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Meio de campo

Textos sobre Direito Esportivo e mercado.

Rodrigo R. Monteiro de Castro
quarta-feira, 20 de março de 2019

O Estatuto Social do Vasco

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo O Club de Regatas Vasco da Gama - ou, simplesmente, o Vasco - é uma associação: pessoa jurídica não empresarial, sem fins lucrativos, cujos associados - geralmente os seus torcedores - estão divididos em 16 categorias diferentes. Em linhas gerais, tem por objeto social a realização das atividades de (i) promoção da prática de atividades desportivas em forma recreativa ou desportiva, participando de torneios e campeonatos, (ii) promoção de ações de assistência social, educacional e filantrópica e (iii) desenvolvimento da formação de atletas olímpicos e paralímpicos. A estrutura de poder do clube se divide em 5 órgãos: (i) Assembleia Geral; (ii) Conselho Deliberativo; (iii) Conselho de Beneméritos; (iv) Conselho Fiscal; e (v) Diretoria Administrativa. Com exceção da Diretoria Administrativa, que possui 1 presidente e 2 vice-presidentes, todos os demais órgãos têm o exercício de suas funções dirigido por 1 Presidente e 1 vice-presidente. Conforme disposto no art. 45, §5º do estatuto, os mandatos do Presidente da Diretoria Administrativa, bem como dos membros efetivos do Conselho Fiscal serão de 3 anos, consecutivos e concomitantes, admitida apenas uma recondução. Na hipótese de recondução do Presidente da Diretoria, aliás, dispõe o estatuto que ficarão inelegíveis na eleição subsequente, para o mesmo cargo, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins até o 2º grau ou por adoção do Presidente reeleito. Além dessa vedação, também são inelegíveis, por exemplo, os (i) condenados por crime doloso em sentença definitiva, (ii) inadimplentes na prestação de contas do Vasco e/ou de recursos públicos, (iii) afastados de cargos de entidade desportiva, inclusive por gestão patrimonial ou financeira irregular ou temerária, e (iv) inadimplentes de contribuições previdenciárias ou trabalhistas. Voltando à estrutura organizacional do Vasco, a Assembleia Geral é o órgão composto pelos associados do clube e que, a cada 3 anos, deve eleger a sua Presidência e a metade, pelo menos, dos membros do Conselho Deliberativo. Compete à Assembleia, ainda, em caráter exclusivo e por escrutínio secreto, decidir sobre (i) dissolução, extinção ou fusão do Vasco, (ii) reforma ou alteração do estatuto (por proposta do Conselho Deliberativo) e (iii) destituição dos administradores (também mediante proposta do Conselho Deliberativo). O Conselho Deliberativo, por sua vez, é constituído de 300 membros, dos quais 150 eleitos, pela Assembleia, para mandatos de 3 anos consecutivos e 150 natos (associados fundadores, grandes beneméritos e beneméritos). Nos termos do estatuto (art. 75), trata-se do poder legislativo e de orientação do clube, a quem compete se reunir, ordinariamente, para deliberar sobre a proposta orçamentária, discutir e aprovar as contas e, a cada 3 anos, eleger a Mesa Diretora do Conselho Deliberativo, os membros do Conselho Fiscal e o Presidente e os 2 Vice-Presidentes do clube. Afora essas atribuições, também é de reponsabilidade do Conselho Deliberativo, por exemplo, (i) autorizar empréstimos, hipotecas, alienação de bens do fundo social e abertura de créditos, (ii) supervisionar as atividades do clube em suas relações nacionais e internacionais, (iii) decidir matéria de interesse social apresentada por outro poder do clube, (iv) aprovar e modificar o seu próprio regimento e o da Assembleia Geral, bem como (v) aprovar a prestação de contas anuais da Diretoria Administrativa, precedida de parecer do Conselho Fiscal. Já o Conselho de Beneméritos consiste no poder moderador do Vasco, sendo formado pelos associados grandes beneméritos e beneméritos, em conjunto com os Presidentes em exercício da Assembleia Geral, do Conselho Deliberativo, do Conselho Fiscal e da Diretoria Administrativa. Possui funções de caráter mais social e opinativo, em determinadas matérias, conforme disposto no art. 87 do estatuto. O Conselho Fiscal é poder autônomo e independente, cuja finalidade é fiscalizar as atividades dos administradores, detendo competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, bem como acerca das operações patrimoniais realizadas, mediante a emissão de pareceres. É composto por 3 membros efetivos e mesmo número de suplentes, todos com mandato de 3 anos. Sua atuação compreende, adicionalmente, examinar os livros, documentos e balancetes, opinar sobre a cobertura de créditos adicionais ao orçamento, opinar sobre a proposta orçamentária e denunciar erros e irregularidades, dentre outras incumbências. A Diretoria Administrativa, por fim, detém funções executivas, competindo-lhe administrar o Vasco. É formada por 17 membros, com mandatos de 3 anos, dos quais 1 Presidente, 2 vice-presidentes e 14 vice-presidentes administrativos. Incumbe à Diretoria, no âmbito de suas funções, executar as deliberações dos órgãos competentes, seguir, propor e implementar medidas e planos com vistas à expansão e ao progresso do Vasco e exercer controle sobre a vida econômica e financeira da entidade, junto a outras atribuições. Ao Presidente da Diretoria compete, de maneira exclusiva, representar o clube, escolher os seus Vice-Presidentes administrativos, assinar contratos e títulos de crédito, bem como autorizar despesas ordinárias e respectivos pagamentos, dentre as várias responsabilidades previstas no art. 99 do estatuto. Os Vice-Presidentes administrativos comandam, cada um, os seus respectivos departamentos: jurídico, médico, de divulgação e relações públicas, de comunicações, de patrimônio, de finanças e de futebol, entre outros. Esses departamentos contam com divisões internas: o de futebol é segmentado em profissionais, amadores e promoções e gerência, e o de finanças em contabilidade, tesouraria e cobrança, por exemplo. Há, ainda, um capítulo dedicado exclusivamente ao regramento das finanças do clube, no qual se verifica valorização do orçamento, como norte a ser seguido pela administração. Prescreve-se um rito de transparência, no art. 122, §5º, calcado na publicação no site do Vasco das cópias do estatuto, de convênios, contratos e demais instrumentos firmados com o poder público, além dos relatórios finais de prestação de contas e da relação atualizada dos dirigentes. Também há um capítulo que trata da prestação de contas do clube e seu procedimento.
quarta-feira, 13 de março de 2019

Renovela do futebol brasileiro

O tema da criação de um mercado do futebol no Brasil é mais do que novelesco. Tornou-se uma espécie de seriado com temporadas sem fim, concebido para nunca terminar; uma renovela. Enquanto as pessoas se deleitam ou se horrorizam com episódios grotescos, os pouquíssimos donos do futebol se beneficiam das riquezas que ele gera. O jornalista Juca Kfouri, em artigo publicado na edição de nº 32.848 da Folha de São Paulo, de 10 de março de 2018, traçou a linha do tempo dessa história: começa com a Constituição Federal de 1988, que trancou o futebol nos clubes associativos. Depois passa pelas Leis Zico e Pelé, que, cada uma a seu tempo e por meio de técnicas ou instrumentos distintos, tentou incentivar a transformação dos clubes em empresas, por meio de movimentos formais. Chega-se, enfim, à Lei do Profut, que trouxe nova tentativa de estimular a passagem ao modelo empresarial, desta vez pela via das vantagens de natureza tributária. Esses três últimos movimentos apresentam um elemento comum: a preocupação com a forma, e não com o conteúdo (ou com a materialidade). Imaginava-se que a simples adoção do modelo empresarial resolveria as mazelas organizacionais dos times brasileiros. A Lei do Profut teria ido adiante nessa imaginação, se não tivesse ocorrido veto presidencial: pois, afinal, não previa ou regulava a criação de um novo mercado (ou de um novo ambiente, sustentável), e, por outro lado, oferecia benefícios que seriam aproveitados pelos mesmos agentes que conduziam - e conduzem - o futebol há anos. Curioso que o veto não foi motivado pela inexistência de instrumentos aptos a modificar o sistema, mas pela preocupação, equivocada, de que o Profut afetaria a arrecadação do Governo - que, além de não arrecadar, é o principal "subsidiador" do futebol. Após o Profut surgiram algumas iniciativas, que podem ganhar força com o aparente interesse do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e de integrantes do Poder Executivo. Divulgou-se, aliás, na coluna do dia 6 de março do jornalista Ancelmo Gois, em O Globo, que Rodrigo Maia estaria interessado em propor um modelo que atraísse o investidor estrangeiro. Parece, enfim, que se iniciará uma nova e fundamental temporada. Nessa renovela, os Poderes Executivo e Legislativo devem atentar para os seguintes aspectos: (i) a reforma não pode ser formal, com a criação apenas de uma figura societária que seja instrumentalizada para deslocar o modo de dominação atual. As leis Zico e Pelé mostraram que esse caminho não funciona; (ii) ela (a reforma) também não pode ser concebida para simplesmente oferecer benefício tributário às empresas futebolísticas. Esse é o pior dos cenários: manutenção da arcaica estrutura de poder, que se beneficiará à conta do contribuinte; (iii) a reforma deve criar o novo ambiente, um ecossistema sustentável, que resguarde o futebol como patrimônio cultural e atraia capitais, nacional e estrangeiro - tanto faz -, para esse ambiente; (iv) ela deve instituir técnicas obrigatórias de governança, controle interno e externo, transparência e fiscalização. Sem isso, o futebol atrairá apenas dinheiro e agentes aventureiros (e eventualmente a procura de "limpeza"); (v) a reforma deve criar instrumentos de financiamento do futebol. Sem recursos para investimentos, não se diminuirá a distância para os times europeus e se intensificará o modelo exportador de jogador em formação, hoje assumido pelos clubes brasileiros; (vi) apesar das críticas à proposta puramente tributária, o tema não pode ser ignorado na reforma que se pretende. O futebol vem sendo subsidiado há décadas, e o rompimento drástico poderá ser fatal. Uma fase de reeducação deve ser projetada, durante a qual o setor se beneficiará de um regime tributário transitório; e (vii) a reforma, por fim, não pode fechar os olhos à realidade social do País e ao papel transformador que o futebol deveria exercer, especialmente em relação às classes menos favorecidas. A partir da atividade futebolística, muitas outras atividades - turismo, serviços, construção, indústria - poderão se desenvolver. Daí a importância da criação do novo mercado do futebol. No mencionado artigo, o jornalista Juca Kfouri conclui afirmando que, caso o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, se dê bem no projeto que aparentemente irá defender, fará um gol à altura de seus maiores ídolos: craques que encantaram o mundo com a camisa do Botafogo. Discordo. O gol terá outra dimensão. Ele transcenderá o gramado ou o estádio, ou a paixão clubística. Será um dos maiores gols da história recente do país, que contribuirá para a necessária transformação social e econômica, por intermédio do futebol, o vibranium brasileiro. Será um gol para colocar o seu autor, seja ele quem for, entre os maiores brasileiros da história.
quarta-feira, 6 de março de 2019

Disruptivo

Texto de autoria de José Francisco C. Manssur Há termos, geralmente frutos do nosso proverbial anglicismo, que invadem nosso vocabulário cotidiano sem mais nem porque e, de repente, estamos todos ouvindo, falando e lendo determinada expressão que, dias atrás, sequer passava pela nossa cabeça. A coisa se encaixa com tal naturalidade que ficamos constrangidos de perguntar ao interlocutor o que tal expressão significa. Ficamos ali, tentando na conversa pegar pelo sentido, ansiosos para estarmos logo diante do Google, para pesquisar o significado da palavra da moda da vez. Comigo aconteceu com a palavra "disruptivo". De uma hora para outra, disruptivo invadiu a minha vida e em todo lugar era repetida, sem que, por ignorância minha, conseguisse encaixar real sentido ao termo. Antes que me julgue, eu procurei o significado do termo e descobri que está na moda desde o começo de 2017, pelo menos. Eu é que não sabia. A palavra vem do inglês sim, tendo surgido e passado a ser utilizada na forma de elogio, nos meandros das inovações tecnológicas. Veio para nossa língua cotidiana a partir daquela outra língua que se fala nos cowrkings, nos cubos, nas incubadoras das startups. Sinais dos tempos. No âmbito comportamental, uma atuação disruptiva é aquela que vem interromper a ordem natural das coisas. O aluno que tem comportamento disruptivo é aquele que se porta de modo a atrapalhar o andamento normal das aulas. É algo a ser repreendido. Já no campo da inovação, o disruptivo é elogio. Uma invenção disruptiva é inovadora, moderna, radical. Algo que rompe com a estrutura existente e cria uma nova. Uma inovação disruptiva é, nesse campo, meritória, mesmo que venha a ocasionar o fim do contexto anterior. As plataformas que nos permitem ouvir músicas a partir de aplicativos baixados em nossos celulares pode ser caracterizada como disruptiva em relação aos discos/cd's que todos tínhamos e poucos ainda têm. O futebol brasileiro nunca precisou tanto de uma inovação disruptiva. Precisa de uma mudança de rumo, de uma ruptura radical com o velho e a adoção do novo. Mesmo que isso signifique que muitos valores e ativos da estrutura atual venham a desaparecer. O disruptivo no futebol, primordialmente, é o abandono da gestão feita pelos nossos clubes-associação, a forma amadora de administração calcada nos processos políticos pelos quais amadores "bons de voto" que são eleitos por uma coletividade que representa algo como "0,0 alguma coisa" do contingente de torcedores dos clubes. É a separação dos clubes sociais, recreativos das atividades de gestão do futebol profissional, para que estas últimas sejam tocadas por empresas, que visam o lucro e, para tanto, estejam obrigadas a adotar as melhores práticas de governança a fim de oferecerem ao seu torcedor-cliente um produto atraente e que gere recursos para sua manutenção e melhoria, sempre. Não se nega que para o protagonista do modelo atual de administração dos nossos clubes, essa proposta pode ser vista como o disruptivo comportamental, aquele que provoca desordem, que atrapalha o andamento das coisas "como sempre foram". Mas o que "sempre foi" não serve mais. E quem observa a situação atual do futebol brasileiro não pode, honestamente, entender diferente. E, nesse ponto, é bom mencionar que a disrupção proposta não nega os valores e as virtudes de tudo que foi feito até aqui. Quem ouve suas canções prediletas no aplicativo Spotfy, não nega que já se emocionou muito ouvindo música no disco de vinil. A disrupção de que o futebol brasileiro tanto necessita é a adoção de um regime legal que preveja a Sociedade Anônima do Futebol como forma societária indicada para a gestão dos nossos clubes de futebol profissional. Essa é a inovação que pode nos tirar do passado e levar ao futuro. Por agora e até que surja outro, esse é o nome do jogo.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

O time da Red Bull

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo O Red Bull Brasil - ou, simplesmente, RB Brasil - é uma das surpresas que o campeonato paulista costuma oferecer. O time sediado em Campinas e que, de certa forma, é uma extensão, ao esporte brasileiro, da marca que lhe dá nome, hoje é o 2º colocado não só do Grupo A, mas também de todo o estadual, estando atrás apenas do Santos Futebol Clube na classificação geral. Hoje, e até aqui, repete o sucesso (ainda que momentâneo) traçado por outros times de fora da capital de São Paulo, como o Ituano campeão em 2014, e o Audax vice-campeão em 2016. É claro: é cedo, muito cedo, para cravar ou prever qualquer tipo de êxito maior para o RB Brasil em um futuro próximo; entretanto, a sua trajetória atual já é digna de nota. Mas o mais interessante nisso tudo é que o time da Red Bull é, de fato - e de direito -, o time da Red Bull. Assim como o RasenBallsport Leipzig, na Alemanha, o Fussball Club Red Bull Salzburg, na Áustria, e o New York Red Bulls, nos Estados Unidos, o RB Brasil pertence à empresa conhecida pela bebida energética (e pelo slogan). Ou seja, tem dono, e esse dono é uma multinacional, que também investe no mercado esportivo mundo afora. O RB Brasil é gerido - e titularizado, de maneira direta - pela Red Bull Futebol e Entretenimento Ltda. ("Red Bull Ltda."): pessoa jurídica de direito privado, organizada sob a forma de sociedade empresária limitada. A Red Bull Ltda. tem como sócios 2 sociedades estrangeiras, sediadas na Áustria: a RED BULL GmbH, proprietária de quotas representativas de 99,99% do capital social, e a RED BULL Hangar-7 GmbH, titular dos 0,01% restantes. O seu objeto, nos termos do art. 3º do contrato social, consiste na realização das seguintes atividades: "(a) criação e manutenção de equipes profissionais e não-profissionais de futebol; (b) gestão de instalações esportivas; (c) planejamento, produção, realização, gerenciamento, promoção e divulgação de eventos e atividades esportivas e futebolísticas, com ou sem patrocínio; (d) transação, negociação e/ou cessão de direitos referentes à contratação de atletas profissionais e não-profissionais, nos âmbitos nacional e internacional; (e) comercialização de materiais esportivos relacionados ao futebol e a outras atividades esportivas; (f) licenciamento de marcas para terceiros; (g) veiculação da publicidade de terceiros; e (h) participação em outras entidades ou sociedades, seja corno associada, sócia ou acionista". Um extenso rol, mas que, de uma forma ou de outra, compreende atividades que fazem parte do negócio futebolístico. A própria importância do futebol para essa sociedade pode ser presumida a partir de outro artigo do seu contrato social, o qual dispõe que "em todos os campeonatos, certames e competições que participarem, as equipes de futebol da Sociedade utilizarão o nome 'RED BULL BRASIL'". Apesar de uma aparente sofisticação, que poderia ser, a princípio, deduzida do fato de se ter uma sociedade empresária como titular dos ativos futebolísticos, a estrutura administrativa do RB Brasil - pelo menos do que se depreende do seu contrato social - não se revela complexa. A Red Bull Ltda. é administrada por uma Diretoria, composta por até 3 Diretores, dentre os quais 1 Diretor Presidente e 2 Diretores sem designação específica. Atualmente, contudo, um dos cargos de Diretor sem designação específica está vago. Nos termos do art. 7º do contrato social, compete ao Diretor presidente, agindo em conjunto com um dos Diretores sem designação específica, a prática de todos os atos necessários ou convenientes à administração da Red Bull Ltda., como compra e venda de bens móveis, assinatura de documentos e constituição de procuradores. Sem prejuízo do disposto acima, qualquer Diretor está autorizado a agir individualmente para a representação e a defesa dos direitos e interesses da sociedade perante a Confederação Brasileira de Futebol - CBF e a Federação Paulista de Futebol - FPF, inclusive participando de reuniões e proferindo votos. Não há, além da Diretoria, qualquer outro órgão administrativo formalmente instituído. Existe no contrato social, ainda, previsão a respeito do Conselho Fiscal, de funcionamento não permanente, composto por 3 membros. Ao que nos consta, referido Conselho não está instalado, entretanto. Sobre as reuniões de sócios, elas devem ocorrer (i) anualmente, em caráter ordinário, para tomar as contas dos administradores, deliberar sobre o balanço patrimonial da sociedade e demais documentos relativos às contas sociais, bem como designar administradores e membros do Conselho Fiscal, se o caso, e (ii) sempre que exigido por lei ou necessário, em caráter extraordinário, para alguma deliberação. Trata-se, assim, de espelho das regras aplicáveis às sociedades limitadas, dispostas no Código Civil. Além do exposto, e de outros dispositivos comuns a sociedades limitadas em geral, inexiste outra regulamentação acerca do modelo de governança conduzido na Red Bull Ltda. Percebe-se, portanto, que, pelo menos com base no contrato social, a estrutura administrativa dessa sociedade é simples; o que não significa, necessariamente, que não existam políticas e regras a respeito do tema, as quais podem estar estabelecidas à parte do instrumento contratual. Importante ressaltar que as decisões são tomadas exclusivamente pelas sociedades austríacas, únicas sócias da Red Bull Ltda. Ou seja, nesse modelo, não há, ao que parece, possibilidade para a participação de torcedores - ainda que indiretamente, por meio de pessoa jurídica sócia da Red Bull Ltda. Infelizmente, no entanto, os documentos e informações disponíveis não permitiram uma análise aprofundada do modelo de gestão que vem sendo aplicado para o RB Brasil. Aliás, não permitiram nem mesmo se ter a certeza se as regras contidas no contrato social são, de fato, as únicas existentes.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O fim da história do São Paulo Futebol Clube

Não, o São Paulo não vai acabar. Não é disso que trata este texto. O que chega ao fim é a sua história, conforme vinha sendo construída - e contada. Uma nova fase - e uma nova história - já começou e o introito não é soberano. O futebol brasileiro foi majestoso enquanto o processo de profissionalização na Europa não iniciara ou não se concluíra. Além de títulos mundiais, os campeonatos nacionais eram relevantes, os times (relativamente) fortes e os jogadores se formavam e se mantinham por longo período desfilando em campos locais. Não havia ambiente para que um time se distanciasse muito dos demais. Os recursos eram poucos e as técnicas amadoras. A formação de jogadores era pródiga e, mesmo que um grande time passasse anos sem um título, conseguia inverter a sorte, tornar-se campeão e, a partir daí, retomar sua posição no cenário nacional. A política clubística atrapalhava, mas não destruía - porque não se atuava em ambiente profissionalizado e tecnológico. O São Paulo soube, como nenhum clube, sobretudo a partir da década de 1970, operar no ambiente amador do futebol brasileiro. Nesse período - ou nessa fase da história - foi o maior. Ocorre que a economia do futebol mudou. Quem tem recursos deixa quem não tem para trás. Não há mais limite para o distanciamento entre quem se organiza e não se organiza. A realidade de mercado foi desprezada pelo São Paulo. Enquanto admirava sua soberania, incorporando a patologia de Dorian Gray, os adversários se organizaram e, em muitos aspectos, o superaram: estádios, centros de treinamento, títulos internacionais; o que era exclusivo, passou a ser detido por todos - ou quase todos. Para agravar a situação, o São Paulo mergulhou em seus dramas políticos e, paradoxalmente, manteve sua postura de auto-adoração. O ápice foi a renúncia do presidente Carlos Miguel Aidar. Na esteira desse episódio, seu sucessor e atual presidente, Leco, aprovou uma reforma estatutária que se anunciava como a via modernizadora que colocaria o São Paulo à frente de todos os demais. Ao menos a arquitetura estatutária fora desenhada para esse fim. E o que aconteceu desde então? O São Paulo continua a ser o mesmo de sempre, ensimesmado em suas glórias do passado, abusando de uma ilusória soberania. A culpa tem um nome? Não. A culpa é coletiva. As instituições (ou os órgãos) e os indivíduos falharam, dos associados aos dirigentes, passando pelos torcedores. Uns têm mais culpa do que os outros, evidentemente, mas todos (ou quase todos, com raras exceções) foram coniventes com a manutenção do modelo arcaico de administração de um estatuto contemporâneo. Dois exemplos ilustram essa afirmação. O primeiro diz respeito ao papel do conselho de administração. Sua criação simbolizava o ritual de aprendizagem e de passagem ao modelo realmente empresarial, de que se falará a seguir. Trata-se de órgão que deveria definir a orientação geral, fiscalizar, controlar e estabelecer relações com o mercado, e a exigência estatutária de membros independentes prenunciava o ingresso de pessoas de mercado - como é o caso do conselho do Bayern Munich, que conta com a participação do chairman da Volkswagen, do conselheiro sênior da Allianz, do conselheiro da UniCredit Bank, do CEO da Deutsche Telekom e do CEO da Deutsche Börse -, capazes de ajudar a implementar o processo transformacional que se anunciava. O segundo envolve um processo interno que já deveria ter sido finalizado, de acordo com o art. 170 e seguintes do estatuto social - pelo que se noticia, está parado no conselho de administração desde maio de 2018 -, e culminaria numa pergunta aos associados: querer ou não querer o deslocamento do futebol para uma empresa autônoma, controlada pelo São Paulo e dirigida profissionalmente. A realidade é que a tensão atual, marcada pela insatisfação da totalidade dos torcedores, não tem nada a ver com a promessa de transformação estrutural que o estatuto trouxe, mas com a falta de título. Se o São Paulo estivesse ganhando, mesmo que à conta do comprometimento futuro, talvez ninguém - ou quase ninguém- se insurgisse. A falta de títulos não é, porém, a causa do problema; é a consequência. Aliás, qualquer ataque institucional por esse motivo, por mais doloroso que seja, é ilegítimo. O São Paulo perdeu a oportunidade, logo após o início do segundo mandato de Leco, de pular no trem vitorioso de sua nova história; se ainda correr, e muito, conseguirá pegá-lo na estação seguinte. Se o perder novamente, já não haverá mais meio de alcançá-lo. E aí talvez seja realmente o fim de um grande time, que apenas terá um grande passado.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Acorda, Brasil!

Não há como deixar de se estarrecer com a tragédia que fulminou as vidas de 10 meninos brasileiros enquanto sonhavam, no Ninho do Urubu, com a carreira de jogador de futebol. O estarrecimento só não é maior porque este país é pródigo em produzir eventos trágicos e, pouco tempo depois, esquecê-los, pela superveniência de outro ou pela revelação de novo esquema de corrupção. O incêndio, porém, é a ponta do iceberg, infelizmente; uma pequena (apesar de doloridíssima) expressão do abandono e dos atentados que se cometem repetida e cotidianamente. A escola pública, com poucas exceções, é incapaz de atrair e de estimular a frequência das crianças cujos pais não podem pagar pelo ensino privado; o sistema público de saúde não atende, com mínima dignidade, esses mesmos pequenos; e o esporte nacional, que poderia ser uma alternativa de projeto de vida, é um fracasso. Sim, com exceção do vôlei, que recebeu massivo investimento estatal, somos um fracasso. Nem mesmo eventos grandiosos, como os Jogos Pan-Americanos e as Olimpíadas, transformaram essa realidade. O país saiu deles tão pequeno (ou ainda menor) do que entrou. Essas tragédias esportivo-organizacionais - sim, tragédias, pois serviram para direcionar riquezas aos poucos agentes que controlavam o processo, por meio da construção de equipamentos desnecessários e do desvio de recursos que, se aplicados em saúde e educação, poderiam revolucionar a vida de milhões de pessoas - se perderam em contas bancárias no exterior ou no financiamento da corrupção local. É verdade que temos Guga, Medina, Daiane dos Santos e outras poucas estrelas mundiais. São exceções. Frutos, na origem e em grande parte - ou exclusivamente -, do esforço pessoal e do sacrifício familiar. Não existe planificação, não existe investimento estruturado, não há preocupação, do ente privado ou do público, com a atividade esportiva. O futebol parecia ser diferente: um gerador espontâneo de jogadores, para deleite das massas e aproveitamento dos políticos de plantão. A espontaneidade foi sendo suplantada pelo desenvolvimento econômico e tecnológico, que não soube, em contrapartida, aproveitar, incorporar ou transformar o futebol no Brasil. Enquanto isso, na Europa, o futebol passou por processo de profissionalização, modernização e internacionalização, não raro com a participação do Estado, como regulador. Importante, muito importante: a atuação estatal se restringiu à sua função reguladora, e não como forma de intervenção ou de participação na empresa futebolística. Aí se revelam as origens do problema do futebol brasileiro, que o estão transformando num fracasso, assim como as demais atividades esportivas praticadas no país: o entreguismo e a negligência. O entreguismo está institucionalizado (e constitucionalizado) no art. 217 da Constituição Federal. A equivocada opção - talvez justificada, em momento de transição, pelo temor da intervenção estatal - resultou na entrega do mais precioso bem de nossa cultura aos clubes associativos: entidades herméticas, altamente politizadas e inaptas a (i) desenvolverem atividade econômica que se tornou complexa e a (ii) realizarem a finalidade social a que estão destinadas. O futebol, em sentido figurado, é prisioneiro dos clubes e, por consequência, do retrógrado sistema cartolarial. A negligência se reflete na incapacidade ou na falta de vontade de atuação estatal para libertar o futebol, por meio de adequada regulação; como fizeram, aliás, países de diferentes matizes ideológicas, a exemplo de Inglaterra, Alemanha e Espanha. Por essa situação desoladora são - e somos - todos responsáveis: o executivo porque não percebe a relevância social e econômica do futebol; o legislativo porque não legisla ou se curva aos interesses da CBF e de Federações (principais beneficiárias do modelo associativo atual); a imprensa porque mantém-se na zona de conforto da crítica vaga e superficial ou puramente esportiva; os intelectuais porque (com raras exceções) não reconhecem o valor social e cultural do futebol; e a sociedade civil porque identifica apenas as suas funções lúdicas ou supostamente alienantes. Essas são as causas do maltrato. O Brasil maltrata, sim, o futebol: uma atividade que poderia contribuir, como talvez nenhuma outra, para o desenvolvimento social e, de modo relevante, para o desenvolvimento econômico. O maltrato mata o sonho de milhares de crianças e impede que, por meio do futebol, o acesso, a frequência e o apego à escola sejam estimulados. Está na hora de o Estado brasileiro (isto é, o seu Governo Federal) despertar e, por meio de uma arquitetura regulatória apropriada, oferecer as vias societárias e de financiamento adequadas para que se possa, enfim, correr atrás do prejuízo. Acorda, Brasil!
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O dilema Moreira Salles

João e Walter Moreira Salles trouxeram alguma esperança ao futebol brasileiro. A ilusão de que pudessem adquirir o Botafogo ecoou pelo país, criando a expectativa - equivocada - de que, com essa iniciativa, se escreveria o roteiro de uma história com final feliz. Porém, a propagação da notícia logo perdeu o ímpeto, indo-se com ela nova oportunidade para empreender-se um debate sobre as causas dos males do futebol e os remédios para combatê-los. Assim, a suposta iniciativa dos irmãos deixou de ser enfrentada com a devida profundidade, restando, por ora, apenas para memória, um punhado de textos tratados, em sua maioria, de modo superficial. De todo modo, ainda vale investigar: a entrada da família faria bem ou mal ao Botafogo? Além disso: repercutiria, positiva ou negativamente, no modelo organizacional do futebol brasileiro? Não se duvide da boa intenção dos irmãos; aliás, é provável que ambos fossem realmente capazes de ajudar o Botafogo, aportando recursos a fundo perdido, se reconhecessem a possibilidade de inauguração de um novo modelo administrativo, imune aos equívocos e às apropriações indevidas que o transformaram numa espécie de entidade vegetativa, que ainda sobrevive à conta da paixão de seus torcedores. No entanto, parece que o propósito deles é muito mais profundo - e, adotando-se expressão da moda, republicano - do que se divulgou, e não se resume ao aproveitamento de uma oportunidade (financeira ou sentimental). Em carta ao Blog do Juca, um dos irmãos, João, afirmou que eles não estavam analisando a compra do time, por diversos motivos, dentre os quais o reconhecimento do fracasso do modelo administrativo atual. Por outro lado, estariam comprometidos com o estudo de uma nova forma de estruturação da atividade futebolística e esperavam oferecer alternativas para que o Botafogo pudesse, a partir delas, escolher seu caminho. Esse posicionamento se coaduna com a provocação do Jornalista Juca Kfouri, que, apesar de reconhecer a boa intenção dos Moreira Salles, defendeu - e defende - que atos de generosidade não solucionarão o problema estrutural do futebol brasileiro. O diagnóstico está correto. Desde o advento da Lei Pelé colecionam-se casos de pessoas - ou empresas - que se apresentaram como salvadoras, transferiram recursos para determinados times, obtiveram êxitos momentâneos e, em algum momento, por esgotamento, perda de interesse ou revelação dos verdadeiros propósitos, interromperam o processo e o fluxo de capital, e, então, desapareceram. É possível que esse também fosse o desfecho das pretensões dos irmãos, caso se aventurassem por esse ambiente que, como todos sabem, asfixia o futebol brasileiro e repele iniciativas construtivas. Não se pretende aqui, no entanto, condenar eventuais medidas isoladas. Elas podem atacar problemas pontuais e, conforme o caso, criar sensação de estabilidade, no âmbito do modelo existente, que é pródigo na construção de instabilidade. Porém, jamais induzirão a formação do ecossistema sustentável que o futebol reclama - e merece. O Palmeiras é, nesse sentido, o melhor exemplo, assim como também foi durante os anos em que recebeu, na década de 90, recursos quase ilimitados de determinado patrocinador transnacional. Nada atesta que o seu atual sucesso seja sustentável e, pior, que melhorará o ambiente do futebol: primeiro, porque não é replicável e, segundo, porque é escorado em uma relação de dependência e subordinação. Ou seja, ou o êxito palmeirense criará um hiato insuperável em relação aos oponentes, pela ausência de meios de financiamento da atividade futebolística dos demais times, ou o seu fracasso o recolocará no medíocre patamar de captação dos concorrentes, puxando-o de volta à dura realidade terceiro-mundista. Nenhum desses casos, incluindo um hipotético investimento dos Moreira Salles no Botafogo, sob o regime associativo atual, estimula, como se demonstra, a transformação sistêmica; resolve, apenas, problemas pontuais e fragiliza as já débeis estruturas internas, que costumam desmoronar com o fim, amigável ou não, das "parcerias". Tais situações revelam, por outro lado, que há interesse no futebol brasileiro e que, se até este ponto os times locais não foram capazes de encontrar soluções sustentáveis para o enfrentamento da competição com os principais times europeus, isso se deve (i) à inexistência de um marco regulatório apropriado e (ii) à incapacidade da sociedade de reconhecer a importância social e econômica do futebol para a população brasileira e para o país. Espera-se, assim, que o Dilema Moreira Salles contribua, ao menos, para inserir o futebol no centro das mais relevantes discussões de governo e para estimular a criação, a partir do regime da sociedade anônima do futebol, do novo sistema (e do novo mercado) do futebol.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

O saldo (e o salto) do palmeiras campeão

Savério Orlandi O Palmeiras alcança o final da temporada de 2018 com expressivo saldo esportivo e financeiro, figurando, além do vice campeonato paulista e das semifinais da Copa do Brasil e da Taça Libertadores da América, como legítimo campeão brasileiro, dono de uma marca valiosa e de um resultado econômico exuberante, um time forte, um clube badalado, uma patrocinadora celebridade e, sobretudo, um futuro promissor. Na conquista esportiva, sem margem de dúvida, crédito ao numeroso e qualificado elenco, bem como ao comando de Luiz Felipe Scolari, que teve como maior mérito desde sua chegada fazer com que toda a sua banda, nela incluída jogadores, diretoria, staff e colaboradores em geral, tocassem "em uma nota só", conduzindo-a assim à quebra de recordes, tabus e, no final, ao merecido título brasileiro. É incrível, e também diga-se inequívoco, o gigantesco progresso do Palmeiras em um processo que conta com pouco mais de 5 anos, que teve origem na Série B no ano de 2013 até sua plena validação com o título conquistado em São Januário, passando pelo início da operação de sua Arena, pela alavancagem e consolidação do seu programa de sócio torcedor, pelo aprimoramento de sua estrutura física de apoio, pela montagem de elencos competitivos, aportes de patrocínio, além do elogiável saneamento financeiro levado a efeito, circunstâncias que fizeram com que o clube, que sequer aderiu ao PROFUT, galgasse protagonismo no futebol brasileiro nestes últimos quatro anos com marcas e títulos conquistados, indicando neste instante sinais evidentes de que esta realidade dificilmente será abalada nos próximos anos. Justiça seja feita, boa parte da condição atualmente experimentada deve-se à exitosa gestão do ex-mandatário Paulo Nobre, que com notória tenacidade e envolvimento direto e pessoal, inclusive financeiro, foi responsável por enorme e consistente processo de transformação do clube pavimentando o caminho que é trilhado atualmente, tendo ao final do seu ciclo, por melindres pessoais intransponíveis, lamentavelmente optado por se afastar, abdicando até mesmo de exercer a liderança para a qual se forjou. Coube então ao atual mandatário Maurício Galiotte, ainda que diante das intempéries políticas incidentes desde o início do seu mandato, dar continuidade aos avanços e ao próspero caminho alinhavado, dando sequência e fortalecendo todos os fundamentos esportivos e econômicos, responsáveis pela pujança hoje evidenciada pelo clube em seus mais variados aspectos componentes. Agora em seu novo mandato e totalmente desvinculado dos laços e forças que o elegeram para o mandato primitivo, desta feita ao lado de equipe da sua livre escolha, o desafio do Presidente é administrar o clube com o mais elevado critério e uma dose equilibrada de ousadia e responsabilidade para executar o portentoso orçamento anual da ordem de 600 milhões de reais, perenizando a sustentabilidade financeira através não só da manutenção, como do incremento das suas variadas receitas, zelando para que a multifacetada patrocinadora mantenha sua participação e valiosa contribuição sem que isso implique em ingerência indevida, transgressão de normas estatutárias e/ou violação de comportamentos éticos através da utilização dos seus diversos "chapéus", e também controlando os arroubos perdulários e midiáticos de seu capaz executivo na condução do departamento de futebol. E também ter a sagacidade, e antes de tudo o próprio respeito, de se relacionar e ouvir os grupos contrários às suas opiniões, a quem se recomenda, além da coesão em torno de um novo líder diante da lacuna deixada pelo mandatário antecessor, atuação que seja construtiva, em especial, propositiva, sempre no estrito interesse do clube. Pois bem. Como vemos, a "parte do campo", com base nos vários indicativos favoráveis, está resolvida; o clube tem um elenco recheado, que se fortalece a cada ano através de novas contratações, se renova através da categoria de base cada mais vez estruturada e vencedora, e conta com o trabalho de uma equipe de suporte bem dimensionada e bastante capacitada ao desempenho de suas multidisciplinares funções, o que cria o ambiente propício à sua consolidação esportiva como protagonista e manutenção do espírito competitivo necessário às desejadas futuras conquistas, razão de ser do futebol. Mas não é só! O Palmeiras, hoje, essencialmente é um clube apto ao alcance de outros patamares, talvez o que no momento reúna e seja detentor das maiores credenciais ao caminho da "europerização" da sua existência, criando paradigmas que tragam a reboque outros clubes e o futebol brasileiro como um todo. Deve, para tanto, reforçar os alicerces e criar os mecanismos pertinentes, modernizando de forma definitiva seu Estatuto, objeto de alterações por conveniência nos últimos anos que não se preocuparam com finalidades precípuas e contaminaram sua sistematização, formatando estudo de viabilidade da separação dos ativos relacionados à atividade do futebol do clube social, definindo modelos de governança, enfim, preparando o clube para um futuro e grande salto, quiça ancorado na normatização a ser conferida pela Lei da Sociedade Anônima do Futebol -SAF atualmente em tramitação no Parlamento, que dará o suporte legal necessário ao fomento econômico e social dos agentes envolvidos no esporte, criando o ambiente mercadológico propício à transformação da realidade atual observada nos deficitários clubes e da própria atividade futebolística no Brasil. O que se dirá do Palmeiras, daqui alguns anos, se capaz de transacionar ações em mercado aberto, de criar novos canais de investimento através de fundos, de permitir à sua imensa coletividade participação efetiva, inclusive em resultados, de se cotizar e incorporar integralmente os negócios da sua Arena através de operação que envolva a aquisição dos direitos hoje titulados pelo seu parceiro construtor, de gerar lucro, de distribuir dividendos... O voo é possível; o sonho, infinito! __________ Savério Orlandi é sócio filiado e consultor jurídico da ABEX (Associação Brasileira dos Executivos de Futebol). Membro Vitalício do Conselho Deliberativo, Membro Efetivo do Conselho de Orientação e Fiscalização e ex-diretor de Futebol Profissional 07/10 da Sociedade Esportiva Palmeiras. Pós-graduado em Direito Empresarial pela PUC/SP, onde também se graduou. Sócio de CHBS Advogados.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

O modelo de governo do CSA

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo O desempenho do nordeste no futebol brasileiro em 2018 não teve como destaques apenas o título do Fortaleza, de positivo, e os rebaixamentos de Sport e Vitória, de negativo. A campanha do Centro Sportivo Alagoano - CSA, que havia conquistado, em 2017, o acesso da série c para a segunda divisão do campeonato nacional, e, neste ano, sagrou-se vice-campeão da série b do brasileirão, foi, de certa forma, surpreendente. E de maneira positiva, diga-se. O time alagoano foi do inferno (terceira divisão) ao céu (primeira divisão), com rápida escala no purgatório (segunda divisão). A sua estrutura organizacional, disposta em seu Estatuto, demonstra a existência de alguns mecanismos e regras interessantes. Mas, de uma forma geral, não é tão surpreendente assim. Afinal, reflete, em linhas gerais, o modelo que é replicado em quase todos os times brasileiros. De acordo com o Estatuto Social do CSA, o clube de Maceió se divide em 4 (quatro) poderes: (i) Assembleia Geral; (ii) Conselho Deliberativo; (iii) Presidência Executiva; e (iv) Conselho Fiscal; sendo os dois primeiros os órgãos de deliberação, a Presidência Executiva o de administração e o Conselho Fiscal, o de fiscalização. Constitui-se a Assembleia Geral dos associados, denominados Sócios Torcedores, de todas as categorias, desde que quites com as suas obrigações financeiras perante o clube. Reúne-se (i) ordinariamente para, a cada dois anos, eleger os membros do Conselho Deliberativo, do Conselho Fiscal e da Presidência Executiva - eleições as quais se realizam por chapas e inscrições independentes -, e, anualmente, para aprovar as demonstrações financeiras, e (ii) extraordinariamente, a qualquer tempo, para alterar o Estatuto Social, decidir sobre a extinção do CSA ou destituir os Presidentes do Conselho Deliberativo, do Conselho Fiscal ou da Presidência Executiva, dentre outros temas. Para os mandatos de Presidente e Vice-Presidente Executivos, bem como de membro do Conselho Deliberativo, aliás, admite-se apenas uma reeleição. O Conselho Deliberativo, por sua vez, nos termos do art. 41 do Estatuto Social, é formado por 100 membros titulares e 50 suplentes, com mandatos de 2 anos. Possui uma mesa diretora, constituída por um presidente e um vice-presidente, eleitos pelo próprio Conselho Deliberativo, e, ainda, por 2 secretários, indicados pelo presidente do Conselho Deliberativo eleito. Compete a referido órgão, entre as principais matérias de sua responsabilidade, deliberar sobre o orçamento e o plano de trabalho anual, apreciar, trimestralmente, o relatório do Conselho Fiscal e referendar os nomes indicados pela Presidência Executiva para as Gerências e os Departamentos. Sobre o exercício do direito de voto dos membros do Conselho Deliberativo, nas reuniões deste órgão, o art. 42 do Estatuto Social define expressa regra de impedimento, ao proibir o conselheiro de votar "quando forem julgados atos seus, pessoais ou do exercício do cargo", sendo-lhe facultado, no entanto, discuti-los. Incumbido, primordialmente, da função fiscalizatória, conforme antecipado, o Conselho Fiscal é composto por 3 membros efetivos e mesmo número de suplentes, eleitos, pela Assembleia Geral, para mandatos de 2 anos, permitida apenas uma reeleição. Interessante notar que o Estatuto Social do CSA, além de recomendar que os Conselheiros Fiscais sejam, preferencialmente, contadores, economistas, bacharéis em direito e administradores, proíbe que membros da Presidência Executiva, bem como membros do Conselho Deliberativo - e seus parentes até terceiro grau - integrem o Conselho Fiscal. Compõem as atribuições de referido órgão: (i) analisar e emitir pareceres, trimestralmente, sobre a execução do Plano Estratégico, do andamento dos projetos estratégicos e da execução orçamentária do clube; (ii) examinar trimestralmente os balancetes, os livros, os documentos e emitir pareceres; (iii) examinar anualmente e dar pareceres sobre as demonstrações contábeis; e (iv) solicitar à Presidência Executiva do CSA todos os esclarecimentos necessários ao exato cumprimento de suas atribuições. A administração do clube alagoano, por fim, é de responsabilidade da Presidência Executiva, que conta com a seguinte organização: (i) Presidência Executiva; (ii) Assessoria de Comunicação; (iii) Superintendência Administrativa, composta por Gerência Administrativo Financeira, Gerência Jurídica, Gerência de Marketing, Gerência de Patrimônio e Gerência Social; e (iv) Superintendência de Esportes, formada por Gerência de Futebol Profissional e Gerência de Esportes Olímpicos. A Presidência Executiva é exercida por um Presidente e um Vice-Presidente Executivos, com mandatos de 2 anos. Compete-lhe a representação institucional do CSA, a gestão da estratégia do clube e o acompanhamento e a execução dos projetos estratégicos, principalmente. No entanto, são atribuições exclusivas do Presidente Executivo: (i) contratar e dispensar empregados do clube, (ii) assinar, com Gerente Financeiro, cheques, ordens de pagamento, (iii) autorizar despesas previstas no orçamento, (iv) exercer a direção dos negócios do CSA, (v) assinar contratos que envolvam encargos financeiros para o CSA e (vi) firmar os contratos dos atletas profissionais propostos pelo Superintendente Esportivo, com parecer dos gerentes Jurídico e Financeiro. Posicionadas abaixo do Presidente Executivo, as Superintendências (i) Administrativa e (ii) de Esportes têm por finalidades, respectivamente, (i) garantir todos os insumos necessários ao regular funcionamento das áreas de apoio e da atividade fim do clube e (ii) planejar e executar todas as atividades esportivas do clube. As gerências subordinadas a referidas Superintendências, aliás, contam com atribuições específicas, previstas no Estatuto Social. Há, ainda, a previsão estatutária de Comissões Permanentes de Trabalho, nomeadas pelo Presidente Executivo e homologadas pelo Presidente do Conselho Deliberativo, e compostas por integrantes do quadro de associados do clube. São elas a Comissão de Planejamento e Orçamento e a Comissão de Normatização. Destaque-se, por fim, a existência de seções estatutárias dedicadas, em especial, ao patrimônio e às finanças do clube, que contam com regras a respeito de (i) proibição de alienação, gravação ou permuta dos bens do CSA sem autorização de 2/3 dos membros do Conselho Deliberativo, homologada pela maioria absoluta dos sócios presentes à Assembleia Geral, especialmente convocada para tal finalidade, e (ii) obrigatoriedade de processamento da gestão financeira e orçamentária do CSA dentro do orçamento organizado pela Comissão de Planejamento e Orçamento e aprovado pelo Conselho Deliberativo.
quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O Futebol e a arbitragem

Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco Manssur A arbitragem é um meio de solução de conflitos que se expande no ambiente empresarial desde o final da década de 90, em decorrência da promulgação da lei 9.307/96 ("Lei de Arbitragem"). Não se trata, neste caso, portanto, da função exercida pelo homem de uniforme preto (ou melhor, amarelo), que, apesar de sua função auxiliar, costuma chamar atenção por seus erros em jogos de futebol. Porém, pode ser útil no âmbito da atividade futebolística (e esportiva). O artigo 1º da Lei de Arbitragem estabelece que pessoas capazes de contratar poderão valer-se dela (da arbitragem) para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. O conceito de pessoa engloba tanto a física como a jurídica (incluindo, portanto, a empresa). As partes que celebram um contrato e pretendem solucionar eventuais litígios pela via arbitral devem convencionar essa pretensão por meio de uma cláusula compromissória. Aliás, a cláusula compromissória é definida, na Lei de Arbitragem, como a convenção mediante a qual se fixa o compromisso de submissão do litígio à arbitragem. É comum - e recomendável - que se reporte, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão institucional arbitral ("Câmara Arbitral" ou simplesmente "Câmara"), pois se tem conhecimento prévio do rito a ser adotado durante o procedimento. No âmbito da arbitragem, qualquer pessoa capaz e de confiança das partes pode ser indicada como árbitro. Porém, é comum que a indicação recaia sobre árbitros habilitados pelas Câmaras Arbitrais ou sobre especialistas da matéria. As partes podem, na cláusula compromissória, estabelecer o processo de escolha de árbitros ou adotar as regras da Câmara. É comum que se forme um tribunal composto por 3 árbitros, sendo um indicado por cada lado do conflito e o terceiro, que assumirá a presidência, indicado pelos dois outros árbitros. Também não é incomum a estipulação de árbitro único, escolhido de comum acordo pelos litigantes. Os árbitros devem, de acordo com o artigo 13 da Lei de Arbitragem, desempenhar suas funções com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. Destaca-se que está impedido de assumir a função a pessoa que tenha com as partes ou com o litígio em si, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimentos ou suspeição de juízes togados. O tribunal arbitral - ou árbitro único - é considerado juiz de fato e de direito, e a sentença proferida não se sujeita a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário. A sentença é proferida no prazo determinado pelas partes ou em 6 meses, caso não se tenha convencionado o prazo. Havendo mais de um árbitro, ela é tomada por maioria e, se não houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral. Apesar de não se sujeitar a recurso ou homologação, qualquer parte pode pleitear ao Poder Judiciário a decretação de nulidade da sentença, nos casos previstos na Lei de Arbitragem. A expansão desse meio de solução de conflitos entre empresas e empresários, conforme se apontou logo no primeiro parágrafo deste texto, decorre de três motivos principais: celeridade, especialidade e sigilo. Em princípio, a arbitragem toma menos tempo do que um processo judicial, o caso é submetido a árbitros que conhecem o tema do litígio e as disputas ficam reservadas às partes, evitando-se a publicidade e, com ela, eventuais exposições negativas. O mundo do futebol ainda está distante desse meio de solução de conflitos. São poucos os casos de estipulação de cláusula arbitral, em qualquer tipo de contrato: cessão de direitos, imagem, patrocínio, contratação com fornecedores, etc. Há, no entanto, uma experiência que vem sendo acumulada há mais de vinte anos em outras áreas do direito e setores da economia, que não deveria ser desprezada. Aliás, uma das Câmaras Arbitrais - a CAMES - lançou um projeto pioneiro, em parceria com o MDA, que consiste na criação de um núcleo especializado, composto de profissionais ligados ao esporte e com notório conhecimento sobre o tema. Esses profissionais formam o corpo de árbitros que, no caso de litígio, poderão ser escolhidos pelas partes para decidir a causa. É uma situação de especialização dentro da especialização. Trata-se, enfim, de uma aposta no conhecimento e na competência dos árbitros para formar um sistema realmente sólido de solução de controvérsias no âmbito do futebol e do esporte.
quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Estatuto Social do Fortaleza

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo Após alguns anos buscando o retorno à primeira divisão do campeonato brasileiro, o Fortaleza Esporte Clube ("Fortaleza") sagrou-se campeão da Série B do brasileirão e voltou à elite do futebol nacional. A tão esperada ascensão do Fortaleza, finalmente - que é uma das grandes forças do nordeste, ressalte-se - despertou a nossa curiosidade. Questionamo-nos se, além dos evidentes êxitos esportivos, obtidos em campo, haveria motivos de outra natureza que propiciaram tal conquista. Ou, então, se isso se tratou, na verdade, de mais um dentre os vários sucessos "casuísticos", como se tanto vê no futebol brasileiro. O Fortaleza tem, inegavelmente, uma torcida apaixonada, uma equipe de atletas que deu resultado com a bola nos pés e um técnico inspirado. Mas, será que a organização do clube - se há, de fato, alguma - teve alguma influência nesse sucesso? De pronto, o site do time cearense já chama a atenção pelo visual moderno, pelo arranjo e por ser de fácil utilização - o que, de certa forma, demonstra o cuidado com a necessidade de adaptação às demandas do mundo moderno. Ao analisar o Estatuto Social do Fortaleza, por outro lado, verificamos que, a princípio, existe uma estrutura que não foge ao comumente observado nos outros clubes brasileiros, (quase) todos organizados sob o modelo associativo (isto é, associações civis, sem fins lucrativos). Divide-se em 5 órgãos ou poderes: (i) Assembleia Geral; (ii) Conselho Deliberativo; (iii) Conselho de Ética e Disciplina; (iv) Conselho Fiscal; e (v) Diretoria Executiva; todos eles, de acordo com o art. 3º, parágrafo único, do Estatuto, com seus próprios regimentos internos - exceto a Assembleia Geral. A Assembleia Geral, composta pelos associados proprietários e associados torcedores com direito de voto, deve-se reunir ordinariamente, para eleger a mesa do Conselho Deliberativo, a Diretoria Executiva, o Conselho Fiscal e o Conselho de Ética e Disciplina, e extraordinariamente para, dentre outras atribuições, alterar o Estatuto, destituir administradores e deliberar quanto às seguintes matérias: fusão, cisão, incorporação ou extinção do Fortaleza. Consiste, portanto, no órgão supremo do clube. O Conselho Deliberativo, por sua vez, é composto por todos os associados proprietários, admitidos como Conselheiros, e todos os ex-presidentes da Diretoria Executiva (desde que tenham tido suas contas aprovadas), e dirigido por uma mesa diretora, que conta com um presidente, 2 vice-presidentes e 2 secretários: todos eles associados proprietários, eleitos pela Assembleia Geral. À mesa diretora do Conselho Deliberativo compete cuidar de matérias de cunho mais social, como as relacionadas às admissões de associados, decisões sobre infrações cometidas por associados e administração do controle financeiro das mensalidades associativas. Já ao Conselho Deliberativo, propriamente, é incumbida a responsabilidade de apreciar e aprovar o relatório da Diretoria Executiva e o balanço patrimonial, acompanhados dos pareceres dos auditores independentes e do Conselho Fiscal, e de discutir e votar o orçamento do exercício, entre os demais assuntos previstos no art. 52 do Estatuto Social. O Conselho pode ter, ainda, as seguintes Comissões Permanentes: (i) Comissão para Assuntos Legais e Estatutários; (ii) Comissão para Assuntos Relativos ao Patrimônio; (iii) Comissão para Acompanhamento do Planejamento Estratégico; (iv) Comissão para Assuntos Eleitorais; e (v) outras Comissões julgadas de interesse do clube. A Diretoria Executiva é eleita pela Assembleia Geral ordinariamente, para um mandato de 3 anos, com direito a reeleição, sendo constituída por um Presidente e 2 Vice-Presidentes, todos associados proprietários. Após a eleição, o presidente deve indicar, dentre os associados proprietários, os demais membros da Diretoria - os quais dependem de chancela, ainda, do Conselho Deliberativo: (i) Diretor Administrativo; (ii) Diretor de Patrimônio; (iii) Diretor Financeiro; (iv) Diretor Jurídico; (v) Diretor de Futebol Profissional; (vi) Diretor de Esportes Amadores, Olímpicos e Paralímpicos; (vii) Diretor Comercial; (viii) Diretor de Marketing; (ix) Diretor Social e Relações Públicas; (x) Diretor de Serviços Médicos; (xi) Diretor de Planejamento; e (xii) Ouvidor. Cada um desses Diretores, deve-se ressaltar, goza de prerrogativas e deveres específicos e exclusivos, conforme previstos no Estatuto Social do Fortaleza. Compete à Diretoria Executiva, de maneira geral, administrar o Fortaleza e, além de outras atribuições, solicitar autorização do Conselho Deliberativo para alienar bens imóveis (depois de parecer do Conselho Fiscal), elaborar o orçamento anual e decidir sobre quaisquer projetos de alterações da estrutura física do clube, com parecer do Diretor de Patrimônio. A Diretoria pode, também, instituir gerências executivas, a fim de auxiliá-la no exercício de suas funções. O Conselho Fiscal não foge à regra dos demais órgãos: é formado por associados proprietários, eleitos pela Assembleia Geral. Contudo, não pode ser membro do Conselho Fiscal o cônjuge ou companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau de algum membro integrante de qualquer órgão social do Fortaleza. O Conselho Fiscal deve examinar mensalmente os balancetes mensais, analisar anualmente o balanço e demonstrativos, dar seu parecer sobre o orçamento proposto e fiscalizar os atos praticados pelos órgãos do clube. O Conselho de Ética e Disciplina, por fim, é órgão de natureza consultiva, formado por associados que atendam aos mesmos critérios para integrar o Conselho Fiscal, cuja função é emitir parecer fundamentado sobre todas as questões demandadas por membro do Conselho Deliberativo, da Diretoria Executiva, do Conselho Fiscal e por qualquer associado. Como já se antecipou, portanto, a organização do Fortaleza - pelo menos do que se pode depreender de seu Estatuto - não é algo substancialmente diferente do instituído pelos demais clubes brasileiros - salvo raras exceções. Se, sob uma perspectiva, é uma pena, pois se esperava encontrar algo de diferente, de outra, é um indício de esperança, haja vista significar que ainda pode ser realizado um projeto transformador no Fortaleza, aproveitando o embalo de sua conquista recente, a fim de construir as bases necessárias para consolida-lo como uma potência do futebol nacional.
quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Intervenção negra em Umbabarauma

Umbabarauma1, homem-golUmbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-gol [Não entendo nada, meu Deus do céu] Joga bola, joga bolaCorocondôJoga bola, joga bolaJogador [Não faz nada, não faz nada] Pula, pula, cai, levantasobe desce, corre, chutaabre espaço, vibra e agradeceOlha que a cidade toda ficou vazia nessa tarde bonita, só pra te ver jogar [Tiveram uma boa educação] Umbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-gol [Não entendo nada, meu Deus do céu] Joga bola, jogadorJoga bola, corocondôJoga bola, jogadorJoga bola, corocondô [Não faz nada, não faz nada] Rere, rere, rere, jogadorRere, rere, rere, corocondôRere, rere, rere, jogadorRere, rere, rere, corocondô [Sai prá lá] Tererê, tererê, tererê, tererê, tererê, homem-golTererê, tererê, tererê, tererê, tererê, homem-gol [Tá ok?] Umbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-golUmbabarauma, homem-gol [Não entendo nada, meu Deus do céu] Joga bola, jogadorJoga bola, corocondôJoga bola, jogadorJoga bola, corocondô [Não faz nada, não faz nada] Rere, rere, rere, jogadorRere, rere, rere, corocondôRere, rere, rere, jogadorRere, rere, rere, corocondô [Sai prá lá] Tererê, tererê, tererê, tererê, tererê, homem-golTererê, tererê, tererê, tererê, tererê, homem-gol [Tá ok?] Essa é a história de UmbabaraumaUm ponta de lança africanoUm ponta de lança decididoUmbabarauma [Fica aqui pra ouvir] Umbabarauma homem-golUmbabarauma homem-golUmbabarauma homem-golUmbabarauma homem-golUmbabarauma homem-golUmbabarauma homem-golUmbabarauma homem-golUmbabarauma homem-gol [Acabou, porra!] __________ 1 Música de Jorge Ben, com intervenção de falas políticas.
Semana passada, em texto intitulado E agora, Jair? Agora, olhe para o futebol, tentei demonstrar a importância deste esporte para o país. Aliás, venho tratando disso há quase quatro anos. Além de algumas manifestações concordantes, recebi mesma quantidade de comentários contrários, sempre no mesmo sentido: o futebol é irrelevante e há problemas mais complexos e prioritários a resolver. Na lista de prioridades aparecem os temas de sempre: saúde, educação, desemprego, segurança e transporte. Todos são, sem dúvida, fundamentais, e reaparecem em todas as campanhas: candidatos à presidência, governos estaduais ou municipais costumam pedir votos justamente para solucionar essas questões, e, eleitos, pouco ou nada fazem. Ou, se fazem, não conseguem superar o déficit existente, de modo que a percepção negativa sustenta os discursos dos futuros oponentes ou sucessores (inclusive de afilhados políticos). Em casos extremos, o governante que nada - ou pouco - fez renova pedido de voto para solucionar algo que causou ou que deveria ter solucionado em primeiro mandato. Portanto, essas bandeiras estão sempre presentes e influenciam, apesar da costumeira falta de propostas objetivas e realistas, a decisão de eleitores. Assim, assume-se, aqui, uma premissa que, acho, ninguém, confronta: o Brasil precisa, de uma vez por todas, enfrentar as ineficiências em todas essas áreas, a começar pela educação e pelo desemprego. Essa proposição não descarta, porém, o papel e a relevância do futebol. Não há contradição, oposição ou conflito. Ao contrário: as ações, em todos os campos deficitários, devem ser vistas como complementares e integrantes de um pacote de medidas necessárias para redirecionar a sociedade brasileira. Mais do que isso: o futebol pode contribuir para implementação de políticas públicas relacionadas às outras áreas de preocupação coletiva. Ou seja, não há substituição de prioridades; apenas um incremento no espectro de atuação. Pegue-se, inicialmente, o exemplo da educação. O que o Estado pode fazer para combater a falta de interesse de crianças desfavorecidas economicamente, que olham ao redor e se deparam com pobreza e desemprego, incluindo o dos próprios pais, para frequentar a sala de aula? Um membro das classes mais abastadas talvez diga que se trata de uma questão de vontade: basta querer e se esforçar para superar e vencer. O argumento é falacioso e insensível à realidade, mesmo que se apresentem casos práticos de notável e admirável ascensão social e econômica, porque os obstáculos são monumentais. Aqui se está, pois, no grupo das exceções. A argumentação é válida, por outro lado, para pessoas que, por sorte, integram ambientes que oferecem as condições para realização daquele propósito. Aí sim se pode afirmar, com maior propriedade, que a vontade e a dedicação são elementos decisivos para o sucesso pessoal. Voltando ao cerne da questão, não se pode condenar a criança que, diante da aparente (ou efetiva) falta de perspectiva, se seduz por outros caminhos que não aquele que a sociedade burguesa projeta para os seus filhos, que se beneficiam duma realidade excepcional; em outras palavras, a educação é, lamentavelmente, no Brasil, um instrumento das elites, e não das massas. Aí pode fazer diferença a função transformadora do futebol. Por exemplo, mediante a instituição de atividade futebolística complementar, a ser frequentada por crianças que estejam matriculadas em escolas públicas, sejam assíduas e obtenham certo desempenho, e que serão treinadas por ex-jogadores profissionais - talvez ídolos daquelas crianças. A virtuosidade do singelo exemplo - apenas um dentre os vários que se podem implementar - é indisputável: dá-se o motivo para estudar, desenvolve-se uma aptidão, incentiva-se a formação educacional e, na outra ponta, cria-se um mercado de trabalho para jogadores aposentados. Veja-se, agora, o tema do desemprego, ou melhor, da perspectiva de criação de emprego - logo, de renda, riqueza e desenvolvimento econômico e social: futebol não envolve apenas 22 jogadores em campo e os poucos agentes que gravitam ao seu redor; engloba, como se reconhece em países que compreenderam a importância do grande esporte em geral, e o futebol é o maior de todos, como os Estados Unidos e a Inglaterra, setores de turismo, hotelaria, restauração, serviços, indústria, construção, licenciamento etc, etc, etc. Aquela lógica reducionista o está reduzindo, para deleite dos donos do poder futebolístico, a uma degradante atividade de exportação de commodity humana. Por todos esses motivos não consigo entender o que leva (i) o brasileiro, em todos os níveis, a desprezar algo que faz parte, com tanto vigor, de sua cultura, e (ii) os políticos em geral a tratar o futebol como tema menor. Enfim, o futebol não resolverá tudo, mas poderá ser parte da solução de alguns dos maiores problemas do país.
quarta-feira, 31 de outubro de 2018

E agora, Jair? Agora, olhe para o futebol!

Jair Bolsonaro obteve 57.797.847 votos, representativos de 55,13% dos votos válidos, e será o próximo presidente do Brasil. Não votaram nele, por outro lado, 89.508.447 eleitores, que escolheram entre seu opositor, Fernando Haddad, anular, branquear ou se abster. Ele enfrentará, a partir do primeiro minuto do seu mandato - ou melhor, já enfrenta - dois desafios do tamanho do país: primeiro, pacificar; e, segundo, governar para todos, sem distinções ideológicas ou preconceituosas. Se não o fizer, poderá até trazer paz momentânea aos mercados, mas desconstruirá a Nação. Dentre os temas prioritários que podem contribuir para superação de ambos os desafios, há um que, apesar de sua significância e relevância econômica e social, não apareceu nas campanhas de qualquer candidato e tampouco em debates: o futebol. Aliás, a omissão não foi privilégio dessas eleições; ao contrário, não houve candidato, desde 1989, que apresentasse o tema e propusesse o necessário enfrentamento público sobre futebol. A sua decadência, portanto, não decorre do acaso e os responsáveis somos nós, brasileiros, a começar pelo Estado. Sim, o Estado. Por isso, o ponta pé inicial da recuperação sistêmica também depende dele. Não há mais espaço para que o Estado subsidie clubes ineficientes e sustente a posição de cartolas que se apropriam do patrimônio futebolístico para a prática de atos em interesse próprio (ou que envolvem corrupção privada). O atual marco regulatório está sendo utilizado para aprisionar o futebol, para sufocá-lo. Movimentos libertadores pontuais - como, aparentemente, o do Botafogo de Ribeirão Preto - não servirão para impulsionar, no curto prazo, uma transformação sistêmica. Somente o Estado-legislador, com o impulso do Estado-executivo, detém o poder transformacional. Cabe ao Estado, portanto, reformular o anacrônico marco regulatório e oferecer os meios para que o futebol cumpra, de um lado, sua função social e unificadora, e, de outro, se projete como atividade econômica relevante, geradora de empregos e distribuidora de riquezas. Vale lembrar: os principais países europeus já enfrentaram o problema e entregaram soluções que se adaptam às realidades dos times locais; os Estados Unidos adotaram modelo semelhante ao dos demais esportes de massa; o México flerta com o sistema estado-unidense; e, na América do Sul, Chile e Colômbia saíram na frente e já apresentam casos de abertura de capital e negociação de ações em bolsa. Enquanto isso, Brasil e Argentina defendem o encastelamento dos donos do futebol. As soluções, por aqui, passam pela criação de um novo ambiente, de um novo sistema, sustentável, que pode abranger os times e jogadores, "apenas", ou, além deles, a própria estrutura de administração do futebol. No primeiro e fundamental plano, criam-se (i) a sociedade anônima do futebol (SAF), que é uma entidade distinta dos clubes, proprietária dos ativos futebolísticos e sujeita a um regime próprio de governança, (ii) a debênture-fut, que se trata de um instrumento de financiamento privado da empresa futebolística, (iii) um regime tributário transitório e, não menos importante, (iv) instrumentos de convênio voluntário entre a SAF e escolas públicas para estimular a educação de crianças e adolescentes. No segundo plano, oferecem-se incentivos para que a CBF se mutualize em favor dos times (mediante a criação e entrega de títulos patrimoniais), na sequência se desmutualize, com a transformação dos títulos em ações e, por fim, abra seu capital (CBF S.A.), gerando um mercado bilionário (sem exagero) que beneficiará a coletividade - especialmente os times, jogadores e torcedores. E ainda, nesse segundo plano, caso se reconheça que a CBF S.A. se aproveita de patrimônio nacional, determina-se a cobrança de royalties, que podem ser destinados a um fundo, a ser gerido por uma instituição financeira (pública ou privada), a qual, por sua vez, reverterá a arrecadação para projetos que desenvolvam o futebol no país. Pronto, aí estão, em brevíssimas palavras, os motivos para combater o estado de fim de festa do futebol, o apagar das luzes, o sumiço do povo; ao contrário, agora que se tem a chave na mão, é hora de abrir porta, antes que ela emperre. É hora de olhar para o futebol!
quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O futebol na Era Temer

O presidente Michel Temer prometia reformar o país e recolocá-lo no caminho do crescimento. Grande parte de suas promessas, necessárias ou não - esse espaço não é adequado para uma análise qualitativa - era, no mínimo, polêmica. Dentre elas se destacavam as reformas da legislação trabalhista e do sistema previdenciário. A primeira foi realizada; a segunda, que caminhava para semelhante desfecho - para delírio do mercado -, foi interrompida por um dos mais surreais episódios da história do Brasil: o vazamento irresponsável de gravação (também irresponsável) realizada pelo controlador da companhia JBS, no âmbito de uma tentativa de entregar à Justiça personalidades públicas, em troca de beneficiamento de sua própria situação, que se complicara por conta de acusações de corrupção. Importante lembrar: o país, naquele primeiro semestre de 2017, parecia que - mesmo contra o desejo de parcela da população, indignada ou inconformada com o desfecho do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff - seguiria o rumo prometido por Michel Temer. No entanto, a partir daquele escândalo de proporção mundial, o cenário se alterou e o prosseguimento com os projetos impopulares se mostrou inviável - apesar das insistentes movimentações de determinados assessores presidenciais. E assim se caminhou, sem grandes perspectivas, até o início da campanha eleitoral de 2018, momento em que, talvez como nunca antes na história, todos os holofotes se desviaram do titular para os pretendentes ao seu cargo. Ou seja, a presidência se converteu, ao menos para o espectador externo, em posição decorativa. E o interesse pelo futebol no meio desse imbróglio? Dilma Rousseff havia promovido, em 2015, uma reformulação parcial do marco regulatório futebolístico, com a introdução do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro - o Profut - e a criação da Autoridade Pública de Governança do Futebol - a Apfut -, que tinha - e ainda tem - competência para (i) fiscalizar as obrigações previstas na própria lei, (ii) expedir regulamentação sobre procedimento de fiscalização do cumprimento de determinadas condições e (iii) requisitar informações e documentos às entidades desportivas profissionais. O Profut, conceitualmente, trouxe alguns avanços, mas não se prestava - e não se presta - a enfrentar o problema estruturante que, aliás, persiste. Seu objetivo foi prover uma solução de curto prazo para a insolúvel crise administrativa e financeira dos clubes de futebol. Esta constatação se demonstra, aliás, pelos resultados práticos obtidos: nenhum. É no âmbito desse cenário que se revelava, nos bastidores, que Michel Temer elegera o futebol como um dos símbolos de resgate e perpetuação dos valores de seu governo. O que se pretendia, dizia-se por aí, era a formulação de um novo marco regulatório, que oferecesse as condições para que o futebol prosperasse como atividade econômica, sem que fossem perdidas suas características culturais. Também se dizia, apesar das críticas de alguns técnicos que teriam sido ouvidos ou consultados, que esse marco abordaria temas de distintas naturezas, como trabalhista, imagem, criação de novo tipo de sociedade, financiamento, arbitragem, calendário, torcedores, etc. Sonhava-se, enfim, com algo marcante, glorioso, monumental, e, por isso mesmo, não necessariamente eficiente e viável. Os sonhos não se materializaram; menos pela arquitetura que se projetava do que pelo ambiente que envolveu a presidência desde o primeiro dia de sua posse - o que era esperado. Assim, o futebol, caso tenha mesmo integrado a lista de temas purificadores, não cumpriu - e não cumprirá esse papel; enquanto isso, os governantes que se sucederam desde o advento da Constituição de 1988 até o atual atentam, por ações inadequadas ou omissões, ou ainda por inações, contra o patrimônio cultural e histórico do país. Michel Temer integra, pois, a lista de presidentes que, voluntária ou involuntariamente, estão matando o futebol no Brasil e, com essa morte lenta e sofrida, a esperança de uma parcela considerável da população menos favorecida.
O programa de governo do candidato Jair Bolsonaro não trata do futebol. Nenhuma palavra a respeito. Aliás, também não apresenta projetos para o esporte em geral. Absolutamente nada. Por isso, o propósito desse texto, que se insere em uma série que aborda as iniciativas para o futebol apresentadas pelos principais candidatos à presidência, se esvai. Talvez nem devesse ter sido iniciado. Ou melhor: poderia ser apresentado em branco, contendo apenas o título, o vazio do papel (ou da tela) e a assinatura do autor. Essas soluções seriam, porém, um desperdício, pois a constatação merece reflexão. Governos já se apropriaram do futebol em diversos momentos para afirmar regimes ou suas políticas. Num passado que parecia distante, se cantou, com orgulho de ser brasileiro, que eram "Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil/ Do meu coração/Todos juntos, vamos/ Pra frente Brasil/Salve a Seleção!". O futebol foi instrumentalizado, naquele momento, portanto, para legitimar o desconexo discurso oficial. Anos depois, na vizinha Argentina, a usurpação teve como propósito comprovar a supremacia de um sistema autoritário e corrupto. O tiro, no entanto, saiu pela culatra, pois a intensidade dos abusos cometidos maculou a história do País e do seu futebol. Coincidência ou não, de lá para cá, nenhum governo conseguiu resgatar o respeito de que outrora gozava no plano internacional - tampouco a confiança necessária para reunificar a nação. Recentemente, o também autoritário governo russo despendeu bilhões de dólares para organizar a copa do mundo e tentar criar, por meio do futebol, a aparência de um país aberto, moderno e democrático. Essas farsas poderiam ter estimulado, nas eleições brasileiras em curso, o movimento de apropriação do futebol para fins político-partidários; porém, nem para isso ele (o futebol) vem se prestando, o que revela a gravidade da situação: afinal, a importância que, de fato, tem, não é reconhecida por governos ou candidatos. Ou seja, para o bem ou para o mal, o futebol está desacreditado. Ninguém o quer. Isso mesmo: nenhum candidato - exceto, talvez, Guilherme Boulos, que trouxe em seu programa uma genuína, porém equivocada proposta organizacional - entendeu que o futebol poderia ser, neste país dividido e a caminho do colapso humano, uma legítima via contributiva de integração e de desenvolvimento econômico e social. Mesmo o ex-presidente Lula, pessoa que melhor se relacionou e se comunicou com as massas desde a Proclamação da República, não se convenceu da relevância estrutural do futebol para o povo. Verdade: em texto publicado no Blog do Juca, logo após a derrota da seleção brasileira para a Bélgica, tratou-o como atividade secundária. E Jair Bolsonaro, o que pensa sobre o futebol? Não me refiro, óbvio, ao time que torce, às escalações desse ou daquele jogador, ou a questões táticas e técnicas; a especulação envolve sua compreensão do papel transformacional que essa modalidade esportiva pode ter na sociedade brasileira. Será, aliás, que tem alguma? Sinto-me tentado a afirmar, com base em seu programa de governo, que não. Mas, como quase tudo que envolve o provável futuro presidente, a incerteza se sobrepõe à previsibilidade, e a dúvida se impõe à sociedade. Qualquer afirmação não passará, então, de palpite. Resta, assim, torcer (e lutar) para o bem do Brasil e do povo brasileiro, para que o combalido esporte não seja empurrado para o precipício, pois, de lá, nem Deus - para quem nele acredita ou quase acredita - o resgatará.
Texto de autoria de José Francisco C. Manssur A rica e quente cidade do interior de São Paulo vive a boa notícia que pode significar a fagulha da verdadeira mudança estrutural de que o futebol brasileiro tanto precisa. O centenário Botafogo Futebol Clube, time de Zé Mário, Raí e Sócrates, constituiu recentemente a sociedade anônima para gerir as atividades do seu tradicional futebol profissional. O Botafogo Futebol S.A. será o primeiro caso de Sociedade Anônima do Futebol a adotar, ainda antes da aprovação do PL das SAFs, 5.082/2016 e, portanto, com as limitações disto decorrentes, os princípios e conceitos que Rodrigo Monteiro de Castro explica e defende com maestria e constância neste valioso espaço que hoje me cede, gentilmente. O tradicional clube de Ribeirão Preto viveu recentemente situações de grande dificuldade, com dívidas aparentemente insolúveis, oficiais de Justiça comparecendo ao estádio em dias em dias de jogos para realizar penhora das rendas, disputas políticas acirradíssimas dificultando qualquer tentativa de administração do Clube, algo infelizmente corriqueiro para grande parte dos clubes de futebol do Brasil, atualmente. Diante dos problemas, um belo dia o Botafogo decidiu mudar. O marco da mudança se deu no momento em que os líderes políticos resolveram convergir em prol do interesse maior do Clube. O instrumento da mudança foi a aprovação de um novo Estatuto Social, no ano de 2017, que prevê expressamente a possibilidade e os procedimentos para a constituição de uma sociedade empresária para gerir as atividades do futebol profissional. O novo Estatuto Social provocou o interesse do mercado. Um investidor decidiu aportar montante significativos no Clube por meio da integralização de capital para a constituição do Botafogo Futebol S.A. e participação na gestão. Outros investidores se apresentam interessados em conhecer o projeto. Inicia-se um círculo virtuoso, com equalização das dívidas, geração de novas receitas e busca de resultados em campo. O Botafogo S.A. se pretende uma empresa que somente receberá oficiais de justiça em seu Estádio na condição de torcedores-clientes, para assistirem aos jogos comprando ingressos e se divertirem nos outros espaços de lazer que serão construídos por ali. O Botafogo Futebol Clube aportou em favor do Botafogo Futebol S.A. seus registros e vagas junto à Confederação Brasileira de Futebol e Federação Paulista de Futebol. O que não é pouca coisa, em se tratando de um Clube que hoje está na Série A do Campeonato Paulista e na Série B do Brasileiro. Aportou, ainda, os direitos - e deveres, logicamente - sobre os contratos de atletas e comissão técnica em vigor. Além do valioso direito de superfície para exploração da área e equipamentos do Estádio Santa Cruz. Estão em curso reformas que pretendem criar no Estádio uma área de entretenimento para a cidade e a região. O lado oposto às tribunas atuais será reformado para receber um setor de lazer, serviços, camarotes corporativos e uma Arena de shows que pretende colocar Ribeirão Preto na rota dos grandes eventos artísticos e musicais. A gestão do Botafogo S.A. já negociou os naming rights desse novo espaço, que passa a se chamar Arena Eurobike. E isso tudo também vai gerar mais recursos para o Botafogo. Os trâmites estatutários foram observados, com a realização de um estudo de viabilidade da constituição da nova empresa, aprovação do estudo pela Diretoria, pelo Conselho Consultivo, pelo Conselho Deliberativo e Assembleia Geral de Associados. O clube decidiu incluir no seu Estatuto Social norma que assegura que o controle da empresa que veio a ser constituída será sempre do Botafogo Futebol Clube. Logicamente, na constituição da S.A. tal determinação foi plenamente observada. Ou seja, o Botafogo comprovou na prática a tese de que constituir sociedade anônima para gerir o futebol não significa, automaticamente, ceder o controle do clube para "chineses", "árabes" e "forasteiros em geral". O clube cede o controle se e quando assim decidirem seus donos, ou seja, os seus associados, da mesma forma que os associados também têm a primazia de deliberar sobre a preservação do controle em favor da associação pelo período que assim desejarem. Toda a mudança que o Botafogo decidiu fazer foi coroada com o acesso do time de futebol da Série C para a Série B do Campeonato Brasileiro logo nos primeiros dias após o nascimento da empresa. O Botafogo Futebol S.A. entrará em campo em 2019 com um calendário que ocupará o ano todo, receitas de TV aberta, TV paga e, inclusive, pay per view, tudo isso gerido de forma profissional e buscando sempre a busca do aumento de receitas novas, incremento das receitas existentes e controle dos gastos. Afinal, a busca do resultado financeiro é da natureza da empresa, tanto quanto não é, conforme o art. 53 do Código Civil, objetivo de uma associação. Cheio de orgulho do momento que vive o seu Botafogo, contou-me o advogado Alexandre Bortolato, que ao lado de outros tantos abnegados e aguerridos advogados esteve à frente do Jurídico do Clube nos momentos de maior penúria financeira que - palavras dele: "até pouco tempo, eu era parado na rua pelas pessoas da cidade que me perguntavam quantas penhoras haveria ainda sobre receitas do Botafogo. Hoje eles me perguntam como podem fazer para comprar cotas do Botafogo Futebol S.A". Realmente, em Ribeirão Preto está acontecendo algo que pode significar um futuro próspero e vitorioso para o futebol brasileiro. __________ *José Francisco C. Manssur é advogado, coautor do livro "Futebol, Mercado e Estado" e do PL 5.082/16, que cria a sociedade anônima do futebol (SAF).
O republicano Antônio Augusto Borges de Medeiros dominou a política rio-grandense nas primeiras décadas do século passado. Sua ascensão, iniciada com a primeira eleição para o Governo, em 1898, se intensificou a partir da morte de seu mentor, Julio de Castilhos, em 1903. Desde aquela data, esteve fora da chefia do poder apenas entre 1908 e 1913. Em 1928, após o exercício de diversos mandatos, foi sucedido por Getúlio Vargas que, anos depois, se tornaria Presidente da República. Borges de Medeiros se associou à revolução constitucionalista de 1932 e, em 1934, foi derrotado em eleições indiretas para presidência da República. Teve seus direitos políticos cassados, em 1937, pelo Regime que, de algum modo, ajudou a criar. Desde a morte de Mario Covas, em 2001, Geraldo Alckmin construiu os alicerces da dominação política do Estado de São Paulo. Do poder formal se distanciou por curto período, para lançar-se à candidatura à presidência, em 2006. Derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva, retomou o projeto de domínio local, reinaugurando novo ciclo de governação, que se encerrou em 2018. Ao contrário de Borges de Medeiros, que foi vencido pelo pupilo e (ex) aliado, Geraldo Alckmin enquadrou João Doria e, apesar da falta de unanimidade partidária, se impôs em mais uma corrida presidencial. De acordo com todas as pesquisas eleitorais divulgadas desde o lançamento da candidatura, deverá sofrer nova derrota, o que não deveria ser uma surpresa - sob os aspectos político, sociológico e histórico. Ora, o País não é uma projeção amplificada de São Paulo. Dos Brasis que se espalham pelo território, ou melhor, das gentes que habitam regiões com formações, características e necessidades próprias, poucas se identificam com o discurso de gabinete que satisfez, por quase duas décadas, o eleitorado paulista. Ou seja: o PSDB e, em especial, seu candidato, perderam a conexão com a realidade mundana, com o povo. O programa de governo confirma essas proposições. Nele não se encontra qualquer menção ao mais popular elemento de cultura do brasileiro: o futebol. Adota-se a técnica da generalização, para abranger tudo e não se comprometer com nada. O ponto único de partida é o esporte, que "sera' tratado como um instrumento de integrac¸a~o social, alinhado com as poli'ticas pu'blicas de Educac¸a~o, e tambe'm como uma plataforma capaz de atrair investimentos privados para modalidades esportivas de alto rendimento, visando reduzir a depende^ncia das verbas pu'blicas. Com essas duas vertentes bem definidas, poderemos instituir um planejamento pu'blico de longo prazo para o esporte brasileiro, com metas de resultado, monitoramento constante e participac¸a~o social. Acreditamos que o esporte oferece a` juventude brasileira uma oportunidade u'nica de crescimento pessoal, de reduc¸a~o de desigualdade e de desenvolvimento econo^mico para o pai's. E tambe'm uma poderosa ferramenta educacional para manter as nossas crianc¸as no caminho do desenvolvimento humano baseado na e'tica, no respeito ao pro'ximo e na vida sauda'vel, como forma de combater a obesidade e a ameac¸a das drogas." Para se atingirem tais propósitos, se indica como solução a educação. Veja-se: "Para isso, é necessário começar o trabalho nas escolas, local onde a maioria das crianças inicia a prática esportiva". Fala-se, porém, como se a escola pública não estivesse sucateada e abandonada; como se fosse uma referência de formação e inclusão. Não existe, como se vê, nada além de retórica. Se as premissas são genéricas, as diretrizes, por motivos lógicos, não poderiam ser diferentes, conforme se extraem do programa: - Associar o esporte a`s poli'ticas pu'blicas de educac¸a~o, em papel estrate'gico. - Instituir planejamento pu'blico de longo prazo para o esporte brasileiro, com objetivos claros, metas de resultado e monitoramento constante. - Propor a regulamentac¸a~o do Sistema Nacional do Esporte, definindo responsabilidades e deveres das instituic¸o~es envolvidas, poli'ticas de gesta~o e regras de financiamento. - Alterar a lei de incentivo ao esporte no sentido de incentivar e facilitar o aporte financeiro empresarial, sobretudo em projetos de longo prazo, desde o esporte de base ate' o de alto rendimento. - Fortalecer o desporto militar, incentivando os programas de alistamento de atletas pelas Forc¸as Armadas. - Adotar rating das entidades esportivas de alto rendimento para recebimento de recursos pu'blicos. - Incentivar o investimento privado no esporte de alto rendimento, para reduzir sua depende^ncia das verbas pu'blicas. - Criar um sistema nacional para a detecção e o desenvolvimento de talentos esportivos. - Atuar junto ao Ministério da Educação no sentido de manter a obrigatoriedade da educação física no currículo escolar do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Ou seja, a partir desse texto, qualquer iniciativa, por mais superficial que fosse, se tornaria estatística e justificaria o cumprimento de metas ou promessas. Não é disso, porém, definitivamente, que o Brasil precisa. Faltam ações e soluções para os problemas reais, e o futebol, que é, ao mesmo tempo, vítima e parte da solução, foi ignorado ou rejeitado. Geraldo Alckmin perdeu a oportunidade de dialogar - ou ao menos tentar dialogar - com 150 milhões de brasileiros, que, com maior ou menor intensidade, acompanham esse esporte, e, em muitos casos, apostam nele como forma de verdadeira e necessária inserção social.
quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O futebol e a superficial proposta de Lula/Haddad

Lula poderia ter transformado o Brasil. Ele, como nenhum outro brasileiro, nem mesmo Getúlio Vargas, reunia carisma, astúcia, apoio, inteligência e poder para realizar um projeto realmente transformacional. Preferiu o continuísmo. Em relação ao futebol, as mudanças que se cogitaram não questionavam ou enfrentavam a estrutura secular de controle da propriedade da empresa futebolística, responsável pelo aniquilamento de uma potencialidade inerente ou inata. Lula e, aliás, a quase totalidade dos políticos brasileiros ainda não reconhecem, de verdade, o futebol como elemento de inserção, desenvolvimento social e econômico: portanto, um poderoso instrumento de transformação. Ao contrário, fez-se uma grande aposta nos eventos e espetáculos midiáticos e planetários, que serviram, afinal, para satisfazer os interesses de uma pequena elite política ou econômica, que se beneficiou à conta da população e do Estado. Não se construíram, enfim, políticas públicas; criaram-se, sobretudo, fatos políticos, para suportar um discurso eufemista. O Plano de Governo de Lula, que se tornou o de Haddad, reconhece, implícita ou explicitamente, aquelas afirmações, mas apresenta soluções equivocadas, contraditórias ou irrealizáveis para enfrentar os erros do passado. Veja-se o que ele diz: "Os governos do PT investiram muito no esporte. Destacam-se (...) a construção e requalificação de milhares de quadras esportivas e praças de esportes, e a organização dos grandes eventos esportivos. A Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016), para citar apenas dois exemplos, induziram investimentos urbanos, modernizaram nossa infraestrutura esportiva, geraram investimentos em aeroportos e na economia do turismo. Mostramos ao planeta que, fora de campo, somos capazes de receber povos do mundo todo. (...) É preciso reconhecer que faltou o debate do legado, da utilização desses fatores para dar um salto organizativo de potencialização do esporte nacional, sobretudo o futebol. (...) Mais do que isso: parte das estruturas criadas está sendo sucateada pela crise fiscal dos Estados e Municípios, agravada pelo governo golpista. O presidente Lula entende que o desenvolvimento do esporte deve ser tratado como política de Estado. (...) Por fatores históricos e culturais, o futebol expressa a própria identidade nacional. Além de produto de lazer, é fator de desenvolvimento econômico regional e nacional. Por essa razão, o futebol é importante demais para continuar à mercê de interesses meramente privados, muitas vezes obscuros. No governo Lula, ele será priorizado e moralizado, e ganhará mecanismos efetivos de controle público e participação social na sua gestão. Por meio do BNDES, o governo implementará o Programa de Modernização da Gestão do Futebol, além de buscar a construção de um calendário anual e unificado para o futebol. Ademais, será promovida a viabilização das Arenas das Copas nos estados". Diante dessas proposições, mais valem perguntas do que comentários ou conclusões: 1. Quais foram os investimentos e os resultados? 2. Onde estão os investimentos urbanos úteis para a população? 3. Existe realmente um setor do turismo do futebol? Pessoas viajam, em número considerável, para o ou pelo Brasil a fim de assistir futebol? 4. Os equipamentos estão sendo sucateados ou, na verdade, já nasceram podres, porque superfaturados, mal construídos e absolutamente inviáveis operacional e economicamente? 5. Se o esporte faz parte dos grandes temas, quais são as propostas efetivas para sua implementação e seu desenvolvimento? 6. De quais interesses privados o futebol está à mercê? 7. Cabe ao Estado manejá-lo (o futebol) ou simplesmente estabelecer o marco regulatório para preservá-lo como patrimônio cultural, de um lado, e incentivar o investimento, de outro? 8. O Estado já não é o principal financiador, por meio de renúncias, perdões, parcelamentos e patrocínios de empresas públicas aos clubes? 9. Se o Estado subsidia o futebol há mais de século, o seu fracasso organizacional não está ligado às próprias intervenção e participação estatais no esporte? 10. Políticos e cartolas, no limite, não se confundem? 11. Como se irá moralizar o futebol? Quais as iniciativas pretendidas para tanto? Quais serão os agentes que substituirão os imorais? Quem são os imorais? 12. O Estado vai interferir na gestão dos clubes? Será esse o seu papel? 13. É papel do BNDES criar um programa de modernização da gestão de clubes? Como se colocará em prática, mediante a contrapartida em recursos públicos? Deve o contribuinte financiar clubes de futebol? E como isso se fará nas associações - entidades sem fins lucrativos, politizadas e compostas de conselhos e diretorias formados por dezenas ou centenas de membros, despreparados para os cargos que ocupam? 14. O Governo irá impor um calendário à CBF? E se ela não aceitar, o que fará? Intervenção? Criação de uma agência reguladora? 15. Qual é a fórmula milagrosa que tornará arenas como as de Brasília ou Manaus rentáveis? Os eleitores que pararam para ler o programa de governo oficial merecem respostas, antes da eleição, tendo em vista que esse discurso não é suficiente ao atingimento dos objetivos a que se propõe: recuperar (ou desenvolver) o futebol brasileiro.
A relação dos políticos brasileiros com o futebol pode ser desmembrada em três grandes grupos: (i) o maior deles, composto de pessoas que desconsideram sua importância social e econômica; (ii) o intermediário, que agrupa pessoas que se aproveitam dele para fins pessoais ou políticos; e (iii) o menor, integrado por pessoas que tentam, de algum modo, resolver um tema realmente fundamental. Essa divisão também se aplica aos candidatos à presidência da República. Para evitar o cometimento de injustiças, colocarei todos, menos um, no primeiro grupo. Para o último vai Guilherme Boulos. Em seu programa - o mais sincero e completo de todos os apresentados -, formulam-se, em relação ao futebol, dentre outras, as seguintes propostas1: "(...) 2. Romper com a política de conciliação com a cartolagem dos clubes, federações e confederações esportivas e auditar as contas das entidades esportivas (CBF, COB e federações); 3. Criar a Lei Prata da Casa: uma taxa decrescente para as transferências internacionais de jogadores até 23 anos, forma legal para interferir no êxodo dos jovens atletas e proteger os clubes de formação, garantindo maior qualidade técnica para o futebol disputado no país; (...) 11. Transformar Ministério do Esporte em Ministério do Esporte e Lazer; (...) 14. Promover a cooperação esportiva internacional, com prioridade aos países da América Latina, África e lusófonos; (...) 23. Auditar as contas das entidades esportivas (CBF, COB e federações); (...) 26. Redefinir os gastos tributários, com diminuição progressiva do volume de recursos que não transita pelo orçamento, inclusive a Lei de Incentivo do Esporte. Concentrar a renúncia fiscal em projetos do interesse da sociedade e não dos interesses de patrocinadores e dirigentes; 30. Estabelecer com as entidades esportivas uma política nacional de formação e desenvolvimento de atletas, com a utilização dos recursos das loterias; 31. Fomentar o processo de democratização dos clubes, federações e da CBF; 32. Exigir contrapartidas sociais dos recursos públicos e renúncias fiscais dos clubes com o estabelecimento de ingressos sociais, acessíveis à população de baixa renda; 33. Defender a regulamentação da negociação coletiva e centralizada da venda dos direitos de transmissão televisiva e que a distribuição dos pagamentos: 50% divididos igualitariamente entre todos os clubes, 25% baseados na classificação final do Campeonato anterior (o campeão recebendo 20 vezes mais o valor que recebe o último classificado) e 25% variáveis de acordo com o número de jogos transmitidos na televisão, como medida para combater a desigualdade da distribuição de tais recursos; 34. Destinar 5% do total arrecadado pela venda coletiva e centralizada dos direitos de transmissão a projetos sociais que promovam a prática do futebol, bem como a centros de formação para o futebol feminino; 35. Revisar o Estatuto do Torcedor, para reverter a criminalização dos torcedores, coibir manifestações preconceituosas racistas, homofóbicas, regionais e sexistas e garantir os horários de realização das partidas adequados aos interesses dos setores populares; 36. Promover a discussão acerca da reforma do calendário do futebol brasileiro e da organização de seus campeonatos estaduais, regionais e nacionais de maneira a constituir um verdadeiro sistema de competição nacional". A intenção é a melhor, não há dúvida, mas parte, em relação a certos pontos, de premissas ultrapassadas ou equivocadas. Em outros pontos, a partida revela alguma ingenuidade. Peguemos três exemplos. Primeiro, o rompimento com a cartolagem. A ruptura não se faz por declaração ou denúncia, pois inexiste um grupo formal e institucionalizado. O cartola é, na prática, o dirigente, em qualquer nível, de uma associação sem fins lucrativos. Para romper com ele - ou com um agrupamento abstrato -, há um, e apenas um caminho: a criação de um novo sistema, um novo ambiente, um novo mercado que, por suas características, reveja o modelo de propriedade do futebol e, a partir dessa revisão, imponha técnicas de governação, controle e verificação da adequação de práticas internas. Segundo, a tributação da negociação de jovens jogadores (ou Lei Prata da Casa). O verdadeiro problema não é a saída precoce de meninos que almejam a realização de sonhos materiais e imateriais. O problema, ou melhor, os problemas, no plural, são os seguintes: (i) os meninos não têm formação adequada e vão embora despreparados, reduzindo o índice de adaptabilidade (e, assim, amplificando a probabilidade de frustação); (ii) os meninos vão embora porque não têm opção de ficar; isso porque (iii) os clubes não conseguem mantê-los, pela disparidade de condições, ou porque estão quebrados e a negociação vem se transformando na principal fonte de receita; e (iv) em decorrência da falta de condição de investimento na formação e manutenção de meninos que podem, ou não, "dar certo", o sistema criou superagentes que, apesar de poucos quantitativamente, financiam o sistema e faturam, não raro, mais, muito mais do que os próprios times formadores, com a negociação e renegociação de jogadores. A saída para essa situação, portanto, não passa pelo esgotamento da fonte. A tributação, em outras palavras, resolverá a doença matando o doente. Por outro lado, se a porta se fechar, os "colonizadores" encontrarão alternativas, como já encontraram no passado, nos demais países latino-americanos e africanos, e o futebol brasileiro, ensimesmado, se tornará uma grande várzea - para delírio, é verdade, de algumas centenas de saudosistas. A leitura de Eduardo Galeano mataria essa proposição em sua origem. Novamente, a solução envolve a arquitetura de um sistema que reconheça a natureza econômica da empresa futebolística, ofereça os meios de financiá-la, preserve o futebol como bem (ou patrimônio) essencial de nossa cultura e permita que a atividade atinja seus fins sociais e econômicos. Foram-se os diamantes, o ouro e, agora, se aniquilará o que resta da prata (da casa). Terceiro, e não menos relevante, as exigências de contrapartidas sociais dos recursos públicos e renúncias fiscais. Aí está, enfim, o grande dogma e o principal fator do subdesenvolvimento atual do futebol no Brasil. A subvenção estatal fez sentido na origem do esporte e durante os tempos de amadorismo, mas não se justifica diante do fato que ele (o esporte) se tornou uma atividade global, altamente competitiva, profissional e demandadora de recursos, muitos recursos para o seu exercício. O fato de nenhum, repita-se, nenhum time brasileiro integrar a lista dos 40 maiores do planeta é sintomático. O Estado brasileiro, paquidérmico que é, ineficiente e, pior, capturado por interesses grupais ou individuais, não oferece meios para manutenção de uma concorrência minimante equilibrada. Assim, enquanto times europeus atraem recursos de todos os lados, os brasileiros imploram à Caixa migalhas para não fecharem suas portas ou traficam medidas legislativas para impedir a quebradeira geral. Por esses - e outros - motivos, o projeto de Guilherme Boulos, apesar de honesto e coerente com as suas ideias, levaria o futebol brasileiro de volta ao século XIX. _______________ 1 Disponível em: Vamos sem medo de mudar o Brasil; acesso em 18.9.2018.
quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Abrem-se novas veias do futebol brasileiro

A insistência com que se trata, nesta coluna, da crise estrutural do futebol brasileiro é motivada pelos evidentes e recorrentes sinais internos e externos de deterioração do ambiente. Não bastasse o desperdício de atividade econômica única, pujante e universal, ainda se joga pelo ralo a possibilidade de sua utilização como instrumento de desenvolvimento social. No plano interno, algumas (poucas) pessoas ganham, eventualmente muito, com essa situação, e oferecem toda sorte de obstáculos para evitar o surgimento de um novo marco regulatório do futebol. Aliás, o modelo vigente, construído sobre pilares que deixaram de cumprir função de sustentação, serve, paradoxalmente, para manutenção do status quo. O dogma maior é o sistema tributário. Não que seja algo simples, pois não é. A passagem do modelo associativo para o de mercado tem consequências relevantes que somente se compensam, enquanto o Projeto da SAF não se tornar lei, pela organização de uma empresa econômica futebolística eficiente e competitiva. Esses requisitos, porém, deveriam estimular, e não obstaculizar, o processo. A potencialidade, aliás, é comprovada pelo sucesso organizacional do futebol europeu, que superou o mesmo dilema, e se posicionou como o principal - e talvez único - mercado realmente relevante do planeta. No plano externo, as evidências de que a nova ordem empurra o Brasil para a mais distante periferia são inequívocas. O Movimento se iniciou com a ruptura com o modelo clientelista e a compreensão de que, além de jogo, o futebol é um negócio global. Daí a concepção e a adoção de mecanismos de financiamento da empresa, que viabilizam inicialmente a importação de jogadores formados e, na sequência, a importação em massa de jogadores em formação. Esse modelo reforça a desigualdade que se revela nos confrontos entre clubes ou seleções. Esta situação, no entanto, decorre menos da localização geográfica e da instabilidade das moedas ou governos locais, do que da ineficiência sistêmica mantida e defendida pelos donos ocultos do futebol. O propósito, nos dias atuais, está muito claro: países como o Brasil devem fornecer matéria prima para o desenvolvimento europeu. Nada muito diferente do que se passa desde as invasões e conquistas ibéricas, como ensina Eduardo Galeano: "Os metais arrebatados aos novos domínios coloniais estimularam o desenvolvimento europeu e até se pode dizer que o tornaram possível". Não bastasse a redução dos times brasileiros a exportadores de matéria-prima, pretende-se, ademais, aniquilar o símbolo cambaleante de resistência, uma espécie de Palmares, abalada pelas interferências dos mesmos donos ocultos do futebol: a seleção. O instrumento é a Liga das Nações da UEFA, que servirá para isolar ainda mais a periferia do centro mundial do futebol, e reduzir as seleções sul-americanas a (indesejadas, porém necessárias) coadjuvantes. Portanto, o problema passou a ser também da CBF, e não apenas dos clubes. Seus dirigentes têm a oportunidade de impor um novo modelo e reconquistar o prestígio perdido, ou ficarão marcados na história como os algozes do futebol brasileiro.
quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Exército, cultura e futebol

A cidade de São Paulo foi presenteada, no domingo, 2/9, com a performance de Chucho Valdés e Gonzalo Rubalcaba, na área externa do Auditório do Ibirapuera. As poucas centenas de pessoas que se deslocaram ao escultural projeto de Oscar Niemayer desfrutaram de uma fusão pianística que colocaria Miles Davis e Jimi Hendrix de joelhos. Realmente, a dupla cubana faria até o jornalista Juca Kfouri, ateu declarado, reafirmar que Deus quase existe. André Mehmari, reconhecido pianista brasileiro, foi escalado para fazer a abertura. Ao final de sua apresentação, diante de uma plateia paciente, atenta e, em sua quase totalidade, respeitosa, lançou uma proposição prenunciativa de um oportuno discurso político: a união do país não se realizaria pelo exército, mas, sim, pela cultura. Deixando de lado o que seja cultura, sua função na sociedade e como promovê-la, a continuação de sua fala desnudou, de modo involuntário, um preconceito histórico, responsável pela construção de um muro entre o povo e as elites intelectuais e artísticas. O músico pediu silêncio e educação à plateia durante a apresentação dos pianistas cubanos que logo subiriam ao palco, para que ambos pudessem sair dali com uma boa impressão do seu Brasil. Considerando, dizia ele, que as pessoas ali presentes deveriam ter uma certa educação, haveriam de compreender o pedido. Havia, é verdade, um motivo: durante o seu set, formou-se um pequeno distúrbio, promovido por apenas um egoísta que, mesmo contra pedidos coletivos e do próprio André, insistia em manter-se de pé, atrapalhando a vista de dezenas de espectadores que, atrás dele, acompanhavam sentados o espetáculo. Dois pontos do discurso chamam atenção. Primeiro, o inafastável complexo de vira-lata que atormenta o brasileiro, que além de servir como instrumento de apequenamento - presente, aliás, em quase todos os povos latino-americanos -, se projeta como uma construção improvável do dever ser, e não do ser. Em outras palavras, somos o que somos, e não o que os outros acham que deveríamos ser ou o que gostaríamos que os outros achassem que somos. Sempre que tentamos ser o que não somos, definhamos, como comprova a seleção brasileira de Tite. O segundo, e mais preocupante, revela o distanciamento de artistas e de intelectuais, do povo. Incluem-se, aqui, aqueles que pretendem falar pelo ou em nome dele, do povo. Aliás, apesar de fundamental - e, para um não ateu, Divina -, a grande arte é concebida como uma manifestação elitista e superior, decifrada em pequena escala e acessível a poucos privilegiados, geralmente intelectualizados ou educados, que passam, assim, a formar espécies de castas culturais - ou melhor, sociais. Daí o preconceito que se nutre em relação ao futebol, num país marcado por tantas desigualdades: apesar de tratar-se da manifestação máxima de sua cultura, a mais intensa e democrática, ainda é tido como tema menor e desprezado em sua função transformadora, por sua suposta insignificância intelectual. Curiosamente, essa postura se revela não apenas em quem o ignora, mas, também, em quem o pratica, exerce a torcida e manifesta paixão clubística; a incompreensão apresenta, portanto, características epidêmicas. Eduardo Galeano sintetizou o problema: "existem intelectuais que negam os sentimentos que não são capazes de experimentar nem, como consequência, compartilhar: só poderiam se referir ao futebol com um gesto de desgosto, asco ou indignação". O jogador de bola, em sua batalha pela afirmação como indivíduo (e/ou pela inserção na sociedade elitista), desconhece teses ou teorias, mas sente o peso de séculos de desigualdades e, quando se afirma, ainda assim não se vê ou é visto como um igual. Afinal de contas, não passará, aos olhos de seres superiores, de um futebolista. Isso explica, em certa medida, a aversão ao mais humano, brasileiro e falível produto futebolístico da década: Neymar. O país não se reconstruirá, é certo, pelo exército, pela força ou pelo medo. A reconstrução pressupõe uma concepção humanizada de Estado, que irradie essa característica por todos os campos de atuação política, especialmente o da cultura. Nesse campo (da cultura), ou nesse gramado, o futebol é o principal agente de transformação, muito mais do que a mandioca ou o samba, porque, além de genuinamente popular, não tem limites ou fronteiras, culturais, sociais ou econômicas. É realmente chocante e alarmante o fato de que os filhos deste solo - sobre o qual bolas não param de rolar -, que se apresentam como salvadores da pátria e dignos condutores dos destinos da Nação, não cuidem de tema tão fundamental. Eles, como, na verdade, nós, brasileiros, ainda achamos que futebol não passa de instrumento de alienação das massas ou de entretenimento de gentes evoluídas.
Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo Há algumas semanas, comentamos o projeto da Botafogo Futebol S.A. ("Botafogo S.A.") - uma sociedade anônima, constituída pelo Botafogo Futebol Clube ("Botafogo"), para gerir o futebol do clube e determinados ativos - e como ele poderia se tornar o embrião de um novo modelo organizacional da atividade futebolística no Brasil. Naquela oportunidade, ainda não havia sido disponibilizado o Estatuto Social da Botafogo S.A., de modo que algumas observações careciam de confirmação. Após acesso a esse documento, voltamos ao tema e passamos a tecer algumas considerações com maior precisão, acerca do modelo de governança idealizado. O capital social "inicial" - isto é, a soma dos recursos aportados pelos acionistas em contrapartida às ações que receberão (ações, em definição bastante simplória, são unidades de participação na sociedade, conferidoras de direitos de sócios) - é de R$ 20.000.000,00, divididos em 20.000.000 de ações, todas ordinárias, sem valor nominal. Desse montante, R$ 12.000.000,00 advieram de contribuições feitas pelo Botafogo, mediante a integralização de ativos como (i) registros do clube na Federação Paulista de Futebol e na Confederação Brasileira de Futebol, (ii) contratos com atletas, empregados e prestadores de serviços, (iii) bens móveis, (iv) contratos de locação, cessão ou comodato envolvendo imóveis utilizados para a prática do futebol, (v) direitos de propriedade industrial, e (vi) receitas de programas de sócios, entre outros listados no boletim de subscrição, os quais foram objeto de laudo de avaliação. Em razão desse aporte, o Botafogo subscreveu 12.000.000 de ações, correspondentes a 60% do capital social da Botafogo S.A. As 8.000.000 de ações restantes, equivalentes a 40% de participação no capital social, foram subscritas pela Trexx Sports Participações Ltda. ("Trexx"), tendo sido uma parte (R$ 800.000,00) integralizada em dinheiro e à vista, com previsão de integralização do restante em até 24 meses. Aos acionistas, reunidos em Assembleia Geral, compete aprovar, pelos votos representativos de, pelo menos, 75% do capital votante da Botafogo S.A., temas como (i) orçamento anual e plano de investimentos, (ii) dissolução, liquidação, transformação, fusão, cisão e incorporação da companhia, e (iii) investimentos ou desinvestimentos classificados como "relevantes" (aqueles que, individual ou conjuntamente, correspondem, em um mesmo exercício social, a 20% do ativo total consolidado da sociedade). Apesar da posição majoritária ostentada pelo Botafogo, o clube não detém o poder de decidir sozinho matérias importantes; algo comum em negócios dessa natureza e justificável em função da participação da Trexx no capital social. Além disso, foi celebrado um acordo de acionistas, que costuma versar sobre capitalização, diluição, endividamento, orientação de voto, preferência para aquisição de ações, indicação de administradores e outros aspectos. Em outras palavras, que trata do exercício do controle societário e, eventualmente, do empresarial. Por se tratar de documento privado, não pudemos acessá-lo, para consulta e comentários. Quanto à administração da Botafogo S.A., ela se divide em uma Diretoria e um Conselho de Administração. A Diretoria não é formada por 3 membros, como presumimos no último artigo, mas, sim, 4: Diretor Presidente Executivo, Diretor Administrativo Financeiro, Diretor de Marketing e Diretor de Futebol. Apesar da competência individual de cada Diretor, o Estatuto estabelece que determinadas matérias devem ser deliberadas pela Diretoria, em atuação colegiada. São exemplos disso os seguintes temas: (i) prestação de garantias; (ii) assinatura de contratos de atletas e membros da comissão técnica das equipes de futebol profissional e de base, sem limitação de valor; e (iii) assinatura de contratos que gerem obrigações financeiras para a sociedade e não ultrapassem o montante de R$ 500.000,00. A representação ativa e passiva da Botafogo S.A., em qualquer hipótese, incumbe a apenas 2 Diretores, um deles obrigatoriamente o Diretor Administrativo Financeiro. No entanto, como é uma prerrogativa do Diretor Presidente Executivo representar a sociedade em contratos de registro e de transferência de atletas, por exemplo, conclui-se que pactos dessa natureza só poderão ser assinados pelo Diretor Presidente Executivo em conjunto com o Diretor Administrativo Financeiro. O Conselho de Administração, por sua vez, é composto por até 7 membros. Somente podem fazer parte do Conselho pessoas com (i) reputação ilibada e conhecimento notório em marketing, futebol, finanças ou administração de empresas ou (ii) diploma em curso superior. As prerrogativas de indicação desses membros não foram definidas no Estatuto; provavelmente, estão alocadas no acordo de acionistas. Dentre outras atribuições, compete ao Conselho de Administração, por maioria dos votos dos seus membros presentes às respectivas reuniões: (i) fixar a orientação geral dos negócios; (ii) manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da sociedade; (iii) aprovar a celebração de contratos com valor entre R$ 500.000,00 e R$ 2.000.000,00; e (iv) aprovar a emissão de debêntures simples com valor entre R$ 500.000,00 e R$ 2.000.000,00. Foi prevista, ainda, a possibilidade de criação de comitês executivos pelo Conselho de Administração, para auxiliar a Diretoria na tomada de decisões, sendo permanente o funcionamento dos comitês de Auditoria e de Gestão Esportiva. Quanto aos resultados financeiros percebidos pela Botafogo S.A., em razão do seu desempenho empresarial - isto é, o lucro -, uma parte deles será distribuída aos acionistas (clube e investidor), a título de dividendos, na proporção de suas participações societárias (60% x 40%), como deve ocorrer em sociedades anônimas - afinal, o objetivo dessas entidades é gerar lucro aos seus sócios. Nos termos do art. 32º, serão distribuídos, no mínimo, e obrigatoriamente, 25% do lucro líquido apurado no exercício, após os ajustes e deduções exigidos pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976). O saldo, se houver, terá a destinação definida pela Assembleia Geral. Também existe previsão de instalação, a pedido dos acionistas, de um Conselho Fiscal com 3 membros efetivos e mesmo número de suplentes, eleitos pela Assembleia. Percebe-se, assim, que o modelo estruturado para a Botafogo S.A. se assemelha ao adotado por companhias que atuam no mercado. O Brasil olhará, com a devida atenção, aos próximos passos. Oxalá sejam exitosos.
Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo A notícia de que o time All Blacks Maori enfrentará a seleção brasileira masculina de rugby despertou nossa curiosidade acerca do funcionamento da entidade reguladora do esporte no país. Rapidamente, a curiosidade transformou-se em surpresa, com a leitura do Estatuto da Confederação Brasileira de Rugby ("CBRu" ou "Confederação"). A CBRu consiste em uma associação civil, sem finalidade lucrativa, que, constituída por suas filiadas, que dirijam ou venham a dirigir a modalidade de rugby no Brasil, representa a entidade nacional de administração de referido esporte. Dentre as suas finalidades, previstas no art. 7º do Estatuto, encontram-se as funções de difundir a prática do rugby no país, bem como organizar as suas competições. Os poderes da Confederação, de acordo com o art. 33 do Estatuto, são: (i) a Assembleia Geral; (ii) o Conselho de Administração; (iii) a Diretoria Executiva; (iv) o Conselho Consultivo; (v) o Conselho Fiscal; e (vi) a Comissão Disciplinar e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva. A Assembleia Geral é formada por um representante de cada Federação Estadual ou Regional de rugby, filiada à CBRu e com direito de voto. Somente poderão participar das Assembleias Gerais, contudo, as Federações que sejam filiadas à Confederação há, pelo menos, 2 anos, constem da relação publicada pela CBRu anualmente e atendam às exigências legais e estatutárias. Além das Federações, os Atletas de rugby também terão representação nas Assembleias Gerais: os membros do Conselho de Administração eleitos pelos próprios Atletas serão os representantes no órgão assemblear, os quais deterão, em conjunto, direito a um voto. As principais atribuições de competência da Assembleia Geral consistem em deliberar alterações ao Estatuto Social da Confederação, aprovar as contas da administração da CBRu e dar posse aos membros eleitos do Conselho de Administração, da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal, além das outras listadas no art. 47. Já o Conselho de Administração, nos termos do art. 48, é o órgão decisório e hierarquicamente superior da CBRu, subordinado à Assembleia Geral; passagem que deixa clara a sua importância na estrutura de poder da Confederação. É composto por 12 membros, dos quais 5 são eleitos pela Assembleia Geral, 1 pelos Árbitros, 2 pelos Atletas - que, juntos, corresponderão a apenas 1 membro, tendo direito a apenas um voto - e os 5 demais, todos independentes (conforme definição constante do art. 49), indicados pela Comissão de Nomeação. O Presidente do Conselho de Administração será um dos independentes. A Comissão de Nomeação, por sua vez, é constituída por 4 membros, todos do Conselho de Administração, dentre os quais, obrigatoriamente, o Presidente do Conselho de Administração (que, ressalte-se, é um membro independente), e a forma de sua constituição está regrada no art. 65. A princípio, os 3 outros membros da Comissão são sugeridos pelo Presidente do Conselho. Contudo, os membros do Conselho de Administração também podem indicar seus candidatos à Comissão, desde que cada um desses candidatos seja indicado por, no mínimo, 3 membros do Conselho. Assim, se houver mais de 3 candidatos para fazer parte da Comissão, o Conselho de Administração decidirá a eleição, cabendo a cada membro do Conselho votar em 3 nomes, sendo eleitos os mais votados. Percebe-se, assim, que a Assembleia Geral - órgão formado pelas Federações, essencialmente - não dispõe da prerrogativa de eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração: órgão de importância para a Confederação. Isto significa que o controle da CBRu não é garantido, pelo Estatuto, às Federações. Afinal, o Conselho de Administração, além da competência de eleger a Diretoria Executiva - que é composta por um único Diretor, denominado Superintendente Executivo -, detém a atribuição exclusiva de deliberar matérias relevantes para a Confederação, como a aprovação do orçamento e do relatório anual de gestão, além da assinatura de contratos, títulos e acordos que envolvam responsabilidade financeira da CBRu em valores superiores a R$ 100.000,00, e do auxílio na fixação das diretrizes da gestão da entidade. Assim, considerando que a Assembleia Geral - ou seja, as Federações, reunidas em órgão competente - não consegue, sozinha, eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração, constata-se que os associados da Confederação abdicaram do poder de controlá-la. E é isso que surpreende. Trata-se de um modelo que, curiosamente, funciona de maneira diversa do que ocorre, com frequência, em outras estruturas, sejam associativas, sejam societárias, nas quais os associados ou os sócios, conforme o caso, fazem questão de preservar poderes políticos suficientes para assegurar o controle da entidade - algo que se perfaz, dentre outros aspectos, pela indicação, direta ou indireta, da maioria dos administradores. No caso da CBRu, os seus associados - isto é, as Federações -, de certa forma, abriram mão do poder de controlar a Confederação, tendo em vista que não conseguem exercê-lo sem a existência de um alinhamento com outras pessoas. Mais do que isso: o modelo direciona o poder a pessoas estranhas ao quadro associativo, que podem dominar, eventualmente sem possibilidade de resistência, as decisões internas, e se perpetuar - diretamente ou por meio de membros de um mesmo grupo de interesses. Isso pode ser bom ou ruim, dependendo do ponto de vista e, especialmente, da qualidade e da intenção dos escolhidos para exercer os quadros administrativos independentes. No entanto, esse modelo provocou algumas questões, que, com base nas informações disponíveis, não soubemos responder: (i) o que motivou a sua implementação? (ii) houve alguma contrapartida à perda de poder político ou as Federações o adotaram simplesmente por acreditarem que resultaria numa melhor forma de administrar o esporte? (iii) poderiam as Federações ter organizado uma administração independente e profissional, sem, contudo, perder parte de sua influência na Confederação? (iv) A perda de poder em favor de agentes externos não deveria estar associada ao aporte de recursos (logo, de uma eventual transformação da CBRu em sociedade empresária)? Enfim, não temos condições de avaliar se a modelagem - e a abdicação (ou o compartilhamento, a depender do contexto) do poder de controle pelas Federações - tem sido frutífera ou infrutífera ao rugby no Brasil. Porém, podemos afirmar que se trata de um caminho inusitado e realmente surpreendente.
quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Raí

No início do ano, com resultados ainda pouco animadores, as cornetas esboçaram um movimento na direção de Raí (e de seus diretores Lugano e Ricardo Rocha) e de seu time. Lembremos: suas contratações foram questionadas, o sistema de jogo teimava em aparecer e o treinador escolhido para comandar o processo, Aguirre, foi recebido com pouco entusiasmo. Contra Raí pesava um fato, é verdade: era sua primeira experiência no cargo de direção de futebol. A favor dele, no entanto, contavam muitos aspectos, que não podiam - e não podem - ser ignorados: (i) como afirmou o jornalista Victor Birner no programa Cartão Verde, ele vinha de dentro, do conselho de administração, e sabia o tamanho do desafio; (ii) se preparara, desde que deixou os gramados, para a função; (iii) era - e é - boleiro, e fala o idioma dos jogadores; (iv) é respeitado e admirado; e (v) tem uma visão contemporânea da estrutura do futebol e sabe que, se não vier uma mudança, os times brasileiros não sairão da crise em que estão. Essas características deveriam contribuir para que se reconhecesse, no projeto, um desafio que transcendia uma questão pessoal e, de certo modo, do São Paulo, mas que se podia afirmar essencial para o futebol como um todo. O insucesso, por outro lado, serviria para apagar mais um ídolo tricolor - no caso o maior de todos os tempos -, e reafirmar a supremacia cartolarial na condução dos temas pseudo-clubísticos. Esse dilema foi ignorado e a demanda por resultados imediatos, como de costume, surgiu de todos os lados. O jornalista Menon apontou, em texto denominado "Raí precisa corrigir os erros que cometeu", publicado em 23 de abril de 2018, que "ídolos devem participar da direção dos clubes, após a aposentadoria? Não há nada contra. Há até uma torcida para que dê certo. A cobrança, porém, deve ser igual. Ídolos podem errar. E Raí errou muito. Contratou Trellez, Diego Souza e o time jogou sem centroavante no segundo tempo contra o Ceará. Como resolver? Não sei. Raí, Ricardo Rocha, Lugano e Leco são bem pagos para resolver o assunto (...)". O problema era de perspectiva; ou melhor, é. Neste momento, porém, com sinal trocado: uma perspectiva exageradamente otimista, pela posição de liderança no campeonato brasileiro. O projeto de Raí e de seus executivos, Lugano e Ricardo Rocha, não é de curto prazo. Isso deveria ser óbvio, ao menos aos mais atentos e iniciados analistas do esporte. O que agora se produz ali, sob a presidência de Leco, é um movimento estrutural de time, e não um time para um campeonato ou para um ano; são sintomas de atos anteriores que, apesar de mais lentos do que se imaginavam, já começam a se manifestar. De todo modo, a construção de alicerces não se finaliza em dias, semanas ou poucos meses. O que se projeta, portanto, é uma nova estrutura, que criará um padrão identificável da base ao profissional. Isso demandará tempo e (alguma) paciência. Ou seja, não podemos nos iludir: o trabalho de Raí está apenas começando. A ponta do campeonato veio antes do que o mais otimista dos são-paulinos podia imaginar. Melhor assim. Porém, a ele deve ser dado o tempo necessário para cumprir a sua longa missão, qualquer que seja a posição final na tabela. Raí merece - e merecerá - o apoio e a confiança dos dirigentes e dos torcedores. Pelo bem do São Paulo, pelo bem do futebol brasileiro.
Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo Defendemos, nesta coluna, o potencial do futebol brasileiro e a necessidade premente de sua transformação. O mundo já deu provas de que a atividade futebolística, atualmente, tem fundamentos e contornos empresariais e, por isso, precisa ser conduzida de maneira profissional, organizada sob um modelo adequado à finalidade lucrativa que, de maneira inevitável, está atrelada ao negócio futebol. Apesar da aparente facilidade que clubes de maior porte possam ter para implementar um projeto transformacional - em razão de sua atratividade para o mercado, por exemplo - essa não se trata de uma possibilidade restrita às grandes equipes brasileiras. O Botafogo Futebol Clube ("Botafogo") - sediado em Ribeirão Preto/SP e que disputa, hoje, a série "c" do campeonato brasileiro - aliás, é exemplo disso. Em maio de 2018, o Conselho Deliberativo do Botafogo aprovou a constituição do Botafogo Futebol S.A. ("Botafogo S.A."): uma sociedade anônima que irá gerir o futebol e determinados ativos. De acordo com informações veiculadas pelo clube e por meios de comunicação, o Botafogo S.A. terá como sócios o próprio Botafogo, que manterá a sua condição de associação civil, e um investidor privado: a Trexx Holding Empreendimentos e Participações Ltda. ("Trexx"). O Botafogo será titular de 60% (sessenta por cento) das ações de emissão do Botafogo S.A., enquanto a Trexx deterá a propriedade dos 40% (quarenta por cento) restantes. Isto é: o Botafogo cria uma sociedade anônima, conferindo a ela os ativos relacionados ao futebol (como contratos com atletas, licenças, patrocínios, equipamentos e outros bens e direitos), e permite que um investidor, mediante o aporte de capital, se torne proprietário de parcela minoritária das ações de emissão da companhia. A administração do Botafogo S.A. se dividirá em uma Diretoria e um Conselho de Administração. A Diretoria será composta por 3 (três) membros: 1 (um) Diretor Presidente Executivo; 1 (um) Diretor Financeiro; e 1 (um) Diretor de Futebol. O Conselho de Administração, por sua vez, terá 7 (sete) membros, dos quais 3 (três) indicados pelo Botafogo, dentre os membros do Conselho Deliberativo, 2 (dois) indicados pela Trexx e 2 (dois) independentes (isto é, sem vínculos com os acionistas Botafogo e Trexx). De acordo com informações obtidas no site da Junta Comercial do Estado de São Paulo ("JUCESP"), o Botafogo S.A. já teria sido constituído, inclusive. Há registro de arquivamento da ata de Assembleia Geral de constituição de mencionada sociedade anônima, datada de 04 de junho de 2018. Contudo, o ato ainda não está disponível no sítio eletrônico da JUCESP e, portanto, não pôde ser acessado e analisado. É impossível afirmar se o projeto será bem-sucedido. Ainda é cedo e há poucos dados disponíveis sobre a empreitada, o plano de negócios e os investimentos que se realizarão. De todo modo, só a idealização e a implementação do Botafogo S.A. já demonstram um avanço significativo, que merece atenção. Aliás, as suas aparentes características e dimensões indicam que se trata de um "projeto piloto", que pode ser o embrião do novo modelo organizacional do futebol brasileiro.
quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Até tu, Lula?

A decepção com o resultado da Copa do Mundo talvez seja exagerada e somente se justifique pela incrível campanha que se construiu em torno de Tite. Antes de sua chegada, a seleção brasileira brigava, com dificuldade, por uma vaga no mundial e poucos acreditavam nela. Portanto, o fracasso era, até aquele momento, esperado. O treinador construiu, é fato, um discurso, imagens e um sonho. Muitos embarcaram. O tamanho do tombo é proporcional à expectativa que se criou. O problema é que essa construção não foi - e não é - estrutural. A estrutura do futebol brasileiro continua arrasada, como estava quando Tite se sagrou campeão mundial de clubes pelo Corinthians ou durante o processo construtivo de sua narrativa, que forjou uma perspectiva messiânica. Tite é um ser humano como qualquer outro e está fazendo o seu trabalho, movido pelos seus interesses pessoais - os quais não são, por isso, ilegítimos. A esperança que se depositava na propositura de um projeto transformacional era ingênua, pois nunca foi sugerida por ele. E, pelo que se extrai friamente de seu discurso, também não é e nem será o seu propósito. Devemos aceitar Tite como ele é: tentará ser campeão mundial, e nada mais. Para isso, ele não dependerá dos jogadores que participam dos campeonatos locais, pois os craques (ou não) que formam a seleção, geralmente, partem muito cedo e são formados no exterior. É de lá - do exterior, portanto - que ele importará a tecnologia para realizar o seu sonho. O problema é que a terra, por aqui, continua arrasada e o Brasil insiste em tratar o futebol como algo irrelevante, supérfluo e, até certo ponto, alienante. Apesar de ínfima parcela da sociedade alertar para a importância do futebol, quase ninguém o leva a sério. Nos poucos debates políticos em que se discutem ideias, ele não é suscitado. Aliás, antes disso, o tema do futebol também não costuma aparecer nos programas de governo de candidatos a cargos públicos. O que falar, então, de seu reconhecimento como tema de Estado? Aí se revela a distância entre as funções social e econômica do futebol e a percepção da classe política - logo, da sociedade - a seu respeito: num ano eleitoral, de disputas acirradas e ideológicas, nenhum candidato se prestou a oferecer uma proposta de solução para a atividade que dezenas, muitas dezenas de milhões de brasileiros acompanham e entendem. Nem mesmo uma proposta populista (ou eventualmente demagoga - não que eu defenda esse encaminhamento, obviamente) surgiu. Ninguém que não seja do futebol está, aparentemente, preocupado com o futebol. O cenário é ainda mais desolador, pois, retomado o campeonato brasileiro, as pessoas que pertencem ao futebol voltaram suas atenções para os impedimentos, dispensas de treinadores, negociação de jogadores, etc., e, apenas eventualmente, quando mais um jovem talento é exportado, lembram de criticar o modelo e pedir soluções. Pedido que se perde - ou se esquece - já no próximo impedimento não marcado ou no seguinte gol mal anulado. Essa indiferença é identificada até no ex-presidente Lula, o político que mais teve e tem identidade com o esporte, que viveu os louros e as mazelas futebolísticas e que teve legitimidade para propor a arquitetura de um modelo sustentável e adequado à sua importância. Essa afirmação se extrai do próprio Lula. Em artigo escrito para o Blog do Jucá, na sequência da derrota para a Bélgica, ele afirmou que "[o] Brasil já não é o melhor futebol do mundo. Os melhores jogadores brasileiros saem para o exterior aos 15, 16, 17, 18 anos de idade. O Brasil virou um exportador de matéria-prima, que será transformada em craques no exterior". Disse mais: "(...) que nós, brasileiros, aprendamos lições com as derrotas, olhando as virtudes dos adversários e também os nossos erros". E, para concluir, pede para que voltemos a "pensar no Brasil, nos grandes problemas que temos, e procurar as soluções para diminuir o sofrimento do povo". Pois é. Se nem para Lula o futebol é um grande tema, para quem será? Quem será, aliás, o iluminado que perceberá que além de elemento fundamental da cultura do país, o futebol, como nenhuma outra atividade, pode (i) integrar pessoas e regiões, (ii) contribuir para a atração e a assiduidade de crianças e jovens em sala de aula, (iii) oferecer alternativas de trabalho em atividades diretas ou indiretas (incluindo alimentação, hotelaria, turismo e indústria), (iv) criar riquezas, muitas riquezas, para a sociedade (e para o povo, como Lula pede), e (v) deixar de ser uma fonte pífia de exportação (de pessoas), para tornar-se uma fonte de geração de tecnologia? Talvez seja mesmo um projeto para um Messias, e não para um ser humano.
Em setembro de 2016, escrevi sobre o sonho de Tite (ou o salvamento do futebol)1. Ele acabara de aceitar o convite para treinar a seleção brasileira, no pior momento da historia da CBF: além dos episódios de corrupção, prisão de um ex-presidente e ordem de prisão contra outro, o Brasil corria o risco de não se classificar para a Copa do mundo. Tite, que pouco antes assinara um manifesto contra o seu novo empregador - a CBF -, preferiu seguir seu sonho, ao invés de renovar sua aparente insatisfação com o estado do futebol brasileiro. Lembre-se: ele era tratado como um salvador da pátria e a sua recusa talvez representasse o golpe de misericórdia em um modelo obsoleto, desgastado e insustentável, que não tinha - e não tem - motivo para continuar existindo. Ou não. Um substituto competente poderia, eventualmente, formar um bom time, classificá-lo e, quem sabe, até mesmo ganhar a Copa. Assim, o sistema se preservaria, a imagem de salvador se perderia e o sonho se esvairia. Exigir de Tite que, naquele momento, absorvesse as mazelas nacionais era um exagero. Por isso, ele seguiu seu instinto, seu sonho e assumiu o desafio de recuperar a confiança dos bons jogadores que teria à disposição e montar uma equipe. Aliás, mais do que isso: de recuperar, também, a confiança e a estima do torcedor. No processo de construção do discurso, surgiu uma entidade quase infalível, que passou a representar o novo, o moderno, o trabalho, a tecnologia, a ética, a Justiça. O problema é que isso tudo convivia - e convive - com um modelo de futebol incompatível com o discurso; um modelo que destruiu os times nacionais, que não se preocupa com os jogadores e que se mostra incapaz de manter ou resgatar a áurea da seleção. Conviveram, portanto, durante esses meses, a CBF de Tite e a CBF do Coronel, uma isolada da outra, como se fossem estruturas distintas. Mas não são. Tite é um empregado da CBF, que é una; faz parte dela, como todos os demais. Exerce, é verdade, uma função especial dentro da organização. Por isso, caso não concorde com algo essencial, deve partir ou exigir mudanças. E não há outra pessoa que tenha, apesar da derrota na Rússia, poder para exigi-las, como ele. O futebol brasileiro precisa se reinventar, pois chegou a um nível de mediocridade sem precedentes. Neymar, apesar das críticas, é um jogador espetacular. Mas é pouco para o Brasil. O time - ou a seleção - que depende de uma pessoa, raramente triunfa. A pressão e as expectativas que se colocaram sobre aquele jogador ilustra a falta de perspectivas atual e futura. Sim, pois quando se olha para frente, não há um único nome que possa sucedê-lo. Não há, então, futuro, seja pela aposta em um gênio, seja pela construção de um grupo. Aliás, com raríssimas - realmente raríssimas - exceções, futebol é jogo coletivo. O Brasil de 70 tinha vários grandes jogadores além de Pelé; o de 82 não era apenas Sócrates; e o de 94, mais do que todos, foi uma falange - apesar das intervenções decisivas de Romário e Bebeto. Tite pode exigir a reinvenção; pode mostrar que tem preocupações maiores do que o seu sonho particular. O movimento parte do fortalecimento da base, da valorização dos jogadores e dos times e da arquitetura de uma estrutura apta a financiar o futebol no Brasil. A seleção será a consequência, e não o propósito. Não se pode mais, por outro lado, ignorar a função do futebol para o desenvolvimento social do país. Não existe outra atividade com essa característica. Ignorá-la é um atentado imperdoável. O técnico da seleção também não pode, pois, fazer de conta que vive no país das maravilhas, no lado do bem do futebol. Aliás, o ex-presidente Lula escreveu, no Blog do Juca, que, após a eliminação, devemos "voltar a pensar no Brasil, nos grandes problemas que temos, e procurar as soluções para diminuir o sofrimento do povo"2. Concordo parcialmente. O futebol é um grande tema e um grande problema. Se manejado adequadamente, irá inserir milhares - sem exagero - de pessoas, sobretudo crianças, na sociedade. Trata-se de um tema maior, de um tema essencial. Tite, enfim, pode revelar-se um ser humano realmente diferenciado, com preocupações que extrapolam seu sonho, sua realização pessoal, sua exposição. Acredito que sua função, como líder da seleção, não se resuma à construção de um discurso politicamente correto que, agora, após o resultado na Rússia, se mostra comprometido. Se esse for o caminho, a história o reduzirá a um bom técnico que obteve alguns êxitos - e, talvez, grandes derrotas; nada além disso. Ele, porém, tem, como poucas pessoas tiveram, a oportunidade de escrever a história, pela transformação da sociedade pelo futebol. Basta condicionar a continuidade do seu trabalho à implementação de um novo modelo, que ele próprio pode, aliás, direcionar. Tite, e apenas Tite, indicará se ainda vive um sonho de um homem comum ou se será um transformador, um homem elevado, que deixará uma obra potencialmente grandiosa, capaz de contribuir para o desenvolvimento da sociedade brasileira. __________ 1 O sonho de Tite (ou o salvamento do futebol). 2 Perder é do jogo. Vamos pensar no país.
quarta-feira, 4 de julho de 2018

Em defesa de Neymar e a omissão do Estado

Se Mario de Andrade fosse vivo, saberia, penso eu, interpretar e descrever, como ninguém, esse herói que se chama Neymar. Um herói com traços macunaímicos. Não, não estou me referindo ao seu caráter. Longe de mim julgar alguém que não conheço. Refiro-me aos sentimentos antagônicos que ele incita. Antes, era apenas um menino que queria ser o melhor jogador do mundo - e será; hoje, uma personalidade que faz parte de um sistema irrefreável de interesses econômicos. A incompreensão decorre das projeções e das expectativas que se fizeram e se fazem sobre alguém que é o que é, e não o que deveria ser ou o que os outros queriam que ele fosse. Neymar é, pois, tudo aquilo que ele mostra e faz em campo. E daí? Daí a incompreensão, a intransigência e, sobretudo, algo que virou moda num país sem rumo: a falta de identificação, que justifica, em todos os planos, a intolerância e o ataque à diferença. Sua postura incomoda - a mim também, em vários episódios - por se esperar dele um padrão de conduta que ele não adota, porque não quer, porque não está disposto ou porque sequer compreende. Em qualquer caso, a culpa não é dele, pelo que esperam dele. Isso tudo não o desqualifica como jogador; mais do que isso: não o faz pior ou melhor em campo. Por outro lado, faz emergir um debate, presente em vários setores, como o das artes, a respeito de sua função, de seu valor: uma obra de arte tem valor extrínseco, puramente estético, ou somente se justifica pela sua origem ética? O propósito, ou a falta dele, desqualifica o resultado ou este tem valor próprio? Indo adiante: o caráter do artista afeta sua obra ou ela se desprende de seu criador? Um drible, uma jogada mágica, um desarme, um gol, uma vitória... se justificam pelo que representam no plano exterior ou apenas pelo que são, no mundo do futebol? As preocupações pessoais e sociais do protagonista mudam a intensidade do fato ou lhe oferecem, sobretudo, uma retórica midiática? Um jogador deve ser um exemplo ou não? Afinal, do que falamos: de um jogo, apenas, ou de algo mais? Se a resposta for um jogo, apenas, o debate para por aqui. Estamos todos perdendo tempo e energia com algo superficial e irrelevante. Por outro lado, caso se atribua ao jogo de bola algo mais, aí o debate ganha sentido, devendo, no entanto, ser redirecionado. Em outras palavras, se a função do futebol é transformadora - e eu não tenho a menor dúvida de que seja -, não cabe a um jogador carregar esse fardo. Neymar não é e não será Pelé, Tostão, Zico, Sócrates ou Ronaldo. Neymar é Neymar e será Neymar, o camisa 10 do Brasil dessa década e, provavelmente, em algum momento futuro, o melhor do mundo. Se ele não levanta bandeiras sociais - será que não? - ou se sua atuação, quando enfrenta ou apanha de adversários, incomoda, o problema é nosso, que projetamos nele aquilo que queríamos ser ou que gostaríamos que ele fosse, como herói. Deixemos que ele siga o seu caminho, e cobremos do Estado a formulação de uma política que possibilite o surgimento de um, vários ou cem mil grandes jogadores e cidadãos brasileiros, que possam compartilhar a responsabilidade que pesa, nessa Copa, sobre apenas um.
quarta-feira, 27 de junho de 2018

Será que vai, Brasil?

Período de Copa do Mundo costuma gerar um efeito interessante: muita gente resolve escrever sobre futebol. A imprensa e as mídias sociais trazem, diariamente, textos e mais textos sobre o tema, escritos por empresários, professores, sociólogos, historiadores, economistas, jornalistas que não costumam cobrir o esporte, advogados, etc. O conteúdo varia, evidentemente. Em alguns casos se fala apenas do futebol praticado - ou que se deveria praticar. Os mais interessantes, em minha opinião, tentam fixar teses para justificar diversas situações, positivas ou negativas. Nesse grupo se proliferam as tentativas de demonstrar que a - suposta - apatia do torcedor decorre da falta de identificação com os jogadores. Quando se oferecem caminhos para reversão desse cenário, a análise não atinge o verdadeiro problema da tal falta de identidade, que não é causada pelo êxodo prematuro de jovens promessas; o êxodo, ao contrário, é a consequência. O que causa esse estado de coisas é o modelo de propriedade. Em poucas palavras, o futebol no Brasil é organizado e mantido pelas associações sem fins lucrativos (os clubes), sujeitas a modelos de governação compatíveis com as relações sociais internas e políticas que motivaram suas criações, mas incompatíveis com a complexidade das empresas econômicas que se desenvolveram com o tempo. Soma-se a isso a impossibilidade jurídica de captação de recursos, tornando os clubes reféns da negociação de jogadores em formação e do fluxo de recursos provenientes de emissoras de televisão. Para concluir, os clubes concorrem, não mais no plano nacional, mas internacional, com os principais times europeus, em sua maioria empresas, que captam recursos e os despejam em fornecedores de commodities. Essa situação, aliás, não afeta apenas a periferia do futebol. O centro também não resiste à nova ordem. Times de países como França, Holanda e Bélgica raramente conseguem preservar seus principais jogadores, que partem, assim como os brasileiros, os demais sul-americanos e os africanos, para os três ou quatro países protagonistas mundiais. Não há, pois, alternativa realmente viável se não houver uma reformulação estrutural que contemple vias de atração de financiamento do futebol brasileiro. E, aí, surgem dois caminhos: a subvenção e a hegemonia do Estado ou o mercado. Quanto ao primeiro caminho, a realidade do esporte - e não apenas do futebol - demonstra a absoluta incapacidade do Estado brasileiro de prover a necessária política para formação de atletas de rendimento, como fazem países capitalistas, como os Estados Unidos, a Alemanha e, sim, a França. Isso não quer dizer que o Estado não deva interferir. Deve, claro, porém, como regulador do ambiente adequado para preservar o futebol e, ao mesmo tempo, para formar um pujante e sustentável mercado, capaz de atrair investidores e financiadores da empresa futebolística. Essa solução vai em sentido contrário da extravagante proposta de "taxação para valer [das] transferências de atletas jovens. É isso mesmo: medidas de intervenção no mercado. Sem medo de enfrentar o dogmatismo neoliberal que predomina nessas regras. Podia ser uma taxação pesada para venda de atletas de 17 até 20 anos. Aí iria diminuindo, pra zerar a taxa a partir, digamos, de 23 ou 24 anos. Não estou pensando na Lei do Passe, não é cercear o direito do atleta de se transferir e subir na vida. É cobrar o valor potencial do que o outro lado vai ganhar nessas transações internacionais"1. Trata-se da fórmula definitiva para acabar com o futebol no Brasil e do Brasil. Primeiro, porque, infelizmente, no modelo atual, os clubes dependem dessas negociações para manterem-se ativos. Segundo, porque o fenômeno não é local, mas, mundial, e o fechamento não servirá para reverter a tendência (apenas para se isolar). Terceiro, porque países concorrentes aproximam-se, cada vez mais, da qualidade do futebol brasileiro e competem pela exportação de jovens talentos. Quarto, e realmente fundamental, a tal taxação não se reverterá para o futebol ou para os times, e se perderá na injustificável estrutura estatal. Quinto, porque impõe uma brutal limitação ao direito dos jogadores de decidirem seu futuro, ou seja, de partirem ou de ficarem. Se o sistema contribuísse para que o futebol fosse forte, estruturado e rico, e os times pudessem não apenas manter seus ídolos, mas contratar ao estrangeiro, muitos dos jogadores que se aventuram, inclusive por países improváveis e sem tradição, ficariam por aqui, perto da família e dos amigos. A realidade, no entanto, é outra: os que ficam - geralmente por não terem a opção de partir -, enfrentam, em sua maioria, baixos salários, condições inadequadas de exercício da profissão, atrasos salariais e escassez de trabalho. O problema, portanto, é estrutural, e se combate, logicamente, com medidas estruturantes. __________ 1 Historiador pede leis para dificultar saída de jovens craques do país.