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Meio de campo

Textos sobre Direito Esportivo e mercado.

Rodrigo R. Monteiro de Castro
O InfoMoney divulgou interessante pesquisa sobre o ambiente da SAF1. Aliás, não apenas o conteúdo é interessante, como também o fato de o tema interessar ao veículo de imprensa, especializado em noticiário econômico. Trata-se de mais um reflexo de que a Lei da SAF, de autoria do Senador da República e ex-Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, "pegou" (como se diria, popularmente, sobre a eficácia de uma lei). Há diversos motivos que explicam o interesse, dentre os quais: a existência de 99 SAF's2, além de outras sabidamente a caminho; e, na ótica do mercado, as perspectivas que as companhias do futebol passaram a oferecer para realização de uma gama de alocações (ou investimentos) em ativos atrelados à atividade futebolística. Opera-se, com efeito, nesse ambiente etéreo chamado mercado, um movimento, não coordenado, cuja amplitude ainda não foi compreendida pelos torcedores e pela imprensa em geral, que deverá modificar de modo substancial as forças e as características do esporte no Brasil. Gestores de fundos, investidores, banqueiros e empresários, dos mais variados perfis, estão empreendendo movimentos táticos e estratégicos para se posicionarem ou se fortalecerem no novo mercado do futebol. Até o maior banco privado do país comunicou a sua entrada. A Lei da SAF oferece um arcabouço único, cuja previsibilidade está em processo de construção, sem paralelo em qualquer outro país, inclusive no que se refere ao sistema comunicacional de seus atos: primeiro porque se aplica à SAF todo o ferramental oferecido a qualquer sociedade anônima pela Lei 6.404/1976 ("Lei das Sociedades por Ações"); segundo porque a Lei da SAF amplia, em relação especificamente a toda e qualquer SAF, a régua de exigências para atuação no ambiente em que clubes (originalmente os proprietários do futebol) e investidores se encontram e relacionam. Tanto as normas da lei geral (ou seja, da Lei das Sociedades por Ações) como as da lei específica (da Lei da SAF) são inafastáveis, formando um conjunto normativo único, que oferece, em relação às primeiras, quase 50 anos de doutrina e jurisprudência, e, quanto às segundas, um esforço de determinação semântica e de pacificação. Daí o resultado apurado pelo InfoMoney, no sentido de que: 60% dos torcedores avaliam positivamente o modelo de SAF; e, dentre os times que atuam como SAF, as aprovações no âmbito de Vasco e Galo são de 63,6% e 60,8%, respectivamente. Por outro lado, as torcidas dos dois clubes mais poderosos dos últimos anos, Flamengo e Palmeiras, são as mais resistentes à alteração de natureza jurídica. A pesquisa vai além e traça interessante mapa, ao, por exemplo, apresentar um recorte por idade e constatar que a faixa entre 18 e 24 anos é mais aderente ao modelo da SAF, seguida, em segundo lugar, pela faixa que compreende 25 e 34 anos.   Porém, apesar de o resultado geral ser positivo, poderia (e deveria) ser melhor, não fossem as falhas no trato do tema, nos níveis estatal e privado. No nível estatal porque ainda não se percebeu a grandeza da Lei da SAF e os resultados sociais e econômicos que ela traz e poderá trazer ao país e à sociedade como um todo. No privado porque, de um lado, clubes olham para ela (apenas) como via de salvação para suas dificuldades financeiras imediatas ou como via necessária para não se apequenarem diante de clubes mais ricos ou de times que mudaram de patamar após a passagem para o modelo de SAF; enquanto os financiadores e investidores também se preocupam (apenas) com os seus financiamentos e respectivos retornos. Não se pretende, aqui, investigar culpas ou erros; ao contrário, o propósito envolve a conscientização da urgência de compreensão, pública e privada, do fenômeno, que já deixou de ser pequeno e, no curto prazo, deverá abraçar senão todos, mas praticamente todos os principais times brasileiros. O processo de orientação, instrução e formação de consciência cabe, assim, a todos os agentes que gravitam ou se relacionam no sistema, inclusive - e especialmente - ao Estado, que introjetou a Lei da SAF no sistema, mas jamais se preocupou em apontar o norte e propor planos e metas nacionais. A falta de orientação e de informação ainda inebria, para o bem ou para o mal, o torcedor incauto, que ora aposta na SAF como uma vara de condão, com poderes mágicos de transformação (algo que, definitivamente, a Lei da SAF jamais ofereceu), e ora reage, passionalmente, como uma ameaça existencial ao time. Acerta a maioria dos torcedores brasileiros ao aprovar a SAF, mas seria importante que individual e coletivamente compreendessem, de maneira sólida, os motivos.  __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 25 de março de 2025. 2 Disponível aqui. Acesso em 25 de março de 2025.
O IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol promoveu o mapeamento dos meios adotados para a constituição de sociedades anônimas do futebol ("SAF's") que, na temporada de 2025, fazem parte das séries A, B, C e D do campeonato brasileiro de futebol. Os meios estão previstos nos artigos 2º e 3º da lei 14.193/2021 ("Lei da SAF"). O art. 2º lista três hipóteses: (i) transformação do clube ou pessoa jurídica original; (ii) cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do patrimônio cindido à SAF; ou (iii) iniciativa originária de pessoa natural ou jurídica ou fundo de investimento. O art. 3º prevê mais um meio, consistente no drop down, que se opera mediante a transferência de patrimônio relacionado ao futebol de clube ou pessoa jurídica original para integralização de capital da SAF. Esses são, portanto, os 4 caminhos identificados na Lei da SAF.  No mapeamento e levantamento das informações, os pesquisadores Riccardo Stefano Malarenko Scarcella e Iago Fernandes Espírito Santo utilizaram as ferramentas de consulta empresarial disponibilizadas pelas Juntas Comerciais, inclusive aquelas oferecidas pela Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios - Redesim, sob a regulamentação e fiscalização do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração - DREI, juntamente com informações retiradas de notas oficiais e documentos societários disponibilizados nos sítios eletrônicos dos pesquisados. O universo é composto por 30 sociedades anônimas do futebol disputantes, como indicado acima, das séries A, B, C e D do campeonato brasileiro em 2025, distribuídas entre as seguintes unidades federativas: No processo de identificação do meio adotado, os pesquisadores não se restringiram ao texto formal utilizado no ato de constituição, e foram além, para capturar a verdadeira consistência do meio. Isto porque não é incomum a utilização da expressão cisão (prevista no art. 2º da Lei da SAF) quando, na prática, se realiza um drop down (na forma do art. 3º). Nesse sentido, o resultado indica a conclusão a respeito da materialidade constitutiva de cada SAF. Além disso, como não foi possível acessar as informações de 7 SAF's, o contingente utilizado na compilação compreende 23 casos. Os gráficos abaixo plotam as informações coletadas e produzidas (referentes, portanto, a 23 de 30 SAF's): (i) Em relação aos meios de constituição, 15 SAF's foram constituídas por drop down1, 4 por transformação do tipo societário (ou associativo) e 4 por iniciativa de pessoa natural, pessoa jurídica ou fundo de investimento (portanto, nenhuma pelo caminho da cisão), conforme o seguinte gráfico: (ii) Em relação à natureza do constituinte da SAF (ou seja, se a SAF foi constituída por clube, sociedade empresária ou via originária), o resultado é o seguinte: (iii) Em relação aos meios de constituição dentre os times de mesma divisão, o cenário é o seguinte: A pesquisa do IBESAF apresenta, por fim, a seguinte tabela que indica as informações de cada SAF analisada, seguindo a ordem das divisões (maior para menor) e, dentre elas, ordem alfabética. __________ 1 No caso do A.C. Esportes S.A.F. (Athletic - MG), foi acessado apenas o organograma societário (e não o ato constitutivo), disponibilizado no sítio oficial do clube, e, dele, se presumiu que a constituição se operou via drop down.
quarta-feira, 12 de março de 2025

Não quero ter razão sobre Neymar

Este texto foi mentalmente concebido semanas antes do jogo do último domingo, 9 de março, entre o Santos e o Corinthians, e escrito após o seu desfecho. A ausência de Neymar e o resultado não influíram (ou não deveriam influir) no conteúdo de que se trata abaixo. A motivação dessa concepção decorreu da festa de apresentação do jogador à torcida santista, ocorrida em 31 de janeiro, que provocou toda sorte de reações e provocações. Pessoas ficaram indignadas com as imagens que circularam nas redes sociais nas quais ele celebrava o momento com representantes da direita ou da extrema-direita (que reforçariam suas posições ideológicas); já outras não se conformaram com a participação de ícones de pautas humanistas ou identitárias nas festividades.   Correndo o risco de cair no erro de Tite (mas por motivos diversos), que justificou a convocação de Daniel Alves à Copa de 2024 por uma suposta transcendência em relação ao futebol, os debates sobre Neymar há tempos envolvem muito mais do que futebol. Não se trata de uma transcendência, pois o futebol é maior do que qualquer jogador, por mais expressivo que tenha sido, mas de um posicionamento que gera paixões e ódios, independentemente do que ele faça (ou não faça). Neymar passou a conotar e a denotar muitas coisas, até mesmo políticas e ideológicas.     A posição que ocupa não aconteceu por acaso e não provém apenas de suas qualidades técnicas; tem muito a ver com o personagem que passou a representar, que não deixa de ser um personagem de si próprio, e de atitudes que o confundem, para o bem e para o mal, com um popstar (o que, de fato, ele é). Apesar de suas polêmicas (saída prematura do Barcelona, aparente pouca empatia com Paris, atuação fantasma na Arábia Saudita, ausência no jogo contra o Corinthians etc.), continua a ser e talvez sempre seja um dos maiores fenômenos midiáticos do século. O acúmulo de centenas de milhões de seguidores nas redes sociais confirma a proposição. E aí surgem os principais debates sobre o que ele é e o que poderia ser, em diversos planos, tais como esportivo, político e social. Invariavelmente se transferem a ou se projetam em Neymar as condutas que, sob a perspectiva dos debatedores, eles as realizariam se fossem Neymar: focar e treinar mais, para ganhar o prêmio de melhor do mundo; dedicar-se à seleção e à conquista de uma copa; apoiar pautas progressistas; envolver-se em projetos sociais; dentre outras. Aqui sim se revela um dilema de transcendência, pois o exercício que se faz, ao se colocar no lugar de outra pessoa, não leva em conta as distintas realidades e toda a carga social, emocional e educacional que separam o crítico e o criticado. Mesmo que, eventualmente, provenham das mesmas origens, ainda assim a apropriação da personalidade, para efeitos de especulação de condutas imaginárias, falha pela falta de contato com a realidade criticada. A verdade é que, no início de sua trajetória, sabidamente humilde, ninguém ou quase ninguém estava lá para contribuir para sua formação e ascensão, exceto, com as limitações que tinham, seus próprios parentes; assim como quase ninguém está lá para apoiar milhares (ou milhões) de crianças de comunidades brasileiras, que provavelmente não atingirão seus sonhos de transformação em jogadores e, muito precocemente, se depararão com subempregos ou empregos que não desejaram.   Mais: quando um egresso da base rompe a bolha e se projeta sobre a sociedade, a sociedade reage e passa a cobrar-lhe atitudes que ela não lhe proporcionou; nem ou muito menos o Estado, que se revelou, desde a sua concepção brasileira, incapaz de solucionar o problema da desigualdade originária e da distribuição de educação e de saúde, apesar das montanhas de recursos arrecadados cotidianamente para financiamento de uma burocracia (executiva, legislativa e judiciária) ineficiente e, não raro, ultraprivilegiada. Apesar disso tudo, na minha visão, Neymar poderia ser diferente, em muitas coisas. Não apenas na minha, mas de outras pessoas também. E o que isso importa, na prática? Nada. Inclusive porque, muito provavelmente, para milhares de (outras) pessoas, está tudo em ordem com as suas decisões e posições. Aliás, em um ambiente tão polarizado, ele passou a sintetizar, para um lado ou para outro, os desejos e as aversões dos polos, de modo que, para onde for, encontrará elogios, apoios, resistências e críticas. Neymar, como produto, é um sucesso planetário e lucrativo. Não apenas como produto, mas como jogador também. Ainda não foi campeão do mundo, e daí? Zico e Sócrates também não foram. Azar da copa do mundo, como diria o jornalista Fernando Calazans. Isso não diminui as suas qualidades técnicas, quase divinas, e as perspectivas de negócios atuais e futuros de suas empresas, pois, em algum momento, ele, ou melhor, sua equipe, chefiada por Neymar Pai, adotou um caminho que, empresarialmente, é e deverá continuar a ser muito exitoso. Neymar já poderia ter deixado o campo há muito tempo, mas se mantém ativo. Talvez porque ainda sonhe com a copa do mundo ou porque ainda reste alguma vontade de jogar. Ou simplesmente porque faz parte do projeto de desenvolvimento dos produtos Neymar. Ou, quem sabe, um pouco de cada. Isso tudo (sem fidelidade a um dos elementos) é Neymar. Para alegria e idolatria de muitos e aversão e repúdio de outros; combinação que, ao final, o tira do pedestal e, nas palavras de Mario Vargas Llosa, escritas em relação a Victor Hugo, o humaniza: "hacen mal los biógrafos explorando estas intimidades sórdidas y bajando de su pedestal al dios olímpico? Hacen bien. Así lo humanizan y rebajan a la altura del común de los mortales, esa masa con la que está también amasada da carne del genio. Victor Hugo lo fue (...) una de las más ambiciosas empresas literarias del siglo XIX (...). Pero también fue un vanidoso y un cursi (...)." Os biógrafos não precisarão mostrar as patologias do ser humano Neymar, pois ele não faz questão de escondê-las, no presente, como se vivesse - e de alguma forma vive - em um permanente (e inconsequente) reality show; e, mesmo assim, consegue atrair multidões, incluindo, no limite, ideólogos, que se despem de suas ideologias para ver um dos maiores gênios do século jogar.  
O IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol promoveu a 1ª atualização do mapeamento das sociedades anônimas do futebol constituídas desde o advento da lei 14.193/2021 ("Lei da SAF"). Além disso, aproveitou para mapear a data de constituição de cada SAF e, a partir do resultado, plotar gráficos que ajudassem a identificar (ou não) tendências. No trabalho de atualização, os pesquisadores Iago Fernandes Espírito Santo e Fernanda de Brito Freire do Nascimento utilizaram as mesmas ferramentas de consulta empresarial disponibilizadas pelas Juntas Comerciais, inclusive aquelas oferecidas pela Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), sob a regulamentação e fiscalização do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI). Mantiveram, portanto, a denominação empresarial como critério de pesquisa, e procuraram todas as sociedades que possuíam em sua denominação os termos "Sociedade Anônima do Futebol" ou a sigla "S.A.F.", conforme dispõe o art. 1°, §3º, da Lei da SAF.1 Importante: a busca não privilegiou times que estivessem em alguma divisão do campeonato brasileiro; de modo que toda SAF, qualquer que seja a sua atuação ou relevância esportiva, foi catalogada. Outro dado importante: a data de corte (pois sempre haverá uma) é 10 de janeiro de 2025. Eventuais novas sociedades anônimas do futebol, registradas a partir de tal data, não foram capturadas pela 1ª atualização da pesquisa. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. ____________ 1 Art. 1°, §3º - A denominação da Sociedade Anônima do Futebol deve conter a expressão "Sociedade Anônima do Futebol" ou a abreviatura "S.A.F."
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Sobre Adriano (o ex-imperador) e o Brasil

A vida é muito curta para desperdiçá-la com livros medianos ou ruins. O problema é que há milhares de livros muito bons ou magníficos, que poderiam ocupar todos os dias (e noites) da vida de um leitor dedicado. Outro problema, ainda maior, é a escassez de tempo para dedicação, mesmo que não exclusiva, à leitura: trabalho, família, esportes e outras atividades prazerosas ou necessárias disputam o "bem" mais precioso de todo ser humano. Por tais motivos, a escolha de leitura ou de releitura de obras essenciais não é uma tarefa simples. Toda escolha implica, necessariamente, muitos preterimentos, alguns temporários, outros, talvez, eternos, pois a lista de desejos somente aumenta, com novos lançamentos ou relançamentos. Livros que envolvem futebol, por razões particulares, integram uma lista à parte, que é vencida, ou melhor, atacada (mesmo que não façam parte dos livros magníficos), sem método ou cronologia; a atração é passional, sobretudo. Não quer dizer que não sejam bons; ao contrário. Mesmo que não se enquadrem na categoria de alta literatura.      Nessa lista, e atrás de outros títulos, estava "Adriano: meu medo maior" (Planeta do Brasil, 2024). Considerando, ainda, a outra e maior lista, que reúne todos os demais temas de interesse, achei que o livro não seria lido antes de 2027. Mas não foi o que ocorreu, por "culpa" do músico Nando Reis, que o recomendou enfaticamente. Para não interromper as leituras em curso ou para não furar a fila, criei um subterfúgio, introduzindo-o em momentos em que, de modo regular, não estaria lendo (o que significa que o lia, inicialmente, enquanto fazia outra coisa, como andar na rua). E logo me deparei com a pressa de vencer as quase 500 páginas de um relato em primeira pessoa que poderia, não fossem detalhes ou eventualidades (sorte ou azar), não ter existido. Ou ter tido um desfecho monumentalmente distinto. Trata-se, a propósito, de um relato que, respeitadas as muitas peculiaridades, poderia se assemelhar a outros que, conforme o imaginário ou os padrões dominantes, tiveram final feliz: pobreza, dificuldades, esforços, superações, sucesso, riqueza, aproveitamento do sucesso associado à idolatria e legado. Tais roteiros, com final feliz, são conhecidos do grande público e explorados, em diversas circunstâncias e atividades, em programas de televisão ou em matérias sensacionalistas, para lembrar que o trabalhador que ralar loucamente e se enquadrar no sistema pode, sim, conquistar seu espaço dentre os privilegiados. Mas, com Adriano, os capítulos que se seguiram à queda do seu império futebolístico foram mais mundanos (ainda assim, notáveis). A narrativa se torna mais rica justamente por conta de tantas idiossincrasias e, em especial, pelo aparente descaso com a manutenção de certos símbolos que imperam em nossa sociedade capitalista e elitista. Ele foi o que, na infância, poucos concebiam que fosse; mas deixou de ser, após o estrelato, o que a maioria apostava que seria.    Apesar de tudo, Adriano teve a oportunidade de escolher entre se tornar um produto midiático e "monetizável" - e construir um império econômico - ou manter as origens; isso mesmo após os dilemas, as crises e o fim prematuro de sua carreira.   Talvez não tenha sido uma escolha, mas uma consequência de fatores ou eventos pessoais, psicológicos e de outras naturezas, que o levaram a seguir um caminho que a imprensa, os agentes que integram o sistema do futebol e os seus fãs não imaginavam (e, por isso, ainda ficam perplexos; afinal, ele poderia ter ganhado Copa do mundo, bola de ouro e muito, muito mais dinheiro). Pouco importou (ou importa), para Adriano: ele foi e continua sendo, Adriano, o imperador de suas decisões.   Ao contrário dele, a maioria dos meninos e meninas que nasce e vive em comunidades, de qualquer localidade ou região do país, passa longe de ter alguma perspectiva transformadora, social e econômica. Isto fica evidente quando Adriano relata a percepção que teve ao ser inscrito na escolinha de futebol do Flamengo, graças ao esforço quase sobre humano (para não dizer desumano) de sua família, especialmente de sua mãe e sua avó: "(...) não é que eles eram diferentes. Eu é que não era igual a ninguém. Todo mundo com cara de riquinho. Dando risada à toa. Correndo na maior alegria como se fossem amigos desde a maternidade. Mulheres vestidas de branco na arquibancada. Mães emperiquitadas empurrando uns carrinhos que eu nunca tinha visto antes. Eu era o estranho naquele lugar. Isso ficou claro desde o primeiro minuto (...)". Era e continua sendo. A narrativa confirma, aliás, o que se defende neste espaço (não de modo singular, pois consiste, também, na bandeira de outras pessoas que lutam por uma sociedade mais justa): em países marcados pela desigualdade, o futebol talvez seja a única esperança de parcela relevante das populações desfavorecidas. E, como não há lugar para todos dentro de campo, ele deveria ser a via de conexão e de flutuação entre as camadas sociais. Adriano, enfim, é um vencedor, em função de seu talento, evidentemente, mas, também, da vontade de sua mãe e de sua avó, e da sorte - como ele narra no livro. E uma exceção; que poderia se tornar regra se houvesse real interesse do Estado e da iniciativa privada na adoção de políticas e projetos voltados à educação e à inserção social pelo futebol.
O ufanismo que tomou conta de parcela das elites econômica e cultural do país, por motivos distintos1, revela (apenas) a necessidade - e a urgência - de promoção de debates a respeito da criação de políticas públicas voltadas não apenas à afirmação de um povo que, apesar de sua contribuição para o desenvolvimento da humanidade (e disso deve mesmo orgulhar-se), ainda tem muito a divulgar e, mais importante, produzir - e, assim, assumir uma posição mais vigorosa (ou, como talvez escrevesse Nelson Rodrigues, menos viralatista). Especialmente porque os eventos que despertaram as reações mais ou menos contundentes decorreram de excepcionalidades, e não de ações estruturantes. João Fonseca, o jovem tenista que fez o país relembrar as glórias de Gustavo Kuerten - e provocar desnecessárias comparações -, e projetar uma nova era de conquistas próprias, que podem (ou devem) levar o hino e a bandeira do Brasil ao topo, será, quando os seus feitos se confirmarem, uma eventualidade histórica (ou estatística): não se trata, evidentemente, de uma crítica a ele ou à competente equipe que o circunda, mas da constatação de que, até o presente ano de 2025, apenas uma brasileira, Maria Esther Bueno, e um brasileiro, o já mencionado Gustavo Kuerten, venceram Grand Slams em simples profissionais. Muito pouco, ou melhor, nada, para um país que, conforme censos atuais, ocupa a sétima posição no ranking de maiores populações (em torno de 220 milhões de habitantes2) e a décima entre as maiores economias (atrás, apenas, de EUA, China, Alemanha, Japão, Índia, Reino Unido, França, Itália e Canadá)3. A partir do momento em que a vibrante promessa ampliar a lista de ganhadores, algo que, sem dúvida, o país aplaudirá, a contabilidade ainda assim persistirá em níveis diminutos, em números absolutos ou em relação à potencialidade latente. Estar-se-á, novamente, diante de fato isolado, viabilizado pelas condições financeiras e perspicácias planificadoras de seus familiares, que souberam, com recursos próprios ou de terceiros, oriundos de seus contatos pessoais e profissionais (algo não reproduzível, em especial para jovens de classes desfavorecidas), traçar os rumos de uma carreira. Os títulos de João Fonseca, que já se acumulam e se acumularão, não têm (e talvez jamais terão), portanto, nada a ver com um projeto de desenvolvimento do país, que o enchesse de orgulho (novamente, nenhuma crítica ao tenista e seus planificadores), e serão, mesmo que vestidos de verde e amarelo, vitórias particulares. Na mesma linha, o emocionante sucesso do necessário "Ainda Estou Aqui" (não apenas pela recompensação a uma família violentada pelo Estado, mas, também, pelo momento do reconhecimento), protagonizado por Fernanda Torres, provocou manifestações (compreensivelmente) fanáticas, sobretudo em reação aos ataques ideológicos de que o filme e a atriz foram vítimas, que expôs ao Brasil e ao mundo os horrores do regime militar. Os números brasileiros, no âmbito da premiação - se é que importam -, também são ínfimos: antes de "Ainda Estou Aqui", pouco mais de uma dezena em diversas categorias e em todos os tempos4, e nenhuma vitória. As novas indicações descortinam, na verdade, uma incômoda realidade: a excepcionalidade do fato. Nesse ponto (ou nessa esquina) João Fonseca e Fernanda Torres se encontram para: (i) simbolizar o orgulho de alguma coisa, apropriado por cada orgulhoso em função de sua própria perspectiva; (ii) lembrar que, dramaticamente, tardará para que surjam outros Joãos e Fernandas, enquanto não se promoverem políticas públicas efetivas e apoios privados desinteressados e em larga escala, ao desenvolvimento educacional, social e econômico; e (iii) acalentar a esperança de que, apesar da fissura social e política, ainda se vive no (eterno) país do futuro. Também naquela esquina outras pessoas poderiam se encontrar com João Fonseca e Fernanda Torres: os futebolistas que, em sua grande maioria, provieram de classes desfavorecidas, tiveram pouco tempo ou oportunidade para estudar e são, mesmo quando bem-sucedidos, excluídos social e culturalmente (as poucas exceções costumam ser brancas e nascidas em ambientes mais privilegiados). Poderiam, mas não se encontrarão naquela esquina porque, inversamente ao que se produziu com João Fonseca e Fernanda Torres, seus feitos, eventualmente semanais, são desconsiderados (ou mesmo ignorados), exceto pela imprensa especializada ou quando acompanhados de algum drama ideológico, físico, racial ou identitário. Talvez se afirme que a apropriação do futebol pelo Regime Militar, na Copa de 19705, tenha deixado rasgos ainda não cicatrizados, que impedem a construção de uma relação simbiótica (ou que não se restrinja à preferência clubística); algo que, apesar de tentador, não faria (e não faz) o menor sentido e não deixaria de escancarar que, na verdade, desde que bolas foram involuntariamente chutadas para fora das fábricas de trabalhadores brancos e europeus, e caíram nos pés da população preta e afim, promoveu-se uma inversão hierárquica jamais revertida e aceita - e cujo inconformismo se expressa, cotidianamente, em atos racistas em campos de quase todos os países. Não!, a dificuldade que o país e suas elites têm com os futebolistas, ou melhor, com a perspectiva de inserção e ocupação de espaços, não se associa a 1970 ou à ditadura pois, assim fosse, não se teria operado, talvez como (realmente) nunca, a união nacional pela seleção de 1982, protagonizada por Sócrates, Zico, Falcão e Eder, aliás, possivelmente, a mais "branca" e intelectualizada (ou educada) desde 1950. Enfim, João Fonseca e Fernanda Torres devem ser celebrados; mas, ao mesmo tempo, devem servir para que o Estado e a iniciativa privada se conscientizem de que o país carece de políticas e iniciativas consistentes com a sua grandeza (ao menos física). Mais: que o país insiste em desprezar uma de suas maiores riquezas, o futebol, atividade umbilical e visceralmente atrelada ao seu povo (que há décadas vem se espalhando, apesar de tudo, entre times localizados em dezenas de países), e que deveria se projetar como instrumento de inserção e desenvolvimento, e como o principal softpower brasileiro. 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui.
1. Breve introdução Semanas atrás, a imprensa especializada noticiou e publicou os termos de uma eventual operação que o SPFC estaria entabulando com determinado investidor internacional (Evangelos Marinakis). Após alguma agitação, o tema deixou de repercutir. Olhando de fora, o silêncio talvez decorresse por um de dois motivos: a negociação, se efetivamente estivesse em curso, esfriou; ou passou a ser conduzida com maior rigor de sigilo. Parece que se aplica a segunda hipótese, pois, em reunião extraordinária do conselho deliberativo do SPFC, ocorrida no dia 28 de janeiro, o tema da negociação teria sido abordado. Qualquer que seja o motivo, e mesmo que seja outro, não listado acima, este texto promove uma análise das supostas bases negociais, de modo a contribuir, construtivamente, para o debate a respeito do presente e do futuro do SPFC. Parte-se, portanto, da premissa de que o SPFC estaria estudando alternativas de financiamento da atividade futebolística para, além de enfrentar as obrigações de curto e médio prazos, viabilizar uma estrutura que pudesse manter o time competindo, com sustentabilidade, em alto nível e no topo de tabelas. A realização de eventuais movimentos talvez se justifique, ainda mais, em nossa opinião, pelo advento da lei 14.193/21 ("lei da SAF"), que resultou - e ainda resultará - no fortalecimento de clubes que, antes, tinham dificuldade de se equiparar ao orçamento e às perspectivas do SPFC. 2. O desafio O ponto de partida da análise é o orçamento de 2025. O orçamento costuma expressar projeções de entradas e saídas, que podem ou não se confirmar em função de diversas variáveis futuras, e costuma ser construído com base em ocorrências passadas e eventos que, em princípio, deveriam (ou poderiam, com alguma segurança) se realizar. Nesse cenário de projeções (e, necessariamente, de algumas incertezas), o orçamento projeta a contratação de mais de R$ 200 milhões em novas dívidas (ou empréstimos). Os recursos seriam utilizados, em conjunto com parte da geração de caixa de 2025 (proveniente de direitos de arena, patrocínio, negociação de jogadores etc.), para atender obrigações da ordem de R$ 350 milhões1, que vencem em 2025. Contudo, o SPFC estruturou, recentemente, uma operação envolvendo um FIDC -  Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, que restringe, como costuma acontecer em tais estruturações, a liberdade gerencial para realização de certos negócios, em especial para contrair dívidas. No caso, empréstimos superiores a R$ 10 milhões por trimestre devem ter anuência do comitê de crédito do FIDC2. Assim, a negociação de parte do Centro de Formação de Atletas Presidente Laudo Natel, ou seja, a categoria de base conhecida como Cotia, poderia contribuir para o solucionamento de parcela da dívida que vencerá em 2025. 3. Sobre a operação No âmbito da operação com Cotia, o SPFC receberia uma parcela imediata (aparentemente decorrente da venda de parte de Cotia), que seria destinada à amortização de dívidas, estimada em aproximadamente R$ 2403 milhões, montante que ainda seria insuficiente para cobrir os vencimentos previsto para 2025, da ordem, como visto, de R$ 350 milhões. Para fechamento das contas de 2025, o SPFC dependeria da confirmação de um orçamento ambicioso, que prevê cerca de R$ 150 milhões em negociação de jogadores4. Adicionalmente, como o valor recebido seria utilizado para amortizar apenas os vencimentos de 2025, o endividamento total do clube permaneceria em nível semelhante ao registrado ao final do exercício de 2023, refletindo uma situação financeira ainda crítica5. A operação que circulou implicaria, ademais: (i) a manutenção pelo SPFC do controle das operações de Cotia, de modo que o investidor deteria uma participação minoritária em um veículo que fosse proprietário de empresa conjunta; (ii) uma transferência de recursos diretamente ao SPFC, parte destinada à amortização de dívidas (conforme antecipado acima) e parte destinada a investimentos incrementais no futebol, bem como investimentos diretos em Cotia; e (iii) um fluxo de caixa periódico oriundo de Cotia para financiar as atividades do futebol profissional (sob a forma expectativa de dividendos). Em troca desse conjunto de coisas, o SPFC passaria a conviver com um sócio relevante e líquido, em uma estrutura que, por um lado, poderia ajudar a alavancar novos negócios, mas, de outro, obstaculizar outras operações mais audaciosas (ao menos com terceiros). 4. Pontos de atenção De todo modo, alguns aspectos merecem destaque e, sobretudo, atenção, para que, ao invés de solução, a operação não se transforme em problema maior do que os desafios existentes: Saída de capital para o investidor: Em outras estruturas de vendas de participações em empresas futebolísticas para investidores de longo prazo - cujo perfil parece ser o do investidor em Cotia -, como nos casos do Bahia com o Grupo City ou do Liverpool com a Fenway Sports Group, os resultados gerados pela operação são normalmente reinvestidos na própria atividade, com o propósito de promover um ciclo virtuoso de crescimento sustentável. Nesses modelos, o principal retorno financeiro do investidor costuma ser obtido no momento da venda futura do ativo pelo investidor (ou seja, da venda das ações de emissão da SAF ou da sociedade empresária constituída para organizar e operar o futebol), o que o incentiva a apostar no crescimento e valorização do time. Já no caso de eventual negócio envolvendo Cotia, o pagamento de dividendos periódicos ao SPFC e ao investidor, referentes às respectivas participações na sociedade - algo que somente poderá ocorrer, de acordo com a legislação societária, se a SAF ou a sociedade empresária, conforme o caso, apurar lucros -, restringiria a capacidade de reinvestimento na própria estrutura de Cotia, podendo comprometer seu desenvolvimento (e os próprios planos traçados pelas partes); Conflitos de interesses: A operação poderia criar três conflitos principais entre o SPFC e o investidor, que merecerão um rigoroso e detalhado tratamento contratual: (i) primeiro, no aproveitamento de atletas: enquanto o SPFC deveria ter a tendência de se aproveitar esportivamente, ao menos por algum tempo (ou temporada), das revelações, o investidor, que não se beneficiará do aproveitamento clubístico, por não participar da operação do futebol profissional, tenderia a priorizar negociações rápidas para potencializar seu retorno financeiro; (ii) segundo, no âmbito do modelo atual, um atleta gerado em Cotia sobe automaticamente para o profissional, sem pagamento de contrapartida (além da própria formação), mas, no modelo em análise, parece não ter ficado claro se o SPFC, que deixaria de ser proprietário único de Cotia, teria que pagar para utilizar, sob qualquer forma (inclusive para celebração de contratos esportivos), algum atleta e, se o caso, em que bases (que podem ser beneficiadas ou privilegiadas em relação a terceiros ou nas bases de mercado); e (iii) por fim, considerando que o investidor é proprietário de outro time, poderia haver interesse na negociação prioritária de atletas formados em Cotia, em preferência ao SPFC, eventualmente a preços maiores do que o SPFC teria condição de arcar, porém, inferiores aos que outros times estariam dispostos a bancar; Desembolso para a recompra: Caso o SPFC deseje, após a consumação da operação, retomar a propriedade integral de Cotia, precisaria, caso os contratos assim estabeleçam, recomprar as ações detidas pelo investidor, envolvendo um desembolso financeiro significativo. Embora a definição prévia de valores de recompra possa favorecer o comprador em caso de sucesso do negócio, ela também o prejudica em cenários adversos. Independentemente disso, o direito de recompra é essencial para proteger o futuro do SPFC e sua ausência poderia inviabilizar a retomada integral das categorias de base ou uma eventual operação mais audaciosa, envolvendo, ou não, uma SAF; Opção de conversão para o investidor: Aparentemente, a operação contemplaria a concessão de uma opção ao investidor, para converter sua participação em Cotia em uma sociedade empresária futura do SPFC, seja ela SAF ou não. Esse tipo de instrumento - portanto, a opção de conversão - tende a diminuir (ou afastar) a atratividade para outros projetos que envolvam possíveis investidores de capital, podendo colocar o SPFC numa situação de refém do sócio minoritário de Cotia. Em contrapartida, a priorização do direito de recompra do SPFC sobre o direito de conversão do investidor poderia diminuir os efeitos da sua concessão; Financiamento da operação após o período de aportes: Outro ponto crucial consiste na fixação dos meios de financiamento de Cotia após o término do período de aportes programados. Para garantir a manutenção do mesmo nível de investimentos no futuro, seria necessário reduzir a distribuição de dividendos, direcionando parte desses recursos para sustentar as operações e investimentos futuros. Além disso, caso a operação demande recursos que não possam ser supridos por financiamentos de terceiros (debêntures, notas comerciais, empréstimos etc.), os sócios, como regra geral, suprem com recursos próprios (ou mediante a obtenção de empréstimos pessoais) as necessidades da sociedade. Sócios que não conseguem acompanhar as demandas de capital costumam ser diluídos. Caso, portanto, a estrutura de Cotia eventualmente não seja autossuficiente, o SPFC poderia enfrentar um de três cenários: direcionar recursos do profissional para Cotia; obter outros empréstimos (desde que não esteja impossibilitado por instrumentos como os do FIDC); ou reduzir sua participação na sociedade.    5. Conclusão Caso a operação envolvendo Cotia se realize, com base nas premissas adotadas neste texto, ela não deverá solucionar, de modo estrutural e definitivo, os desafios financeiros do SPFC e pode trazer, a depender das condições negociadas, obstáculos operacionais e desafios ainda maiores para implementação de uma operação de grandes dimensões. Por outro lado, caso não se realize, o SPFC também terá, pela frente, um cenário bastante desafiador. Daí a inevitabilidade das seguintes indagações: O que o SPFC fará para perpetuar sua relevância esportiva se não promover uma operação estrutural, como fizeram, aliás, quase todos os times relevantes do planeta, e, se a promover, quais seriam as condições ideais? A operação apenas com Cotia seria o caminho adequado? Quais seriam as alternativas viáveis à operação de Cotia para solucionamento dos desafios financeiros do clube, preservando sua sustentabilidade e gerando alinhamento de interesses de curto, médio e longo prazos? Quem seria o parceiro (ou sócio) estratégico ideal para o SPFC6, considerando sua relevância histórica e importância nos cenários esportivos brasileiro e mundial, e levando em conta, além de Cotia, uma operação de grandes dimensões? 1 Montante composto de: parcelamento tributário; pagamento de atletas, clubes e intermediários; pagamento de acordos cíveis e trabalhistas; amortização de empréstimos; e amortização do FIDC. 2 Cf.: Disponível aqui; e aqui. 3 Correspondentes a 40% dos ingressos referentes à operação de Cotia. 4 Caso a operação se concretize, o SPFC deixará de receber a totalidade da receita com negociações de atletas formados em Cotia, de modo que, se a divisão de resultados se projetar sobre atletas contemplados no orçamento, a meta para 2025 poderá ficar mais desafiadora. 5 Nesse contexto, a operação envolvendo Cotia teria servido, em tese, como um mecanismo para cobrir os déficits recentes, notadamente de 2024, sem oferecer uma solução estrutural para os problemas financeiros do clube. 6 Que poderia ser o próprio investidor, em função de premissas que vierem a ser estabelecidas pela diretoria do SPFC.
Na semana seguinte às conquistas do Botafogo, propiciadas pela Lei da SAF e pelas perspectivas que ela criou, e que se confirmam com a existência de 95 sociedades anônimas do futebol e os casos de sucesso que se somam - como os do próprio Botafogo e do Bahia -, o Brasil poderia ter que explicar aos 150 milhões de torcedores, aos clubes que estão em processo de mudança de modelo, às SAF's existentes, aos investidores que confiaram no País, aos investidores que estão planejando desembarcar e ao mundo, em geral - que já enxerga o futebol brasileiro como a próxima grande liga -, que as expectativas não se confirmariam. Mas o Governo pode reverter essa possibilidade e, mais importante, deixar sua marca na construção do maior mercado do planeta.   Não se trata de alarmismo, mas das consequências que a reforma tributária poderia provocar, de modo devastador, na construção que se vem erigindo, desde a iniciativa alvissareira do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco, autor da Lei da SAF, e da atuação do Relator da Lei da SAF, Senador Carlos Portinho; lei que, como poucas outras - talvez na história -, atingiu, em tão pouco tempo, efeito tão benéfico à sociedade. Explica-se: conforme nota técnica divulgada semanas atrás pelo IAT - Instituto de Aplicação do Tributo e pelo IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol, o PLP 68/24, que regulamenta a reforma tributária, eleva de modo significativo a carga tributária incidente sobre a SAF, com aumento representativo de aproximadamente 120% em relação à estrutura atual. Importante, muito, muito importante: jamais se defendeu - e não se defenderá - que a SAF não contribua para a arrecadação pública. Aliás, seu surgimento serviu justamente para romper com um modelo secular, patrocinado pelo Estado, que concedeu aos clubes sem fins econômicos, imunidades, isenções, perdões e outras regalias, à custa da sociedade, em troca, na prática, de nada. A Lei da SAF propôs um eficiente regime especial - o TEF -, indutor da formação de um novo mercado, que estimulará a multiplicação de relações jurídicas, as quais atrairão a incidência da norma tributária e, consequentemente, o aumento de arrecadação. Funciona assim: 5% da receita da SAF deve ser mensalmente recolhida para o erário, sem qualquer formalidade ou complexidade, evitando-se planejamentos, compensações ou evasões. A partir do início do 6º ano, a alíquota será reduzida para 4% e a base de cálculo majorada, com a absorção de negociação de jogadores. Ou seja, o regime especial reverte (e, no caso da SAF, reverteu) uma enorme complexidade que, até agora, se mostrou vencedora. A arrecadação é distribuída entre IRPJ, CSSL, PIS, COFINS e determinadas contribuições previdenciárias. Com o fim de PIS e COFINS, e a criação do CBS e do IBS, a proposta contida no PLP 68/2024 consiste na majoração imediata da base e, pior, acréscimo para 8,5% da receita. Trata-se, pois, de aumento colossal, levando-se em conta, sobretudo, que o recolhimento se calcula sobre receita mensal, e não lucro, e desconsidera custos e despesas. Por esses motivos, o IAT e o IBESAF sustentaram, publicamente, e defendem, com razão, a aprovação da Emenda 1.950 (ao PLP 68/2024), que estabelece o seguinte: "Art. 292. ....................................................................................................... .......................................................................................................................... § 4º ............................................... .................................................................... I - 3% (três por cento) para os tributos federais unificados de que tratam os incisos I a III do § 1º; II - 1% (um por cento) para a CBS; e III - 1% (um por cento) para o IBS, sendo: ........................................................................................................................ " Note-se, portanto, que a Emenda 1.950 propõe a redistribuição da arrecadação, e não a supressão ou redução, no âmbito da Reforma Tributária. Uma solução justa, que preserva os avanços promovidos pela Lei da SAF e que reforça a confiabilidade institucional - algo que, definitivamente, o País precisa. Mais: por conta do aumento da base de cálculo, ainda resultará no aumento de arrecadação, com a mesma alíquota. De modo que não há, sob qualquer ângulo, razão para majorá-la. Enfim, o Governo tem em suas mãos a oportunidade histórica de viabilizar um modelo alternativo ao associativismo, como forma preponderante de organização do futebol - que não contribui para arrecadação pública - e, em sentido contrário, de reforçar a relevância do desenvolvimento da empresa futebolística brasileira, que, como nenhuma outra, pode cumprir funções de inserção social e de desenvolvimento econômico, além de exercer o papel de principal softpower nacional.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

O Botafogo, o Brasil e a omissão do Estado

No ambiente do futebol, especialmente do brasileiro, que é pautado pela cultura do curtíssimo prazo, não se costuma tolerar a planificação que não tenha como objetivo imediato o resultado dentro de campo; mesmo que o imediatismo comprometa a estrutura e a saúde financeira do time. Ano passado, por exemplo, pouco mais de um ano do investimento realizado por John Textor e da revolução gerencial que se introduzia na SAF Botafogo, com a reunião de executivos ultra qualificados, houve quem dissesse que o projeto fracassara, apesar de o time não ter conquistado o campeonato brasileiro de 2023 (apenas) em função da perda de um pênalti. O que se construía, porém, era um projeto que ia muito além de um improvável título, logo no início da jornada. Na Libertadores de 2024, motivo justificado da atual euforia botafoguense, o caminho nem sempre foi suave, e o desfecho glorioso correu riscos reais em diversos momentos. Para não ir muito longe, após impor ao SPFC, nas quartas-de-final, o maior massacre já sofrido pelo time paulista em Libertadores, e ainda assim não marcar um gol, o Botafogo poderia ter sido derrotado, no Rio de Janeiro, não fosse certa oportunidade desperdiçada por Calleri no final da partida; e, dias depois, no Morumbi, ainda poderia ter sido desclassificado, não tivesse Lucas perdido um pênalti e, outra vez, Calleri deixado de marcar mais um gol feito. A grande final, em Buenos Aires, contra a SAF do Galo, se revelou ainda mais tortuosa, em decorrência da expulsão, após poucos segundos do início da partida, de jogador que sustentava o sistema de marcação do time. Naquele momento, os grupos de WhatsApp não paravam de circular manifestações de incredulidade e de sentenciamento de mais um tropeço histórico. Talvez, com alguma razão, pois, como mencionado, em ato premonitório, por determinado dirigente sul-americano ao Vice-Presidente Executivo do Botafogo, Jonas Decorte Marmello, na véspera do jogo, uma expulsão em final antes de 15 minutos do início representaria, estaticamente, chance de quase 100% de derrota. O que ocorreu, ao contrário, e o planeta viu, foi uma vitória épica, que segundo Nizan Guanaes, Shakespeare não seria capaz de dramatizar, e, em minha opinião, Homero não saberia converter em elementos de batalha. A narrativa deste artigo poderia soar oportunista, após o título, se a origem do atual sucesso do Botafogo não tivesse sido objeto, direta e indiretamente, de dezenas (ou melhor, centenas de outros artigos), nesta coluna, em defesa, incialmente, do Projeto de Lei e, finalmente, da própria Lei da SAF, de autoria do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, que foi (e é) a razão de o Botafogo ter inaugurado novo período de glórias. Voltando, agora, ao plano da razão, a Lei da SAF - instrumento inaugural de uma política pública que se constrói, infelizmente, à margem da atuação de Governos (e já são 4 Governantes, desde a inauguração do debate, alheios ao processo), e que ganhou inestimável reforço com a publicação do Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023 - ofereceu uma perspectiva única na história do esporte, no país. Sim, perspectiva que consiste na possibilidade de construção de um sistema integrativo, que aproxima detentores de capitais e proprietários seculares do futebol - os clubes -, dentro do qual se oferece um conjunto de atributos, como segurança jurídica, previsibilidade e possibilidade de cálculo, com maior precisão, do risco empresarial. Antes que se comece a criticar uma inexistente visão unicamente mercantilista, aquele sistema, que deve ser eficiente e gerador de riquezas, para aumento do bem-estar coletivo e da distribuição de renda, representa, em país tão desigual como o Brasil, a mola propulsora de inserção social e econômica das camadas menos favorecidas. Mais do que isso: também se apresenta como o mais poderoso instrumento de soft power brasileiro, capaz de entrar em bilhões de televisões e smartphones espalhados em todos os países.   Essas são, pois, as perspectivas que já deveriam ter sido compreendidas e estimuladas, pelo Estado e seus Governos, especialmente por meio da construção de adequado arcabouço legislativo e regulatório, em benefício do desenvolvimento do povo e da nação. Aliás, recente estudo do IBESAF apurou a existência de 95 sociedades anônimas do futebol, dentre pequenas e grandes, localizadas em dezenas de municípios. O número é expressivo, mas ainda incipiente: dos 20 times que participaram da série A do campeonato brasileiro de 2024, 8 adotaram a forma societária; dos 20 da B, 3; dos 16 da C, 6; e, finalmente, dos 64 da D, 7. E toda e qualquer SAF, por enquanto, ainda traça o seu o caminho solitário, sem um plano à altura das contrapartidas que, reunidas, poderiam proporcionar à sociedade.   Há muito a fazer, no plano coletivo. E é esta a lição que agentes públicos, de membros do Executivo aos do Judiciário, passando pelos Congressistas e Reguladores, poderiam - ou deveriam - captar: o futebol não é apenas um esporte, mas uma das vias de ressignificação da nossa sociedade. E assim deveriam se compor para defender e oferecer o ferramental necessário para formação e afirmação do mais pujante mercado do futebol do planeta - além de se aproveitarem do momento para expor posts e comentários que se perderão no infinito das redes sociais. 
quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O Mapa da SAF no Brasil: já são 95

O IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol promoveu sua primeira pesquisa, consistente no mapeamento das sociedades anônimas do futebol constituídas desde o advento da lei 14.193/2021 ("Lei da SAF"). Os pesquisadores Iago Fernandes Espírito Santo e Fernanda de Brito Freire do Nascimento utilizaram ferramentas de consulta empresarial disponibilizadas pelas Juntas Comerciais, inclusive aquelas oferecidas pela Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), sob a regulamentação e fiscalização do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI). Adotou-se a denominação empresarial como critério de pesquisa e foram examinadas todas as sociedades que possuíam em sua denominação os termos "Sociedade Anônima do Futebol" ou a sigla "S.A.F.", conforme dispõe o art. 1°, §3º, da Lei da SAF.1 Os resultados obtidos são interessantes (ou, mesmo, impactantes): em pouco mais de três anos, o país já coleciona 95 SAF's, distribuídas da seguinte forma: (i) Em relação à região: 40 com sede no Sudeste; 21 no Sul; 13 no Centro-Oeste; 17 no Nordeste; e 4 no Norte.  (ii) Em relação às unidades da Federação: as SAF's estão distribuídas entre 20 Estados e o Distrito Federal, sendo: 21 em São Paulo; 15 no Paraná; 11 em Minas Gerais; 7 na Bahia; 6 no Rio de Janeiro; 5 em Santa Catarina; 5  em Goiás; 4 no Rio Grande do Norte; 4 no Distrito Federal; 3 no Ceará; 2  no Espírito Santo; 2 no Mato Grosso; 2 no Mato Grosso do Sul; e 1 em cada um dos seguintes Estados: Acre; Amazonas; Pernambuco; Pará; Paraíba; Rio Grande do Sul; Roraima; e Sergipe.  (iii) Em relação ao momento esportivo2: 8 disputam a 1ª divisão do Campeonato Brasileiro; 3 disputam a 2ª divisão do Campeonato Brasileiro; 6 disputam a 3ª divisão do Campeonato Brasileiro; 7 disputam a 4ª quarta divisão do Campeonato Brasileiro; e 71 não estão qualificadas para o Campeonato Brasileiro. A pesquisa do IBESAF apresenta, ademais, o mapa da SAF, com a indicação de cada uma delas, conforme planilha abaixo:  Clique aqui para conferir. A pesquisa revela, portanto, que a Lei da SAF integra o grupo das leis que "pegaram", apesar da resistência que se verificou durante a sua tramitação e das tentativas de fragilizá-la, após o seu advento.  __________ 1 Art. 1°, §3º - A denominação da Sociedade Anônima do Futebol deve conter a expressão "Sociedade Anônima do Futebol" ou a abreviatura "S.A.F.". 2 A pesquisa foi concluída antes da definição dos rebaixamentos ou acessos dos campeonatos de 2024.
Em meio ao conflito político protagonizado por Javier Milei e a Asociación del Fútbol Argentino - AFA, narrado em artigo publicado no dia 06 de novembro, cabe agora analisar pontos essenciais dos três decretos editados pelo governo argentino relacionados ao tema SAD - Sociedade Anónima Deportiva: O DNU 70/23, o DNU 730/24 e o DNU 939/24. O Decreto de Necesidad y Urgencia (DNU 70/23), promulgado no final de 2023, tinha como propósito estabelecer medidas econômicas de caráter emergencial para enfrentamento da grave situação fiscal e financeira do país. Dentre medidas como a eliminação de subsídios objetivando redução dos gastos públicos e ajustes na política cambial para controlar a inflação e estabilizar o valor da moeda, surgiram, em seus arts. 331 a 345, alterações relevantes na Ley de Deporte (Ley 20.655/74) que cultivaram o confronto político entre o poder executivo e a AFA. O DNU 70/23, em sua essência, refletia promessas de campanha de Javier Milei, que prometia buscar soluções rápidas e eficazes para os desafios fiscais e financeiros do país. Entre tais soluções, foi introduzida a SAD. Aliás, não apenas a SAD como outros tipos societários foram autorizados a operar no ambiente esportivo, conforme se depreendia do art. 334, que substituía o art. 19 da Ley de Deporte ao dispor que: "Se consideran asociaciones civiles deportivas integrantes del Sistema Institucional del Deporte y la Actividad Física, a las: a) Personas jurídicas previstas en el artículo 168 del Código Civil y Comercial de la Nación, que tienen como objeto la práctica, desarrollo, sostenimiento, organización o representación del deporte y la actividad física (...); (b) Personas jurídicas constituidas como sociedades anónimas reguladas en la Sección V de la Ley 19.550 y sus modificatorias, que tienen como objeto social la práctica, desarrollo, sostenimiento, organización o representación del deporte y la actividad física (...)". O Decreto ia além, proibindo quaisquer obstáculos ou dificuldades para que sociedades empresárias se filiassem a associações, federações ou confederações esportivas[1]. Ainda, em seu art. 345, foi imposto prazo de um ano para que associações, federações ou confederações modificassem seus estatutos para adequação ao implemento da SAD e demais sociedades empresárias. A AFA, entidade resistente à introdução de empresas no sistema futebolístico, ajuizou ação com o propósito de revogar os efeitos dos artigos referentes à Ley 20.655/74, contidas no DNU 70/23. Diante do revés judicial, Javier Milei editou o DNU 730/24, para reiterar, em seus oito artigos, o conteúdo do DNU 70/23. Ademais, reafirmou a possibilidade de adoção da forma empresarial, em especial a sociedade anônima, por entidades que tivessem como objeto social la práctica, desarrollo, sostenimiento, organización o representación del deporte y la actividad física. Ainda, em seu art. 2º, renovou o impedimento à imposição de barreiras pelas associações, federações e confederações desportivas e, por intermédio do art. 5º, anunciou que o prazo de um ano para adequação dos estatutos seria contado a partir da data de início de vigência do decreto. A AFA reagiu novamente e, no âmbito judicial, obteve nova decisão revogatória dos efeitos do DNU 730/24. Daí a iniciativa de Javier Milei de redirecionar o ataque, mediante a edição do DNU 939/24, para afetar benefícios fiscais concedidos a clubes desde 2003. Conforme conteúdo do decreto, o sistema tributário vigente em relação ao pagamento de contribuições pessoais e contribuições patronais correspondentes aos jogadores de futebol, membros do corpo médico, técnico e auxiliar que assistem às equipes que jogam futebol profissional em qualquer categoria, além de demais profissionais dependentes da AFA e dos clubes que participam dos torneios organizados pela referida associação nas divisões "Primeira 'A', Nacional 'B' e Primeira 'B'", teria provocado uma situação de preocupante desfinanciamento dos regimes de segurança social - atribuindo prejuízo aos cofres públicos da ordem de ARS$ 7,1 bilhões (em torno de R$ 41 milhões). Composto por apenas quatro artigos, inseriu-se, no art. 1º, prazo de seis meses para o encerramento do regime fiscal em vigor. No art. 2º, criou-se comissão composta por representantes dos clubes, AFA e governo, a ser presidida por representante do Ministério da Justiça, para discutir a adequação e reformulação do regime, "tornando-o eficiente, suficiente e sustentável para substituir o regime que se encerrará de acordo com o disposto no art. 1º". Finalizando, nos arts. 3º e 4º, decretou-se a entrada em vigor do decreto no dia de sua publicação no Boletín Oficial de la República Argentina e o envio do documento à Dirección Nacional del Registro Oficial para arquivamento. Apesar de seu breve conteúdo, o DNU 939/24 trouxe disposições que deverão produzir novos capítulos nessa novela. Qualquer que seja o desfecho, por enquanto, os maiores (e, talvez, únicos perdedores) são os times e os torcedores argentinos. ________ 1 DNU 70/23 - "Artículo 335. Incorpórase como artículo 19 ter a la Ley 20.655, el siguiente: 'Artículo 19 ter.- No podrá impedirse, dificultarse, privarse o menoscabarse cualquier derecho a una organización deportiva, incluyendo su derecho de afiliación a una confederación, federación, asociación, liga o unión, con fundamento en su forma jurídica, si la misma está reconocida en esta ley y normas complementarias'."
quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Milei x AFA: Sociedade Anónima Deportiva (SAD)

Cerca de um mês após a eleição de Javier Milei à presidência da Argentina foi publicado, por meio do Diário Oficial da República Argentina, no dia 20 de dezembro de 2023, o polêmico DNU - Decreto de Necesidad y Urgencia 70/23. Intitulado como "Bases para la Reconstrucción de la Economía Argentina" e popularmente conhecido como "megadecreto", o DNU 70/23 foi composto por 366 itens, dentre os quais, alguns interessam ao propósito deste texto. Javier Milei tornou-se um defensor da instituição da SAD - Sociedade Anónima Deportiva no futebol argentino, possivelmente influenciado pelo modelo espanhol e, mais recentemente, incomodado com os resultados positivos que a Lei da SAF trouxe ao ambiente brasileiro e aos seus clubes. Daí a proposta de alteração e revogação de uma dezena de artigos da Ley de Deportes (Ley 20.655/74), inclusive alguns que geraram embate imediato com a AFA - Asociación del Fútbol Argentino e suas lideranças políticas: em especial, a possibilidade de clubes organizados sob a forma de associações civis se constituírem ou se transformarem em sociedades anônimas. Importante: Os estatutos da AFA proíbem a constituição e a existência de sociedades empresárias no ambiente do futebol argentino. Em reação às pretensões de Javier Milei, o atual (e recentemente reeleito) presidente da AFA, Claudio "Chiqui"  Tapia, comandou movimento que contou com esmagadora maioria dos clubes argentinos, e que resultou, no início do segundo semestre de 2024, na suspensão judicial dos efeitos do decreto presidencial, que, em sua redação original, previa prazo de um ano para que AFA e demais federações argentinas futebolísticas adaptassem seus estatutos para o recebimento da SAD. Javier Milei não aceitou o golpe e editou novo Decreto de Necesidad y Urgencia 730/24, publicado em agosto de 2024, no qual reiterou a possibilidade de os clubes argentinos passarem do modelo associativo ao empresarial, e reinseriu o prazo de um ano para adaptação dos estatutos das federações nacionais. Além disso, foi decretado que as entidades de administração do esporte não poderiam sancionar clubes que optassem pela adesão ao modelo empresarial. Após ajuizamento de medida cautelar pela AFA, a Justicia Federal de Mercedes ordenou a suspensão imediata dos efeitos do DNU 730/24 - impondo nova derrota ao presidente argentino. Parte da mídia nacional já considerava o assunto concluído até que, menos de um mês atrás, no dia 21 de outubro de 2024, o embate tomou novos rumos. Por via de outro decreto executivo, o DNU 939/24, Javier Milei dirigiu-se aos benefícios fiscais instituídos pelo então presidente Eduardo Duhalde (seguido por seu sucessor Néstor Kirchner), em meados de 2003, por meio do DNU 1212/03. Em síntese, o DNU 1212/03, diante de crescente crise financeira que culminou no aumento exponencial de endividamento dos clubes argentinos, instituiu regime tributário de cobrança e retenção do percentual de 2% da receita total da venda de ingressos, transferências de jogadores e direitos de transmissão para pagamento e quitação de valores referentes a contribuições pessoais e contribuições patronais dos funcionários dos clubes pertencentes à AFA - posteriormente elevado para 6,5% por Kirchner, em 2005, após melhora na situação de crise. Houve, ainda, em 2019, diante da administração executiva do ex-presidente Mauricio Macri, outro defensor declarado da SAD, novo aumento no percentual do regime de benefícios fiscais para 6,75% (incluindo também receitas de patrocínio dos clubes, previamente não incluídas na base de cálculo). O embate teve também capítulo protagonizado pelo ex-presidente Alberto Fernández com seu DNU 510/23, no final de 2023 (época na qual estava em campanha eleitoral contra Javier Milei), momento em que buscou a ampliação dos benefícios anteriormente reduzidos por Mauricio Macri, instituindo sistema para refinanciamento de dívidas acumuladas em decorrência das alterações de 2019. Agora, Javier Milei ataca ponto sensível aos clubes, o benefício tributário, e justifica a medida com argumento que afeta toda população - neste momento, abalada pelas intensas medidas promovidas pelo próprio Presidente: perda de ARS$ 7,1 bilhões (em torno de R$ 41 milhões) aos cofres públicos somente entre os meses de novembro de 2023 e abril de 2024, de modo que "portanto, é necessário modificar as condições atuais do regime para evitar a expansão do desfinanciamento do sistema". Parece, pelo exposto, que a disputa política entre Javier Milei e AFA está longe de se terminar. Enquanto isso, os clubes argentinos perdem a oportunidade de acessar os mercados financeiro e de capitais e de se reposicionar como grandes forças do futebol sul-americano - e mundial.
A Galeria Nacional de Arte de Washington ("Galeria Nacional") inaugurou1 uma interessantíssima exposição denominada Paris 1874, na qual explora a importância de outras duas exposições que ocorreram em Paris, em 1874: uma, promovida pela Sociedade Anônima dos Artistas Pintores, Escultores e Gravuristas ("Sociedade Anônima dos Artistas"), em um espaço comercial localizado no Boulevard dos Capuchinos; e, outra, realizada no Palácio das Indústrias, que hospedava o Salão Anual, considerado o mais importante evento permanente de arte da época - e que havia sido instituído, aliás, desde o século XVII.  A exposição promovida pela Sociedade Anônima dos Artistas apresentou em torno de 200 obras, concebidas por 31 artistas, e atraiu, durante o mês, número estimado de 3.500 pessoas; ao passo que a grande exposição oficial recebeu, em 2 meses, ao redor de 500.000 pessoas, que puderam apreciar 3.701 obras, produzidas por mais de 2.000 artistas2. Os artistas reunidos na Sociedade Anônima dos Artistas ofereciam, com suas obras e proposições, uma espécie de revisão dos conceitos que, há décadas (ou séculos), dominavam o ambiente artístico, como a glorificação do passado, temas espiritualmente superiores e/ou que, de algum modo, elevavam as tradições e os feitos franceses.  O vetor daquela sociedade artística - mais preocupada com temas da contemporaneidade como lazer (e prazer), cafés (e vida noturna) e homens e mulheres da sociedade; além da adoção de traços menos precisos, destaque à luz do dia (com pinturas feitas ao ar livre) e cores vivas -, que viria a ser identificada como impressionista, confrontava a própria essência do Salão e da elite econômica e cultural.  Apesar de as obras impressionistas não terem sido bem aceitas inicialmente, tanto no Salão (que as rejeitou), como na crítica e na sociedade consumidora, elas rapidamente revelaram valores técnicos, estéticos e éticos que transformariam, sem exagero, o cenário local e mundial.  Não deixa de ser impactante (e cruel), em tal sentido, a composição (e o resultado) da atual exposição em cartaz na Galeria Nacional. Apesar da apresentação de quantidade relevante de obras oriundas do Salão de 1874, muitas delas em maiores formatos do que as obras provenientes da Sociedade Anônima dos Artistas, o tempo fez muito bem aos impressionistas, mas parece ter reduzido as pinturas de Salão a um necessário momento evolutivo da história (sem desprezar a inegável técnica e beleza pictórica de algumas delas).  A comparação se mostra ainda mais cruel ao espectador que deixa a exposição e se dirige às salas opostas do mesmo corredor da Galeria Nacional, que abriga (nada mais, nada menos do que) a maravilhosa coleção permanente de obras impressionistas, representada, dentre outros (e outras), por Manet, Monet, Renoir, Cézanne, Degas, Pissaro, Sisley e Morisot.   A impressão que se dá, aliás, é de que, com exceção de poucas obras-primas impressionistas que se integraram à exposição Paris 1874, os realizadores preferiram mostrar obras não tão conhecidas, uma espécie de seleção reserva, para não humilhar os artistas do Salão. Mas não foi isso. O mote da exposição, o ano 1874, ditou o recorte, e, assim, se promoveu a comparação conforme produções de mesma época e para semelhantes finalidades.  De todo modo, os impactos são facilmente identificáveis: enquanto a importância dos impressionistas ainda se intensifica com o passar dos anos, os pintores daquele Salão de 1874 que resistiram ao tempo permanecem em salas pouco concorridas de alguns museus.  O relato pode, sem muito esforço, ser comparado à situação do futebol brasileiro e adaptado ao período que vai de 2021 a 2024.  Em 2021, a lei da SAF, de autoria do senador da república e presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, foi promulgada e o establishment a ignorou - e, dissimuladamente, a repudiou.  Forças reacionárias ainda tentaram desidratá-la, mas eventos como o investimento de Ronaldo Nazário, no Cruzeiro, de John Textor, no Botafogo e do City, no Bahia, anunciaram a sua irreversibilidade, de modo que, desde 2021, o sistema jurídico passou a propiciar o convívio de dois modelos: o clubismo, originado no século XIX; e o empresarial, plasmado na SAF (uma alternativa do século XXI).    Apenas três anos após o surgimento da lei da SAF (portanto, curto prazo para absorção de nova lei e de nova via de organização empresarial, e mais de 70 sociedades anônimas do futebol constituídas), o ambiente já demonstra uma transformação que, além de irreversível, talvez reduza ou apequene, no plano esportivo, times que, no passado ou no presente, foram ou são protagonistas.  Os resultados, até o momento, da edição 2024 da mais importante competição do planeta para sul-americanos, a Copa Libertadores, impressionam e reforçam a pertinência da comparação com a situação de 1874.  Duas SAFs bateram dois clubes brasileiros nas quartas de final e, na sequência, humilharam, em seus jogos de ida da fase semifinal, os respectivos adversários estrangeiros, que são, nada mais, nada menos, do que River Plate e Penarol, tradicionalíssimos clubes da Argentina e do Uruguai, principais rivais, em geral, dos brasileiros.  O enfrentamento não está concluído e pode, eventualmente, ser revertido. A despeito disso, as SAFs já começam a demonstrar força, planejamento, estrutura, recursos e consistência - inclusive as que não se propõem a ser protagonistas nacionais, mas relevantes localmente e competitivas, em plano maior.  Soa, pois, o alarme para os times que acreditam que, pelas suas glórias do passado e tamanho de suas torcidas, não deixarão de protagonizar o cenário do futebol (em especial para os que, apesar desses atributos, já são - ou estão - coadjuvantes).  Enfim, a arte, mais uma vez (e sempre), também por vias improváveis, revela os caminhos da humanidade (e do futebol).  _________ 1 A exposição foi apresentada, anteriormente, no Musée D'Orsay, em Paris.  2 As informações numéricas e cronológicas foram extraídas dos textos explicativos da exposição e de suas obras, bem como do catálogo: Paris 1874 - The Impressionist Moment, Dist: Yale University Press. 
A fenomenal obra épica Three Kingdoms1 narra os acontecimentos que levaram ao fim da Dinastia Han, cujos integrantes imperaram na China do ano 206 a.C. ao ano 220 d.C. Ao cabo do período, insurreições de diversas origens e naturezas abalaram o império que, "dividido há muito tempo, deve se reunir; reunido há muito tempo, deve se dividir". Chegara, aparentemente, o tempo de nova divisão, para posterior reunião. Em determinada batalha pela manutenção da Dinastia, um jovem guerreiro apoia, voluntariamente, um arrogante lorde e líder militar, e o ajuda a evitar iminente fracasso, diante de uma falange "messiânica". O apoio, que foi fundamental para o desfecho favorável ao lorde, não suavizou a sua arrogância, e o lorde, ao saber que o jovem não ostentava título de alta patente, não o reconheceu como salvador da batalha. Tempos depois, o mesmo lorde comandou um golpe para destronar o legítimo sucessor do império e para empossar, no lugar, o irmão mais novo do destronado, que provinha de uma relação extraconjugal do então Imperador (o conceito não é preciso, pois as relações do Imperador não eram consideradas incestuosas). O jovem guerreiro, convocado agora pelas forças de resistência para reverter o golpe, reclamou ao líder do movimento por tê-lo impedido, naquela oportunidade, de matar o lorde, que se convertera no traidor. E afirmou que o império estaria protegido, se o usurpador tivesse sido abatido quando a oportunidade se apresentou. O líder da resistência, então, respondeu: lide com o presente. No Brasil, o presente do futebol é a formação do sistema que tem, como núcleo, a SAF, criada pela lei 14.193, de 06 de agosto de 2021, de autoria do presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco. Mesmo os clubes que insistem em se manter no passado, sob a forma de associações civis, menos por convicção e mais por oportunismo (ou dificuldades políticas internas), não conseguem evitar, interna ou externamente, o debate. Não passar ao modelo de SAF é uma decisão tão relevante (e fundamental) como, ao contrário, decidir pela passagem. A aparente omissão significa, pois, uma ação negativa, com impactos que podem ser expressivos. Clubes tradicionais, que batalham há anos contra endividamentos crescentes, resultados insatisfatórios e, em alguns casos, contra o rebaixamento, viram, por outro lado, o ressurgimento (ou mesmo surgimento) de tradicionais ou novas forças, que já estão mudando o panorama do esporte no Brasil, dentre as quais o Botafogo, o Galo, o Cruzeiro e o Bahia. Como se repete neste espaço, já são mais de 70 SAF's no país e outras estão a caminho (inclusive algumas expressivas em relação ao tamanho da torcida). Não se teria iniciado a formação desse ambiente e, mais importante, ele não se desenvolverá, para se tornar, como se pretende, o maior mercado do futebol do planeta, sem a atuação do Estado, de um lado, como provedor de um arcabouço jurídico adequado e confiável, e, de outro, do Mercado, como provedor de capitais e financiador da empresa futebolística, atuante em ambiente adequadamente regulado. Nesse sentido, como a curta experiência já nos ensina, nada teria acontecido - apesar do passivo social e econômico que o futebol, historicamente, vem acumulando à conta da sociedade -, sem a participação do Estado, em seus papeis de legislador e regulador da atividade econômica do futebol. Não se trata, como muitas vezes também se repetiu neste espaço, de intervenção; ao contrário. O surgimento da lei da SAF e, na sequência, a publicação do Parecer de Orientação n. 41, de 21 de agosto de 2023, pela CVM, demonstram que a ocorrência de incentivos adequados pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Nação, mesmo em setores que, injustificadamente, não fizeram ou fazem parte da agenda política prioritária. O mercado do futebol (ou do esporte, em geral) ainda é incipiente e pouco compreendido, no Brasil. Paradoxalmente, apesar da paixão clubística, ostenta uma certa antipatia, sobretudo no plano governamental, causada pelo antigo regime cartolarial - e seus injustificáveis benefícios -, que insiste em se agarrar no arcaico modelo associativo, como agente de organização e (sub)desenvolvimento empresarial.   Esse é o contexto do debate que ocorreu ontem, dia 22.10.24, em uma das mais prestigiosas universidades do planeta, a Georgetown University.   Sob organização do Brazilian Law Association, do Center on Transnational Business Law e da FGV, e com a presença do presidente da CVM e de representantes da SEC, os modelos brasileiros, tanto o antigo quanto o contemporâneo, foram expostos e debatidos, revelando que, com os direcionamentos e os aperfeiçoamentos que são propostos neste espaço, o país irá, de modo mais rápido do que se podia imaginar, atingir um nível de excelência legislativa e regulatória, sem precedente na história do mercado do futebol. _____ 1 Guanzhong, Luo: Foreign Languages Press, Beijing, China, 1995, p. 78.
O futebol não acabará, evidentemente. Mas passou e ainda passará por transformações que o levarão a um reenquadramento na sociedade. Coisas boas e ruins ficaram para trás; não voltarão, apesar de eventual saudosismo. Outras, também boas ou ruins, passaram a fazer parte do cotidiano.   Exemplos: A área popular, reservada aos torcedores que se integravam ao espetáculo, conhecida como geral; a arquibancada de concreto; e a hiper lotação em jogos decisivos, de times com grandes torcidas, restam apenas nas memórias de torcedores que, logo mais, por decurso de tempo, também não terão memórias. Aqueles hábitos, a bem da verdade, não fazem sentido nos dias de hoje. O desconforto, envolvendo o ato de participar de um evento esportivo, não tem sentido. Basta comparar um automóvel santana quantum (ou um monza), produzido nos anos 80/90, que foi símbolo de status, com um audi atual, mesmo de menor porte (portanto, que nem mesmo seja um carro considerado topo de linha). O hiato é intransponível. A mesma sensação, ou algo parecido, revela-se na comparação entre o antiquado estádio e a nova arena. O problema não é o conforto, mas a exclusão do torcedor comum, que escolhia o futebol como único (ou quase) único meio de lazer e de inserção social. Era lá, na geral ou na arquibancada, desconfortável para pobre e rico, que se integrava com a família (talvez em grande parte com membros do sexo masculino) e, em comunhão, extravasava. Faltou sensibilidade aos governantes para ditar normas que não impedissem o progresso, mas, ao mesmo tempo, impedissem, aí sim, a acentuação da exclusão e da desigualdade entre torcedores. Mais, ainda: a fidelização de torcedores abastados, atraídos pela transformação da experiência futebolística - propiciada pelos programas de sócio torcedor -, também criou níveis de preferencialistas que empurram para longe a chance de reintegração popular. Para parte relevante da população, portanto, a alegria de ir ao campo chegou, prematuramente, ao fim. A história, para ela, será contada a partir das telas de televisões espalhadas em bares, mercados e outros espaços públicos. Outra mania parece atentar contra a razoabilidade e o sentimento de orgulho e pertencimento: o uso da camisa do time de coração. Na esteira da proibição de torcidas rivais em estádios e arenas paulistas, que priva o torcedor de um dos mais lindos espetáculos da terra - o contraste de torcidas e os gritos de apoio e de provocação -, surge a mania, em alguns estabelecimentos, de proibir a entrada com camisas de futebol, exceto de times estrangeiros ou irrelevantes. É verdade que a razoabilidade não faz parte de todo ser humano, ao contrário, e, daí, advém a possibilidade de ocorrência de tensões pelo simples uso de uma camisa de time adversário, dentro ou fora de estádios, inclusive em ambientes neutros, como restaurantes e casas de show. Mas nada justifica, numa sociedade supostamente livre, a proibição de uso, como vem se espalhando por diversos locais da cidade de São Paulo. Recentemente, por exemplo, presenciei a contenção de um inofensivo adolescente, que levava sua namorada a um show de rock em importante (e cara) casa de espetáculo, que somente teve o acesso autorizado após outra pessoa emprestar-lhe um casaco para cobrir as cores do time. Não se trata, pois, de ambiente que exige certo código de vestimenta, mas que autoriza quase todos os estilos, eventualmente exuberantes, exceto camisas de futebol. Isso tudo me faz lembrar de uma conversa com importantíssimo ex-jogador, a respeito do impacto das mídias sociais e da extrema exposição de jogadores atuais. Em poucas palavras, ele disse que, no seu tempo (o saudosismo é inevitável), só se pensava em jogar bola. Entre partida e outra, o atleta jogava bola. Na folga, mais bola. E quando se encerrava a carreira profissional, o jogo de bola mantinha-se como referência e estilo de vida. Atualmente, ele completou, o aspirante pretende tornar-se jogador - e aproveitar as vantagens da posição -, e não jogar. O evento futebolístico, não raro, atrapalharia as campanhas publicitárias, as manifestações midiáticas, os romances e outras atividades pessoais. Claro que se abordavam, na conversa, os poucos escolhidos, que atingem o olimpo, e não o jogador cotidiano, que corre, em curta carreira, pela comida que colocará na mesa da família. Há, sem dúvida, excessos nessas proposições. Talvez um ponto de indignação com as distâncias salariais, entre gerações. Mesmo assim, também há uma inquietante verdade: o mundo mudou e, com as mudanças, o futebol, no Brasil, mantém-se no terceiro mundo, em relação à adoção de técnicas de organização da empresa futebolística e de campeonatos (ainda não se viabilizou a liga de clubes, organizada pelos clubes), mas flerta com o primeiro mundo na ligação com seus torcedores-consumidores e com as técnicas de propaganda e marketing. Enquanto isso, o torcedor comum fica fora do estádio (ou arena) e não pode vestir-se, em certas situações, com a camisa de seu clube; mas poderá ostentar, com orgulho ou complexo de vira-lata, a camisa do Real, do Barcelona, do PSG ou de outro apropriador das esperanças brasileiras (na posição de colonizador da contemporaneidade). Parece, enfim, que há muita coisa fora da ordem, no estranho mundo novo que habitamos.
quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Fair play financeiro indutor das boas práticas

Voltou à ordem do dia recentemente o debate sobre a adoção do Fair Play financeiro pelo futebol brasileiro, motivado dessa vez por manifestações da classe dirigente, em especial de Presidentes dos clubes e da SAF que ocupam as primeiras colocações no atual Campeonato brasileiro (Brasileirão 2024). Sejam por questões meramente esportivas, em razão de resultados e rendimento, como também sob aspecto essencialmente financeiro, notadamente por uma contratação de grande impacto feita por um clube com reconhecida dificuldade financeira, o fato é que o tema, ao menos para os cartolas que vimos se manifestar, novamente ganha corpo e desperta a intenção para que lhe seja dado tratamento com vistas à implementação. É verdade que o Fair Play financeiro é um instituto de fácil adesão, dificilmente alguém será contra sua adoção. Porém, simpático que é, passível de armadilhas, principalmente se a discussão não ocorrer de forma densa, criteriosa, sobretudo no interesse de todo o ecossistema e não casuisticamente no atendimento de um ou outro grupo envolvido. A questão por óbvio é complexa e exige de início o entendimento sobre as definições e os formatos que se pretende adotar, merecendo atenção basicamente o espírito que irá nortear sua aplicação no futebol brasileiro, os conceitos práticos que serão adotados e os mecanismos de controle, observando-se para tanto a realidade atual da indústria futebolística brasileira, com suas recentes evoluções e as antigas mazelas. Quando se fala do espírito a ser empregado para o Fair Play, quer se dizer qual será o viés a ser empreendido, isto é, tratando da maior competitividade por exemplo ou mais essencialmente da questão financeira e contratual, diga-se orçamento e o cumprimento pontual das obrigações sob pena de restrição no acesso ao mercado de transferências. É difícil encontrar uma modelagem que contemple ambos objetivos, o Fay Play não trata propriamente de um processo para tentar igualar os competidores, o viés financeiro é o aspecto de maior relevância para definições normativas, em um cenário que demandará cautela e profundidade na análise da atual estrutura dos agentes do mercado e as suas possibilidades e obrigações, visando construir um modelo seguro, justo e sustentável. Entre os desafios, a coexistência num mesmo ambiente de agremiações com diferentes características, já que operam no mesmo ecossistema os clubes associativos, as SAFs e também algumas organizações multiclubes, cada qual com suas especificidades: como por exemplo sujeitar uma associação civil que honra todos compromissos em dia e não tem obrigação legal de distribuir dividendos, tão só em reinvestir-se, ao teto de gastos? Como disciplinar as diferenças contábeis em transferências interclubes do mesmo grupo econômico sem ofensa aos princípios do Fair Play que vier a ser adotado? De que forma restringir movimentações no mercado para devedores, se de fato for considerado que qualquer dívida exigível e inadimplida é razão suficiente para sancionamento? Enfim, a abordagem é ampla, o economista César Grafietti, consultor e especialista sobre o tema, já propôs bons modelos para a CBF, dirigentes estatutários e executivos de futebol. Outro importante pilar da possibilidade de sucesso da pretendida adoção do Fair Play será a definição de meios e formas de controle do seu cumprimento se implementado, ou seja, a quem caberá a fiscalização e o possível sancionamento, e também a atuação dos próprios agentes diretos (os competidores), consideradas as suas idiossincrasias e a falta de coesão e tenacidade que sempre apresentam nas poucas vezes que se cotizam pretendendo construir qualquer processo em nome e em favor do seu próprio mercado. Obviamente, a atribuição fiscalizatória deverá caber a quem organiza, vale dizer, para o futebol brasileiro e sua realidade atual seria a CBF, e aqui já se identifica um entrave na medida em que com atuação notadamente política, dificilmente se disponibilizaria para intervir na qualidade de controladora, até um contra senso às suas fontes de receita. No mundo ideal, uma liga organizadora das competições teria, para além do interesse, a legitimidade necessária para liderar a função, o que no caso do atual futebol brasileiro exigiria a adaptação para a realidade de duas ligas, algo também sensível posto que cada qual conta com sua fonte de receitas próprias, bastante distintas entre si. Enfim, é claro que não é ou será fácil! A questão é sobre o tema avançar, especialmente que ele vislumbre e busque uma equação que traga equilíbrio ao ecossistema, que tenha seu fundamento no cumprimento das diversas obrigações de pagar sem que ocorram atrasos ou calotes, uma vez que a intenção deve ser a formatação de um mercado que opere financeiramente de modo sustentável e responsável, o que por si só fortalecerá o negócio trazendo-lhe credibilidade e, via de consequência, mais dinheiro e resultado econômico, tornando-o assim cada vez mais bem visto e desejado pelos investidores. É recomendável portanto que seja mirado como objetivo o controle do endividamento, a partir do qual poderá ser solidificado o modelo, naturalmente passível de revisões e ajustes tempos após implantado. O Fair Play financeiro do futebol, nesta toada, induzirá os clubes à adoção das boas práticas, fazendo valorizar o mercado, como já mencionado. Orçamentação, mapeamento dos riscos, integridade. Cumprimento rigoroso de todos compromissos, conformidade às normas e regulamentos. Adoção de novas políticas, incidência da agenda ESG à rotina dos clubes. É necessário o entendimento que a adoção do Fair Play financeiro poderá, entre outros benefícios, contribuir decididamente para a consolidação das boas práticas de gestão pelos competidores, algo que trará no tempo ótimos frutos para o novo mercado futebolístico brasileiro que está sendo desenhado.
quarta-feira, 2 de outubro de 2024

SAF, Botafogo, São Paulo, Galo e Fluminense

Em um hipotético campeonato brasileiro com vinte sociedades anônimas do futebol, apenas uma será campeã e, na outra ponta, quatro cairão para a divisão inferior. Assim, a simples passagem de modelo clubístico ao de SAF não garante resultado ou título. São necessárias, ademais, soluções para seis perguntas: o que o time foi; o que é; o que pretende ser; como atingirá o propósito; com quem; e com quais recursos. Daí se extrai a seguinte proposição: SAF não é condição suficiente para o protagonismo no âmbito do futebol brasileiro contemporâneo. Mas esta proposição não pode ser isolada de outra, que lhe completa (em uma relação simbiótica complementar): apesar de não ser suficiente, a SAF passou a ser condição necessária. Isso também não quer dizer que todos os times, para que sejam viáveis, devam abandonar o clubismo. Alguns, não muitos, ainda resistirão, pois, em ambiente historicamente desigual, a redução da desigualdade não se alcança com passe de mágica - ou com o advento de uma lei. Decorre de processo, eventualmente estimulado, aí sim, por uma lei. De modo que a comodidade, oriunda do poder econômico-futebolístico, justifica (ou justificará) os exemplares inerciais.  Aliás, anos (ou décadas) atrás, em função da limitação das fontes de receitas, os hiatos entre grandes e pequenos times eram menos perceptíveis - talvez exceto pelo tamanho da torcida - e, por isso, viabilizavam a existência, em certo plano de igualdade, de clubes periféricos: Guarani, Ponte Preta, Portuguesa e Juventus, em São Paulo; Bangu e América, no Rio de Janeiro; dentre outros. Entre os chamados grandes, a situação gerava uma maior percepção de pertencimento a um seleto e inabalável grupo de elite, que se manteria em pedestal a despeito de eventuais (ou constantes) desmandos cartolariais - e de outras condutas inomináveis, que abalaram os alicerces de alguns desses times. Quando a Lei da SAF surgiu, em 2021, o cenário, historicamente romantizado - da mesma forma que uma certa elite intelectual insiste em romantizar a pobreza - dera lugar a um palco de dívidas e crises políticas, patrimoniais e financeiras. Surgia, então, uma nova e democrática alternativa, que não exigia o rompimento com o modelo formal existente, mas apontava para o futuro, com uma solução já para o presente. Não devia ser uma surpresa que os clubes integrantes da elite, ou, talvez, seus dirigentes e controladores, hesitassem - como alguns ainda hesitam -, logo no início, em mudar os rumos de suas histórias; assim como também não devia surpreender o fato de os clubes mais carentes em recursos ou em situação de crise aguda se aproveitarem da novidade para reconstruir suas trajetórias. Pois, em linha com o que vem sendo defendido nesta coluna há alguns anos, em especial a partir do surgimento da Lei da SAF, as forças do "novo" futebol brasileiro tendem a se expressar pelos times que tiveram (ou venham a ter) capacidade de atrair apoio intelectual, financeiro e relacional, e de empregar esse conjunto de coisas em prol de um projeto reabilitador, libertador e transformador. De modo simplista, e isolando algumas pouquíssimas exceções como o Palmeiras e, apesar da crise momentânea, o Flamengo, os demais clubes podem se dividir em dois grandes grupos (por motivos não necessariamente voluntários): um, que luta para afirmar que o passado pode ser maior do que o futuro (com as mesmas técnicas arcaicas daquele período glorioso); e, outro, que, sem romper ou negar o passado, a tradição e a relação com a torcida, projeta um caminho (ou, ao menos, um propósito) de novas tecnologias - e conquistas. A fase de quartas de finais da Libertadores, coincidentemente, ilustra bem a situação: dos enfrentamentos entre brasileiros, duas sociedades anônimas do futebol venceram duas associações sem fins econômicos, dentro e fora de campo. Poderia ter sido diferente? Sim, mas não foi. Os motivos de campo podem ser demonstrados com maior autoridade pelos jornalistas e comentaristas especializados; já os motivos exteriores se associam, em grande parte, às técnicas providenciadas pela Lei da SAF. O Botafogo, que trafegava com desenvoltura e persistência pela parte baixa da tabela (e pela série B), tornou-se, desde o segundo ano de modelagem empresarial, umas das forças do país, e conseguiu, mesmo com a quebra de expectativa do campeonato de 2023, manter a estrutura para voltar a brigar pelo título que deixou escapar - além de atingir uma posição histórica na mais importante competição do planeta, com exceção, ou não, da Champions League: a Libertadores da América. O Galo, por via diversa, passou a trilhar o caminho traçado por bem-sucedidos empresários locais sem, contudo, perder a essência esportiva e a identificação com a torcida. Mais: além de nova arena, introduziu técnicas de direito societário e instrumentos de mercado de capitais ao ambiente do futebol. Seu protagonismo, no cenário atual, é incontestável.   Ganhem ou não seus próximos confrontos - para o futebol brasileiro e para o país seria bom que ganhassem -, Botafogo e Galo expressam a ponta do iceberg que poderá se revelar, com a intensificação e afirmação do benfazejo ambiente introduzido pela Lei da SAF. Algo que deveria alertar barcos e navios que o circundam, para evitar catástrofes de natureza "titânica".  
quarta-feira, 25 de setembro de 2024

CVM, o IBESAF e o futebol

Em evento que ocorrerá amanhã, quinta-feira, 26, na sede da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, no Rio de Janeiro, será lançado o IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol. O local do evento e o momento do lançamento são significativos. Antes da apresentação dos motivos, resgate-se, de modo resumido, a cronologia da SAF. O ponto de partida foi o PL 5.082/2016, de autoria do deputado Otavio Leite. Naquele momento, a própria ideia de um subtipo societário, no centro de um subsistema voltado à criação do mercado do futebol, parecia uma proposta imaterializável. Ninguém, ou quase ninguém, acreditava que progrediria. Pior: no meio dos debates de convencimento a respeito da pertinência da proposta surgiu a Lava Jato, que parou o País - e o processo legislativo. O tema voltou à pauta legislativa em 2019, com o aparecimento de modelo alternativo à SAF, apoiado na figura do clube-empresa, previsto desde a Lei Zico. Foi nesse mesmo ano que o Senador da República Rodrigo Pacheco, atual Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, apresentou novo projeto de SAF, o PL 5.516/2019, que se converteria, anos depois, na Lei da SAF. Antes, porém, novo e dramático evento dominou a pauta legislativa (e governamental): a pandemia. Durante o período pandêmico não havia espaço e clima para tratamento da crise futebolística. Ao cabo do período, o Senador Rodrigo Pacheco se revelou uma liderança nacional e um quadro indispensável da política brasileira, e foi alçado, em 2021, à presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional. E, já como Presidente, anunciou ao País que trataria da via de criação do novo sistema do mercado do futebol brasileiro. Logo após assumir a presidência, ele nomeou o Senador Carlos Portinho para relatar o PL 5.516/2019 e, ao final do mesmo semestre, o projeto foi aprovado pelo Senado Federal sem nenhum voto contrário. O resto, todos que acompanham esta coluna já sabem: aprovação por maioria esmagadora na Câmara dos Deputados; sanção, com vetos, pelo Presidente da República; e, finalmente, derrubada parcial de tais vetos. Após o advento da Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021, a Lei da SAF, alguns movimentos institucionais reafirmaram a importância do tema para o desenvolvimento, em sentido amplo, do País. Um deles, proveniente da CVM, consubstanciado no Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, que pretende "orientar os investidores e participantes do mercado sobre a utilização de instrumentos viabilizadores do acesso ao mercado de capitais pelas SAF, assim como transmitir a visão da CVM a respeito de como a Lei da SAF, a Lei das Sociedades por Ações e a regulamentação já editada pela Autarquia podem ser integradas harmonicamente". Aliás, a autarquia, sob a presidência do Prof. João Pedro Nascimento, abriu suas portas, desde o advento da Lei da SAF, ao debate. Foi em sua sede que ocorreram a 1ª e a 2ª edições do Seminário Brasileiro sobre Futebol, a Lei da SAF e o Mercado de Capitais, nos anos de 2022 e 2023, que contaram com presenças marcantes de legisladores, reguladores, professores, banqueiros, gestores, professores, advogados, dirigentes de clubes e administradores de sociedades anônimas do futebol, dentre outras. Mais: esses eventos nortearam parte das necessárias discussões a respeito do acesso das sociedades anônimas do futebol ao mercado de capitais, bem como sobre as precauções relacionadas a uma atividade que, além de carente de recursos para emprego na produção de riquezas, sujeita-se, como nenhuma outra, a um elemento imponderável, que consiste na relação afetiva do eventual investidor com o objeto de investimento. Aliás, ao longo do caminho, iniciado em 2015/2016, com a apresentação do anteprojeto da SAF, no livro "Futebol, Mercado e Estado1", até a realização da 3ª edição do mencionado Seminário, ideias surgiram, muitas se fixaram, outras se perderam e algumas continuam no centro das preocupações dos agentes envolvidos com o processo. Esse caldo justifica a criação do IBESAF, que se propõe a ser um think tank, de natureza não governamental, voltado ao estudo e ao desenvolvimento da SAF e do mercado do futebol no Brasil. Em sua missão, destacam-se as preocupações com a segurança sistêmica e com o respeito às normas e aos princípios contidos na própria Lei da SAF, como em outros diplomas que, a partir desta lei, passaram a integrar o sistema da SAF. Daí a iniciativa de criação imediata, no âmbito do IBESAF, de dois comitês especiais, que serão anunciados no 3º Seminário, tendo um deles o propósito de arquitetar e divulgar um guia de orientação e de melhores práticas para realização de investimento em SAF. O evento e o lançamento, na sede da CVM, simbolizam, pois, o esforço, realizado por instituição públicas e privadas, para formação e simultânea regulação de um novo mercado, que poderá contribuir, de modo expressivo, para o desenvolvimento social e econômico da Nação. __________ 1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento Sustentável do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento. São Paulo: Quartier Latin, 2016.
O Brasil e o mundo em geral enfrentam um fenômeno de complexa dimensão: a indústria das apostas. Não se trata de algo novo, ao contrário, mas a capilaridade, decorrente das novas tecnologias, fez surgir, ou intensificou, situações novas, que não se acomodarão (e resolverão) apenas no plano privado. Em outras palavras, os reflexos do impulsionamento da atividade de jogo, que se movimentou livremente no território nacional até que se iniciasse, no atual Governo, um processo de regulamentação, transbordaram para setores sensíveis, como o da saúde (sobretudo mental pública) e o da economia. Em primeiro lugar, as barreiras históricas para desenvolvimento da atividade e, em segundo, após a derrubada delas, a inovação legislativa, não regulamentada - e pior, ignorada pelos governos - propiciaram a criação de um cenário complexo e preocupante. Não apenas isso: uma relação de dependência que poderia ser ao menos antecipada e tratada.   Os números do setor, para começar, são impressionantes. Conforme informações da EBC1, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda recebeu, até determinada data, 113 pedidos de autorização, formulados por 108 entidades (ou empresas), para operar e explorar apostas de quotas fixa.   O número, em si, já seria expressivo, pois representa mais de 100 empresas em atuação e concorrendo em determinado setor, não fossem as exigências para formulação do pedido que envolvem, dentre outras, o pagamento de taxa de R$ 30 milhões, que vale para um período de 5 anos. Ou seja, exigência que gerará, especificamente, uma imediata e bilionária arrecadação e uma receita recorrente periódica, sem contar os tributos que serão arrecadados com o exercício da própria atividade. Outro número merece atenção: o mercado local já é estimado em mais de R$ 100 bilhões em 2023, conforme dados da XP2. Já há, aliás, segmentos que, de algum modo, dependem ou são intensamente impactados pela atuação direta das empresas de apostas, como o futebolístico. Apenas na série A do brasileirão, 15 clubes mantêm, como patrocinador principal, uma dessas empresas3. Além disso, também há debates e desconfortos nos planos social e econômico, externados na imprensa, pela alta adesão da população a jogos, como meio de solucionamento de crises financeiras ou de esperança de enriquecimento, e de desvio de recursos do comércio e outras finalidades, justamente para o setor de apostas. Trata-se, portanto, de um cenário que exigirá do atual Governo uma atuação enérgica, no sentido da adequada regulação, para evitar um problema sistêmico de grandes proporções - e, no pior dos cenários, uma crise inédita de confiabilidade. Ademais, no plano empresarial, ou melhor dizendo, societário, o que se deverá ver, como já se iniciou, é um movimento, mais ou menos intenso, de aquisições e concentração empresarial, local, regional ou nacional, do mercado. Veja-se, em tal sentido, que, conforme noticiado pelo Pipeline4, o Flutter, que seria o maior grupo de apostas do planeta, associou-se no Brasil ao NSX, assumindo o controle do negócio integrado, que ultrapassa, em valor de mercado, a casa do bilhão de dólares. Sabe-se, ainda, que outras operações estariam em curso e que poderiam, consequentemente, gerar novas concentrações, entre empresas locais, apenas, ou entre empresas nacionais e internacionais, a exemplo do caso mencionado acima. Um aspecto que poderia (ou deveria) ser considerado, como fator estimulante ou não, de tais negócios, consiste no risco oriundo do eventual custo regulatório futuro, a ser promovido para ajustar o mercado e evitar as distorções próprias da novidade. Esse risco tende a ser minimizado quando um determinado negócio se opera entre agentes do mesmo mercado, que já o conhecem - ou deveriam conhecer - e o integram em seu cálculo empresarial; mas haverá de ser considerado quando um dos agentes pretende se inserir no mercado, como investidor, assumindo ou não o controle empresarial. Enfim, o mercado de apostas reguladas ainda é incipiente, mas já movimenta cifra expressiva, em torno de 1% do PIB5, com tendência de alta; já provocou, no plano social, um abalo comportamental perigoso; e deverá estimular, no âmbito empresarial, uma série de atos de concentração, com reflexos no mercado consumidor. Movimentos populistas e oportunistas bravejam soluções drásticas, como proibição de atividade, que seriam inócuas e inviabilizariam ações direcionadas ao tratamento do problema; mas o Governo, e as próprias entidades participantes do setor, com base em política pública inequívoca, deveriam rever e propor ações regulatórias e autorregulatórias voltadas à construção de um ambiente efetivamente respeitoso e preocupado com o consumidor e a população. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 2 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 3 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 4 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 5 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024.
quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A Lei da SAF e o ensaio contra a cegueira

A Lei da SAF (lei 14.193, de 6 de agosto de 2021), de autoria do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, trouxe mais do que uma nova perspectiva ao país; ela revelou o caminho para que o futebol cumpra funções que irão além do drama esportivo - e da alegria, evidentemente. Deixarei de lado, apenas neste texto, as outras funções, para concentrar a atenção na mais evidente (e, para muitos, não sem razão, também a principal): a passional. Pois, sim, a paixão explica (ou deveria explicar) a atração sobre quase 5 bilhões de pessoas. Quando se projeta esse sentimento para o microambiente brasileiro da SAF, ele revela a cegueira, ainda dominante, em parte relevante da sociedade, instruída ou não. Tem sido comum, neste sentido, o debate sobre o papel da SAF e, a partir daí, o esforço, em suas distintas variações, de desqualificação do movimento de resgate e reconstrução que se opera em diversos times. Ao final do ano passado, por exemplo, após a inexplicável recaída do Botafogo, que lhe tirou o título de campeão brasileiro, mesmo tendo ele garantido uma vaga na Libertadores da América - algo que não alcançava desde 2017 -, era comum se ouvir ou ler que a SAF fracassara. Isto, lembre-se, menos de 3 anos após o time voltar da segunda divisão e, tão ou mais relevante, de a entrada de seu investidor ter ocorrido apenas em 2022. Agora, novamente no topo do campeonato brasileiro, além da torcida velada para que o Botafogo caia novamente - e não seja a primeira SAF campeã da história -, os tiros se projetam sobre os recursos aplicados pelo investidor para montagem do elenco. Aliás, aí está uma característica que diferencia a SAF de um clube, ao menos da maioria deles: a possibilidade de financiamento de suas atividades, por distintos meios. Isso sempre foi dito, desde os primórdios do debate sobre a Lei da SAF, que o novo subtipo societário ofereceria caminhos que, quando bem trilhados, colocariam as sociedades anônimas do futebol em um outro patamar. A beleza do sistema consiste no fato de que todo e qualquer clube, em tese, pode escolher o seu destino. Inclusive mantendo-se onde está e da forma que está, em detrimento da SAF. Mas não custa lembrar: ano passado também houve quem afirmasse que a SAF do Bahia teria fracassado. Aqui se afirmou, em contraposição, que se tratava apenas do ano de reconhecimento; logo se veria o resultado de um projeto, com financiamentos talvez ilimitados, a contribuir para reformulação dos centros de força do futebol local. Mesmo que não ganhe o campeonato este ano - e não ganhará - ou no próximo, o Bahia dificilmente deixará de ser um time de elite e se afastará da luta pela ponta. Outra incompreensão envolve o Cruzeiro. A saída do Ronaldo precipitou mais uma leva de críticas, como se simbolizasse a vitória do capitalista sobre a paixão torcedora. Nada mais incorreto. Em uma empresa em crise, e isso vale para um time em crise quase terminal, os estágios de recuperação costumam atrair pessoas ou investidores com diferentes tipos de perfil e apetite a risco. Ronaldo fez o trabalho mais complexo, ao entrar em uma estrutura corroída e iniciar o processo de revitalização. Seu sucesso reconduziu o time a um patamar ainda baixo para a história do Cruzeiro, mas elevadíssimo para o que era no momento de sua entrada. E, aí, para o próximo passo, precisaria de mais dinheiro. E preferiu passar o bastão para um bilionário, com fluxo para sustentar as demandas de ressignificação e reposicionamento. Ganham todos no processo, inclusive o próprio Ronaldo, única pessoa que aceitou correr o risco que, até então, ninguém cogitara - e, sem ele, o time talvez ainda estivesse na segunda divisão. Ou na terceira.   Mesmo o Vasco, que vem sendo apresentado como caso de insucesso, não apenas subiu para primeira divisão como, no meio de uma batalha jurídica pelo controle da SAF, ainda se mantém na parte de cima da tabela. E ainda haveria outros casos para falar, como o Galo, que fez a sua SAF e, com a nova arena e uma possível abertura de capital no futuro (apenas intuição), deverá se afirmar como uma das grandes potências do continente. Além de outros que vêm sendo efetivamente preparados para grandes passos, como Athletico Paranaense e Fortaleza, e os que são especulados na imprensa, como o Fluminense. Tantos e bons exemplos, em apenas 3 anos de vigência da Lei da SAF, que ainda está em processo de amadurecimento - e será cada vez mais útil, no tempo, para os times que a adotaram -, deveriam abrir os olhos dos críticos e dos torcedores que ainda acham que são donos de seus times, pelo fato de serem comandados por clubes associativos que ostentam alguns poucos milhares de associados patrimoniais e um presidente eleito pelos mesmos associados, e não pelos próprios torcedores. E deveriam abrir os olhos de tais associados e de seus presidentes, pois, se não o fizerem, poderão perder o bonde da história.
Desde o advento da Lei da SAF (lei 14.193, de 6 de agosto de 2021), de autoria do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, mais de 70 sociedades anônimas do futebol foram constituídas e outras logo serão anunciadas. O movimento não parará na próxima leva ou na outra (ou ainda na seguinte). A SAF, forma societária concebida para organizar a atividade futebolística, foi inserida e absorvida pelo sistema, e, nele, contribuirá para a ressignificação da importância do futebol, em seus diversos planos (esportivo, educacional, social e econômico). Trata-se, pois, de um fato da realidade, que já faz parte da vida do atleta, do torcedor, do jornalista e dos demais agentes que, por qualquer motivo, gravitam ao redor do futebol. Daí a importância de se promover uma constante avaliação do microssistema em que o mercado do futebol se insere e, se e quando houver necessidade, nele inserir mecanismos que, a um só tempo, incentivem seu desenvolvimento e reforcem a segurança jurídica sistêmica. O ambiente inglês pode servir como uma das referências. Origem do pensamento liberal clássico e das políticas expansionistas que propagaram ideais de liberdade e prosperidade, pelo livre comércio e eliminação de barreiras à circulação de pessoas e mercadorias, a Inglaterra, talvez coerente com a sua tradição, não criou, ao contrário de outros países (como Portugal, Espanha, Itália e Alemanha), leis específicas ou tipos societários para atração de investimentos no ambiente do futebol. Basicamente, a entrada no país, para realização de investimentos no setor do futebol, segue, no plano legislativo ou regulatório, a normatização aplicável a quaisquer atividades. O interesse global no mercado inglês se expressa pelo número de investidores estrangeiros que compõem o bloco de controle de times integrantes da Premier League: 16, dentre 20 competidores. Este número se revela ainda mais impressionante quando comparado à quantidade, por exemplo, de times alemães controlados por investidores estrangeiros: apenas 1[1]. O sucesso da Premier League talvez indicasse o conformismo com o modelo e a aposta no libertarismo. Não é assim, porém, que as coisas acontecem; e não é por aí que os debates atuais se intensificam. Na ausência de leis ou regulamentos específicos, a Premier League adota, por via de autorregulação, dentre outros mecanismos, o Owner's and Director's Test (OADT), que tem como propósito assegurar que a pessoa que detenha participação em um time (ou o administre), acima de determinado percentual, ateste o preenchimento de padrões, sem os quais não estará habilitada à consumação de uma aquisição (ou à posição de administradora). Tais padrões envolvem, dentre outros aspectos: (i) requerimento de confirmação de enquadramento, que se renova periodicamente; (ii) critérios de elegibilidade; e (iii) transparência. Com eles se pretende afirmar e reforçar a integridade e a reputação da liga e dos times que a integram. Um tal movimento autorregulatório não seria viável no Brasil, ao menos por enquanto, pela inexistência de uma liga de clubes, semelhante à Premier League, constituída pelos próprios clubes (e sociedades anônimas do futebol) para organizar, autorregular, desenvolver, exportar e transformar a principal competição nacional em um dos mais valiosos produtos de consumo interno e de exportação do país. Isso não significa que movimentos de proteção do ambiente e do mercado do futebol somente possam ocorrer a partir da tão aguardada criação da liga (que se viabilizaria com a unificação, sob alguma forma, da LFU e da Libra). Ao contrário. Mesmo na Inglaterra e com as normas internas da Premier League, debate-se, atualmente, a extensão de um movimento legislativo protetivo da história e da cultura do futebol - e, consequentemente, de seu mercado -, conforme se extrai, aliás, das palavras de seu maior representante, o Rei: "In his address to Parliament in early November 2023, King Charles III made a brief acknowledgment that 'legislation will be brought forward to safeguard the future of football clubs for the benefit of communities and fans'. The UK Government later confirmed that such safeguarding would be the responsibility of an Independent Football Regulator (IFR)".[2] O Brasil deu um passo extraordinário com o advento da Lei da SAF e outras iniciativas que se seguiram, como a publicação do Parecer de Orientação n. 41, de 21 de agosto de 2023, pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Em alguns aspectos, portanto, o incipiente modelo brasileiro está adiante dos demais e pode ser considerado o mais sofisticado do planeta. Mas ainda lhe falta realizar certos movimentos que o elevarão a um padrão sem precedente e comparação, e o afirmarão como instrumento de criação do maior mercado do planeta. Nesse sentido, e especialmente porque ainda não há 16 investidores (locais ou estrangeiros) controlando os times da primeira divisão, já é hora de se promover debate semelhante ao inglês, a respeito de critérios ou padrões de operações envolvendo SAF ou seus investidores, e, eventualmente, sobre a concepção de uma agência ou entidade de outra natureza, que contribua para higidez do sistema e consequente segurança social (e jurídica). É o que se fará, com frequência, neste espaço. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 03 de setembro de 2024. 2 Disponível aqui. Acesso em 03 de setembro de 2024.
quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A Câmara dos Deputados poderá fazer um golaço

Apesar da ausência de uma política de Estado a respeito do futebol, atividade que poderia (ou deveria) ser o maior soft power do país, o Congresso Nacional, por iniciativa própria, vem assumindo, nos últimos anos, o protagonismo e, como consequência, entregando à Nação uma perspectiva transformadora, nos planos esportivo, econômico e social. Os resultados, que por enquanto se revelam sob a forma de um cume no horizonte, breve, muito brevemente, se abrirão como uma sólida e majestosa formação rochosa. A mencionada perspectiva partiu da iniciativa e do esforço do Senador da República e Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), consubstanciada no Projeto de Lei nº 5.516/2019 ("PL 5.516"), que soube, mesmo durante períodos tumultuados da história do país e do planeta (que envolveram, dentre outros, o poente da tensão lava-jatista e todo o drama pandêmico), dialogar e construir a Lei da SAF (ou Lei Rodrigo Pacheco), ponto de partida da transformação que se observa no ambiente futebolístico brasileiro. Num ambiente democrático, resultados como o operado pela Lei da SAF se devem, mesmo quando se identifica a autoria originária de algum parlamentar, à convergência de ideias, e, daí, à atuação de outros agentes. No plano do Senado Federal, quem acompanhou o trâmite do PL 5.516 deve lembrar da essencial e enérgica atuação do Senador Carlos Portinho (PL/RJ), indicado pelo Presidente Rodrigo Pacheco para relatoria do PL 5.516, durante o processo de debates públicos e de apreciação do projeto no âmbito da Casa. A iniciativa legislativa do tema teve origem, como se sabe, no próprio Senado Federal e, sobre ele, as luzes se projetaram com maior intensidade. Mas a tramitação na Câmara dos Deputados também deve ser enaltecida pois, lá, o processamento foi dinâmico e viabilizou a rapidíssima aprovação e posterior encaminhamento para sanção presidencial. Não por acaso. Coube ao Deputado Federal Fred Costa (PRD/MG) a relatoria e a articulação, em 2021, do então PL 5.516, que foi seguido por nada mais nada menos do que 429 Deputados Federais, e apenas 7 votos contrários.   Talvez não se saiba - inclusive no ambiente do futebol -, que a atuação do parlamentar Fred Costa, em benefício do esporte, não parou por aí. Ele teve uma participação fundamental, anos depois, em 2024, na defesa do sistema do futebol, por ocasião da reforma tributária. O tema, que surgiu mais uma vez no Senado Federal, sob a presidência do Senador Rodrigo Pacheco, elegia a atividade futebolística exercida por SAF como uma das que poderiam gozar de regime tributário especial e, assim, viabilizava a manutenção, com ajustes, do regime de tributação específica do futebol ("TEF"), previsto na Lei da SAF. O TEF, é sempre bom enfatizar, além de não impor qualquer espécie de renúncia fiscal (pois as receitas que o englobarão não integravam orçamentos públicos), viabiliza a existência do novo sistema (e do novo mercado) do futebol, que está em formação. Além disso, estimulará a expansão de relações jurídicas e econômicas que não apenas atrairão à incidência da norma tributária, como contribuirão para o desenvolvimento social e econômico (e, portanto, de modo sadio, para o aumento de riquezas e sua consequente distribuição). Além do reconhecimento da importância do tema na Câmara dos Deputados, sob a liderança do Presidente Arthur Lira (PP/AL), a atuação do Deputado Fred Costa, enaltecida em artigo publicado nesta coluna1, foi essencial para o adequado (e necessário) desfecho. Eis que, agora, a bola está novamente rolando na Câmara dos Deputados. Explica-se.  O Senado Federal aprovou, em 24.05.2024, uma proposta de reforma da Lei da SAF, de autoria do próprio Presidente Rodrigo Pacheco. A reforma tem como propósito aparar algumas arestas provenientes do processo legislativo original (que deu origem à Lei da SAF) e, com base na experiência acumulada desde o surgimento da lei, promover cirúrgicos ajustes que reforçarão a segurança jurídica do modelo. Após nova aprovação por unanimidade no Senado Federal, o projeto 2.978/2023 foi remetido para a Câmara dos Deputados onde, mais uma vez, a Casa poderá deixar sua marca histórica. O avanço da iniciativa e a sua consumação, com a necessária aprovação, implicarão, no plano figurativo, um golaço, para que o Brasil possa se manter no trilho do protagonismo mundial da maior atividade planetária, e que pode estimular a inserção das gentes desfavorecidas e o desenvolvimento social e econômico da Nação (além, evidentemente, do futebolístico). Afinal, desde o advento da Lei da SAF, já se constituíram mais de 70 destas sociedades e muitas outras estão por vir; inclusive, dentre as já constituídas, o Galo e o Cruzeiro, e, a caminho, como se noticia, o América (os três em atuação no Estado de origem do Senador Rodrigo Pacheco e do Deputado Federal Fred Costa). __________ 1 Disponível aqui.
quarta-feira, 21 de agosto de 2024

O Estado brasileiro insiste em ignorar o futebol

O diplomata (e outras coisas mais) norte-americano Henry Kissinger escreveu, em livro essencial para compreender a geopolítica contemporânea, que "[o] sistema político determina diretivas mas a execução é deixada, em grau ainda maior, para burocracias separadas tanto do processo político como do público, cujo único controle são as eleições periódicas, se tanto. Mesmo nos Estados Unidos, decisões legislativas importantes muitas vezes compreendem milhares de páginas que, para pôr em termos brandos, apenas pouquíssimos legisladores leram detalhadamente"1. Escancara-se, nessa passagem, o problema da representatividade nas democracias contemporâneas e, de maneira explícita, a dificuldade de implementação de políticas, a partir de uma decisão emanada de poder constituído (decisão que não necessariamente estará associada a um interesse coletivo, apesar de sua legalidade formal). Quisera, em relação à (inexistente) política pública voltada à formação do mercado do futebol, no Brasil, que o problema fosse de tal natureza. Não houve ainda um governo que compreendesse a magnitude que o tal mercado poderia - e pode - alcançar e, daí, os reflexos sociais e econômicos benfazejos que seriam gerados à Nação e sua população. Não houve - e não há - política de estado, tampouco uma política de governo; mesmo que, neste último caso, tal plano governamental se sobrepusesse ou ignorasse uma hipotética política estatal. Ao contrário, o cenário evidencia histórico desprezo, alternado por movimentações oportunistas ou populistas, em anos eleitorais ou de grandes eventos esportivos; desprezo que não se atribui a um ou outro Chefe, mas a todos, com maior ou menor intensidade (e responsabilidade). Não à toa a imagem do futebol ter decaído da posição de orgulho e identidade nacionais (cujo ápice posicional se deu no regime militar, que a manipulou em favor da manutenção do sistema que representava) para uma espécie de terra arrasada, malvista internacional e, em parte, também nacionalmente. Mais do que imagem: a relevância objetiva, em dois de seus pilares de sustentação, quais sejam, esportivo e econômico, também se esvai. Restaria a social, proclamada pelo povo, que ainda aposta no esporte como única forma de inserção e desenvolvimento - e, mesmo assim, sem eco nas esferas governamentais. Aliás, a história do país farta-se em apresentar eventos entreguistas, muitos pela sua própria origem e incapacidade de reação econômica à invasão colonialista, mas, outros, muitos outros, pela apropriação patrimonialista que marcou (e marca) o processo político local, inclusive - e especialmente - pós independência e instauração da República. É essa apropriação, e não mais a posição de colônia, que justifica o atual estado de coisas no ambiente futebolístico. Importa lembrar que, apesar do descaso de governantes anteriores, talvez não houvesse, até o crepúsculo deste século XXI, ambiente institucional, local e internacional, para um movimento estrutural, afinal: (i) o Brasil ainda se afirmava como Estado Democrático, após décadas de militarismo; (ii) seus mercados financeiro e de capitais se organizavam em compasso com a abertura da economia; (iii) não havia liquidez nos mercados globais (comparativamente ao que se revela nos tempos atuais); e (iv) o próprio futebol ainda não se posicionara como um negócio, local e globalmente. Todos esses elementos foram sendo espontaneamente (ou não) reorganizados para formar uma certa convergência e, assim, viabilizar o que poderia - e ainda pode - ser, como se vem afirmando nesta coluna, o maior mercado de futebol do planeta e operar, sem ufanismo, como o principal soft power do país. E se soma a esse cenário (quase ideal) a iniciativa do Senador da República e atual Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, consubstanciada na Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021, conhecida como Lei da SAF que, em apenas três anos, iniciou uma profunda transformação na forma de organização, manejo e financiamento do futebol; a qual provocou ações extraordinárias (mas igualmente isoladas), como o Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, sob a presidência do Prof. João Pedro Nascimento. A luz que surgiu, a partir da Lei da SAF - e que poderá se intensificar com (i) a absolutamente necessária formação de uma liga de clubes (e sociedades anônimas do futebol), dirigida no interesse dos times, dos torcedores e demais agentes que formarão seu sistema e (ii) o debate e encaminhamento da abertura de capital da CBF -, deveria permitir que o Governo enxergasse a oportunidade que lhe é apresentada, e, a partir do que já se vem construindo, pensar o futebol não apenas como um tema importante dentre os menos importantes, ou como tema de conversa de bar, mas com a importância que tem ou deveria ter (assim como os principais países desenvolvidos mantêm com os seus esportes mais relevantes e, se tivessem a perspectiva do futebol, o utilizariam como instrumento de inserção, desenvolvimento e dominação). Nenhum outro governo, como o atual, foi agraciado com um estado de coisas que lhe permitisse, com uns passes para cá, outros para lá, fazer um gol histórico, mediante a organização do sistema que pensará e estruturará, de modo perene e sustentável, a mais global das atividades humanas.   Basta aproveitar o momento e colocar a bola para dentro. __________ 1 Kissinger, Henry. Sobre a China; tradução Cássio de Arantes Leite. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 200.
Nenhum governo, de esquerda à direita, passando pelo centro, tratou o futebol como um tema realmente transformador, nos planos social e econômico. Tampouco sob a perspectiva da evolução esportiva, que, em conjunto com os aspectos anteriores, resultariam na construção de necessário programa afirmativo de softpower nacional. A indiferença governamental (ou as indiferenças governamentais), identificada na ausência de políticas de Estado centradas no ou voltadas ao tema (assim como existe em países desenvolvidos), justifica, não exclusivamente, a crise dos clubes de futebol e da seleção brasileira de futebol. Em outras palavras, a indiferença, que marcou todos os governos em todos os tempos (exceto como forma de afirmação de regimes ditatoriais ou populistas), autoriza e incentiva, sob o manto da autonomia organizativa de natureza constitucional, a apropriação do futebol pelo cartolariado. E, daí, a ocorrência de crises inaceitáveis, pois não decorrentes de diminuição de demanda ou do surgimento de novos concorrentes (porque o torcedor será sempre um consumidor potencial e não suscetível à propaganda alheia). Não se pretende, muito ao contrário, que o Estado interfira na organização futebolística. Mas, por outro lado, também não se compreende - e nem mesmo parece aceitável - que, dada a relação sui generis da população (e do torcedor) com times e seleção, se aceite, como parte da cultura, a histórica apropriação patrimonialista de algo, tangível e intangível, que não pertence ao apropriador. Essa proposição se amplifica no plano da seleção brasileira, que integra, de fato e de direito, o patrimônio de uma associação sem fins econômicos, a CBF, cujo poder interno deriva da orquestração de interesses de 27 federações estaduais (apesar de clubes de séries A e B também disporem de votos, seus interesses, mesmo unificados, não bastam para se sobrepor à vontade federativa). Ao cabo, a dominação se concentra, conforme a pragmática revela, em uma pessoa (ou em mais algumas que gravitam ao seu redor), e essa única pessoa (seja ela quem for) define, sem qualquer participação ou preocupação com a sociedade, os caminhos e os destinos da paixão popular (aliás, como se a associação representasse a própria vontade popular), sem conseguir criar empatia ou simpatia. Lembre-se, ademais: no âmbito da atuação confederativa, ou como fundamento de sua existência, a CBF: utiliza o nome e a as cores do país; seu principal produto, a seleção, se apresenta em representação do país e do povo; e ela ainda adota o hino nacional, como seu. Tudo para que o próprio povo - sem falar em potenciais torcedores internacionais - se vincule a ela e ao seu produto. Talvez se diga que essa apropriação integra a lógica esportiva mundial, e não envolve, pois, uma situação excepcional, da qual a estrutura brasileira, e somente ela, se beneficiasse. Talvez.  Mas isso não significa que, diante de uma nova perspectiva organizacional, o modelo não possa evoluir, para melhor, e em benefício coletivo (aí incluídos os grupos de interesses listados nos textos anteriores, como a própria CBF, federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, mercado e o país). E, tão ou mais importante: para interromper e reverter o desnecessário processo de corrosão da relação torcida/seleção e impedir que um bem (ou ativo), que deveria contribuir para o desenvolvimento coletivo, se acomode como símbolo de incompetência e obsoletismo. A evolução, como se demonstra na presente série, se apresenta sob a forma de abertura de capital da CBF, movimento que beneficiará o país, em vários sentidos. A começar pelo ingresso de recursos na CBF S.A., em federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol), que os aplicarão em suas atividades e, assim, gerarão negócios, empregos e renda. Ainda, como resultado do surgimento de uma companhia listada em bolsa, sujeita a sofisticados padrões de governação e divulgação de informações, novos negócios ou produtos se desenvolverão, inclusive no âmbito do mercado de capitais, fazendo a roda econômica e social girar com maior intensidade. Essa estrutura, reforçadora (e investidora) das qualidades esportivas, funcionará como embaixadora do país (no exterior), oferecendo e vendendo os atributos e os sonhos locais. Há mais, ainda: em função da passagem ao modelo empresarial, que, como em outras empresas, fará incidir a norma tributária sobre negócios da CBF S.A., será inaugurada a sua participação e contribuição para aumento da arrecadação pública - com a possibilidade de destinação de recursos para fomento dos setores educacionais e esportivos - como já se sujeitam, no Brasil, as sociedades anônimas do futebol (SAF's), que, desde o advento da Lei da SAF, recolhem tributos com base em suas receitas mensais.   E não é só: também viabilizará o debate e a instituição de royalties, pela utilização dos símbolos nacionais, e a aplicação da arrecadação igualmente em projetos educacionais e esportivos. Enfim, por qualquer ângulo que se olhe o projeto de abertura de capital, inclusive e em especial o do Estado - e sem que isso pressuponha ou justifique intervenção estatal -, os benefícios, de todas as naturezas (sobretudo sociais, econômicos e esportivos), se evidenciam e deveriam, portanto, ao menos atrair a curiosidade dos governantes (sobretudo os atuais) e unir o país (federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, torcedores, imprensa, investidores, financiadores e governo) em torno de um programa ou de uma agenda comum.
O projeto de reorganização e ressignificação da CBF, que vem tomando conta desta coluna, envolve mais um aspecto fundamental, raramente lembrado (ou tratado) de modo efetivo e fora do plano da demagogia no futebol: O interesse social.  Preocupações com a sociedade alimentam narrativas em outros campos, como o político, e justificam a existência de correntes ou de pessoas que simbolizam esperança, inserção e desenvolvimento (e, também, continuidade de movimentos acertados, sobretudo inclusivos).  Talvez toda atividade humana, exercida profissionalmente, carregue, ao menos implicitamente ou ainda de maneira não latente, aquela característica (auto) questionadora, necessária para o seu próprio desenvolvimento; com algumas exceções.  A excepcionalidade, residente no futebol, decorre, de um lado, de sua estrutura monopolística paraestatal (de amplitude global), e, de outro, da relação de transcendência estabelecida entre o torcedor e seu time ou sua seleção.  Sim, pois, no plano da torcida, as diferenças de qualquer natureza se dissipam (ao menos ou apenas durante o ato de torcer) e, enquanto se torce, opera-se uma espécie de bloqueio físico e metafísico, de modo que, naquele momento, nada, além do evento futebolístico, importa (aí incluídas as mais intensas atividades e relações humanas, como familiares, de amizade e políticas).  Tal característica viabilizou a apropriação da relação clubística (e, consequentemente, do patrimônio clubístico) por pequenos e nada representativos grupos de interesse, que agem, na maioria das vezes, conforme interesses próprios e dos próprios grupos de sustentação, a partir da manipulação do time e respectivos torcedores.  Em outras palavras: A paixão foi sequestrada e utilizada como um (quase) intransponível muro que impede questionamentos sobre a dominação e os propósitos do clube e do futebol. Daí, no caso brasileiro, a profunda crise esportiva, evidenciada na pequena relevância que os times locais passaram a ter no plano mundial.  O mesmo cenário, e com maior intensidade, se reproduz na entidade de administração do futebol, a CBF, que consiste, sob o prisma de mercado, num monopólio, não natural, derivado de autorregulação, transnacional e paraestatal. A confortável posição monopolística, manejada, historicamente, por sobreviventes (e manipuladores) do processo político associativo, contribuiu para a construção de uma relação insensível com o torcedor, motivo único, aliás, da existência do monopólio.  O caminho de salvação do rendimento esportivo passa, assim e necessariamente, pela reaproximação do povo; não sob a forma de narrativas fantasiosas e marqueteiras, dentro de um modelo esgotado, mas pela construção jurídica de via participativa, que seja, ao mesmo tempo, viável economicamente.  É aí que o projeto de reorganização e ressignificação da CBF pode atender, além das legítimas demandas de federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, investidores, financiadores e estado, também do torcedor (logo, da sociedade em geral).  Pois, conforme modelo proposto, a abertura de capital pressuporá a oferta de parte das ações ao torcedor, que poderá, ao se tornar proprietário de ações, participar (por via do voto em assembleia geral, se assim desejar), pela primeira vez na história, das deliberações da entidade proprietária da seleção brasileira, a CBF S.A., e, dela, sentir-se dono - sem contar os recursos que serão vertidos aos clubes e sociedades anônimas do futebol, paixões primárias dos torcedores em geral.  E não é só.  A planificação do esporte no país e o planejamento do emprego de recursos que jorrarão na companhia proprietária de um dos maiores "ativos" do planeta, a seleção brasileira, viabilizarão o resgate de uma outrora justificada paixão, que deveria contribuir para a formação: De pujante indústria futebolística; Da identidade nacional; e Do mais importante softpower do país - que interessam à sociedade.  Isso tudo, por fim, ainda contribuirá para geração e distribuição de riquezas, aumento de arrecadação, destinação de recursos para projetos esportivos e educacionais e criação de empregos; e, muito importante: Sem aumento de despesas públicas ou de tributos. 
quarta-feira, 3 de julho de 2024

A trilha da governança nos clubes de futebol

No último "par de anos", o futebol brasileiro se beneficiou da profusão de inovações legislativas que tem contribuído com sua ressignificação, como a Lei da SAF, a alteração do modelo das transmissões, e mais recentemente a lei de regulamentação das apostas esportivas, essa última com grande incidência sobre os clubes de futebol através dos contratos de patrocínio. A indústria vai assim se aperfeiçoando com o fortalecimento dos clubes e a aplicação de novas formas de gestão profissional, saltando aos olhos do mercado a impressão de uma dinâmica exitosa quanto à estruturação interna e desenvolvimento, situação para alguns clubes comprovada mas que para tantos outros é uma realidade ainda muito distante. Passa muitas vezes despercebido o fato de que o propalado profissionalismo do futebol brasileiro na quase totalidade dos casos se restringe à excelência dos departamentos de futebol dos clubes, especificamente as suas áreas técnicas, de saúde, de logística, de comunicações, entre outras correlatas, além da adoção de sistemas mais avançados para o controle dos seus departamentos de contas a pagar e receber. Mas e a jornada da governança propriamente dita, a quantas anda? A resposta é: ainda incipiente, é verdade, em boa parte dos clubes, mormente os associativos... Mesmo diante de toda essa recente evolução da indústria futebolística, a maior parte dos clubes ainda enfrenta grandes desafios para implementar uma governança eficaz. Na forma de associações civis ou sociedades anônimas, cada vez mais os clubes buscam se conduzir empresarialmente, seja por vontade ou só pelo dever legal: objetivamente, em se tratando de organizações esportivas com faturamento de dezenas ou centenas de milhões, é certo que suas chances de sucesso cada vez mais dependerão do modo como gerenciam os seus riscos e governam suas operações, algo que no panorama geral dos clubes aparenta ainda uma baixa maturidade. O enfrentamento desse cenário, em face da irreversível transformação da cadeia do "negócio futebol", é imperioso, e não existe projeto eficaz para o desenho e implantação de uma governança robusta sem que haja o comprometimento irrestrito da alta cúpula, circunstância que evidencia em grande parte a dificuldade para que possa ser trilhado pelas associações e também pelas SAF, quanto às últimas, além do quanto as regras da legislação de regência já lhes impõe diretamente.   Essa dificuldade enorme da alta administração clubística em assimilar os conceitos e reconhecer a necessidade de uma boa, efetiva e organizada governação, muito além tão somente de questões sociais, culturais e políticas dos próprios clubes, é caracterizada pelo velho reducionismo de costume e a forma como se desenvolve o futebol brasileiro em geral, invariavelmente calcado no improviso e na crença quanto à acomodação natural das coisas, somado à avidez pelos ganhos financeiros e esportivos que apenas acentuam as individualidades, relegando assim quaisquer planejadores apenas à teoria! Há muito o que fazer, seja no âmbito interno de cada agente (associação ou SAF), como também dentro do ecossistema e de suas relações; claro que se tem notícia de alguns atores dentro do segmento, em maior ou menor intensidade, já trilhando a jornada da governança, para a qual é exigida bastante tenacidade, a qual demanda o envolvimento de toda organização e o comprometimento efetivo da sua direção, além de estratégia e disponibilização de tempo, não só para o desenho de seu arcabouço mas especialmente para sua correta implantação, a ser continuadamente revista e aperfeiçoada a fim de alcançar os diversos estágios de maturação e efetividade. Os clubes e as disputas, que juntos compõem a razão existencial do mercado, conduzem suas atividades em franca exposição a riscos diversos de natureza esportiva, financeira, reputacional, entre outros. Torna-se premente assim que sejam mapeados, debatidos e classificados, com a adoção de estratégias para sua mitigação; para as entidades que contam e/ou se valem  de provedores ou "mecenatos", a assunção de políticas claras de transação com partes relacionadas visando minimizar os conflitos de interesses. De igual importância para uma jornada exitosa, a instituição e monitoramento de canais de denúncia, para muito além de tímidas e ineficazes ouvidorias ou balcões de reclamação. Por outro lado, a aderência às legislações próprias e o contínuo aprimoramento da instituição em face das normas, regulamentos e resoluções, requer o monitoramento dos controles internos e o cumprimento de boas práticas para elevação permanente do grau de conformidade e satisfatória governança com os órgãos e profissionais inerentes. Enfim, a busca pelo alinhamento às novas realidades e o enfrentamento dos constantes desafios do mercado, notadamente a evolução das tecnologias aplicadas e as constantes mudanças no ambiente futebolístico, nos revela a importância da implantação de um modelo de governança, riscos e compliance a um só tempo vigoroso e dinâmico, o que certamente trará mais valia e uma melhor percepção para os parceiros, criando também mecanismos mais eficazes para o gerenciamento de crises.   Cumpre finalmente deixar anotado dentro do atual radar da governança nos clubes, os coletivos de apoio que aos poucos se formam e consolidam, como por exemplo a Frente para Modernização do Futebol Brasileiro capitaneada pelo ex-Presidente do Flamengo e atual Deputado Federal Eduardo Bandeira de Melo, onde em conjunto com outros temas relevantes a questão da governança é um dos pilares, além especialmente do Movimento pela Integridade no Futebol, materializado a partir da reunião há cerca de um ano e meio de alguns clubes (associações e sociedades anônimas) brasileiros para a divulgação das boas práticas, em processo de incremento do número de participantes e perenização institucional, entes embrionários e inspiradores nessa (inicial) jornada da governança nos clubes de futebol.
No âmbito da apresentação e explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, que vem tomando conta desta coluna, tratou-se, nos dois últimos textos, da posição dos agentes financiadores e provedores de capitais, lá chamados, coletivamente, de mercado. A inserção, não de uma entidade abstrata e irreconhecível (o mercado), mas de agentes interessados em participar de uma companhia com vocação para ser protagonista mundial, é condição necessária para que o protagonismo se realize. A realização, como se vem demonstrando, beneficiará clubes, sociedades anônimas do futebol, CBF Associação e a sociedade civil em geral. Mas o tal mercado - ou os agentes dispostos a financiar o desenvolvimento da seleção brasileira - não viabilizará a promoção de benefícios sem contrapartidas. Não se trata de mesquinharia, ganância ou insensibilidade; apenas de motivação para alocação de recursos próprios ou de terceiros. Esse debate, aliás, já se travou por ocasião do advento do anteprojeto de lei que propôs a criação da SAF: como se justificava - e ainda se justifica - que a maior atividade de entretenimento do planeta (o futebol), no país que já foi justamente o do futebol (o Brasil), não atraísse interesse de financiadores e investidores? Pois havia uma espécie de muro entre dois mundos, o mundo do futebol e o de capitais, inviabilizador da benfazeja (e necessária) comunhão. A Lei da SAF, que completa o seu terceiro ano, viabilizou, em sentido inverso, a criação de um ambiente, minimante regulado, cuja própria regulação forma uma espécie de novo mundo (ou moldura), composto por aqueles agentes outrora estranhos uns aos outros, como se ilustra abaixo: Aquele estranhamento, com algumas diferenças, se estende ao secular e ainda atual modelo organizacional da CBF, que a apequena interna e externamente, apesar dos excedentes gerados a cada ano e do caixa sobre o qual está montada - justificados, sobretudo, pela sua posição monopolística. O Brasil dispõe, porém, de um dos mais relevantes ativos planetários e a perspectiva de transformá-lo em softpower, para o bem geral - inclusive da CBF. Os caminhos já foram apresentados nos textos anteriores e estão à disposição dos dirigentes da CBF Associação e de Federações, para que a roda comece a girar. A disponibilidade, para que se revele eficiente e efetiva, deverá atrair, como dito, interesse de agentes financiadores e investidores. E aí está, portanto, a pedra de toque: um modelo de abertura de capital arquitetado para construção de uma relação segura, transparente e previsível, em favor de todos os partícipes do sistema. O trinômio (segurança, transparência e previsibilidade) se traduz em vias e técnicas jurídicas aptas a preservar as regras que forem instituídas, em todos os planos construtivos: governação, informação, compliance, fiscalização e proteção. Soma-se a esse conjunto relacional interno a necessidade de manutenção, no plano legislativo, das regras instituídas, de modo a preservar o ato jurídico perfeito e o cálculo de risco na alocação de recursos em atividade empresarial. E se completa a receita com a sempre esperançosa atuação judicial, mediante provocação e sem ativismo, (apenas) para conter ilegalidades e abusos ou para afirmar direitos, derivados de lei ou de contratos.  Parece complexo, mas definitivamente não é. A experiência internacional, que vai além do futebol, afirma o interesse global pelo esporte, em especial - e por diversos fundamentos - pelo próprio futebol. O Brasil também confirma a proposição. Desde a Lei da SAF, aproximadamente 70 sociedades anônimas do futebol foram constituídas, e agentes de diversas procedências e com as mais variadas características embarcaram na tese. E a história está apenas se iniciando. No embalo de tal movimento, a abertura de capital da CBF, que se trata de ativo único, não apenas colocaria o país na vanguarda do esporte - e do entretenimento -, como, no âmbito de um projeto devidamente estruturado, poderia atrair investidores institucionais, locais e internacionais, convergentes na criação do maior projeto esportivo da história.
No âmbito da apresentação e explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, que vem tomando conta desta coluna, tratou-se, no último texto, da posição dos agentes financiadores e provedores de capitais, lá chamados, coletivamente, de mercado. O (relevante) posicionamento, que não se resume a uma mera atribuição de lugar, é ilustrado, uma vez mais, no seguinte gráfico: O papel (ou a função) do mercado é transformacional. Como já se afirmou, a CBF S.A. seria um ativo especial e único, sem comparação no planeta, pela história e as perspectivas da seleção de futebol (que seria, como explicado anteriormente, de propriedade da CBF S.A.). Mais: pelas riquezas que poderiam ser geradas em favor da própria CBF S.A., de seus acionistas (incluindo a CBF Associação, clubes, sociedades anônimas do futebol e federações) e do país. Sim, pois além de uma reunião dos melhores jogadores brasileiros, a seleção deveria servir, mesmo (ou especialmente) sob propriedade privada, como o mais poderoso soft power da Nação. Não há ilusão, utopia ou ufanismo nessa proposição; muito menos incompatibilidade entre a atuação privada, dirigida pelo mercado (em compasso com os demais acionistas da CBF S.A., que seriam, originalmente, a CBF Associação, as federações, os clubes e as sociedades anônimas do futebol), e o interesse público ou nacional, na disseminação cultural de um país. Repise-se o que Hollywood fez - e ainda faz - pelos Estados Unidos da América, mediante a inoculação cotidiana dos valores e interesses internos, que se projetam ao exterior e se fundem em praticamente todas as culturas, homogeneizando (para o bem e para o mal) manifestações outrora inconciliáveis. Essas conquistas, que no passado somente se viabilizariam por intermédio de mobilizações expansionistas, com uso da força ou de guerras, evidenciam a necessidade de aproveitamento de ativos únicos, espontâneos ou deliberadamente construídos, marcantes em certas culturas contemporâneas. É o caso, no plano da construção, do recente fenômeno do movimento pop sul-coreano (o K-pop), consumido planetariamente a despeito da dificuldade de compreensão linguística. Eis um bom exemplo, aliás, de como agentes privados podem, direta ou indiretamente, tornar-se embaixadores de seus países e lhes propiciarem influência, poder e renda. O futebol, muito além da música ou do cinema, é a mais global das atividades rotuladas como entretenimento, praticado em um número de países maior do que a quantidade de filiados à ONU, por exemplo. Esse fato, somado à incapacidade da CBF Associação de assumir funções de exportadora de produtos desejados em qualquer rincão do planeta - inclusive nos mais prósperos e propensos a consumi-los em larga escala - e de disseminadora de soft power, expressam o tamanho da oportunidade que se desperdiça. Não se pretende, aqui, atribuir a pessoas, passadas ou atuais, a responsabilidade por isto. Trata-se, apenas, de uma constatação: a CBF Associação jamais executará aquelas funções, pela sua natureza jurídica (e política) - motivadora de suas pequenas (e ao mesmo tempo grandes) querelas internas, regionais e político-administrativas. E é justamente aí que se reforça a pertinência do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, no qual a CBF Associação se posicionaria não só como acionista da CBF S.A., mas também guardiã de tradições e história. Foi no mercado, ou mediante apelo aos capitais disponíveis, que, desde tempos longínquos, Nações se expandiram via comércio marítimo (Inglaterra, como melhor exemplo) ou, na contemporaneidade, por intermédio de suas ideias e produtos (Hollywood e K-pop, dentre outros). A abertura de capital da CBF S.A., oriunda de um ato de vontade da CBF Associação, com a participação das federações, dos clubes e das sociedades anônimas do futebol, e realizada no âmbito de um plano qualificado de legítima expansão e dominação, forneceria recursos financeiros, jurídicos, governativos, relacionais e humanos para reprodução e adaptação, ao futebol, de empreendimentos expansionistas bem-sucedidos. Em outras palavras: o mercado, com as suas imperfeições e tendências históricas à apropriação da maior quantidade de lucros em favor de interesses próprios, poderia, no entanto, no âmbito de uma proposta convergente de pretensões coletivas e individuais, previamente arquitetada, viabilizar a adequada distribuição de ganhos, inclusive (e necessariamente) ao próprio mercado, e, assim, impulsionar a criação do maior sistema de futebol do planeta: o brasileiro.
Após apresentação e explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, bem como da indicação das posições que federações, clubes (e sociedades anônimas do futebol) e CBF teriam no sistema, situam-se, desta vez, os agentes financiadores e provedores de capitais, aqui chamados, coletivamente, de mercado. No texto anterior da série, foram indicados dois caminhos. O primeiro deles parte da premissa de que a CBF Associação seria mutualizada, mediante a criação de títulos patrimoniais, para distribuição entre federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol); na sequência, a CBF Associação seria desmutualizada, com a sua transformação em companhia (e aqueles títulos patrimoniais convertidos em ações); e, por fim, esta companhia, a CBF S.A., abriria capital, resultando na seguinte estrutura: O elemento de interesse deste texto, qual seja, o mercado, foi apresentado, portanto, como os outros acionistas que subscrevem ações, por ocasião da abertura de capital. No segundo caminho proposto, o organograma apresenta algumas diferenças, sendo a principal o fato de a CBF Associação não desaparecer. Isto porque ela constituiria uma companhia e subscreveria a totalidade das ações de sua emissão; depois, federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol) subscreveriam novas ações da CBF S.A.; de modo que, ao fim e ao cabo, a CBF associação preservaria sua existência e manteria sua posição de acionista da CBF S.A., conforme indicado a seguir:   Na sequência, os acionistas aprovariam a abertura de capital para atração do mercado, conforme se apresenta abaixo: Esse movimento atrativo do mercado é o foco deste e do próximo texto. Sob a perspectiva do próprio mercado, a CBF S.A. seria um ativo único, sem comparação no planeta, pois proprietária da mais vencedora e, ao menos no plano popular, também a mais admirada seleção de futebol do planeta. Verdade que isso não seria motivo suficiente para que agentes supostamente racionais empregassem seus recursos na nova CBF S.A. Porém, os números também brilham; e atraem. Mesmo sendo administrada sob premissas político-associativistas, que dificultam a captura de oportunidades e de valores, e o desenvolvimento de tecnologias e produtos em escala global (fora de uma perspectiva de preservação grupal), a CBF Associação registrou, em 2023, receita da ordem de R$ 1,3 bilhão e superávit de R$ 238 milhões. O brilho se intensifica, pelas perspectivas futuras, ao se constatar que: - a seleção brasileira ainda é um produto local (apesar do seu potencial de internacionalização), consumido, essencialmente, por brasileiros, de maneira que resta um mundo de torcedores e consumidores a conquistar; - as receitas da CBF ainda são semelhantes às obtidas pelo Flamengo, por exemplo; ou seja, de apenas um time brasileiro; - os valores auferidos em 2023 com direitos de transmissão e propriedades comerciais, da ordem de R$ 538 milhões, são inferiores aos obtidos por times ingleses inexpressivos, como o Bournemouth e o Brentford, que auferiram, em 2023, £122 milhões (aproximadamente R$831 milhões) e £135 milhões (aproximadamente R$920 milhões), respectivamente1; - o volume de receitas da CBF com contratos de patrocínio, em torno de R$ 527 milhões, não engloba os grandes patrocinadores internacionais, ainda desinteressados na associação de suas marcas à seleção brasileira; e (além dentre outros fatores) - a natureza associativa da CBF problematiza (ou dificulta) o acesso a instrumentos e recursos disponíveis no mercado de capitais, que tendem a ser mais eficientes do que os acessados no mercado financeiro. Esse conjunto de coisas evidencia que, menos do que as cifras atuais, as perspectivas futuras devem atrair o mercado em um eventual chamamento promovido pela CBF, considerando que: - o modelo de negócio confirme a possibilidade de crescimento; - o modelo de governança confirme a passagem para uma estrutura de mercado; - a administração seja composta por profissionais ilibados, conhecedores da indústria futebolística e/ou oriundos de mercado, com independência para atuação no interesse exclusivo da CBF S.A.; - a CBF S.A. adote instrumentos de controle de condutas e de cumprimento de leis; e - a abertura de capital se realize em nível especial de listagem, como o novo mercado da B3, e com a assessoria de assessores de primeira linha, que seguirão as diretrizes do Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto 2023.  Esses são alguns argumentos que sustentam a viabilidade do ingresso do mercado no novo ambiente do futebol. O tema será retomado na próxima semana. __________ 1 Acessível aqui. Integram os números, além de direitos e propriedades, receitas oriundas do "match day". 
Os dois últimos textos desta série, que tem como propósito a apresentação e a explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, identificaram as posições finais das federações e dos clubes (e sociedades anônimas do futebol). Chegou a vez de situar a (relevante) posição da CBF Associação. No início da série, foi reapresentado o modelo que partia da premissa de que a CBF Associação seria mutualizada, mediante a criação de títulos patrimoniais, para distribuição entre federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol); na sequência, ela seria desmutualizada, com a sua transformação em companhia (e aqueles títulos patrimoniais, convertidos em ações); e, por fim, submetida a processo de abertura de capital, resultando na seguinte estrutura:  Por tal caminho, como se nota, a CBF Associação deixaria de existir e toda a sua estrutura administrativa se conservaria dentro da CBF S.A.  Outro caminho, igualmente explorado na série, oferece uma solução, ao mesmo tempo, diferente e mais simples do ponto de vista jurídico: A manutenção da CBF Associação como acionista da CBF S.A., que receberia, daquela, o patrimônio relacionado à seleção brasileira e o desenvolveria, com exclusividade, esportiva e comercialmente.   O desenho seria o seguinte (após a superação dos passos precedentes, explicados nos textos anteriores, consistentes: na constituição, pela CBF Associação, da CBF S.A.; na transferência patrimonial, pela CBF Associação, em troca de ações da CBF S.A.; e na subscrição de ações emitidas pela CBF S.A., pelos clubes, sociedades anônimas do futebol e federações):  O quadro seria incrementado, após a abertura de capital da CBF S.A., com o ingresso de novos acionistas que subscrevessem ações em oferta primária ou que adquirissem ações em secundária (seja na própria oferta ou, posteriormente, em bolsa). A imagem a seguir ilustra o resultado deste movimento:  Como acionista da CBF S.A., a CBF Associação resguardaria certas atribuições relacionadas à preservação da história e da tradição, que seriam, aliás, inalienáveis. Apenas ela, portanto, poderia exercer, a qualquer tempo, tais funções, independentemente do tamanho de sua participação no capital social.  Aliás, esse é um ponto relevante: A CBF Associação, ao constituir a CBF S.A., subscreveria, em contrapartida à versão de patrimônio associativo relacionado à seleção brasileira, a totalidade das ações de emissão da nova companhia (a CBF S.A.). Na largada, portanto, a CBF Associação seria a única acionista.  Posteriormente, com a subscrição de ações pelos clubes (e sociedades anônimas do futebol) e federações, e, na sequência, pelos novos acionistas no âmbito da abertura de capital, a participação da CBF Associação seria reduzida, em função das rodadas de subscrição, chegando-se ao percentual de participação que houver sido definido pela CBF Associação, previamente. A redução nessas fases seria, assim, controlada pela própria CBF Associação, ao ditar a estrutura do projeto como um todo.  Apenas para ilustrar, imagine-se que, ao término das rodadas de subscrição e de abertura da capital, a CBF mantivesse, por exemplo, 20% do capital total. Deste percentual, uma ou algumas ações seriam especiais e atreladas à sua posição histórica e futura no ambiente futebolístico (assim como o Estado, eventualmente, mantém posição especial em companhias privatizadas). As demais ações poderiam ser livremente negociadas, ou não, a critério da diretoria da CBF Associação.  Partindo-se, ademais, do modelo atual de governação da CBF Associação - que poderia ser reformulado, ou não, conforme decisão de seus afiliados -, a eleição da diretoria continuaria a derivar da votação de federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol), com observância da pluralidade de votos atribuída no estatuto da CBF Associação.  O estatuto haveria de ser reformado, porém, para adaptação à nova estrutura, demandante de previsões específicas, a respeito de, exemplificando: forma de indicação, pela CBF Associação, de membros do conselho de administração ou do conselho fiscal, da CBF S.A.; e forma de definição da construção da posição da entidade em matérias que, no plano da CBF S.A., exigissem a concordância necessária ou a possibilidade de veto, por parte da CBF Associação.  Em relação aos seus propósitos sociais, que continuariam a ser exercidos no âmbito associativo, a CBF Associação resguardaria, dentre outras, as seguintes atividades: A gestão do próprio investimento na CBF S.A. e aplicação de dividendos; O desenvolvimento regional do futebol, em parceria com as federações; A realização de pesquisas para melhoria do ambiente e o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas voltadas ao futebol; A gestão de copas e torneios que não fossem transferidos para ligas organizadas pelos clubes e sociedades anônimas do futebol;  Enquanto não fosse criada a liga de clubes e de sociedades anônimas para organizar o campeonato brasileiro, a organização deste evento.    Conclui-se, então, que a CBF Associação não apenas impulsionaria a formação do maior mercado do futebol do planeta (que gerará ganhos ao país, às federações, aos clubes e sociedades anônimas do futebol, aos torcedores, ao erário e ao povo em geral), como faria parte dele, com papéis significativos e essenciais.