para Uma História do Direito Previdenciário no Ocidente Capitalista. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 1 n. 11, p. 143-176, jan./fev. 2016. CARDIM, Talita Corrêa Gomes. Direito à desconexão: um novo direito fundamental do trabalhador. Direitos fundamentais e inovações no direito. 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O artigo 75-D, caput, da CLT, incluído pela lei 13.467/17, prevê que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição e fornecimento dos equipamentos tecnológicos necessários à prestação do trabalho remoto (rectius: teletrabalho) serão previstas em contrato escrito. O risco do empreendimento é de responsabilidade do empregador, à luz do artigo 2º, caput, da CLT; portanto, este deve adquirir ou fornecer os equipamentos tecnológicos para o regular desempenho do labor na modalidade teletrabalho. Por equipamento, compreende-se qualquer objeto ou ferramenta necessária para a atividade laboral, como tablet, computador e smartphone. Situação passível de verificar-se no cotidiano é a de o trabalhador possuir equipamento tecnológico pertinente à realização do trabalho na modalidade teletrabalho. Em verdade, hodiernamente, como regra geral, os computadores, tablets e smartphones permitem o uso de uma infinidade de programas, com a viabilidade de serem utilizados, simultaneamente, tanto para uso pessoal como para uso profissional. Nessa toada, não há transferência do risco do empreendimento para o empregado. Eventual contrato escrito, com a previsão de que, para o desempenho do teletrabalho, serão utilizados equipamentos tecnológicos de propriedade do trabalhador, desde que com a anuência deste e mediante o pagamento de um valor mensal. Também prevê o artigo 75-D, caput, da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/17, que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição ou fornecimento da infraestrutura necessária para o teletrabalho deverão constar em contrato escrito. No particular, a infraestrutura indispensável para o desempenho do teletrabalho abarca desde a estação de trabalho (incluído o mobiliário) até eventuais softwares (programas de computador). Aplica-se à infraestrutura o mesmo raciocínio esposado no tópico anterior, ou seja, caso o trabalhador possua a infraestrutura em seu domicílio (estação de trabalho) ou, mesmo, softwares em seu instrumento telemático, a utilização não caracteriza transferência do risco do empreendimento para o empregado (artigo 2º, caput, da CLT), desde que haja previsão contratual por escrito, referendada, naturalmente, com a anuência obreira e mediante o pagamento de um valor mensal. Seguindo a mesma lógica, o multicitado artigo 75-D, caput, da CLT, consagra que as disposições relativas à responsabilidade pela manutenção dos equipamentos tecnológicos para o desenvolvimento do telelabor têm de estar previstas em contrato. No tocante à manutenção dos equipamentos tecnológicos para a atividade telelaboral, a assunção dos riscos do empreendimento (artigo 2º, caput, da CLT) imputa ao empregador a responsabilidade em arcar com os custos relativos à preservação das ferramentas utilizadas1. Há que se aventar eventual ausência de responsabilidade patronal pela manutenção do equipamento tecnológico, caso este seja de propriedade do empregado, e utilizado, concomitantemente, para uso pessoal e profissional. E mais, poderá existir dificuldade em detectar a origem de eventual dano se decorrente de uso pessoal ou profissional2. Em processo submetido à apreciação do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a 8ª Turma manteve a condenação,  em primeiro grau, a título de aluguel de notebook, de determinada empresa que não forneceu equipamento telemático para o desempenho do teletrabalho, fazendo com que o trabalhador tivesse de utilizar o próprio notebook para o seu desempenho3. Na sentença, o Juiz do Trabalho, Rodrigo Trindade, registrou que o autor fez uso de seu notebook sem a devida contraprestação por parte da reclamada, não havendo dúvida de que a utilização do equipamento se mostrava indispensável à realização do trabalho4. Com fulcro na vedação legal de repasse dos riscos do empreendimento ao empregado, fixou o aluguel no valor único de R$ 1.500,00, por quase três anos de uso do computador por parte do trabalhador em prol do empregador. Portanto, deverá ser celebrado pacto, por escrito, em que a empresa se compromete a pagar um determinado valor, em periodicidade definida, a título de aluguel de equipamento tecnológico. Referido valor, que deverá ser compatível para tanto, se destina a locar a ferramenta e, consequentemente, compensar eventuais gastos com manutenção que o trabalhador possa vir a dispender5. Enfim, as disposições relativas à responsabilidade pela manutenção da infraestrutura necessária para o teletrabalho precisam estar reguladas em pacto escrito. Incide, no particular, o que foi exposto no tópico anterior, sendo de responsabilidade do empregador, à luz do princípio da alteridade, o aluguel de espaço coletivo de trabalho (coworking), caso o teletrabalho seja exercido no espaço, bem como de eventual(is) software(s) utilizado(s) para o labor6. Todo o exposto até aqui se alinha à ideia do princípio do usuário-pagador ou utilizador-pagador, que é a de impor ao responsável o pagamento de uma prestação pecuniária, de molde ao artigo 4º, inciso VII, da lei que trata da Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81), e determina ao usuário o dever de contribuir pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos, de forma que a paga despendida não possua qualquer conotação de ordem punitiva, senão a de, precipuamente, colaborar com a qualidade do ambiente. O pagamento justifica-se sob a ótica da solidariedade ambiental, pois o uso dos elementos naturais e o usufruto do patrimônio ambiental podem gerar impacto negativo na coletividade, sob o aspecto do potencial desequilíbrio ecológico a ser gerado. Não importa perquirir, nessa medida, qualquer ato ilícito praticado pelo pagador, já que, definitivamente, a contribuição tem o condão de promover a consciência ambiental no consumo de patrimônios ambientais, tais como água, solo, ar, permitindo uma socialização justa, igualitária e equânime do uso dos mesmos7. Dentro desse contexto, a Lei nº 9.985/00, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza8, dispôs que, em casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, é obrigado o empreendedor a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral (artigo 36, caput). Para tanto, o montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor deve ser de, pelo menos, 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento (artigo 36, §1º). Trata-se de exemplo da positivação do princípio do usuário-pagador no ordenamento jurídico brasileiro. Foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 3.378, no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade da normativa que prevê a contrapartida empresarial pelos potenciais danos ao ambiente, sob o argumento de ofensa à legalidade, à harmonia e à independência dos Poderes, aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como imposição de pagamento, sem prévia parametrização e comprovação de dano, ensejando enriquecimento ilícito do Estado9. A Excelsa Corte entendeu que o financiamento é mecanismo de assunção da responsabilidade social partilhada pelos custos ambientais derivados da atividade econômica e que, embora não haja dano ambiental efetivo, tal fato, por si, não significa isenção do empreendedor em partilhar os custos de medidas preventivas10. Houve expressa alusão ao artigo 36, da citada lei, que densifica o princípio do usuário-pagador, com o registro de que uma de suas vertentes é justamente a que impõe ao empreendedor o dever de arcar com medidas de prevenção de impactos ambientais como consequência da implantação da atividade econômica desempenhada. Assim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada improcedente. Durante o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, a Medida Provisória nº 927/20 consagrou a seguinte sistemática: caso o trabalhador não possua os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância, o empregador pode fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura ou, não sendo possível, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador (art. 4º, §4º, incisos I e II, da Medida Provisória nº 927/20). Neste caso, se o empregador não tem condições de oferecer equipamentos em regime de comodato aos seus empregados, fato que poderá eventualmente prejudicar a realização das atividades necessárias, o período caracterizar-se-á como tempo à disposição daquele11. Ademais, também consagrou que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo (art. 5º, da Medida Provisória nº 927/20). Para além da aquisição, do fornecimento e da manutenção de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura para o teletrabalho, prevê o artigo 75-D, caput, da CLT, que o reembolso de despesas assumidas pelo empregado ativado em teletrabalho deverá ser tratado em contrato escrito, tais como o custeio de passagens e hospedagens necessárias à participação do trabalhador ativado em teletrabalho em momentos laborais presenciais obrigatórios (reuniões, capacitações, integrações)12. É objeto de debate jurídico o dever do empregador em reembolsar gastos do teletrabalhador ativado em home office com energia elétrica e internet banda larga. No caso de energia elétrica, é presumível que o empregado tenha gastos extras para o desempenho do teletrabalho, visto que a utilizará para o funcionamento de computador, impressora, ar-condicionado, ventilador etc. Em vista disso, deve haver a restituição dos custos extras despendidos pelo trabalhador, desde que demonstrados efetivamente em reclamação trabalhista. Os gastos ordinários pertencem ao empregador e eventuais custos extraordinários são imputados ao empregador, aplicando-se analogicamente o artigo 23, inciso XII, da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações), que descreve como responsabilidade do locatário quitar as despesas ordinárias de condomínio e do locador as despesas extraordinárias13. Carlos Henrique Bezerra Leite compreende que pequenos aumentos de gastos com água e energia elétrica não dão direito ao ressarcimento, pois são compensados pela ausência de deslocamento para o local de trabalho14. Assim também entendeu a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, no RO 10006619820165020719, de relatoria da Desembargadora Kyong Mi Lee, em que consta que é possível que as partes pactuem que a remuneração do reclamante, mesmo que seja idêntica à dos que se ativam na sede empresarial, englobe as despesas feitas para a realização do teletrabalho, como internet e energia elétrica, pois o teletrabalho, em domicílio, proporciona vantagens ao empregado que, de outro flanco, é poupado das despesas e do tempo gasto em transporte, permanecendo na comodidade de seu lar15. Como já afirmado em escrito anterior, as custas, no particular, detêm limitada relevância jurídica para fins de reembolso dos danos materiais16. Nesse sentido, trecho de acórdão de relatoria do Professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado: (...) Por outro lado, a possibilidade de indenização empresarial pelos gastos pessoais e residenciais efetivados pelo empregado no exercício de suas funções empregatícias no interior de seu home office supõe a precisa comprovação da existência de despesas adicionais realizadas em estrito benefício do cumprimento do contrato, não sendo bastante, em princípio, regra geral, a evidência de certa mistura, concorrência, concomitância e paralelismo entre atos, circunstâncias e despesas, uma vez que tais peculiaridades são inerentes e inevitáveis ao labor em domicílio e ao teletrabalho. (...) Agravo de instrumento desprovido. (AIRR - 62141-19.2003.5.10.0011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 07/04/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/04/2010)17. Quanto ao reembolso de gastos com o fornecimento de internet banda larga, caso o empregado a possua em sua residência e não exista exigência, por parte do empregador, de contratação de plano com custo superior, não há como se divisar o montante empreendido para o trabalho e o utilizado para fins particulares18. Portanto, é possível que do contrato de trabalho conste que, no salário percebido pelo empregado, estão inclusas quaisquer despesas para a execução do labor home office, à luz do previsto no artigo 75-D, da CLT. Parece ser este o entendimento da 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, no julgamento do RO 10007311720175020708, de relatoria do Desembargador Edilson Soares de Lima19, em que afirma "(...) não se trata de transferência do risco da atividade econômica ao empregado, calhando ponderar que o regime de teletrabalho traz uma série de vantagens, no que se incluem flexibilidade de horários, economia de tempo com deslocamentos nas grandes cidades e até com vestuário.". Ademais, complementa que deve-se atentar à nova dinâmica das relações trabalhistas, compreendendo-as sob o enfoque da distribuição dos riscos e não de um prisma puramente tradicional. *Antonio Capuzzi é mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professor em cursos de graduação e pós-graduação. Palestrante da Comissão de Cultura e Eventos da OAB/SP. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/SP. Advogado trabalhista. __________ 1 Evoluímos de pensamento registrado em artigo anteriormente publicado: "Quanto à manutenção dos equipamentos, o mesmo raciocínio se aplica, de forma que se os equipamentos forem de propriedade do trabalhador, caberá a este a responsabilidade pelos custos de sua manutenção, e sendo de propriedade do empregador este arcará com as despesas correspondentes". CAPUZZI, Antonio. Teletrabalho: perspectivas no contexto da reforma trabalhista. In: MIZIARA, Raphael; ASSUNÇÃO, Carolina Silva Silvino; CAPUZZI, Antonio. Direito do trabalho e estado democrático de direito: homenagem ao professor Maurício Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2018, p. 135-150.  2 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  3 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário: 0020405-15.2015.5.04.0028. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Embora seja possível a caracterização das duas condições especiais da atividade, de risco potencial à integridade física e à saúde do trabalhador empregado, e, por consequência, o ajuizamento de ação em relação aos adicionais de insalubridade e de periculosidade, e a despeito de ser possível a declaração judicial do direito a ambos os adicionais, não é possível, por expressa vedação legal, impor ao empregador o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade de forma acumulada. Aplicação da súmula 76 deste Tribunal. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. IDENTIDADE DE FUNÇÕES PROVADA. AUSÊNCIA DE PROVA DE FATO IMPEDITIVO AO DIREITO DO EMPREGADO. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. Provada a identidade de funções entre o equiparando e o paradigma e ausente qualquer fato impeditivo ao direito do empregado - cujo ônus de prova, diante de alegação expressa, incumbe ao empregador -, são devidas diferenças salariais decorrentes de equiparação salarial, na forma do art. 461 da CLT. HORAS EXTRAS. EMPREGADO QUE EXERCE ATIVIDADE EXTERNA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE HORÁRIO. NÃO SUJEIÇÃO DO TRABALHADOR À EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 62, I, DA CLT. Sendo a atividade externa realizada pelo empregado compatível com a fixação e controle de jornada, não há falar na exceção prevista no art. 62, I, da CLT, sendo devidas ao trabalhador as horas extras laboradas. Recorrente: Tim Celular S.A.; Zopone-Engenharia e Comércio Ltda. Recorridos: Zopone-Engenharia e Comercio Ltda.; Tim Celular S.A.; Oi S.A. - Em Recuperação Judicial; Ubirata Ribeiro Domingues. Relator: João Paulo Lucena, Data de Julgamento: 05.10.2017, 8ª Turma. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 02.12.2019.  4 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Sentença em Reclamação Trabalhista: 0020405-15.2015.5.04.0028. Diante do exposto, e de tudo o mais constante nos autos, rejeita-se a preliminar e julga-se procedente em parte os petitórios dos processos movidos por Ubirata Ribeiro Domingues aforado em face de ZOPONE-Engenharia e Comercio LTDA, Tim Celular S.A. e OI S.A. Reclamante: Pedro Omar Oliveira da Rocha. Reclamado: WMS Supermercados do Brasil LTDA. Juiz do Trabalho Rodrigo Trindade de Souza. 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS. Data da publicação: 10.11.2016. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  5 A propósito, há jurisprudência nesse sentido: 1. RESTITUIÇÃO DE VALORES. MANUTENÇÃO DE COMPUTADOR PORTÁTIL ("NOTEBOOK"). CONTRATO DE LOCAÇÃO - As partes ajustaram contrato de aluguel de computador portátil, estabelecendo obrigação do autor em manter o equipamento em perfeitas condições de uso. Cumpria, pois, ao autor manter o equipamento em bom estado de modo a servir ao uso a que se destinava e a mantê-lo nesse estado pelo tempo de vigência do contrato, obrigação anexa ao contrato de trabalho, em conformidade com o que estabelece o artigo 566, inciso I, do Código Civil - CC. Despropositada, assim, a pretensão de restituição dos valores efetivamente gastos a esse título. 2. SALÁRIO PRODUÇÃO. HABITUALIDADE NO PAGAMENTO. NATUREZA REMUNERATÓRIA RECONHECIDA - O pagamento habitual de salário produção evidencia a natureza remuneratória da parcela devendo integrar a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. Recurso provido. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Recurso Ordinário: 0024944-87.2015.5.24.0021. Recorrente: Telemont Engenharia de Telecomunicações S/A. Recorrido: Gabriel Pereira Mendes. Relator: Francisco das Chagas Lima Filho. Data de Julgamento: 17.05.2017, 2ª Turma. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  6 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  7 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental: Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 227.  8 BRASIL. LEI N. 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília, DF, jul 2000. Disponível aqui. Acesso em: 04.09.2019.  9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade: 3378 DF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. Confederação Nacional da Indústria, Cassio Augusto Muniz Borges, Presidente Da República, Advogado-Geral Da União, Congresso Nacional, Instituto Brasileiro De Petróleo E Gás - IBP, Carlos Roberto Siqueira Castro E Outros. Relator: Ministro Carlos Britto. Data de Julgamento: 09.04.2008, Tribunal Pleno, Brasília, Data de Publicação: 20.06.2008. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 12.09.2019.  10 O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 896.863, já se manifestou acerca da distinção entre a compensação ambiental oriunda do artigo 36, da Lei n. 9.985/00 e a indenização ambiental assentada no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal. Vejamos sua ementa: PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC.OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. ART. 36 DA LEI Nº 9.985/2000. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: 896.863 DF 2006/0226648-9. Recorrente: Distrito Federal. Recorrido: Companhia Urbanizadora da Nova Capital Do Brasil - NOVACAP. Relator: Ministro Castro Meira, Data de Julgamento: 19.05.2011, 2ª Turma, Data de Publicação: 02.06.2011. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 15.09.2019.  11 STUMER; FINCATO, Gilberto; Denise Pires. Teletrabalho em tempos de calamidade por COVID 19: impacto das medidas trabalhistas de urgência. 341-364. In: BELMONTE, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARANHÃO, Ney (coord.). O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 359.  12 STUMER; FINCATO, Gilberto; Denise Pires. Teletrabalho em tempos de calamidade por COVID 19: impacto das medidas trabalhistas de urgência. 341-364. In: BELMONTE, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARANHÃO, Ney (coord.). O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 351.  13 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  14 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Recurso Ordinário: 0000809-73.2014.5.17.0010. ACÚMULO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS. O exercício cumulativo de tarefas em uma mesma jornada de trabalho, para um único empregador, não justifica o pagamento de plus salarial, sobretudo quando o empregado executa tarefas compatíveis com sua função e condições pessoais (critério da multifuncionalidade). Recorrente: CARIMI CARPINETTI MERIJ. Recorrido: ORTENG SPE PROJETOS E MONTAGENS LTDA, ORTENG MPN ENGENHARIA E CONSULTORIA LTDA e VALE S.A.  Relator: Carlos Henrique Bezerra Leite, Data de Publicação: 26.05.2015. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  15 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário: 1000661-98.2016.5.02.0719. Recorrentes: GOL LINHAS AÉREAS S/A e MARLEIDE MARIA DE SANTANA (Recurso Adesivo). Relator: Kyong Mi Lee, 3ª Turma - Cadeira 2, Data de Publicação: 01.10.2019. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  16 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  17 Seguindo a mesma linha de raciocínio: "(...) Da mesma forma, não socorre à pretensão da trabalhadora a juntada de comprovas de gastos mensais com energia elétrica, visto que não realizado qualquer cotejo que demonstrasse acréscimo nos valores pagos e que poderiam ser imputados à execução dos serviços prestados em favor da ré - o que, registre-se, poderia ter demonstrado a autora, por meio de confronto das despesas anteriores e posteriores ao início da prestação laboral -, buscando a parte apenas o deferimento de pretensão com base em arbitramento de valores, pelo MM. Juízo "a quo", com balizamento em limites apontados na inicial e que não se respaldam em efetivos elementos de prova que favoreçam a pretensão. (...)". BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Recurso Ordinário: 1001996-31.2016.5.02.0048. Recorrente: Franciele Cristina Maia Fernandes e Gol Linhas Aereas S.A.  Recorrido: Gol Linhas Aereas S.A., Gol Linhas Aereas Inteligentes S.A., Franciele Cristina Maia Fernandes. Relator: Sérgio Roberto Rodrigues, 11ª Turma, Cadeira 5, Data de Publicação: 10.10.2017. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  18 Nesse sentido: BRASIL. Op. Cit., Recurso Ordinário: 0000809-73.2014.5.17.0010, 2018. 19 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Recurso Ordinário: 1000731-17.2017.5.02.0708. Diverso do alegado, não se trata de transferência do risco da atividade econômica ao empregado, calhando ponderar que o regime de teletrabalho traz uma série de vantagens, no que se incluem flexibilidade de horários, economia de tempo com deslocamentos nas grandes cidades e até com vestuário. Há que se atentar também à nova dinâmica das relações laborais, visualizando-as sob um novo enfoque quanto à distribuição dos riscos, e não de um prisma puramente tradicional. Repiso que não restou corroborado acréscimo concreto de despesas por parte da reclamante - notadamente em contraponto às economias/benesses que passou a ter - que justifique o ressarcimento postulado. Recorrentes: LUZIA PULQUERIA DA SILVA LIMA e GOL LINHAS AÉREAS S/A (Recurso adesivo). Relator: EDILSON SOARES DE LIMA. Relator: Edilson Soares de Lima, 15ª Turma - Cadeira 2, Data de Publicação: 25.10.2018. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.
A lei 13.467, de 2017, em seus artigos 611-A e 611-B, possibilitou às negociações coletivas a instituição de regramentos em patamares inferiores aos previstos em lei. Nesse prumo, o artigo 611-A estabelece que "a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei" quando dispuserem, "entre outros", sobre diversos temas elencados, como, v.g., o regime de sobreaviso, o trabalho intermitente, a prorrogação de jornada e a duração dos intervalos. O artigo 611-B, por sua vez, estipula que a supressão ou a redução dos direitos nele elencados constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Todavia, no dispositivo consta o advérbio "exclusivamente" (e não "entre outros", como é o caso do artigo 611-A), destacando, pela lógica, a intenção de estabelecer a possibilidade de negociação de outros temas em prejuízo dos trabalhadores. O parágrafo único do referido dispositivo estabelece que "regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo", com a clara finalidade de esclarecer que as negociações coletivas poderão estipular normas relativas à duração do trabalho e aos intervalos inferiores que aquelas previstas em lei. A leitura dos dispositivos permite concluir, portanto, que somente são ilícitas as cláusulas negociais que envolvam os temas inscritos nos incisos do artigo 611-B. A nova legislação determina, em outras palavras, que sindicatos e empresários têm liberdade para negociar entre si e fixar condições de trabalho piores do que aquelas previstas na legislação. O Direito do Trabalho, entretanto, norteado pelo princípio da proteção, tem como característica um critério próprio de hierarquia das normas não distinguindo a eficácia a partir da origem da norma1. No caso de existir mais de uma norma aplicável, deve-se, por princípio, optar por aquela que seja mais favorável ao trabalhador - ainda que não seja a que corresponde aos critérios clássicos da hierarquia das normas2. As previsões contidas nos dispositivos em análise são contrárias ao texto constitucional. Isso porque, tanto o caput, como o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, direcionam a negociação coletiva para o objetivo de estabelecer condições de trabalho superiores àquelas previamente fixadas em lei. Ademais, a Constituição Federal somente permite a negociação coletiva reducionista no caso daqueles direitos expressamente elencados (como, v.g., o inciso XIV do artigo 7º). Verifica-se, ainda, que a previsão do negociado sobre o legislado descumpre as normas contidas nas Convenções nº 98, 151, 154 e 163 da OIT, pois o objetivo da negociação coletiva deve necessariamente ser a busca de condições de trabalho mais favoráveis do que aquelas existentes3. E, além da contrariedade às referidas convenções da OIT, essa inovação legislativa viola também outros tratados de direitos humanos, especialmente aqueles que reconhecem o trabalho digno e protegido como dimensões da dignidade da pessoa humana (a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Carta das Nações Unidas e da Convenção Interamericana de Direitos Humanos)4. Nesse sentido, levando em conta a legislação interna (constitucional) e internacional sobre o tema, bem como o princípio protetivo, somente seria possível aplicar os dispositivos em análise se se considerar que as convenções coletivas de trabalho alcançam prevalência sobre a lei apenas no que puderem oferecer melhores condições sociais em comparação com o previsto na legislação5.  Impõe-se considerar também que a Reforma Trabalhista objetivamente enfraqueceu o poder dos sindicatos (e, consequentemente, do movimento social e das greves) por meio do artigo 579 da CLT. A revogação do caráter compulsório da contribuição sindical em um ordenamento jurídico regrado pela unicidade sindical pode, sem mudanças culturais e sociais prévias, ocasionar crise em um dos principais e mais tradicionais instrumentos de promoção da transformação social: os sindicatos6. A legislação, portanto, rompe a teia de proteção social, porquanto provoca a perda da força dos sindicatos para sua organização e mobilização7, além de permitir o estabelecimento de normas coletivas supressivas. Não é possível pressupor, desse modo, que sindicatos de empregados e de empregadores têm iguais condições para negociar entre si - e, por isso, é indispensável a proteção contra o retrocesso social causado por normas coletivas supressivas. Conforme apontam Ricardo Antunes e Luci Praun8, "quanto mais frágil a legislação protetora do trabalho e a organização sindical na localidade, maior o grau de precarização das condições de trabalho, independentemente do grau de 'modernização' das linhas de produção ou ambientes de trabalho como um todo". Obviamente, em uma sociedade democrática, espera-se que os sindicatos tenham plena liberdade para negociar com as empresas - no entanto, sem a possibilidade de criar condições inferiores do que aquelas previstas pela legislação trabalhista. Compreende-se, ainda, que dispositivos como os artigos 611-A e 611-B da CLT somente poderiam ser discutidos, no Brasil, após um processo de reforma sindical. Quer-se dizer: o modelo sindical brasileiro, composto pela unicidade sindical e não-obrigatoriedade de contribuição pelo trabalhador subordinado, é pouco consistente do ponto de vista sistemático, considerando-se também o aumento simultâneo dado à autonomia privada do trabalhador subordinada e à autonomia dos entes sindicais pela Reforma Trabalhista. Ou opta-se por um sistema de normas laborais cogentes e irrenunciáveis, isto é, de intervenção do estado nas relações privadas e subordinadas de trabalho, ou por um sistema de collective laissez-faire (como existente no Reino Unido em boa parte do século XX), privilegiando-se a negociação coletiva9. Ambos, impulsionados de forma conjunta pela lei 13.467/17, constituem verdadeira jabuticaba criada pelo legislador10. Caso a Convenção nº 87 da OIT fosse ratificada pelo Brasil e, consequentemente, fosse adotado um modelo de ampla liberdade sindical, com sindicatos estruturados e solidificados (como é o caso do modelo Alemão, por exemplo)11, esse tipo de dispositivo poderia ser colocado em debate. Entretanto, com os sindicatos enfraquecidos e diante da precarização do trabalho que tem se agravado com o passar do tempo, como demonstram os dados estatísticos12, não há como considerar legítima a previsão de normas coletivas supressivas de direitos. Quiçá o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento do Tema 1046, trará novos horizontes e ponderada análise ao regime negocial trabalhista peculiar estabelecido no Brasil pelos artigos 611-A e 611-B da CLT. *Bóris Chechi de Assis é advogado no Escritório Krieg da Fonseca Advogados. Mestre em Direito pela Universidade de Lisboa - Especialidade em Ciências Jurídico-Laborais. Bacharel em Direito pela PUC/RS. Pesquisador na área de Direito do Trabalho. Pesquisador do Grupo de Estudos Araken de Assis - GEAK/IMED. Pesquisador do Núcleo de Pesquisas PUCRS/CNPQ Relações de Trabalho e Sindicalismo. Professor integrante do corpo docente do Instituto Ibero-Americano de Compliance - IIAC.  **Helena Kugel Lazzarin é advogada no Escritório Lazzarin Advogados Associados. Doutora e mestre em Direito pela UNISINOS. Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Bacharel em Direito pela PUC/RS. Pesquisadora nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital: retrocesso social e avanços possíveis, vinculado à UFRGS/USP/CNPQ. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas PUCRS/CNPQ Relações de Trabalho e Sindicalismo. Integrante do Núcleo de Direitos Humanos da UNISINOS. Parecerista da Revista da AGU - Advocacia-Geral da União. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa no Sistema de Saúde Mãe de Deus - CEP/SSMD. Professora integrante do corpo docente do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho da PUC/RS. __________ 1 DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. A Negociação Coletiva e a Lei 13.467: resistindo à interpretação regressiva. In: SEVERO, Valdete Souto. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz (coords.). Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017. p. 455. 2 Ou seja, o princípio da aplicação da regra mais favorável é consectário do princípio da proteção, norte de todo o sistema jurídico-laboral brasileiro (RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978. p. 43; e DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2020. p. 238). 3 TRINDADE, Rodrigo. Negociado sobre Legislado: o mito de Ulisses e as sereias. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães. TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (orgs.). Reforma Trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. p. 178-179. 4 SANTOS, Roseniura. Negociado sobre o Legislado e os Limites Impostos pelas Normas Internacionais do Trabalho e Outros Tratados de Direitos Humanos. In: SILVA FILHO, Carlos Fernando da. JORGE, Rosa Maria Campos. RASSY, Rosângela Silva (orgs.). Reforma Trabalhista: uma reflexão dos auditores-fiscais do trabalho sobre os efeitos da Lei n. 13.467/2017 para os trabalhadores. São Paulo: LTr, 2019. p. 268-270. 5 TRINDADE, Rodrigo. Negociado sobre Legislado: o mito de Ulisses e as sereias. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães. TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (orgs.). Reforma Trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. p. 183. 6 MIGUEL, Luís Felipe. Dominação e Resistência. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 166. 7 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 8ª ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Unicamp, 2002. p. 69-70. 8 ANTUNES, Ricardo. PRAUN, Luci. A Sociedade dos Adoecimentos no Trabalho. Disponível aqui. Acesso em: 31 out. 2020. 9 DUKES, Ruth. Otto Kahn-Freund: A Weimar Life. In: Modern Law Review, vol. 80, Issue 6, 2017. p. 1164-1177. 10 ASSIS, Bóris Chechi de. LAZZARIN, Helena Kugel. Estudo Comparado sobre Liberdade Sindical: Espanha, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. In: Revista Fórum Justiça do Trabalho. (No prelo) 11 ASSIS, Bóris Chechi de. LAZZARIN, Helena Kugel. Estudo Comparado sobre Liberdade Sindical: Espanha, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. In: Revista Fórum Justiça do Trabalho. (No prelo) 12 LAZZARIN, Helena Kugel. SANTOS JR., Rubens Fernando Clamer. O Aquecimento da Economia e o Pleno Emprego gerado pela Reforma Trabalhista: mitos e verdades. In: Revista Fórum Justiça do Trabalho, ano 37, n. 438, jun/2020. p. 35-36.
Ordinariamente, o recurso de embargos de declaração é cabível em três casos de defeitos intrínsecos no julgado: a omissão, a contradição e a obscuridade. A omissão é a ausência de manifestação do juízo acerca do pedido, fato ou tese sobre os quais deveria necessariamente se manifestar. É a principal hipótese de cabimento do recurso e também a mais frequente. Há contradição quando a decisão é contraditória consigo mesma. A contradição pode ocorrer na fundamentação versus dispositivo ou mesmo internamente em cada um dos elementos da sentença. Por exemplo: num parágrafo da fundamentação o juízo consigna que restou comprovado que a empresa garantiu ao reclamante a fruição regular do intervalo intrajornada e, em sentido contrário, no dispositivo há condenação em horas extras pela supressão da referida pausa intervalar. A obscuridade, por sua vez, é a ausência de clareza na decisão. A parte sucumbente, por exemplo, não consegue compreender os exatos limites da decisão judicial. Nesse caso, os embargos visam aclarar ou esclarecer a sentença. Entretanto, as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração não se esgotam na omissão, contradição e obscuridade. Isso porque, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, houve a introdução (expressa) do erro material no rol de hipóteses de cabimento dos embargos de declaração: Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Erro material é basicamente o erro de grafia, nomes ou valores. É cabível a oposição de embargos de declaração para a correção do erro material, mas esse pode ser corrigido também a qualquer tempo por simples petição e também de ofício. O erro material não transita em julgado. Outra hipótese de cabimento dos embargos de declaração é o manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso, nos termos do art. 897-A, caput, da CLT: Art. 897-A Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência ou sessão subsequente a sua apresentação, registrado na certidão, admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso. Podemos citar como exemplo o caso em que o relator deixa de admitir o recurso por ausência de preparo, mas as guias e comprovantes foram devidamente e tempestivamente juntados aos autos. Por fim, não menos importante, é a hipótese de cabimento de embargos de declaração pela ocorrência de erro de fato, também chamado erro de premissa fática. Diferentemente das demais hipóteses acima elencadas, o erro de fato não possui previsão expressa para o recurso de embargos de declaração. Entretanto, o erro de fato é previsto como situação capaz de ensejar o cabimento da ação rescisória, nos termos do art. 966, VIII do CPC/15: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos. Aqui vale lembrar a máxima "quem pode o mais, pode o menos". Ou seja, se o erro de fato é capaz de ensejar a desconstituição da coisa julgada através de uma ação rescisória, é razoável que se considere o erro de fato como situação idônea a desafiar os embargos de declaração. Afinal, havendo erro de fato, por que esperar o trânsito em julgado da decisão para se recorrer ao instituto da ação rescisória? Nesse sentido, segue uma recente decisão da 5ª Turma do TST: "(...) a jurisprudência admite, excepcionalmente, a utilização dos embargos de declaração para correção de defeitos decorrentes de erro de fato, que ocorrem quando o julgador se equivoca acerca de fato relevante, podendo ensejar a modificação de sua decisão. Precedentes. Tal entendimento jurisprudencial visa naturalmente prestigiar o princípio da celeridade processual, introduzido pelo art. 5.º, LXXVIII, da CF. Isso porque, na prática, evita a desconstituição da decisão pela propositura de ação rescisória. (...)" (ED-ED-RR-544-68.2014.5.06.0013, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 26/06/2020). Mas, afinal, o que é o erro de fato? O erro de fato basicamente é o equívoco ou descuido do julgador que não observou adequadamente determinada premissa fática dos autos. Por exemplo, no acórdão regional a turma mantém a rescisão indireta do contrato de trabalho, porquanto a reclamada não juntou aos autos o comprovante de depósitos do FGTS. Ocorre que o comprovante estava nos autos e o colegiado não se atentou. A decisão fora baseada em erro de fato ou de premissa fática. A este respeito, seguem alguns fragmentos de decisões da 3ª, 4ª e 7ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho em que admitido o erro de fato e o cabimento e provimento dos embargos de declaração: "(...) tanto a jurisprudência quanto a doutrina entendem que os embargos de declaração podem ser utilizados, de forma excepcional, para a correção de erro de fato, conforme previsto no artigo 966, VIII, e § 1º, do CPC e reconhecem a mencionada circunstância como causa de rescisão da sentença transitada em julgado. Portanto, uma vez verificado que a decisão se baseou em fato equivocado, é permitido ao julgador sanar o equívoco, acolhendo os embargos de declaração opostos pela parte e, se for caso, imprimindo efeito modificativo. (...)" (ED-ARR-10171-53.2016.5.15.0053, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 21/02/2020). "(...) Não obstante a delimitação do rol de vícios sujeitos ao saneamento pela via dos embargos de declaração, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, de forma excepcional, têm admitido a utilização do citado remédio processual para a correção de defeitos decorrentes de erro de fato, cuja previsão encontra-se insculpida no artigo 966, VIII e § 1º, do CPC/2015, o qual reconhece a mencionada circunstância como causa de rescisão da sentença transitada em julgado. O erro de fato é aquele derivado do descuido do juiz, o qual se equivoca acerca de fato relevante e que, caso considerado pelo magistrado, enseja modificação na sua decisão. Para a circunstância, nada obsta que o julgador sane o equívoco perpetrado, acolhendo os embargos de declaração para, inclusive, se for o caso, dar-lhes efeito infringente. Precedentes do STF e STJ. (...)" (ED-RR-128200-92.2005.5.12.0033, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 27/03/2020). "(...) O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho admitem o manejo dos embargos de declaração para corrigir julgamento que parte de premissa fática flagrantemente dissociada dos autos. Precedentes. II. No caso vertente, adotou-se a premissa de que a unicidade contratual e a condenação solidária das prestadoras fundaram-se tão somente no reconhecimento da ilicitude da terceirização, sem se considerar que o Tribunal Regional, em embargos de declaração, acrescentou fundamento independente no sentido de que as prestadoras integram grupo econômico. Trata-se, assim, de vício passível de ser sanado em embargos de declaração. (...)" (ED-RR-136800-57.2008.5.24.0003, 7ª Turma, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 26/06/2020). Entrementes, não é pacífico na doutrina e jurisprudência se o erro de fato é um tipo autônomo de defeito do julgado ou uma espécie de algum dos defeitos clássicos. Nesse sentido, segue a seguinte decisão da lavra da 1ª Turma do TST que considera o erro de fato uma espécie de omissão: "(...) A jurisprudência do STF, do STJ e do TST tem admitido embargos de declaração em que a parte aponta erro de fato quanto à premissa adotada no julgamento do recurso interposto, espécie de omissão de ponto sobre o qual o Tribunal devia se pronunciar (arts. 897-A da CLT e 1.022, II, do CPC). 2. Na espécie, a omissão reside na desconsideração do fato de que a presente ação de indenização por dano moral e material decorrente de acidente de trabalho fora ajuizada na Justiça Comum antes da vigência da Emenda Constitucional nº 45/2004, o que permite a condenação em honorários advocatícios, por mera sucumbência, nos termos do art. 20 do CPC. (...)" (ED-RR-49500-94.2007.5.15.0083, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 29/11/2019). Seja considerando-se o erro de fato um tipo autônomo de defeito da sentença, seja uma espécie de omissão1, o que importa é que os Tribunais Superiores o consideram um defeito idôneo a ensejar a oposição de embargos de declaração com efeito modificativo. Desta forma, como mencionado pelo ministro do TST, Breno Medeiros, em julgado acima referido, a admissão de embargos de declaração nos casos de erro de fato consagra o princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal). ____________ 1 Os professores Fredie Didier e Leonardo Carneiro classificam o erro de fato como uma espécie de erro material. DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. 720 p. 3 v.
O teletrabalho surgiu com o desenvolvimento tecnológico. Os novos e diversos mecanismos de comunicação uniram ainda mais o empregado ao empregador. E, neste cenário, o empregador viu a possibilidade de poder se comunicar com o seu empregado mesmo à distância do seu local de trabalho. A reforma trabalhista regulamentou o teletrabalho por meio dos artigos 75-A ao 75-E da CLT, podendo esta modalidade ser, preponderantemente, desenvolvida em qualquer local fora das dependências da empresa, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. O regime de teletrabalho não está sujeito ao controle de jornada, bem como marcação de ponto, conforme art. 62, III, da CLT. Assim, o trabalhador deve estabelecer e cumprir uma rotina de trabalho, além de estar online de modo a possibilitar a interação com a equipe e com seu superior sempre que necessário.  Desta forma, deverá constar expressamente em contrato individual de trabalho ou em aditivo que a modalidade adotada pela empresa será o teletrabalho, devendo existir mútuo acordo entre as partes. Cabe ressaltar que o empregador deve proceder com as devidas anotações na CTPS do trabalhador. É essencial que fique formalizado como se dará o custeio e o fornecimento de materiais e equipamentos necessários para prestação da atividade, conforme disciplina o art. 75-D da CLT. É importante destacar que mesmo que ocorra o comparecimento eventual do empregado nas dependências do empregador para efetuar atividades específicas, esse fato não descaracteriza o regime de teletrabalho. E, para transição de um empregado da modalidade em teletrabalho para o presencial, deve ser respeitado um prazo mínimo de 15 dias. Já o home office, diferente do teletrabalho, pode ser utilizado eventualmente pelos funcionários sem que seja um período longo fora das dependências da empresa. E, para tanto, não há necessidade de previsão em contrato de trabalho. Geralmente, o home office surge como benefício a ser concedido ao empregado, uma vez por semana, por exemplo, ou em caso de medidas emergenciais, como enchentes, greve no transporte público, ou como prevenção contra a nova Covid-19. Dessa maneira, ficam incólumes todas as cláusulas previstas no contrato de trabalho, inclusive o controle de jornada. Nesse sentido, é importante que saibamos diferenciar esses institutos que não são análogos. A MP 927/2020, que regulamentava o teletrabalho durante o período de pandemia do Covid-19, de uma maneira geral flexibilizou algumas exigências previstas pela CLT, o que tornou mais célere o procedimento de alteração da modalidade presencial para teletrabalho. Apesar da medida provisória não ter sido convertida em lei, o que fez com que ele perdesse sua eficácia, é importante esclarecer que a perda da validade apenas teve efeitos para aqueles empregadores que não adotaram o teletrabalho durante a sua vigência. Nesse sentido, para as empresas que se socorreram da Medida Provisória 927, o teletrabalho continua válido até o dia 31/12/2020, quando termina o estado de calamidade pública determinado pelo Decreto Federal n. 6/2020. Com a caducidade da MP 927/2020, as empresas que hoje optarem pela modalidade teletrabalho deverão, contudo, observar os termos da legislação celetária, não podendo mais flexibilizar. É fato público e notório que a crise instalada pela pandemia causou mudanças drásticas e significativas na estrutura das empresas e na rotina dos empregados de maneira repentina. Ocorre que, conforme noticiado na mídia, grandes empresas já cogitam aderir definitivamente ao teletrabalho. Para o empregado, o teletrabalho pode trazer benefícios, pois não perderá tantas horas se deslocando para a empresa. E, com isso irá produzir mais e melhor. Mas em contrapartida, corre-se o risco de trabalhar mais e assim não conseguir separar a vida pessoal da profissional, já que está executando suas tarefas profissionais dentro de sua residência. Tal fato causa relativa preocupação, uma vez que a própria natureza da prestação do serviço em teletrabalho permite ao empregado uma maior confusão entre a atividade laboral e a sua vida privada. Assim, a alteração no regime deve ser realizada com parcimônia, uma vez que não é possível deixar de lado as questões de saúde e segurança do trabalho. O que a princípio parece tão benéfico, pode trazer uma série de implicações no tocante a saúde do trabalhador, sendo uma delas as doenças psíquicas advindas do excesso de trabalho. Nesse sentido, os teletrabalhadores ficam expostos a inúmeros riscos que prejudicam a sua integridade física e mental se não houver uma fiscalização eficaz por parte do empregador. É relevante ressaltar que o direito à desconexão é garantia fundamental do trabalhador, por se tratar de norma de saúde, higiene e segurança do trabalho, prevista no art. 7º da Constituição Federal. Manter o trabalhador conectado ao labor sem o devido controle nos momentos em que ele deveria estar descansando, fere o que modernamente vem sendo chamado de direito à desconexão1. O direito a desconexão nasce da moderna relação entre tecnologia e trabalho, consistindo no direito a desconectar-se do seu trabalho. É o direito a "se desconectar completamente da empresa, ou seja, desligar o computador, o telefone, ou qualquer que seja o meio pelo qual ele se comunique com o seu empregador"2.  Os teletrabalhadores necessitam de proteção e, sobre a temática, o Desembargador do TRT/15 e Professor, Dr. Jorge Luiz Souto Maior3, publicou artigo sobre o direito à desconexão, suscitando que este não seria somente um direito individual do trabalhador, mas da sociedade e também da família. O direito a desconexão também já foi objeto de estudo na OIT (Organização Internacional do Trabalho) que publicou relatório destacando as vantagens do teletrabalho, como, por exemplo, a maior autonomia no tempo de trabalho, além da redução no tempo de deslocamento; e, em sentido contrário, também fez uma análise acerca das desvantagens, a exemplo da tendência de o empregado trabalhar por longas horas, o que pode elevar os níveis de estresse4. Ainda sobre o tema, há o projeto de lei 4.044, de 2020, em tramitação no Senado Federal, citando novas teorias jurídicas sobre a regulamentação do teletrabalho e decisões judiciais a favor da imposição de "limites a fim de preservar a vida privada e a saúde do trabalhador"5. O referido projeto de lei tem como objetivo alterar o § 2º do art. 244 da CLT, para acrescentar o § 7º ao art. 59 e os arts. 65-A, 72-A e 133-A ao decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, de modo a dispor sobre o direito à desconexão do trabalho, disciplinando o teletrabalho quanto às regras da jornada de trabalho, períodos de descanso e férias6. Segundo o texto do PL 4.044/2020, o empregador não poderá solicitar normalmente a atenção de um empregado em regime de teletrabalho, por telefone ou por qualquer ferramenta de comunicação eletrônica, fora do horário de expediente. Além disso, o empregado em gozo de férias deverá ser excluído dos grupos de mensagens do trabalho e removerá de seus dispositivos eletrônicos privados quaisquer aplicativos de internet (sem excluir outras ferramentas tecnológicas que vierem a ser criadas) voltados exclusivamente para uso no trabalho. Desta forma, concluímos que a legislação trabalhista não protege de forma eficiente essa nova realidade vivenciada sobretudo em tempos de pandemia, havendo a necessidade de regulamentação acerca do tema. Em arremate, o uso de novas tecnologias de informação e comunicação no âmbito do ambiente de trabalho vem sendo pauta de debate nos Tribunais. Ao analisar a complexa discussão da jornada de trabalho e os direitos fundamentais, verifica-se que existe a preocupação em acompanhar as tendências do mundo atual e na forma como o Direito do Trabalho deve tratar a rotina dos trabalhadores, em particular num mundo cada vez mais conectado, garantindo-se o direito à desconexão do trabalho para que seja garantida qualidade de vida ao trabalhador. *Fernanda Prado dos Santos é advogada graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, sócia, fundadora e coordenadora do setor trabalhista do escritório Fernanda Prado Sociedade Individual de Advocacia. **Thaís de Siqueira Campos Azevedo é advogada graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e pós-graduanda em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, sócia e fundadora do escritório Thaís de Siqueira Campos Advocacia. __________ 1 Tribunal Regional do Trabalho 1ª Região, processo nº 0001609-74.2012.5.01.0024, relator Leonardo Dias Borges, publicado em DOU 3/9/2014. 2 MENDONÇA, Talita Rodrigues. O Teletrabalho e o Direito à Desconexão como forma de garantir o gozo do Intervalo Intrajornada. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 6. Região. Recife, PE, v.19, n. 36, p. 238 jan/dez/2018. 3 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão do Trabalho. 2013, p. PDF. Disponível aqui, acesso em 30 jun.2020. 4 Nações Unidas Brasil. Acesso em 02 set. 2020. 5 Senado Federal. Acesso em 02 de set.2020. 6 Senado Federal.
1. Da natureza jurídica das exigências do §1º-A, I, II E III do art. 896 da CLT A lei 13.015/2014 criou mais pressupostos para apreciação do recurso de revista por uma das Turmas do TST. Dentre eles, um dos que mais causam polêmicas é o § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT. Pressupostos extrínsecos recursais são aqueles de natureza meramente formal e que podem ser analisados de modo objetivo, tais como a tempestividade, a adequação do recurso à previsão legal, a regularidade da representação processual e o preparo que, no caso dos processos trabalhistas, se refere às custas processuais e ao depósito recursal. No voto proferido no processo RR 351-42.2014.5.09.0022, o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, integrante da 8ª turma do TST, declara que"a indicação do trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista constitui pressuposto formal de admissibilidade, indispensável à verificação da insurgência em face do acórdão recorrido". (g.n.) Por sua vez, pressupostos intrínsecos recursais dizem respeito à própria existência do direito de recorrer, isto é, por meio da análise de tais requisitos se verifica se a parte pode interpor ou não o recurso. Citamos como exemplos a legitimidade, o interesse recursal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, como é o caso da (in) existência de sucumbência. Ao proferir o voto nos autos do processo AIRR-0002763- 24.2012.5.02.00170, o Min. Cláudio Brandão, integrante da Eg. 7ª turma do TST, exarou seu posicionamento no sentido de que as exigências previstas no art. 896, §1º,-A, CLT ostentam natureza de pressuposto intrínseco recursal. Com o devido respeito, ao nosso sentir, as exigências previstas nos incisos I, II e III, do § 1º-A, art. 896 da CLT, ostentam natureza de pressuposto extrínseco recursal, na medida em que possuem contornos meramente objetivos e formais para análise da viabilidade do recurso. A regularidade formal se distingue, a título de exemplo, do prequestionamento em si, da análise de possível violação legal ou constitucional, da especificidade de arestos trazidos a cotejo de teses, os quais são caracterizados como efetivos pressupostos intrínsecos do Recurso de Revista. Reforça nossa conclusão as previsões do inciso I, "b" e IV, "a", da súmula 337/TST, que tratam de questões formais inerentes à comprovação de dissenso pretoriano para fins da alínea "a" do art. 896 CLT, porquanto exigem da parte recorrente o apontamento do trecho da decisão recorrida e a fundamentação da violação da lei e ou da CF. Há quem diga que os incisos da Súmula 337/TST tratam de questões intrínsecas, como é o caso da especificidade de arestos trazidos à colação à luz das súmulas 23 e 296/TST. Dessa forma, a identificação da natureza jurídica das exigências advindas no § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT se mostra essencial à advocacia trabalhista, na medida em que se admite a revisão dos pressupostos extrínsecos do recurso de revista por meio de Embargos à SBDI-I (Súmula 353/TST), conquanto a revisão dos pressupostos intrínsecos, a rigor, não é mais passível de revisão no âmbito do TST desde a alteração da redação do art. 894 da CLT, conferida pela Lei nº 11.496/2007. 2. Do prequestionamento e da indicação/transcrição do trecho da decisão recorrida Denomina-se prequestionamento o debate prévio, na decisão impugnada, de determinada matéria objeto de recurso. Visa, notoriamente, vedar a inovação recursal para que o processo chegue a um termo. O prequestionamento é decorrência lógica das próprias hipóteses de cabimento do recurso de revista, já que não é possível vislumbrar violação à dispositivo de lei ou da Constituição Federal se o conteúdo do artigo de lei ou constitucional não foi objeto de análise pela decisão recorrida. A lei 13.015/14 inseriu o inciso I do § 1º-A, no art. 896 da CLT. Tal dispositivo exige que a parte recorrente indique o trecho da decisão recorrida em que há o debate prévio (prequestionamento) da matéria impugnada na minuta do apelo revisional de natureza extraordinária. Frise-se que nosso destaque à palavra "indicação" é de suma relevância, porquanto em que alguns precedentes de Turmas do TST, ao interpretar as alterações promovidas pela lei 13.015/2014, vêm imprimindo ao verbo "indicar" o mesmo significado do verbo de "transcrever". Nesse sentido: TST-AIRR-0001995-59.2012.5.15.0010, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/04/2015. Respeitosamente, o verbo "indicar", segundo os Dicionários Houaiss e Michaelis, não é sinônimo do verbo "transcrever". A adoção do sinônimo causou discussão em diversas Turmas do TST que, ao analisarem o Recurso de Revista interposto na vigência da Lei 13.015/14, passaram expressamente a fazer tal distinção esclarecendo as balizas da nova exigência. Nesse prumo: TST-AIRR - 44-54.2010.5.09.0014, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015. Destarte, em razão da inexistência de um consenso interpretativo, em meados do ano de 2018 a SBDI-I do TST firmou entendimento que a simples indicação das páginas correspondentes, paráfrase, sinopse, transcrição integral do acórdão recorrido, do relatório, da ementa ou apenas da parte dispositiva, não é suficiente para atender o requisito previsto no § 1º-A, I do art. 896 da CLT:TST-E-ED-RR-0000242-79.2013.5.04.0611, SBDI-I, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 25/5/2018. Com o devido respeito ao entendimento sufragado pela SBDI-I do TST, não se pode transmudar a vontade do legislador, pois a lei, enquanto linguagem técnica que é, exige do intérprete a extração do seu real significado. Parece-nos claro que não há previsão legal que exija a transcrição do trecho da decisão recorrida. Logo, concessa vênia, não pode o intérprete exigi-la nos julgados. Ao nosso sentir, a melhor exegese do § 1º-A, I, do art. 896 da CLT, é no sentido de que apenas a minuta recursal que não tece qualquer referência ao trecho da decisão recorrida desatende os critérios legais, conforme conclusão que vem sendo adotada pela 8ª Turma do TST: TST-AIRR-0021442-12.2013.5.04.0331, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/10/2015; TST-AIRR-0000127-23.2012.5.20.0005, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/10/2015. A conclusão adotada pela 8ª Turma do TST decorre da previsão do artigo 896, §11, da CLT, que, em consonância com os ditames do Novo Código de Processo Civil, pautado no princípio da instrumentalidade das formas, permite que as pequenas falhas de forma sejam relevadas pelo juízo regional de admissibilidade da revista. Apesar do claro abrandamento da previsão legal advinda com a alteração legislativa moldada no CPC/15, há precedentes do TST que entendem pela inaplicabilidade do § 11 quanto à análise do atendimento das exigências do § 1º-A, I, art. 896, da CLT, ao fundamento de se tratar de defeito formal grave. Nesse sentido, o voto do min. Maurício Godinho Delgado nos autos do processo TST-ED-AIRR-0000738-46.2011.5.15.0135 em que decide que "a própria lei nº 13.015/2014 instituiu a necessidade de se demonstrar a existência da tese jurídica do acórdão recorrido, de modo que não há como não reputar a sua ausência como um defeito formal grave. Inaplicável, no presente caso, o teor do §11 do art. 896 da CLT." (g.n) Além de a lei 13.015/14 criar novas exigências e dificuldades para a parte recorrente, indene de dúvidas que as interpretações adotadas pelo C. TST caminham no sentido de praticamente inviabilizar o acesso das partes à cognição extraordinária.  3. Do trecho da decisão recorrida Outra questão que tem sido objeto de grande controvérsia na jurisprudência do TST diz respeito ao significado de "trecho da decisão recorrida". Isso porque a expressão guarda certo grau de subjetivismo gerando insegurança aos advogados, quando da elaboração da revista, no que diz respeito ao atendimento deste requisito legal. Ao nosso sentir, a expressão "trecho da decisão recorrida" pode ser interpretada como um excerto, um fragmento ou uma parte da decisão recorrida que demonstre a manifestação jurisdicional a quo a respeito da tese combatida em sede de revista. Isto é, que a parte demonstre na minuta recursal o devido prequestionamento da matéria impugnada. A controvérsia se instaura porque alguns julgados do TST tem entendido que a transcrição do inteiro teor do acórdão recorrido desatende a exigência legal que exige apenas o trecho da decisão recorrida: TST-Ag-AIRR-00000033-60.2014.5.02.0020, Rel. Des. Convocado Marcelo Lamego Pertence, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/06/2017. E mais. Há ainda precedentes no sentido de que a indicação/transcrição do trecho da decisão deve constar do tópico específico de cada matéria impugnada, não atendendo o requisito legal a transcrição em outros tópicos ou no início da peça recursal: TST-AIRR-0100970-39.2017.5.01.0008, Rel. Min. Alexandre Agra Belmonte, decisão monocrática, DEJT 30/06/2020; TST-AIRR - 10607-89.2014.5.15.0050, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, DEJT 2/12/2016. Concessa vênia, não há como se negar de que se trata de dois preciosismos por parte do TST, característicos da jurisprudência defensiva formada quanto à admissibilidade do recurso de revista, uma vez que a redação do § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT não fazem nenhuma restrição quanto à possibilidade de transcrição na íntegra da fundamentação da decisão recorrida, muito menos determina o local da peça processual em que deverá constar a referida indicação/transcrição. Respeitosamente, o Tribunal Superior do Trabalho não pode punir a parte que age com cautela e transcreve a íntegra da decisão recorrida em qualquer tópico recursal que se encontre. A longínqua jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas, inclusive do próprio TST, admitia a formação do instrumento com a cópia integral dos autos principais e nem por isso deixava de conhecer dos agravos de instrumentos em que se acostavam mais peças do que as exigidas pelo art. 897, "b", §5º, I, CLT. Ora, como diz o velho brocado jurídico: quem pode o mais, pode o menos! Dessa forma, a indicação de um trecho longo, por cautela e excesso de zelo do recorrente, independentemente de onde constar nas razões recursais, não pode acarretar a mesma consequência da falta de indicação ou da inexistência de transcrição de trecho qualquer da decisão impugnada. Ora, se há indicação ou transcrição na íntegra, seja em qual local do recurso constar, obviamente nela contém o trecho da decisão recorrida, ainda que a maior e, por tal razão, atende a vontade do legislador que é de facilitar o trabalho do magistrado relator. Há ainda precedentes turmários do TST que entendem não atendidos os critérios legais nas hipóteses de transcrição de um trecho muito curto do acórdão recorrido que não demonstra o prequestionamento da matéria combatida: TST-AIRR-0000301-68.2012.5.05.0031, Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação DEJT 27/04/2018; TST-AIRR-0002763-24.2012.5.02.0017, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/02/2016. Para tais hipóteses, estamos de acordo que a indicação ou transcrição de um trecho demasiadamente curto e que não engloba todas as razões de decidir da decisão recorrida inviabiliza o conhecimento da revista, pois além de não demonstrar o devido prequestionamento da matéria veiculada, prejudica a análise judicial ad quem se o recurso combateu todos os fundamentos jurídicos adotados pela decisão a quo (Súmula 422/TST). Logicamente, tal raciocínio não se aplica aos casos em que há transcrição na íntegra da decisão impugnada via recurso de revista pelas razões já mencionadas. Interessante perceber que se há transcrição da íntegra, o TST entende desatendida a exigência legal. Se a transcrição é curta, da mesma forma. Paira no ar a insegurança jurídica da parte na elaboração das razões de revista. Com o devido respeito aos entendimentos contrários, entendemos que a vontade do legislador não deixa margens de dúvidas: se a indicação ou transcrição realizada pelo recorrente é pertinente ao objeto do recurso, independentemente do local em que constar na peça processual, e em havendo fundamentação em torno dos dispositivos legais ou constitucionais tidos como violados ou ainda à questão objeto da divergência jurisprudencial, não há como se obstar a análise do apelo com base no art. 896, §1º-A, I, II, III, da CLT. 4. Da conclusão  As exigências advindas com o § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT apenas reforçam nossa conclusão de que nos últimos anos todas as alterações legislativas advindas no processo trabalhista, notadamente no que diz respeito à recorribilidade extraordinária, são no sentido de reduzir a demanda nos tribunais superiores. No artigo intitulado "Apontamentos sobre a lei 13.015/14 e impactos no sistema recursal trabalhista", o ministro aposentado do TST João Oreste Dalazen, na condição de um dos integrantes da Corte na época da edição da lei, é taxativo ao consignar que "como salta à vista, a lei 13.015/14 visou a inibir novos recursos de revista para o Tribunal Superior do Trabalho. Na senda da evolução histórica do sistema de recursos trabalhistas, recrudesceu os filtros destinados, sobretudo, a dificultar ainda mais o conhecimento do recurso de revista, mediante agravamento das exigências formais ou pressupostos intrínsecos de admissibilidade. Não é uma lei, pois, que se preocupe com todo o sistema recursal trabalhista: ao contrário, tem por objeto precipuamente os recursos da competência funcional do Tribunal Superior do Trabalho, em especial o recurso de revista". (g.n) Não bastasse a desnecessidade de "indicação/transcrição" pela parte recorrente do trecho (ou da íntegra) da decisão recorrida, porque em realidade, a tarefa de aferir o devido prequestionamento da matéria compete ao magistrado - e não às partes - dentro das atribuições do juízo de admissibilidade recursal, os precedentes turmários demonstrados restringem ainda mais o acesso do jurisdicionado à cognição extraordinária. Os jurisdicionados compreendem perfeitamente a grande demanda que atualmente tramita nos Tribunais Superiores. Todavia, as lides trabalhistas travadas em nossa sociedade dizem respeito à vida, à própria subsistência e à propriedade das pessoas. De modo que as partes esperam o abrandamento de regras adjetivas para que o mérito das causas seja objeto de reanálise em via recursal, exatamente como previu o legislador do novo Código de Processo Civil elaborado em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas, e também do próprio legislador trabalhista ao inserir em nosso ordenamento o § 11 no art. 896 da CLT.
No presente artigo*, vamos abordar os requisitos e limitações do seguro garantia judicial no processo do trabalho. A partir da interpretação lógico-sistemática da legislação em vigor, demonstraremos que não há direito subjetivo do devedor trabalhista no uso indiscriminado do seguro garantia judicial, estando sujeito a uma série de condicionantes impostas não só pela legislação processual, mas também pelo Ato Conjunto 01/2019 do CSJT e TST. O atual CPC de 2015 trouxe uma novidade nas execuções, permitindo a substituição da penhora em dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia, conforme previsão do §2º do artigo 835 do CPC: "para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento". O seguro garantia judicial é o contrato pelo qual a seguradora presta a garantia de adimplemento da obrigação de pagar do devedor no processo judicial, nos limites da apólice. Esta espécie securitária equipara-se a dinheiro para fins de garantia do juízo da execução, assegurando ao devedor não ter seus bens expropriados sem uma decisão terminativa da fase executória, tratando-se, em tese, de meio menos oneroso, porquanto permite ao devedor manter o valor da execução em capital de giro enquanto discute questões da execução, notadamente eventual impugnação à sentença de liquidação (art. 884, §3º, CLT). Todavia, em que pese a possível vantagem ao devedor, não se pode olvidar que tal procedimento acarreta-lhe maior custo, na medida em que não lhe retira a obrigação de pagar a dívida, tendo ainda o custo adicional de contratação da fiança ou do seguro garantia. Conforme advertem Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, "a jurisprudência do STJ tem sido hostil à substituição por fiança, tendo em vista que conduziria a execução em sentido contrário ao da sua finalidade natural de entregar dinheiro ao exequente. Por outro lado, se prestada a garantia por banco, ela equivale a dinheiro. No caso do seguro, o juiz deve avaliar a prova da garantia produzida pelo devedor juntamente com o requerimento [...]"1. Neste sentido, conforme entendimento do STJ, "a substituição da garantia em dinheiro por outro bem ou carta de fiança somente deve ser admitida em hipóteses excepcionais e desde que não ocasione prejuízo ao exequente, sem que isso enseje afronta ao princípio da menor onerosidade da execução para o devedor". (REsp 1090864 RS - 4ª Turma - Relator Ministro Massami Uyeda - Data de julgamento: 10.05.2011). É bem de ver que, no âmbito processual civil, a excepcionalidade da substituição da penhora em dinheiro é o vetor de aplicação do §2º do artigo 835 do CPC. No âmbito da Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/80), o art. 9º, inciso II, com a alteração dada pela lei 13.043/2014, prevê a possibilidade de o executado oferecer fiança bancária em valor correspondente ao montante do débito, com os acréscimos legais, a título de garantia do juízo da execução. Debruçando-se sobre esta norma dos executivos fiscais, a jurisprudência consolidada do STJ2 estabeleceu as seguintes balizas, as quais podem servir de referencial para o ramo jurisdicional trabalhista especializado: (1) a substituição da penhora de dinheiro por fiança bancária, por iniciativa do devedor, só pode ser feita apenas quando este demonstrar, com provas concretas, a sua necessidade imperiosa; (2) não existe o princípio da maior conveniência em favor do devedor; (3) a garantia da execução fiscal por fiança bancária ou seguro garantia não pode ser feita exclusivamente por conveniência do devedor, o que só poderá ser admitido se a parte devedora, concreta e especificamente, demonstrar a necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade. Portanto, segundo a firme jurisprudência do STJ, a partir de uma análise lógico-sistemática do ordenamento jurídico, sempre em atenção à efetividade da execução e ao princípio do favor creditoris inerente à finalidade da execução patrimonial, o devedor não possui direito potestativo de substituição de dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia, devendo sempre serem observadas as circunstâncias do caso concreto devidamente justificadas, sob pena de se conferir proeminência à execução menos onerosa para o executado em franco prejuízo da satisfação integral e rápida do crédito exequendo. Em suma, não há, em abstrato, preponderância do princípio da menor onerosidade para o devedor sobre o da efetividade da tutela executiva, uma vez que o princípio do meio menos gravoso ao executado deve sempre se compatibilizar com o princípio da primazia do credor, pelo qual a execução se faz no interesse do credor (art. 797 do CPC). Na seara processual trabalhista, a lei 13.467/2017 permitiu a substituição do depósito recursal por fiança bancária ou seguro garantia (art. 899, §11, CLT), assim como passou a permitir a garantia do juízo em execução por tal modalidade (art. 882 da CLT). Cabe ressaltar que as duas normas celetistas mencionadas apenas preveem uma possibilidade de se garantir o juízo da execução com seguro garantia sem adentrar em maior detalhamento, cuja redação aproxima-se da Lei dos Executivos Fiscais. Abre-se espaço, assim, para a aplicação das balizas jurisprudenciais fixadas pelo STJ no âmbito da execução trabalhista, mormente diante da regra de subsidiariedade do art. 889 da CLT e da máxima de hermenêutica jurídica de aplicação lógico-sistemática do ordenamento jurídico, e não apenas da incidência isolada de certa norma legal no caso concreto. Essa alteração legislativa trouxe vários questionamentos no âmbito recursal trabalhista, haja vista que muitos julgados deixaram de conhecer de recursos em razão da juntada de apólices de seguro garantia com prazo determinado ou que não continham especificamente o número do processo (o que autorizava, em tese, a utilização de uma mesma apólice em vários processos), inviabilizando a efetiva garantia do juízo, não cumprindo a finalidade do instituto do depósito recursal. Diante das divergências, o CSJT e o TST editaram o Ato Conjunto nº 01 de 16/10/2019, regulamentando o seguro garantia e fiança bancária em substituição ao depósito recursal e para garantia da execução. Apesar do necessário rigor para permitir a substituição da penhora em dinheiro por fiança ou seguro garantia, tal como se exige na execução fiscal, a jurisprudência do TST tem admitido como se fosse um direito potestativo do réu, assim como a regulamentação do instituto no âmbito da Justiça do Trabalho foi mais branda, em franco detrimento e enfraquecimento da jurisdição executiva trabalhista, permitindo a adoção de tais meios de garantia dispensando a comprovação da necessidade imperiosa da substituição como meio menos oneroso. Com efeito, o TST possui entendimento de que "a carta de fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito em execução, acrescido de trinta por cento, equivalem a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 835 do CPC de 2015" (OJ nº 59 da SDI-2). O Ato Conjunto nº 01/2019, de natureza infralegal, visa apenas regulamentar as condições formalísticas de aceitação da apólice do seguro garantia, o que não tolhe a atividade jurisdicional do magistrado de cotejar, no caso concreto, os princípios da efetividade da execução e da menor onerosidade para o executado, com vistas a admitir, ou não, o seguro garantia, tendo sempre em vista que não há direito subjetivo abstrato do devedor, nos moldes da jurisprudência consolidada do STJ acima destacada. Em síntese, em conformidade com o artigo 3º do Ato Conjunto 01/2019, se a parte pretende se utilizar do mecanismo do seguro garantia ou da fiança bancária, deverá contratar seguradora idônea, constando da apólice o valor total corrigido com acréscimo de 30%, com cláusula de manutenção da garantia mesmo que o segurado não tenha efetuado o pagamento de parcelas do prêmio previsto no contrato respectivo. Ademais, devem estar presentes o número do processo a que se refere a garantia, a vigência mínima de três anos, com cláusula de renovação automática, identificação das situações caracterizadoras do sinistro (previstas no art. 10 do Ato Conjunto 01/2019) e endereço atualizado da seguradora. É importante destacar que a apólice não pode conter cláusulas de desobrigação da seguradora de pagar o prêmio (excludente de responsabilidade), tampouco previsão de rescisão, ainda que de forma bilateral, sob pena de impactar negativamente na solvabilidade da garantia do juízo. Nos termos do artigo 4º do Ato Conjunto 01/2019, "as apólices apresentadas permanecerão válidas independentemente do pedido de renovação da empresa tomadora, enquanto houver o risco e/ou não for substituída por outra garantia aceita pelo juízo", isto é, enquanto não houver a substituição da fiança ou seguro garantia por dinheiro no processo, a apólice permanecerá vigente como decorrência da renovação automática. O §1º do artigo 5º do Ato Conjunto 01/2019 estabelece que a idoneidade da seguradora será presumida mediante a apresentação da certidão de regularidade da sociedade seguradora perante a SUSEP. Ocorre que a presunção a que alude o referido dispositivo é relativa (juris tantum), podendo ser elidida por prova em sentido contrário, cabendo ao autor demonstrar em juízo - em contrarrazões (em se tratando de depósito recursal), na contraminuta dos embargos à execução (em caso de garantia do juízo) ou, ainda, no decorrer da execução -  quando o devedor, por simples petição, requerer a substituição do depósito recursal pelo seguro, que a seguradora não tem idoneidade, tratando-se de empresa de "fachada", o que pode ser apurado de diversas formas: a) capital social de baixo valor, isto é, manifestamente incompatível com a atividade econômica; b) integralização do capital social; c) sede da empresa seguradora ou endereço residencial dos sócios em localidades suspeitas, ou, ainda, em endereço de escritórios de contabilidade ou de consultoria. A razão de ser da análise da liquidez da seguradora e de sua idoneidade financeira reside justamente na compreensão de que ela assume a posição de fiadora na garantia do débito no processo executivo, estando, sujeita, inclusive, ao avanço em seu patrimônio da tutela executiva. No mesmo diapasão, em recente julgado, o TST assinalou que "a admissão do seguro garantia judicial não é automática, devendo sua regularidade e idoneidade ser avaliadas pelo juiz, a fim de se evitar a ocorrência de fraude, bem como a existência de cláusulas que possibilitem a frustração do adimplemento do título executivo judicial" (AIRR 101040320155010057 - 3ª Turma - Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado - Data de publicação: 5/6/2020). Se a fiança bancária ou o seguro garantia não atenderem os requisitos do Ato Conjunto, será tido como inexistente o depósito recursal ou a garantia do juízo, sendo denegado seguimento ao recurso no juízo de origem, ou não conhecido, se estiver na instância ad quem, ou, ainda, em sendo caso de garantia à execução, prosseguirão os atos executivos de penhora visando a garantia do juízo (art. 6º do Ato Conjunto 01/2019). A apresentação da fiança ou o seguro garantia deve vir acompanhada do extrato de validação da apólice correspondente, que é obtido através do sítio eletrônico da SUSEP3, sem prejuízo de o juízo conferir sua validade, na forma do §2º do artigo 4º do Ato Conjunto 01/2019. Esta certidão deve ser juntada no prazo do recurso ou dos embargos à execução, sob pena de não processamento, nos termos da Súmula 245 TST. A utilização de uma mesma apólice em mais de um processo, ou a apresentação de apólice falsa ou adulterada, além da deserção do recurso e da não garantia do juízo, caracterizará litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da jurisdição, sem prejuízo da correspondente representação criminal para apuração da possível prática de delito (art. 6º, parágrafo único, do Ato Conjunto 01/2019). Os artigos 7º e 8º do Ato Conjunto 01/2019 vedavam a substituição do depósito recursal ou da garantia do juízo por meio da utilização do seguro garantia, isto é, após a realização do depósito ou da constrição. Contudo, o CNJ no julgamento do PCA-0009820-09.2019.2.00.0000, em 27 de março de 2020, declarou a nulidade dos referidos dispositivos, o que culminou na edição de novo Ato Conjunto do TST e CSJT em 29/05/2020, conferindo nova redação aos referidos dispositivos admitindo a substituição. Deste modo, a rejeição de seguro garantia ou fiança bancária, como depósito recursal ou garantia do juízo, ocorrerá se não observados os requisitos do Ato Conjunto 01/2019, mormente dos artigos 3º a 5º, que contemplam uma vasta gama de peculiaridades, nem sempre observadas no cotidiano forense, sem prejuízo da análise do juízo da efetiva necessidade do réu de substituição. Ainda, não se pode olvidar que não deve ser admitida a substituição quando já julgado o recurso garantido por depósito recursal ou cumprida a finalidade da garantia do juízo. Logo, encerrada a fase de conhecimento não é possível a substituição do depósito recursal por seguro garantia. No mesmo diapasão, transitada em julgado a decisão dos embargos à execução, é incabível a substituição da garantia do juízo por fiança ou seguro garantia, porquanto é o momento processual em que deve ocorrer a satisfação do crédito exequendo, coincidindo com o momento em que se deflagra o sinistro, nos termos do artigo 10 do Ato Conjunto 01/2019. Da mesma forma, havendo delimitação no agravo de petição da parte executada da quantia incontroversa sobre a qual deve prosseguir a execução, nos moldes do § 1º do artigo 897 da CLT, deve-se intimar o executado para efetuar o pagamento desta parte incontrovertida ao exequente, sob pena de caracterizar o sinistro e acionar a seguradora no processo executivo. A execução da quantia incontroversa processar-se-á nos mesmos autos, remetendo-se à instância superior os autos suplementares para julgamento do agravo de petição, ou, ainda, mediante extração de carta de sentença. Transitada em julgado a decisão sobre os embargos à execução, ou o recurso cujo depósito recursal foi substituído por seguro garantia, o devedor será intimado para efetuar o depósito da quantia no prazo legal (art. 880 da CLT). Não havendo cumprimento da ordem judicial, o juízo oficiará a seguradora para que proceda ao pagamento em quinze dias, informando que o devedor não o fez, o que caracteriza o sinistro, sob pena de contra ela prosseguir a execução nos próprios autos, sem prejuízo de eventuais sanções administrativas ou penais pelo descumprimento da ordem judicial, nos termos dos artigos 10 e 11 do Ato Conjunto 01/2019. Por fim, cabe destacar que a seguradora, já incluída na execução na condição de responsável patrimonial no cumprimento da obrigação trabalhista exequenda garantida pela apólice, não poderá veicular questões afetas ao contrato de seguro entre empresa tomadora (devedora) e a seguradora no curso da execução trabalhista, porquanto está-se diante da responsabilidade objetiva, e muito menos ofertar qualquer espécie de defesa em relação ao objeto do processo, por não ser parte legitimada. A lide que se seguir entre segurado e segurador deverá ter sua tramitação no juízo competente, não cabendo à Justiça do Trabalho adentrar no exame do contrato de seguro entre empresa tomadora (devedora) e a seguradora. *Rafael Guimarães é juiz do Trabalho. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professor convidado de cursos jurídicos. **Richard Wilson Jamberg é juiz do Trabalho. Professor de Direito Processual do Trabalho na Unisuz. Especialista em Direitos Sociais e em Direito Processual do Trabalho. __________ *Excerto da obra conjunta dos autores do artigo, Execução Trabalhista na Prática, Editora Mizuno, com e-book de degustação disponível para download. 1  NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado, 4ª ed. São Paulo: RT, 2019 (E-book), cit. CPC 835, coment. 6. 2 STJ - AREsp 1547429 SP 2019/0213144-6 - 2ª Turma - Relator Ministro Herman Benjamin - Data de publicação: 25/5/2020. 3 Susep. Acesso em 25/9/2020.
sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Síndrome de Burnout e o trabalho remoto

O Ministério da Saúde descreve a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional como um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. Aproveitando o mês de setembro e as campanhas do Setembro Amarelo, mês de incentivo à vida, o objetivo deste artigo é demonstrar o que é a Síndrome de Burnout e os impactos no trabalho remoto e como evitar a doença.  Esgotamento profissional Síndrome de Burnout - traduzindo do inglês, "burn" quer dizer queima e "out" exterior - é um conjunto de sintomas que geralmente ocorrem em pessoas sem nenhum histórico de doenças psicológicas ou psiquiátricas. O burnout é desencadeado quando há uma discrepância entre as expectativas e ideais do trabalhador. No estágio inicial da síndrome, o trabalhador sente estresse emocional e desilusões relacionadas ao seu trabalho, sendo que a principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho, comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes. Segundo uma pesquisa da "International Stress Management Association" (ISMA), no Brasil 72% dos trabalhadores brasileiros desenvolveram sequelas desencadeadas pelo estresse. Desses 72%, 32% sofrem de burnout, ao passo que 92% das pessoas com burnout continuam trabalhando. De acordo com o Ministério da Saúde, os principais sintomas relacionados ao burnout são: cansaço excessivo, físico e mental, dor de cabeça frequente, alterações no apetite, insônia, dificuldades de concentração, sentimentos de derrota e incompetência, negatividade constante, fadiga, pressão alta, entre outras. Atualmente, o Tribunal Superior do Trabalho considera a síndrome de Burnout como acidente de trabalho, e, mais, constatado o nexo causal entre a doença e a atividade desenvolvida, será concedido ao trabalhador o benefício de auxilio acidentário (B91), além do direito a estabilidade provisória no trabalho pelo prazo de 12 (doze) meses após a cessação do auxílio-doença-acidentário. Com a pandemia da Covid-19, certo é que milhares de pessoas fizeram a transição para o trabalho remoto. Muitos empregadores se preocupam com a produtividade de seus empregados o que é extremamente natural. No entanto, a maior preocupação que deve ser notada aqui é o problema da Síndrome de Burnout. A linha entre trabalho e casa agora está muito tênue, e aqueles que estão experimentando trabalhar remotamente pela primeira vez têm mais probabilidade de passar por dificuldades com excesso de trabalho e pressão. Afina, a preservação dos limites da saúde mental entre a vida pessoal e a vida profissional nunca tarefa foi tão difícil! E para demonstrar lealdade, devoção e produtividade em razão do trabalho remoto, o trabalhador pode sentir que deve trabalhar o tempo todo, sem pausas. Nesse sentido, muitas pesquisas já constataram que estabelecer um limite entre vida pessoal e profissional é crucial, especialmente para a saúde mental. No entanto, isso vai se tornando cada vez mais difícil, pois, além do isolamento social, a economia radicalmente transformou o significado do trabalhado ideal. Ações recomendadas para evitar que a Síndrome de Burnout aconteça  Na pesquisa da "Harvard Business Review", foram recomendadas três ações para evitar que a Síndrome de Burnout aconteça: (i) Manter limites físicos e sociais: existem maneiras de demarcar a transição entre trabalho e lazer ("boundary-crossing activities"). Colocar as roupas de trabalho no horário de trabalhar e roupas de lazer no horário de lazer pode ser uma boa ideia, afinal, se arrume, se apronte. Substitua seu deslocamento até a empresa por uma caminhada no parque ou até mesmo uma caminhada dentro da sua própria casa antes de sentar-se para trabalhar. (ii) Manter limites temporais o máximo que puder: manter limites temporais pode ser crítico para o bem-estar e para a produtividade no trabalho. Separar um horário comercial para trabalhar pode ser um pouco difícil, os próprios colaboradores podem encontrar um horário que funciona bem para eles. Com ou sem filhos, cada um pode criar seu próprio horário de trabalho. Líderes podem entrar nessa pauta e estabelecer estruturas, coordenação e gerenciamento do ritmo e tempo de trabalho. Ideias como fazer promover videoconferências virtuais ou oferecendo ferramentas como café virtual ou espaços virtuais de trabalho. (iii) Focar no trabalho mais importante: entender que, no atual contexto, não é hora de trabalhar em excesso. Colaboradores devem depositar suas energias em questões prioritárias. Trabalhar o tempo todo não é a melhor solução, visto que o trabalhador médio apenas é produtivo três horas por dia, sem ser interrompido e sem realizar tarefas paralelas. Antes da pandemia, isso já era difícil de se conseguir. Agora, com trabalho e família juntos, a fragmentação do tempo aumenta ainda mais. Colaboradores que se sentem conectados o tempo todo possuem mais riscos de sofrer de Burnout trabalhando de casa. Misturar trabalho com horas de descanso e de lazer podem não apenas ser contraprodutivo, mas também não demonstra ser bom para o bem-estar da pessoa. Todos devem encontrar novas maneiras (e ajudar as outras pessoas a fazerem o mesmo) de separar o tempo de lazer e proporcionar mais espaço mental. Conclusão Em tempos de pandemia e crise econômica no país, as empresas devem ficar atentas às manifestações dos sintomas de esgotamento e excesso de trabalho. É muito importante que os empregadores sejam flexíveis e experimentem diversas maneiras de proporcionar um tempo de trabalho de qualidade, evitando sobretudo a jornada excessiva de seus funcionários. Além de mitigar riscos de passivos trabalhistas de ordem moral e material, deve-se evitar que o colaborador fique doente por ter desenvolvido problemas relacionados à alta pressão de seus superiores mediante a imposição de metas exorbitantes, e que estejam acima da capacidade física e mental do funcionário. Referências Harvard Business Review Home. American Thoracic Society. Ministério da Saúde. *Flávia Alcassa dos Santos é advogada, sócia da Alcassa & Pappert. Especialista em Direito Digital|DPO Data Privacy| Corporate. Membro do Comitê Jurídico da ANPPD® Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados e membro do Comitê Governança, Riscos e Compliance (GRC) na ANADD - Associação Nacional de Advogados do Direito Digital. Certificada pela - EXIN Privacy and Data Protection Foundation. **Milena Pappert é sócia-fundadora do escritório Alcassa & Pappert. Pós-graduanda em Direito Digital pela EPD. Certificada em ISFS | Compliance LGPD | GDPR. Supervisora de Conteúdo Digital da ANADD - Associação Nacional de Advogados do Direito Digital.
Em 14 de agosto de 2020 foi publicada na Argentina a lei 27.555/20 regulando o teletrabalho. Desde 2003 o país é signatário da Convenção n° 177 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - lei 25.800/03 -, assumindo o compromisso de aperfeiçoar as condições de atuação dos empregados que laboram à distância, bem como de implantar uma política de igualdade neste campo. A Constituição argentina assegura a tutela dos trabalhadores em condições dignas e equitativas de atuação1. Guardadas as devidas proporções, consagra os mesmos ideais de isonomia e de igualdade previstos no art. 7o, incisos XXX e XXXII, da Constituição brasileira2. Enquanto no Brasil o Poder Legislativo disciplinou o teletrabalho pela inserção dos arts. 75-A a E ao texto celetário (lei 13.467/17)3, na Argentina a medida ocorreu pelo acréscimo do art. 102 bis à Lei do Contrato de Trabalho (lei 27.555/20)4. No lugar de distinguir os dispositivos introduzidos pela alocação de letras ao lado dos numerais, preservou a numeração do projeto de lei, em desdobramentos do art. 102 bis, começando pelos arts. 1o e 2o, seguindo pelo art. 102 bis e continuando do art. 3o. O art. 102 bis define o contrato de teletrabalho como aquele em que os serviços contratados ocorram no domicílio do empregado, de modo total ou parcial, ou em lugar diverso dos estabelecimentos do empregador, fazendo uso de tecnologia de informação e comunicação. Delega à lei especial a definição dos pressupostos mínimos do contrato de teletrabalho e chancela o ajuste de questões especiais pela via negocial coletiva. A expressão "contrato de teletrabalho", ao invés de "regime", como no art. 75-A da CLT, não traz prejuízo de qualquer ordem na interpretação ou aplicação da lei, pois ela mesma utiliza como sinônimo o termo "modalidade", ao se reportar ao teletrabalho. O texto argentino faz menção aos arts. 21 e 22 da Lei do Contrato de Trabalho, quanto ao objeto do contrato, nos quais são estabelecidos os requisitos da relação de emprego5. Não há exigência de exclusividade de laborar o trabalhador fora das dependências do empregador.  Já o art. 75-B, caput, da CLT, impõe a preponderância da atuação remota, não esclarecendo o critério a ser utilizado, se por unidade de tempo ou de obra. De forma explícita, estabelece não se confundir o teletrabalho com o trabalho externo (art. 62, inciso I, da CLT), nem desconfigurado o regime remoto pelo comparecimento do trabalhador à sede da empresa para realizar tarefas específicas (art. 75-B, parágrafo único, da CLT). Pelo art. 3o são assegurados aos teletrabalhadores idênticos direitos dos empregados presenciais e atribuídos poderes às normas coletivas para disciplinar situações híbridas. Inexiste disposição semelhante na CLT, sendo possível, por uma interpretação sistemática do art. 7o, incisos XXX e XXXII, da Constituição brasileira, defender o mesmo tratamento estabelecido na regra argentina. O art. 4° determina a pactuação da jornada por escrito dentro dos limites legais. As plataformas e softwares adotados no teletrabalho devem estar acessíveis apenas durante o expediente. O art. 5° garante o direito à desconexão digital6, vedando o trabalho em sobrejornada e a comunicação do empregador com o empregado fora do horário contratado, ainda que por mensagens. Em sentido diverso, a CLT exclui o teletrabalhador do campo de incidência de seu capítulo sobre a duração do trabalho. Flagrante e injustificada a afronta ao Princípio da Proibição do Retrocesso Social (art. 7o, caput, da Constituição). O art. 6o prevê o estabelecimento de horários e pausas especiais aos teletrabalhadores responsáveis por menores de 13 anos, pessoas incapazes ou que necessitem de cuidados especiais. A resistência do empregador é reputada presumidamente  discriminatória, sujeitando-o às sanções legais. Não há regra semelhante na CLT, embora a Constituição brasileira (arts. 226 e 227) atribua a todos o dever de tutela da infância e da adolescência, bem como ao Estado a proteção da família. O art. 7o permite a troca do regime presencial pelo remoto, desde que de forma bilateral e por escrito, salvo se devidamente comprovada ocorrência de força maior. A previsão se assemelha àquela do art. 75-C, §1o, da CLT, pela qual o mútuo consentimento é exigido quando o empregado passasse do sistema presencial para o remoto, não o contrário (art. 75-C, §2o, da CLT). O art. 8o da lei argentina assegura o direito de arrependimento do trabalhador, revertendo  o consentimento dado para mudança de regime, de presencial para teletrabalho. Acaso isto venha a acontecer, o retorno ao antigo local de trabalho é preservado e, em sua impossibilidade, garantida a transferência ao posto mais próximo do domicílio do empregado. O descumprimento da obrigação acarreta a violação do dever de ocupação (art. 78 da Lei do Contrato de Trabalho), ensejando o recebimento de salários, mesmo se não prestados serviços. A negativa empresária dá margem à configuração de causa a amparar a despedida indireta ("rescisão" indireta), pondo fim ao contrato. Não há regra similar na CLT. Pelos arts. 9o e 10 é imputado ao empregador o dever de fornecimento dos equipamentos necessários ao teletrabalho, bem como a assunção de despesas de instalação, manutenção, reparos e atualização. Os trabalhadores ficam responsáveis pelo uso exclusivo dos instrumentos, não respondendo por desgaste/depreciação comuns. Acaso o teletrabalho acarrete aumento de despesas de conexão e de serviços de suporte pelo empregado, deve ser assumido pelo patrão, conforme norma coletiva, valores isentos de tributação. Sobre o tema, o art. 75-D da CLT estabelece que o pacto referente à aquisição, manutenção e fornecimento de maquinário deve constar em contrato escrito, não estabelecendo a quem caberia o custeio. Não afasta a responsabilidade patronal, ficando a questão nas entrelinhas, por conta do teor do art. 2o, caput, da CLT. Esclarece não possuírem as utilidades fornecidas natureza salarial (art. 75-D, parágrafo único, da CLT). Já o art. 11 atribui ao empregador a capacitação de empregados em regime de teletrabalho, visando à adequação das condições da prestação de serviços. Faculta o acompanhamento pelos sindicatos e pelo Ministério do Trabalho, Emprego e Seguridade Social. Sobre a questão, o art. 75-E da CLT prescreve como dever dos patrões a instrução dos trabalhadores quanto a precauções relacionadas à saúde e ao trabalho. Determina a assinatura pelo sujeito subordinado de termo de responsabilidade pelas orientações recebidas (art. 75-E, parágrafo único, da CLT). Novamente, a efetiva tutela do trabalhador brasileiro é deixada na dependência de uma interpretação sistemática do regime de trabalho especial, dando margem a casuísmos e a relativizações. O alcance do conteúdo do art. 75-E da CLT deve se amparar nos Princípios jusambientais da Prevenção e da Informação, bem como na Convenção no 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)7. Merece destaque a garantia pela norma argentina: da igualdade de direitos coletivos entre teletrabalhadores e trabalhadores presenciais (arts. 12 e 13), do reconhecimento da autoridade competente para disciplinar o teletrabalho e da participação sindical neste processo (art. 14), da manutenção de controles de bens e de informações de propriedade do empregador, como também da contribuição do sindicato, salvaguardando a intimidade do empregado (arts. 15 e 16) e a aplicação das regras vigentes no local onde fisicamente ocorrerem os serviços, limitando a contratação de estrangeiros e de não residentes no país (art. 17). Sem dúvida de qualquer espécie, a lei 27.555/20 encontra-se alinhada às diretrizes da Organização Internacional do Trabalho e da Constituição argentina ao disciplinarem o teletrabalho. Cuidado, prevenção e responsabilidade se destacam como eixos fundamentais. Não se apresenta apenas possível, como recomendável, pela centralidade da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho na Constituição brasileira, a utilização da norma do país vizinho como fonte supletiva às regras dos arts. 75-A a E da CLT sobre a matéria, diante do conteúdo do art. 8o da própria CLT. *Oscar Krost é juiz do Trabalho vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 12ª região. Professor, mestre em Desenvolvimento Regional (PPGDR/FURB), Membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA), autor do blog Direito do Trabalho crítico, além de colaborador de sites, revistas e obras jurídicas. __________ 1 Constituição argentina, art. 14 bis, disponível aqui. Acesso em: 28 ago. 2020. 2 Sobre a aplicação dos referidos dispositivos ao teletrabalho no direito brasileiro, ver KROST, Oscar. Proibição de distinção entre trabalhos manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos, Reforma Trabalhista e 'teletrabalho': diferenciando iguais para reduzir direitos. In ARAUJO, Adriane Reis de; D'AMBROSO, Marcelo José Ferlin.  (Coordenadores). Democracia e Neoliberalismo: o legado da Constituição de 1988 em tempos de crise. Salvador: Editora JusPodivm, 2018, p. 331-360. 3 O Brasil não é firmatário da Convenção no 177 da Organização Internacional do Trabalho, conforme informado aqui. Acesso em: 28 ago. 2020. 4 Texto da Lei no 27.555/20 disponível aqui. Acesso em: 28 ago. 2020. 5 Os conceitos de empregado e empregador se encontram nos arts. 25 e 26 da Lei do Contrato de Trabalho, sendo feita remissão aos arts. 21 e 22 da mesma lei. Texto disponível aqui. Acesso em: 28 ago. 2020). 6 No Brasil, os debates sobre a existência do direito à desconexão avançam, sem atingir, ainda, o nível das alterações legislativas promovidas na Argentina. A respeito do tema, ver ALMEIDA, Almiro Eduardo; SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações sociais do trabalho. 2a edição. São Paulo: LTr, 2016 e GOLDSCHMIDT, Rodrigo; GRAMINHO, Vivian Maria Caxambu. Desconexão: um Direito Fundamental do trabalhador. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2020. 7 Sobre tal entendimento, ver SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de (et al.). Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da lei 13.467/17 e da Med. Prov. nº 808/2017 - 2ª a ed. - São Paulo: Rideel, 2018, p. 111-112.
Texto de autoria de Leonardo Soares Bello A fundação de uma entidade sindical tem início com a publicação do edital de convocação para uma Assembleia Geral. Na assembleia a categoria de trabalhadores deliberará sobre a criação da entidade sindical, definindo suas bases de representação e Estatuto Social da entidade, com a eleição dos respectivos componentes da diretoria do sindicato. Após a aprovação do Estatuto, deve ser feito o registro do respectivo instrumento no cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, dando-se a necessária publicidade da fundação e criação da entidade perante terceiros, nos termos do art. 45 do CCB, o qual declara começar a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro. Note-se que o registro em cartório serve para conferir à entidade sindical a existência legal da pessoa jurídica e respectiva publicidade, nos termos do art. 45 do Código Civil de 2002, inerente aos serviços registrais, conforme dispõe a lei 6.015/73. Contudo, seus efeitos são limitados, pois, até esse momento, a entidade tem apenas a característica de uma associação, não havendo capacidade de representação de sua categoria perante o sistema sindical brasileiro. A efetivação da personalidade jurídico-sindical se volta ao órgão competente para reconhecer a validade da fundação do sindicato e conferir o respectivo registro tratado no inciso I do art. 8º que, como se verá, é o Ministério da Economia. A primeira lei1 a estender o direito de sindicalização a todos os trabalhadores no Brasil, o decreto 1.637 de 1907, declarava a liberdade para a criação de sindicatos profissionais, mas exigia o depósito de seus atos constitutivos "no cartorio do registro de hypothecas do districto respectivo". Foi a partir da Lei de Sindicalização, decreto 19.770, de 19 de março de 1931, com notório cunho intervencionista, visando à integração dos trabalhadores e empregadores através de categorias sob um mecanismo estatal de enquadramento sindical baseado na unicidade sindical, é que o Estado assumiu a tutela das associações sindicais, cuja existência ficava condicionada ao reconhecimento mediante registro no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, controle que se manteve mesmo na breve experiência pseudo-pluralista do decreto 24.694 de 1934. Mas somente no Estado Novo, com o decreto-lei 1.402 de 1939, é que o registro assumiu importância decisiva para transformar as associações sindicais em aparelhos do sistema corporativista como órgãos de colaboração com o Estado. Oliveira Vianna seu ideólogo resumiu na ciranda histórica o grau de subordinação que assumiam: "Com a instituição deste registro, toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do Ministério do Trabalho: nele nascerão; com ele crescerão; ao lado dele se extinguirão"2. A Consolidação das Leis do Trabalho de Vargas incorporou à legislação sindical de tutela repressiva o registro com significado de reconhecimento ou credenciamento que assegurava o controle estatal. Desde então, apesar das grandes mudanças ocorridas no país, a organização sindical brasileira não se afastou de forma significativa de suas raízes estatizantes, tendo sofrido a influência de uma ideologia populista de Estado durante o período de redemocratização de 1946 a 1964. Contudo, a partir de 1964, foi redefinida para um estatismo de direita como forma de barrar a ascensão de correntes reformistas, até adquirir uma feição neocorporativista nos anos 80, mantendo-se até a Constituição de 1988. Diz a Constituição Federal de 1988 que é livre a associação profissional ou sindical, não podendo a lei exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, sendo vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, ressalvado o registro no órgão competente (art. 8º, inciso I). Assim, embora vede ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, o texto constitucional estabelece a possibilidade de exigência legal do registro no órgão competente, não indicando o órgão destinado a efetuá-lo. Com fulcro na regra constitucional, o Ministério do Trabalho editou a Portaria 3.280, de 6 de outubro 1988, que estabelecia o procedimento para o registro de entidades sindicais, ficando subentendido em suas razões tratar-se de requisito para existência legal destas entidades. Porém, logo foi editada a Portaria 3.301, de 1º de novembro de 1988, que veio a revogar a Portaria 3.280 alterando o entendimento do Ministério do Trabalho que passou a não reconhecer sua competência para realizar o registro sindical3. No entanto, antes de sua revogação, a Confederação Nacional da Indústria - CNI impugnou a Portaria 3.280 através do Mandado de Segurança 29/DF, sendo reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça a competência do Ministério do Trabalho para efetuar o registro, tendo reiterado a ressalva estabelecida pelo art. 8º da Constituição de 1988 quando prevê a necessidade do registro no órgão competente. E foi além, estabeleceu a competência deste órgão ministerial para a verificar a observância ou não da vedação constitucional à existência de organização sindical da mesma categoria profissional em idêntica base territorial. Quando da decisão no MS 29/ DF, já estava em vigor a Portaria 3.301 em sentido contrário. Foi então expedida a Instrução Normativa 5, de 15 de fevereiro de 1990, que acolheu a competência conforme o julgado e regulamentou o registro sindical pelo Ministério do Trabalho, estabelecendo, no entanto, tratar-se de ato provisório e que quaisquer controvérsias surgidas deste ato deveriam ser dirimidas pelo Poder Judiciário. Esta Instrução foi revogada pela Instrução Normativa 9, de 21 de março de 1990, que foi editada no momento de um novo arranjo organizacional da estrutura administrativa do Estado, sendo extinto o Ministério do Trabalho, com a transferência de parcela de suas competências para o Ministério do Trabalho e Previdência Social. Explica-se: a Medida Provisória 150, de 21 de março de 1990, que regulou tal mudança, limitou o rol de competências deste novel ministério, retirando qualquer atribuição para questões sindicais. Assim, a Instrução Normativa 09, partindo dessa ideia, criou em caráter provisório o Arquivo de Entidades Sindicais Brasileiras (AESB), tendo o arquivamento caráter de ato cadastral. Essas duas últimas instruções tinham como objetivo afastar do Ministério do Trabalho (e Previdência Social) a competência para o registro de entidades sindicais, como requisito para aquisição de sua personalidade jurídica, funcionando apenas como arquivo dos seus atos constitutivos. Ocorre que a jurisprudência do STJ era patente em sentido contrário, determinando que além do registro, permanecesse a competência do Ministério do Trabalho para zelar pela unicidade sindical, verificando em seus registros a existência de eventuais entidades sindicais anteriores. Ou seja, somente adquiriria legitimidade de representação a entidade associativa que representasse determinada categoria numa limitada base territorial, ainda não representada por ente sindical anteriormente registrado. E cabia ao Ministério do Trabalho a tarefa de defesa desse sistema através do registro sindical. A IN 09 foi revogada pela Instrução Normativa 1, de 27 de agosto de 1991, que ratificou a existência do Arquivo de Entidades Sindicais Brasileiras (AESB), bem como regulamentou o processo de requerimento de inclusão de entidades sindicais neste arquivo com o intuito de aperfeiçoar o processamento dos pedidos de arquivamento e impugnação de entidades sindicais no AESB, mantendo, no entanto, afastada a natureza do registro como ato constitutivo. Cabe informar que em 1º de setembro de 1992, a IN 2 alterou em questões formais a instrução 1. A análise desses instrumentos normativos demonstra que, aos seus próprios olhos, o Ministério do Trabalho careceria de competência para a prática do ato de registro por falta de disposição legal que regulamentasse o art. 8, I, da CF/1988. Sendo que as inscrições de estatutos sindicais deveriam ser feitas no Cartório de Títulos e Documentos até a edição da referida norma, sob pena de interferência do Poder Público na organização sindical. Permanecia, no entanto, a faculdade das entidades sindicais depositarem seus estatutos no Arquivo de Entidades Sindicais Brasileiras - AESB, criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego apenas para fins de cadastro, não constituindo ato concessivo de personalidade jurídico-sindical. Ao que parece esse cadastro tinha apenas o objetivo de cumprir as diversas decisões judiciais que determinavam que o Ministério do Trabalho realizasse o registro, o que na prática não atingia o objetivo visado. Face ao imbróglio estabelecido, em 3 de agosto de 1992, a Associação Profissional dos Bombeiros Civis após ter o pedido de registro sindical sobrestado pelo Ministério do Trabalho, até que fosse editada a regulamentação estabelecendo a quem competiria realizar o registro, propôs o Mandado de Injunção 144-8/SP para que o STF provocasse o Congresso Nacional a editar a respectiva norma regulamentadora. O entendimento da Suprema Corte, no entanto, foi em sentido oposto. Segundo os ministros do STF - em decisão norteadora que pôs fim à celeuma adrede estabelecida - não haveria lacuna a ser suprimida na regra do art. 8, I, da CRFB/88. A partir da análise do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, podem ser extraídas três grandes conclusões deste julgado: 1. Ficou estabelecida a competência legal do Ministério do Trabalho e Emprego para o registro das entidades sindicais, que desponta como corolário lógico da legislação pré-constitucional. 2. Em seguida, concluiu-se que o Ministério do Trabalho se mantinha como órgão competente para zelar pelo princípio da unicidade sindical 3. Por fim, declarou-se no mandado de injunção que o registro sindical é requisito necessário à aquisição da personalidade jurídico-sindical, e não apenas cadastro de entidades sindicais. Após esse julgamento foi editada a IN 3, de agosto de 1994, que restabeleceu a competência do Ministério do Trabalho para efetuar o registro sindical e criou o Cadastro Nacional das Entidades Sindicais, composto pelos "estatutos das entidades registradas e a especificação: I - das categorias ou profissões representadas pelos sindicatos e respectivas bases territoriais; II - dos grupos de categorias correspondentes às federações; III - dos ramos econômicos ou profissionais concernentes às confederações nacionais". Regulamentando a Instrução Normativa 3, foi editada a Portaria 85, de 27 de janeiro de 1997, que instituiu a Comissão Consultiva do Registro Sindical no âmbito da Secretaria de Relações do Trabalho. Tratava-se de uma comissão tripartite (formada por quatro representantes dos empregados, dos empregadores e governamentais) com a competência de opinar sobre a legitimidade das impugnações aos pedidos de Registro Sindical. Criada a Instrução Normativa 1, de 17 de julho de 1997, a IN 3 e a Portaria 85 foram expressamente revogadas, e há a delegação ao Secretário de Relações do Trabalho da competência do Ministro do Trabalho para praticar todos os atos relativos ao Registro Sindical. Com a edição Portaria 343, de 4 de maio de 2000, que foi alterada pela Portaria 376, de 23 de maio de 2000, a matéria passa a ser regulada por aquela. Em 2003, após diversos julgamentos relativos ao registro sindical, o STF, enfim, fixa sua jurisprudência quanto ao tema através da Súmula 677, estabelecendo a competência do Ministério do Trabalho para proceder registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade, até que a lei viesse a regular a matéria, in verbis: "Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade". O registro sindical passou a ser regido pela Portaria 186, de 10 de abril de 2008, do Ministério do Trabalho e Emprego, passando o procedimento de pedido de registro e alteração estatutária das entidades sindicais a ser realizado de forma eletrônica. Foi editada, então, a Portaria 326, de 1º de março de 2013, que disciplinou os pedidos de registro das entidades sindicais de primeiro grau, permanecendo vigente a Portaria 186 para as entidades de grau superior. Em 1º de junho de 2018 foi publicada a Portaria MTb 32 que suspendeu os procedimentos de registro sindical por 30 dias. A partir de então foram editadas sucessivas portarias mantendo a suspensão dos procedimentos de registro sindical até 30 de junho de 20204. Com a reforma administrativa implementada pela Medida Provisória 870, de 1º de janeiro de 2019, a competência para o registro sindical passou a ser do Ministério da Justiça e Segurança Pública (art. 37, inciso VI), sendo então editada a Portaria 501, de 30 de abril de 2019, que dispôs sobre os procedimentos administrativos para o registro de entidades sindicais. A MP 870 foi convertida na lei 13.844, de 18 de junho de 2019, que transferiu para o Ministério da Economia a competência para o registro sindical (art. 31, inciso XLI), através da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. O procedimento administrativo para o registro de entidades sindicais atualmente vem regulado pela Portaria SEPRT 17.593, de 24 de julho de 2020, e, ao menos textualmente, não se afastou de forma relevante do procedimento adotado pela antiga Portaria 186. A partir dessa análise histórica do registro sindical no Brasil, verifica-se que o modelo de sindicalismo legal permanece resistindo em sua essência durante várias décadas. E que, em arremate, o Registro Sindical se mantém como mecanismo de intervenção do Estado para resguardar a observância do princípio da unicidade sindical e, por que não, do bom e velho "egoísmo de fração", em que cada categoria legalmente constituída tende ao isolamento na defesa de seus interesses específicos, sem qualquer consciência de classe5. *Leonardo Soares Bello é mestre em Direito. Professor de Direito Coletivo do Trabalho. Auditor-Fiscal do Trabalho. __________ 1 A primeira lei sindical no país foi o Decreto 979 de 1903 que regulava os sindicatos agrícolas. BRASIL. Presidência da República. Decreto 979, de 06 de janeiro de 1903. Disponível aqui. Acesso em: 14. mar. 2012. 2 VIANNA, Oliveira. Problemas de Direito Sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad. 1943. pág. 209. 3 A partir daí diversos sindicatos vão ser constituídos por meio de registro no cartório de títulos e documentos e ganhar personalidade jurídica, já que não encontrarão impedimento para o registro de entidade representativa da mesma categoria profissional ou econômica na mesma base territorial; o que gera ainda hoje inúmeras ações entre sindicatos e, não raro, dois sindi­catos convocam um mesmo empregador para negociação coletiva e o notificam para o repasse da contribuição sindical obrigatória. As empresas, por sua vez, se utilizam da ação de consignação em pagamento, para que a justiça decida qual sindicato representa seus empregados, de forma a evitar ter que pagar a contribuição sindical à entidade não representativa. 4 Portaria MTb nº 507, de 12 de julho de 2018; Portaria MTb nº 789, de 26 de setembro de 2018 Portaria MJSP nº 87, de 31 de janeiro de 2019; Portaria SEPRT nº 1.229, de 07 de novembro de 2019; Portaria SEPRT nº 3.203, de 5 de fevereiro de 2020; Portaria SEPRT nº 9275, de 06 de abril de 2020. 5 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1968.
Texto de autoria de Mariana Evelin da Silva Leal Por força dos artigos 220, inciso VIII e 225, ambos da Constituição Federal, o meio ambiente é um direito fundamental e, dentro deste, encontra-se o meio ambiente do trabalho. De acordo com as lições de Ney Maranhão1, é restrito o pensamento de crer que o meio ambiente de trabalho é somente o preciso local da prestação de serviços, devendo ser observada a natureza tríplice na composição dos fatores de risco, qual seja, condições de trabalho, organização e relações interpessoais. Ademais, é dever da empresa a redução de riscos inerentes ao trabalho, conforme preceitua o artigo 7º, inciso XXII, da CF/88. A partir desse panorama é que se mostra relevante a análise das novas facetas que apresentam as questões de saúde e segurança do trabalho em tempos de pandemia da Covid-19 no Brasil. No que tange ao atestado médico, recomenda o Ministério Público do Trabalho, em atenção ao princípio constitucional da função social da empresa, que os empregadores, em geral, devem aceitar a autodeclaração do(a) empregado(a) sobre o seu estado de saúde, relativamente à presença de sintomas da Covid-19, promovendo o afastamento do local de trabalho, como medida de prevenção da saúde pública, sem prejuízo do abono dos dias de faltas. Ainda que se levante a hipótese de eventual má-fé por parte do(a) empregado(a), o próprio MPT ressalta, na Recomendação Nº 1 - PGT/GT COVID-19, que a declaração falsa, além de configurar, em tese, os crimes previstos nos arts. 171 (estelionato) e 299 do Código Penal (falsidade ideológica), poderá sujeitar o(a) empregado(a) às sanções decorrentes do exercício do poder diretivo patronal, quais sejam, advertência, suspensão e/ou dispensa por justa causa. Não vamos adentrar na questão previdenciária, pois, para a finalidade de afastamento superior a 14 dias, ou seja, nas hipóteses mais graves da contaminação e complicações causadas pela Covid-19, alguns documentos formais são exigidos. Objetiva o presente artigo, em realidade, tratar das questões mais corriqueiras que, felizmente, são os casos leves e moderados da doença, os quais não costumam se prolongar por grande espaço de tempo. No plano nacional, a Portaria Conjunta 20/2020 do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência e Trabalho indica que a quarentena do(a) empregado(a) que contraiu a Covid-19, mas não apresentou sintomas graves, deve ser de 14 dias. O item 5 do Protocolo publicado em 29/06, pelo Governo de São Paulo sobre o assunto, orienta as empresas nos seguintes moldes: se o funcionário estiver sintomático, permanecer em isolamento domiciliar por 14 dias. Após o isolamento, e com pelo menos 3 dias sem sintomas, o funcionário poderá voltar ao trabalho. As normas atinentes à Covid-19 não mencionam obrigatoriedade de realização de exame médico quando do retorno do afastamento acima indicado. É possível conjugarmos dois fatores para conclusão no sentido de que não há obrigatoriedade legal: o primeiro deles é que o nosso ordenamento jurídico, de maneira geral, estabelece que tal providência deva ser tomada apenas nos casos em que o(a) empregado(a) permanecer ausente por período igual ou superior a 30 dias, em razão de doença de natureza ocupacional ou não; o segundo motivo, mais significativo para a análise, reside no fato de que a OMS e diversas outras autoridades médicas já se posicionaram quanto à improvável transmissibilidade do vírus depois de decorridos os 14 dias dos primeiros sintomas. No que se refere ao exame periódico imposto pelo artigo 168 da CLT, em regra, ele é realizado bienalmente, no caso de empregados(as) que estejam na faixa etária entre 18 a 45 anos. Todavia, não há impedimento para que seja efetivado em prazo inferior, principalmente se considerarmos o contexto de uma pandemia, com vistas a garantir à saúde dos(as) empregados(as) e da própria sociedade civil. O parágrafo 2º do art. 168 da CLT autoriza, ainda, ao empregador, a realização de exames complementares, a critério médico. O resultado deverá ser comunicado ao(à) trabalhador(a). Importante mencionar que o Código de Ética Médica veda a revelação de fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Destarte, quando a doença que o(a) paciente possui representa acentuado risco à comunidade, como é o caso da Covid-19, o fato poderá ser divulgado a terceiros, pois prevalece o interesse público e o direito à saúde pública em detrimento da intimidade/privacidade do(a) paciente. Nesse sentido, sobre a questão do sigilo no âmbito privado das empresas em relação à Covid-19, já foi proferida decisão em sede de Mandado de Segurança (Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região / proc. nº 00214913220205040000) autorizando a divulgação do nome da pessoa infectada, desde que com a devida autorização individual e expressa, a fim de que possam ser estabelecidas medidas de proteção às demais pessoas que possivelmente tenham mantido algum tipo de contato direto ou indireto com o(a) infectado(a). Quanto à exteriorização de recusa pelo(a) empregado(a) acerca da divulgação, sob o ponto de vista do direito constitucional do trabalho, entendemos que a oposição deva ser respeitada, pois atrelada ao direito fundamental da intimidade e, ainda, da proteção dos dados pessoais (lembremos que a rigorosa Lei Geral de Proteção de Dados entrará em vigor no próximo ano), isto desde que seja possível à empresa tomar as medidas de prevenção ao contágio e transmissão sem a necessária exposição da imagem do(a) empregado(a). Vale mencionar o art. 6º da lei 13.979/2020, que versa sobre o "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019", e dispõe que: Art. 6º É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de evitar a sua propagação. § 1º A obrigação a que se refere o caput deste artigo estende-se às pessoas jurídicas de direito privado quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária. O fato é que, na prática, o anonimato certamente ficará bastante fragilizado em razão do obrigatório afastamento da pessoa do local de trabalho e de suas atividades. Dando continuidade às previsões trabalhistas de exames médicos, a Norma Regulamentadora 7 (NR-7) prevê expressamente que o PCMSO deverá considerar as questões incidentes sobre o indivíduo e a coletividade da classe trabalhadora, privilegiando o instrumental clínico-epidemiológico na abordagem da relação entre sua saúde e o trabalho. Isso significa que o(a) médico(a) deve aplicar um "olhar coletivo"2 nas questões relacionadas à segurança e a saúde dos(as) trabalhadores(as), com valorização do controle social, ponto este que se mostra relevante durante a pandemia, até mesmo para fins de estatísticas e contenção da doença. Contribui com essa linha argumentativa o fato de que o MPT já assinalou, com base nas diretrizes divulgadas pelo Ministério da Saúde, que diante da falta de testes de detecção do coronavírus, a verificação da evolução da pandemia será feita pelo método da investigação epidemiológica, e, como é óbvio, a investigação epidemiológica, é realizada a partir de casos notificados (clinicamente declarados ou suspeitos) e seus contatos, com vistas a identificar a fonte de infecção e o modo de transmissão, os grupos expostos a maior risco e os fatores de risco, bem como confirmar o diagnóstico e determinar as principais características epidemiológicas. Ainda acerca da NR-7, esta estabelece que compete ao empregador custear, sem ônus para o(a) empregado(a), todos os procedimentos relacionados ao PCMSO (item 7.3.1.b). No mesmo sentido é a Convenção 155 da OIT, ratificada pelo Brasil: "Art. 21 - As medidas de segurança e higiene do trabalho não deverão implicar nenhum ônus financeiro para os trabalhadores". Surge, assim, a questão da testagem dos empregados e empregadas do âmbito privado. Em julgamento recente, o Tribunal Superior do Trabalho derrubou uma liminar que obrigava instituições bancárias a realizarem testes para a Covid-19 em todo o seu quadro de empregados(as). O Ministro Aloysio Corrêa da Veiga destacou questões afetas à disponibilidade e dificuldade na realização dos ditos exames. Em seguida, a Portaria Conjunta 20/2020, já mencionada no presente artigo, definiu que "não deve ser exigida testagem laboratorial para a Covid-19 de todos os trabalhadores como condição para retomada das atividades do setor ou do estabelecimento por não haver, até o momento, recomendação técnica para esse procedimento". Vimos, assim, que não há obrigatoriedade de testagem em massa no âmbito corporativo. De qualquer forma, igualmente não há vedação para que as empresas disponibilizem testes aos seus empregados e empregadas, desde que pautados pelos princípios constitucionais da preservação da saúde e da precaução e redução dos riscos (na incerteza de o evento lesivo ocorrer, devem ser privilegiadas as medidas para que eles não ocorram), sem qualquer discriminação e, especialmente, tomando o cuidado de colher a autorização individual de cada pessoa, em conformidade com os limites constitucionais à intimidade já discutidos nesse artigo. No entanto, pensamos que, se a empresa possui a capacidade financeira, o ideal seria a realização dos testes, mantendo os(as) trabalhadores(as) protegidos(as) e informados(as), considerando, ainda que os(as) empregados(as) podem levar o vírus para suas residências, transmitindo para pessoas do convício familiar ou comunitário, que muitas vezes se enquadram em algum grupo de risco. Importa, assim, a responsabilidade social da empresa, que tem a assunção dos riscos decorrentes da própria atividade produtiva e deve assegurar um meio ambiente de trabalho saudável. A Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil - e que, portanto, assume caráter vinculante -, prevê em seu art. 16 que deverá ser exigida dos empregadores, na medida do que for razoável e possível, a garantia de que os locais de trabalho não envolvam risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Referida Convenção, ao conceituar o termo saúde em relação ao trabalho, não se limitou apenas à ausência de doenças, no sentido estrito, mas também aos elementos físicos e mentais que permeiam o assunto segurança e higiene no labor. A alínea "f)" do mesmo diploma internacional sugere ao(à) trabalhador(a) que informe imediatamente o seu superior hierárquico direto sobre qualquer situação de trabalho que, a seu ver e por motivos razoáveis, envolva um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde, sendo que, enquanto o empregador não tiver tomado medidas corretivas, se forem necessárias, não poderá exigir dos trabalhadores a sua volta a uma situação de trabalho onde exista, em caráter contínuo, um perigo grave ou iminente para sua vida ou sua saúde. Por fim, frisamos que o plenário do STF, em sessão realizada por videoconferência no dia 29 de abril, já sinalizou que a Covid-19 poderá ser caracterizada acidente de trabalho, com todos os efeitos trabalhistas e previdenciários daí decorrentes. Essa caracterização dependerá, evidentemente, das circunstâncias do caso concreto, já que a legislação prevê que as doenças endêmicas dependem de alguns requisitos, como o nexo causal. Mas é também pela análise caso a caso que a Justiça balizará suas decisões sobre a responsabilidade das empresas, em observância aos procedimentos que foram adotados na preservação da saúde do seu quadro de empregados(as) e respectivos efeitos de contenção do vírus perante a sociedade civil em geral. *Mariana Evelin da Silva Leal é aluna especial de mestrado em direitos humanos na USP. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela USP (2019) e pela PUC/COGEAE-SP (2016). Professora de Direito do Trabalho no programa de pós-graduação da FMU. Advogada consultiva nas áreas trabalhista e de compliance em direitos humanos & empresas. __________ 1 MARANHÃO, Ney. Poluição labor-ambiental. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2017. Pág. 107. 2 MIRANDA, Carlos Roberto e DIAS, Carlos Roberto. PPRA / PCMSO: auditoria, inspeção do trabalho e controle social. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. 2003. Volume 28.
Texto de autoria de Janaína Gameiro A Medida Provisória 927/20, editada no dia 22 de março deste ano pelo Governo Federal, perdeu a sua vigência no último domingo, 19 de julho, ou, em outras palavras, "caducou". A MP dispôs sobre uma série de medidas trabalhistas propostas pelo Presidente da República para enfrentamento dos efeitos da crise econômica e do estado de calamidade pública decorrentes da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19). Embora o estado de calamidade pública esteja previsto para subsistir até o dia 31 de dezembro, nos termos do decreto legislativo 6/20, as empresas não poderão mais flexibilizar, doravante, as regras trabalhistas até então inseridas na medida provisória para manutenção dos postos de trabalho. Com a perda da vigência da MP 927, as empresas terão que voltar a observar os termos da legislação trabalhista vigente, especialmente em relação aos temas nela previstos, dentre os quais se destacam: o teletrabalho, as férias individuais e coletivas, a prestação de serviço em dias considerados como feriados, o banco de horas negativo, as exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, além dos prazos para recolhimento do FGTS e de vigência das convenções e acordos coletivos de trabalho. Importante observar que todas as medidas adotas durante a vigência da MP serão reputadas válidas, com a produção dos efeitos nela previstos. Todavia, a partir do dia 20/7, ante a caducidade da MP, voltam a viger as regras anteriormente previstas para os temas acima e os demais atinentes às relações de trabalho e emprego. Mas a grande dúvida que fica aos trabalhadores e empresário é a seguinte: e agora, como ficam as questões tratadas pela MP tendo em vista o término de sua vigência? Quais as consequências jurídicas daí advindas? Passaremos a tratar dos principais temas abordados pela MP e as implicações oriundas da perda de vigência da medida, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar a discussão que, embora profícua, somente será dirimida quando do seu enfretamento pelo Judiciário Trabalhista. Partiremos, inicialmente, do teletrabalho. Embora a MP 927 não tenha criado tal modalidade de prestação de serviços, na medida em que a CLT já contemplava as regras para a sua adoção, muitas empresas implementaram o trabalho a distância, fora das dependências do empregador, no qual se inclui o "home office". Nos termos da MP, para que o empregador pudesse alterar o regime de presencial para o de teletrabalho, bastaria a comunicação ao empregado com uma antecedência de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico, sem a feitura de acordo individual ou coletivo ou aditamento ao contrato de trabalho. Ainda nos termos da MP, os aprendizes e os estagiários poderiam prestar serviços na modalidade em questão. Agora, para que o empregador possa adotar ou manter a prestação de serviços em "home office", é necessária a anuência do empregado e a elaboração de termo aditivo contemplando a alteração do regime presencial para o teletrabalho. E, mais, embora a CLT determine a observância do prazo de 15 dias para retorno do empregado do regime de teletrabalho para o presencial, é possível firmar o entendimento no sentido de que, se o empregado que já está prestando o trabalho a distância entender que necessita de tempo inferior, prazo menor poderá ser estipulado. Destaque-se, por oportuno, que muitas discussões poderão ocorrer em relação às horas extras prestadas à distância e a cargo de quem ficarão as despesas decorrentes da prestação de serviços fora das dependências do empregador. Em relação às horas extras, a CLT já contemplava previsão a respeito, enfatizando que somente não seriam devidas as horas suplementares no caso de haver a impossibilidade de o empregador fiscalizar e controlar a jornada de trabalho. No que diz respeito ao pagamento das despesas oriundas da prestação de serviços em teletrabalho, a CLT também já previa que as regras deveriam ser previstas em contrato escrito quanto à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária à prestação de serviços na referida modalidade. Em que pesem tais considerações, no tocante às despesas, os tribunais trabalhistas já têm entendido que a responsabilidade é da empresa, detentora dos riscos da atividade econômica. Apesar de a CLT contemplar regras sobre a responsabilidade das despesas e quanto ao sobrelabor na prestação de serviços na modalidade de teletrabalho, não previu a possibilidade de os aprendizes e os estagiários exercerem as suas atividades de tal maneira, o que também implica dizer que não há vedação expressa nesse sentido. Dessa maneira, podemos defender que, se o estagiário e o aprendiz contarem com supervisão técnica enquanto trabalharem à distância, poderão continuar a prestar serviços na referida modalidade, devendo a empresa reunir provas de que a referida supervisão, de fato, ocorria. Num segundo ponto, em relação às férias, tem-se que elas não mais poderão ser concedidas se o trabalhador não tiver completado o período aquisitivo de 12 meses, devendo haver a comunicação acerca da concessão no prazo de, no mínimo de 30 dias, e não mais de 48 horas como permitido pela MP. Quanto às férias coletivas, também volta a valer o quanto disposto na CLT e, em especial, nas negociações coletivas. Mas e nos casos em que o aviso de férias foi dado pelo empregador enquanto a MP estava vigente, com início da fruição para o período posterior, a partir do dia 20/7? Entendemos que haveria a necessidade de o gozo das férias ter se iniciado até o dia 19/7, ainda que o encerramento do descanso anual ocorresse após o término de sua vigência, sob pena de as férias serem reputadas nulas e, por conseguinte, tal ato ensejar o seu pagamento em dobro em eventual demanda trabalhista. Um terceiro aspecto diz respeito à antecipação dos feriados, de modo que tal prática não mais poderá ser adotada pelas empresas. A questão que se coloca aqui é como a empresa deverá proceder no caso de a autoridade estadual ou municipal antecipar feriado que, por sua vez, já foi antecipado pelo empregador durante a vigência da MP? Nesse caso, valerá a antecipação realizada pela empresa, caso em que o empregado poderá trabalhar normalmente, atendidas às demais determinações relacionadas ao funcionamento dos estabelecimentos em tais dias, sem que seja necessário o pagamento diferenciado. Outra questão trazida pela MP e que passa a ser tormentosa com o término de sua vigência diz respeito ao banco de horas. A MP flexibilizou as regras contidas na MP permitindo que, no caso de interrupção das atividades da empresa, a compensação das horas poderia ocorrer no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, ou seja, a partir de 01 de janeiro de 2021, desde que estabelecido por meio de acordo individual ou coletivo. A partir de agora, voltam a valer as regras insertas à CLT, sendo de até 6 meses o prazo para compensação, se firmando por acordo individual, ou de 1 ano, se houver negociação coletiva. Todavia, os créditos e débitos a serem considerados para a compensação após o dia 31 de dezembro são somente aqueles computados até o dia 19/7; as horas negativas ou positivas levadas ao banco a partir de 20/7 deverão ser compensadas no período de 6 meses ou 1 ano, a depender do instrumento (individual ou coletivo) que as contemplar. No que tange às exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho, notadamente quanto a realização de exames médicos admissionais, periódicos e demissionais, tem-se que, a partir de agora, as empresas devem voltar a realizá-los, levando em consideração que, durante a vigência da MP, a contagem dos dias ficou suspensa. As Comissões Internas de Acidentes (CIPA's) que tiveram os mandatos de seus membros mantidos durante a vigência da MP deverão promover novas eleições, desde que as empresas tenham retomado o funcionamento, uma vez que se exige que a atividade esteja sendo exercida para que haja eleições e posse dos membros respectivos. Caso contrário, considera-se prorrogados os mandatos até a retomada das atividades. Os treinamentos de segurança previstos nas Normas Regulamentadoras também devem ser retomados a partir do retorno das atividades da empresa. Outra questão de grande relevo diz respeito à impossibilidade de as empresas prorrogarem, e até mesmo parcelarem, o recolhimento do FGTS ante o término de vigência da MP. Com o término da vigência da MP, além de não restarem outras alternativas às empresas além daquelas relativas à redução e suspensão da jornada de trabalho previstas na MP nº 936/2020, convertida na Lei nº 14.020/2020, não há a possibilidade de elastecimento do prazo de recolhimento ou de parcelamento do valor devido. Ainda, as convenções e acordos coletivos que tiveram o prazo de vigência encerrado durante a vigência da MP foram automaticamente prorrogados e as regras previstas nos referidos instrumentos continuam em vigor. Entretanto, com a caducidade da MP, não mais tem prevalência o acordo individual sobre o coletivo, sendo retomada a regra contida na CLT e introduzida com a Lei nº 13.467/2017, com a valorização do negociado em detrimento do quanto acordado individualmente ou na legislação. De mais a mais, com a perda de vigência da MP, não poderá haver a reedição da referida medida provisória em 2020, razão pela qual se espera que o Parlamento edite um decreto legislativo para disciplinar as relações jurídicas praticadas enquanto na vigência da MP, tendo o prazo de até 60 dias para fazê-lo. A ausência de votação da MP nº 927 demonstra o posicionamento antagônico do Congresso Nacional ao do Governo Federal, com consequências gravosas ao trabalhador, que se sujeitará à possibilidade de perder o emprego, e, por conseguinte, a sua renda; e também ao empregador, especialmente as empresas de médio e pequeno porte, que não mais poderão se valer da flexibilização das regras previstas na legislação laboral para continuarem existindo e oferendo postos de trabalho. A conclusão final a que se chega é que a perda maior não foi política, com a derrota do Presidente da República perante o Congresso Nacional, mas sim de todos trabalhadores brasileiro, cujos botes ficarão à deriva até que a tormenta ocasionada pela pandemia do coronavírus deixe de produzir efeitos. *Janaína Eichenberger é graduada em Direito pela Universidade Mackenzie São Paulo, pós-graduada em Direito Público pela EPD-Escola Paulista de Direito. Atua como advogada trabalhista nas áreas de contencioso e consultoria. Atuou como professora de redação jurídica em cursos preparatórios para OAB.
Texto de autoria de Paula Bolico Lampert A covid-19 traz a debate a sua natureza endêmica, o que poderia levar à conclusão de que não poderia ser enquadrada no conceito de doença ocupacional e, mais, afastar de plano a possibilidade de incidência das normas de proteção em caso de contágio, em face da previsão do artigo 20, § 1º, "d", da lei 8.213/1991. A doença endêmica representa tipo de enfermidade própria de determinadas regiões do país, em especial no Brasil (Norte e Nordeste). É a enfermidade que "persiste em determinado território ou em certas de suas zonas; é a dependente de causas locais e grassa habitualmente num povo ou numa região; é a expressiva de uma causa habitual"1. Permanece atrelada ao fato de ser própria de região específica, em determinado tempo e espaço2. É "peculiar, usual, comum a um povo e região" podendo ser citadas como exemplo a malária (típica de regiões quentes e pantanosas) e o mal de Chagas (transmitido pelo mosquito barbeiro ou pelo Trypanosoma Cruzi)3. Tem "[...] caráter de endemia; peculiar a um povo ou região; aquela que sem grandes variações de incidências ocorre constantemente em determinada região"4. Para Mozart Victor Russomano, caracteriza-se pela generalização, alcançando elevados índices estatísticos em região ou localidade específica de um país; é a doença que, por força das condições locais, se manifesta habitualmente na população de determinada extensão territorial5. Nessas hipóteses, não há correlação entre a atividade do empregado e a enfermidade, justificada, ainda mais, com as características de pandemia da Covid-19. Contudo, o mesmo dispositivo que repele o caráter ocupacional da doença, contém exceção na sua parte final, representada pela expressão "salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho". Trata-se de expressa ressalva do conceito de doença ocupacional o fato de a sua aquisição haver sido ocasionada pela exposição ou contato direto com a doença em função do trabalho. Para tanto, devem ser considerados os fatores paralelos relacionados aos antecedentes ou à história do trabalho com a doença, duração ou tempo exposto, sensibilidade de cada pessoa. Ivan Kertzman e Luciano Dorea Martinez Carreiro após citarem, como exemplo, a situação em que um empregado, habitante da região amazônica, é picado pelo mosquito transmissor da malária, registram que o fato pode caracterizar doença do trabalho se a exposição ao contato direto com o citado inseto se der por força do seu labor, como em relação aos "caça-mosquitos"6. Distingue-se a endemia, porém, da epidemia. Esta corresponde a um "surto de uma doença acidental e transitória que ataca grande número de indivíduos, ao mesmo tempo, em certo país ou região, com o caráter de extraordinário"7. Observa Bento de Faria que a doença de natureza endêmica pode se manifestar sob a forma epidêmica, em regiões não endêmicas, o que não permitirá afastar a circunstância excludente, em virtude do caráter de extraordinariedade como no episódio fartamente noticiado pela imprensa de ocorrência de inúmeros casos de doença de Chagas em Santa Catarina, no ano de 2005, ou, nessa fase atual da história, a Covid-19, já no estágio de pandemia8. Assim, a doença, mesmo endêmica ou pandêmica, no caso da Covid-19, pode ser considerada de natureza ocupacional quando resulte das condições de trabalho. Exemplo disso é o caso de o empregado transferido de região onde não ainda não existia venha a contrair a doença por trabalhar em local em que esteja disseminada ou quando, mesmo habitando-a, não seja portador da doença e a adquira pelo fato de haver sido exposto ao contágio, como no caso específico dos profissionais de saúde ou dos trabalhadores que executam as atividades de limpeza e higienização dos estabelecimentos de saúde; motoristas de ambulância e carros funerários; trabalhadores em cemitérios, entre outros. Significa afirmar que, anteriormente à etapa de possível contágio generalizado, se um empregado viajasse a serviço para países onde já houvesse essa forma de transmissão, não se pode afastar o caráter ocupacional, pois foi exatamente o trabalho que potencializou a condição de exposição aos fatores de contágio e de risco de contaminação. Por isso, mostra-se relevante identificar-se a data em que, no Brasil, foi declarada a situação de transmissão comunitária, o que ocorreu, oficialmente, no dia 20 de março de 2020, como informa o Ministério da Saúde, pelo fato de existirem, nessa data, 904 casos confirmados em 24 Estados da Federação, além do Distrito Federal. Antes desse fato, havia condições, pelo menos no plano teórico, de ser identificada a origem do contágio, em geral pessoas provenientes de regiões afetadas pela doença. Por isso, tem pertinência o alerta feito por Feijó Coimbra, relacionado à doença degenerativa, mas aplicável às doenças endêmicas, no sentido de que existirão casos em que a índole degenerativa da doença (ou endêmica, acresça-se) não impedirá que seja ela acolhida como fator de risco profissional, sendo necessário, para tanto, averiguar como o trabalho pode ter influído no aparecimento ou no agravamento do mal9. Em outras palavras, se o fator trabalho nada acrescentar às possibilidades de contágio, estar-se-á diante do que se pode denominar de "doença exclusivamente endêmica", e, por conseguinte, terá plena incidência o artigo 29 da MP 927/20; caso contrário, permanecem as regras gerais contidas na lei 8.213/1991, até porque não foram afetadas pela nova disciplina normativa. Em recente decisão liminar, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria dos votos, suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 927, que determinava que os casos de contaminação pelo coronavírus não eram considerados doenças ocupacionais, exceto mediante comprovação de nexo causal. Segundo o relator das ADI's 6346, 6348, 6349, 6352, 6354, 6342, 6344, ministro Alexandre de Moraes, "o artigo 29, ao prever que casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação de nexo causal, ofende inúmeros trabalhadores de atividades essenciais que continuam expostos ao risco". Também votaram neste sentido os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lucia, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Luiz Roberto Barroso. Portanto, pelo menos até que ocorra o julgamento definitivo do mérito das citadas ADI's, o dispositivo foi extirpado do sistema jurídico, o que faz prevalecer, no tema, as regras previstas na lei 8.213/1991 outrora destacadas. Ao encontro com este entendimento do E. STF, a Juíza da 1ª Vara do Trabalho de Vitória, Estado do Espírito Santo, reconheceu a reintegração de trabalho a uma técnica em enfermagem que foi demitida após retornar de afastamento por ser diagnosticada com COVID-19. A juíza considerou o entendimento da Excelsa Corte no sentido de que a infecção por coronavírus pode ser equiparada à doença ocupacional. Ainda, entendeu a magistrada que é fato notório que os profissionais da área de saúde têm atuado linha de frente para prevenir, combater a propagação e tratar os infectados pelo novo coronavírus no Brasil10. Por todo o exposto, apesar da natureza pandêmica - acima, portanto, da condição de mera endemia -, a covid-19 pode ser qualificada como enfermidade de natureza ocupacional, mais precisamente doença do trabalho, para os casos dos trabalhadores que exercem as suas atividades em ambientes nos quais estejam presentes as possibilidades de contágio, como estabelecimentos de saúde, ambulâncias, necrotérios, hospitais, entre outros. Na mesma linha, pode ser equiparada à natureza ocupacional nas situações de pessoas que, de modo acidental, venham a se contagiar, desde que se faça necessária a comprovação do nexo de causalidade entre a doença e o labor. *Paula Bolico Lampert é advogada trabalhista e pós-graduanda em Direito e Processo de Trabalho e Seguridade Social na Fundação Escola de Magistratura Trabalhista do Rio Grande do Sul - FEMARGS - PORTO ALEGRE/RS. __________ 1 FARIA, Bento de; FARIA, Edmundo Bento de. Dos acidentes do trabalho e doenças profissionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, [19-], p. 172. 2 CARVALHO, H. Veiga de. Acidentes do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1963. p. 52. 3 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Curso de direito infortunístico. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1992. p. 63. 4 PEDROTTI, Irineu Antonio. Comentários às leis de acidentes do trabalho: área urbana e rural. São Paulo: Universitária de Direito, 1986. p. 45. 5 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à lei de acidentes do trabalho. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. v. I, p. 31. 6 KERTZMAN, Ivan; CARREIRO, Luciano Dorea Martinez. Guia prático da previdência social: tudo sobre sua aposentadoria e demais benefícios. Salvador: JusPodivm, 2003. p. 66. 7 FARIA, Bento de; FARIA, Edmundo Bento de. Dos acidentes do trabalho e doenças profissionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, [19-], p. 172. 8 FARIA, Bento de; FARIA, Edmundo Bento de. Dos acidentes do trabalho e doenças profissionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, [19-], p. 172. 9 COIMBRA, Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 2001. p. 205. 10 Disponível aqui. Acesso em: 6 de jul. 2020.