O homem é um ser em constante evolução. Desde quando se conscientizou de sua capacidade de pensar, passou a ser um pesquisador de si mesmo, de seu próprio grupo social, de seu ambiente, procurando sempre novos caminhos que possam facilitar sua empreitada terrena. Os avanços em todas as áreas foram se multiplicando e com eles a humanidade foi se adaptando, muitas vezes com tempo diminuto para absorver determinada inovação que carrega uma utilidade social, pois, na sequência, outra se apresentava mais aperfeiçoada. Desta forma, não só o homem, mas também tudo ligado diretamente à sua vida, evoluiu.
O avanço na área biomédica exige a realização de pesquisas envolvendo seres humanos e, com a promoção do princípio da dignidade, passou a carregar em seus braços uma preocupação ética, reclamando uma regulamentação condizente para que o homem seja visto como sujeito de pesquisa e não meramente um objeto, uma cobaia, como demonstraram as experiências anteriores durante as guerras mundiais.
Os problemas éticos que foram surgindo ao longo das experiências realizadas com seres humanos consistiram em impor limites na própria pesquisa, visando não expor os colaboradores a riscos e danos desnecessários e sim atingir uma situação de equilíbrio, onde os riscos devem ser examinados de acordo com os benefícios visados, levando-se em consideração sempre a dignidade do ser humano. Daí que o senso ético humanitário criou a limitação ética do desenvolvimento tecnocientífico. Permitiu a realização de pesquisas envolvendo seres humanos como sujeitos colaboradores espontâneos, porém, com regras seguras para sua participação.
Após a Constituição Brasileira sinalizar positivamente o desenvolvimento científico e as pesquisas, o Conselho Nacional de Saúde, no ano de 1995, antevendo a necessidade de estabelecer regras a respeito das pesquisas com participação de seres humanos, aprovou as "Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos", consubstanciadas na resolução CNS 196/96.
O foco principal da legislação era realizar a avaliação e adequação dos aspectos éticos dos projetos que envolvem seres humanos. Criou, na mesma oportunidade, os CEPs - Comitês de Ética em Pesquisa e a CONEP - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Enquanto o primeiro órgão é de instância inferior, regionalizado, responsável pela aprovação inicial dos aspectos éticos de uma pesquisa, o segundo, em instância superior, colegiado, de natureza consultiva e deliberativa, vinculado ao Conselho Nacional de Saúde, tem por missão apreciar, aprovar e homologar os projetos de pesquisas encaminhados pelos CEPs.
Referida Resolução - que em seu próprio corpo apregoava revisões periódicas de acordo com a evolução da ciência e a necessidade ética - foi revogada pela resolução 466/2012, que trata de normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e, acima de tudo, incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, referenciais da bioética, tais como, autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, e visa a assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado.
E agora, após aguardar por cerca de nove anos, foi sancionada a lei 14.874/24, que entrará em vigência após 90 dias de sua publicação oficial, e que estabelece as regras e diretrizes para a condução de pesquisas envolvendo seres humanos por instituições públicas ou privadas, além de instituir o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
Algumas alterações foram introduzidas pela novatio legis, assim como atualizados alguns institutos, dentre eles o Comitê de Ética em Pesquisa que, em sua estrutura original, procurava agregar os mais diferentes segmentos da comunidade, recrutando médicos, psicólogos, juristas, religiosos, bioeticistas, cientistas, pessoas que exerçam lideranças na comunidade, pacientes e quaisquer outros que tenham condições de fazer uma leitura atrelada à conveniência do ser humano. Assim como os jurados são escolhidos dentre cidadãos de notória idoneidade para a execução de um serviço público relevante, sem qualquer remuneração, os membros do Comitê serão recrutados de acordo com sua competência e projeção em sua área de saber para desenvolver um trabalho gratuito, também revestido de relevância social.
Assim, cada instituição que realizar pesquisas terá obrigatoriamente seu núcleo de apreciação dos projetos a serem desenvolvidos, de acordo não só com o pensamento bioético abrangente, mas também tendo como escopo a relevância local. Muitas vezes um determinado projeto guarda repercussão regional muito mais acentuada do que em outra e aí o Comitê é chamado para definir a respeito da conveniência ou não do estudo.
Embora as tarefas dos Ceps sejam ainda desconhecidas pela sociedade, que por falta de informação e divulgação não tem acesso a essa importante função pública, as decisões ali tomadas, quer sejam aprovando determinado estudo, quer sejam rejeitando, são representativas dos anseios da sociedade local, que, de certa forma, outorgou aos membros poderes para deliberar em seu nome.
Pela nova lei, o Comitê de Ética em Pesquisa se apresenta como um colegiado vinculado à instituição que realiza a pesquisa, de natureza pública ou privada, de composição interdisciplinar, constituído de membros das áreas médica, científica e não científica, de caráter consultivo e deliberativo, que atua de forma independente e autônoma, para assegurar a proteção dos direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes da pesquisa, antes e no decorrer da pesquisa, mediante análise, revisão e aprovação ética dos protocolos de pesquisa e de suas emendas, bem como dos métodos e materiais a serem usados para obter e documentar o consentimento livre e esclarecido dos participantes da pesquisa.
Uma diferenciação, no entanto, foi apontada pela própria lei. Há o Comitê de Ética em Pesquisa Credenciado, representado pelo colegiado definido no inciso X, do art. 2º da lei, que tenha sido credenciado, na forma de regulamento, pela instância nacional de ética em pesquisa, para análise das pesquisas de risco baixo e moderado.
E há, também, o Comitê de Ética em Pesquisa Acreditado, que é o colegiado definido no mesmo artigo que, além de ter sido credenciado, tenha sido acreditado, na forma de regulamento, pela instância nacional de ética em pesquisa, para análise das pesquisas de risco elevado, podendo ainda realizar análise das pesquisas de risco baixo e moderado.
Nesta linha de pensamento é de se concluir que a instância de análise ética das pesquisas, de responsabilidade exclusiva do CEP, vem composta por uma equipe interdisciplinar, nas áreas médica, científica e não científica, de modo a assegurar que, no conjunto, os membros tenham a qualificação e a experiência necessárias para analisar todos os aspectos inerentes à pesquisa, inclusive os aspectos médicos, científicos, éticos e os relacionados às boas práticas clínicas. De forma abreviada, tem por finalidade garantir a dignidade, a segurança e o bem-estar do participante.