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Migalha Trabalhista

Textos direcionados a comentar novidades legislativas que possam propiciar uma visão contemporânea sobre assuntos que estejam na ordem do dia na área trabalhista/sindical.

Ricardo Calcini
Há quem ainda defenda que a exceção prevista no §2º do art. 833 do CPC não se estende aos créditos trabalhistas de natureza alimentar. Em outras palavras, a impenhorabilidade estabelecida no caput do referido dispositivo não se aplica nos casos de pagamento de prestação alimentícia de natureza cível, sendo a penhora permitida apenas em situações de responsabilidade por acidente ou doença.1 Embora a matéria esteja aparentemente pacificada no TST, os TRTs, por alguns julgados, ainda afirmam que os limites previstos pelo art. 833 do CPC são definidos e não permitem qualquer ampliação a critério do julgador, assegurando a impenhorabilidade do salário e da aposentadoria recebidos pelo devedor trabalhista (IV). Nesse sentido, vale destacar que o entendimento consolidado pela justiça do trabalho era de que, mesmo sob a vigência do novo CPC/15, os créditos trabalhistas deferidos não se enquadram no conceito de prestação alimentícia. Consequentemente, a norma deveria ser interpretada em conformidade com os princípios da solidariedade humana e da assistência social, o que justificava a vedação à penhora de proventos de aposentadoria e salário destinados ao sustento do devedor e de sua família.2-3 Aliás, subsiste a controvérsia sobre se a mera natureza trabalhista do crédito justifica a penhora de salários e aposentadorias dos devedores trabalhistas, principalmente no âmbito dos TRTs, dada a ausência de exceção legal à regra de impenhorabilidade, uma vez que o inciso IV e §2º do art. 833 do CPC mantém, de certa forma - não em sua essência -, a mesma restrição estabelecida no diploma processual anterior (art. 649, IV, §2º, do CPC/73), não admitindo uma interpretação ampliativa que excepcione os créditos trabalhistas dessa vedação. Em decisão do TST, em voto de relatoria do então ministro Alberto Bresciani, a 3ª Turma asseverou que "o legislador, ao fixar a impenhorabilidade absoluta, enaltece a proteção ao ser humano, seja em atenção à sobrevivência digna e com saúde do devedor e de sua família, seja sob o foco da segurança e da liberdade no conviver social dos homens" (TST-RR-110808820165150120, relator: Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, data de julgamento: 5/5/21, 3ª Turma, data de publicação: 7/5/21). A questão também é debatida sob outra perspectiva, envolvendo a distinção entre "prestação alimentícia" e "crédito de natureza alimentícia", pois enquanto a primeira refere-se à obrigação regulada pela lei 5.478/68 e pelos arts. 911 e 913 do CPC, a segunda diz respeito à quantia destinada à subsistência do alimentando em razão do parentesco.4 Assim, há entendimentos recentes que sustentam que os créditos deferidos em reclamações trabalhistas não se encaixam na definição de prestação alimentícia strictu senso, não sendo, portanto, admissível a penhora do salário ou aposentadoria destinados ao sustento do devedor, à luz dos princípios de solidariedade humana e assistência social.5 No entanto, a jurisprudência da justiça do trabalho vem se consolidando em sentido oposto, reconhecendo a penhorabilidade de salários e aposentadorias como uma realidade. O artigo 833, IV, do CPC de 2015, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, de fato estabelece a impenhorabilidade dos proventos de aposentadoria: Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios; bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º. Essa regra é excepcionada pelo § 2º, que dispõe que: § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º. Diante desse pretexto, a Corte Superior Trabalhista revisou seu entendimento à luz das premissas estabelecidas pelo novo CPC, pela lei da reforma trabalhista e pela jurisprudência civil, passando a reconhecer a natureza alimentar do crédito trabalhista e, portanto, a sua abrangência pela exceção legal, permitindo a penhora parcial dos salários e benefícios previdenciários, conforme o disposto no § 3º do artigo 529 do CPC. É relevante observar que essa foi a compreensão do Tribunal Pleno do TST ao revisar, em setembro de 2017, a redação da OJ 153 da SBDI-2, para adequar a diretriz ao CPC de 2015, preservando, contudo, a regulamentação dos fatos ainda regidos pela legislação anterior, o que resultou em uma certa ambiguidade na sua interpretação: 153. MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC DE 1973. ILEGALIDADE. (atualizada em decorrência do CPC de 2015) - Res. 220/17, DEJT divulgado em 21, 22 e 25/9/17 Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC de 1973 contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973 espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista.  Assim, a Corte passou a reconhecer que o crédito trabalhista, por sua natureza, configura uma espécie de prestação alimentícia, uma vez que está diretamente relacionado à subsistência do trabalhador e de sua família.6 Ainda assim, é relevante observar que, ao adotar essa posição, o Tribunal destacou que a penhora não deve ultrapassar 50% dos ganhos líquidos do executado, com base no art. 529, § 3º do CPC. Ou seja, o TST autorizou que as penhoras sejam realizadas dentro do limite de até 50% dos proventos dos devedores.7 Para equilibrar o direito do exequente de satisfazer seu crédito com a necessidade de garantir a subsistência do executado, a penhora foi limitada a 50% do rendimento líquido do devedor, assegurando-lhe o recebimento de pelo menos um salário mínimo, em respeito à dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial (art. 1º, III, da CRFB).8 Nesse contexto, aliás, descabe aplicar, por analogia ao processo do trabalho, o decreto 11.567/23, que estabelece o valor de R$ 600,00 como mínimo existencial para casos de superendividamento e situações de endividamento resultante de acúmulo de execuções. Essa interpretação foi inicialmente adotada, v.g., pela 21ª Vara do Trabalho de São Paulo permitindo que, em um determinado caso concreto, o devedor trabalhista vivesse com cerca de metade de um salário-mínimo na época em vigor. No entanto, tal decisão foi acertadamente reformada pelo TRT da 2ª região, inclusive por ausência de amparo legal. Embora a relatividade da penhora de proventos seja aplicável a diversas áreas do direito, o problema que subsiste é a ausência de critérios claros sobre como essa flexibilização deve ser implementada, o que vem resultando em uma miríade de entendimentos, tanto que o STJ afetou os REps 1.894.973, 2.071.335 e 2.071.382 (Tema 1.230), de relatoria do ministro Raul Araújo, para definir "?o alcance da exceção da regra da impenhorabilidade de salário para efeito de pagamento de dívidas não alimentares, inclusive quando a renda do devedor for inferior a 50 salários mínimos", levantando dúvidas quanto ao impacto de seu resultado sobre a jurisprudência da justiça especializada. Ao contrário do que ocorre na esfera cível, onde o parâmetro de 30% é amplamente adotado para descontos de empréstimos consignados (em observância da lei 10.820/03)9, no âmbito trabalhista a limitação de 50% dos salários ou proventos de aposentadoria não tem sido estabelecida com base em um critério mais objetivo. Isso porque, mesmo em casos em que os devedores recebem menos de 40% do teto previdenciário (R$ 3.114,40 para 2024), por regra são pessoas idosas e que demonstram custos básicos elevados, cuja experiência tem demonstrado que a penhora de até 50% tem sido mantida em diversos julgados. Essa prática frequentemente se justifica com base nos princípios da razoabilidade, dignidade e efetividade da execução. Não se questiona aqui a justiça da penhora das verbas alimentares dos devedores trabalhistas, reconhecendo-se que o histórico de frustração na execução devido à falta de pagamento pode ter realmente demandado uma atualização normativa para assegurar a efetividade das decisões judiciais. Apesar disso, ao analisar as inovações pela sua relativização, nota-se que o legislador buscou equilibrar a proteção dos direitos do credor com a manutenção da dignidade do devedor enquanto ele quita a dívida. A questão permite examinar que, ao determinar que salários até 40% do teto do RGPS não são adequados para cobrir despesas processuais sem comprometer o sustento do devedor, o legislador estabeleceu um critério que é, portanto, razoável para definir o valor mínimo necessário à subsistência do devedor e os limites da penhora, uma vez que não se mostra adequado manter uma penhora de 50% dos proventos líquidos sem uma análise detalhada dos demais fatores relacionados ao custo de vida da pessoa e à própria insuficiência econômica, que comprometeria a manutenção das despesas básicas mensais do devedor. À luz dessas premissas, salvo entendimento diverso, não há ilegalidade na decisão que, sob o CPC de 2015, permite a penhora de até 50% dos salários ou proventos da parte executada. Porém, diversas situações, especialmente quando o devedor demonstra incapacidade financeira para subsistir ou enfrenta múltiplas penhoras, como ocorre frequentemente com pequenos empresários em falência ou em descontinuidade do negócio, exigem uma análise casuística. Portanto, embora se defenda pela via jurisprudencial a relativização da impenhorabilidade do salário e da aposentadoria, é essencial considerar a origem da renda do devedor, de modo que, quando essa renda for inferior a 40% do teto máximo dos benefícios do RGPS, a penhora, mesmo reduzida, respeite os limites que garantem uma subsistência digna. Isso não representa  equiparar, por regra, ao limite de um salário-mínimo, mas sim de um valor partindo dele para garantir a manutenção das despesas básicas mensais - por vezes superiores ao salário mínimo. Menciona-se, para a hipótese, a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo (ministro Edson Fachin), afirmando que o ordenamento jurídico deve garantir ao indivíduo um patrimônio mínimo, assegurando-se, pois, o mínimo existencial e o respeito à dignidade da pessoa humana. O STJ também adota essa abordagem ao afirmar que "é necessário harmonizar duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa: O direito ao mínimo existencial e o direito à satisfação executiva, o que deve ser feito in concreto" (REsp 1658069).10 Por evidente que os interesses antagônicos, existentes no processo judicial, devem ser equilibrados de modo a preservar a dignidade da pessoa humana de ambas as partes. No entanto, dependendo das circunstâncias específicas do caso concreto, a dignidade do devedor trabalhista pode prevalecer. Exemplificando a questão, o TST já se posicionou nesse sentido, prevalecendo os interesses do devedor em observância da sua dignidade, ao dispor que "está evidente que o veículo especial do executado não pode ser penhorado, quer pelo princípio da proteção da pessoa com deficiência, quer em face do dever estatal de promoção de inclusão e de acessibilidade plena ao portador de deficiência" (ROT-1000902-22.2021.5.02.0000, SbDI-2, relator ministro Evandro Pereira Valadão Lopes, DEJT 25/11/22). Por isso que efetivar bloqueios de verbas de natureza alimentar, independentemente do percentual, mas sobretudo acima daquele geralmente praticado (30%), sem observar as circunstâncias limitadoras do caso concreto, podem comprometer gravemente direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), os direitos sociais à moradia, alimentação e saúde (art. 6º) e o direito à renda mínima (art. 7º, IV e X). Tais medidas podem ainda resultar em violações dos direitos sociais do empreendedor, que frequentemente enfrenta outras dívidas devido ao fracasso em seus negócios, descabendo equiparar pessoas físicas que tentam empreender em pequenos negócios a grandes conglomerados empresariais - embora se reconheça que, em ambos os casos, não se deve comprometer os direitos trabalhistas, pois quem empreende assume os riscos associados ao seu empreendimento. Em derradeiro, por reflexão, dado que o legislador determinou que salários até 40% do teto do RGPS não permitem arcar com despesas processuais sem comprometer o sustento, parece ser razoável usar esse critério para definir o mínimo necessário à subsistência do devedor e os limites da penhora, evitando, em especial, uma penhora de 50% ou de outro patamar qualquer que desconsidere os custos de vida e a insuficiência econômica para despesas básicas. _______ 1 TRT-2 10003159420215020292 SP, Relator: RILMA APARECIDA HEMETERIO, 18ª Turma - Cadeira 1, Data de Publicação: 22/07 /2021. 2 TST-RO: 0010390-47.2016.5.18.0000, Relator: Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, Data de Julgamento: 07/02/2017, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 10/02/2017. 3 TST-RO: 380320165190000, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 06/12/2016, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 19/12/2016. 4 TRT-17 - MSCiv: 0000146-47.2020.5.17.0000, Relator: JOSE LUIZ SERAFINI, Pleno - OJ de Análise de Recurso. 5 TRT-2-AP: 10022109320165020089 SP, Relator: RILMA APARECIDA HEMETERIO, 18ª Turma, Data de Publicação: 20/04/2022. 6 TST-RR: 10021151620165020040, Relator: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 22/03/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 27/03/2023. 7 TST-RR: 0001400-83.2004.5.03.0104, Relator: Ives Gandra Da Silva Martins Filho, Data de Julgamento: 02/04/2024, 4ª Turma, Data de Publicação: 05/04/2024. 8 Disponível aqui. ROT-10121-83.2020.5.03.0000, relator ministro: Evandro Pereira Valadão Lopes, Data de Julgamento: 14/02/2023, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 17/02/2023. 9 Disponível aqui. Acesso em 8.8.2024. 10 STJ-REsp: 1658069 GO 2016/0015806-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/11/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2017.
A conta bancária conjunta solidária é um tipo de contrato bancário que possui mais de um titular na instituição financeira mantenedora, permitindo, com isso, que os contratantes, individualmente, isto é, sem autorização do cotitular, realizem a movimentação do numerário disponível na conta, incluindo saques, transferências, depósitos, pagamentos com débitos em conta, entre outras operações financeiras. Por envolver gestão de patrimônio financeiro em comum, este tipo de conta bancária é geralmente aberta por pessoas casadas, em regime de união estável ou por familiares próximos (como descendentes e genitores). No âmbito da pesquisa patrimonial na jurisdição executiva, a conta conjunta é alvo frequente das ordens de bloqueio judicial por meio da ferramenta eletrônica SISBAJUD - Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário. Assim, o sistema realiza a constrição do saldo depositado em conta bancária conjunta mantida pelo devedor em regime de cotitularidade, indistintamente. Em razão da própria característica da conta conjunta, entendemos que se trata de hipótese de confusão patrimonial entre os correntistas, haja vista que os cotitulares realizam a movimentação e a gestão financeira dos ativos financeiros depositados na conta, sem haver a segregação do numerário que cabe a cada um dos titulares. Qualquer um dos titulares pode livremente dispor do saldo disponível, sendo impossível, pois, distinguir o que pertence, efetivamente, a cada dos correntistas. É bem de ver que a dinâmica da conta conjunta solidária gera a presunção de que os cotitulares pactuaram a ausência de exclusividade, desaguando na responsabilidade solidária entre os correntistas em relação ao saldo disponível nesse tipo de conta bancária, decorrente da vontade de seus titulares (art. 265 do CC),  tornando possível a penhora integral dos valores depositados na conta conjunta para a satisfação do crédito exequendo. Assim sendo - independentemente de serem os cotitulares casados (ou não) e ou de qual regime de bens foi adotado - as pessoas que optam por abrir conta bancária conjunta assumem o risco de ver o saldo comum ser penhorado, ainda que um deles não figure no polo passivo da execução, razão pela qual não há irregularidade da constrição do valor integral da dívida da conta conjunta, sendo certo que, no caso de cotitulares casados, não se cogita a limitação ao valor da meação, pois a solidariedade resultou do ato de vontade manifestado no ato de abertura da conta. Nesse sentido, de longa data, o c. TST vem decidindo que a conta conjunta é uma conta solidária: "A conta conjunta é uma conta solidária, pois, independentemente do valor ali existente ter sido oriundo de depósitos realizados por apenas um dos titulares, ou de ser originário de crédito relativo a somente um deles, a importância na conta pertence a ambos e pode ser bloqueada para satisfação de dívidas de responsabilidade de qualquer um dos titulares. [...]". (TST - RO 11693-07.2015.5.01.0000 - 2ª Turma - Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes - DEJT 25/06/2021) Esse é o panorama atual sedimentado no âmbito da jurisdição executiva trabalhista, que pode ser sintetizado na seguinte premissa: todo o saldo disponível na conta conjunta pode ser objeto de constrição judicial em execução trabalhista movida contra um dos cotitulares, sem que haja necessidade de reserva de valores ao outro correntista que não figura no polo passivo da execução. Ainda que de forma incipiente, esse cenário traçado na jurisdição trabalhista tem começado a sofrer influxos da tese firmada pelo STJ no Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 12, a qual iremos explorar agora. A tese firmada no mencionado IAC é fruto da divergência jurisprudencial instaurada entre as Turmas de Direito Privado e de Direito Público do STJ, cuja matéria em discussão foi avocada pela Corte Especial para julgamento do REsp 1610844/BA, submetido ao rito do artigo 947 do CPC, para pacificar a seguinte controvérsia: "possibilidade ou não de penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo de processo executivo". Em 2022, a Corte Especial do STJ fixou a seguinte tese: "a) É presumido, em regra, o rateio em partes iguais do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando inexistente previsão legal ou contratual de responsabilidade solidária dos correntistas pelo pagamento de dívida imputada a um deles. b) Não será possível a penhora da integralidade do saldo existente em conta conjunta solidária no âmbito de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora, sendo franqueada aos cotitulares e ao exequente a oportunidade de demonstrar os valores que integram o patrimônio de cada um, a fim de afastar a presunção relativa de rateio". Embora a tese firmada no IAC 12 não constitua um precedente de observância obrigatória na Justiça do Trabalho, possui evidente efeito persuasivo1, motivo pelo qual se faz necessária uma análise crítica, para fins de adequada aplicação no caso concreto. Diante da tese firmada pelo STJ, no âmbito das jurisdições executiva civil e fiscal, ao lidar com a penhora de valores em conta conjunta e para evitar o indevido desbloqueio parcial da constrição de ativos financeiros nesta conta, de antemão, é necessário observar se se trata de conta conjunta mantida com cônjuge casado no regime de comunhão universal de bens, pois, nessa hipótese, por expressa previsão legal (art. 1.667 do CC), todo o ativo patrimonial do casal e suas dívidas se comunicam. Logo, haverá presunção legal de solidariedade e confusão patrimonial entre os cônjuges, incidindo a ressalva do item "a" da tese firmada no IAC 12, que afasta a presunção de rateio do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando há previsão legal de responsabilidade solidária dos correntistas pelo pagamento de dívida imputada a um deles. Nessa mesma linha de raciocínio, destacamos importante precedente do TRT da 6ª Região: EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIROS. PENHORA DE CONTA CONJUNTA. A conta conjunta, por si só, não autoriza concluir pela responsabilidade solidária de seus correntistas quando apenas um deles figura como devedor do título que se executa. Pela dicção do artigo 265 do CC, solidariedade não se presume. Nesse sentido, aliás, a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 12, [...]. No caso, a solidariedade decorre da certidão de casamento juntada, porque assinala como regime a comunhão universal de bens. Na comunhão universal há comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas (artigo 1.667 do CC). Existem exceções (artigo 1.668 do CC), mas, nenhuma delas se ajusta a hipótese dos autos. Recurso improvido, no particular. (TRT6 - AP 0000247-11.2023.5.06.0251 - 3ª Turma - Relator Desembargador Ruy Salathiel de Albuquerque e Mello Ventura - Data de julgamento: 26/09/2023) (grifamos) Nessa senda, deparando-se com o pedido de liberação de valores do cotitular nos autos da execução judicial ou na ação de embargos de terceiro, no caso de cônjuge cotitular (situação mais corriqueira de conta conjunta), deve o juiz determinar a juntada da certidão de casamento para aferição do regime de bens, antes de decidir eventual pedido liminar, assim como poderá requisitar tal documento por meio dos convênios CRC-Jud ou Serp-Jud. Igual providência deverá ser requerida pelo credor-embargado, quando intimado a se manifestar sobre o requerimento, caso tal providência já não tenha sido adotada pelo juízo. Na análise da tese firmada no IAC 12, consideramos o item "b" como o ponto mais crítico, exigindo maior cautela do operador do Direito em sua interpretação, diante do risco de incorrer na "prova diabólica", que explicaremos mais adiante, uma vez que a tese veda a penhora da integralidade do saldo existente na conta conjunta, estabelecendo uma "presunção relativa de rateio" e, em razão disso, deixa entrever que cabe ao exequente demonstrar que o devedor é titular de montante superior ao quantum presumido. Como pontapé inicial do processo hermenêutico em torno do adequada compreensão do item "b", devemos recorrer ao item 5 da ementa do acórdão proferido no REsp 1610844/BA, no qual restou assentado que "[...] por força da presunção do rateio igualitário do saldo constante da 'conta coletiva solidária', caberá ao 'cotitular não devedor' comprovar que o montante que integra o seu patrimônio exclusivo ultrapassa o quantum presumido. De outro lado, poderá o exequente demonstrar que o devedor executado é quem detém a propriedade exclusiva - ou em maior proporção - dos valores depositados na conta conjunta". Conforme decidido pelo STJ, nos demais casos de conta conjunta com cônjuge casado no regime de comunhão parcial de bens ou de união estável ou com outras pessoas (normalmente familiares próximos, a exemplo de conta conjunta entre pais e filhos), é facultado ao exequente demonstrar que os valores penhorados são de propriedade exclusiva do devedor ou em maior proporção dos valores depositados na conta conjunta. Nesse cenário, na prática, o exequente precisa demonstrar que os aportes em conta conjunta decorrem diretamente da atividade empresarial ou profissional do executado (análise da movimentação bancária) ou que seu cotitular - cônjuge ou descendente, por exemplo - não exerce atividade remunerada capaz de contribuir para a composição do saldo em conta conjunta (por ex., mediante estudo da declaração de imposto de renda - DIRPF para verificar eventual fonte de renda e que o saldo da conta bancária foi declarado como de sua titularidade). Contudo, é inegável que o exequente não possui acesso à movimentação bancária do devedor, tampouco à declaração de imposto de renda (DIRPF) do cotitular, os quais constituem elementos probatórios decisivos para elucidar a origem dos valores depositados na conta bancária. A excessiva dificuldade probatória do exequente não foi abordada no voto da relatoria no IAC 12, que se limitou a deixar a porta aberta para que o exequente demonstre, em juízo, que não deve prevalecer, no caso concreto, a presunção de rateio. Portanto, há evidente lacuna hermenêutica, não fornecendo a tese firmada uma clara orientação para resolver os obstáculos probatórios no caso concreto. Assim sendo, para fins de correta aplicação da tese firmada no IAC 12, considerando a impossibilidade de o credor desincumbir do seu encargo probatório e a notória facilidade da parte adversa na obtenção da prova, em respeito aos direitos fundamentais à ampla produção probatória para tutela do direito (art. 5º, LV, da CF/88) e à paridade de armas (art. 7º do CPC), deve ser adotado, pelo princípio da aptidão da prova, o sistema do ônus dinâmico da prova (arts. 373, §1º, do CPC, e 818, §1º, da CLT), atribuindo-se àquele que tem maior facilidade de produzir a prova o ônus correspondente. Imputar ao credor que não tem acesso à movimentação bancária dos cotitulares o ônus de provar que os valores existentes na conta são originados exclusivamente de recursos do executado, afigura-se como "prova diabólica", expressão consagrada na doutrina e jurisprudência para expressar a prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida pela parte, e reconhecida nos arts. 373, §1º, do CPC, e 818, §1º, da CLT. Vale destacar que, no particular, o cotitular terá muito mais facilidade de provar a origem dos recursos bloqueados, emoldurando-se perfeitamente as hipóteses de atribuição do ônus dinâmico da prova: impossibilidade ou extrema dificuldade de produção por uma das partes e maior facilidade à outra parte para produção de tal prova. Para agravar, ainda mais, o cenário de "prova diabólica" traçado, não se pode descartar a possibilidade de haver indeferimento de eventual pedido de quebra do sigilo bancário pelo exequente, para provar a origem dos valores, sob o fundamento de que não se enquadra nas hipóteses do art. 1º, §4º, da LC nº 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Portanto, resta evidente que a leitura do IAC 12 precisa ser harmonizada com a sistemática do direito probatório, sob pena de violação ao direito fundamental do credor de pleno e efetivo acesso ao Poder Judiciário. Com propriedade, afirmam Marinoni, Arenhart e Mitidiero que "evidentemente, não se pode imaginar que se chegará a uma solução justa atribuindo-se a produção de prova diabólica a uma das partes, ainda mais quando a outra parte, dadas as contingências do caso, teria melhores condições de provar. Tal ocorrendo, não pode incidir o art. 373, caput, CPC, podendo então ser aplicado o art. 373, § 1.º, CPC"2. Nesse sentido, ao dar processamento ao requerimento do devedor (ou do cotitular da conta bancária) para liberação de 50% do saldo constrito lastreado na tese firmada no IAC 12, tem o juiz o poder-dever de imputar ao devedor e/ou cotitular da conta o ônus de provar a origem dos valores bloqueados, assinalando-lhes prazo razoável para que apresentem em juízo os extratos bancários de determinado período, a ser fixado conforme a circunstâncias do caso concreto, declarações de imposto de renda (do devedor e do cotitular) e outros documentos que comprovem a origem dos recursos financeiros, a fim de verificar como se deu a composição do saldo que foi alvo de bloqueio por meio do SISBAJUD, com a cominação prevista no art. 400 do CPC, isto é, caso o devedor ou cotitular não apresentem os extratos bancários, declarações do imposto de renda e comprovação da origem dos valores depositados, será admitido que os valores bloqueados integram exclusivamente o patrimônio do executado, eliminando, com isso, condutas evasivas para cumprimento de ordem judicial. Não o fazendo o juiz, caberá ao credor requerer em juízo que atribua ao devedor/cotitular, pela regra do §1º do art. 818 da CLT, o ônus de provar a origem dos recursos, ou, subsidiariamente, que sejam requisitadas as DIRPFs do devedor e do cotitular diretamente no sistema INFOJUD. Por fim, outra possível estratégia de atuação frente ao IAC 12 consiste na inclusão do cônjuge na execução (art. 790, IV, CPC), quando esse for o cotitular da conta bancária, mediante instauração de incidente de corresponsabilização, mediante aplicação analógica das regras do IDPJ, por parte do exequente (e não apenas mero redirecionamento, para evitar alegações de nulidade procedimental), com pedido de tutela provisória de natureza cautelar, para manutenção do bloqueio integral do valor da conta, até que seja resolvida, em definitivo, a inclusão do cônjuge, na qualidade de corresponsável patrimonial nos regimes matrimoniais de comunhão parcial ou total de bens, inclusive na hipótese de união estável3. __________ 1 Neste sentido: TRT15 - AP 0010072-48.2022.5.15.0029 - 11ª Câmara - Relator Desembargador João Batista Martins César - Data de Publicação: 15/02/2023. 2 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 9ª ed. São Paulo: RT, 2023 (E-book), cit. CPC 373, coment. 6. 3 Abordamos a responsabilidade patrimonial do cônjuge em nossa obra: Execução trabalhista na prática. 3ª ed. Leme-SP: Mizuno: 2024, p. 591/604.
sexta-feira, 5 de julho de 2024

A MP 1.230/24 - Apenas isto?

Foi publicada, em 7 de junho de 2024, a Medida Provisória 1.230/241,  a qual, nos termos da ementa, "Institui Apoio Financeiro com o objetivo de enfrentar a calamidade pública e as suas consequências sociais e econômicas decorrentes de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul, destinado aos trabalhadores com vínculo formal de emprego". Recentemente, no artigo  "O Clamor do Estado Gaúcho ao Governo Federal" 2, tratamos da  omissão do Poder Executivo Federal, em lançar mão da  Medida Provisória, ferramenta autorizada pela Lei 14.437/223, que dispõe sobre regras trabalhistas alternativas e sobre o Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda,   a qual poderia atenuar, sensivelmente, o  impacto social e econômico do recente desastre climático ocorrido no Estado do Rio Grande do Sul, bem como auxiliar, efetiva e significativamente, na  superação dos grandes desafios ocasionados pelo fenômeno, propiciando a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, e,  também, a sobrevivência das próprias empresas. Com efeito, é inexplicável a demora do Poder Executivo, pois desde o início do mês de maio havia sido decretado o estado de calamidade pública. Pois bem! A Medida Provisória foi publicada, não obstante, ao nosso sentir, deixou a desejar! E deixou a desejar, por ter feito muito menos do que poderia e deveria, diante da gravidade da situação. Com efeito, referida MP traz, unicamente, um  "apoio financeiro", o qual  terá natureza de auxílio à empresa que atender aos requisitos nela exigidos e que será pago diretamente ao empregado com vínculo formal de emprego4,  consistente  no pagamento de duas parcelas no valor de R$ 1.412,00 (mil quatrocentos e doze reais) cada, nos meses de julho e agosto do ano de 2024.  Ora, tinha o Presidente da República, em suas mãos, além da concessão do auxílio financeiro em questão, a possibilidade de dispor sobre a adoção, por empregados e empregadores, de medidas trabalhistas alternativas, sem necessidade de acordo ou convenção coletiva como permite a Lei 14.437/22, tais como: o teletrabalho; a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e a antecipação de feriados; o banco de horas. Isto porque, exigir a negociação coletiva prévia para a adoção destas medidas é incompatível com o cenário atual.  Confira aqui a íntegra da coluna.
sexta-feira, 21 de junho de 2024

A primazia da realidade sobre a forma

Na lição do preclaro professor e juiz do trabalho Vitor Salino, "os princípios são fatores estruturantes de determinada área de conhecimento". 1 Assim, é possível afirmar que toda ciência, inclusive a ciência jurídica, constrói-se a partir dos princípios que a informam, porquanto são a base que edifica o ramo do saber que se pretende estudar, irradiando seus efeitos em toda estrutura do conhecimento relacionada àquela área. E no caso do Direito também é assim. Há os princípios gerais do Direito e os princípios específicos de cada segmento jurídico - Direito do Trabalho, Direito Penal, Direito Administrativo, Direito Constitucional e assim por diante. No Direito do Trabalho, o princípio cardeal é o da proteção, dele derivando outros que, cada um à sua maneira, visam cumprir o papel tuitivo do ramo juslaboral. Mas talvez um dos princípios mais caros ao Direito do Trabalho seja o princípio da primazia da realidade sobre a forma, que, traduzido de modo simples e objetivo, determina que a realidade dos fatos prevalece sobre o aspecto formal. O que o documento retrata tem validade se corresponder, ou coincidir, com a respectiva realidade fática; caso contrário, poderá ser desconstituído na via judicial, dada a supremacia do fato ocorrido. Aliás, este princípio, que tem respaldo legal essencialmente no art. 9º da CLT, é invocado diariamente nas reclamatórias submetidas ao crivo do Poder Judiciário, irrigando a atuação do juiz, dos advogados e das partes litigantes em juízo, exatamente com o propósito de coibir fraudes ou manobras, acobertadas pela forma, cujo único intuito é afastar ou dificultar a aplicação da lei trabalhista. Quando o juiz do trabalho invalida os horários anotados no cartão de ponto em confronto com a prova testemunhal, o faz com apoio no princípio da primazia da realidade sobre a forma. Do mesmo modo, quando reconhece a existência de pagamento de salário superior ao registrado nos recibos salariais, ou quando afasta o cargo anotado na CTPS do empregado e declara o exercício de uma outra função na empresa, com a determinação de retificação da carteira profissional para dela fazer constar o cargo efetivamente ocupado. Enfim, inúmeras são as hipóteses em que, no exercício da jurisdição, o magistrado utiliza-se deste fundamental princípio do Direito do Trabalho para descobrir a verdade vivenciada e dar efetividade às normas previstas na CLT. E o princípio da primazia da realidade sobre a forma sempre foi fonte de fundamentação e de interpretação para esclarecer as disputas travadas em demandas judiciais trabalhistas envolvendo fraude no formato de contratação. Se, por exemplo, o profissional foi contratado para trabalhar na condição de parceiro do negócio, ou como trabalhador autônomo, ou sob qualquer outro rótulo jurídico, a realidade vivida pelas partes no dia a dia deve espelhar exatamente o que consta na documentação formal, sob pena de se impor sobre aquilo que está pactuado no papel de modo solene. Se a real intenção do tomador de serviços, ou contratante, é admitir um empregado, que lhe prestará serviços de forma pessoal, não eventual, onerosa e mediante subordinação, o único modelo de contrato disponível na ordem jurídica é o contrato de emprego, disciplinado na CLT. Adotar formas alternativas de contratação para apenas encobrir ou mascarar uma genuína relação empregatícia não encontra eco na ordem jurídica vigente, por força exatamente do princípio em estudo.  Entretanto, muito recentemente, nasceu, cresceu e ganhou corpo uma corrente jurisprudencial, capitaneada sobretudo por orientações da Corte Suprema, originárias dos julgamentos de reclamações constitucionais, que parece deixar de lado a realidade dos fatos para supervalorizar a forma, num claro movimento de inversão radical do princípio trabalhista em exame, criando, de certa forma, uma presunção - quase absoluta - de legalidade do modelo de contratação adotado, quando respeitada a formalidade respectiva. Esta ideia não convive bem com o Direito do Trabalho, porquanto, não raro, ignora fraudes, desvirtua a constituição e a contratação de pessoas jurídicas e permite, em última análise, que trabalhadores subordinados sejam alijados da estrutura normativa protetiva assimilada na CR/88 e na CLT. Se é correto afirmar que tanto a legislação (lei 13.429/17 e lei 13.467/17), quanto a jurisprudência atual (precedentes do STF com efeito erga omnes e caráter vinculante), permitem a adoção da terceirização irrestrita como prática lícita de qualquer atividade da empresa, em homenagem aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência - e a respeito disso, não há nenhuma discussão, até mesmo pela eficiência e ganho de produtividade que este relevante fenômeno traz ao setor produtivo e à própria economia -, também é correto afirmar que o instituto da terceirização não tem qualquer relação e muito menos legitima condutas indevidas cujo objetivo consiste em baratear, intencionalmente, o custo da mão-de-obra e desviar-se da incidência do núcleo protetivo fixado no arcabouço trabalhista, como, ocorre, por exemplo, nos casos de pejotização (contratação  de genuíno  empregado com a roupa de PJ). E, repita-se: Não se está aqui, em hipótese alguma, criticando ou defendendo a não aplicação das diretrizes determinadas no Tema 725 e na ADPF 324 pelo STF no tocante à terceirização de serviços, em qualquer atividade da empresa (meio ou fim), mas apenas esclarecendo que os paradigmas jurisprudenciais definidos pelo Supremo Tribunal Federal não podem ser alargados para incidir sobre hipóteses concretas neles não previstas, como é o caso da pejotização. Tratam-se - terceirização e pejotização - de fenômenos distintos, que devem receber tratamentos legais diversos e soluções jurídicas distintas. Portanto, já é hora de ler e reler adequadamente o princípio em tela: no mundo das relações de trabalho, o que prevalece é a realidade e não a forma. E fica a advertência:Assim como na vida, também no mercado profissional, as aparências enganam...! ________ 1 EÇA, Vitor Salino de Moura. Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2019, p. 25.
Este breve artigo pretende abordar a problemática que relaciona à falta do empregado ao trabalho e a apresentação de atestado emitido pela Defesa Civil, nas hipóteses de decretação da situação de emergência ou de calamidade pública por município ou Estado da Federação. Antes de adentrar efetivamente no problema lançado, faz-se necessário conceituar as hipóteses de interrupção e suspensão contratual: Na interrupção o empregado percebe a totalidade ou parte do salário e há o cômputo do tempo de serviços para todos os efeitos (trabalhistas e previdenciários); Já na suspensão contratual o empregado deixa de prestar os serviços contratados e não percebe nenhuma contraprestação ou vantagem do empregador, de modo que o pacto laborativo não produz seus principais e regulares efeitos. A legislação pátria, a partir do art. 473 da CLT, determina quais são as hipóteses fáticas de interrupção do contrato de trabalho, ou seja, a norma celetária impõe obrigação ao empregador de satisfazer o salário ao empregado, mesmo que não tenha havido o respectivo labor. Entretanto, em se verificando no caso em concreto que o empregado não prestou o labor contratado, ou tampouco que não restaram preenchidos os suportes fáticos das previsões legais de interrupção contratual, está autorizada a não satisfação do salário correspondente. E mais especificamente quanto à falta do empregado ao trabalho, torna-se imperioso analisar o contexto em que tal ausência ocorreu, como também o tratamento adotado nas esferas coletiva e individual. Com o intuito de ser extremamente pedagógico e elucidativo, tem-se que determinada falta poderia ser devidamente autorizada pelo empregador (e, portanto, abonada com o correspondente pagamento do salário), ou, ainda, possuir previsão expressa em norma coletiva de idêntico sentido. Aliás, existe a hipótese de enunciado jurisprudencial que igualmente determina a satisfação salarial ao empregado (como no caso da súmula 155 do TST, que estabelece que "as horas em que o empregado falta ao serviço para comparecimento necessário, como parte, à Justiça do Trabalho, não serão descontadas de seus salários").   Contudo, a falta ao trabalho somente é considerada injustificada quando não autorizada em lei, em norma coletiva ou mediante consentimento do empregador, acarretando no não pagamento do respectivo salário. Por outro lado, recentes episódios climáticos vêm produzindo eventos adversos com efeitos desastrosos em nosso país, acarretando em prejuízos sociais e econômicos a municípios e Estados da Federação. A depender dos danos e das suas consequências, os Entes Públicos se valem de suas prerrogativas e acabam por decretar situação de emergência (hipótese de anormalidade provocada por algum desastre e que implica um comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente atingido) ou estado de calamidade pública (hipótese de anormalidade provocada por algum desastre e que implica um comprometimento substancial da capacidade de resposta do Poder Público do ente atingido), levando em consideração a gravidade do evento desastroso e a capacidade do Poder Público de (re)agir. Para fins de decretação de ambos os estados supramencionados, o Ente Público se vale das previsões da lei 12.340, de 1º/12/10, e da lei 12.608, de 10/4/12, para implementarem ações preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas da sociedade por intermédio da Defesa Civil. A Defesa Civil é uma pasta do Poder Executivo que não dispõe de personalidade jurídica própria, mas possui autonomia e prerrogativa para sugerir ações positivas, inclusive para requisitar força coercitiva (policial e/ou militar) e buscar recursos públicos a fim de cumprir sua finalidade administrativa. Diante de um evento adverso que enseja a declaração de situação de emergência ou de calamidade pública, com o respaldo de decreto emitido pelo chefe do Poder Executivo, podem ser emitidos atestados pela Defesa Civil com o condão declaratório de informar que determinadas localidades ou endereços foram atingidos, resultando na impossibilidade de pessoas acessarem e/ou permanecerem em suas residências (seja por dificuldade de locomoção, seja por condenação dos imóveis). Note-se que este atestado em questão não se compara a um atestado médico, menos ainda para efeitos de abono de faltas ou encaminhamento da pessoa ao INSS para o gozo de benefício previdenciário. Tem-se a finalidade apenas de comprovar que a pessoa (neste caso, o empregado) está impossibilitada de comparecer ao trabalho pela dificuldade de acessar ou sair e sua residência ou localidade. De outra banda, considerando o atestado que corrobora a situação emergencial ou calamitosa, onde constam especificamente os detalhes técnicos do evento adverso e a COBRADE - Classificação e Codificação Brasileira de Desastres, entende-se que o empregador não poderá punir o empregado pela ausência ao trabalho com advertência, suspensão ou até mesmo a aplicação da despedida com justa causa ao trabalhador. Por isso, conclui-se que o empregador não está obrigado ao pagamento do salário ao empregado relativo à falta do trabalho, assim como do respectivo repouso semanal remunerado, mesmo quando apresentado um atestado emitido pela Defesa Civil, após decretada situação de emergência ou de calamidade pública, por não ser considerada uma hipótese legal de interrupção do contrato de trabalho.
Dia  21 de maio de 2024 faz quase quatro semanas que praticamente o Rio Grande do Sul inteiro (93,509% das cidades do Estado)1  foi (e permanece) atingido pela maior catástrofe climática que o nosso País já vivenciou, sendo reconhecida   a ocorrência do estado de calamidade pública2  no Estado do Rio Grande do Sul, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos. Famílias, residências, empresas de todos os ramos de atividade, criações e plantações, tudo foi alcançado pelas águas e está submerso, total ou parcialmente, desalojando milhares de pessoas e paralisando atividades das mais diversas, desenvolvidas por pequenas e grandes empresas. Enfim, as águas da enchente não pouparam ninguém. O quadro é desolador. Estamos presenciando/vendo - profundamente abalados -, e ao mesmo tempo muito comovidos, toda a população (ou praticamente toda), do Rio Grande do Sul, dos demais Estados do nosso País e também de todo mundo, ajudando, apoiando, auxiliando, amparando, dando assistência, socorrendo,  protegendo, defendendo, se doando ou doando, cada um do seu melhor jeito3. Muitas medidas já foram e estão sendo tomadas pelo Estado, pelo Município e pela União, e isto é essencial para que as pessoas sejam salvas, e para que o Estado (e cada uma de suas cidades) possa se organizar, se reestruturar, se reerguer e se reconstruir. É um longo caminho a ser percorrido, mas precisamos dar, a cada momento, mais um passo! É assim que se vence "as batalhas" (quaisquer) da nossa vida, especificamente da nossa vida em sociedade! E quando falamos em sociedade, necessariamente, lembramos que esta sociedade - no caso, agora, em específico, a sociedade gaúcha -, depois de salvar as pessoas, depende e dependerá, muito, da economia - e de um setor econômico muito forte - para "...se organizar, se reestruturar, se reerguer e se reconstruir". E quando falamos em economia, obrigatoriamente, falamos das relações de trabalho e/ou de emprego e do Direito do Trabalho, pois, sem qualquer dúvida, é através do trabalho que o indivíduo adquire reconhecimento e dignidade perante o seu próximo e/ou sociedade, fazendo com que participe, ativamente, desta sociedade, provocando, inclusive, o crescimento da economia. E o que pode ser feito, neste momento tão delicado, no campo do direito do trabalho, considerando a relação empregado x empregador? Alguns procedimentos,      quando falamos da iniciativa privada, já estão sendo adotados, como, exemplificativamente, as convenções e/ou acordos coletivos firmados/negociados por categorias profissionais e econômicas, representadas pelos respectivos entes sindicais, permitindo, em suas cláusulas, procedimentos emergenciais  e medidas flexibilizadoras, neste período extremamente excepcional e delicado. Não obstante, inúmeras categorias profissionais e patronais ainda não possuem qualquer convenção coletiva e/ou acordo coletivo neste sentido. No plano estatal, o Estado do Rio Grande do Sul publicou, em 1/05/2024  o Decreto nº 57.596, declarando estado de calamidade pública, o que ensejou a edição do Decreto Presidencial nº 12.016, em 07 de maio de 2024, permitindo o denominado "saque calamidade", consistente na liberação de valores da conta vinculada FGTS, até o limite de R$ 6.220,00, flexibilizando a obrigatoriedade de respeito ao prazo de 12 meses desde o último saque, exigido pelo Decreto  nº 5.113, de 22 de junho de 2004. E tanto o Ministério Público do Trabalho (MPT)  quanto o Ministério  do Trabalho e Emprego (MTE), dentro de suas limitações/competências, desde o início, têm trazido suas orientações através de Recomendações e Portarias e/ou  Ofícios, respectivamente,  que tratam do tema em referência. O Ministério Público do Trabalho, em 10 de maio de 2024, além de outras medidas, expediu recomendação4 (RECOMENDAÇÃO nº 02/2024 - GT DESASTRE CLIMÁTICO) que,  em apertada síntese, orienta/recomenda, aos empregadores:  (i)  a priorizar, para redução dos danos das enchentes, medidas trabalhistas alternativas que garantam a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, como a implementação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, a adoção de banco de horas, dentre outras, observando-se os requisitos da Lei 14.437/2022, que institui medidas trabalhistas alternativas em períodos de calamidade pública. (ii) absterem-se de adotar medidas de suspensão temporária de contrato de trabalho, salvo como parte integrante de um Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda que venha a ser instituído pelo Governo Federal. (iii) ausência de perdas salariais a trabalhadores diretamente expostos a alagamentos. (iv) estabelecimento de políticas de flexibilidade de jornada, sem redução salarial, quando serviços como transporte, creches, escolas, dentre outros, não estiverem em funcionamento regular e não houver possibilidade de dispensar o trabalhador da atividade presencial.  A recomendação  em referência,  ainda, enfatiza     "A situação extrema e excepcional vivenciada no Rio Grande do Sul requer, de todos os atores sociais e integrantes das relações de trabalho, bom senso, solidariedade e apoio mútuo, os quais são fundamentais para a redução do impacto social e econômico, bem como para a superação dos desafios ocasionados por desastres de grande escala", (grifos nossos). O Ministério do Trabalho e Emprego, por sua vez,  além de outros procedimentos,  editou a  Portaria (Portaria MTE nº 729, de 15 de maio de 2024,  e Ofício (OFÍCIO CIRCULAR SEI nº 294/2024/TEM), respectivamente, determinando a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS para os empregadores situados em municípios do Estado do Rio Grande do Sul alcançados por estado de calamidade pública reconhecido  pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, e, em relação ao segundo (Ofício),  orientações às entidades sindicais para adoção de medidas que preservem os empregos, através de negociações coletivas, ressaltando, inclusive que eventual ato ministerial publicado com o objetivo de regulamentar as disposições da Lei 14.437/22 poderá, na medida de suas disposições, autorizar a adoção de medidas diretamente pelos empregadores, sem prejuízo dos acordos e convenções estabelecidos. Excelentes, pertinentes e necessárias as medidas/recomendações e/ou trazidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Ministério do Trabalho (MTE). Não obstante, não podemos esquecer que o Poder Executivo Federal tem em mãos (e é competência privativa do Presidente da República), na esteira do que preconiza o artigo 84, XXVI,  da CF5, uma ferramenta  que foi autorizada pela Lei 14.437/226,  ou seja, a Medida Provisória,  através da qual poderá, sim, atenuar, sensivelmente, o,  até agora,  incomensurável  impacto social e econômico, bem como ajudar, significativamente na  superação dos desafios ocasionados pelo desastre climático ocorrido, objetivando, com isto, a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, mas, também, a sobrevivência das próprias empresas, lembrando que a baixa das águas vai permitir aferir a extensão efetiva dos danos. E através desta ferramenta, poderá o Poder Executivo Federal, dispondo sobre a adoção, por empregados e empregadores, de medidas trabalhistas alternativas e sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para enfrentamento das consequências sociais e econômicas de estado de calamidade pública  já reconhecida, como antes referido,  para, entre outras possibilidades, fomentar, nas relações de emprego, sem necessidade de acordo ou convenção coletiva:  §  O teletrabalho. §  A antecipação de férias Individuais. §  A concessão de férias coletivas. §  Do aproveitamento e a antecipação de feriados. §  O banco de horas. §  A suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.  Além disso, ao dispor sobre um  Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, poderá, em benefício dos empregados e empregadores, possibilitar:  I - o pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm); II - a redução proporcional da jornada de trabalho e do salário; e III - a suspensão temporária do contrato de trabalho.  Como se vê, o Poder Executivo Federal, em um momento de grande preocupação para toda a sociedade gaúcha, em todos os sentidos, tem, em suas mãos, um procedimento, de sua competência privativa, que, se utilizado, sem qualquer dúvida, acarretará uma sensível melhora no ânimo, quando falamos das relações de emprego, dos empregados e dos empregadores. Então, o que se questiona é por que razão não o fez até agora?? Em apoio ao que aqui vai sustentado,  uma  das grandes entidades empresariais  do Estado do Rio Grande do Sul, a  Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul,  na sexta-feira, dia 17/05/2024, entregou ao Vice-Presidente da República, em Brasília, um documento elencando mais de 40 medidas consideradas urgentes e necessárias ao reerguimento da indústria gaúcha7, entre estas,  a regulamentação da Lei 14.437/2022, instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Enfim, não podemos esquecer que a grande maioria das empresas e empregados, hoje, não estão protegidos por convenções coletivas e/ou acordos coletivos emergenciais. Não podemos esquecer, também, que a maior parte da nossa economia é alavancada pelas empresas de pequeno porte, microempresas e microempreendedores individuais, sendo que a grande maioria destas, hoje, não estão protegidas, seja pela inexistência de negociação, seja por ausência da própria categoria empresarial/profissional que lhe proteja. Não podemos esquecer, ainda, que estas empresas de pequeno porte e/ou microempresas recebem tratamento diferenciado na CF (artigo 179, CF), regulamentadas na Lei Complementar 123/20068. Como se não bastasse todo este cenário, urge recordar que todos estes empregados e empregadores, hoje, desprotegidos, não só especificamente no que se refere ao tema trabalho, necessariamente, ao adotarem qualquer procedimento, precisam de segurança e esta segurança somente é proporcionada pela lei que assim determinar/regulamentar a matéria, sempre lembrando que a lei é a maior expressão da segurança jurídica, tão buscada  por toda a sociedade e expressamente determinada na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB, em seu artigo 30.9   Enfim, o Poder Executivo Federal tem o dever de agir e de agir imediatamente!!!! Concluindo, estamos passando pela maior tragédia climática vivenciada por nosso País; o Estado do Rio Grande do Sul está em situação caótica. As muitas medidas e procedimentos adotados demonstram o quanto somos - povo gaúcho, brasileiro e mundial - solidários e batalhadores, mas o socorro maior ainda está por vir, e é urgente que venha.  No que concerne ao tema direito do trabalho (relação empregado x empregador), algumas medidas já estão sendo adotadas, não obstante, o Poder Executivo Federal tem em  suas mãos (e é competência privativa do Presidente da República) ,  a  maior ferramenta (autorizada pela Lei 14.437/22) capaz de atenuar o  impacto social e econômico,  bem como ajudar na  superação dos malefícios resultantes do desastre climático ocorrido, propiciando a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, mas, também, a sobrevivência das próprias empresas. Enfim, se é certo que qualquer dos poderes públicos não pode se omitir, nunca, é certo que o Poder Executivo Federal, neste momento, não pode esquecer dos empregados e empregadores do Rio Grande do Sul, devendo olhar para este, que clama pela manutenção de uma mínima dignidade, como assegura a vigente Constituição, que estabelece, e é bom lembrar, como um dos objetivos fundamentais da República, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. _____________ 1 Total de munícipios do RS: 493; total de munícipios atingidos: 461. Fonte: Defesa Civil. 2 Decreto 57596, DE 1º DE MAIO DE 2024 E DECRETO 57.614, DE 13 DE MAIO DE 2024. DECRETO LEGISLATIVO Nº 36, DE 2024 3 "Não posso ajudar todo mundo, mas todo mundo pode ajudar alguém!" 4 Disponível aqui. 5 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62; 6 Disponível aqui.  7 Disponível aqui. 8 Disponível aqui.  9 Art. 30.  As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.  
O tema da autorização das "bets" ou "online betting" - as famosas apostas online - gerou alvoroço jurídico e, em certa medida, impactará até mesmo o âmbito trabalhista. Inclusa exploração pela lei 14.790/23, passou-se a autorizar que empresas explorarem apostas virtuais sobre eventos desportivos. Contudo, existe e continuará existindo forte discussão sobre anacronismos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a dificuldade em se impor avanços da sociedade no texto legal. Em outras palavras: o Brasil aceita comportamentos que são, em tese, proibidos ou marginalizados pela Lei, e, exatamente isso, ocorreu com a promulgação da autorização das "bets". Sobre o tema, este autor já teve a honra de lançar opinião1 sobre a possibilidade da cobrança de dívidas de jogos de azar, mesmo quando outrora proibidos; como também relativamente ao conflito legal entre a lei 14.790/23 e as disposições sobre contravenções penais2. Importante indicar que ainda vige no país a chamada lei de Contravenções Penais (decreto-lei 3.688/1941), de mais de 80 anos de idade, que expressamente dispõe "Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público", ou seja, lança o ato na ilegalidade expressa. Tal legislação foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e, assim, tem status de norma plenamente vigente. Os "jogos de azar" são aqueles conceituados no §3º do artigo 50 da citada norma das contravenções, a saber: "a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva." Observando-se a lei 14.790/23, não fica, porém, expressa a abolição da contravenção penal acima descrita, não se permitindo eventual presunção nesse sentido, até mesmo pelos princípios da legalidade e da segurança jurídica. Por tal razão, entende-se que continua na ilicitude aquele que "Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público" até que legislação revogue expressamente o artigo 50 do decreto-lei 3.688/41.   A propósito, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se debruçou sobre o tema, sendo que o então Ministro Marco Aurélio Mello (CR 9970/EU) decidido: "A antinomia, na hipótese, é flagrante: a proibição de antigamente contrasta com a habitualidade dos jogos patrocinados pela Administração Pública". Rememore-se que o conceito legal de "jogos de azar" vem da Lei das Contravenções Penais e, portanto, dela deve-se extrai-lo para aplicação nas demais legislações em vigor, o que nos leva para a seara trabalhista. Com efeito, há na CLT a expressa hipótese de desligamento por justa causa, sendo a máxima penalidade aplicada ao trabalhador e com consequência de desfazimento do contrato de trabalho por perda total da confiança existente no sinalagma: "Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:(...) l) prática constante de jogos de azar." E a partir da subsunção da norma ao caso concreto fica claro que aquele trabalhador que praticar constantemente jogos de azar poderá a ele ter aplicada justa causa. Trata-se de hipótese que prescinde de ocorrência durante a jornada de trabalho, pois é ligada à reputação do empregador, cujo ato de apostar está associada à contravenção penal. Isso se revelou verdadeiro na jurisprudência, como, por exemplo, se deu em casos relativos a Poker Online e apostas em sites estrangeiros. Nesse sentido foi o processo julgado pelo TRT-15 (0011364-64.2019.5.15.0032), no qual se confirmou o desligamento por justa causa nesta mesma hipótese: "Entendo que quando o funcionário, durante sua jornada de trabalho, faz uso de jogos de azar, como poker, há motivos suficientes para a demissão por justa causa. Ainda, acessar sites que não tenham nada a ver com o conteúdo do trabalho também podem ser considerados motivos." Em diversos termos, atualmente, quem praticar constantemente apostas online, sendo elas "apostas sobre qualquer outra competição desportiva", estará sujeito à aplicação regular da justa causa, nos termos do artigo 482, alínea "l", da CLT. Contudo, se percebe que, com a autorização da lei 14.790/23, tal entendimento pode ser alterado drasticamente. Ora, se a norma permite que se explore comercialmente as apostas "online", feitas inclusive sobre competições esportivas, tal como futebol, basquetebol ou lutas, dentre outras modalidades, não se poderia entendê-las como contravenções penais, assemelhando-se às Loterias Federais, outra antinomia já citada. Dito isso, é possível, na visão deste autor, que a justa causa aplicada ao obreiro, que pratique constantemente as apostas online sobre eventos esportivos, seja anulada pelo judiciário trabalhista, sobretudo a partir da edição da Lei 14.790/23. Isso se revela na explanação de Homero Batista Mateus da Silva3: "finalidade da norma era zelar pela imagem da empresa, que não queria se ver envolvida com a contravenção penal, é válido supor que a alínea l se refere a prática constante de jogos de azar ilícitos." Outro ponto de interesse na discussão é a atenção que a temática chamou do Congresso Nacional, que hoje tem Projeto de Lei para afastar a ilicitude da prática de Jogos de Azar, e, ainda, de embriaguez habitual (não aquela episódica). Tal é o cerne do PLC 5662/2013, que teve parecer aprovado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), e que foi encaminhado para CCJ da Câmara. Na aprovação, venceu substitutivo do Deputado Federal Kim Kataguiri (DEM), cuja justificativa do projeto - "O vício em jogos de azar extrapola o âmbito do contrato de trabalho e deve ser visto como questão de saúde pública" - está em consonância com o atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), convalidado pela Suprema Corte, no sentido de que a embriaguez e o alcoolismo, ao contrário do previsto no texto legal, impõem, via de regra, proteção do emprego por incapacidade do obreiro, e não sua justa causa. Apesar de não haver discussão sobre o vício de apostadores, tampouco acerca da problemática de saúde pública para suas famílias na elaboração da lei 14.790/2023, percebe-se que a Justiça do Trabalho tem essa atenção especial, haja vista a importância social do emprego e do trabalho. Em suma, já se nota que a hipótese de prática constante de jogo de azar, por ser passível de enquadramento como doença, encontrava cabimento e efetividade muito reduzida. E com o advento da lei 14.790/23, autorizadora de exploração das "bets", impõe-se entender, doravante, não ser mais uma prática ojerizada pela sociedade brasileira se apostar em eventos esportivos, e, assim, não mais é cabível aplicar a justa causa trabalhista, especificamente para as apostas online, nos termos da citada Lei. Contudo, não se pode descurar que apostar enquanto se trabalha, ou se está à disposição do empregador, pode causar queda de produtividade e, eventualmente, ser o ato enquadrado como comportamento desidioso, ou seja, recairia na hipótese de justa causa da alínea "e" do artigo 482 da CLT. Por isso, renova-se que o melhor local para a discussão do assunto é o Congresso Nacional, a fim de afirmar política pública de proteção do emprego e de proteção da saúde dos apostadores, já que se aceita tal comportamento, passando por estudos abalizados sobre os impactos reais da exclusão da alínea "l" (prática constante de jogos de azar). Afinal, como diz Homero Batista Mateus da Silva4, "se a Mega Sena gerasse justa causa, faltariam braços no mercado de trabalho e a lei seria solenemente ignorada". __________ 1 Online betting e a cobrança do prêmio da aposta. 2 Disponível aqui. 3 SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado - Vol. 6 - 2ª Ed. e-book baseada na 3ª impressa - São Paulo: Editora dos Tribunais. 2017 4 idem.
1. Introdução O assunto escolhido é polêmico e provoca acirrado debate, afinal, não se trata somente de discutir a questão da competência da justiça trabalhista para julgar dano moral oriundo da relação contratual entre um atleta da luta e a promoção contratante. Na realidade, o tema exige analisar também o regime de contratação do atleta da luta e entender a natureza jurídica dos contratos celebrados com desse tipo de atleta com o evento promotor de lutas. Atualmente, à exceção do boxe, os lutadores que competem no MMA, muay thai, jiu-jitsu e kickboxing são atualmente classificados como contratados independentes1. Este autor, em artigo recente, já defendeu que, no caso do atleta da luta que firme contrato de longa duração com determinado evento, estaria configurado o vínculo empregatício, tendo em vista o princípio da primazia da realidade, isso sempre que o atleta preencher os requisitos elencados no art. 3º da CLT, levando em consideração a intermitência na prestação dos serviços desse tipo de atleta2. Considerando-se a hipótese de se estar diante de uma relação de emprego, cumpre então analisar determinadas situações nas quais o empregado da luta teria lesionada sua personalidade, sua honra, e a sua integridade psicológica. Recentemente, graças ao processo antitruste Le v Zuffa em andamento contra o UFC3 nos EUA, algumas das comunicações envolvendo executivos do UFC que discutiam negociações com lutadores vieram à tona. E-mails e mensagens de texto reveladas no processo demonstram táticas agressivas por parte dos donos do evento para manter os lutadores atrelados à promoção. Depois que o UFC usou suas polêmicas cláusulas contratuais4 para impedir que Gilbert Melendez se transferisse para o Bellator, mensagens de texto divulgadas no processo judicial mostram Dana White (atual CEO do UFC) parabenizando Lorenzo Fertitta (ex-dono do UFC) por uma ação agressiva de negócios5 que teria mantido Melendez sob contrato: "Mano, você sabe que eu te amo pra caramba, mas o que você fez esta semana com Melendez e o "outro cara" foi demais! Um negócio de cortar a garganta como você vê nos filmes!!!" (Dana White) "Temos que continuar tirando oxigênio desses malditos até que eles desistam. Já nos sacrificamos demais para deixar que alguém ganhe força agora". (Lorenzo Fertitta) "Eu concordo! Você está 100% correto e eu ADORO ISSO" (Dana White). (tradução livre) Em outra troca de e-mails, o ex-matchmaker (profissional responsável por casar as lutas) do UFC, Joe Silva, expressou seu desejo de "cortar" o brasileiro Antônio Rogerio Nogueira (o "Minotouro") da promoção por ter recusado uma luta contra Daniel Cormier. Ele diz que a única razão pela qual não o fez foi para impedi-lo de competir no Bellator, concorrente do UFC, depois6: Rogério Nogueira se recusou terminantemente a lutar contra Daniel Cormier. Ele diz que quer alguém mais fácil depois de seu sabático. Ele estava sugerindo lutar contra Rich Franklin! Adoraria cortá-lo, mas ele acabaria lutando contra Rampage no Bellator. (tradução livre) Silva chegou a pedir ao lutador Gray Maynard para quebrar a mão do oponente Roger Huerta e "matá-lo" por causa dos comentários de Huerta sobre o UFC7. Na ação civil contra o UFC, onde tais mensagens vieram à público, o juízo entendeu que o evento usou uma variedade de técnicas coercitivas implacáveis para evitar que os lutadores se tornassem agentes livres, tornando esses contratos efetivamente perpétuos, observando o juízo que o UFC mantinha um controle significativo sobre a carreira de um lutador por vários meios, permitindo que a empresa usasse várias estratégias relacionadas ao momento, à localização, ao número e aos oponentes das lutas de um lutador para coagir os lutadores a renovar seus contratos antecipadamente ou estender seus contratos8. 2. Do dano moral à coletividade Verifica-se provável conduta lesiva a direitos transindividuais nas mensagens outrora reveladas, gerando significativo grau de reprovabilidade social e efeitos danosos à coletividade formada pelas pessoas dos lutadores9. Qualquer que seja a prática discriminatória de que possa ter sido vítima o trabalhador, relacionada ou derivada do contrato de trabalho, ou outro tipo de ilícito atribuído ao empregador, que se origine de imputação ofensiva ao patrimônio imaterial do empregado, este terá direito, além das verbas resilitórias (indenização material), ao ressarcimento pelo dano moral consequente, no montante a ser arbitrado pelo Juiz do Trabalho em reclamação trabalhista10. No direito brasileiro, inicialmente só se admitia o dano na esfera da personalidade do indivíduo, negando-se o alargamento desse conceito aos danos sofridos pela sociedade considerada em sua coletividade. No entanto, a noção de transindividualidade foi se aprofundando, a partir das definições de direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, normatizados de forma minudente no Código de Defesa do Consumidor, art. 81, parágrafo único, incisos I a III, sem nenhuma ressalva quanto à possibilidade de as ações ajuizadas abrangerem os danos morais, ao lado dos materiais causados aos consumidores11. Com a edição da lei 8.884/94, conhecida como Lei Antitruste - que dispôs sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica -, introduziu-se alteração no caput do art. 1º da Lei de Ação Civil Pública, para o fim de se incluir no texto legal, explicitamente, as expressões danos morais e patrimoniais, não mais havendo margem, pela própria literalidade do dispositivo, para qualquer argumento contrário ao reconhecimento normativo da possibilidade de reparação do dano moral coletivo, e também se reforçando a abrangência, a extensão e o universo de possibilidades das demandas coletivas12. São exemplos de condutas ilícitas, no âmbito trabalhista, a ensejar a reparação pelo dano moral coletivo, a manutenção de meio ambiente de trabalho inadequado à integridade psicofísica dos trabalhadores, o abuso de poder, e o assédio moral. Diante do exposto, a atitude dos donos do UFC configuraria assédio moral (mobbing) organizacional13. Esse tipo de psicoterror é caracterizado pelo seu destinatário, que não é apenas um empregado isolado, mas toda uma coletividade. O principal objetivo dessa conduta não é a exclusão dessas pessoas do quadro de empregados da empresa (como vimos em uma das mensagens), mas o alcance ilimitado e incessante da produtividade a qualquer custo através da imposição da autoridade do empregador. Essa busca desmesurada por lucros cada vez mais extravagantes acaba por gerar um meio ambiente de trabalho instável e doentio, baseado na competitividade e na pressão psicológica injustificada. O mobbing organizacional é ato ilícito que pode ensejar na rescisão indireta do contrato de trabalho de acordo com o art. 483 da CLT. Por essa ser uma decisão muito limitada, que na verdade não pune o assediador, deve também haver uma reparação por danos morais coletivos, conforme o art 5°, V e X, da Constituição e os arts. 186 e 187 do Código Civil, de forma tal que seja capaz de punir severamente o assediador para que este não volte mais a praticar essas condutas dentro do ambiente de trabalho e que também repare o mal causado14. Por sua natureza objetiva, a configuração do dano moral coletivo, no plano fático, é verificável a partir da constatação da ilicitude trabalhista a direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, sem que haja necessidade de se provar a culpabilidade do ofensor. A legitimidade para a defesa dos danos morais difuso e coletivo é autônoma e concorrente das entidades mencionadas no art. 82, da Lei n. 8.078/9. Na esfera trabalhista, do Ministério Público do Trabalho (arts. 129, II1, da CE, 82, da lei 8.078/90 e LC n. 75/93) e também dos Sindicatos, por força do art. 80 II, da CF e IV, do art. 82, da Lei n. 8.078/90, sendo que a via processual adequada é a Acão Civil Pública15, prevista na lei 7.347/85. Mesmo no tocante à defesa dos direitos individuais homogêneos o Ministério Público é parte legítima. Em que pese a divisibilidade dos referidos interesses, o interesse social a ela se sobrepõe, autorizando a intervenção do Parquet, sem falar no fato de que o interesse individual homogêneo é uma subespécie de interesse transindividual, previsto, nessa qualidade, no art. 81 da Lei n. 8.078/90, adquirindo assim feição coletiva. O que é corroborado pelo art. 129, III, da Constituição Federal, quando atribui legitimidade ao Ministério Público "para promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos"16. Para a efetiva constatação do dano moral coletivo não é necessária a ocorrência e a verificação de fatores subjetivos, como o constrangimento, a angústia, a humilhação ou eventual dor moral. Se estas vierem a ocorrer e a se manifestar no grupo ou comunidade atingida caracterizar-se-ão apenas como efeitos do ato lesivo perpetrado pelo infrator17.  O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, tem admitido amplamente a reparação do cabimento dano moral coletivo em matéria trabalhista, como se verifica nas seguintes decisões da corte: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL COLETIVO. ASSÉDIO MORAL VERTICAL DESCENDENTE. TRATAMENTO OFENSIVO. EMPREGADOR. PODER DIRETIVO. ABUSO. CONFIGURAÇÃO 1. Configura assédio moral vertical descendente a conduta de superior hierárquico consistente em expor subordinados a situações vexatórias e/ou humilhantes, de modo a afetar-lhes a dignidade e a autoestima. Tal se dá quando se utiliza de palavras agressivas e ofensivas, de forma a ridicularizar da generalidade de seus subordinados, na presença de colegas. 2. Convicção que se robustece ante a constatação de que a empresa, ciente de práticas agressivas e desmesuradas de gestão, genericamente cometidas, buscou justificá-las sob a alegação de que a conduta do superior hierárquico "decorre de sua forma de administrar, do seu temperamento ou do seu jeito de ser, não revelando ser intencional esse tratamento agressivo e grosseiro". 3. Tipifica dano moral coletivo o assédio moral que implica lesão a interesses transindividuais, que ultrapassam a esfera pessoal de cada um dos empregados. 4. Por ofender direitos fundamentais e personalíssimos dos empregados, o assédio moral institucional gera direito à indenização decorrente de responsabilidade civil subjetiva, que tem como pressupostos a conduta comissiva ou omissiva do empregador, a existência de dano real à vítima e a relação de causalidade entre a conduta do ofensor e os danos experimentados. 5. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (TST - AIRR: 12425420095100008, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 31/05/2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/06/2017)." "I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA INTERPOSTO POSTERIORMENTE À LEI Nº 13.467/2017 - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INTRANSCENDÊNCIA 1. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil Pública que visa à proteção de interesses difusos e coletivos, tal como preconizado no artigo 129, inciso III, da Constituição da Republica, e que também contempla a defesa de interesses individuais homogêneos, considerados espécies de interesses coletivos em sentido amplo. 2. A presente demanda busca a observância de normas de proteção ao meio ambiente do trabalho, em especial para que a Reclamada se abstenha de assediar moralmente seus empregados, além de indenização por dano moral coletivo, tratando-se de interesses e direitos de natureza coletiva. Inequívoca, portanto, a legitimação ativa do Ministério Público. DANO MORAL COLETIVO - ASSÉDIO M ORAL - AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA 1. Na presente hipótese, o Eg. Tribunal Regional do Trabalho consignou que a Ré foi omissa no dever de manutenção de um ambiente de trabalho sadio. Registrou que, não obstante os trabalhadores tenham informado o elevado descontentamento com a atitude da chefia imediata, em pesquisa de clima organizacional, a empresa não adotou medidas para alterar o cenário. Assinalou, por fim, que o relatório de fiscalização do ambiente laboral nos autos do inquérito civil também identificou a situação de assédio moral. 2. Verificada a omissão da empresa na melhoria das condições de trabalho a fim de evitar o assédio moral e diante do impacto sobre o universo de empregados da unidade, justifica-se a condenação da Reclamada à reparação de dano moral coletivo. O valor fixado a esse título (R$ 20.000,00 - vinte mil reais) é adequado, não comportando redução. [...]. Agravo de Instrumento a que se nega provimento" (AIRR-1000126-19.2019.5.02.0056, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 30/09/2022)." "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RÉ EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a desta Corte Superior firmaram-se no sentido de que o Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para ajuizar ação civil pública para tutela de interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos socialmente relevantes. No caso destes autos, o órgão ministerial requer sejam impostas obrigações de fazer e não fazer, a fim de compelir a ré a cumprir as normas de proteção ao meio ambiente do trabalho, consistentes em fazer com a empresa deixe de praticar ou continuar praticando ato caracterizador de assédio moral organizacional. Pede, ademais, indenização por dano moral coletivo. Esta ação civil pública visa tutelar normas de ordem pública, que se revestem, simultaneamente, de caráter difuso, coletivo e individual indisponível e homogêneo. De um lado, tem por escopo proteger direitos individuais indisponíveis e com repercussão social, uma vez que inerentes ao meio ambiente do trabalhador; por outro, o interesse da coletividade de trabalhadores de laborar em um meio ambiente de trabalho saudável; e, ainda mais, o interesse difuso de toda a sociedade, em ver concretizados a Constituição Federal e os direitos trabalhistas fundamentais. Assim, patente a legitimidade ativa e o interesse de agir do Ministério Público do Trabalho. Inteligência dos artigos 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal; 5º, I, da Lei nº 7.347/85; 1º, 6º, VII, e 83, I e III, da Lei Complementar nº 75/93. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. [...] (RR-99500-91.2009.5.03.0106, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 23/10/2015)." Destarte, há a possibilidade de intervenção do Ministério Público do Trabalho devido ao descumprimento de normas de ordem pública relacionadas a bens jurídicos de alta dignidade e relevância, configurando-se a necessidade da efetiva reparação do dano moral coletivo, com fundamento na responsabilidade objetiva do empregador, nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. 3. Considerações finais Ao longo deste artigo, buscou-se explorar a possibilidade de reparação por danos morais de atletas da luta por meio de ação trabalhista, desde que seja configurado o vínculo empregatício, lembrando que esse atleta luta mediante contrato de autônomo. No entanto, dado o cenário atual de conflito entre a Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal, ainda que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho chancele a declaração de invalidade de contratos atípicos por algum vício de consentimento com a constituição de um novo tipo contratual, qual seja, o contrato subordinado, a partir do julgamento do RE nº 958.252/MG que representa o leading case do Tema 725, somada a crescente discussão sobre trabalhos em plataformas digitais e outros tipos de prestação de trabalho como por meio de cooperativa, pessoa jurídica ou autônomo, o STF decidiu por afastar da competência da Justiça do Trabalho as ações em que o contrato de outra natureza pudesse ser discutido. Destarte, quando o STF afirma que para além da contratação de trabalho subordinado típico há outras formas contratuais que, por negação, não são tipicamente regidas pelas CLT, isto é, pelo contrato de trabalho regulado pela norma trabalhista especifica que dispõe nos art. 2º e 3º sobre a caracterização das partes contratuais, o que quis se definir foi que a análise do vício de consentimento ou social daqueles contratos atípicos, devendo ser feita pelo Juízo que tem competência para conhecer do respectivo negócio jurídico (juízo civil ou empresarial, por exemplo)18. Portanto, a menos que seja caracterizado vi'cio de consentimento (como manifesta hipossuficiência de uma das partes etc.) pelo juízo cível, a ser mantido o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, o juízo trabalhista não será competente para analisar o contrato inicialmente. __________ 1 Os lutadores do UFC estão atualmente tendo dificuldades porque são classificados como contratados independentes em vez de funcionários. Fazer a determinação entre quem é funcionário ou contratado independente é um dilema que tem atormentado a jurisprudência americana por mais de 100 anos. No século passado, os tribunais federais e estaduais dos EUA não conseguiram criar um teste uniforme para fazer a determinação e a linha entre funcionário e contratado independente ainda é indefinido. Nos EUA, não há um teste único nos estatutos ou na jurisprudência para determinar se uma pessoa é um empregado ou um contratado independente. Assume-se que se uma pessoa é classificada como funcionário sob um conjunto de leis e seus testes relevantes, essa pessoa seria então um funcionário sob todas as outras leis, mas isso não é verdade. Entretanto, uma vez que uma pessoa é classificada como contratado independente ou como funcionário, a classificação ajudará a ter argumentos de apoio para quaisquer outros casos relativos às outras pessoas sob a mesma classificação. No Brasil, o contratado independente seria equiparado ao autônomo. COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023a, p. 112-113. 2 COSTA, Elthon José Gusmão da; COSTA, Maria Luisa Borba da. O Contrato Desportivo do Atleta de MMA à Luz do Direito Trabalhista Brasileiro. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães et al. Direito do Trabalho Desportivo: Panorama, Crítica e Porvir: estudos em homenagem aos ministros Pedro Paulo Teixeira Manus e Walmir Oliveira da Costa in memoriam. 1. ed. Campinas, SP: Lacier, 2024. p. 169-181. 3 COSTA, Elthon José Gusmão da. A Ação civil de classe contra o UFC e seus novos andamentos. Academia Nacional de Direito Desportivo, 1 dez. 2023b. Disponível aqui. Acesso em: 10 fev. 2024. 4 COSTA, Elthon José Gusmão da. Cláusula arbitral e renúncia a direitos trabalhistas nos contratos do UFC. Consultor Jurídico, 31 out. 2023c. Disponível aqui. Acesso em: 10 fev. 2024. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 SINGH, Rishabh. "I Want You to F***ing Kill Him" - Former UFC Fighter Reveals Crazy Story About UFC Matchmaker. Essentially Sports, 16 jun. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 10 fev. 2024. 8 COSTA, Elthon José Gusmão da. Atletas x UFC: Os novos desdobramentos do processo contra o Ultimate e o possível fim do monopólio no MMA. Lei em Campo, 14 ago. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 20 out. 2023. 9 Em agosto de 2023, nos autos do processo Cung Le, et al. v. Zuffa, LLC d/b/a Ultimate Fighting Championship and UFC, No. 2:15-cv-01045-RFB-BNW (D. Nev.), o juízo reconheceu oficialmente (certificou) o grupo que ajuizou a ação como uma "classe" de lutadores. Com a classe oficialmente reconhecida, os lutadores que lideram o processo e seus advogados representarão todo o grupo de aproximadamente 1.200 lutadores. COSTA. 2023c. op.cit. 10 COSTA, Walmir Oliveira da. Dano moral nas relações laborais: competência e mensuração. 2ª. ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 143. 11 LEVADA, Claudio Antônio Soares. Dano moral coletivo. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direitos Difusos e Coletivos. Nelson Nery Jr., Georges Abboud, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 10 fev.2024. 12 NETO, Xisto Tiago de Medeiros. O DANO MORAL COLETIVO E O VALOR DA SUA REPARAÇÃO, p. 292. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 78, n. 4, p. 288-304, out/dez 2012. Disponível aqui. Acesso em: 10 fev. 2024. 13 SABOYA, Amanda de Sousa de. MOBBING ORGANIZACIONAL: UMA NOVA FORMA DE ASSÉDIO MORAL? P. 249. RevJurFA7, Fortaleza, v. V, n. 1, p. 243-254, abril 2008. Disponível aqui. Acesso em: 10 fev. 2024. 14 Ibid. 15 A questão da competência territorial é estabelecida pela OJ 130 da SBDI-II do Tribunal Superior do Trabalho: "130. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI Nº 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 93.  I - A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano. II - Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos. III - Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a Ação Civil Pública das varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho. IV - Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída.". 16 BELMONTE, Alexandre Agra. Tutela da composição dos danos morais nas relações de trabalho: identificações das ofensas morais e critérios objetivos para quantificação. São Paulo: LTr, 2014, p. 217. 17 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A natureza objetiva do dano moral coletivo no Direito do Trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Rio de Janeiro, n. 2, p. 2-20, out/dez 2011. Disponível aqui. Acesso em: 10 fev. 2024. 18 Entendimento consignado em sentença proferida nos autos da RT 1000504-78.2023.5.02.0332, da lavra da Dra. Thereza Christina Nahas.
Ao lado dos sistemas de constrição patrimonial SISBAJUD (Sistema de busca de ativos do Poder Judiciário) e RENAJUD (Sistema online de restrição judicial de veículos), considera-se a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB como uma das ferramentas eletrônicas de maior efetividade na pesquisa patrimonial no processo executivo, tendo sido "desenvolvida a partir do Termo de Acordo de Cooperação Técnica Nº 084/2010, firmado em 14 de junho de 2010, entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP) e o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), e regulamentada pelo Provimento nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça, tendo como escopo integrar todas as indisponibilidades de bens imóveis decretadas por magistrados e autoridades administrativas"1. As ferramentas eletrônicas SISBAJUD, RENAJUD e CNIB formam, portanto, uma tríade necessária na fase da pesquisa patrimonial básica nas execuções. Conforme tivemos a oportunidade de expor em nossa obra:  "[...] a pesquisa patrimonial básica é aplicada na fase inicial da execução forçada, logo após o transcurso do prazo legal para pagamento voluntário da dívida pelo devedor, e contempla as ferramentas eletrônicas de constrição de bens de alta liquidez, seguindo esta ordem: ativos financeiros, veículos e imóveis, tendo como referência o rol dos bens preferencialmente penhoráveis previsto no art. 835 do CPC, e permitem oferecer um panorama inicial sobre o patrimônio do executado com deflagração imediata do procedimento de penhora e expropriação do patrimônio do devedor"2.  E na referida obra ainda se continua:  O trio formado pelo SISBAJUD, RENAJUD e CNIB representa, portanto, o núcleo essencial das ferramentas eletrônicas básicas, cuja utilização é mandatória no início de qualquer processo executivo. Essas ferramentas são complementadas por outras, especializadas na localização de bens imóveis urbanos e rurais, como a Penhora Online e o SNCR, assim como pelo IdAgro, que se especializa no rastreamento de tratores e demais maquinários agrícolas automotores3.  A CNIB possui gênese normativa no Código Tributário Nacional (art. 185-A do CTN)4, o que levanta discussões sobre sua aplicabilidade fora do contexto de execuções fiscais. Bem por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de sua 3ª Turma, se debruçou acerca desta polêmica questão: é possível a utilização da CNIB na execução civil? No informativo nº 15 do STJ, de 23.1.2024, foi veiculada decisão da 3ª Turma do Tribunal da Cidadania que, de forma positiva, autorizou a utilização da ferramenta CNIB nas execuções civis. Porém, classificou a CNIB como uma medida executiva atípica, criando, com isso, uma condicionante para seu uso na fase inicial da execução forçada: "[...] por se tratar de medida executiva atípica, a utilização do CNIB será admissível somente quando exauridos os meios executivos típicos, ante a sua subsidiariedade [...]". Confira-se o inteiro teor da ementa do julgado:  EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADI N. 5.941/DF). UTILIZAÇÃO DO CADASTRO NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS (CNIB). POSSIBILIDADE. EXAURIMENTO DOS MEIOS EXECUTIVOS TÍPICOS. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em verificar a possibilidade de o Magistrado, com base no seu poder geral de cautela, determinar a busca e a decretação de indisponibilidade de bens da parte executada por meio do sistema Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB). 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.941/DF, recentemente declarou a constitucionalidade da aplicação concreta das medidas atípicas previstas no art. 139, IV, do CPC/2015, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 3. A fim de regulamentar o Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento n. 39/2014, o qual prevê busca pela racionalização do intercâmbio de informações entre o Poder Judiciário e os órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, constituindo uma importante ferramenta para a execução, a propiciar maior segurança jurídica aos cidadãos em suas transações imobiliárias. 4. A adoção do CNIB atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como não viola o princípio da menor onerosidade do devedor, pois a existência de anotação não impede a lavratura de escritura pública representativa do negócio jurídico relativo à propriedade ou outro direito real sobre imóvel, exercendo o papel de instrumento de publicidade do ato de indisponibilidade. 5. Contudo, por se tratar de medida executiva atípica, a utilização do CNIB será admissível somente quando exauridos os meios executivos típicos, ante a sua subsidiariedade, conforme orientação desta Corte Superior. 6. Determinação de retorno dos autos à origem para que o Magistrado, verificando se houve ou não o esgotamento dos meios executivos típicos, aprecie o pedido de utilização do CNIB. 7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp n. 1.963.178/SP - 3ª Turma - Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze - Data de julgamento: 12/12/2023)  Apesar de ser um avanço, entende-se equivocada a decisão ao enquadrar a CNIB como uma medida atípica, uma vez que a indisponibilidade de bens em geral do devedor está expressamente prevista no artigo 828 do Código de Processo Civil (CPC)5, e não possui nenhum caráter extraordinário. O artigo 854 do CPC6, ao tratar do SISBAJUD, considera a indisponibilidade como a primeira etapa no iter procedimental da penhora de ativos financeiros. Ainda, não se pode olvidar que os bens imóveis, que são alvo da CNIB, ocupam uma posição de destaque no rol de bens preferencialmente penhoráveis (art. 835, V, do CPC)7. Consoante destacado em nossa obra literária, "a referida ferramenta eletrônica é de uso obrigatório pelos magistrados de primeiro grau, conforme preceitua o art. 5º do Provimento nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça. O referido provimento não faz distinção de acesso a qualquer ramo do Poder Judiciário, razão pela qual a ferramenta deve ser utilizada em todas as execuções judiciais, seja fiscal, trabalhista ou civil, como principal forma de constrição eletrônica de bens imóveis"8. Além disso, o STJ fez referência inadequada ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 5.941, pois o objeto de discussão naquele caso era a constitucionalidade de medidas coercitivas atípicas, enquanto a CNIB visa implementar uma medida executiva direta de constrição, algo completamente diferente do que foi debatido pela Suprema Corte. Desse modo, na prática, ao prevalecer esse aludido entendimento, o credor civil precisará, ao menos, diligenciar no Cartório de Registro de Imóvel (CRI) local acerca da existência de imóvel em nome do devedor, como etapa preparatória do requerimento da CNIB no processo executivo. Assim, é recomendável fundamentar o pedido de CNIB, indicando a ausência de ativos financeiros (SISBAJUD negativo), veículos (RENAJUD negativo), além da ausência de imóveis na comarca onde tramita a execução. É válido também, como etapa preparatória ao uso da CNIB, em razão da "regra de subsidiariedade" criada pelo STJ, requerer a extração do relatório "Declaração sobre operações imobiliárias - DOI" disponível na ferramenta INFOJUD (Sistema de informações ao poder Judiciário), para verificar a existência de bens imóveis do devedor que já tenham sido registrados em seu nome ou alienados em fraude à execução ou, ainda, mediante prática de blindagem patrimonial, por exemplo. Atualmente, percebe-se uma tendência evolutiva no processo executivo de adotar os sistemas eletrônicos destinados à busca patrimonial do devedor, em superação ao antigo modelo de diligências executivas mediante expedição de ofícios, e que muito contribui para a maior celeridade do processo e confere efetividade à atividade executiva de modo a solucionar os entraves na recuperação de créditos no país9. Portanto, o Poder Judiciário precisa fomentar o uso eficiente dessas tecnologias, sem impor entraves jurídicos ao seu emprego em prol da concretização dos princípios constitucionais da efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo, incluindo a atividade satisfativa. __________ 1 GUIMARÃES, Rafael; CALCINI, Ricardo; JAMBERG, Richard Wilson. Execução trabalhista na prática, 3ª ed. Leme-SP: Mizuno, 2024, p. 819. 2 Idem, p. 796. 3 Idem. 4 CLT, Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. § 1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. § 2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.   5 CPC, Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. §1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas. §2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados. §3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo. §4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação. §5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados. 6 CPC, Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução. §1º No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo. §2º Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este será intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente. §3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que: I - as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis; II - ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros. §4º Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e quatro) horas. §5º Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução. §6º Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz determinará, imediatamente, por sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, a notificação da instituição financeira para que, em até 24 (vinte e quatro) horas, cancele a indisponibilidade. §7º As transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu cancelamento e de determinação de penhora previstas neste artigo far-se-ão por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional. §8º A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, quando assim determinar o juiz. §9º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema bancário, que tornem indisponíveis ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei. 7 CPC,  Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: [...] V - bens imóveis; 8 Idem, p. 820. 9 Um exemplo dessa eficácia é destacado em recente reportagem do G1, que revela como o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) alcançou um recorde na recuperação de créditos. Esse sucesso é atribuído, entre outas, à adoção de ferramentas eletrônicas de pesquisa patrimonial associada ao elevado nível de especialização de sua equipe e à formação de centros de inteligência vinculados à Coordenadoria de Pesquisa Patrimonial. Para mais detalhes, confira a matéria completa no G1: "Como o 2º maior tribunal trabalhista do Brasil atingiu o recorde de valores pagos em solução de processos desde 1986". Acesso em 07 fev. 2024.
1. Do cabimento da manifestação por amicus curiae O Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu no recesso prazo para que pessoas, órgãos e entidades interessados se manifestem sobre um incidente de recurso repetitivo em que se discute o chamado direito intertemporal, ou seja, se o empregador continua a ter de cumprir obrigações alteradas ou suprimidas por leis posteriores ao início do contrato de trabalho. Tratou-se da oportunidade de admissão no referido processo na condição de interessados (amicus curiae). A determinação foi divulgada para todas as partes interessadas, incluindo pessoas (físicas e jurídicas), órgãos e entidades, participassem na qualidade de amicus curiae devido à relevância demonstrada na questão, a especifidade do tema e a repercissão social da controversia em discussão. De plano, é importante frisar que o amicus curiae é uma figura que pode ajudar na democratização do acesso à justiça e às decisões judiciais, especialmente em casos onde o Direito, por si só, não é capaz de resolver de forma justa e adequada os conflitos sociais. Segundo dispõe o art. 138 do Código de Processo Civil (CPC), "juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação". Ademais, há entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de admitir a intervençao processual de terceiros, na condição de amicus curiae, "como fator da pluralização e de legitimidade do debate constitucional", de modo que "venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia" (ADI-MC 2321/DF). Por importante, a doutrina interpreta que o papel do "amigo da corte" é fornecer subsídios técnicos e jurídicos para alcançar a melhor solução para a questão em debate, como argumentam Nelson Nery e Rosa Nery:  "Amicus curiae. O relator, por decisão irrecorrível, pode admitir a manifestação de pessoa física, professor de direito, associação civil, cientista, órgão ou entidade, desde que tenha respeitabilidade, reconhecimento científico ou representatividade para opinar sobre a matéria objeto da ação direta. (...). O amicus curiae poderá apresentar razões, manifestação por escrito, documentos, sustentação oral, memoriais etc. Mesmo que não tenha havido a intervenção do amicus curiae, na forma da norma ora comentada, o relator poderá pedir seu auxílio na fase de diligências complementares, segundo a LADin 9º, § 1º."1.  2. Da relevância da matéria discutida  O caso em análise pelo TST versa sobre o direito de uma trabalhadora que, no período de 2013 a 2018, prestou serviços para a JBS S.A. em Porto Velho (RO). Na ação, ela argumenta que era transportada pela empresa em ônibus fornecido por ela, entre 4h30min e 5h, de segunda-feira a sábado, e busca ser remunerada por esse tempo. A empresa JBS, em sua defesa, alega que, com base na nova redação da CLT sobre o assunto, introduzida pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017), o tempo de deslocamento não é mais considerado como tempo à disposição do empregador. Além disso, a empresa argumenta que o local é servido por transporte público de fácil acesso, e a empregada morava a apenas 5,7 km da fábrica. Embora o pedido tenha sido concedido nas instâncias inferiores, em junho de 2021, a 3ª Turma do TST acolheu o recurso da empresa e revogou a condenação. Posteriormente, no julgamento do recurso de embargos, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-I) decidiu encaminhar o processo ao Tribunal Pleno do TST para deliberação sobre a questão em disputa. Assim, a questão juridica a ser discutida e a seguinte:  Quanto aos direitos laborais decorrentes de lei e pagos no curso do contrato de trabalho, remanesce a obrigação de sua observância ou pagamento nesses contratos em curso, no período posterior à entrada em vigor de lei que os suprime/altera?  No mais, além das horas de deslocamento, o tema pode ter impacto em outras alterações promovidas pela Reforma Trabalhista, como o intervalo intrajornada, o direito à incorporação de gratificação de função e o descanso de 15 minutos para mulheres antes de iniciar a prestação de horas extras, dentro tantas outros mudanças que, em tese, promoveram dminuição ou a supressão de direito trabalhistas.  3. Do direito intertemporal e a aplicação da lei 13.467/2017  A eficácia temporal diz respeito ao momento em que a lei entra em vigor. Geralmente, as disposições do Direito do Trabalho entram em vigor a partir da data de sua publicação, tendo efeito imediato, e na ausência de disposição expressa na lei, ela passa a vigorar 45 dias após sua publicação oficial (art. 1º do decreto-lei)2. Adicionalmente, o §1º do artigo 5º da Lei Maior estabelece que os direitos e garantias fundamentais, incluindo os direitos sociais, têm aplicação imediata. Quanto à entrada em vigor da lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), que modificou vários dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) relacionados ao processo do trabalho, o art. 6º estabelece que ela entrará em vigor "após decorridos cento e vinte dias de sua publicação oficial", que se concretizou no DOU, em 14.7.2017. Desse modo, considerando o vacio legis de 120 dias, as normas processuais passaram a vigorar em 11.11.2017. Já em relação à aplicação do direito intertemporal às normas processuais introduzidas pela lei 13.467/2017, deve considerar o ato jurídico (processual) e as situações jurídicas ocorridas sob a vigência da lei revogada, mediante a aplicação analógica do art. 14 do CPC, autorizada pelo art. 769 da CLT c/c art. 15 do CPC. O Caderno Processual Civil detalhou as circunstâncias de aplicação da norma processual ao longo do tempo, estipulando no seu art. 14 que a "norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Conquanto o art. 2º da Medida Provisória nº 808/2017 estabelecia que "O disposto na leiº 13.467, de 13 de julho de 2017, se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes.", essa medida provisória não foi convertida em lei, nos moldes dos arts. 62, §§ 3º e 11, da CRFB, perdendo sua eficácia desde a sua edição. Desse modo, a eficácia temporal da norma trabalhista considera dois princípios constitucionais fundamentais: o da irretroatividade, que estipula que a lei não pode retroagir para prejudicar, garantindo o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CFRB), e o da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º), que estabelece que as normas que garantem direitos fundamentais sociais, incluindo os de natureza trabalhista, entram em vigor imediatamente com o início da vigência da lei3. Seguindo essa premissa, o STF já se posicionou de forma semelhante:  "(...) No sistema constitucional brasileiro, a eficácia retroativa das leis - (a) que é sempre excepcional, (b) que jamais se presume e (c) que deve necessariamente emanar de disposição legal expressa - não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. A lei nova não pode reger os efeitos futuros gerados por contratos a ela anteriormente celebrados, sob pena de afetar a própria causa - ato ou fato ocorrido no passado - que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação constitucional que protege a incolumidade do ato jurídico perfeito. A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder Público, ainda que se trate de lei de ordem pública. Precedentes do STF" (STF-AI 251533, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 25.10.1999, publicado em DJ 23.11.1999, p. 32).  Ademais, no âmbito infraconstitucional, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657, de 04.09.1942) estabelece em seu art. 6º que:  Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.  Mais a mais, o art. 912 da CLT dispõe que: "Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação", norma que está intimamente relacionada ao princípio da substituição automática das cláusulas contratuais, que não foi afastado pela Reforma Trabalhista, uma vez que nada menciona acerca da eficácia ou vigência das suas normas no tempo. Além disso, existem posicionamentos desta Justiça Especializada que corroboram o argumento, conforme evidenciado pelas Súmulas 51 (item I) e 288 (item I) do TST, que sustentam a ideia de que as normas empresariais não têm efeito retroativo, garantindo o direito adquirido às condições mais favoráveis estabelecidas no regulamento anterior. Da mesma forma, a Súmula 277 do TST e o Precedente Normativo 120 da SDC demonstram a significativa evolução da jurisprudência especializada em relação à "aderência contratual limitada por revogação".  4. Conclusões finais  Por esses fundamentos, faz-se a defesa de que, à luz do direito intertemporal, tem assentado o entendimento de que "em observância à segurança jurídica, ao princípio da confiança e ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CRFB; art. 6º da LINDB), são inaplicáveis as disposições constantes na lei 13.467/17 aos contratos trabalhistas firmados em momento anterior à sua entrada em vigor, que devem permanecer imunes a modificações posteriores, inclusive legislativas, que suprimam direitos já exercidos por seus titulares e já incorporados ao seu patrimônio jurídico - caso dos autos. 3 . Portanto, as disposições contidas na lei 13.467/17, em especial quanto ao intervalo em comento, aplicam-se, tão somente, aos contratos de trabalho firmados após o início de sua vigência" (ED-ARR-753-10.2010.5.20.0006, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11.06.2021)4. Ademais, a orientação que vem se consolidando na SBDI-1, a partir de dois relevantes julgados, é no sentido de que as inovações trazidas pela lei 13.467/2017, vigente desde 11/11/2017, não se aplicam às situações juridicamente consolidadas antes de sua entrada em vigor, em razão do disposto nos arts. 5º, XXXVI, da CRFB e 6º da LINDB5. Por isso que, respeiteando sempre opiniões em sentido contrário, a lei 13.467/2017 não se aplica aos contratos de trabalho iniciados e encerrados antes de suas respectivas vigências, em respeito ao princípio do ato jurídico perfeito (CFRB, art. 5º, XXXVI; LINDB, art. 6º, § 1º). De mais a mais, a Reforma Trabalhista não se aplica aos contratos de trabalho iniciados e em curso durante sua vigência (art. 912, CLT), pois não contém normas imperativas de ordem publica, pois não é destinada exclusivamente à melhoria social dos trabalhadores, respeitadas, claro, opiniões em sentido contrário. Frise-e que as modificações introduzidas pela lei 13.467/2017 podem ser aplicadas aos contratos de trabalho celebrados após sua entrada em vigor, desde que (i) proporcionem melhorias nas condições sociais dos trabalhadores, observando, nesse caso, os princípios da vedação do retrocesso social e da progressividade; (ii) estejam em conformidade com as normas relativas aos direitos humanos e fundamentais dos trabalhadores, especialmente aqueles relacionados à saúde, segurança e meio ambiente de trabalho (CF, arts. 5º, § 2º, 7º, caput; CLT, art. 912)6. Por todo o exposto, é importante registrar que não se está a afirmar aqui que a Lei da Reforma Trabalhista não seja aplicada aos contratos de trabalho antes em curso à época da produção de seus efeitos, considerando que o principal aspecto a ser analisado é saber se, no caso concreto, aquele direito que fora suprimido e/ou reduzido pelo legislador reformista está incorporado ou não ao patrimônio jurídico do trabalhador. In casu, se os elementos do processo indicarem que o direito suprimido pela reforma já incorporava o contrato de trabalho na ocasião da sua vigência, corolário lógico devem ser mantidas as disposições anteriormente tratadas, em consideração ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CRFB). Em arremate, pede-se vênia para encerrar este singelo artigo adotando-se as palavras da Corte Superior Trabalhista, para quem "a lei 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido. A anomia quanto à vigência da Lei para esses contratos, entretanto, inviabiliza a aplicação imediata pretendida"7. __________ 1 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em vigor. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.1.487. 2 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. (39th edição). Editora Saraiva, 2023, p. 47. 3 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito do trabalho. (15th edição). Editora Saraiva, 2023, p. 78. 4 Nesse sentido são os precedentes: RR-20461-18.2018.5.04.0101, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 10.12.2021; RR-0020577-22.2020.5.04.0661, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 01.10.2021; RRAg-790-16.2019.5.09.0010, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 18.03.2022. 5 Eis os precedentes: E-RR-22069-20.2015.5.04.0404, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 19.11.2021; E-RR-816-85.2017.5.09.0009, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 17.12.2021. 6 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito do trabalho. (15th edição). Editora Saraiva, 2023, p. 80. 7 TST-RR-00116843820195150025, Relator: Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, Data de Julgamento: 15/12/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 25/02/2022.
Não é de hoje que a relação jurídica triangular, firmada sob a égide da lei 6.019/74, alterada pela lei 13.429/17, cria confusões e condenações que não encontram amparo legal. Uma controvérsia recorrente são os julgamentos em danos e assédio moral no ambiente de trabalho ao qual o TRABALHADOR TEMPORÁRIO está inserido. Isto porque normalmente se observa nas decisões que a empresa de trabalho temporário é condenada como responsável principal por fatos que ensejam o dever de indenizar ocorridos sob o poder diretivo e nas dependências do TOMADOR dos serviços. Contudo, não é demais salientar que, por vezes, nem sequer há condenação da tomadora, seja porque o reclamante nada requereu a esse respeito, seja porque entende o juízo que se trata de responsabilidade objetiva inerente à atividade da empresa de trabalho temporário. Mas com todo respeito e acatamento, se discorda de tais posições. Com efeito, a empresa de trabalho temporário é uma intermediaria, pessoa jurídica, devidamente habilitada e autorizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego para exercer tal atividade, responsável, exclusivamente, pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente, como prevê expressamente o artigo 4º da lei 6.019/74. Ademais, importante salientar que o conceito de vínculo de emprego não resta caracterizado entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador temporário. Afinal, não é a empresa de trabalho temporário quem efetivamente exerce o direito potestativo da relação. Assim, como não é ela quem remunera o trabalhador, visto que apenas repassa os valores pagos pelo tomador, como bem já se posicionou o Superior Tribuna de Justiça quanto à base de cálculo da tributação: Tese Firmada - Tema Repetitivo 403 As empresas de mão-de-obra temporária podem encartar-se em duas situações, em razão da natureza dos serviços prestados: (i) como intermediária entre o contratante da mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho; (ii) como prestadora do próprio serviço, utilizando de empregados a ela vinculados mediante contrato de trabalho. A intermediação implica o preço do serviço que é a comissão, base de cálculo do fato gerador consistente nessas "intermediações". O ISS incide, nessa hipótese, apenas sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciador, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores. Distinção de valores pertencentes a terceiros (os empregados) e despesas com a prestação. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários. Ainda, restou pacificado pelo Supremo Tribunal Federal que a responsabilidade subjetiva, como norma geral, a justificar a condenação empresarial, impõe a necessária e inequívoca prova da culpa e/ou dolo, nos termos do que preceitua o art. 186 do Código Civil. Ocorre que nas ações e omissões, que eventualmente possam ocorrer no ambiente de trabalho, a empresa de trabalho temporário não tem nenhuma ingerência, não podendo, por conseguinte, ser responsabilizada. Logo, recai sobre a tomadora a responsabilidade integral no que tange a ações e omissões durante o exercício do poder diretivo no ambiente de trabalho, haja vista que o teor do Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, prevê expressamente o seguinte: Art. 55.  É responsabilidade da empresa tomadora de serviços ou cliente garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local por ela designado. Art. 56.  A empresa tomadora de serviços ou cliente estenderá ao trabalhador temporário, colocado à sua disposição, os mesmos atendimentos médico, ambulatorial e de refeição destinados aos seus empregados existentes em suas dependências ou em local por ela designado. Art. 57.  Não existe vínculo empregatício, independentemente do ramo da empresa tomadora de serviços ou cliente, entre esta e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário. Art. 58.  A empresa tomadora de serviços ou cliente exercerá o poder técnico, disciplinar e diretivo sobre os trabalhadores temporários colocados à sua disposição. De mais a mais, quando se trata de norma impositiva, não há margem para interpretação quanto à responsabilidade de eventual dano e/ou assédio moral ocorrido durante a execução das atividades do trabalhador temporário. Sendo assim, eventual responsabilidade deve recair sobre tomadora/cliente, já que ela é a única responsável não só em por dirigir os serviços, mas também pelo ambiente de trabalho ao qual o trabalhador temporário está inserido. Por certo que se houver omissão e/ou ação da empresa de trabalho temporário, ela responderá de forma solidária e/ou subsidiaria a depender das provas a serem produzidas, mas tal responsabilidade não pode ser presumida pelo simples fato de o trabalhador temporário estar atrelado ao seu CNPJ. Por fim, s.m.j, a empresa de trabalho temporário não deve responder pelos danos e assédios ocorridos no ambiente de trabalho do tomador e/ou sob o exercício diretivo deste. Até porque a lógica é responsabilizar aquele que tem o dever de cuidar do ambiente de trabalho e que  exerce o poder diretivo, e não a intermediadora que figura como mera contratante, desde que, claro, não tenha nenhuma participação direta e/ou indireta na prática do ato, afinal, é verdadeira a máxima de que o "ordinário se presume, ao passo que o extraordinário se PROVA"!
O Tribunal constitucional francês (Conseil constitutionnel) deverá se pronunciar nos próximos meses sobre uma Questão Prioritária de Constitucionalidade1 (QPC- question prioritaire de constitutionnalité2), uma espécie de "exceção de inconstitucionalidade", na qual questiona-se a conformidade do artigo L. 542-10-1 do Código Ambiental, que autoriza a instalação e gestão de centros de armazenamento geológico profundo de resíduos radioativos, vis à vis dos direitos e liberdades garantidos pela Constituição francesa, principalmente sua Carta Ambiental (Charte de l'environnement) que integra o bloco de constitucionalidade. Discute-se, principalmente, o direito das gerações futuras de viverem em um meio ambiente equilibrado, a garantia do direito à saúde e de um princípio de solidariedade e fraternidade entre gerações-intergeracional. A solução poderá enunciar um direito fundamental das gerações futuras ao meio ambiente protegido, saudável e ecologicamente sustentável. Há séculos, a ideia de um possível direito (s) da (s) gerações futuras permeia a Humanidade. Ela ganha relevância no século XX marcado por duas Grandes Guerras Mundiais, como evidencia, p.ex., a Declaração Universal dos Direitos Humanos ou por ocasião do Tribunal de Nuremberg e a noção de crimes contra a humanidade. No século XXI, essa ideia adquire especial conotação à medida que a sociedade se conscientiza sobre a vulnerabilidade da espécie humana, do seu meio ambiente3, num contexto climático de risco para todas as formas de vida na Terra. Questões ambientais como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas alertam sobre urgência em garantir um futuro viável para as gerações atuais e futuras. Nesse contexto, vale ressaltar que já em 1979, o filosofo alemão Hans Jonas, em sua obra "O Princípio da Responsabilidade" (Das Prinzip Verantwortung) propunha novos imperativos éticos e políticos, a fim de preservar a vida na Terra, enfatizando a responsabilidade da geração atual para com as gerações futuras. Ao refletir sobre o risco do "futuro do futuro", Jonas introduziu uma questão ética nova alterando a visão antropocêntrica pós-moderna, ao defender o reconhecimento do impacto da ação do Homem no mundo e a necessidade de preservar as condições de existência de todos os seres vivos para as gerações futuras. Um dever que se tornou, neste século, uma componente essencial do humanismo moderno civilizacional. Esse contexto não é indiferente ao Direito. Impulsionado pelos princípios da solidariedade e fraternidade e de um ideal de justiça intergeracional, o reconhecimento dos direitos fundamentais das gerações futuras encontra crescente ressonância no mundo jurídico. Embora a noção de "gerações futuras" possa ser complexa devido à sua natureza interdisciplinar, a referência ao(s) direito(s) das (s) gerações futuras traduz o direito humano de desfrutar de todos os seus direitos fundamentais, como o direito à vida, saúde, alimentação, locomoção, trabalho, lazer, integridade física, etc., a longo prazo, em um meio ambiente saudável, hígido e ecologicamente protegido. O objeto da proteção das gerações futuras é assegurar a vida na Terra, a perpetuação da espécie humana. Numa perspectiva intergeracional, trata-se de proteger o direito à vida de modo holístico, ou seja, não somente os direitos fundamentais "tradicionalmente" repertoriados, mas o direito de acesso à água, à terra, ao ar, aos recursos mínimos necessários para atender às necessidades básicas da vida humana e de toda forma de vida terrestre. Exige, por conseguinte, da atual geração, o uso responsável do meio ambiente e de seus recursos, a fim de preservar condições de vida para as gerações futuras. Princípios e objetivos como desenvolvimento sustentável, não regressão, reversibilidade, prevenção, precaução, equidade e justiça intergeracional, com reflexões centradas na ética e no direito de acesso a uma "herança planetária", são convocados para alicerçar o direito fundamental das gerações futuras4. Nesse contexto, o operador do Direito pode questionar: como garantir de modo efetivo a proteção jurídica de um direito fundamental das gerações futuras? Os instrumentos internacionais que tratam de direitos humanos - tratados, convenções, declarações - e o direito interno constituem um ponto de partida relevante para essa reflexão. Dentre os principais instrumentos internacionais que podem garantir um direito fundamental às futuras gerações, tem-se, prima facie, a Declaração de Estocolmo de 1972. Este foi provavelmente o primeiro instrumento internacional a estabelecer uma associação entre direitos humanos e meio ambiente, ao afirmar em seu Princípio 1, que o homem tem "a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras". Desde então, vários outros textos internacionais enfatizam a proteção de direitos à gerações futuras, como, p.ex., o relatório Brundtland (1987), também denominado "Nosso Futuro Comum", que consagrou a noção de "desenvolvimento sustentável" definido como aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades5. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de 1993 que, em seu §I.11, estabeleceu que "o direito ao desenvolvimento deverá ser realizado de modo a satisfazer, de forma equitativa, as necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e vindouras".  E, ainda, em 1992, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que asseverou no Princípio 3 que "o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades ambientais e de desenvolvimento de gerações presentes e futuras" . Destaque-se igualmente a Carta Democrática Interamericana, aprovada na 1ª Sessão Plenária da Assembleia Geral da OEA de 11/9/20101, que em seu art. 15 incluiu a necessidade dos Estados membros da OEA de implementarem políticas e estratégias de proteção ambiental, respeitando os diversos tratados e convenções para alcançar o desenvolvimento sustentável em benefício das gerações futuras. Por fim, sublinhe-se a Agenda 2030, principalmente os ODS 13 a 17, bem como o Acordo de Paris de 2015. Esse último traduz a ideia de um pacto geracional climático, na medida em que busca por meio da cooperação internacional, limitar as consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas para a atual e futuras gerações. Se por um lado o caráter soft law desses textos internacionais pode ser invocado como obstáculo para o reconhecimento e efetividade de um direito fundamental das gerações futuras, por outro lado, não se pode olvidar sua influência no direito interno, principalmente por meio da constitucionalização da proteção do meio ambiente ou de sua integração em legislação específica, o que confere um sólido fundamento jurídico à noção e à tutela desse direito. À título ilustrativo, cite-se a Constituição Italiana de 1948 que, após revisão em 2022, acrescentou ao artigo 9 que, a República da Itália protege o ambiente, a biodiversidade e os ecossistemas no interesse das gerações futuras6. O preâmbulo da Constituição da Bolívia que estabelece no artigo 33 que, todas as pessoas têm direito a um meio ambiente saudável, protegido e equilibrado. O exercício deste direito deve permitir que os indivíduos e as comunidades das gerações presentes e futuras, bem como os demais seres vivos desenvolvam-se de forma normal e permanente. E, enfim, o preâmbulo da Carta Ambiental francesa que menciona que, para garantir o desenvolvimento sustentável, as escolhas destinadas a satisfazer as necessidades do presente não devem comprometer a capacidade das gerações futuras e de outros povos de satisfazerem as suas próprias necessidades7. No direito interno, saliente-se que em 2015, o País de Gales aprovou a Lei do Bem-Estar das Gerações Futuras (Well-being of Future Generations -Wales- Act 2015) que, parece-nos, é a primeira lei que protege expressamente direitos fundamentais das gerações futuras.8 No Brasil, a legislação interna precedeu a constitucionalização. Sob a influência da Declaração de Estocolmo, a Lei 6.938/1981 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e erigiu o direito ao meio ambiente, elemento essencial à dignidade da vida humana, tanto para as presentes quanto para as futuras gerações. Em seu artigo 3°, conclama à proteção dos ecossistemas e de recursos naturais, encoraja o direito à educação ambiental e reconhece a interdependência entre a manutenção do equilíbrio ecológico e de toda forma de vida na Terra. Na continuidade, a Constituição Federal, em seu art. 225, consagra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e protegido, aliando à sua efetividade os princípios da prevenção e precaução. A CF reconheceu que "a humanidade se torna consciente de seu compromisso ético com a natureza e com o futuro da própria espécie humana". Além disso, atribui "deveres fundamentais específicos ao poder público, no § 1º do referido artigo 225, para assegurar a efetividade desse mesmo direito9". Em acréscimo à fundamentação jurídica mencionada, pode ser convocado o trabalho de Edith Brown Weiss10 sobre a teoria da equidade e justiça intergeracional, segundo a qual os direitos fundamentais das futuras gerações são atemporais e sua fruição exige a observância de princípios como a solidariedade (um dos objetivos fundamentais da República brasileira) e a fraternidade (enunciada no Preâmbulo da Constituição do Brasil). Inclui também o dever de vigilância e de cuidado11 que pode ser aplicado tanto a empresas como ao Estado. E, enfim, a noção de irreversibilidade12 dos danos e a consequente privação de direitos fundamentais para as gerações futuras. Dito isto, questiona-se como assegurar a efetividade desse direito em caso de litígio, pois as gerações futuras não encarnam uma pessoa física ou jurídica, não são sujeito de direito? Uma primeira resposta seria a intervenção legislativa, a fim de que lei reconheça que as gerações futuras são sujeito de direitos fundamentais, podendo ser representadas ou substituídas por pessoa física ou jurídica, demonstrado o interesse de agir. A tutela recairia sobre a garantia da fruição de direitos fundamentais atemporais13 conferidos às gerações presentes e/ou futuras. Em segundo lugar, na ausência de lei especifica, seria concebível a intervenção do Ministério Público em favor das gerações futuras, pois, ao nosso ver, há interesse público indisponível e de ampla repercussão no meio social, a saber a defesa do meio ambiente14. Como frequentemente acontece no mundo jurídico, o fato precede a norma, i.e., a jurisprudência precede o legislador reconhecendo direitos d'avant garde. A título ilustrativo, cite-se Oposa c/ Factoran (1993)15, provavelmente o primeiro julgamento sobre o direito das gerações futuras que merece destaque e que ocorreu nas Filipinas. Em espécie, o Supremo Tribunal das Filipinas reconheceu o direito dos requerentes de representarem seus filhos e as gerações futuras em um processo no qual pretendiam o cancelamento de todos os contratos de licença de exploração de madeira existente nas Filipinas e a suspensão de novas licenças diante da exploração desmesurada das florestas, a fim de salvaguardar os direitos ambientais (e fundamentais) das gerações atuais e futuras. Na América Latina, no caso Álvarez e outros c/ Peru (2019), um grupo de jovens peruanos propôs uma ação relatando a inação governamental ao não prevenir o desmatamento, o que violaria seu direito ao meio ambiente saudável, bem como seus direitos à vida, à água e à saúde. Requereram que o Governo implemente políticas para alcançar o desmatamento "zero"  até 2025. No mesmo sentido a CIDH, por meio da Opinión Consultiva (2017) apresentada pela República da Colômbia16, reconheceu a existência de uma indiscutível relação entre a proteção do meio ambiente e a realização de outros direitos humanos, uma vez que a degradação ambiental e os efeitos adversos das mudanças climáticas afetam o efetivo gozo desses direitos. Alinhando-se a este entendimento, em 1997, a Corte Internacional de Justiça enfatizou que o meio ambiente não é uma abstração, mas representa um espaço vital, essencial à qualidade de vida e à saúde humana, incluindo a das gerações futuras17. Tal fundamentação motivou o entendimento consagrado na jurisprudência Urgenda c/ Holanda (2019) que ordenou que o Estado holandês reduzisse as emissões de gases efeito de estufa, com base na garantia dos direitos humanos18. No caso Duarte Agostinho c/ Portugal e outros 32 Estados (2020)19 , seis jovens portugueses acusam países membros do Conselho da Europa de inação face ao aquecimento global. Os recorrentes apontam sentimentos de ansiedade face à degradação climática, especialmente diante dos inúmeros incêndios florestais que têm afetado Portugal, bem como o seu direito à vida (dentre outros). Sublinham que as perturbações ambientais terão um impacto maior nas gerações mais jovens que, diante do cenário atual, não têm garantia de fruição de seus direitos fundamentais. Em Verein KlimaSeniorinnen Schweiz c/Suíça20, idosos com problemas de saúde, por meio de uma associação de defesa, acusam a Suíça de não os ter suficientemente protegido contra os efeitos do aquecimento global. Outro julgado que merece destaque foi proferido em 2021, na Alemanha21 e versa sobre a conformidade da lei de proteção climática adotada em 12/12/2019, aos objetivos do Acordo Climático de Paris de 2015 e Regulamento Europeu sobre o Clima n° 2018/842, os quais visam, principalmente, reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 55%, em comparação com o nível de 1990. No caso Carême c/ França,22 o ex-prefeito da cidade Grande-Synthe denuncia a inadequação da política climática do Estado francês, o qual já foi condenado pelo mesmo motivo pelo Conselho de Estado (Conseil d'État), em 2021, por ocasião do Affaire du siècle.23 E, em decisão proferida em 2022 , o Conselho Constitucional francês também se apoiou, sem definir a noção, no direito de gerações futuras à proteção do meio ambiente. Provocado a se manifestar sobre a lei relativa às medidas de emergência de proteção do poder aquisitivo (loi portant mesures d'urgence pour la protection du pouvoir d'achat), o Conselho Constitucional validou, com reservas de interpretação formuladas com base na Carta Ambiental (aventando a menção às gerações futuras), as disposições relativas à implantação de um terminal flutuante de metano e de determinadas instalações de produção de eletricidade, à partir de combustíveis fósseis24. Em outros continentes, a jurisprudência também destaca o interesse de agir das gerações futuras, a fim de assegurar seus direitos fundamentais. Assim, em março de 2020, 30 jovens ativistas propuseram uma ação junto ao no Tribunal Constitucional sul-coreano, argumentando que a lei sobre alterações climáticas viola os seus direitos à vida e a um ambiente hígido (Kim Yujin et al. c/ Coreia do Sul). Na Austrália, Youth c/. Waratah Coal (2020) discute o direito de um grupo de requerentes  menores de 30 anos de reivindicar a anulação da autorização governamental de exploração de uma mina de carvão. Os requerentes sustentam que a autorização viola os seus direitos à vida, à proteção das crianças e da cultura25. O caso emblemático que, ao nosso ver, melhor exemplifica a construção de um direito fundamental das gerações futuras foi pronunciado pela Suprema Corte colombiana em 201826, no qual se concluiu, com base na solidariedade intergeracional, que tanto as gerações futuras quanto a Amazônia colombiana são sujeitos de direito27 e, portanto, são credores de direitos fundamentais. Na espécie, os requerentes demandaram a proteção dos seus "direitos supralegais", em particular o direito ao meio ambiente saudável, à vida e à saúde. O Estado, considerado omisso no combate ao desmatamento e à preservação do meio ambiente, foi condenado a adotar medidas adequadas para proteger os direitos fundamentais dos requerentes e preservar o meio ambiente por meio de ações efetivas. Este julgamento representa uma mudança de paradigmas jurídicos e civilizacionais, ao reconhecer que as gerações futuras são titulares de direito e, portanto, têm interesse de agir. Além disso, destaca que a Amazônia, também é sujeito de direitos, merece de proteção, conservação e restauração. De igual modo, ele nos convida a reconhecer a indiscutível interdependência entre o ser humano e a Natureza (a Amazônia), bem como a proteger não apenas a geração afetada, por danos ambientais, mas também os direitos dos não nascidos, das gerações futuras.28 Pode-se inferir dos julgados mencionados que a "atribuição de titularidade [de direitos] às futuras gerações se torna cada vez mais relevante no campo da tutela jurídica ecológica e climática29". Resta claro, ao nosso ver, que há interesse de agir das gerações presentes e futuras, a fim de garantir efetividade de seus direitos humanos, sob uma ótica intertemporal, baseada nos princípios da não regressão, reversibilidade, prevenção, precaução, solidariedade, fraternidade, equidade e justiça entre gerações. Destaque-se ainda que, os casos mencionados fundamentam-se no direito interno (Constituição e legislação) e no direito internacional (instrumentos internacionais que tratam de direitos humanos), que, articulados conjuntamente contribuem para a evolução do Direito numa perspectiva "ecocêntrica" e não mais exclusivamente antropocêntrica30. Nesse ponto, sublinhe-se que a Constituição do Brasil, notadamente o artigo 225, pode garantir "uma espécie de direito a um futuro, direito que é atribuído não só a todos os membros desta geração, como também às futuras gerações"31. Isso porque, a Constituição "deve ser compreendida como um pacto político-jurídico entre gerações garantindo uma distribuição equânime e proporcional de direitos fundamentais"32 entre as diferentes gerações. A questão do risco do dano, reparação e responsabilidade civil não será aqui examinada por ser merecedora de uma reflexão aparte. Pode-se todavia aspirar que, no tema, a proteção das gerações futuras fundamente-se numa lógica de transmissão (da solidariedade, equidade e fraternidade intergeracional)  e não apenas de reparação pecuniária33. Concluindo, a fecunda jurisprudência em formação confere novos direitos às gerações futuras, sujeitos de direitos fundamentais. Tal decorre de uma mudança de paradigma, onde os direitos fundamentais tornam-se sistêmicos, atemporais e abrangem espécies, gerações. E que nos convida a considerar a interconexão entre direitos humanos e direitos da humanidade. Ao reconhecer este direito, damos voz às gerações futuras e aceitamos a nossa responsabilidade de lhes garantir um Planeta "vivo" e  digno de vida34. __________ 1 CE 5/6 ch.-r., 02-08-2023, n° 467370. Disponível aqui. Acesso :26/08/2023. 2 Extrai-se do artigo 61-1 da Constituição francesa que a questão prioritária de constitucionalidade assemelha-se à uma exceção de inconstitucionalidade . Ela pode ser arguida a qualquer momento no curso do processo perante o juiz de 1° ou 2° grau. Se as condições processuais de admissibilidades são reunidas, o Conseil constitutionnel pode declarar a inconstitucionalidade do dispositivo ou lei. Disponível aqui. Acesso: 27/08/2023. 3 DJEMNI-WAGNER , Sonya, VANNEAU Victoria .Étude : Droit(s) des générations futures  .Institut des Études et de la Recherche sur le Droit et la Justice , abril, 2023. Disponível aqui. Acesso: 27/08/2023. 4 DJEMNI-WAGNER, Sonya, VANNEAU Victoria, op.cit. , p.11-16. 5 Disponível aqui. Acesso: 26/08/2023. 6 Disponível aqui. Acesso: 26/08/2023. 7 Disponível aqui. Acesso: 26/08/2023. 8 Disponível aqui. Acesso: 26/08/2023. 9 ANDRADE MOREIRA , Danielle de ; MARQUES DE CARVALHO DE OLIVEIRA, Daniela . Direito das futuras gerações e meio ambiente. utopia ou distopia? Revista de Direitos Difusos, v. 72 n. 2 , 2019, p.75. 10 Brown Weiss, Edith. Climate Change, Intergenerational Equity, and International Law. Georgetown Law Faculty Publications and Other Works. 1625, 2008.Disponível aqui. Acesso: 26/08/2023. 11 DJEMNI-WAGNER , Sonya, VANNEAU , Victoria, op.cit,  p.17, 36-37. 12 Disponível aqui. Acesso: 26/08/2023. 13 SARLET , Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago . As futuras gerações como titulares do Direito Fundamental ao meio ambiente e ao clima (limpo, saudável e seguro)? Disponível aqui. Acesso: 26/08/2023.. 14 V.: art. 129 da CF; art. 25 da Lei 8625/1993 ; Lei n° 7347/1985 15 G.R. 101083, 30/07/1993. Disponível aqui. Acesso: 02/09/2023. 16 V. § 47 .OC-23/17, de 15/11/2017.Disponível aqui: 02/09/2023. 17 CIJ, Caso Gabcíkovo-Nagymaros Project (Hungria c. Eslováquia). Sentença de 25 de setembro de 1997. 18 TORRE-SCHAUB, Marta. La justice climatique. À propos du jugement de la Cour de district de La Haye du 24 juin 2015. Revue internationale du droit comparé, n°3, , p. 699-722, 2016. 19 CEDH 13 nov. 2020, n.º 39371/20, D. 2021. 1004, obs. G. Leray e V. Monteillet. 20 CEDH 29 de março de 2023, nº 53600/20. 21 Disponível aqui. Acesso: 27/08/2023. 22 CEDH 7 de junho de 2022, nº 7189/21. 23 Disponível aqui. Acesso: 27/08/2023. 24 Décision n° 2022-843 DC. Disponível aqui. Acesso: 27/08/2023. 25 Disponível aqui. Acesso:02/09/2023. 26 STC4360-2018. Disponível aqui. Acesso:02/09/2023. 27 Sobre a tese de que a natureza pode ser sujeito de direitos: ALMEIDA CORRÊA, Simy de. A natureza como sujeito de direitos ? : As transformações do conceito de natureza e seu contexto de alienação no sudoeste do Pará, Brasil. Law. Université Sorbonne Paris Cité, 2017. TESE 2017USPCD008ff. fftel-01804500f. 28 LAFFAILLE, Franck. Le juge, l'humain et l'Amazonie. Le constitutionnalisme écocentrique de la Cour Suprême de Colombie (5 avril 2018) . Revue juridique de l'environnement . Éd. Lavoisier , v.43, n° 3, p.549/563, 2018. 29 SARLET , Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago, cit. 30 DJEMNI-WAGNER , Sonya, VANNEAU , Victoria, op.cit. 31 Idem. 32 SARLET , Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago, cit.. 33 LEFEBVRE, Jean  La protection des générations futures : entre intérêt général, responsabilité et Fraternité », La Revue des droits de l'homme [En ligne], n° 22 , 2022, Disponível aqui.  Acesso : 03/09/2023. 34 Caron, J. Générations futures, sans voix ni droit ? », Rev. Projet, p. 11, 2012.
INTRODUÇÃO De um lado a Reforma Trabalhista (2017) ampliou a autonomia negocial das partes, de outro foram alteradas as regras de custeio sindical. Na ocasião, apontei que andou bem o legislador ao reconhecer que são os agentes negociais que devem disciplinar as suas condições de trabalho, assim como ao extinguir a obrigatoriedade da contribuição sindical. Todavia, tais mudanças não vieram acompanhadas de outras necessárias para conformar uma nova situação.1 Isso porque tanto a CRFB quanto a legislação infraconstitucional só permitem a cobrança de contribuições de associados, no entanto, mantém a representação para toda a categoria - posição respaldada pela jurisprudência até então consolidada no STF. 1. PANORAMA PÓS-REFORMA 1.1. Prestígio à Negociação Coletiva As Convenções 98, 151 e 154 da OIT preveem o reconhecimento e estímulo à negociação coletiva como meio de melhora das condições de trabalho e emprego. Representa prestígio ao ajuste de interesses e autocomposição, valorizando, pois, a autonomia negocial das partes, diminuindo a participação do Estado interventor. São os trabalhadores representados e as empresas que melhor conhecem os seus interesses, e que, com maturidade possuem condição de conformar as relações de trabalho. Com a lei 13.467/17, houve valorização do princípio da autonomia negocial coletiva, consoante se extrai dos arts. 8º, §3º e 611, §1º - ambos da CLT, ao procurar limitar a análise do juízo trabalhista aos aspectos formais da negociação, não podendo este imiscuir-se no conteúdo do negociado. Tomando o cuidado de delinear os limites do que se deve entender por aspectos formais, o §2º do art. 611-A da CLT predispõe que a inexistência de indicação expressa de contrapartidas recíprocas não representa vício do negócio jurídico, não ensejando a nulidade do ajuste coletivo. 1.2. Custeio sindical: Perda de receita O custeio sindical no Brasil se dá por meio da cobrança de 4 contribuições principais: sindical, assistencial, associativa e confederativa. Antes da Reforma Trabalhista, a contribuição sindical (imposto sindical - arts. 545, 548 e 578 da CLT), era devida por todos os trabalhadores - independentemente da condição de associado ou não - correspondente a um dia de trabalho do empregado por ano, a ser descontado em folha no mês de março. Já as demais contribuições (assistencial, associativa e confederativa), em regra, poderiam ser cobradas somente dos associados ao sindicato. A contribuição assistencial (também denominada coletiva ou de solidariedade - art. 513, alínea "e" da CLT), tem por finalidade financiar as despesas do processo de negociação coletiva; enquanto a contribuição associativa (art. 548, alínea "b" da CLT), retrata mensalidade paga pelo associado em prol de benefícios oferecidos pelo sindicato, tal como lazer, saúde e aperfeiçoamento profissional, dentre outros; e a contribuição confederativa (art. 8º, inciso IV da CRFB) tem por escopo o custeio do sistema confederativo. A jurisprudência estava consolidada no TST no que se refere à impossibilidade de qualquer cobrança a título de taxa de custeio confederativo, assistencial, fortalecimento sindical ou outras espécies que obrigassem trabalhadores não associados (PN 119 da SDC). Na mesma esteira de raciocínio, a OJ 17 SDC que entende a cobrança de contribuições de não associados como ofensiva ao direito de associação e sindicalização. Ao enfrentar a matéria relativa à cobrança da contribuição confederativa, o STF se posicionou no sentido de que esta só poderia ser exigida dos associados, editando a Súmula 666. Nesse panorama, a CONALIS - órgão do MPT aprovou a Orientação 02, de 4.5.2010, fazendo remissão e reiterando o teor da Súmula 666.  Na mesma data, a CONALIS chegou a editar a Orientação 03, por meio da qual entendia ser possível a cobrança da contribuição assistencial/negocial, tanto de filiados, quanto de não filiados, desde que aprovada em assembleia geral da categoria convocada para este fim, assegurado o direito de oposição, todavia, tal foi cancelada em 16.8.11 reforçando a impossibilidade de cobrança de não associados. Sobreveio a Reforma Trabalhista, e por força da alteração dos artigos 578 e 579 da CLT, o desconto em folha de pagamento do então imposto sindical ficou sujeito à prévia e expressa autorização do empregado. No que tange às demais contribuições, com o objetivo de dar guarida ao direito constitucional de liberdade de associação e não associação, o artigo 611-B, inciso XXVI, da CRFB proibiu que a negociação coletiva impusesse cobranças em convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho, sem expressa e prévia anuência do trabalhador. A alteração da legislação reflete os valores da Carta Magna, que enuncia a plena liberdade de associação (art. 5º, XVII, CRFB) e garante que "ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato" (art. 8º, V, CRFB). Ou seja, a lei maior garante não só o direito de associação, como o de não associação, ou seja, contempla o direito fundamental da liberdade sindical negativa, de tal arte que a cobrança de contribuições de não associados fere o direito de livre escolha para associar-se ou não a uma entidade sindical. De outro lado, nota-se que o sindicato continua responsável pela defesa dos direitos e interesses de toda a categoria (art. 8º, III, CF), cuja participação em negociações coletiva é obrigatória (art. 8º, IV, CF). Ademais, a Carta Magna prevê não só o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho (art. 7º, XXVI, CF), como também a progressividade e não retrocesso dos direitos sociais (art. 7º, caput, CF). No campo infraconstitucional, foram mantidas as prerrogativas do sindicato de representação de toda a categoria (art. 513, "a", CLT), de celebração de instrumentos coletivos (art. 513, "b" da CLT), assim como conservada a irrecusabilidade do sindicato à negociação coletiva (art. 616, CLT), ao mesmo tempo em que alargadas as hipóteses de negociação (art. 611-A, CLT). Com a extinção da obrigatoriedade do imposto sindical, criou-se cenário em que o sindicato representa o interesse de quem "paga" por seus serviços, mas também os de quem "não paga" por sua atuação em defesa dos interesses da categoria. Diante dessa situação, e frente o temor de enfraquecimento da representação sindical, começou uma reação de parte da doutrina e sociedade organizada, inclusive da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA) e MPT, no sentido de prover o custeio sindical. Primeiro, sustentou-se possível inconstitucionalidade da extinção da obrigatoriedade da contribuição sindical, por meio do Enunciado 47 da ANAMATRA (não vinculativo) e da Nota Técnica 02 da CONALIS (MPT). Ao analisar a ADI 5794, outras 18 ADIs e a ADC 55, o STF entendeu, porém, pela constitucionalidade da facultatividade do imposto sindical. Outra corrente passou a sustentar que a assembleia geral da categoria, como órgão soberano, teria legitimidade para impor contribuições aos não associados, nos termos do Enunciado 38 da ANAMATRA (não vinculativo). Nessa esteira de raciocínio, a CONALIS (MPT) passou a sustentar a possibilidade de cobrança de contribuição sindical dos não associados, desde que mediante assembleia convocada para este fim, com ampla divulgação, e garantido o direito de posição - editando a Nota Técnica 02, de 26.10.18. Nesse mesmo campo, outra corrente defende que o sindicato não representa os interesses daqueles que para este não contribuem - visão que tem amparo no direito econômico e almeja a preservação de direitos sociais. A questão central é que, diversamente do modelo português, a CRFB  não impõe distinção entre os que recolhem e os que não recolhem contribuições em favor do sindicato, determinando, ao contrário, a representação ampla de toda a categoria. Esse é o panorama em que o STF enfrentou o tema. 2. JULGADO DO STF: ARE 1.018.459 2.1. Mudança de posicionamento do STF No dia 11.9.2023, o STF concluiu o julgamento do ARE 1.018.459, reconhecendo a constitucionalidade da cobrança de contribuições assistenciais, cuja previsão consta de acordos coletivos de trabalho e convenções coletivas de trabalho, se o trabalhador não manifestar expressa oposição. Ou seja, o STF está alterando a regra do jogo, na medida em que ao invés de o trabalhador manifestar a expressa concordância para que a cobrança seja levada a efeito, passa a ter o ônus de se opor à cobrança. 2.1.1. Como foi o julgamento (?) O relator, Min. Gilmar Mendes, se manifestava pela rejeição dos embargos, acompanhado pelo Min. Marco Aurélio (sessão virtual de 14.8.20), assim como pelos ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (julgamento presencial 15.6.22). Na ocasião, o Min. Edson Fachin apresentou divergência de voto, ainda que sem efeito modificativo da decisão. Ocorre que o Min. Luis Roberto Barroso pediu vista dos autos, vindo a apresentar em nova data (julgamento virtual de 14.4 a 24.4.23) uma releitura do tema, de modo a reconhecer a constitucionalidade da cobrança assistencial mesmo de não associados ao sindicato, desde que assegurado o direito de oposição. Com efeito, o Min. Luis Roberto Barroso iniciou fazendo uma distinção entre as diferentes espécies de contribuições sindicais, passando a sustentar que houve alteração das premissas fáticas e jurídicas desde o julgamento do Tema 935. Isso porque, com a Reforma Trabalhista, a contribuição sindical deixou de ser obrigatória, só podendo ser cobrada desde que prévia e expressamente autorizada, e nesse contexto os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio, de tal arte que "caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical", na contramão da jurisprudência do STF que a importância da negociação coletiva nos julgados relativos aos planos de demissão voluntária (RE 590.415) e necessidade de intervenção sindical prévia nas dispensas em massa (RE 999.435), assim como na compreensão de que as negociações coletivas podem afastar direitos previstos em lei, desde que observado o patamar civilizatório mínimo (ARE 1.121.633) - enxergando uma "contradição entre prestigiar a negociação coletiva e esvaziar a possibilidade de sua realização", haja vista a essencialidade da contribuição assistencial para a atuação do sindicato em negociações coletivas e considerando que "dados do Ministério do Trabalho apontam queda de cerca de 90% da arrecadação com a contribuição sindical no primeiro ano de vigência da lei 13.467/17". Soma-se que, como o sindicato representa toda a categoria, os benefícios obtidos em uma negociação coletiva se estendem a todos os integrantes, mesmo aos não filiados, o que cria, na visão do Min. Roberto Barroso, a figura do carona: "aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria", observando que a contribuição assistencial tem justamente o escopo de custear a atividade negocial. Nessa esteira, o Min. Luis Roberto Barroso apresentou uma solução chamada de alternativa, ponderando os valores em questão, de modo a votar pela constitucionalidade da instituição da contribuição assistencial por meio de acordo ou convenção coletivos, inclusive a serem pagas pelos não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição. O Relator Gilmar Mendes foi convencido pelos argumentos do voto divergente do Min. Luis Roberto Barroso, de sorte a acolher os embargos, imprimindo efeito infringente, tendo sido acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, que anteciparam os seus votos, e o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do Min. Alexandre de Moraes, tendo reiniciado na modalidade virtual em 1º.9.2023 e concluído em 11.9.23,  tendo a tese modificada do Relator sido também acompanhada pelos ministros Cármen Lúcia, Rosa Weber, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. O resultado final foi 10x1, haja vista o voto proferido pelo Min. Marco Aurélio ainda antes da sua aposentadoria (razão pela qual o Min. André Mendonça não participou), de modo que a tese fixada, por maioria é a seguinte: "É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição." 2.2. Questionamentos 2.2.1. Considerando que: a) antes mesmo da EC 115, ao enfrentar as ADI 6387, ADI 6649 e ADPF 695, o STF declarou que a proteção de dados pessoais e autodeterminação informativa são garantias fundamentais; b) o consentimento deve ser livre, informado e inequívoco para finalidade determinada (art. 5º, XII, lei 13.708/18), assim como por escrito ou outro meio que demonstre a manifestação de vontade (art. 8º, lei 13.1709/18), não se aceitando o mero silêncio; c) por meio do consentimento exerce-se com maior amplitude o direito à autodeterminação informativa: questiona-se: sob a luz do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, ao acatar o silêncio como manifestação de concordância para o desconto, está sendo respeitado o núcleo essencial da garantia constitucional preterida, representada pelo direito de associação e não associação, ou seja ao direito fundamental da liberdade sindical negativa2(?) 2.2.3.2. Considerando que no item 21 do voto do Min. Roberto Barroso, consta: "Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento";  questiona-se: (i) o trabalhador terá de comparecer à assembleia para manifestar oposição ou esta poderá ser posterior (?); (ii) é possível considerar que o exercício da liberdade sindical negativa seja exercido com a necessária amplitude quando a autorização do trabalhador passa a ser presumida para o desconto da contribuição assistencial (?) 2.2.3.3. Considerando: a) o princípio da legalidade por meio do qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF); b) que a jurisprudência da Corte Superior estava consolidada no sentido de não autorizar o desconto dos não associados (Súmula Vinculante 40); c) que pós-reforma trabalhista alteraram premissas fáticas e jurídicas, questiona-se: qual a modulação de efeitos que será dada à decisão (em linguagem coloquial, a decisão aplica-se a partir de quando) (?)  2.2.3.4. Considerando que a extinção da compulsoriedade do imposto sindical atingiu a todos os sindicatos, questiona-se: quanto ao alcance do julgado no ARE 1.018.459, no que se refere à contribuição assistencial instituída pelo sindicato patronal em sede de convenção coletiva de trabalho (?) CONCLUSÃO Com base no panorama pós-reforma trabalhista, infere-se que a intenção do STF parece ser boa, o problema é que acaba por legislar tentando resolver situação fática - talvez inclusive ferindo de morte o direito fundamental de associação e não associação. Por ora, uma série de dúvidas, de sorte que tudo poderia ser resolvido, s.m.j., com a ratificação da Convenção 87 da OIT, com o que, diante da ampla liberdade sindical, o trabalhador poderia se associar ao sindicato que efetivamente representasse os seus interesses, num cenário de concorrência entre os sindicatos que teriam de preocupar-se em bem atender aos interesses de seus representados, sob pena de perdê-los, e com isso morrer de inanição. Enquanto o Brasil não ratificar a convenção internacional em referência, parece inexistir terreno fértil para a efetiva representação. Essa proposta é antiga e faz rememorar as lições de Pedro Paulo Teixeira Manus, Paulo Sérgio João e Renato Rua de Almeida, dentre outros. Aliás, a academia é praticamente uníssona quanto à defesa da ampla liberdade sindical, valendo conferir a proposta da ABDT3, e aproveitando para convidar todas e todos para o XIII Congresso Internacional de Direito do Trabalho e VIII Jornada Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, onde este tema se fará presente juntamente com outros da maior relevância.  O evento é uma iniciativa da ABDT e da AIADTSS e ocorrerá nos dias 18, 19 e 20/10 em SP4, podendo ser acompanhado nas modalidades presencial ou telepresencial. Todas e todos convidados, nos vemos por lá! ------------------------------------------------------------- 1 Texto adaptado de: OLIVEIRA NETO, Célio Pereira Oliveira. Ampliação da autonomia negocial coletiva combinada com alteração das regras de custeio: como fica a negociação coletiva no Brasil pós-reforma trabalhista? In: NAMORA, Nuno Cerejeira; BARROSO, Nuno. Negociação Coletiva: Estado e Desafios em Portugal e no Brasil. Porto: Vida Económica, 2019, p. 19 2 rememorando as lições do Prof. Renato Rua de Almeida. 3 Liberdade Sindical: Uma Proposta para o Brasil (ccord: Alexandre Agra Belmonte, Luciano Martinez e Thereza Nahas. ABDT. Lacier Livraria e Editora: Campinas, 2021. 4 Disponível em: https://andt.org.br/eventos/xiii-congresso-internacional-de-direito-do-trabalho-viii-jornada-iberoamericana-de-derecho-del-trabajo-y-de-la-seguridaad-social/
Introdução Recentemente o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ação civil púbica (ACP), autos n. 0010531-94.2023.5.03.0111, alegando que: "Após investigação mais apurada, cujo detalhamento será objeto desta ação civil pública, constatou-se que se trata de uma prática processual metodologicamente organizada: acordos são propostos sem o reconhecimento do vínculo de emprego inicialmente pretendido pelo trabalhador, com liquidez significativa para a persuasão do reclamante em firmá-lo, com vistas a pôr fim às ações sem julgamento do mérito, quando os recursos ordinários interpostos pelas partes são distribuídos para turmas de segunda instância cuja composição julgadora seja, pelo menos em teoria, a favor do vínculo de emprego de trabalhadores via plataformas digitais. (...). Com os acordos propostos e firmados, o que ocorre em grande volume até o momento, a UBER vem colhendo o resultado de metodologia processual orquestrada para evitar a apreciação do mérito em processos cujos resultados não seriam potencialmente do seu interesse, fomentando a consolidação de jurisprudência artificialmente construída e amplamente favorável à tese da empresa, o que, de outro lado, lhe serve também de fundamento de defesa em novos processos judiciais. (...). É exatamente aqui que se insere a questão da jurimetria e a sua utilização indevida para manipular a jurisprudência a favor dos interesses da UBER que, ao impedir o exercício pleno da jurisdição, viola princípios constitucionais processuais, tais como o juiz natural, o devido processo legal, o contraditório, a cooperação, a lealdade e boa-fé. Ainda, distorce o processo democrático de construção e concretização do direito por meio da jurisdição, constituindo-se também em abuso do direito de estar em juízo e defender-se pelos meios legais disponíveis." Em resumo a tese do MPT é de que a Uber pratica litigância predatória por celebrar acordos somente nos processos em que há chances de reconhecimento de vínculo empregatício conforme composição das Turmas do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região - Minas Gerais e que a ferramenta utilizada para tanto é a jurimetria. Antes de adentrar no mérito da questão necessários se fazem alguns prévios esclarecimentos. O termo jurimetrics foi utilizado pela primeira vez no ano de 1948 por Loevinger que conectou a Teoria Jurídica, Métodos Computacional e Estatística com o objetivo de analisar a jurisprudência tornando assim o Direito mais previsível. O mesmo autor conceitua a jurimetria da seguinte maneira: Jurimetrics is concerned with such matters as the quantitative analysis of judicial behavior, the application of communication and information theory to legal expression, the use of mathematical logic in law, the retrieval of legal data by electronic and mechanical means, and the formulation of a calculus of legal predictability. (1963). No Brasil, aliás, o tema vem ganhando cada vez mais relevância, destacando-se a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) fundada no ano de 2011, que tem como objetivo maior "Disciplinar a jurimetria como um ramo do conhecimento jurídico, definindo suas premissas, fundamentos, conceitos e relações essenciais"1. Assim, a jurimetria surge como uma importante ferramenta na prática da advocacia, já que, em última análise, tem como objetivo extrair, reunir e analisar dados. A pesquisa jurimétrica (pergunta problema) pode envolver diversos assuntos, por exemplo: tempo de duração dos processos, análise de decisões judiciais, entre outros. Basicamente, tudo que for relacionado a dados pode ser pesquisado (respeitadas as diretrizes científicas da estatística e probabilidade). Portanto, a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho não merece acolhimento. Ademais, vejam outras razões pelo descabimento da ACP. Hermenêutica Jurídica Público e notório que o Direito não é uma ciência exata, sendo fruto da interpretação dos seus operadores (desde advogados até julgadores). Nesse sentido, surge a Hermenêutica Jurídica, antes considerada uma disciplina para auxiliar na interpretação da lei e, mais modernamente, entendida como uma filosofia (teoria universal do compreender e interpretar)2. Fato é que se o direito permite interpretações (inclusive com técnicas científicas), porque não pode o operador estudar o posicionamento do Julgador com intuito de realisar uma análise preditiva das decisões judiciais? Aliás, deste questionamento surge outra questão. A Insegurança Jurídica Muito embora a segurança jurídica esteja impregnada em todo o ordenamento jurídico e seja um preceito Constitucional, na prática nem sempre é observada. Isto porque é plenamente possível, e na realidade acontece com frequência, que um mesmo fato e/ou norma seja interpretado de maneira diversa a depender da Vara ou Turma que o processo é distribuído. Ainda que a missão do julgador não seja simplesmente ser "a boca da lei" (expressão pós Revolução Francesa), também é notório que no Brasil, infelizmente, não há segurança jurídica. Prova desta premissa é o próprio ajuizamento da ACP pelo MPT. Veja que para o mesmo fato, reconhecimento do vínculo de emprego, existe diversos entendimentos. O Parquet mostrou inclusive que a divergência permanece no Tribunal Superior do Trabalho. Portanto, não há conduta ilícita, e sim divergência jurídica quanto a um determinado tema. Ausência de legislação específica Toda a problemática gira em torno de uma única questão: há vínculo empregatício nas relações entre motoristas e aplicativos? A resposta depende da interpretação sobre os artigos 2º e 3º da CLT. Há quem entenda que a subordinação necessária está presente mediante subordinação algorítmica e, em sentido oposto, há quem entenda que não há. Independente das discussões e debates travados, o caso seria mais simplesmente resolvido mediante criação de legislaçao específica (atuação do legislativo).  Oitiva dos interessados Outro ponto que merece destaque é que para melhor resolver a questão seria de bastante utilidade ampliar o debate, não se limitando a questões jurídicas, mas sim ouvindo os principais interessados, quais sejam, os próprios motoristas dos aplicativos. Nesse sentido, destacam-se as audiências públicas (forma de participação direta da sociedade no processo legislativo). Ouvidos os motoristas, os interesses podem ser mais bem balizados.  Criação de um problema social Conforme dados do aplicativo, há atualmente no Brasil cerca de um milhão de motoristas. Assim, o reconhecimento do vínculo empregatício de maneira indiscriminada pode afastar a empresa do Brasil e/ou reduzir sua atuação no país acarretamento na criação de outro problema social: a redução e/ou extinção de renda de centenas de milhares de trabalhadores. Desprestígio da autonomia da vontade e da resolução pacífica de conflitos Na hipótese dos autos, se o trabalhador se encontra assistido por advogado e tem interesse em celebrar o acordo, a intervenção do Ministério Público do Trabalho e do Judiciário desprestigia e inválida por completo da autonomia da vontade e das formas de resolução pacífica de conflitos. Civil Law x Common Law No Brasil, por certo, não há precedentes como no sistema jurídico do Common Law. Assim, a criação de jurisprudência contra a Uber não geraria automaticamente obrigatoriedade de outros órgãos julgadores seguirem a mesma tendência. Portanto, a jurimetria como instrumento de análise de risco para oferta de acordos não fere nenhuma legislação nacional. Data vênia, por todo o exposto resta evidente que em última análise a ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho desprestigia a advocacia e a modernização do judiciário.   GADAMER, Hans-George. Verdade e Método II. op., cit., p. 119. LOEVINGER, L. Jurimetrics: The Next Step Forward. Minnesotta. Law Review, v. 33, 1948. LOEVINGER, L. Jurimetrics: The methodology of legal inquiry. Law & Contemp. Probs., v. 28, 1963. Disponível aqui. Dipsonível aqui. __________ 1 Disponível aqui. 2 GADAMER, Hans-George. Verdade e Método II. op., cit., p. 119.
O ano era 1943. Entrava em vigor o decreto-lei 5.452, a Consolidação das Leis do Trabalho. Em sua redação original, o art. 5º do diploma legal dispunha "a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo". Oitenta anos e alguns outros dispositivos normativos separam esse artigo da CLT, ainda em vigor, da festejada lei 14.611, de 03 de julho de 2023, a qual dispõe sobre igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens. Celebra-se a atual tentativa do legislador de promover uma transformação sociocultural concreta e efetiva na visão androcêntrica do mundo do trabalho acerca das pessoas trabalhadoras, das suas competências e habilidades. Uma nova roupagem de enfrentamento a um antigo problema que a sociedade brasileira, a despeito da legislação trabalhista, da Constituição Federal de 1988 e das normas internacionais de Direitos Humanos ainda não deu conta de resolver. Portanto, a efetividade normativa que tanto se  almeja decorrerá do compromisso do legislador com a visibilidade das dinâmicas de trabalho das mulheres a partir das lentes da perspectiva de gênero, pensando o Direito do Trabalho a partir das teorias feministas e considerando que a casa, a família e o trabalho doméstico não são estranhos ao mundo do trabalho produtivo, mas sim a sua base1 . Não há como tratar de isonomia salarial no mundo do trabalho sem destacar, ainda que de forma sucinta, três aspectos: 1) os impactos dos estereótipos de gênero na inserção feminina no mundo do trabalho, os quais reforçam a posição de centralidade dos homens na sociedade, desprestigiando características e habilidade entendidas socialmente como femininas e valorizando características e comportamentos tidos como masculinos2; 2) a divisão sexual do trabalho, conceito formulado por teóricas feministas fundado em dois princípios, quais sejam, o da separação - através do qual se interpreta que existem trabalhos que devem ser exercidos por homens e outros que se atribui às mulheres; e o hierárquico - através do qual se observa que o trabalho do homem é mais valorizado social e economicamente que o trabalho da mulher3 e, 3) o caráter sexuado da precarização4 marcado pelo crescimento da participação de mulheres, em especial de mulheres que acumulam atravessamentos interseccionais de gênero e raça, em trabalhos precários, vulneráveis ou informais, onde os desníveis salariais em relação aos homens são ainda mais acentuados. A divisão sexual do trabalho, associada à manutenção no Brasil do familismo como modelo vigente na prática do cuidado, tendo as unidades familiares como principais responsáveis pelo bem-estar de seus membros, sexualiza de maneira naturalizada o trabalho doméstico não remunerado, voltado para o cuidado da família, cabendo às mulheres exercê-lo, ainda que estejam inseridas no mundo produtivo de trabalho5. Tais considerações preliminares se fazem essenciais para formular uma análise crítica da lei 14.611/2023. O legislador claramente não se ateve a elas, ao estabelecer genericamente a vedação à discriminação salarial, buscando garanti-la, seja através do endurecimento das consequências pecuniárias pela não observância do comando legal, seja pela ampliação de possibilidades de fiscalização do seu cumprimento, ou ainda, pela previsão de condutas para estímulo da participação feminina no mundo do trabalho. A lei em seu art. 3º promove alteração do art. 461 da CLT, conferindo nova redação ao §6º e acrescendo o §7º, deixando expressa a possibilidade da empregada que sofreu discriminação salarial pleitear cumulativamente o direito ao pagamento das diferenças salariais, indenização por danos morais e multa em montante correspondente a 10 (dez) vezes o novo salário, podendo ser elevada ao dobro em caso de reincidência. A alteração legislativa tem implicações positivas, por estabelecer sanções pecuniárias mais claras e rígidas às empresas que persistirem na prática salarial discriminatória entre homens e mulheres. Entretanto, o legislador perdeu a oportunidade de revisar integralmente o art. 461 da CLT, conferindo-lhe redação efetivamente capaz de eliminar discriminações salariais por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, estabelecendo a perspectiva de gênero na análise do critério igual produtividade, eliminando os critérios cumulativos de tempo de serviço e tempo na função, bem como revogando a necessidade de prestação de serviço no mesmo estabelecimento empresarial. Prosseguiu o legislador estabelecendo medidas para tentar garantir a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens (art. 4º), quais sejam: I - estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios; II - incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens; III - disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial; IV - promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados; e V - fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens. Embora diante de um cenário patriarcal de desenvolvimento produtivo e laboral, onde frequentemente, as situações de desigualdade de gênero se apresentem como naturalmente constituídas, sabe-se que a existência e permanência destas, são determinadas culturalmente. E partindo desse pressuposto é que chama a atenção dessas autoras o potencial transformador desses dois últimos incisos do art. 4 º do diploma legal em estudo.  O inciso IV do referido dispositivo ao prever a implantação de programas de diversidade e inclusão, com a capacitação específica de gestores em equidade de gênero, possibilita a sensibilização do mundo corporativo às particularidades da inserção produtiva feminina, sendo a mulher responsável por conciliar o trabalho produtivo, cumprindo metas, participando de treinamentos e qualificações, com as atividades de cuidado não remunerado com a família, resultando na conhecida "dupla jornada" feminina, que acarreta a pobreza de tempo, que pode ser conceituada como a ausência de tempo para atividades essenciais ou necessárias6. Assim, se levada à concretude cotidiana, tais  medidas previstas pelo legislador têm potencial para enfrentar não apenas as discriminações salariais em razão de gênero, mas também outras graves situações que permeiam a inserção das mulheres no mercado trabalho, em especial, aquelas que são mães e muitas vezes "arrimos de família". Em 2021 o IBGE divulgou o relatório denominado "Estatísticas de Gênero - Indicadores Sociais das mulheres no Brasil (2ª edição)"7, o qual aponta que no ano de 2019, a taxa de participação das mulheres com 15 anos ou mais de idade foi de 54,5%, enquanto entre os homens esta medida chegou a 73,7%, diferença que se acentua nos lares em que existem mulheres de 25 a 49 anos vivendo com crianças de até 3 anos de idade, onde o nível de ocupação foi de 54,6%, enquanto o dos homens, na mesma situação, foi de 89,2%. A mesma pesquisa também comprovou que, em relação a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, as mulheres dedicaram quase o dobro de tempo que os homens: 21,4 horas contra 11 horas semanais. O relatório evidencia, ainda, que em 2019 no Brasil, 62,6% dos cargos gerenciais eram ocupados por homens e 37,4% pelas mulheres, apesar de apontar que as mulheres possuíam maior índice de escolaridade que os homens, demonstrando a baixa ascensão funcional feminina, fenômeno conhecido como teto de vidro (glass ceiling). Essa divisão não harmônica dos afazeres domésticos e de cuidado que persiste como obstáculo à emancipação das mulheres, à conquista e à permanência plena do mercado de trabalho ganha dramaticidade quando se observa a realidade das mulheres chefes de família, número que cresceu, também segundo IBGE, entre 2012 e 2019 de 37% para 48%, sendo que esses fatores limitantes para uma melhora na massa salarial afetarão diferentemente as mães-solo conforme as diferentes classes sociais. Para mulheres que possuem maior escolaridade e melhor potencial de renda, mas que compõem famílias monoparentais e que muitas vezes não podem contar com apoio na dinâmica das tarefas de cuidado, em especial do cuidado com os filhos, buscar ou aceitar cargo de direção ou alta gestão por exemplo, se torna bastante difícil, haja vista a necessidade de conciliar a estabilidade no emprego e a possibilidade de operacionalizar a já comentada dupla-jornada laboral.  Já quando se analisa os desafios da organização familiar monoparental feminina intersectada pelos marcadores de raça e classe a disparidade relativa à massa salarial se intensifica ainda mais e é somada ao fenômeno da exclusão do mercado de trabalho formal. Cerca de 22% dos lares chefiados por mulheres negras sofrem com a fome e esse percentual é quase o dobro comparativamente às famílias chefiadas por mulheres brancas. É a partir desse panorama estatístico que se interpreta então, o art. 5º da lei, o qual determina a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, contendo dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade. Tais relatórios além de facilitarem a fiscalização do cumprimento da norma, reavivam um relevante debate no processo do trabalho, acerca da utilização e valoração de provas estatísticas em ações que tratam das discriminações sociais estruturais presentes no mundo do trabalho, que produzem e reproduzem um sistema de exclusões e opressões intergeracionais. Contudo, após uma primeira leitura da norma em comento, uma pergunta gerou inquietação nestas autoras: quem são as mulheres por ela abrangidas? Ao refletirmos sobre o perfil das mulheres brasileiras que podem atualmente estar inseridas em grandes empresas (acima de 100 empregados), considerando as permanências históricas coloniais, onde vivenciamos uma estrutura social marcada pela desigualdade racial sobrepostas às assimetrias de gênero, projetamos que a legislação tende a proteger as mulheres que compõem a classe média, predominantemente branca, com maior nível de escolaridade e inserção produtiva em trabalhos com maior remuneração, as quais transferem a execução do trabalho doméstico e de cuidado a uma outra mulher, que passa a executá-lo de maneira remunerada, configurando o denominado modelo de delegação8, mas seguindo como principal responsável pela gestão das atividades familiares, gerando uma carga mental a partir da gestão entre tempo, tarefas e serviços9. Percebe-se assim que, para o legislador, grande parte das mulheres trabalhadoras seguem invisibilizadas, cabendo a estas a inserção no mundo do trabalho de maneira precarizada, mal remunerada, vulnerabilizada e desvalorizada socialmente. São em regra mulheres negras, trabalhadoras que compõem as camadas mais pobres, que registram tempo maior de trabalho de cuidado não remunerado - 22,0 horas semanais em 2019, em contraponto a 20,7 horas gastas por mulheres brancas, conforme o citado relatório do IBGE e que sofrem mais diretamente a ausência de políticas públicas de atenção e planejamento de cuidado com a infância, a exemplo de creches com horários mais flexíveis e estendidos. Festejemos sim os avanços em matéria de equidade de gênero no mundo do trabalho capazes de serem alcançados a partir da vigência da lei 14.611/2023, mas não nos esqueçamos que o acesso ao mercado de trabalho no Brasil impacta as mulheres de diferentes formas, a partir da confluência de outros marcadores sociais, como raça e classe, existindo desigualdades sobrepostas que não podem mais seguir à margem da atenção social e legislativa, sendo necessário um amplo debate sobre a criação e conformação de políticas públicas capazes de promover efetivas alterações quantitativas e qualitativas na inserção das mulheres no mundo do trabalho. Ademais, não podemos olvidar o fato de termos em processo de ratificação outro instrumento jurídico, a Convenção 156 da OIT10, que se propõe a reparar injustiças de gênero a partir da construção e ampliação de estratégias políticas, educacionais, culturais e antidiscriminatórias para as pessoas trabalhadoras, como visto aqui, majoritariamente mulheres negras e mães-solo, que acabam por sofrer limitações em diversos momentos, que vão desde o ingresso na atividade econômica até sua permanência e progressão nas carreiras escolhidas. __________ 1 FEDERICI, Silvia. O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Tradução Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019. 2 SILVA, Adriana Manta; RODRIGUES, Joana Rêgo Silva. A perspectiva de gênero como ferramenta à serviço da efetivação da igualdade no âmbito da atuação jurisdicional. In Direito antidiscriminatório do trabalho: aspectos Materiais e processuais. Organizadoras: Maíra Guimarães De La Cruz, Manuela Hermes e Silvia Teixeira do Vale. Salvador: Escola Judicial TRT-5, 2021. 3 HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de pesquisa, v. 37, p. 595-609, 2007. 4 TEODORO, Maria Cecília Máximo. A distopia da proteção do mercado de trabalho da mulher e a reprodução do desequilíbrio entre os gêneros. Feminismo, trabalho e literatura: reflexões sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Editora Fi, p. 103-143, 2020. 5 SILVA, Adriana Manta. Eu cuido. Tu cuidas. E eles? - Breves Reflexões Sobre Gênero, Parentalidade e Trabalho. In Direito antidiscriminatório do trabalho: Volume II. Organizadores: Edilton Meireles...[et al]. - 1.ed. - Curitiba: Editorial Casa, 2023.   6 FERRITO, Bárbara. Direito e desigualdades: uma análise da discriminação das mulheres no mercado de trabalho a partir do uso dos tempos. São Paulo: LTr, 2021. 7 IBGE. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2ª Edição. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2021. Disponível aqui. Acessado em 05 out 2022. 8 HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de pesquisa, v. 37, p. 595-609, 2007. 9 ZANELLO, Valeska et al. Maternidade e cuidado na pandemia entre brasileiras de classe média e média alta. Revista Estudos Feministas, v. 30, 2022. 10 Convenção 156 da OIT (1981) - Sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de Família. Disponível aqui. Acessado em 07 Ago 2023.
Finalmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), através do vice-presidente ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga, admitiu o recurso extraordinário acerca do debate de vínculo (ou não) de emprego entre o motorista uberizado e a respectiva empresa. Esse ato remete à mais alta Corte do país (STF) a apreciação do aclamado empasse. Os trabalhistas de plantão há muito esperam essa resposta, tanto pela vivaz da academia e seus infinitos debates sobre o tema, quanto pela própria seriedade do caso concreto que, como todo dilema sem resposta, urge por uma pá de cal que, quiçá, seja definitivamente dada. Fato é que muito embora as Turmas do TST já tenham divergido sob o assunto - vez que enquanto algumas entendem pela existência do vínculo de emprego, outras não visualizam os requisitos apregoados pelos artigos 2º e 3º do diploma dos trabalhadores para, enfim, configurar a dita relação, preliminar à qualquer ilação -, é preciso analisar o contexto que a futura decisão pode ocasionar, pois, evidentemente, positiva ou negativamente, existirão impactos. Em sendo reconhecido o vínculo - ou seja, se entenderem os Ministros do STF pela existência do preenchimento dos requisitos que as relações de emprego disciplinam -, talvez a famigerada empresa não mais atue no país, principalmente porque os encargos, deveres, obrigações, etc., tendem a se tornarem onerosos demais tal continuidade. E não só: não é de se duvidar que alguns (agora empregados) também abandonem a profissão, justamente por terem a ela se vinculando pela liberdade em exercê-la - pelo menos até o presente momento. Outrossim, em não sendo reconhecido o vínculo de emprego, exige-se uma atenção especial sob dois prismas. Primeiro, sob qual ramo do Judiciário devem-se discutir eventuais contendas? Segundo, de que forma salvaguardar (boas) condições de trabalho diante desta nova relação autônoma existente? Quanto ao primeiro ângulo, esta articulista não tem nenhuma dúvida de que o embrolho é de competência da Justiça do Trabalho. O artigo 114 da Constituição Cidadã, desde a Emenda Constitucional nº 45, é cristalino ao dispor que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar relações de trabalho, não apenas relações de emprego, portanto, inconteste tal prerrogativa. Não obstante, não se pode ignorar o fato de que o motorista uberizado pode, por vezes, embora autônomo, encontrar-se em situação de vulnerabilidade, por qualquer razão que seja. Por isso, é chegada a hora de falar-se em uma terceira via. Em 2020, em atenção às novas formas de trabalho, a Deputada Federal Tabata do Amaral sugeriu o PL 3.748/201, instituindo o trabalho sob demanda. No referido PL, verificam-se rudimentos que no futuro começarão a ser discutidos, tais como a plataforma garantir direitos mínimos (benefícios e liberdade para o trabalho), não necessariamente atreladas ao vínculo empregatício, mas umbilicalmente alinhados com o que a Carta brasileira entende como princípio balizador destas relações - o valor social do trabalho. Mas como garantir anteparo, de forma mínima - se é que existe um mínimo a ser garantido -, dentro de uma terceira via, que nem mesmo se tem pacificada? Evitando tautologias, e buscando contribuir a um futuro positivo, sugere-se que estas empresas plataformizadas lancem luzes ao investimento em trabalhabilidade destes laboradores. E explica-se o porquê: De imediato, cumpre explicar ao(à) leitor(a), o que é trabalhabilidade? Possuir trabalhabilidade é2: [...] readaptar-se constantemente ao cenário laboral através de seus próprios predicados; é um trabalhador que se vale de sua própria vocação para o exercício de sua lida; alguém capaz de ressignificar durante todos os dias de sua vida a prática de seu trabalho, proporcionando para si (e para a sociedade) novas e melhores formas de atingir metas e resultados em toda e qualquer atividade. Ou seja, possuir trabalhabilidade é transbordar o que há de melhor através do exercício laborativo, desprovendo-se de rótulos previamente enlaçados, vez que, aos possuidores de tal virtude, a realização laboriosa fundar-se-á em um incessante descobrir novos (e melhores) caminhos a serem navegados. Dito isso, uma terceira via, assim, estaria atrelada ao investimento em capacitação constante, vez que o sujeito uberizado pode, no futuro, não mais estar na lida plataformizada, mas, se readaptado pelo investimento feito em suas skills, certamente estará mais preparado para novel atividade. Além disso, em se tornando uma preocupação (concreta) da mencionada plataforma - e tantas outras -, entende-se que a sociedade igualmente seria tocada por essa onda de trabalhabilidade, haja vista o clima auspicioso para clientes e mercado. A bem da verdade, falar em terceira via é deveras complexo, ainda mais quando se considera o diploma brasileiro dos trabalhadores e sua concepção nos idos de um cenário industrial em que o emprego era a meta de vida daqueles que iniciavam a sua vida laboral. Contudo, o mundo mudou e isso não pode ser desconsiderado. Urgente, portanto, não apenas reconhecer os direitos oriundos de uma relação empregatícia, como também reconhecer que investir em trabalhabilidade pode se tornar uma terceira via fértil, não apenas aos próprios trabalhadores, mas ao cenário social aos que se vinculam. É claro que não se pode fugir do enfrentamento da presente questão, seja porque há muito se discute tal celeuma jurídico, seja porque os próprios trabalhadores uberizados, ao fim e ao cabo, não sabem sob qual justiça devem, eventualmente, suscitar suas questões. Mas, como dito, existem infinitas outras situações que (também) bordeiam essa peleia, e que não podem ser ignoradas. Seja como for, a sorte está lançada e em breve o cenário jurídico obterá a tão aguardada resposta do vínculo (ou não) desta sui generis relação. Aqui ficam os votos de quem espera que, independentemente do resultado, a trabalhabilidade seja preservada - na sua maior forma de aplicabilidade. Aguardemos. __________ 1 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto Lei n° 3.748/2020. Disponível aqui. Acesso em: 7 ago. 2023. 2 ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023. p. 139.
Contextualização Em um atual contexto de grande luta contra o trabalho infantil no Brasil, sobretudo pelas recorrentes e recentes atuações dos Governo Federal, necessário observar quais são as medidas concretas para o combate no trabalho precoce na infância, além das ações de conscientização na sociedade. Os dados mais recentes da OIT e do UNICEF revelam que, pela primeira vez, em 20 anos, houve uma estagnação na redução do número de crianças em situação de trabalho infantil globalmente. Em 2020, 160 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos eram vítimas de trabalho infantil no mundo (97 milhões de meninos e 63 milhões de meninas). Isto significa que 1 em cada 10 crianças e/ou adolescentes ao redor do mundo se encontrava em situação de trabalho infantil.1 Essa realidade, historicamente, ocorre de forma majoritária em famílias em situação de vulnerabilidade econômica, pois, além da baixa fiscalização, há uma redução nas oportunidades de escolha, o que também influencia no enfraquecimento da escolaridade e qualificação de muitos jovens. A urgente necessidade de um complemento de renda para auxílio no sustento familiar influi na remota expectativa de uma especialização técnica para diversos nichos da sociedade, além do aumento no trabalho precoce. Por outro lado, discute-se cada vez mais a exposição infantil na internet e os chamados "influencers mirins", que não necessariamente vêm de famílias em situação de vulnerabilidade, contudo, tornam-se fontes de renda aos responsáveis legais, com contratos empresariais e responsabilidades publicitárias abaixo da idade mínima estabelecida no país. Para esse tipo de trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) previu a necessidade de autorização judicial, com a ressalva de que o trabalho artístico deve ter cunho educativo e não poderá prejudicar a formação moral da criança e do adolescente. De toda sorte, observa-se que há uma discussão acerca do momento em que há uma atividade profissional, cuja sociedade vem enxergando de forma cada vez mais natural e legítima a inserção de crianças no mercado digital. Medidas concretas O trabalho infantil não é facilmente detectado pelos órgãos responsáveis. Seguindo o art. 227 da Constituição Federal, o dever de assegurar a proteção à criança e ao adolescente pertence à sociedade civil, a qual deve ligar para o Disque 100 - canal que encaminha os casos para a rede de proteção ou acessar a página de denúncias do Ministério Público do Trabalho na internet sempre que tiver ciência de casos relacionados. Frise-se que as ações de conscientização têm ocorrido a partir de diversas parcerias institucionais, o que contribui para o acesso à informação em múltiplas áreas da sociedade, mas ainda não se mostra suficiente. No âmbito da Justiça do Trabalho, durante o decurso do mês junho, a partir de provocação do Ministério Público do Trabalho, houve a promoção de um mutirão de julgamentos de processos que versavam sobre trabalho infantil e aprendizagem profissional. A iniciativa visou impulsionar o tratamento dos temas como prioridade no Judiciário, conforme recomendação da própria Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. A pauta temática fez parte de articulação feita entre a Coordenadoria de Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes, além do Ministério Publico do Trabalho e o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho. Implicações a serem observadas na prática O trabalho infantil encontra um cenário favorável nas famílias de baixa renda em razão da pobreza familiar. Nesse contexto, não há efetividade em proibir o trabalho infantil sem promover medidas de combate à fome e a miserabilidade, além de opções para as crianças e adolescentes se dedicarem durante o dia. Com efeito, uma das propostas do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome é a escola integral para promover um local de desenvolvimento completo, com uma alimentação nutritiva promovida pela instituição, além de proteger as crianças e melhorar as condições de trabalho dos pais e provedores. Para isso, deve-se garantir que as famílias estejam sendo atendidas por, pelo menos um dos aparatos sociais disponíveis. É certo que as crianças e adolescentes ficam expostos a diversas outras violações quando estão passando por situações de necessidade, o que pode ser o meio ensejador para trabalhos escravizados, exploração sexual, trabalho nas ruas e logradouros públicos, trabalhos insalubres, entre tantas outras circunstâncias que abalam a saúde, a segurança e a moral infantil, o que deve ser combatido com prioridade.  Para promover o enfrentamento a tais situações, todas as entidades da sociedade civil e órgãos públicos devem buscar ativamente ações para identificação e resgate de crianças em situação de trabalho proibido. Cabe ressaltar, ainda, que, na prática, os casos não têm sido priorizados como deveriam, tendo diversos exemplos práticos de denúncias que foram postergadas por muitos anos. Em 2010, por exemplo, cerca de 30 estabelecimentos na cidade de Barra do Bugres (MT) foram identificados com situações de flagrante exploração infantil3. Após mais de 10 anos de andamento, o resultado foi alcançado no dia 03 de maio de 2023, com a homologação de um acordo em audiência na 1ª Vara de Tangará da Serra. No caso ora referido, embora o acordo firmado em audiência preveja uma série de obrigações assumidas pelo município de Barra do Bugres, as crianças e adolescentes que foram localizados em flagrante situação de ilegalidade não eram mais o objeto principal da decisão. Ainda assim, entre os compromissos pactuados, os gestores se comprometeram a realizar a capacitação dos conselheiros tutelares e profissionais dos centros de assistência social como CRAS e CREAS. Os cursos deverão alcançar os profissionais da saúde e educação para capacitá-los a identificar e atender crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Veja que a efetividade das medidas de enfrentamento dependerá da regular colaboração de todos os setores envolvidos, para que as crianças e adolescentes envolvidos sejam alcançados em tempo e a tempo de serem resgatadas a uma infância e desenvolvimento educacional saudável. O combate repressivo é imprescindível, mas o preventivo será fundamental para evitar as futuras situações. Cabe prevenir que uma sociedade que não cuida das suas crianças, não conseguirá cuidar de si própria no futuro. As novas formas de trabalho Nos últimos anos, novas formas de trabalho surgiram no Brasil e no mundo, o que traz para os órgãos regulamentadores um enorme desafio a ser debatido e enfrentado no âmbito jurídico. Não por outra razão que as plataformas digitais cresceram exponencialmente como um novo meio de trabalho, sobretudo por meio de redes sociais, plataformas de jogos, músicas, vendas e sites de compartilhamento de vídeos. Neste contexto, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê a necessidade de autorização judicial para os menores de idade, com a ressalva de que o trabalho não possa prejudicar a formação moral da criança e do adolescente. E discussão se inicia em saber qual seria o momento em que deixa de ser um simples compartilhamento na internet e passa a ser um trabalho. Em um consenso, a profissionalização se dá quando existem práticas publicitárias, o que, por si só, já caracteriza um trabalho infantil artístico em que há necessidade de autorização judicial. Ocorre que, para algumas instituições, assim que há exposição da criança com regularidade em sua vida cotidiana, ainda que com publicidades indiretas, já seria necessário requerer as providências judiciais cabíveis3. A título de exemplo, em dezembro de 2018, o Ministério Público de São Paulo moveu uma ação civil pública contra a empresa Google, a qual culminou na assinatura de um acordo da instituição prevendo, entre outras medidas, a produção de materiais sobre educação digital preventiva, o que não existia ainda em nenhum outro lugar no mundo4. A educação digital preventiva é, por certo, um excelente resultado. Contudo, tratando-se de crianças em exposição, não seria demais destacar a necessidade de um controle preliminar das plataformas aos conteúdos de riscos da internet. Hoje, aliás, o art. 29 do Marco Civil da Internet (lei 12.965/2014) prevê a fiscalização dos conteúdos acessados apenas aos pais e responsáveis. Sendo a internet instrumento de trabalho dos menores, existem algumas discussões a serem debatidas, tais como jornada de trabalho, monetização, comprovação do uso do dinheiro a favor da criança, exposição dos menores a conteúdos gerados para adultos e o regular desenvolvimento escolar.  Além de tais questões, deve-se considerar, ainda, o direito à intimidade e à privacidade do menor e de seus dados pessoais, o que, no ambiente digital, engloba a própria identidade digital das crianças.  A única regulamentação sobre o assunto está no art. 14, caput, e §1º da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD (lei 13.709/18), que preveem que o tratamento de dados infantis deve ser realizado no melhor interesse da criança e com o consentimento específico de, pelo menos, um dos responsáveis legais.  Atualmente, a regulamentação sobre o trabalho infantil na internet é um tema polêmico internacionalmente, tanto que a França foi o único país a estabelecer regras claras e expressas (Lei 2020-1266) até o presente momento5. Pela nova lei francesa, por exemplo, algumas plataformas passaram a ter formas autorizadas de trabalho infantil, além de terem sido instituídas novas regras acerca do destino da renda das publicações, que deverão ser depositadas em contas exclusivas para acesso do próprio menor após a maioridade legal, além do estabelecimento de horários para que não sejam afetados os estudos e desenvolvimento saudável da criança. Em relação à preservação da imagem, a norma estrangeira estabeleceu que a criança poderá pedir a completa exclusão do conteúdo das plataformas, o que, para alguns opositores, é uma medida completamente utópica, conquanto abra espaço para uma discussão acerca do direito à não manutenção da sua imagem vinculada a compartilhamentos feitos em período anterior ao completo desenvolvimento e maturidade cognitiva. Por fim, a lei francesa também instituiu normas para combate à exploração ilegal da imagem dos menores. Conclusão Evidente a necessidade de enfrentamento do trabalho infantil por todos os setores da sociedade civil. O trabalho precoce apresenta sequelas no desenvolvimento psicológico e educacional das crianças de modo que suas consequências se apresentam no remoto proveito no desenvolvimento técnico profissional, além dos impactos traumáticos e sociais. O ambiente educacional foi instituído não apenas para o desenvolvimento profissional do indivíduo, possuindo uma grande influência sobre a evolução técnica e emocional da criança e do adolescente. Uma das justificativas para a factível existência de diversos focos de trabalho infantil no país é a complementação da renda doméstica, o que abre o debate para a implementação efetiva das medidas de combate à fome e a miserabilidade, além de opções para as crianças e adolescentes permanecerem durante o dia com atividades legítimas e alimentação escolar. De mais a mais, o Brasil e o mundo vêm passando por profundas mudanças nas formas de trabalho, o que também deve ser acompanhado pelas leis vigentes de proteção à infância. Em observação ao que já está ocorrendo na Europa, é o momento de iniciar o debate sobre a jornada de trabalho infantil na internet, monetização e o desenvolvimento saudável dos profissionais mirins nas plataformas digitais. Em arremate, caberá aos órgãos judiciais e regulamentadores, para além de toda a sociedade civil, a priorização do tema para que as crianças e adolescentes envolvidos sejam alcançados a tempo de manter ou recuperar um desenvolvimento educacional e emocional saudável. Não há como a coletividade estar protegida no futuro se as crianças estiverem desprotegidas agora. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Um exemplo de instituição que propaga que o trabalho infantil profissional na internet começa com a regularidade nos compartilhamentos 4 Disponível aqui. 5 França. Lei 2020-1266. 2020. Disponível aqui. 
A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deliberou, em recente decisão1, por manter a improcedência do pedido de horas extras de uma empregada doméstica que não comprovou a jornada alegada na reclamação trabalhista e que requeria ao empregador fossem apresentadas as folhas de ponto. O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-DF/TO) confirmou a sentença que julgou improcedente a pretensão, uma vez que a trabalhadora não havia comprovado o cumprimento da jornada alegada. O relator, Ministro Alexandre Luiz Ramos, entendeu que, segundo a Lei Complementar (LC) 150/2015, que regulamentou o direito dos empregados domésticos às horas extras, é obrigatório o registro do horário de trabalho. Contudo, a seu ver, a norma não deve ser interpretada de forma isolada. Ele considera que a citada legislação foi um grande avanço para os domésticos que, historicamente, não tinham garantidos os seus direitos fundamentais em comparação às demais categorias profissionais. Ocorre que a CLT, ao tratar da jornada de trabalho (art. 74, § 2º), exige a anotação da hora de entrada e de saída apenas para estabelecimentos com mais de 20 empregados. Nessa circunstância, o entendimento do relator foi de que "aplicar a presunção relativa pela simples ausência dos controles de frequência contraria os princípios da boa fé, da verossimilhança e da primazia da realidade". Assim, a decisão colegiada foi unânime em manter a improcedência do pedido de horas extras perquirido pela empregada doméstica. Por outro lado, LC 150/15 estabelece que é obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que seja reputado idôneo. Isso é fundamental, afinal, em sua maioria, é sabido que os trabalhadores domésticos atuam sozinhos, sem nenhuma outra pessoa para testemunhar sua jornada de trabalho. E acerca da temática do trabalho doméstico, são os ensinamentos do Mauricio Godinho Delgado e a Gabriela Neves Delgado: "[...] a Lei Complementar n. 150, publicada em 02 de junho de 2015, tornou obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico, por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. O objetivo da lei é que haja um registro do controle, por qualquer meio idôneo, para aferição do cumprimento da jornada de trabalho. O ideal é que esse registro seja feito pelo próprio empregado, de maneira a atestar o cumprimento da jornada real de trabalho e a existência das horas extras, caso ocorram. Nessa medida, considera-se idôneo, em princípio, o controle, pelo próprio empregado, dos horários de trabalho realizados, com a referência escrita às horas extras indicadas. Naturalmente que caberia ao empregador vistoriar esses controles, verificando se, de fato, estão sendo corretamente lançados pelo trabalhador Naturalmente que não se desconhece que se trata de uma profunda mudança de paradigma - para um padrão mais civilizatório - nas relações de trabalho domésticas, exigindo, da comunidade jurídica, sensatez e ponderação no exame das situações concretas.2 No caso específico do artigo 12 da LC 150/2015, que estabelece a obrigatoriedade do registro do horário de trabalho do empregado doméstico, o objetivo é garantir que esses trabalhadores tenham seus direitos trabalhistas respeitados, bem como evitar a exploração e o próprio trabalho escravo. Neste contexto, no artigo intitulado "A prova da jornada do trabalhador doméstico à luz da EC 72/13"3, de autoria do Juiz do Trabalho, Mauro Schiavi, discute-se a questão em torno da prova da jornada de trabalho dos empregados domésticos à luz das alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 72/13. Segundo referido autor, a prova da jornada de trabalho é essencial para garantir os direitos trabalhistas dos empregados, especialmente no caso dos domésticos, que muitas vezes prestam serviços em condições informais e sem a devida documentação. Com a EC 72/13, que equiparou os direitos trabalhistas dos empregados domésticos aos demais trabalhadores, tornou-se ainda mais importante a comprovação da jornada de trabalho. O ilustre professor destaca que, em geral, o empregador doméstico tem melhores condições de produzir a prova em juízo, como, por exemplo, documentando a jornada por meio da instituição de um livro de ponto. Nesse sentido, o artigo 74 da CLT torna obrigatória a instituição do livro de ponto para os empregadores domésticos que tenham mais de 20 empregados. No entanto, há duas possibilidades para a prova da jornada de trabalho. A primeira é aplicar as regras estáticas de distribuição do ônus da prova previstas nos artigos 818 da CLT e 373 do CPC. A segunda é utilizar a teoria da inversão do ônus da prova, ou, ainda, a teoria do encargo dinâmico, cuja prova caberia ao empregador. Uma outra forma que se apresenta possível ao empregado doméstico para se resguardar e obter futuramente a prova de sua jornada é a utilização de geolocalização. Em recente artigo publicado na Revista Consultor Jurídico (ConJur), o advogado André Simoni e Gusmão, que é especialista em "compliance", segurança da informação e proteção de dados, esclareceu: Se por um lado o empregador tem uma possibilidade muito mais ampla para a produção de provas, sem a necessidade de interferir na privacidade dos empregados; por outro, ao empregado cabe apenas uma possibilidade reduzida, podendo abrir mão de sua intimidade e ceder os dados de geolocalização4. Ora, fato é que o trabalhador teria, em tese, que abrir mão de sua privacidade para expor nos autos a comprovação da jornada extra de trabalho. Em arremate, a prova da jornada de trabalho é um tema fundamental para garantir os direitos dos empregados domésticos, ao passo que o empregador tem o dever de adotar medidas para documentar a jornada de trabalho de seus empregados, sob pena de sofrer sanções trabalhistas. __________ 1 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Processo Ag-AIRR-1196-93.2017.5.10.0102, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/02/2023. 2 O novo manual do trabalho doméstico. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 114. 3 Disponível aqui. Acesso em 4 julho 2023. 4 Direito do trabalho, geolocalização e privacidade. Acesso em acesso em 4 de julho 2023. 
Introdução O adicional de periculosidade é um direito garantido aos assalariados que realizam trabalhos considerados perigosos conforme exigido pela legislação trabalhista brasileira. Este artigo visa elucidar os principais aspectos relacionados ao adicional de periculosidade abordando a Consolidação das leis do Trabalho (CLT), a Constituição Federal (CF), os autores do trabalho e as jurisprudências pertinentes.  1. Conceito e Fundamentação Legal O adicional de periculosidade é um valor pago aos trabalhadores que exercem atividades consideradas perigosas como forma de compensação pelos riscos inerentes ao trabalho1. A base legal do adicional de periculosidade encontra-se na CLT em seu artigo 193 e na Constituição Federal no inciso XXIII do artigo 7º. Segundo Mauricio Godinho Delgado em sua obra "Curso de Direito do Trabalho", o adicional de periculosidade é uma parcela da remuneração devida ao empregado que trabalha em condições perigosas a fim de compensar o risco a que está exposto.  2. Atividades Consideradas Perigosas A CLT, em seu artigo 193, estabelece que são consideradas atividades ou operações perigosas aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a (i) inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (ii) roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. Já os empregados que atuam em postos de gasolina na bomba de combustível passaram a receber adicional de periculosidade previstos na súmula 212 do Supremo Tribunal Federal (STF) e na Súmula nº 39 do Tribunal Superior do Trabalho (TST):  Súmula 212 do STF. Trabalhista. Adicional de periculosidade. Empregado de posto de revenda de combustível. CLT, art. 193. lei 2.573, de 15/08/55, art. 2º.  Súmula nº 39 do TST. PERICULOSIDADE. Os empregados que operam em bomba de gasolina têm direito ao adicional de periculosidade (lei 2.573, de 15.08.1955).  Além disso, a Norma Regulamentadora nº 16 (NR-16) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) detalha as atividades e operações consideradas perigosas, bem como outros perigos relevantes. Destaque-se que uma Norma Regulatória é uma carta de conduta para as empresas cumprirem as disposições da lei. E, ao final, caso o trabalhador não esteja elencado em nenhum dos tipos previstos na legislação, cabe a ele provar via processo judicial que faz jus ao adicional através de perícia técnica.  3. Valor do Adicional de Periculosidade O adicional de periculosidade corresponde a 30% do salário-base do trabalhador, excluídos os complementos decorrentes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa, conforme disposto no art. 193, §1º, da CLT. O percentual de 30% foi definido pela lei 12.740/2012.  4. Cumulação com Adicional de Insalubridade A CLT prevê no §2º de seu artigo 193 que o empregado poderá optar pelo complemento de insalubridade que lhe for devido, caso seja mais vantajoso. De mais a mais, após anos de discussões se poderia ou não haver a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, foi editada a Súmula nº 364 do TST vetando a cumulação, devendo o trabalhador optar por um deles, sendo assim o mais benéfico.  5. Jurisprudência Trabalhista A jurisprudência trabalhista tem sido bastante atenta à aplicação do prêmio de risco. Um exemplo é o item I da Súmula nº 364 do TST que dispõe que o tempo de exposição ao risco é irrelevante para a caracterização do direito ao adicional de periculosidade, salvo quando contato ocorrer de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido:  RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TROCA DE CILINDRO GLP. ABASTECIMENTO DIÁRIO DE EMPILHADEIRA. RISCO ACENTUADO. TEMPO DE EXPOSIÇÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso em tela, o debate acerca do tempo de exposição para configurar perigo a ensejar o adicional de periculosidade detém transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. Transcendência política reconhecida. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TROCA DE CILINDRO GLP. ABASTECIMENTO DE EMPILHADEIRA DE UMA A DUAS VEZES POR SEMANA COM DURAÇÃO DE ATÉ 10 MINUTOS. RISCO ACENTUADO. TEMPO DE EXPOSIÇÃO. REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. Esta Corte Superior possui o entendimento de que tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, se sujeita a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato ocorre de forma eventual, assim considerado o fortuito ou o que, sendo habitual, é por tempo extremamente reduzido. Assim, o contato intermitente do reclamante com o agente danoso (gás GLP), que ocorre diariamente por até 20 minutos não pode ser considerado eventual. Tem direito ao pagamento do adicional em questão. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR - 10795-60.2018.5.15.0109. Órgão Judicante: 6ª Turma. Relator: Augusto Cesar Leite de Carvalho. Julgamento: 26/04/2023. Publicação: 28/04/2023).  RECURSO DE REVISTA. LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017 . ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TROCA DE CILINDRO DE GÁS GLP. SÚMULA 364, I, DO TST. ADICIONAL DEVIDO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior, nos termos da Súmula 364, I, do TST, firmou-se no sentido de ser devido o adicional de periculosidade em caso de exposição permanente ou intermitente ao risco, apenas sendo indevida a parcela quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. 2. Nesse sentido, a verificação do tempo de exposição deve levar em conta as circunstâncias do caso concreto, de modo que pode haver direito ao adicional de periculosidade, ainda que a exposição ocorra de maneira eventual. Precedentes. 3. Na hipótese, o Tribunal Regional consignou que o reclamante operava máquina empilhadeira e fazia troca de cilindro de 2 a 3 vezes na semana, razão pela qual manteve a decisão de primeiro grau que indeferiu o pagamento do adicional de periculosidade. 4. Assim, considerando que, no caso em exame, a exposição ao risco não deve ser considerada eventual, conforme jurisprudência pacífica desta Corte, evidenciada a contrariedade à Súmula 364, I, do TST, por má-aplicação (Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Processo: Ag-ARR - 1756-97.2013.5.09.0653. Órgão Judicante: 7ª Turma. Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte. Julgamento: 19/04/2023. Publicação: 28/04/2023).  Conclusão O subsídio de periculosidade é um direito garantido aos trabalhadores que exerçam atividades consideradas perigosas, de forma a compensar os riscos inerentes a esta função. A legislação trabalhista brasileira, por meio da CLT e da Constituição Federal, estabelece os critérios para concessão desse adicional, bem como seu valor e a possibilidade de cumulação com o adicional de insalubridade. A jurisprudência trabalhista, por sua vez, tem contribuído para consolidar e aprimorar o entendimento da matéria.  Referências: BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível aqui. Acesso em: 01 maio 2023. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível aqui. Acesso em: 01 maio 2023. BRASIL. Lei nº 12.740, de 8 de dezembro de 2012. Altera o art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de redefinir os critérios para caracterização das atividades ou operações perigosas, e revoga a Lei nº 7.369, de 20 de setembro de 1985. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12740.htm. Acesso em: 01 maio 2023. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora nº 16 (NR-16) - Atividades e Operações Perigosas.Disponivel aqui. Acesso em 01 maio 2023. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed. São Paulo: LTr, 2018. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 11ª ed. São Paulo Saraiva Educação, 2019. __________ 1 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. Editora Saraiva Jur, 11ª edição. 2019, p. 739.
Conforme os dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, em 2022 o Brasil registrou 612,9 mil acidentes de trabalho e 2,5 mil óbitos. Apenas no Rio Grande do Sul foram 50,5 mil, o que coloca o Estado em terceiro lugar no ranking nacional de ocorrências. Em relação ao número de mortes, o sistema registrou 139 óbitos no ano passado. Em vista disso, as empresas têm um papel vital a desempenhar na realização e na promoção da saúde e do bem-estar em suas comunidades, que vai muito além do fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual e instituição de CIPA, a qual, diga-se, sofreu recente alteração com a instituição do Programa Emprega + Mulheres, por exemplo. Isso porque a ocorrência de acidentes de trabalho na empresa significa que houve falha no processo de avaliação, controle e/ou monitoramento dos perigos ou fatores de riscos ocupacionais. Em diversas situações, o acidente de trabalho poderia ser evitado com o cumprimento dos requisitos legais ou Normas Regulamentadoras (NR's). Em vista disso, para evitar acidentes e promover ambientes de trabalho mais seguros, cada vez mais as empresas vêm instituindo a cultura de compliance da Segurança e Saúde do Trabalho. A implementação de um processo de compliance da Segurança e Saúde do Trabalho possibilita a auditoria, a supervisão e a transparência da gestão de riscos ocupacionais. Além disso, a instituição de diretrizes de conformidade possibilita o monitoramento das medidas de controle interno dos graus de exposição aos riscos e a verificação da conformidade dos fatores estimulados nas NRs e demais normas coletivas e legislação vigente. Considerando que entre os pilares do compliance está a prevenção, em que a empresa precisa atuar com a finalidade de reduzir as chances de erros, uma prática que costuma ser utilizada para iniciar uma cultura de compliance é por meio de auditorias, visando identificar os agentes de risco e propor melhorias das condições de higiene, saúde e segurança ocupacional dos colaboradores no ambiente de trabalho. Por meio de práticas de compliance existe, ainda, a possibilidade de intensificar treinamentos, fortalecer a comunicação, definir controles, estipular e aplicar políticas, além da elaboração de um código de conduta comportamental, documento que define os parâmetros de condutas impostos ela organização, assim como os comportamentos considerados como intoleráveis e as penalidades aplicáveis, no caso de descumprimento da política interna da empresa. Em suma, a cultura de compliance é estabelecida pela capacidade de a empresa atender às normas e legislações que envolvem o processo de gestão da segurança e saúde do trabalho. Isso ocorre pelo fato de que a criação de um ambiente laboral mais saudável, seguro e com condições dignas, requer o esforço de todos os níveis hierárquicos, desde direção até os colaboradores, além de investimento das práticas de Segurança e Saúde do Trabalho e o conhecimento dos aspectos legais. Sendo assim, o compliance da Segurança e Saúde do Trabalho precisa levar em conta a investigação dos acidentes de trabalho, a inserção de programas de auditoria e o acompanhamento dos índices de riscos ocupacionais e acidentes. Tais práticas podem reduzir o número de acidentes e doenças ocupacionais, além de minimizar impactos nos custos no negócio, já que provocam efeitos a longo prazo, de maneira contínua. Cabe salientar que a prevenção dos acidentes de trabalho e a promoção de um ambiente mais saudável estão inseridos nos indicadores sociais. Esse é mais um motivo para visualizar a área como estratégica para o negócio, pois além dos impactos financeiros, problemas com órgãos federais e fiscalizadores, os acidentes de trabalho causam danos irreversíveis a imagem da empresa. Por outro lado, uma performance excepcional nos índices relacionados à Segurança e Saúde do Trabalho fornece uma vantagem competitiva para o negócio e é visto como critério de seleção para clientes em diversos segmentos. Portanto, é cada vez mais importante enxergar o compliance de maneira estratégica e integrada com todas as áreas do negócio, sendo capaz não apenas de reduzir perdas financeiras, como também valorizar o aspecto humano das empresas e, sobretudo, promover a cultura da prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao ambiente do trabalho. 
Não são raras as decisões conflitantes proferidas pelo Tribunais Trabalhistas quanto ao tema do dever (ou não) de a empresa pagar o adicional de transferência para o empregado que é contratado em uma localidade e passa a ser alojado em outra, por força do contrato de trabalho. No título IV da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que versa especificamente sobre o contrato individual do trabalho, foi inserido o capítulo III que trata sobre as alterações contratuais. Via de regra, nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento, e, ainda, assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade. Esta é a redação do art. 468 da norma celetista, servindo como regra regente dos contratos de trabalho. Sabe-se que rotineiramente as regras preestabelecidas e pactuadas no momento da contratação podem sofrer modificações, seja quanto à função desempenhada pelo empregado, seja quanto ao valor salarial e, ainda, seja quanto ao local da prestação de serviços. Assim, os contratos de trabalho são mutáveis, desde que as regras acima citadas sejam obedecidas. Quando a mudança contratual se restringe à localidade, devemos nos pautar nas regras do art. 469 da CLT. Segundo a sua dicção, temos que: (i) há necessidade de anuência do empregado para transferência de local; e (ii) transferência, para efeitos legais, significa mudança de domicílio e de localidade (pode-se entender como cidade, desde que implique mudança de domicílio). O requisito da anuência somente é relevado quando tratamos de empregados que exercerem cargos de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, a transferência, com real necessidade de serviço (§1º do art. 469 da CLT). Outra hipótese de licitude da transferência unilateral proposta pelo empregador é quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado, independente do motivo (§2º do art. 469 da CLT). Deve-se acrescentar ainda a lição da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 113 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a qual confere legitimidade para que o exercente de cargo de confiança e o empregado contratado mediante cláusula que preveja a transferência também sejam contemplados com o adicional de transferência, caso a mudança venha a ocorrer. Mas é o trecho final desta OJ que traz o requisito divisor de águas para a matéria em questão, sendo a provisoriedade da transferência fator crucial para que o adicional de transferência seja pago ou não ao empregado. Basicamente, a transferência definitiva de um empregado, de uma cidade para outra, não enseja o pagamento do adicional de transferência, eis que este adicional é finito, embora não haja um prazo pré-determinado, mas irá compor a folha salarial do emprego no percentual de 25% (do seu salário base e demais parcelas salariais), enquanto durar a situação de transferência. Portanto, para que seja devido o adicional de transferência, segundo as lições legais e da jurisprudência, devemos observar quatro requisitos, quais sejam: (i) consentimento do empregado (salvo exceções do §1º do art. 469 da CLT); (ii) efetiva mudança de domicílio; (iii) localidade diversa; e (iv) provisoriedade da transferência. Feitos tais esclarecimentos, podemos indagar se o empregado que, atendendo todos os requisitos listados acima, permanecer em alojamento fornecido ou custeado pelo empregador em outra cidade, terá ou não direito ao adicional de transferência (?). O conflito de entendimentos não é raro, pelo contrário, torna-se explícito em julgamentos noticiados pelo TST, ad exemplum: "ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. DEVIDO. ALOJAMENTO CEDIDO E MANTIDO PELA EMPREGADORA. MUDANÇA DE DOMICÍLIO. Conforme o teor do artigo 469, caput e § 3º, da CLT, o adicional de transferência é devido nas situações em que ocorra a mudança provisória de localidade e domicílio do empregado. O entendimento desta Corte superior, consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 113 da SbDI-1, firma-se no sentido de que a provisoriedade da transferência é o pressuposto legal apto a legitimar a percepção da referida verba. O fato de o empregado ter ficado em alojamento fornecido e custeado pela empresa não descaracteriza a mudança de domicílio para efeito de pagamento de adicional de transferência correspondente (precedentes). Recurso de revista conhecido e provido." (ARR - 10345-05.2016.5.03.0180. Data de Julgamento: 07/02/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/02/2018). (...) "RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. ALOJAMENTO CEDIDO E MANTIDO PELA EMPREGADORA. MUDANÇA DE DOMICÍLIO. No julgamento do Recurso Ordinário, o Tribunal Regional do Trabalho esclareceu que, 'o reclamante permaneceu em alojamento fornecido e custeado pela empresa, ou seja, não teve residência fixa em quaisquer cidades em que prestou serviços para a reclamada'. Esta Turma, acolhendo voto-vista divergente daquele proferido pelo relator, assentou que: 'a permanência do empregado em alojamento leva à presunção de que não houve alteração da residência, com ânimo de mudar. Acresça-se que não há nenhum registro no acórdão regional que evidencie a efetiva mudança de domicílio, elemento necessário ao acolhimento da pretensão relativa ao adicional de transferência provisória'. Recurso de Revista de que se conhece por divergência jurisprudencial, e, no mérito, se nega provimento. Ressalvado o entendimento pessoal do relator." (RR - 11011-20.2018.5.03.0185. Data de Julgamento: 04/12/2020, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/12/2020). A análise do tema anseia por um posicionamento firme da Subseção I da Seção de Dissídios Individuais (SBDI-1) do TST para que tais divergências não mais prejudiquem a segurança jurídica dos jurisdicionados. Mesmo assim, a discussão não foge dos conceitos básicos do Direito Civil que definem a terminologia de domicílio e residência. Com efeito, o domicílio é definido como a sede jurídica da pessoa, aonde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos. Já a residência é o local onde a pessoa mora. A residência exige o intuito de permanência (DINIZ, 2012, p. 246). Na legislação, o art. 70 do Código Civil (CC) define o domicílio como o lugar onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Ocasionalmente, se a pessoa possuir dois ou mais locais de residência onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio qualquer delas (art. 71, do CC). Lembre-se que o caput do art. 469 da CLT utiliza o termo "domicílio" para dar azo ao adicional de transferência. E, nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) já entendeu como domicílio, por equiparação, os quartos de hotéis ou habitação coletiva, como destaca-se no precedente abaixo:  Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de 'casa' revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. (...) Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ('invito domino'), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. (...). (BRASIL, STF, 2007).  Este julgamento retratou a conceituação de domicílio para fins da garantia da inviolabilidade (art. 5º, XI, da CF), sendo que a Corte Maior fez uma interpretação ampliativa do termo "domicílio", podendo ser entendido como qualquer compartimento habitado pela pessoa. O conceito em tela comporta as moradias de todo gênero, incluindo as alugadas ou mesmo as sublocadas, independentemente de quem custeia tais moradias. Portanto, abrange as moradias provisórias, tais como quartos de hotel ou moradias móveis como o trailer ou o barco, a barraca e outros do gênero que sirvam de moradia. Determinante é o reconhecível propósito do possuidor de residir no local, estabelecendo-o como abrigo ("asilo") espacial de sua esfera privada (MARTINS, CANOTILHO, [et al.], 2018, p. 305). Sendo assim, é possível concluir que os quartos de hotéis ou meros alojamento, mesmo que cedidos ou custeados pelo empregador, se amoldam com o conceito amplo de domicílio para os efeitos legais, incidindo perfeitamente na hipótese do art. 469 da CLT. Destarte, a posição jurisprudencial que admite o mero alojamento cedido/fornecido pelo empregador, como domicílio, nos parece a mais correta, tendo em vista que o empregado alterou, provisoriamente, seu domicílio e, com isso, sua rotina profissional, familiar e pessoal. A própria rotina de habitar um alojamento se assemelha com o conceito de provisoriedade, pois sensato considerar que o empregado submetido a esta situação não terá intenção de morar permanentemente em um alojamento. Certamente cada caso in concreto deverá ser avaliado, objetivando a colheita de todos os requisitos legais para a percepção ou não do adicional.  De qualquer maneira, não seria correto "presumir" que a mera permanência do empregado em alojamento fornecido pelo empregador descaracterizaria o adicional de transferência pelo fato de existir ou não o ânimo de mudar, mesmo que o empregado tenha habitado diversos alojamento distintos neste processo. Em sentido categórico, desde que não haja animus manendi, efetivamente comprovado, é possível sim sustentar que será devido o adicional de transferência, mesmo que o empregado habite alojamentos em outra(s) localidade(s), especialmente por estes locais serem, juridicamente, sinônimos de domicílio, independente de quem venha a custear o recinto. Bibliografia  BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.  RHC 90.376/RJ. 2ª Turma. Relator Celso de Mello, julgamento em 03/04/2007. Publicação no DJ de 18/05/07. Disponível aqui. Acesso em 03 fev. 2023. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria geral do direito civil. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.  MARTINS, Leonardo. CANOTILHO, J. J. Gomes (coord.). [et al.]. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
A síndrome de burnout é um distúrbio psicológico relacionado ao trabalho que afeta milhares pessoas em todo o mundo. É caracterizada por uma sensação de exaustão emocional, despersonalização e redução do desempenho no trabalho. O burnout afeta indivíduos em diferentes profissões e pode ter um impacto significativo na saúde física e mental. Com efeito, a exaustão emocional é um dos principais sintomas da síndrome de burnout. As pessoas com burnout geralmente se sentem cansadas e sem energia, mesmo após um longo período de descanso. Eles podem sentir que não têm mais recursos emocionais para lidar com as demandas do trabalho e da vida pessoal. É importante destacar que a síndrome de burnout afeta profissionais das mais distintas áreas e atividades, especialmente as pessoas que lidam com altos níveis de estresse e pressão no ambiente de trabalho - médicos, enfermeiros, professores, advogados, dentre outros profissionais. A prevenção da síndrome de burnout é fundamental para garantir a saúde e o bem-estar dos trabalhadores. Para tanto, é necessário criar ambientes de trabalho saudáveis e equilibrados, oferecendo apoio psicológico e emocional para os profissionais. A promoção do bem-estar emocional dos trabalhadores e a conscientização sobre a importância do autocuidado, além da busca de ajuda especializada em caso de sintomas de burnout, tudo, enfim, constituem medidas importantes para a prevenção da referida doença. E os empregadores têm um papel fundamental na prevenção da síndrome de burnout. Eles devem oferecer um ambiente de trabalho equilibrado, com horários razoáveis, pausas regulares e programas de bem-estar para os funcionários. Além disso, devem estar atentos a sinais de estresse em seus colaboradores, oferecendo suporte sempre que necessário para que tais funcionários possam recuperar sua saúde emocional e mental. A despersonalização é outro sintoma comum da síndrome de burnout. Isso significa que a pessoa pode se sentir distante dos outros, como se estivesse desconectada emocionalmente. O tratamento para com as pessoas com quem trabalha de maneira impessoal é um sintoma de alerta, o que pode levar, ao final, a problemas de relacionamento e colaboração. A redução do desempenho no trabalho é o terceiro sintoma da síndrome de burnout. As pessoas com burnout podem começar a ter problemas para realizar as tarefas que costumavam fazer facilmente. Elas podem ter dificuldade em se concentrar e em manter a motivação para trabalhar. Reitere-se que a síndrome de burnout pode afetar qualquer pessoa que esteja exposta a situações de estresse prolongado no trabalho. Isso inclui, como dito, profissionais de saúde, professores, assistentes sociais, policiais, advogados, jornalistas e muitos outros. É fundamental notar que o burnout não é o mesmo que o estresse no trabalho, pois esse é uma reação normal a situações difíceis, ao passo que aquele é uma resposta mais extrema e prolongada no tempo. Diante desse cenário, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou, em 1º de janeiro de 2022, a síndrome de burnout como uma doença ocupacional, de sorte que os trabalhadores diagnosticados passam a ter as mesmas garantias trabalhistas e previdenciárias previstas para as demais doenças do trabalho. Aliás, uma recente decisão judicial relacionada à síndrome de burnout ocorreu no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT/RS). O processo foi movido por um profissional do setor turístico que alegou ter desenvolvido a síndrome de burnout devido ao excesso de trabalho. No caso, o TRT/RS - 4ª região decidiu a favor do autor. Segundo o voto do relator, Desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, "comprovados o ato ilícito e o nexo causal, o dano moral é presumido em razão da doença do trabalho adquirida no curso do contrato. A dor interna experimentada pelo empregado ao ser acometido por doença decorrente do trabalho, com tratamentos médicos e comprometimento físico, afetam seu lado psicológico, dando suporte fático e legal para o reconhecimento do direito à indenização por danos morais". Essa decisão judicial destaca a relevância prática de as empresas e organizações fornecerem um ambiente de trabalho seguro e saudável, reafirmando a necessidade de se reconhecer a síndrome de burnout como uma doença ocupacional que pode ter consequências sérias para a saúde física e mental dos trabalhadores. Lembrando que há várias maneiras de prevenir e tratar a síndrome de burnout. Uma das principais, a propósito, é garantir que a carga de trabalho seja gerenciável e que haja tempo suficiente para descansar e se recuperar. Também é importante garantir um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, de sorte que o trabalho não se torne uma fonte de estresse constante. Outra abordagem é a terapia cognitivo-comportamental (TCC). A TCC pode ajudar as pessoas com burnout a identificar padrões de pensamento negativos e a desenvolver estratégias para lidar com o estresse e as emoções negativas. Além disso, as organizações também podem ajudar a prevenir o burnout criando um ambiente de trabalho positivo e apoiando a saúde mental dos funcionários. Isso pode incluir a oferta de programas de bem-estar, treinamento em gestão do estresse e flexibilidade no trabalho. Em resumo, a síndrome de burnout é um distúrbio psicológico relacionado ao trabalho que pode ter um impacto significativo na saúde física e mental. É de sua importância reconhecer os sintomas do burnout a fim de tomar medidas para prevenir e tratar a doença. Isso inclui, por certo, gerenciar a carga de trabalho, garantir um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, considerar a terapia cognitivo-comportamental, além de criar um ambiente de trabalho positivo e de apoio.
sexta-feira, 14 de abril de 2023

Um direito democrático do trabalho

Com o fim do Governo Bolsonaro e o início de mais um Governo Lula, novas expectativas foram criadas em várias áreas da sociedade, dentre elas a trabalhista. O que esperar em termos de transformação da realidade jurídica do trabalhador brasileiro? E, mais que isso, o que esperar de quem a transformará? A comunidade jurídica já reconheceu há muito tempo que a tendência do Direito do Trabalho tem sido a de flexibilizar e de desregulamentar várias regras. A Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017) e as Medidas Provisórias como alternativas emergenciais contra a COVID-19, todas, sem exceção, se basearam numa "autonomia" do trabalhador utilizada como valor para as inovações legislativas mais recentes. Além disso, se observa um fraco debate público em torno das transformações legais que são promovidas, tudo a resultar na clara pergunta em saber qual o efetivo interesse dessa tal "autonomia"? Avaliando as ações e omissões do Governo Bolsonaro, o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental 2022 informou que houve subordinação à agenda ultraliberal, flexibilização, desmonte do combate contra as organizações, além de restrições às negociações tripartite ao diálogo social. A inspeção do trabalho também não foi poupada, pois, segundo o relatório, houve perda de autonomia normativa, técnica, financeira e de gestão nos últimos quatro anos. Nesse quadro, há um nítido objetivo no novo Governo Lula de garantir um maior cumprimento com as regulações do trabalho no Brasil. Com isso, têm surgidas manifestações de certos setores da sociedade com o intuito gerar um debate em torno daquilo pode ser feito. Diferentemente das reformas protagonizadas por Temer e Bolsonaro, o debate público com a sociedade, nesta oportunidade, parece ser uma etapa que merece ser desenvolvida. É de se esperar que hajam manifestações dos mais variados espaços sociais na tentativa de discutir ideias e de descortinar situações trabalhistas que se encontram carentes de alguma regulação e reorientação jurídica. Um primeiro movimento que se percebe é o protagonizado pela Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativo (ANEA), recém-criada em dezembro de 2022, mas com uma pauta já mobilizada desde 2019. Ao tempo em que requerem maior inclusão no espaço de diálogo, realizam algumas propostas na tentativa de sugerir um modelo de regulação, conforme sua "Carta da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativo (ANEA) sobre Regulação das Plataformas Digitais". Contra o sofisma de que tais entregadores seriam verdadeiros autônomos e empreendedores de si mesmos, partem de um pressuposto básico sobre a própria realidade de trabalho: À semelhança de muitas formas de trabalho que foram transformadas e precarizadas nas últimas décadas, somos formalmente considerados autônomos ou empreendedores pelas plataformas, mas, na prática, sofremos controle, avaliação e competição por tarefas. Nossa liberdade é limitada ao poder escolher quando nos conectar ao aplicativo, e essa liberdade termina ali, quando somos guiados pelo algoritmo e temos que assumir todos os riscos do trabalho. Um verdadeiro trabalhador autônomo tem liberdade para definir o preço de seus serviços, escolher a organização de seu trabalho e como prestá-lo, sempre tendo a opção de recusar serviços sem sofrer penalidades. Pela nossa experiência cotidiana no trabalho, constatamos que a autonomia é aparente e não existe, pois há mera flexibilidade de horários. Por isso, proposta de inovação legislativa possui os seguintes 12 pontos: Formalização da relação de trabalho; Acesso à Previdência Social; Garantias de remuneração; Definição da jornada de trabalho e descanso semanal; Responsabilidade por custos e equipamentos; Seguro de acidentes de trabalho; Auxílio-doença e auxílio-acidente; Garantias contra desligamento abusivo; Condições de trabalho e serviço de apoio; Liberdade de associação e sindical; Direito à informação e transparência do algoritmo; e Registro profissional e Carteira de Habilitação. Além da ANEA, o Grupo de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Direito da USP "Núcleo Trabalho Além do Direito do Trabalho" (NTADT) também se manifestou como mais um ator social com interesse em contribuir para o aprimoramento legislativo do Direito do Trabalho. Nesse sentido, elaboraram algumas propostas pontuais, as quais seguem os seguintes propósitos: Priorizar alternativas legislativas propositivas, para contextos socioeconômicos que seguem carecendo de regulação jurídico-legal no campo trabalhista (ou cuja regulação atual é insuficiente ou inefetiva), sem prejuízo das propostas supressivas, relacionadas às inconstitucionalidades, às inconvencionalidades e aos excessos introduzidos pela Lei 13.429/2017, pela Lei 13.467/2017 e por outras leis promulgadas nas presidências de Michel Temer e de Jair Bolsonaro (diante da perspectiva de que as propostas supressivas, presumivelmente mais óbvias, chegarão por outras variegadas fontes); Combater os elevados índices das taxas brasileiras de desemprego e de informalidade laboral; Repactuar as funções do recriado Ministério do Trabalho (e revisar as suas recentes ingerências normativas, especialmente no campo das normas regulamentadoras de segurança, saúde e higiene do trabalho); Revitalizar e ampliar os mecanismos de proteção social e as funcionalidades da Justiça do Trabalho; Recuperar a tessitura normativa do Direito do Trabalho como posta antes do cenário emergencial da pandemia da COVID-19; Impedir que o Brasil volte a figurar na chamada short list da OIT (como ocorreu entre 2018 e 2021); Reverter a atual classificação do Brasil na quarta posição do ranking mundial de acidentes e adoecimentos do trabalho, deslegitimando as atuais políticas de monetização dos riscos trabalhistas, ao largo das repercussões humanas, sociais, econômicas e previdenciárias decorrentes; Desvincular as inovações tecnológicas do século XXI, no campo laboral, da ideologia neoliberal que minimaliza os papeis do Estado e engendra relações de trabalho excludentes e proto-escravistas; Propor alternativas legislativas completas, com minutas de anteprojetos de lei, para todos os temas abaixo configurados (a se apresentar à M.D. Equipe de Transição conforme haja demanda). Mais recentemente, houve um Manifesto sobre a Regulação do Trabalho Controlado por "Plataformas Digitais". Aqui, associações, grupos de pesquisa e juristas se posicionam com sugestões para participarem do debate que pensa o futuro do trabalho no Brasil. Nesse caso, estabelecem os seguintes pontos de discussão: Proteção para toda a classe trabalhadora; Reconhecimento do vínculo de emprego como ponto de partida; Regulação pública como forma de atenuar a desigualdade de poder; Garantia de direitos trabalhistas como salário, jornada máxima de 8h, intervalos, férias e 13º salário; Proteção de dados pessoais e transparência de sistemas automatizados; Proteção social e tributação condizentes com as operações das empresas no Brasil; e Incentivo ao desenvolvimento de plataformas públicas e de cooperativas. Pelo que se pode perceber, manifestações começam a nascer com um ponto em comum muito forte: a melhor saída é a realização do próprio debate. O olhar desse movimento social após a vitória de Lula nas eleições de 2022 não deve ser apenas sobre as propostas, mas de onde elas saem. Não se trata de qualquer debate público, mas de um que seja verdadeiramente participativo com a inclusão daquelas pessoas que serão efetivamente afetadas pelas futuras regulações. É a partir dela que o novo direito do trabalho será construído, um direito democrático do trabalho.
É sabido que desde o ano de 2019 o Governo Federal vem reformulando as normas regulamentadoras de segurança do trabalho. E no mês de fevereiro de 2020, em reunião da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), deliberou-se acerca das últimas atualizações das NRs que acabaram de entrar em vigor. Foram mudanças significativas envolvendo as NRs 1, 7, 9, entre outras. Tais alterações estão relacionadas, em resumo, com a Saúde e Segurança do Trabalho (SST). De partida, de se ressaltar que a NR-9 se destina a instituir um programa que visa identificar riscos ocupacionais, além de buscar a melhoria da condição de saúde laboral, evitando-se, com isso, acidentes ou doenças ocupacionais. Tal norma regulamentadora já conta, inclusive, com 11 (onze) ajustes desde a sua implementação. Ela foi originalmente editada pela Portaria MTb 3.214, de 08 de junho de 1978, sob o título de "Riscos Ambientais". A última atualização, aliás, que se tem conhecimento, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 13 de março de 2020, a qual propôs novas condições de avaliação do ambiente de trabalho. E os principais pontos de impacto são: - Nomenclatura: com a extinção do PPRA - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, com o nascimento do PGR - Programa de Gerenciamento de Riscos, aumentando a abrangência do programa, inclusive trazendo aos olhos as questões relacionadas à saúde mental ocupacional. - Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR): firmados em termos e metodologias mais técnicas de modo a proporcionar um maior controle sobre os processos para identificação de riscos, com o objetivo de erradicar e prevenir acometimento de doenças e as ocorrências de acidentes, além de promover a proteção efetiva da saúde do trabalhador. A nova estrutura da NR-9 prevê uma maior avaliação e controle dos agentes ambientais, com medidas específicas para cada um dos agentes individualmente considerados em seus anexos. Vários desses anexos, a propósito, ainda precisam ser elaborados pela CTPP - Comissão Tripartite Paritária Permanente. A Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), recriada em 2019, é o fórum oficial do Governo Federal responsável por discutir temas referentes à segurança e à saúde no trabalho, em especial as Normas Regulamentadoras (NR). Tem como competência principal estimular o diálogo social com vistas a melhorar as condições e o meio ambiente do trabalho. Partindo-se de tal mudança, quando na etapa de identificação do perigo no PGR for encontrado exposição a algum agente físico, químico ou biológico, cabe à NR-9 trazer a orientação correspondente. E, nesse sentido, o empregador tem a obrigação de identificar riscos à saúde do empregado antes mesmo de sua contratação. Em complemento, é importante que as organizações considerem além da necessidade de EPIs, a jornada de trabalho completa, a temperatura do ambiente, a correta postura e qualquer outro detalhe que tenha relevância dentro da produtividade do empregado. Além de consultar o texto-base da NR-9, é preciso observar os seus anexos, lembrando que até o momento temos anexos para Vibrações, Calor e Medidas para Postos Revendedores de Combustíveis. Espera-se que outros anexos sejam doravante publicados, trazendo mais orientações específicas para os diversos agentes ambientais. A elaboração do PGR é obrigatória para todas as empresas e instituições, independentemente do número de empregados, área de atuação e grau de risco da atividade. E, mais, a atualização do programa deve se dar em tempo real, sempre que houver alguma situação que indique necessidade como mudança de processo, atualização legislativa, implementação ou melhoria de medidas de controle e a adição de novos riscos. Contudo, caso não ocorra nenhum evento que torne necessária a atualização imediata, o empregador deverá promover, obrigatoriamente, a revisão do programa a cada dois anos. Para as empresas que possuem um sistema de gestão implementado, a obrigatoriedade será a cada três anos. Há, contudo, exceção à obrigatoriedade do PRG, pois, por força de lei, estão dispensados os microempreendedores individuais (MEI), assim como as microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), com graus de risco 1 e 2, que no levantamento preliminar de perigos não identificarem exposições ocupacionais a agentes físicos, químicos e biológicos. Cabe mencionar ainda que as multas referentes aos eventos SST no e-Social são aplicadas por cada funcionário afetado. Logo, as multas e punições pelos órgãos de fiscalização tendem a ser muito superiores se comparadas às punições de autuações referentes a laudos e programas de Normas Regulamentadoras. O envio dessas informações já ocorre desde 13.10.2021 para as empresas do grupo 1 (faturamento acima de 78 milhões anuais); desde o dia 10.01.2022 para empresas dos grupos 2 e 3 (faturamento abaixo de 78 milhões anuais, Simples Nacional, MEI, Sem Fins Lucrativos e Pessoas Físicas - exceto domésticos); e para empresas do grupo 4 (Entes Públicos) desde 11.07.2022. O texto técnico em si ainda não será enviado ao sistema. Contudo, no arquivo XML, deve constar todas as informações. O envio será feito através do código S-2240 - Condições Ambientais de Trabalho - Agentes Nocivos. O não envio do evento pode gerar multas que podem chegar até o patamar de R$42.563,99, dobrando em caso de reincidência. Essa decisão foi dada pela Portaria/MTP nº 667/2021 que trouxe consequências às infrações e inadimplências trabalhistas. Considerando também a mudança na NR-1, não podemos mais agora olhar uma norma regulamentadora individualmente considerada, pois há uma simbiose entre todas elas. Devemos, doravante, buscar os critérios relacionados às questões de saúde ocupacional e de segurança do trabalho na NR-1 e, após ter inventariado os riscos, utilizamos a NR-9 para a criação do plano de ação, dando integral cumprimento às medidas de SST, com o envio ao e-Social.
A conhecida estabilidade de emprego decorrente de gestação, destinada à proteção da maternidade pela empregada, pode ser questionada do ponto de vista dos contratos pactuados com termo final já previsto e previamente conhecido pelas partes de acordo com as decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), fundamentado pelo Tema n.º 497 do Supremo Tribunal Federal (STF). Importante frisar que o objeto de discussão da origem do referido Tema, pelo recurso extraordinário n.º 629.053/SP, foi o de pacificar a imprescindibilidade da confirmação do estado de gravidez pela empregada no momento da dispensa sem justa causa pelo empregador. Logo, em momento nenhum os ministros do STF entraram no mérito acerca do direito à estabilidade da empregada gestante nos contratos a prazo determinado, tal qual o de experiência (art. 443 da CLT). O referido Recurso Extraordinário possui ideia original totalmente afastada do debate em torno da possibilidade de não se aplicar a estabilidade aos contratos a prazo determinado. Com o voto do relator, o ex-ministro Marcos Aurélio, a fundamentação foi no sentido de que a parte interessada não pode interpretar o dispositivo constitucional (art. 10, inciso II, alínea 'b', dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT), na medida em que se beneficia dela em detrimento do objetivo da qual a norma se destina. Além disso, firmou-se o elastecimento do termo "confirmação" para "concepção da gravidez", bastando o crivo biológico da gestação para que nasça o direito a estabilidade. Contudo, contrariando o entendimento do Tribunal de origem, inovou-se para aplicar a responsabilidade subjetiva ao empregador, ou seja, a empregada deveria comunicar estar gestante antes da dispensa imotivada, pois, se ela mesma, a maior interessada não sabia que se encontrava gestante, quanto menos ainda seu empregador. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes contrariou o entendimento do relator, sendo acompanhado pelos demais ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski. Dentre os fundamentos considerados, temos que a norma constitucional tem dupla função protetiva, tanto da mãe quanto do nascituro (arts. 6º e 227 da CF/88). Portanto, apesar de também entender que não confere ao empregador a responsabilidade objetiva, o texto constitucional não agrega outro requisito formal da empregada de confirmação prévia à dispensa, bastando que, mesmo após a rescisão imotivada, se ela provar o feito biológico, ambos (mãe e o bebê) devem ser beneficiados com a garantia provisória do emprego. Desse debate, nasceu o teor do Tema nº 497 do STF, cuja tese é a seguinte: "A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa". Assim, após essa breve exposição, é importante trazer ao centro como os TRTs e o TST estão interpretando e aplicando a tese nos contratos a prazo determinado, a saber: RECURSO DE REVISTA (...) 1. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. GRAVIDEZ NO CURSO DO CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. SÚMULA Nº 244 III, DO TST. TEMA 497 DA REPERCUSSÃO GERAL DO STF EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA ERGA OMNES APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA DA TESE ATÉ A ESTABILIZAÇÃO DA COISA JULGADA (TEMA 360 DA REPERCUSSÃO GERAL). I. Segundo o entendimento consagrado no item III da Súmula nº 244 do TST, "a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10 inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado" Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a circunstância de ter sido a empregada admitida mediante contrato por prazo determinado não constitui impedimento para que se reconheça a estabilidade provisória de que trata o art. 10 II, b, do ADCT. II. A discussão quanto ao direito à estabilidade provisória à gestante contratada por prazo determinado encontra-se superada em virtude da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 629 053 / em 10 10 2018 com a seguinte redação: "A incidência da estabilidade prevista no art. 10 inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa". III. A decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 497 é de clareza ofuscante quanto elege como pressupostos da estabilidade da gestante. (1) a anterioridade do fator biológico da gravidez à terminação do contrato e (2) dispensa sem justa causa, ou seja, afastando a estabilidade das outras formas de terminação do contrato de trabalho (...). Resta evidente que o STF optou por proteger a empregada grávida contra a dispensa sem justa causa como ato de vontade do empregador de rescindir o contrato sem imputação de justa causa à empregada, excluindo outras formas de terminação do contrato, como pedido de demissão, a dispensa por justa causa, a terminação do contrato por prazo determinado, entre outras. IV. O conceito de estabilidade, tão festejado nos fundamentos do julgamento do Tema 497 da repercussão geral, diz respeito à impossibilidade de terminação do contrato de trabalho por ato imotivado do empregador, não afastando que o contrato termine por outras causas, nas quais há manifestação de vontade do empregado, como no caso do pedido de demissão (a manifestação de vontade se dá no fim do contrato) ou nos contratos por prazo determinado e no contrato de trabalho temporário (a manifestação de vontade do empregado já ocorreu no início do contrato). (...). Assim, na hipótese de admissão mediante contrato por prazo determinado, não há direito à garantia provisória de emprego prevista no art.10, inciso II, alínea b, do ADCT. Superação do item III da Súmula 244 do TST pelo advento da tese do Tema 497 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado no RE 629.053, na Sessão Plenária de 10/10/2018. (...) VI. Recurso de revista de que não se conhece. (TST-RR: 10003339620195020321, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 07/10/2020, 4ª Turma, Data de Publicação: 09/10/2020). RECURSO ORDINÁRIO. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. ESTABILIDADE GESTANTE. TEMA 497 DA REPERCUSSÃO GERAL DO STF. (...) Portanto, segundo a Suprema Corte, a incidência da estabilidade provisória da gestante de pende da existência de dois requisitos cumulativos, quais sejam: a anterioridade da gravidez e dispensa sem justa causa. Nesse contexto, encontra-se superado o entendimento esposado no item III da Súmula n. 244 do TST, uma vez que o contrato a termo não preenche todos os requisitos estabelecidos pelo STF, notadamente o pressuposto da "dispensa sem justa causa", tendo em vista que o seu término ocorre no prazo já ajustado pelas partes. Destarte, cumpre reconhecer que, na hipótese de admissão mediante contrato por prazo determinado, que é a situação dos autos, não há direito à garantia provisória de emprego prevista no art.10, inciso II, alínea b, do ADCT. (TRT-1-RO: 01003318620215010038RJ, Relator: JORGE ORLANDO SERENO RAMOS, Data de Julgamento: 08/12/2021, Quinta Turma, Data de Publicação: 28/01/2022) De acordo com o entendimento dos Tribunais Trabalhistas supra referidos, por ter a Suprema Corte prolatada decisão apenas sob a ótica do direito à estabilidade nas dispensas imotivadas, para as demais hipóteses de rescisão, quais sejam, os tipos de contrato a prazo determinado, a estabilidade deixa de ser conferida às empregadas cujo termo final do contrato já foi estabelecido no ato da contratação, superando-se, com isso, o item III da Súmula 244 do TST. Sob outro aspecto, o cuidado deve recair nos casos de contrato a prazo determinado para fins de experiência, pois, a intenção de tal espécie contratual, conferida por até 90 dias, é no sentido de que se a empregada superar ou atingir as expectativas para aquele cargo ou função para o qual foi admitida pelo seu empregador, poderá ter o seu contrato convertido automaticamente a prazo indeterminado. Neste sentido, é evidente que o objeto do Tema nº 497 do STF não se aproxima sob essa hipótese, mas é importante que ela seja trazida ao debate para que a real aplicação do contrato de experiência não seja subvertido quando se deparar com a notícia de uma gestação, afinal, se o empenho dessa empregada, agora gestante, estiver mais que superado nas expectativas pelo empregador, corolário lógico não faria sentido o término do contrato no termo final, pois além de poder configurar a discriminação dessa empregada, descaracterizaria o objetivo final do direito social constitucional de proteção a maternidade. Por conseguinte, generalizar a tese do Tema n. 497 do STF para os contratos a prazo determinado, como vem sendo aplicado pelos Tribunais Trabalhistas, pode ensejar prejuízos à contratação de empregadas mulheres, tanto do ponto de vista da estabilidade, bem como da exigência que um filho traz na vida de uma mulher. Ainda que o Estado tente minimizar os impactos que esse fato traz a ela, é quase impossível retirar essa estigmatização que tal realidade acarreta na relação contratual entre empresa e empregada. De outro modo, não podemos afastar a hipótese de a empregada não atingir as expectativas ou não se adaptar à função para a qual foi contratada, situação na qual o empregador poderá considerar o término no dia final previsto em contrato de trabalho, ainda que ciente ou não da gravidez na comunicação de extinção da experiência. Visto que o propósito do contrato de experiência atingiu sua finalidade, de tal maneira que o direito social não alcança mãe e o nascituro, deve a empregada demonstrar objetivamente que cumpriu com os requisitos do período de experiência e, a partir daí, requerer a conversão do pacto experimental para contrato a prazo indeterminado. Neste caso, passa o empregador a ter o ônus de comprovar - por métricas expressas em cláusula avençada no contrato de trabalho ou em regimento interno da empresa - a objetividade de sua decisão de forma isenta, de sorte que a mera possibilidade de uma eventual gravidez não deve interferir na decisão de romper no termo final do acordo. Em suma, apesar de o E. STF ter entrado no mérito apenas quanto à estabilidade na situação em que ocorrer dispensa sem justa causa, não podem as decisões judiciais serem isentas do aspecto mencionado. Se é verdade que as relações contratuais se mostram complexas e inseridas em contextos específicos, a bilateralidade que deve ser sopesada considerando a empregada a parte mais frágil dessa relação. No mais, devemos lembrar que a finalidade da continuidade dos contratos vai além de gerar estabilidade provisória, por força da segurança jurídica, saúde financeira da empresa e dos critérios objetivos constitucionais para que os atores sociais tomem para si a responsabilidade de seu papel em contribuir para uma sociedade mais justa e responsável, de modo que as oportunidades da manutenção do vínculo de emprego tragam para ambas as partes o que corresponde a cada um.
Com objetivo de aprimorar as relações do trabalho no Brasil, através da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, além de atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país, foi então proposto o PL 6.687/20161 que trouxe o início da conhecida hoje Lei da Reforma Trabalhista. Frise-se, inicialmente, que referido PL fora apresentado para alterar à época apenas 7 (sete) artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, no decorrer do processo legislativo, a discussão acerca da alteração da CLT se ampliou demasiadamente, de sorte que os legisladores promoveram a alteração de mais de 100 (cem) artigos. O respectivo projeto de lei foi aprovado e convertido na atual lei 13.467/2017, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017. No entanto, dois dias antes de sua entrada em vigor, em 09 de novembro de 2017, foi apresentada a proposta de Medida Provisória (MP) que alterava a CLT, a qual foi publicada em 14 de novembro de 2017. Assim, a recente Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017) estava sendo reformada em apenas três dias após a sua entrada em vigor, pela MP nº 808/2017: tivemos, portanto, a "Reforma da Reforma". No entanto, a MP nº 808 não foi convertida em lei ordinária e teve sua vigência até 23 de abril de 2018, isto é, retornamos para o texto originário da Lei Reformista2. Inobstante a "Reforma da Reforma" oriunda dos Poderes Executivo e Legislativo, durante os 5 (cinco) anos de vigência da lei 13.467/2017 enfrentamos grandes discussões no Poder Judiciário, principalmente quanto à constitucionalidade de alguns artigos que foram inseridos e modificados na CLT, acarretando um total de 35 (trinta e cinco) Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADIs)3. Além do mais, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST), através da Instrução Normativa 41 de 2018, se posicionou quanto às alterações advindas com a Reforma Trabalhista e sua aplicação ao direito processual do trabalho. Apesar da instrução normativa não possuir natureza vinculante, ou seja, não ser de observância obrigatória pelas instâncias ordinárias dos tribunais trabalhistas, sinalizaria, doravante, como o TST aplicaria as normas por ele interpretadas. Entrementes, quanto ao direito material do trabalho, o TST assim ressaltou na exposição de motivos da respectiva IN nº 41/2018, in verbis: "Quanto ao direito material, a Comissão entendeu que se trata de disposição que comporta o enfrentamento jurisdicional, para que, operando-se a construção jurisprudencial, seja definida a aplicação da lei nova aos casos concretos."4 Em outras palavras, o TST se manifestou no sentido de que a advocacia precisava se posicionar em seus processos trabalhistas para construir, através do enfrentamento jurisdicional, entendimentos sobre certos temas, mas, desde então, isso não vem acontecendo. Isso porque, em recentes julgados da Corte Superior Trabalhista, ainda se discute a aplicação da própria Reforma Trabalhista no tempo em relação ao direito material do trabalho. Duas linhas de raciocínio se posicionam quanto ao tema: i) Não se aplicam as alterações advindas da Lei nº 13.467/2017 aos contratos de emprego que já se encontravam em curso (anteriores ao dia 11 de novembro de 2017) quando da sua edição, em casos em que se suprime e/ou se altere direito preexistente, incorporado ao patrimônio jurídico do empregado, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito, a teor do que dispõem os artigos 5º, XXXVI, e 7º, VI, da CF e 6º da LINDB. ii) Uma das características do contrato de emprego é que ele não se exaure com a prática de um único ato, cujos atos são de tratos sucessivos, pois são de débitos permanentes. Assim sendo, as alterações trazidas pela Lei nº 13.467/2017 se aplicam aos contratos de emprego, inclusive os que já encontravam em curso quando de sua edição. E, mais, com recente mudança na Presidência da República, além de novos integrantes do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), já se sinalizam que eventuais alterações na legislação trabalhista surgirão neste 2023. Desse modo, além de ser obrigatório o estudo dos recentes julgados do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, precisaremos acompanhar os projetos de lei que serão apresentados e nos posicionar sempre que necessário, na medida em que não se pode admitir uma Reforma Trabalhista que apresente grande insegurança jurídica como foi a lei 13.467/2017 que completou mais de cinco anos de vigência. Em arremate, diversos artigos da legislação trabalhista merecem um estudo mais aprofundado, de sorte que a alteração lei se faz necessária, mas, claro, desde que traga segurança jurídica para todos os envolvidos na relação de trabalho, preservando os direitos e garantias fundamentais. __________ 1 Disponível aqui. Acesso: em 15 de novembro de 2022. 2 Disponível aqui. Acesso em: 15 de novembro de 2022. 3 Disponível aqui. Acesso em: 28 de novembro de 2022. 4 Disponível aqui. Acesso em: 28 de novembro de 2022.
Muito se discute acerca da "pejotização" de profissionais liberais na área trabalhista, se lícita ou ilícita. E antes de entrar no mérito do tema, é salutar entendermos de onde ela surgiu. Com efeito, a "pejotização" surgiu com o advento da lei 11.196/05, no qual seu artigo 129 permitiu a contratação do profissional liberal "PJ" para os serviços intelectuais, científicos, artísticos e culturais. Já com a reforma trabalhista, lei 13.467/17, permitiu-se a terceirização da atividade-fim, e, neste cenário, erroneamente entendeu-se que, doravante, que a "pejotização" estaria liberada a partir do acréscimo dos artigos 4-A e 5-C, na lei 6.079/74. Do ponto de vista da relação empregatícia, o contrato de emprego é bem específico e está dentro da teoria dos contratos que, por sinal, é inserido na teoria geral do negócio jurídico. Logo, isso quer dizer que, para a validade do negócio jurídico, faz-se necessária a análise de todos os seus elementos, quais sejam, consentimento, erro, dolo, coação e a simulação. O erro é causado pela falsa ideia de realidade da situação do liame empregatício. Em outras palavras, pretende-se praticar um ato, mas, em verdade, pratica-se outro, com amplo dolo (intenção de fraudar leis trabalhistas, tributárias e previdenciárias) de burlar leis trabalhistas, mascarando a relação de emprego. Já a coação é aquela pressão física ou psicológica usada contra o "PJ" a fim de obrigá-lo a aceitar todas aquelas situações impedindo sua manifestação de vontade. Nesses casos, não só apenas o empregado é lesado com a supressão de todos os seus direitos trabalhistas, como também terceiros - a exemplo do FISCO, cuja previsão do artigo 167, §1º, II, do Código Civil, é o fundamento para que possamos analisar a simulação do negócio jurídico. Trata-se de previsão legal que nos ensina que todo negócio jurídico é nulo se for simulado - se aparentemente conferir ou transmitir, conter declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira -, o que também vai envolver a questão da boa-fé prevista no artigo 113, §1º, do Código Civil. A "pejotização" representa uma total simulação dentro da atividade desempenhada, ou seja, uma simulação de contrato de "PJ", que, em verdade, se afigura uma nítida relação de emprego. Importante analisarmos também que a proteção trabalhista não pode ser renunciada e, por consequência, se o empregado não tem o direito de renunciar, isso torna-se uma obrigação a ser seguida. Não se pode esquecer, e muitos se esquecem, que a base principal do Direito do Trabalho não é apenas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como também, e, sobretudo, a nossa a Constituição Federal (CF), precisamente no inciso I do seu artigo 7º que protege a relação de emprego. Portanto, é o próprio valor social trabalho que está em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Não outro outra razão que a Lei Maior de 1988 coloca o trabalho como o valor primordial. Isso quer dizer, na prática, que uma vez identificada a relação empregatícia, o empregado não pode renunciá-la, por se tratar de uma previsão da nossa CF/88 e que visa garantir valores e direitos básicos. Resumidamente, mesmo que o empregado queira ser "pejotizado", se ele tem todos os requisitos da relação de emprego, o vínculo deve ser reconhecido. E antes de entramos na análise da relação de emprego em si, é importante entendermos o princípio da primazia da realidade. Este, como é sabido, trata-se de um mecanismo que tem o poder de viabilizar o confronto entre aquilo que se encontra disposto no contrato formal de prestação de serviços, e aquilo que de fato ocorre no dia a dia laboral. Inúmeros são os casos em que pode ser aplicado tal princípio, sendo óbvio que as relações trabalhistas devem sempre ser pautadas na boa-fé objetiva, muito usada nas mudanças de rotina trabalhista que sofrem alterações práticas e que nunca são incluídas no contrato inicial. Referido princípio deve ser militado em favor da parte hipossuficiente da relação jurídica, com o intuito de assegurar a verdade real e a obtenção de uma justa decisão, ou seja, o que realmente importa é aquilo que aconteceu, e não o que está escrito. Em resumo, este princípio na seara do Direito do Trabalho assegura a veracidade dos fatos concretos. Ressalta-se que o artigo 9º da CLT é um mecanismo utilizado para proibir contratações ilegais, nas quais se identificam todas as condições para o vínculo, a saber: pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade. Esta é diretriz legislativa do artigo 3º da CLT: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual (habitualidade) a empregador, sob a dependência (subordinação) deste e mediante salário (onerosidade)". (g.n.) O outro requisito que falta está previsto no artigo 2º da CLT, ao tratar do princípio da alteridade, de sorte que os riscos da atividade econômica não devem ser suportados pelo empregado, mas sim pela empresa: "Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica (alteridade), admite, assalaria e dirige a prestação pessoal (pessoalidade) de serviço". (g.n.) O trabalho por pessoa física (pessoalidade) é uma relação de emprego pactuada por uma pessoa física ou natural, tem o caráter de fungibilidade, não podendo ser substituído por iniciativa do empregado, ou seja, o empregado não pode enviar ninguém em seu lugar. O princípio da não eventualidade rege-se pela continuidade da relação de emprego (habitualidade), escalarem-se que a noção de permanência deve ser relevante para a formação da relação de emprego. Subordinação deriva de um estado de dependência em relação a uma hierarquia de posição ou de valores, segundo a qual o empregado é controlado e cobrado por metas, por exemplo, de sorte que presente a subordinação jurídica, corolário lógico será reconhecido o vínculo empregatício. A onerosidade é a contraprestação pecuniária, ou seja, a obrigação do empregador, a qual contrapõe-se à obrigação de prestar serviços, ou seja, o efetivo pagamento. Se for autônomo, esse sim assume o risco, pois os diversificados vínculos de trabalhos autônomos existentes afastam-se da figura técnico-jurídica da relação de emprego, essencialmente pela falta do elemento fático-jurídico da subordinação. De maneira geral, no contrato autônomo o risco da prestação em desenvolvimento é do próprio prestador, ou seja, o prestador tende a assumir os riscos da prestação laborativa, conforme estatui o art. 442-B da CLT: "contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação". (g.n.) Sendo assim, não há problema nenhum em ser o profissional contratado nos termos do art. 442-B da CLT. Porém, a depender da realidade fática, não poderá ter subordinação e, ao final, ter quebrado o vínculo ainda pela ausência de pessoalidade. Dessarte, se a empresa contrata trabalhadores subordinados para burlar a legislação, sem conferir ao prestador dos serviços todos os seus direitos trabalhistas, tem-se na "pejotização" uma fraude trabalhista. E ao tratar de tal tema não se pode partir da premissa de que o empregado seja HIPER SUFICIENTE para entender as ilegalidades cometidas pela empresa. A "pejotização", em verdade, acontece em vários ramos de atuação - como médicos, engenheiros, advogados - e, mesmo nessas classes de trabalhadores, é possível identificar a obrigação da forma de contratação como "PJ". E com isso, temos que a discussão vai além daquilo que é legal, passando a ser fato social, situação que engana empregados, o meio social e terceiros. A hipossuficiência que deve ser discutida não está ligada ao discernimento intelectual, tampouco às possibilidades econômicas do trabalhador. A hipossuficiência é jurídica, a coação é jurídica e a subordinação, por fim, também é jurídica. Se temos uma relação que é estritamente pautada pela CF/88 e pela CLT, se temos subordinação, pessoalidade, onerosidade, e, claro, se o trabalho é feito por aquela pessoa, por mais que o profissional seja o mais bem HIPERSUFICIENTE do mundo, tudo isso não importa, pois deve ser considerado indiscutivelmente o vínculo empregatício.
Introdução Com base nos artigos 396, "a" e 400, ambos da CLT, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ao menos 42 Ações Civis Públicas (ACPs) por todo o Brasil, em desfavor de empreendimentos do tipo Shoppings Centers, pretendendo que esses estabelecimentos disponibilizassem locais apropriados para que todas as mulheres empregadas celetistas que laborem em suas dependências, incluindo aquelas contratadas por lojistas e terceirizados, possam deixar sob vigilância e assistência seus filhos no período da amamentação de seis meses. Chama a atenção a tese de que os Shoppings Centers possam ser responsáveis, ainda que indiretamente, por obrigações de empregados de terceiros, em especial, lojistas e terceirizados.  Da ausência de obrigação dos shoppings centers perante as obrigações celetistas de empregadas lactantes de terceiros O principal argumento do MPT nas referidas ACPs, especificamente quanto à legitimidade dos Shoppings em tais obrigações, seria o do pretenso controle do espaço físico do "estabelecimento", inclusive com a definição de formas de trabalho, além de suposto proveito econômico das trabalhadoras celetistas dos lojistas. Conforme sintetizado pelo Ministro Breno Medeiros, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), impõe-se "perquirir, assim, se o condomínio de shopping está contido na acepção da palavra 'estabelecimento', a fim de que se possa excluí-lo ou não da condição de destinatário da norma. A matéria é bastante controvertida, ainda sobre ela se debatendo a jurisprudência, oscilando ora pela aplicabilidade, ora pela inaplicabilidade. A discussão muito mais se recrudesce, na medida em que, concomitantemente à discussão quanto ao dever do réu em relação às empregadas do shopping, há, ainda, a obrigação que abrange o contingenciamento das trabalhadoras empregadas dos lojistas, daí a necessidade de interpretação acurada da norma"1. De fato, a tendência da jurisprudência trabalhista era pela procedência dos pedidos do Parquet, no sentido de que seria devido pelos shoppings centers a implantação de espaços físicos, ditas "creches", para guarda dos filhos das empregadas lactantes, incluíndo celetistas dos terceirizados e lojistas. Ocorre que, em maio de 2020, o Relator Designado, Ministro Breno Medeiros, da 5ª Turma do TST, deu provimento ao recurso de revista nº. 0010804-41.2016.5.03.0007, reformando as decisões anteriores do processo que iram contra o art. 5º, II, da CF/88, uma vez que os Shoppings Centers mantêm com os seus lojistas uma relação puramente comercial. Diz o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho: Ora, o dispositivo é expresso ao atribuir aos "estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade" (destaquei), não havendo como conferir interpretação extensiva a fim de impor aos condomínios de shoppings centers obrigação não prevista em lei, mormente porque estes mantêm com os lojistas uma relação meramente comercial, sob pena de ofensa ao art. 5º, II, da Constituição Federal. Nesse sentido é o precedente proveniente da 8ª Turma desta Corte, já referido quando do reconhecimento da transcendência jurídica da questão. Dessa forma, o e. TRT, ao manter a r. sentença que impôs ao recorrente o cumprimento da obrigação contida no art. 389, §§ 1º e 2º, da CLT, incorreu em ofensa ao referidos dispositivo de lei, razão pela qual, com fulcro no art. 118, X, do RITST, conheço do recurso e, no mérito, dou-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. (Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 0010804-41.2016.5.03.0007. Publicado em 22.05.2020). A referida decisão consubstancia um alento para o setor econômico dos Shoppings Centers, firmando um novo entendimento sobre a matéria no âmbito da Corte Superior Trabalhista, ante a notória divergência de decisões que, até então, em sua maioria, eram pela procedência das ações do gênero. Em nosso entender, concluir de modo diverso relatado pelo Ministro Breno Medeiros é o mesmo que concluir que clientes possam ser demandados judicialmente por eventual descumprimento das normas trabalhistas pelos fornecedores ou os proprietários de imóveis por eventual descumprimento de seus inquilinos, sendo inquestionável que esses apenas se relacionam comercialmente com aqueles que a norma atribui o dever de observar os direitos e garantias concedidas aos trabalhadores, ou seja, o empregador. O argumento utilizado pelo MPT abre precedente para que todo condomínio comercial possa a vir ser responsabilizado pelo cumprimento das obrigações trabalhistas de todos os empregados que nele laborem, o que inquestionavelmente causa enorme insegurança jurídica. Assim, não há em nosso ordenamento jurídico nenhuma norma que atribua a terceiros estranhos à relação de emprego, como é o caso dos Shoppings Centers perante as empregadas dos lojistas, o cumprimento de obrigações trabalhistas de responsabilidade do empregador de forma direta e solidária, o que reafirma não apenas a ausência da obrigação material, como a ilegitimidade processual. Nesse sentido, dispõe Luiz Guilherme Marinoni, diz que "a legitimidade para agir pergunta sobre a relação de identificação entre o autor e o réu com o direito material em litígio. É legitimado ativo o titular do direito material e legitimado passivo aquele que, no plano do direito material, contra esse direito pode se opor"2. De igual forma, elucida a doutrina pátria: Assim como não há sombra sem corpo físico, também não há responsabilidade sem a correspondente obrigação. Sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos que identificar aquele a quem a lei imputou a obrigação, porque ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado dever jurídico preexistente3. Ora, o contrato de aluguel de unidades no shopping center é um contrato atípico, pelo qual os lojistas despendem um quantum mensal em favor do espaço comercial locado, sem que tal situação acarrete a existência de grupo econômico e/ou de empregador único, tampouco atribuir ao locador qualquer responsabilidade pelo cumprimento de obrigações trabalhistas que a lei destina ao empregador locatário. Logo, a imposição de obrigações não previstas legalmente ofende o princípio constitucional da legalidade, eis que a relação entre o lojista e o Shopping Center não conduz a nenhuma obrigatoriedade e assunção de responsabilidades por relações de emprego de terceiros/lojistas. A relação mantida entre o Shopping e o lojista é, em sua essência, de natureza locatícia, estabelecida através de um contrato de locação, regendo-se pelas disposições da lei 8.245/1991, sendo, portanto, de natureza civil, e não trabalhista. Aliás, a referida legislação prevê que "nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos" (art. 54), e que "as despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento" (art. 54, § 2º). O Shopping Center, como mero locador de espaços comerciais, não deve cumprir obrigações trabalhistas dos seus lojistas, o que, para além de ilegal, inviabiliza o próprio negócio e abriria uma discussão sobre a responsabilidade trabalhista de todo e qualquer condomínio sobre os empregados dos condôminos e/ou lojistas. Além disso, cada lojista dos Shoppings Centers (i) mantém a sua própria autonomia financeira e administrativa, planeja seus investimentos, suas expansões; e (ii) contrata seus próprios empregados, fornece treinamento, estabelece salários, aplica sanções, demite, enfim, estabelece e pratica políticas de recursos humanos que lhe são próprias, sem nenhuma interferência ou vinculação de uma loja com a outra, não se envolvendo o Shopping em nenhum desses assuntos. O fato de um Shopping Center proporcionar ao comerciante lojista uma estrutura organizacional inteligente e eficaz para a exploração da sua atividade econômica não altera a natureza jurídica dessa relação, que está embasada em um contrato de locação, pois a locação se constitui no principal elemento desse contrato, embora revestido de cláusulas especiais com vistas ao atendimento de características próprias desse tipo de empreendimento4. Ainda sobre o tema, ensina o ex-ministro do TST, Almir Pazzianotto Pinto: Distingue-se o shopping do supermercado porque, enquanto naquele os negócios são autônomos, unidos como colcha de retalhos de cores, tamanhos, e tecidos distintos, o supermercado é uma única empresa e, como tal, responsável pela contratação, direção e remuneração dos empregados. Visto à distância o conjunto arquitetônico impressiona e talvez transmita a imagem de majestoso prédio comercial. Examinado por dentro verificar-se-á que no interior convivem centenas de comerciantes, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, sem que haja, entre elas, elementos caracterizadores de grupo econômico definido no art. 2°, § 2°, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)5. O conceito de estabelecimento compreende o conjunto de bens que, organizados pelo empresário, passam a integrar a atividade econômica organizada. Estabelecimento, portanto, não é o prédio, ou o espaço físico de um shopping center, mas sim a organização desses mesmos bens, que derivam, portanto, de seu controle. O doutrinador Fábio Ulhoa Coelho ensina também que: O estabelecimento empresarial é a reunião dos bens necessários ao desenvolvimento da atividade econômica. Quando o empresário reúne bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas, instalações, tecnologia, prédio etc., em função do exercício de uma atividade, ele agrega a esse conjunto de bens uma organização racional que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos. Alguns autores usam a expressão "aviamento" para se referir a esse valor acrescido6. O saudoso doutrinador Arnaldo Sussekind relata o seguinte: Estabelecimento é o local onde a empresa realiza, materialmente, a consecução dessa finalidade; sob o prisma do direito do trabalho, é o local onde os empregados da empresa executam suas atividades ou a que estão vinculados os que realizam serviços extemos ou no próprio domicílio7. No conceito legal de estabelecimento, faz-se referência direta à sua submissão ao empresário ou sociedade empresária, conforme preceitua o art. 1.142 do Código Civil: "Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária". Assim, não é possível dissociar, do conceito de estabelecimento, sua organização por um só empreendedor. Impossível, portanto, afirmar que um mesmo estabelecimento, no conceito jurídico do termo, pode servir a uma infinidade de diferentes pessoas jurídicas que são formal e materialmente independentes entre si, como se passa incontroversamente no âmbito de um shopping center. Em assim sendo, o conceito de estabelecimento a que refere o §1º do art. 389 da CLT somente pode ser àquele relativo a uma só empresa, a empresa de seu empregador, responsável direto e único pelas obrigações trabalhistas. Dessa forma, cada lojista possui seu próprio estabelecimento, o qual organiza e dirige para fim de exercer "atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços" (CC, art. 966), razão pela qual o MPT deveria dirigir seus esforços para verificar se nesses estabelecimentos é exigível o cumprimento da norma do art. 389, §1º, da CLT, e, em caso positivo, se a norma está sendo cumprida pelo empregador. A clara interpretação do texto legal, que não pode ser extensiva quando nem sequer existe lacuna a ser sanada ou interpretação a ser dada ante a objetividade e literalidade do texto previsto no dispositivo normativo, não deixa dúvida que improcede a ação que tem como objetivo impor uma obrigação do empregador para terceiros estranhos a essa relação.  Logo, não há como transferir aos Shoppings Centers as obrigações decorrentes da relação laboral mantida entre os lojistas e seus empregados, pois (i) o empreendimento do tipo Shopping Center não se qualifica como um estabelecimento único para fins de configuração de solidariedade em obrigações trabalhista, (ii) o shopping center não administra e/ou interfere nas relações de emprego dos lojistas; (iii) não se beneficiando do trabalho dos empregados dos lojistas e, (iv) a relação comercial mantida entre Shopping e lojista, é meramente locatícia, de cunho cível. Portanto, não há fundamento legal que justifique a atribuição da obrigação contida no §1º do art. 389, da CLT aos Shopping Centers, especificamente no que tange às empregadas lactantes dos lojistas que nele se estabelecem, sob pena de afronta direta ao princípio da legalidade expresso no art. 5º, II, da CF/88. Conclusão As Ações Civis Públicas intentadas pelo Ministério Público do Trabalho promovem enorme insegurança jurídica ao tentarem impor para terceiros, no caso os Shoppings Centers, obrigações dos lojistas cuja relação mantida entre as partes é meramente locatícia, de cunho civilista, não havendo nenhuma ingerência dos Shoppings na administração dos seus lojistas e, em especial, inexiste o conceito de "estabelecimento" único. A atribuição da obrigação contida no §1º do art. 389 da CLT aos Shopping Centers, especificamente no que tange às empregadas lactantes dos lojistas que nele se estabelecem, afronta diretamente o princípio da legalidade expresso no art. 5º, II, da CF/88, conforme recente decisão do Ministro Breno Medeiros, do Tribunal Superior do Trabalho (0010804-41.2016.5.03.0007). __________ 1 Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 0010804-41.2016.5.03.0007. Publicado em 22.05.2020. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 177. 3 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 26. 4 TOKARS, Fábio. Estabelecimento Empresarial. São Paulo: LTr. 2006, p. 56. 5 PINTO, Almir Pazzianotto. Parecer Jurídico. Consulente: Abrasce. 2017. 6 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 26ª ed. Saraiva: 2014. 7 SUSSEKIND, Arnaldo. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho e à Legislação Complementar. Livraria Freitas Bastos, RJ, 2ª ed., 1964, pág. 71.
Big data, data warehouse e Business Intelligence são termos ainda muito pouco conhecidos no meio jurídico.  No entanto, como é de se esperar, a evolução ocorre em ritmo alucinante e com ela muitas outras necessidades surgem, resultando na inevitável integração entre diversas áreas de conhecimento.  O que parecia não se enquadrar no espeque comumente associado ao meio jurídico, serve hoje como um diferencial apto a demonstrar como a advocacia 4.0 se revela inovadora.  Ocorre que o senso de urgência alinhado à necessidade de provisão e à tomada de decisões estratégicas dão origem a um mercado nitidamente exigente que acaba por construir o perfil de mais uma espécie de profissional.  A nova forma de gerenciar decisões alcança proporções outrora inimagináveis a ponto de fazer com que a produção intelectual desacompanhada de estratégia vinculada ao cenário macro tenda à obsolescência.  Portanto, no mundo contemporâneo, a tomada de decisões cada vez mais eficientes adquire importância inédita, baseada em estratégias que se consolidam a partir de informações colhidas de dados estruturados ou não, os quais passam por um processo de higienização que os tornam aptos a serem cruzados e consumidos.  Os dados surgem diariamente em grandes volumes, acompanhados de velocidade e de variedade. Tão logo se faz necessário criar, ou melhor, arquitetar uma estrutura visando à extração com qualidade, tratamento e armazenamento.  Muitos escritórios de advocacia passaram a investir em controladoria jurídica que, basicamente, trabalha em prol de rotinas pré-definidas, a exemplo de monitoramento de provisões, prazos, controle de pautas, de intimações etc. Percebe-se, neste caso, que o foco é a gestão interna do contingente processual da organização.  De outra banda, surge a figura da Operação Legal - ou Legal Operations (terminologia mais usual) -, também conhecida como Legal Ops pelos adeptos da prática.  Depreende-se das Legal Ops que seu conceito ganha mais amplitude do que se compreende pelas controladorias, na medida em que seu foco se dá em viés mais sistêmico do andamento das operações internas da organização, fato que é comprovado pelas conhecidas 12 competências, também intituladas "Core 12", instituídas pela comunidade conhecida como Corporate Legal Operations Consortium (CLOC).  São elas: Business Intelligence; Gestão financeira; Gestão de firma e fornecedores; Governança da informação; Gestão do conhecimento; Otimização e saúde da organização Operações da prática; Gestão de projetos e programas; Modelos de entrega de serviços; Planejamento estratégico; Tecnologia; e Treinamento e desenvolvimento.  Percebe-se daí que muito mais pode ser oferecido ao cliente, porquanto as companhias orientadas a dados consolidam planos estratégicos com base em análises descritivas, preditivas e prescritivas de dados, que geram um ativo de informações.  Assim, a visão de um profissional com senso mais analítico pode ofertar o direcionamento da defesa ou da tese a ser construída a partir do comportamento do próprio passivo da companhia, que se conhece a partir das informações provenientes dos dados já tratados.    Dados como: juiz, vara, turma, advogado da parte adversa, desembargador, estatística de condenação por pedidos específicos etc, concedem uma visão acurada do movimento do passivo.  A jurimetria é outro bom exemplo do que pode ser explorado nesse contexto, já que traz mais segurança na tomada de decisões, bem como se afigura certo grau de previsibilidade e assertividade. Ademais, com os dados já em mãos, pode-se levar a efeito tomada de decisão com mais agilidade.  Tal leitura, inclusive, facilita o manejo de tratativas que podem ser ofertadas para eliminação de gaps que impulsionam o próprio passivo de determinada organização.  Outro benefício que se vislumbra é a automatização de decisões, vez que já existe um vasto acervo de tecnologias voltadas para o âmbito jurídico que facilitam a construção e emissão de relatórios, aumentando a produtividade e eficiência das equipes.  Neste cenário, a prestação de serviços advocatícios ganha mais valor e agrega uma infinita gama de possibilidades de tomadas de decisões baseada em uma perspectiva mais fidedigna à realidade experimentada pelo cliente, promovendo uma atuação mais arrojada.  Outro ponto que não se pode deixar de ventilar versa sobre a importância da governança dos dados que, por sua vez, tem como pilares: o gerenciamento de ativos; manejo rápido dos dados para que estes se cruzem de forma a evitar silos de informações; além do uso de práticas seguras. Todavia, esse assunto que merece um capítulo a parte, posto a sua importância.  Em suma, não se pode subestimar a relevância que a visão sistêmica e analítica dos dados traz ao universo das ciências humanas, julgadas mais distantes das ciências exatas do que efetivamente se revelaram.
Sem dúvida alguma, a pandemia alterou a relação das pessoas com o trabalho. A possibilidade de realizar suas tarefas de maneira remota trouxe o benefício da flexibilidade, mas, por outro lado, fez aumentar o volume de demandas e tornou confusos os limites entre casa e trabalho. Esse impacto foi sentido por todos, mas, no caso das mulheres, historicamente responsáveis pelo trabalho de cuidado da casa e da família, elas, por certo, constituíram o grupo mais atingido. Outra questão a respeito da qual não há dúvidas é que o período pandêmico gerou grande instabilidade econômica e imensa redução de postos de trabalho, circunstância enfrentada de maneira mais intensa por mulheres. Pesquisas oficiais apontam que, durante a Covid, o percentual da participação feminina no mercado de trabalho foi reduzido ao menor número da história. Tais situações, mas não somente elas, levam à conclusão de que é mais do que necessário que a legislação brasileira, sobretudo de ordem trabalhista, mova-se no sentido a trazer previsões a determinar o incremento de equidade de gênero na sociedade. Nessa esteira, foi publicada a lei 14.457, de 21 de setembro de 2022, que trouxe diretrizes para o estabelecimento do novo Programa Emprega + Mulheres, com vistas a fomentar a inclusão e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho. É de notório conhecimento que a maternidade é tratada como o maior ponto de vulnerabilidade feminina no que se refere ao mercado de trabalho. Não por responsabilidade das mulheres, mas sim da própria sociedade que delega tradicionalmente à mulher todo o trabalho de cuidado com a casa e com a família. Aliás, a própria CLT quando fala em proteção ao trabalho da mulher o faz para estabelecer regramento específico relacionado à maternidade e as suas consequências, como o afastamento para cuidado com a prole, sobretudo. Atualmente, porém, proteger o trabalho da mulher parece ter mais relação com o incentivo da entrada e a manutenção de mulheres no mercado, bem como o incremento da participação feminina nos núcleos de decisões das empresas. Dito isto, é importante observar que, em seu artigo 30, a lei em análise traz previsão expressa acerca da garantia de igualdade salarial às mulheres empregadas, relativamente a outros trabalhadores que exerçam idêntica função, prestada ao mesmo empregador, nos termos dos artigos 373-A e 461 da CLT. Os referidos artigos estabelecem a vedação da utilização do gênero como variante determinante para fins de remuneração, formação profissional ou oportunidades de ascensão profissional (art. 373-A, III, CLT); bem assim, o dever de pagamento de igual salário para trabalho de igual valor, em caso de identidade de funções, observadas as diretrizes temporais previstas em lei, com cominação de multa em caso de comprovada discriminação de gênero (art. 461, "caput" e parágrafos, da CLT). Trata-se, portanto, de reforço em relação às normas celetistas que já regiam o instituto da equiparação salarial, o que representa mais um avanço legislativo sob o prisma da equidade de gênero no mercado de trabalho. A legislação em comento, outrossim, traz modificação terminológica que pode parecer pequena, mas que, em verdade, representa o início da mudança de paradigma há muito necessária. Trata-se da utilização do termo "parentalidade", em lugar de "maternidade". Doravante, o legislador começa a demonstrar que a prole é de responsabilidade da família como um todo, e não exclusivamente da mãe/mulher. A lei estabelece, nessa esteira, previsões que criam as denominadas medidas de apoio à parentalidade, as quais serão destacadas na sequência. Com efeito, a primeira delas é o benefício de reembolso creche, a ser pago aos trabalhadores de empresas que com mais de 30 empregados, que tenham filhos menores de 6 anos. A existência do benefício deve ser comunicada a todos os trabalhadores, dos sexos masculino e feminino, esclarecendo que tal benefício não configura espécie de premiação. Os valores pagos a tal título ostentam natureza não salarial e, portanto, não incorporam à remuneração dos trabalhadores para os fins legais e de direito, não sendo por isso tributáveis, tampouco inseridos na base de cálculo do FGTS. Importante considerar que as empresas que adotarem o benefício em comento ficarão desobrigadas de estabelecer instalação apropriada para crianças em período de amamentação. Em sequência, o diploma legal prevê diversas alternativas para a flexibilização do regime de trabalho, com a finalidade de viabilizar a conciliação entre trabalho e parentalidade. Dentre as previsões, pode-se citar a priorização do trabalho em sistema remoto para colaboradoras(es) com crianças menores de 6 anos de idade e/ou PCDs - neste último caso, sem limite de idade; a possibilidade de adoção de regime de trabalho em tempo parcial (art. 58, CLT); o regime de banco de horas (art. 59, CLT); jornadas em escala de 12x36 (art. 59-A, CLT); antecipação de férias; e horários de entrada e saída flexíveis. O estabelecimento de qualquer dessas medidas deverá ser feito até o 2º ano do nascimento, da adoção ou da guarda da criança. Há, ainda, a criação de medidas para o apoio no retorno das mulheres ao trabalho, após a licença maternidade. Dentre as previsões, está a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho do empregado com filho/a, cuja companheira esteja retornando de licença maternidade, com percepção de bolsa qualificação profissional - e possibilidade de ajuda compensatória pelo empregador - sem natureza salarial. Tal situação deve ocorrer mediante pedido do trabalhador e destina-se a promover o cuidado e o estabelecimento de vínculos com os filhos/as, bem como viabilizar o acompanhamento do desenvolvimento da criança, além de apoiar o retorno da mãe a suas atividades laborais. O trabalhador que optar pela suspensão contratual prevista em legislação não poderá ser dispensado durante o período de suspensão e até 6 meses após o encerramento do curso, sob pena de aplicação de multa ao empregador. Aqui, há que se tecer críticas ao texto da lei, na medida em que prevê a suspensão do contrato apenas ao "trabalhador", sem considerar que a mulher em retorno de licença maternidade pode ter uma companheira. É de notório conhecimento que a família homoafetiva é entidade reconhecida pelo STF, desde o julgamento da ADPF 132 e ADI 4.277. Destarte, seria necessário, nesse caso, aplicar a legislação de maneira ampliativa, frente aos termos utilizados. De mais a mais, deve ser divulgada na empresa a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho de parceiros de mulheres no retorno de licença maternidade. Da mesma forma, os trabalhadores devem ser cientificados acerca dos procedimentos necessários para adoção de tal medida. Outrossim, a legislação traz previsão expressa no sentido de que as empresas devem promover ações periódicas para conscientização a respeito da parentalidade responsável e igualitária. A lei prevê também para as mulheres a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, mas elenca tal oportunidade como medida para qualificação profissional. A suspensão contratual depende de requisição da trabalhadora e deve ocorrer para que ela participe de cursos de capacitação, prioritariamente, em áreas que promovam sua ascensão profissional, ou, ainda, em seguimentos do mercado de trabalho que tenha baixa participação feminina. Durante tal período, a obreira deverá receber bolsa de qualificação profissional, que poderá ser complementada por ajuda compensatória - sem natureza salarial - oferecida pelo empregador. A suspensão contratual deve ser comunicada ao Ministério do Trabalho e não poderá ocorrer dispensa da empregada durante a capacitação e até 6 meses de seu encerramento, sob pena de multa. Importante ter em conta que todas as medidas elencadas pela nova legislação em análise, além da necessária provocação por parte da trabalhadora ou do trabalhador, devem ser formalizadas por meio de previsão em acordo individual, ou, ainda, em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho. A inclusão das diretrizes em normas coletivas, decerto, determina efetiva segurança às partes, no que concerne à validade do atermado, tendo em vista o entendimento pacificado pelo STF no tema 1046 da tabela de repercussão geral. No mais, a legislação traz uma sequência de disposições a tratar da prevenção e do combate ao assédio sexual e outras violências enfrentadas pelas mulheres no ambiente laborativo. As empresas devem estabelecer códigos de conduta específicos em relação ao tema, concedendo-lhes ampla divulgação entre seus colaboradores. Outrossim, é necessário que sejam estabelecidos procedimentos para recebimento e apuração de denúncias e fatos, além da aplicação de sanções, atentando-se para o anonimato do denunciante. Ações de capacitação, orientação e sensibilização das equipes - em todos os níveis hierárquicos - sobre o tema são imprescindíveis. Por fim, a lei cria o "Selo Emprega + Mulheres", que se destina a reconhecer as empresas que se destaquem na organização e manutenção de creches e pré-escolas a atender as necessidades de suas colaboradoras; bem assim aquelas que adotem boas práticas, tais como o estímulo à contratação, à ocupação de postos de liderança e à ascensão profissional de mulheres, a divisão igualitária da parentalidade, a promoção à cultura da equidade de gênero, a oferta de vagas flexíveis, o efetivo apoio a trabalhadoras em caso de assédio/violências, além da implementação de programas de contratação de mulheres em situação de vulnerabilidade. As empresas que receberem o "Selo Emprega + Mulheres" deverão prestar contas anualmente, a fim de comprovar a regularidade da adoção das práticas que determinam a concessão da insígnia. Importante atentar para o fato de que microempresas e empresas de pequeno porte que receberem o selo serão beneficiadas com estímulos creditícios. Como se pode observar, a atual legislação trabalhista tem inúmeras previsões que, caso aplicadas de maneira efetiva, podem e devem representar grandes avanços no caminho da equidade de gênero no mercado de trabalho. A tarefa das empresas, daqui em diante, como agentes modificadores da sociedade, será, portanto, promover e dar efetiva aplicação à norma. A mudança se faz coletivamente, de sorte que não basta o intuito, sendo necessária ação contínua e direcionada em busca de uma sociedade mais justa e igualitária!