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Informação privilegiada

Temas relevantes e atuais do Direito Penal Econômico.

Mariana Beatriz dos Santos e Guilherme Brenner Lucchesi
Quem atua no âmbito do Direito Penal Econômico recorrentemente depara-se com o instituto da colaboração premiada. Nesse aspecto, torna-se importante saber qual é o Juízo competente para a homologação do acordo, seja para representar os interesses de quem pretende colaborar, seja para impugnar a legalidade do acordo quando se representa os interesses do delatado. Este artigo busca apresentar as observações de duas principais vertentes acerca do tema: uma que considera como competente para homologação o juízo que autoriza outros meios de obtenção de prova; e outra que sustenta que esta homologação deve ser feita pelo juízo responsável pelos processos em que as benesses serão aplicadas. A partir de tal proposição, busca-se, ainda, compreender como o acordo de colaboração é entendido pelos polos do processo penal, no momento da homologação, em relação à sua natureza dúplice - como meio de obtenção de prova ou como estratégia defensiva. Segundo MENDONÇAi, o acordo de colaboração premiada é um negócio jurídico bilateral que engloba o comprometimento do colaborador em não exercer determinadas garantias, e, com isso, o fim do recebimento de benefícios penais acordados com a acusação. É a partir dessa bilateralidade que o autor faz uma importante distinção em relação à natureza do acordo, sob a perspectiva das razões pelas quais a acusação e a defesa resolvem celebrá-lo, ou seja, a causa do negócio jurídico para cada uma das partes. Em primeiro lugar, o autor afirma que, para a acusação, o acordo premial é mais um meio de obtenção de prova, é uma ferramenta que leva ao alcance de outros meios de prova e, indiretamente, um meio de reparação do dano causado pelo delito. Em segundo lugar, MENDONÇA coloca que, na visão da defesa técnica, a colaboração em troca dos benefícios é uma estratégia. Apesar disso, ressalva que deve ser analisado o caso concreto antes de sua celebração, que será mais vantajosa à medida que as chances de condenação e de dilapidação do patrimônio do acusado aumentam. Vale dizer, a colaboração premiada se torna vantajosa na medida inversa da probabilidade da absolvição, considerados os elementos de corroboração aos quais o réu pode oferecer. Assim, dentro do espectro necessário a este trabalho, conceitua-se o instituto da colaboração premiada como um negócio jurídico bilateral, que, embora busque um fim comum, possui causas diferentes para cada um dos envolvidos. De acordo com BOTTINIii, em visão mais objetiva do instituto, a expressão "homologação" gera um reconhecimento, por parte do legislador, de um espaço de negociação entre as partes em que não há influência do Poder Judiciário. Além disso, o autor afirma que, uma vez homologado o acordo, este terá efeitos imediatos (direito à preservação do sigilo e à proteção do colaborador) e efeitos potenciais futuros (benefícios de acordo com a efetividade). Dessa forma, a homologação tem como objetivo não influir na negociação das partes, mas zelar pela sua forma e pela falta de inadequações viciosas no negócio, bem como sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Isto posto, conceituado o instituto e a função da homologação do acordo, passa-se à análise dos diferentes entendimentos acerca da colaboração premiada no que tange à fixação do Juízo competente para a sua homologação. VERÍSSIMOiii tende a entender o instituto como um meio de obtenção de prova, deixando de lado por vezes seu caráter de estratégia defensiva. A autora não ignora os aspectos relativos aos direitos do colaborador quando da homologação do pacto, mas tem como entendimento mais presente o de que o juízo competente para a homologação é aquele que é responsável pelo deferimento de outros meios de obtenção de prova, como a interceptação telefônica. A partir dessa premissa, VERÍSSIMO analisa algumas possíveis situações mais complexas, sem intenção de esgotá-las. A primeira refere-se à fase processual a qual o acordo é encaminhado para a homologação, seja pré-processual ou processual, considerando também a possibilidade de recursos a outras instâncias. Nessa hipótese, a autora sustenta que o acordo homologado em segunda instância já possui validade em qualquer jurisdição. Em seguida, na discussão sobre a prerrogativa de foro, VERÍSSIMO coloca que, se o colaborador for detentor de foro privilegiado, o acordo deve ser homologado perante o tribunal com competência para julgá-lo e processá-lo. Dentro da possibilidade de os atos delitivos terem sido praticados em diferentes jurisdições territoriais, a sugestão da autora é que os diferentes membros do Ministério Público nas jurisdições envolvidas atuem na negociação do acordo, separando os fatos em "anexos" a fim de preservar o sigilo. Dessa maneira, isola-se o que os magistrados de cada territorialidade terão acesso acerca dos fatos delatados, garantindo que serão analisados somente os aspectos importantes para aquela homologação. Caso isso não seja possível, a autora sugere, para a proteção do próprio colaborador, que os dados da colaboração não sejam compartilhados. Isso vale também a terceiros interessados, que devem aderir aos termos do acordo para que acessem seus benefícios. Por fim, VERÍSSIMO propõe algumas soluções relativas às hipóteses de modificações da competência referentes à conexão e à continência. Nesse ponto, assevera que se um dos delatados possuir foro privilegiado, a competência para a homologação do acordo é do tribunal de maior graduação. Além disso, defende que, dentro dos órgãos colegiados, a competência é do relator e, nos casos em que existem tanto crimes federais como estaduais, a competência é da Justiça Federal. Nota-se que a Procuradora Federal foca no acordo como um meio de obtenção de prova, de modo que os meios que sugere para solução dos conflitos de competência partem desse aspecto do acordo. Nessa linha, em análise jurisprudencial acerca do tema, VASCONCELLOSiv parece seguir a mesma vertente teórica do acordo de colaboração premiada como meio de obtenção de prova para definição do juízo competente para homologação. O autor afirma que a lógica adotada pelas Cortes Superiores costuma ser a mesma relacionada a pedidos de quebra de sigilos e de interceptações telefônicas e telemáticas, restando, portanto, coerentes os critérios tradicionais como determinantes. Faz apenas duas ressalvas: quando houver prerrogativa de foro, a homologação só será efetiva em relação a fatos delatados correspondentes à investigação matriz; e há a vinculação do órgão colegiado ao acordo quando a homologação é feita monocraticamente pelo relator. Do mesmo modo, ao se debruçar sobre o entendimento do Superior Tribunal Federal, LINHARESv conclui que a homologação do acordo compete ao juízo responsável pela autorização de outras medidas investigativas e, nos órgãos colegiados, o relator é o responsável, mas a vinculação do colegiado se dá na medida da efetividade dos elementos colhidos. REINALDETvi, por sua vez, compõe uma vertente teórica diversa da apresentada anteriormente. O texto do autor procura demonstrar outra perspectiva acerca da definição de competência para a homologação do acordo de colaboração premiada, que considera sua natureza de estratégia defensiva, com fundamento em decisões jurisprudenciais, especialmente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Assim, o autor expõe duas principais hipóteses de fixação da competência nos casos de homologação do acordo de colaboração premiada. A primeira aproxima-se da exposta por VERÍSSIMO, VASCONCELLOS e LINHARES, segundo a qual o juízo que está legalmente habilitado para processar e julgar os fatos delatados é o competente para homologar o acordo de colaboração. Dessa forma, tem-se que a territorialidade, a materialidade e a prerrogativa de função são determinantes para a escolha do juízo que homologará o acordo premial. Além disso, nos casos de maior complexidade, REINALDET aponta para a possibilidade de uma pluralidade de decisões de homologação, especialmente se utilizados os critérios das competências territorial e material. Ainda, o autor afirma que há uma tendência de que, quando utilizado o critério por prerrogativa de foro para definição do juízo competente, não exista a pluralidade de decisões de homologação, e sim de uma decisão advinda de um tribunal de instância superior, na linha do que defende a primeira vertente apresentada. Entretanto, REINALDET vai além e apresenta outra proposta para a determinação do juízo competente à homologação do acordo, na qual se abandona os critérios clássicos e adota-se o critério de designação. A proposta defendida dentro dessa segunda vertente é a de que o juízo que homologará o acordo é aquele responsável pelas ações em que os efeitos do acordo - isto é, os benefícios concedidos ao colaborador - serão aplicados. Segundo o autor, no caso de o acordo gerar efeitos em diferentes processos penais em curso, a jurisprudência tem demonstrado dois entendimentos: a multiplicidade de decisões de homologação; ou, havendo processos em diferentes graus de jurisdição, o da instância superior já valeria para as inferiores envolvidas. Assim, fica clara a distinção entre a primeira vertente exposta, em que o juízo competente para a análise é o mesmo responsável pelo deferimento de outros meios de obtenção de prova; e a proposta apresentada pela segunda vertente, que considera o juízo competente para homologar o acordo aquele que exerce jurisdição no local em que se realizam os efeitos do pacto. A homologação do acordo de colaboração premiada ainda não possui uma regulamentação procedimental exaustiva, mesmo com a promulgação de novas leis sobre o tema. A jurisprudência fica, então, incumbida do preenchimento de diversos vácuos deixados pela legislação acerca do tema da colaboração premiada. Comparando os conceitos das duas vertentes analisadas, conclui-se que a jurisprudência e a doutrina têm considerado as diferentes naturezas do acordo de colaboração premiada - ora como meio de obtenção de prova, ora como estratégia defensiva - para concluir qual o juízo competente para a homologação do acordo. Nesse sentido, o entendimento da segunda vertente parece ter sido desenvolvido a partir dos padrões estabelecidos pela primeira vertente, conferindo enfoque maior ao aspecto defensivo da colaboração premiada. _______________ i MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a autonomia da vontade. In. BOTTINI, P. C.; MOURA, M. T. de A. Colaboração premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. ii BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A homologação e a sentença na colaboração premiada na ótica do STF. In. BOTTINI, P. C.; MOURA, M. T. de A. Colaboração premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. iii VERRÍSSIMO, Carla. Principais questões sobre a competência para a homologação do acordo de colaboração premiada. In. BOTTINI, P. C.; MOURA, M. T. de A. Colaboração premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. iv VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Ebook. v LINHARES, Raul Marques. O acordo de colaboração premiada e os efeitos da sua homologação no entendimento do Supremo Tribunal Federal. In. CALLEGARI, André L. Série IDP - Colaboração premiada. São Paulo: Saraiva, 2019. vi REINALDET, Tracy. A competência para homologar o acordo de colaboração premiada. In. GEBRAN NETO, João Pedro. Colaboração premiada: perspectivas teóricas e práticas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2020.
O Direito Penal Econômico vem ganhando protagonismo nos últimos anos e, mais do que isso, vem proporcionando o fenômeno intitulado patrimonialização no processo criminal.1 É nesse cenário que se vislumbra o crescimento dos pleitos de constrição patrimonial no bojo do Processo Penal brasileiro, sobretudo das pessoas jurídicas, notadamente no âmbito de grandes Operações deflagradas pelos órgãos investigativos. Como se bem sabe, as pessoas jurídicas, no Brasil, podem responder criminalmente apenas e tão somente nas hipóteses de crimes ambientais. Assim, em um primeiro olhar, poder-se-ia concluir que o patrimônio de uma pessoa jurídica só poderia ser arrestado e/ou sequestrado nessas ocasiões. Ocorre, no entanto, que não é esse o entendimento que vem sendo construído a respeito do tema pelo Superior Tribunal de Justiça, que compreende ser possível constringir o patrimônio da pessoa jurídica, independentemente de se tratar de crime ambiental ou não. A saber: "não há necessidade de que a pessoa jurídica tenha sido denunciada por crime para que lhe sejam impostas medidas cautelares tendentes a recuperar o proveito do crime, a ressarcir o dano por ele causado ou mesmo a prevenir a continuação do cometimento de delitos".2 Porém, a questão do bloqueio patrimonial de pessoas jurídicas não pode ser analisada sob um olhar simplista, sob pena de desconsiderar-se por absoluto o manto da pessoa jurídica - que assegura a separação patrimonial de pessoas físicas e jurídicas. Nesse sentido, é importante rememorar uma importante distinção entre as medidas cautelares de sequestro e arresto: consoante disciplina o artigo 125 do Código de Processo Penal, o sequestro recai sobre o produto do crime, ainda que ele esteja sob a posse de terceiros. Ou seja, tem por escopo assegurar a perda de bens e valores do condenado com o advir da sentença penal condenatória. Visa, portanto, operacionalizar a disciplina do artigo 91, II do Código Penal, que prevê como efeito da condenação a perda dos instrumentos ou produtos do crime.3 No arresto, por outro lado, tem-se como objetivo acautelar o patrimônio do investigado para o adimplemento de custas e emolumentos processuais, bem como assegurar o ressarcimento da vítima em caso de fixação de indenização mínima em seu favor (art. 387, IV do Código de Processo Penal). Ou seja: pode recair sobre o bem lícito do acusado, sem prejuízo de limitar-se, tal qual no arresto, ao produto do crime (ou seu equivalente). Confere, portanto, efetividade ao art. 91, I do Código Penal, que prevê ser efeito da condenação tornar certa a obrigação de indenizar.  Dito isso, evidencia-se que apenas e tão somente o sequestro pode recair sobre os bens da pessoa jurídica: eis porque, conforme sobredito, essa medida assecuratória recai sobre o produto do crime, que eventualmente pode estar imiscuído na esfera do patrimônio de outrem - inclusive da pessoa jurídica. Assim, considerando que o artigo 125 admite a possibilidade de acautelar o produto de crime que está inclusive sob a posse de terceiro, denota-se que poderá recair sobre a pessoa jurídica. Basta que o órgão acusador faça prova do nexo causal - ou seja, demonstre que o bem que se pretende sequestrar foi adquirido com o produto do crime - no pleito cautelar. Por outro lado, conclusão distinta se tem na situação do arresto. Conforme visto, a medida cautelar do arresto poderá recair sobre o patrimônio lícito do acusado e volta-se ao adimplemento de obrigações acessórias à condenação. São, portanto, obrigações personalíssimas que recaem única e exclusivamente a pessoa do acusado. Assim, não é possível - e é atécnico - que recaia sobre o patrimônio daquele que não é respondante da Ação Penal.4 Se houver a utilização dos bens para adimplemento de indenizações, pena de multa e demais emolumentos processuais, haverá uma evidente hipótese de incidência da pena para além do condenado, o que é constitucionalmente vedado. Acaso o Ministério Público faça prova de que o acusado se valeu da pessoa jurídica para blindar o seu patrimônio, vem surgindo o entendimento acerca da possibilidade de aplicação do incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica (art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil). Faz-se necessário, para tanto, demonstrar a confusão patrimonial ou do desvio de finalidade da empresa (art. 50 do Código Civil). Neste sentido foi o voto do Ministro Olindo Menezes - desembargador convocado do TRF da 1ª Região - no julgamento do RMS 61.084 do STJ. Em seu voto, dissertou que: Tendo a empresa personalidade jurídica e patrimônio próprios, independentemente dos seus sócios, não parece defensável, e sem que tenha havido a desconsideração inversa da personalidade jurídica (afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio), que tenha a sua sobrevivência posta em risco e mesmo comprometida - deixando de pagar empregados, tributos, fornecedores etc.-, em razão de crimes dados como perpetrados pelo seu sócio, e por conduta alheia ao seu objeto social, em franca violação do exercício da atividade econômica, fundada na livre iniciativa (art. 170 - CF) e, no limite, do direito de propriedade, que tem a proteção constitucional (art. 5º, caput e inciso XXII). O grande problema que a prática nos desvela é que, muitas vezes, não se tem o cuidado técnico em realizar a separação do que é arresto e sequestro. Não raras vezes o pleito de constrição patrimonial é realizado de forma genérica, sem a indicação do que efetivamente é produto do crime e do que efetivamente servirá para adimplemento de questões processuais, sobretudo no bojo do Processo Penal que apura delitos econômicos. Eis, então, a necessidade de constante aprofundamento do estudo cautelares patrimoniais no Processo Penal, para o fim de coibir celeumas como a exposta nas linhas acima.  ______________ 1 LUCCHESI, Guilherme Brenner; ZONTA, Ivan Navarro. Sequestro dos proventos do crime: limites à solidariedade na decretação de medidas assecuratórias. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 2, p. 735-764, maio/ago. 2020. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i2.353. 2 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 60.818/SP da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Brasília, DF, 20 de ago. 2019.  3 BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 6 ed (ebook). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. 4 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O bloqueio de bens de empresas em crimes de lavagem de dinheiro. Consultor Jurídico, São Paulo, 05 de ago. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-05/direito-defesa-bloqueio-bens-empresas-crimes-lavagem-dinheiro. Acesso em 31 de mar. 2022.
Com o advento da lei 12.850/13 a colaboração premiada, embora já prevista anteriormente em outros dispositivos legais, ganhou popularidade, tornando-se - metaforicamente - combustível das grandes operações e maxiprocessos penais. Aquele que milita com o Direito Penal Econômico, então, recorrentemente se depara com o instituto, seja na defesa dos interesses daquele que pretende colaborar ou daquele que é citado pelo colaborador. Resta relevante à execução das atividades do advogado inserto em tal contexto a questão da possibilidade (ou não), quando atuando em favor de terceiro delatado, de impugnação do acordo de colaboração premiada. Exemplo da pertinência do tema foi a alteração legislativa trazida pelo Pacote "Anticrime" (lei 13.964/2019), com a inclusão do §7º-B no art. 4.º da lei 12.850/13, o qual determina a nulidade de cláusulas prevendo a renúncia ao direito de impugnar a decisão homologatória do acordo - aqui, em relação ao colaborador. Assim, destacado o valoroso interesse que o tema tem para o cotidiano do advogado criminalista, breve análise sobre a temática será apresentada no intuito de fundamentar a possibilidade de impugnação do acordo de colaboração premiada pelo terceiro delatado, iniciando a abordagem pelo posicionamento jurisprudencial quanto ao tema. Em 2015, no julgamento do Habeas Corpus n.º 127.483, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime do plenário, definiu que terceiro delatado não tem legitimidade e interesse para impugnar acordo firmado entre Estado-persecutor e colaborador. Uma das razões mencionada no acórdão de relatoria do Min. Dias Toffoli faz referência ao art. 4º, §7º da lei 12.850/2013, indicando a limitação do juízo homologatório à aferição da regularidade, da voluntariedade e da legalidade do acordo. De tal modo, inexistiria juízo de valor na análise homologatória quanto às declarações prestadas pelo colaborador1. Sobredito posicionamento do STF também prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça, o qual, em 2017, no julgamento da Ação Penal n.º 843/DF, distinguiu o acordo de colaboração de seu conteúdo, afirmando que as cláusulas deste não repercutem na esfera jurídica de terceiros - "nem sequer remotamente", razão pela qual inexistiria interesse jurídico ou legitimidade para impugnação do acordo celebrado2. É inquestionável o fato de que a colaboração premiada se apresentou como combustível de grande parte das operações midiáticas deflagradas nos últimos anos e, portanto, representa papel importante para o Acusador Público na construção de narrativas para a persecução penal. Se esse meio de prova - é assim que a colaboração é definida no art. 3.º-A da lei 12.850/2013 (com redação dada pela lei 13.964/19) -, é pivô no processo penal, evidente que deve ser garantido ao acusado o exercício da ampla defesa e do contraditório em face do apresentado pelo colaborador. Os limites de tal exercício, contudo, ainda não parecem claros e bem delimitados. Não pretendendo exaurir a ratio decidendi de ambos os posicionamentos, as Cortes Superiores afirmaram que o terceiro, pela garantia do inciso LV do art. 5.º da Constituição da República, tem o direito de impugnar o conteúdo apresentado pelo colaborador ao longo da instrução penal, o que afastaria o interesse deste na impugnação em momento processual anterior3.  Ressaltaram também o caráter de negócio jurídico personalíssimo firmado pelo colaborador, do que se extrairia a ausência de legitimidade e de interesse jurídico para que o terceiro delatado impugnasse o acordo. O posicionamento adotado pelo STF em 2015 permaneceu firme na jurisprudência até o ano de 2018. Contudo, no julgamento do Habeas Corpus n.º 151.605, a 2.ª Turma afastou a aplicação do precedente estabelecido, permitindo a impugnação por terceiro nos casos de decisão homologatória que desrespeite a prerrogativa de foro, sob o entendimento de que o ponto não se relacionaria aos termos do acordo, mas à competência para a sua homologação4. A mencionada relativização ao posicionamento firmado pelo Plenário teve mais dois episódios importantes em 2020. No julgamento dos Habeas Corpus n.º 142.205 e 143.427 - oriundos da Operação Publicano5 -, a 2.ª Turma mais uma vez acatou a possibilidade de que o acordo de colaboração premiada fosse impugnado por terceiros delatados. Vale destaque para o posicionamento do Min. Gilmar Mendes, relator dos writs, que afirmou como "evidente e inquestionável" a afetação da esfera jurídica de terceiros a decisão que homologa acordos ilegais e ilegítimos6. Analisando a decisão, DE-LORENZI e CEOLIN pontuam a incidência dos acordos de colaboração premiada em duas esferas de interesse, quais sejam: (i) os interesses dos corréus delatados, dado que poderiam acarretar gravoso impacto à esfera de direitos daqueles e (ii) os interesses coletivos da sociedade, visto que tratam da possibilidade de concessão de benefícios penais pelo Estado7. Assim, percebe-se a tendência pela admissibilidade da impugnação dos acordos pelos terceiros delatados. Não obstante, como expõem os autores, persistem alguns "questionamentos relacionados à diminuição do âmbito de aplicação, ressalvas em relação às suas premissas e, até mesmo, discordâncias em relação ao posicionamento paradigmático assentado pelo Pleno do Tribunal no julgamento do HC 127.483"8. Por outro lado, verifica-se a ausência de limites e premissas claras quanto à possibilidade de impugnação. É o que, de forma breve, pretende-se abordar no presente artigo. O primeiro ponto de destaque em relação ao tema da impugnação é a distinção entre (a) vícios do negócio jurídico e (b) vícios relacionados à decisão de homologação. Embora os efeitos práticos da impugnação de acordo que contenha o primeiro ou o último vício possam ser similares, o fundamento para o questionamento de cada um deles difere entre si. Quanto aos vícios do negócio jurídico faço referência, novamente, ao trabalho de DE-LORENZI e CEOLIN que tratam brilhantemente do tema. A análise dos autores aborda a natureza jurídica da colaboração premiada, focando em sua caracterização como negócio jurídico de natureza mista: processual e material9. Após, é examinado o acordo sob a ótica da teórica civilista dos contratos - tal como fundamentado no HC n.º 127.483 pelo Pleno do STF -, chegando à conclusão de que, mesmo presentes tais características, não há impedimento à impugnação por terceiro cujos interesses seriam prejudicados pelo negócio, caso do delatado10. Avançando na abordagem, em oposição ao entendimento que até então prevalecia nas Cortes Superiores (mencionado no início deste artigo), os autores demonstram a existência de interesse do terceiro delatado na impugnação pelo reconhecimento da ilicitude por derivação da prova oriunda de negócio jurídico inválido - no caso, a colaboração11. No mais, os autores concluem pela impropriedade da leitura civilista do acordo de colaboração premiada, apresentando uma concepção publicista deste, inspirada na teoria dos contratos do Direito Administrativo12. A abordagem apresentada por DE-LORENZI e CEOLIN soa bastante correta, principalmente ao refutar a leitura civilista da colaboração premiada, o que, aparentemente, ocorre tão somente pela ausência de disciplina legal que reconheça a natureza jurídica do instituto e dê o enfoque necessário ao tema dos negócios jurídicos penais e processuais penais. Em síntese, o que remanesce indubitável das conclusões apresentadas pelos autores é a possibilidade de impugnação pelo terceiro delatado do acordo inválido, o que, de acordo com a teoria civilista dos contratos, corresponde àquele que não cumpre os requisitos legais - no caso, os expressos nos incisos do §7º do art. 4º da lei 12.850/13. Apresentada uma das vertentes, resta a análise dos casos em que há vícios relacionados à decisão de homologação. O primeiro ponto de enfrentamento quanto à impugnação das decisões homologatórios é a ausência de previsão legal do instrumento cabível para tanto. Contudo, não é caso isolado no ordenamento jurídico brasileiro a inexistência de previsão de meio específico para o controle de validade das decisões que homologam os acordos celebrados. Não seria essa a razão, por conseguinte, para impedir a impugnação pelo terceiro delatado, na esteira do pensamento de PACELLI, ao afirmar que eventual homologação judicial de acordo ilegal não o legitimaria, ensejando, enfim, seu questionamento em instâncias superiores "como qualquer outra decisão judicial"13. O pensamento é compartilhado por DIDIER JR. e BOMFIM. A decisão homologatória pode ser prejudicada pela transmissão de vícios do negócio jurídico ou conter vício próprio - tal como nos casos de homologação por órgão jurisdicional incompetente -, o que torna indispensável a existência de exercício do controle de validade das decisões de homologação14. Esse parece ter sido o caminho tomado pela 2ª Turma do STF, embora pela tortuosa aplicação do in dubio pro reo com o empate, no julgamento dos Habeas Corpus nº 143.427 e 142.205, apresentados mais acima. Da mesma forma como ocorre com outros meios de obtenção de prova - interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, fiscal e telemático etc. - não deve o indivíduo incriminado na narrativa do colaborador e, posteriormente, denunciado com base em tal incriminação, "suportar os prejuízos de se responder a uma ação penal nula de plano"15. Nesse sentido, MARIANA ALMEIDA defende a pertinência constitucional da possibilidade de terceiros impugnarem a validade do acordo, como negócio jurídico, e da decisão de homologação16. Ainda, cabe destacar que a impugnação dos acordos ilegais, a priori, não implica em prejuízo ao colaborador, mormente porque não pode a ele ser imputado eventual vício no juízo homologatório, como nos casos de incompetência do órgão jurisdicional. Inclusive, foi nesse sentido que o Min. Gilmar Mendes, ao conceder a ordem de ofício declarando a nulidade de acordo de colaboração premiada no julgamento dos Habeas Corpus nº 143.427 e HC 142.205, reconheceu que os benefícios firmados com os colaboradores não seriam afetados, com fundamento na segurança jurídica. Portanto, parece estar bem estabelecido que não deve ser negada ao terceiro delatado a possibilidade de questionar a validade do acordo entabulado e eventual vício presente no juízo homologatório, sobretudo porque não se visa, nesses casos, discutir o conteúdo do acordo, mas a sua legalidade, princípio tão caro ao Direito Penal. Pensar em contrário, recorrendo à terminologia acertadamente proposta por GIZELA DE ARAÚJO, levaria à criação de categoria probatória imune a impugnações17, o que deve ser rechaçado na persecução penal de um Estado Democrático de Direito. O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR.  __________ 1 STF - HC 127.483/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 27.08.2015, DJe de 4/2/2016. 2 STJ, Ação Penal 843/DF, Corte Especial, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 06.12.2017. 3 "De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes delatados - no exercício do contraditório - poderão confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor." STF - HC 127.483/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 27.08.2015, DJe de 4/2/2016. 4 STF, HC 151605/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 20.03.2018. 5 Operação que investiga esquema de corrupção no âmbito da Receita Estadual no Paraná. 6 STF, HC 142.205/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 25.08.2020; STF, HC 143.427/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 25.08.2020 (Inteiro teor, p. 17). 7 DE-LORENZI, Felipe da Costa; CEOLIN, Guilherme Francisco. A impugnação da colaboração premiada pelo delatado na jurisprudência do STF: uma análise de seus fundamentos e elementos para uma compreensão penal do negócio jurídico. Revista do Instituto de Ciências Penais, Belo Horizonte, v. 6, n. 2, p. 347-385, 2021. p. 353. 8 Idem. 9 Ibid, p. 356. 10 Ibid, p. 361 11 Ibid, p. 370-371. 12 "A colaboração premiada consiste em negócio jurídico em matéria penal e processual penal. Assim, a concepção privatista não pode ser simplesmente transplantada para o Direito Penal e Processual Penal, sendo necessário fazer as devidas adaptações aos fundamentos e fins destes ramos do Direito. Para tanto, pode ser de grande auxílio a compreensão dos contratos no Direito Administrativo, já que, por fazer parte do Direito Público, tem maior proximidade com o Direito Penal, compartilhando a submissão à lógica dos direitos indisponíveis, dos interesses públicos e da legalidade." Ibid, p. 379. 13 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 884. 14 DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela. Colaboração premiada (Lei n. 12.850/2013): natureza jurídica e controle da validade por demanda autônoma: um diálogo com o Direito Processual Civil. Civil Procedure Review, [S.l.], v. 7, n. 2, p. 135-189, may.-aug. 2016. 15 ALMEIDA, Mariana Ribeiro de. Impugnação do acordo de colaboração premiada pelo terceiro delatado: limites e critérios. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 25-53. São Paulo: RT, maio 2021. 16 Idem. 17 DE ARAÚJO, Gisela Borges. Da legitimidade do delatado para impugnação do acordo de delação premiada. In: Colaboração premiada: aspectos teóricos e práticos. André Luís Callegari (coord.). São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 134.
O debate acerca da possibilidade de concurso entre os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro é frequente e dotado de extrema relevância, especialmente nos casos em que os atos de ocultação e dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente são empregados concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao seu beneficiário. Neste cenário, cabe realizar um cotejo analítico do decidido pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria na Ação Penal  470/MG e no Habeas Corpus 165.036/PR, dois importantes precedentes que defrontaram a (des)necessidade de aplicação do princípio da consunção entre os crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro. A partir das especificidades dos casos concretos que deram ensejo às referidas ações e dos argumentos utilizados pelos Ministros para formarem o seu convencimento, busca-se analisar se houve uma mudança no entendimento anteriormente consolidado pela Corte, ou se as circunstâncias envolvendo os casos eram realmente distintas. No âmbito da AP 470/MG, o então deputado federal João Paulo Cunha (PT/SP) havia sido condenado pelo crime de lavagem de dinheiro, o qual teria se configurado - segundo a versão apresentada pelo Ministério Público Federal - em razão do modo como foram efetuados os repasses dos valores originados no crime de corrupção, consistente na perpetração de fraude para que os dados relativos aos verdadeiros beneficiários dos cheques sacados no Banco Rural não fossem repassados aos órgãos oficiais de fiscalização. Além de se utilizar dessa estrutura, João Paulo Cunha enviou sua esposa para receber os valores em seu lugar, supostamente com a intenção de encobrimento da operação. Irresignado com a condenação, o réu opôs embargos infringentes, postulando a prevalência dos votos vencidos que o absolveram da prática do referido crime. Por ocasião do julgamento dos Sextos Embargos Infringentes na AP 4701, a principal controvérsia a ser esclarecida dizia respeito a definir se a utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina seria, por si só, suficiente para caracterizar também o crime de lavagem de dinheiro. Ao final, o Tribunal, por maioria, acolheu os embargos infringentes para absolver o embargante do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do voto do ministro Roberto Barroso, estabelecendo um importante precedente no que diz respeito a duas questões principais, que serão objeto de análise mais detida a seguir. Em primeiro lugar, fixou-se o entendimento acerca da possibilidade da criminalização da autolavagem, desde que existentes atos de ocultação autônomos e posteriores à prática do crime antecedente. Nesse sentido, destacou o ministro Roberto Barroso que "o recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro"2. Estabelecida essa primeira premissa, o Plenário da Corte decidiu, ainda, que o recebimento de propina constitui o marco consumativo do delito de corrupção passiva, na modalidade objetiva "receber", sendo indiferente que o crime seja praticado com elemento de dissimulação. Sobre esse ponto, o ministro Roberto Barroso, ao rememorar que o tipo da corrupção passiva é misto alternativo, podendo ser praticado nas modalidades de aceitação, solicitação ou recebimento da vantagem indevida, considerou que não seria possível vislumbrar no recebimento do benefício ilícito um ato posterior ao delito de corrupção, tendo em vista que a denúncia descreveu as condutas de corrupção praticadas pelo réu nas modalidades de "aceitar" e "receber"3. No mesmo sentido foram os fundamentos apresentados pela ministra Rosa Weber, de que o recebimento da vantagem indevida pelo réu naquele caso, mesmo que por intermédio de sua esposa, foi ato consumativo do crime de corrupção passiva. A ministra destacou, ainda, que o fato de o repasse dos valores ter se operado às escuras "nada mais é do que elemento ínsito ao delito de corrupção passiva, pois (...) quem recebe vantagem indevida em razão do cargo não o faz à luz do sol, mas sim às escondidas"4. Com relação à circunstância de o recebimento da vantagem indevida ter se operado por meio de interposta pessoa, o ministro Teori Zavaski apontou que a utilização de um terceiro para o recebimento dos valores não seria meio idôneo para caracterizar a ação de "ocultar" reclamada pelo tipo da lavagem de dinheiro, o qual exige, além disso, "a existência de um contexto capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores"5. O entendimento ora fixado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da consunção entre os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro foi reiterado pela Corte em vários outros casos posteriores6, sendo um marco decisório sobre a matéria. Contudo, mesmo com esta aparente consolidação jurisprudencial, a 2.ª Turma do STF foi chamada a se manifestar no HC nº 165.036/PR7, ocasião em que os ministros foram novamente defrontados com questões similares àquelas anteriormente tratadas no "caso Mensalão". O Habeas Corpus tinha como paciente o então deputado federal Eduardo Consentino da Cunha (PMDB/RJ), o qual fora condenado pela prática dos delitos de corrupção passiva, lavagem de bens e evasão de divisas, porquanto teria recebido vantagem indevida na negociação da aquisição, pela Petrobrás, dos direitos de participação na exploração do campo de petróleo na República do Benin. Antes, porém, de efetivamente tomar posse dos valores ilícitos, o paciente, por intermédio de terceiros, transferiu a propina para empresas offshore e um trust, bem como os deslocou para instituições financeiras na Suíça, por meio de depósitos sub-reptícios. Segundo o édito condenatório, o recebimento das quantias oriundas de propina em conta secreta no exterior, as transferências sucessivas para outras contas clandestinas e a ocultação dessas contas e valores das autoridades brasileiras, afastar-se-iam da simples percepção de vantagem indevida por intermédio de terceira pessoa, configurando crime de lavagem de dinheiro. A defesa do acusado, por outro lado, suscitou haver consunção entre os delitos de corrupção passiva e lavagem de capitais, considerando a ausência de qualquer ato de lavagem posterior à consumação do delito de corrupção, na modalidade de recebimento indireto. No deslinde do julgamento, a 2.ª Turma, por unanimidade, reconheceu a existência de concurso entre o crime de lavagem e de corrupção, afastando a aplicação do princípio da consunção. Para tanto, o ministro Edson Fachin - relator do acórdão - asseverou que nos embargos de infringência sextos e décimos sextos da AP nº 470/MG, restara consolidada a possibilidade de sanção penal pela autolavagem, desde que houvesse a existência de atos autônomos ao resultado patrimonial do crime antecedente. À vista disso, a questão fulcral colocada pelo julgador seria avaliar se, no caso em espécie, a ação tida como delituosa desbordava, ou não, do juízo de reprovabilidade estabelecido no tipo penal do crime antecedente, a fim de se averiguar a existência de concurso aparente de normas. Por essa razão, o acórdão destacou que, ao contrário do ocorrido na AP nº 470/MG, existiam atos autônomos de lavagem na espécie. Segundo o julgado, o expediente utilizado no "caso Mensalão" - simples recebimento de propina por conta bancária de terceiro - não se revelaria apto para alcançar, por si só, a tipicidade objetiva do crime de lavagem. Para tanto, seriam necessários atos adicionais, que efetivamente mascarassem a origem dos bens, a fim de ultrapassar a espacialidade do delito de corrupção8. Já no cenário em exame, não se tratava de mero recebimento indireto da vantagem indevida, contando com mecanismos aptos a ocultar os recursos ilícitos e dissimular a sua titularidade, razão pela qual era justificada a condenação por lavagem de capitais. Por sua vez, a vogal do acórdão, ministra Carmen Lúcia, mencionou serem nitidamente distintos os contextos em que ocorreram a corrupção e a lavagem no caso em tela, ainda que houvesse alguma simultaneidade entre o fim de um e o início do outro. A fim de verticalizar seu entendimento, a ministra relembrou o julgado na AP nº 644/MT, na qual restou consignado que, para constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem, o aspecto central é verificar se houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Vale dizer, "se houver desígnios distintos, um voltado à percepção da vantagem e outro à ocultação da origem criminosa mediante o distanciamento do agente do produto do crime, compreendo presentes ambas as figuras delitivas"9. Diante de tais fundamentos, a 2ª Turma, por unanimidade, indeferiu o remédio heroico, decidindo que, o fato de existir eventual coincidência temporal entre o recebimento da propina oriunda do crime de corrupção, e a implementação de atos autônomos de lavagem de capitais, "não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem". Cotejando ambas as decisões minuciadas, pode-se concluir que, ainda que os julgadores do HC nº 165.36/PR ressaltem por diversas vezes que não houve alteração de qualquer entendimento pela Corte, tal afirmação é questionável. Com efeito, tanto neste caso, como na AP nº 470/MG, manteve-se o entendimento sobre a criminalização da autolavagem no Brasil, bem como sobre a possibilidade de haver concurso entre corrupção e lavagem de dinheiro. Ademais, conforme ressaltado pelos ministros, os atos constitutivos da suposta lavagem na AP nº 470/MG foram visivelmente distintos e menos complexos em comparação àqueles empregados por Eduardo Cunha. Contudo, é problemático se afirmar que os fundamentos aventados no "caso Mensalão" permaneceram incólumes, especialmente porque, como destacado acima, o Plenário havia decidido que a incriminação da autolavagem "pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)". Outrossim, para que houvesse a possibilidade de concurso entre corrupção e lavagem, seria necessária a identificação de "atos posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida"10. Não só é duvidoso afirmar que já teria havido a consumação completa do delito de corrupção antes mesmo do recebimento da propina11, como também, conforme sustentado pelos próprios ministros, os atos de lavagem não foram posteriores - tal como consignado na AP nº 470/MG -, mas concomitantes aos de corrupção, mais uma vez demonstrando uma alteração no entendimento até então consolidado. Por derradeiro, conclui-se que o HC n.º 165.036/PR constitui precedente paradigmático aos casos envolvendo crimes de corrupção e lavagem de capitais, mormente por sustentar que para o reconhecimento deste último delito, o fulcral não seria a identificação de atos subsequentes à consumação do crime de corrupção, mas sim a existência de atos típicos de lavagem e a verificação do dolo do agente em dissimular a origem ilícita da propina, mesmo que ainda não efetivamente recebida. O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR.  *Milena Holz Gorges é acadêmica de Direito da UFPR. Estagiária da Lucchesi Advocacia. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR. **Pedro Henrique Nunes é acadêmico de Direito da UFPR. Estagiário do escritório Lamers Advogados. Membro fundador e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR. __________ 1 STF, Tribunal Pleno, AP 470 EI-sextos, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julg. 13 mar. 2014. 2 Ibid., p. 31 do inteiro teor do acórdão. 3 Ibid., p. 29-30 do inteiro teor do acórdão. 4 Ibid., p. 58 do inteiro teor do acórdão. 5 Ibid., p. 42 do inteiro teor do acórdão. 6 "[...] 16. A possibilidade da incriminação da autolavagem "pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)" (AP 470-EI-sextos, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 21.8.2014; AP 470-EI-décimos sextos, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ o ac. o Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 21/8/14). 17. Na narrativa contida na denúncia, não se verifica a prática de condutas autônomas por parte dos acusados apta à configuração do crime de lavagem de dinheiro. 18. Ação penal julgada improcedente." (STF, 2.ª T., Ação Penal nº 1.003, Rel. Min Edson Fachin. Rel. p/ o Acórdão Min. Dias Toffoli, j. 19 jun. 2018). "[...] LAVAGEM DE DINHEIRO - CORRUPÇÃO PASSIVA - EXAURIMENTO - ATIPICIDADE. O ato de receber, de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998. Precedente: sextos embargos infringentes na ação penal nº 470, Pleno, redator do acórdão o ministro Luís Roberto Barroso." (STF, 2.ª T., Inq. n.º 3.515, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 08 out. 2019). 7 STF, 2.ª T., Habeas Corpus nº 165.036/PR, Relator Min. Edson Fachin. j. 10 mar. 2020. 8 Ibid., p. 20 do inteiro teor do acórdão. 9 STF, 2.ª T., Ação Penal nº 644/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 16 mar. 2018. 10 STF, Tribunal Pleno, Ação Penal nº 470/MG EI-sextos. Rel. Min. Luiz Fux, Relator para Acórdão Min. Roberto Barroso, j. 21 ago. 2014. Ibid., p. 31 do inteiro teor do acórdão. 11 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro na APn 470 (parecer). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 22, n. 110, p. 475-495, set./out. 2014.
A edição da súmula vinculante 24 pelo STF1 constituiu um marco importante no campo do direito penal econômico, especificamente dos delitos tributários. A partir dela, passou a ser pressuposto para a tipificação dos crimes materiais contra a ordem tributária (incisos I a IV do art. 1 da lei 8.137/90) a constituição definitiva do crédito tributário. Até a edição da súmula vinculante, o exaurimento da esfera administrativa, culminada no lançamento definitivo do tributo, era tido por necessário para o oferecimento de denúncia ou mesmo a instauração de inquérito, discutindo-se a possibilidade de suspensão do prazo prescricional até o seu termo. Não havia entendimento consolidado a respeito de sua natureza jurídica, se condição de procedibilidade, condição objetiva de punibilidade ou hipótese sui generis de impedimento do lapso prescricional.2 A partir da aprovação da SV 24, a tipicidade dos crimes materiais contra a ordem tributária passou a depender do lançamento definitivo do tributo, de modo que qualquer conduta do agente até este momento é penalmente irrelevante. Deste modo, antes da constituição definitiva do crédito tributário é ilegal a autorização de buscas e apreensões, interceptações telefônicas, quebras de sigilos e medidas cautelares pessoais ou patrimoniais. A inviabilidade da prática de qualquer ato da persecução penal antes do término do processo administrativo fiscal levou a Procuradoria-Geral da República a requerer a revisão da redação do preceito sumular no bojo da Reclamação 16.087/SP3. Nesta ação, o reclamante sustentava a ilegalidade da abertura de inquérito para apuração do crime de sonegação fiscal ante a ausência de lançamento definitivo do tributo. O relator, ministro Celso de Mello, não propôs a revisão da SV 24, mas deixou de aplicá-la no caso, invocando entendimento da Corte quanto à legalidade de atos de investigação praticados antes da constituição definitiva do tributo quando há a apuração de prática concomitante de outros crimes de natureza não tributária. Antes do julgamento da Reclamação 16.087, a incidência da SV 24 também foi relativizada no HC 96.324/SP4, em que a Corte decidiu pela não concessão da ordem, tendo em vista que se apurava, além de crimes tributários, a prática de crimes de integrar organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Do mesmo modo, no Agravo Regimental na Reclamação 32.656/AM5, o STF decidiu pela possibilidade de instauração de persecução penal de crime contra a ordem tributária nos casos em que houver conexão com outros delitos de natureza diversa. Destacou o relator, ministro Celso de Mello, que "a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende não incidir o enunciado constante da súmula vinculante 24/STF naqueles casos em que, iniciada a investigação penal de eventuais delitos contra a ordem tributária, registrar-se a possibilidade de apuração de outros ilícitos criminais". Há vários outros precedentes em que o STF mitiga a aplicação da própria orientação sumulada6. Assim, embora a SV 24 não faça qualquer ressalva quanto à sua aplicabilidade, estabelecendo apenas a atipicidade do crime material contra a ordem tributária antes da constituição definitiva do crédito, o STF (e outras Cortes do país7) vem possibilitando a persecução penal antes mesmo do lançamento definitivo do tributo quando supostamente há a prática concomitante de outros crimes de natureza não tributária. Diante de tais precedentes -e enquanto não houver a revisão da SV 24, pretensão manifestada pela PGR na Rcl 16.087 -, a experiência cotidiana revela expediente criativo para superar a pendência de procedimento administrativo fiscal para iniciar a persecução penal: a imputação de outros crimes, não tributários, provocando concurso aparente de normas. Explica-se: não raras vezes, a denúncia por crime tributário vem acompanhada da imputação de crimes de falsidade (ideológica e/ou material). De modo geral, o contexto fático narrado pela acusação é a apresentação de documento falso perante a autoridade fazendária para fins de redução da base de cálculo de tributo. É evidente que, em tais casos, a conduta não poderia ser sancionada cumulativamente como delito de sonegação e de falsidade. Trata-se de clara hipótese de aplicação do critério da consunção, uma vez que a potencialidade lesiva do falso (crime-meio) se exaure no crime de reduzir ou suprimir tributo devido (crime-fim). De tal modo, a imposição de ambas as sanções culminaria na valoração repetida de um mesmo fato e consequente violação à garantia ne bis in idem. Este entendimento, aliás, é pacífico nos Tribunais Superiores8, que reiteradas vezes aplicaram o princípio da consunção entre crimes de falsidade e contra a ordem tributária, a despeito de protegerem bens jurídicos diversos - fé pública e ordem tributária, respectivamente. Assim sendo, não há dúvida que se está diante de um desvio acusatório9 na hipótese em que se inicia a apuração da suposta prática de crimes contra a ordem tributária antes do fim do procedimento fiscal e - conferindo "verniz de legitimidade" à diametral violação da SV 24 - oferece denúncia imputando a prática de delitos de falsidade material/ideológica e de uso de documento falso, em concurso material, enquanto se aguarda o lançamento definitivo para posteriormente incluir o crime tributário. A utilização de acusações infladas como estratégia persecutória há tempos desperta preocupação no ordenamento jurídico anglo-americano10. Esse fenômeno, denominado overcharging, consiste na prática de exasperar os fatos passíveis de enquadramento jurídico-penal, seja por meio de uma imputação com indevida pluralidade de condutas penais (horizontal overcharging), seja por meio da imputação de penas mais graves do que as que seriam cabíveis no caso (vertical overcharging)11. Além da imputação dos delitos de falsidade e de sonegação em evidente concurso aparente de normas, nota-se que, nas hipóteses em que a persecução penal de crimes contra a ordem tributária se inicia antes do término do procedimento fiscal, comumente há também a imputação cumulativa de crimes de organização criminosa e de lavagem de dinheiro, incorrendo também em horizontal overcharging. Em tais casos, a suspeita da prática de crimes tributários pelos sócios-administradores de determinada pessoa jurídica é tomada como indício suficiente para a imputação do crime de organização criminosa. Contudo, não se pode confundir criminalidade de empresa com empresa ilícita. Na primeira, há reunião de pessoas com finalidade lícita (exercício de atividade econômica), malgrado eventual crime seja praticado no âmbito do ente corporativo; ao passo que, na segunda, a associação de pessoas é constituída justamente para auferir lucro pela prática de infrações penais12. Por sua vez, em relação à imputação cumulativa de crimes contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro, tem-se que este, por si só, não autorizaria a persecução criminal antes do fim do procedimento administrativo fiscal. Isso porque, antes do lançamento definitivo do tributo, o comportamento do agente será penalmente irrelevante em razão da atipicidade do delito antecedente sem o qual o crime de lavagem de dinheiro não se consuma.   À vista do exposto, no âmbito dos delitos tributários, tem-se observado excesso no poder de acusar (overcharging). Imputa-se cumulativamente delitos que claramente não subsistiriam face à aplicação do princípio da consunção ou quanto aos quais muitas vezes não se dispõe de elementos suficientes para fundamentar a própria imputação. Isso ocorre para que o respectivo caso se enquadre na mitigação da SV 24 admitida pelo STF - i.e. quando há a apuração concomitante de crimes de natureza não tributária -, assim legitimando início da persecução penal antes do lançamento definitivo do tributo. É certo que a mitigação do referido preceito sumular pelo próprio STF é sintomático de seus graves defeitos, dadas importantes questões dogmáticas e práticas que não foram levadas em conta no momento de sua edição13. Por isso, a aplicação da súmula acaba por ser alvo de casuísmo, gerando insegurança jurídica. Nesse sentido, a revisão da SV 24 permitiria que sua aplicação fosse mais uniforme, racional e adequada. Ao tratar adequadamente dos efeitos do encerramento do procedimento administrativo fiscal sobre a persecução dos crimes contra a ordem tributária, o STF deixaria de desrespeitar sua própria súmula casuisticamente. Contudo, enquanto tal revisão não é feita em procedimento próprio previsto para tanto14, ao MP cabe exercer o seu poder-dever de acusar em observância à legalidade, sem desvios de finalidade e excessos que atentem diretamente contra a garantia do acusado de que a imputação contra si formulada seja minimamente adequada aos preceitos legais (e também aos sumulados). _____ 1 "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo". 2 Ver PSV 29 e os precedentes constitutivos da SV 24: HC 85.185, HC 85.463, HC 83.353, HC 86.120, HC 85.428 e HC 81.611. 3 STF, Rcl 16.087/SP, relator min. Celso de Mello, julg. 30 abr. 2019. 4 STF, 1.ª T., HC 96324/SP, relator min. Marco Aurélio, julg. 14 jun. 2011. 5 STF, 2.ª T., Rcl 32656/AM AgR, relator min. Celso de Mello, julg. 4 mai. 2020. 6 Cita-se: STF, 2ª T., HC 95.443, relatora min. Ellen Gracie, julg. 2 fev. 2010; STF, 1ª T., HC 108.037, Relator min. Marco Aurelio, julg. 29 nov. 2011; STF, 1.ª T., ARE 936.653, Relator min. Roberto Barroso, julg. 24 mai, 2016; e STF, 2.ª T., HC 203.760 AgR, Relator min. Nunes Marques, julg. 23 nov. 2021. 7 Em estudo empírico publicado em 2018 sobre a eficiência da súmula vinculante 24 no sistema judicial brasileiro, Tiago Bottino concluiu que em mais da metade dos casos analisados (56%) as instâncias inferiores do país (Tribunais de Justiça e TRFs) deixaram de aplicar a orientação sumulada, identificando o Supremo Tribunal Federal como responsável por esse déficit de eficiência, na medida em que não respeita a própria Súmula Vinculante que editou, criando hipóteses de mitigação. BOTTINO, Tiago. A súmula vinculante vincula? Um estudo da eficiência da Súmula Vinculante 24. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 143, p. 177-219, mai. 2018.   8 A título exemplificativo: STJ, 5.ª T., AgRg no REsp 1.347.646/MG, Relator min. Jorge Mussi, julg. 5 fev. 2013; STJ, 5.ª T., AgRg no REsp 1363618/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, julg. 15 mai. 2018; STJ, 3.ª Seção, AgRg nos EAREsp 386.863/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, julg. 22 mar. 2017; STF, 1.ª T., HC nº 84.453/PB, Relator min. Sepúlveda Pertence, julg. 17 mai. 2005; STF, Inq. 3.102/MG, Plenário, Relator min. Gilmar Mendes, julg. 25 abr. 2013. 9 A expressão é de Fauzi Hassan Choukr (Iniciação ao processo penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 331-33). 10 MALAN, Diogo. Processo Penal aplicado à criminalidade econômica e financeira. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 114, p. 279-320, mai./jun., 2015, p. 25. 11 ALSCHULER, Albert. The Prosecutor's Role in Plea Bargaining. University of Chicago Law Review, vol. 36, n. 1, p. 50-112, 1968. p. 85-86. Disponível aqui.  12 MALAN, Diogo. Processo Penal aplicado à criminalidade econômica e financeira. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 114, p. 279-320, mai./jun., 2015. p. 26. 13 TAFFARELLO, Rogério Fernando. Impropriedades da súmula vinculante 24 do STF e a insegurança jurídica em matéria de crimes tributários. In: FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael de Souza. Direito Penal Econômico: questões atuais. São Paulo: RT, 2011, p. 323-325; FISCHER, Douglas. Os equívocos técnico, dogmático, sistemático e lógico da Sumula Vinculante nº 24 do STF. GenJurídico, 22 jan. 2021. Disponível aqui.  14 Sobre o procedimento de revisão das Súmulas Vinculantes, explicam José Carlos Buzanello e Graziele Mariete Buzanello: "Atualmente, a técnica de revisão dos atuais preceitos sumulados de força persuasiva está prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), desde a época da criação das súmulas (artigos 102 e 103). O quórum exigido é maior do que aquele exigido para aprovação de emendas constitucionais (três quintos), o que demonstra a dificuldade para criação, revisão e cancelamento da súmula de efeitos vinculantes, com o propósito de estabilizar os julgados no tempo. Na atualidade, a revisão e o cancelamento do enunciado de súmula com efeito vinculante estão disciplinados pela Lei no 11.417/06, com aplicação subsidiária do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal." BUZANELLO, José Carlos; BUZANELLO, Graziele Mariete. Exeqüibilidade da súmula vinculante. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 44, n. 174, p. 25-33, abr./jun., 2007. p. 29.
A despeito de o surgimento do primeiro criptoativo - o Bitcoin - ter ocorrido há mais de uma década, persiste como um verdadeiro desafio a tentativa de seu enquadramento nos dispositivos tradicionais da legislação brasileira, sobretudo naqueles tangentes ao direito tributário e penal. Sobre este último, alguns autores já buscaram identificar a possibilidade de cometimento de crimes por esse meio, antecipando questões que começam a se aproximar dos tribunais1. Dos trabalhos escritos a respeito do tema, observa-se uma relativa homogeneidade sobre a seguinte conclusão: as criptomoedas não se confundem com o conceito tradicional de "moeda", tampouco de "ativo financeiro" ou de "valor mobiliário"2. Este desenlace impacta diretamente na seara criminal, visto que tais conceitos são elementares para a configuração típica de alguns delitos, sobretudo no que se refere ao crime de evasão de divisas (art. 22, lei 7.492/86). Ainda que haja razoável questionamento pela doutrina quanto à legitimidade do bem jurídico tutelado por esse delito3, é certo que sua aplicação, da forma como concebida pela lei 7.492/86, é feita pelos tribunais pátrios. Assim, faz-se uma breve análise das condutas nele tipificadas. O crime previsto no art. 22 da lei 7.492/86 basicamente contempla três modalidades distintas de conduta para a sua configuração: a primeira, contida no caput do referido dispositivo, prevê como criminosa a ação de efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do país. A segunda, por sua vez, alocada na primeira parte do parágrafo único, criminaliza a promoção de saída de "moeda" ou "divisa" para o exterior, sem autorização legal. A terceira é descrita na segunda parte do parágrafo único, que trata da manutenção de "depósitos" no exterior não declarados à repartição federal competente. Sua tipificação visa a proteger a regularidade da execução da política cambial, mapear o quadro dos capitais brasileiros no exterior e conhecer a composição do passivo externo líquido do país4. Quando esse tipo penal é confrontado com o tema dos criptoativos, a doutrina tem sinalizado que eles não perfazem os elementos que conformam o delito, isto é, a mera conversão de reais em bitcoins não configura evasão de divisas. Contudo, isso não afasta a possibilidade de que os bitcoins sejam utilizados como meio para a evasão, caso, após sua conversão, sejam enviados para instituição sediada no exterior e convertidos em moeda estrangeira.5 Convém ressaltar que tais conclusões estão preponderantemente relacionadas às duas primeiras condutas típicas acima mencionadas, as quais recorrem ao conceito de "moeda" ou de "divisa". Quanto à última, que utiliza o conceito de "depósito", o confronto ainda foi pouco explorado e é sobre ele que se debruça este artigo. De início, é necessário identificar o que se entende por "depósitos". Ainda que haja entendimento dissonante na doutrina quanto ao seu significado6, o STJ já entendeu - recorrendo a Leandro Bastos Nunes - que "o legislador, ao tipificar a expressão 'depósito', buscou abarcar todo tipo de investimento que fosse convertido em valor monetário (dinheiro), incluindo ações, cotas de fundos de investimentos, debêntures, entre outros"7. Todavia, ainda que haja entendimento no sentido de expandir o conceito de "depósitos" para além do que se concebe como "moeda" ou "divisa", a doutrina tem se posicionado no sentido de afastar a tipicidade do delito de evasão de divisas quando houver depósito de criptoativos em instituição sediada no exterior. Para Bueno, o indivíduo que, para comprar bitcoins em exchange8 sediada no exterior, mantém depósitos em moeda (mesmo sem sacá-los de uma instituição financeira sediada em outro país), poderá praticar o crime de evasão. Entretanto, o autor entende que não há crime "caso não tenha ocorrido a conversão dos valores de criptoativos em moeda estrangeira, ainda que mantido o depósito dos criptoativos na exchange estrangeira", dado que, "em razão de os criptoativos não serem moeda ou divisa, a conduta é atípica"9. Necessário notar que Bueno - diferentemente do STJ - equipara o termo "depósitos" à "moeda" ou "divisa". Todavia, e se fosse aplicado o entendimento do mencionado Tribunal? Criptoativos custodiados em exchanges sediadas no exterior poderiam ser considerados como "depósitos"? Essa pergunta é respondida por Leandro Nunes. Para o autor, bitcoins não podem ser considerados como "depósitos", (i) por "não estar vinculada a qualquer instituição financeira"10; e (ii) "pelo fato de as operações não serem reconhecidas e regulamentadas pelos aludidos entes do sistema financeiro nacional"11. Considerando isso, Nunes tem razão: o Bitcoin não está vinculado a uma instituição financeira. Ainda assim, o mencionadas precedente do STJ não abraçou completamente esse entendimento, haja vista que considera como "depósito" todas as modalidades de investimento custodiado no exterior que seja conversível em moeda - característica que o bitcoin apresenta. Além disso, é possível que a ausência de reconhecimento ou regulamentação pelos entes do Sistema Financeiro Nacional seja algo transitório. Afinal, os Estados estão caminhando para reconhecê-lo como um ativo integrante do Sistema Financeiro Nacional. Assim, torna-se pertinente a seguinte indagação: ter bitcoins custodiados em exchange sediada no exterior, sem comunicar à Receita Federal quando necessário, poderia configurar evasão-depósito? Partindo das premissas estabelecidas neste artigo, é plausível que sim. Afinal, o tema não foi avaliado pelos tribunais brasileiros - que podem interpretar extensivamente o termo "depósito" para abarcar os ativos digitais -, assim como entende-se ser inevitável o enlace entre nosso sistema financeiro e esse novo ativo. Entretanto, ainda que possa haver alguma correspondência com o tipo objetivo de evasão, questiona-se se esse é o meio mais adequado para proteger o bem jurídico. Isso porque a utilização do sistema Bitcoin como meio de armazenamento de valores transcende o mero depósito em instituição financeira e, sobretudo, o território em que ela está sediada. Em verdade, o sistema em si permite o armazenamento de valores no ambiente digital e sem existir um referencial territorial12. Para compreender adequadamente o problema é necessário traçar uma distinção entre (a) bitcoins custodiados nas "carteiras privadas" dos usuários e (b) bitcoins custodiados em exchanges. O método de custódia clássico do sistema Bitcoin é operacionalizado diretamente pelo usuário. Devido à extensão do tema, explicar o funcionamento escapa à finalidade do presente artigo. Basta saber que os bitcoins estão localizados na blockchain13, vinculados ao "endereço" de cada usuário. Mais especificamente, os bitcoins são o produto de todos os registros contidos nessa blockchain, da qual é possível extrair a informação sobre a quem pertence cada fração da criptomoeda naquele instante (também conhecida como "saídas de transações não gastas", ou "unspend transaction outputs" - UTXO). Ou seja, em sentido oposto ao que institivamente se imagina14, os bitcoins não estão armazenados dentro de suas respectivas "carteiras" (wallets)15, mas na rede blockchain, a qual não está localizada em um ponto geográfico definível, mas em todos os computadores conectados à rede Bitcoin distribuídos ao redor do mundo. Isso porque o Bitcoin é um sistema descentralizado que opera mediante a conexão de diversos computadores conectados à rede e que executam o respectivo protocolo. Essa característica revela o caráter ubíquo dessa tecnologia: o local poderia ser considerado em qualquer território onde estão localizados os computadores que armazenam cópia da blockchain (os "nós completos" ou "full-nodes"), de forma que, ao mesmo tempo, não existe uma referência clara de qual deles teria preferência16. Não obstante a forma de custódia tradicional, devido à dificuldade de interação dos usuários com o sistema, surgiram no mercado as exchanges centralizadas. Embora não seja o método mais seguro, é o majoritariamente utilizado pelos usuários haja vista a maior facilidade na interação. Como o nome sugere, essas corretoras centralizam as operações realizadas por seus usuários em sua própria plataforma. Ou seja, são transferidos valores a uma determinada corretora e as transações que lá ocorrem, em regra, não são registradas diretamente na blockchain, ocorrendo apenas a transferência de titularidade na base de dados de seu sistema interno. É dizer, a exchange é que detém as chaves dos criptoativos lá negociados. A principal característica dessas exchanges é justamente o fato de que elas realizam a custódia dos ativos de seus usuários, ou seja, ao atuarem como fornecedoras de carteiras virtuais, são elas que detêm a chave privada (senha) dos investidores17. Por essa razão, diferentemente do que ocorre com bitcoins adquiridos e custodiados nas carteiras do próprio usuário, as exchanges centralizadas efetivamente realizam a prestação de serviço de custódia de moeda corrente nacional, de modo a aproximarem-se de atividades tipicamente realizadas por instituições financeiras18. Assim, partindo-se das premissas expostas, é possível afirmar que a custódia realizada por exchange enquadra-se no conceito de "depósito" utilizado pelo STJ. Por conseguinte, em decorrência dessa diferenciação, uma possível conclusão é a de que o delito evasão-depósito se configura exclusivamente quando os criptoativos estiverem custodiados em exchanges sediadas no exterior. Contudo, caso o usuário realize a custódia em sua "carteira privada", não há a correspondência típica. Em termos simples: caso os criptoativos sejam reconhecidos pelo Estado, somente seria típica a conduta do indivíduo que mantém saldo em bitcoins em exchange sediada no exterior. Todavia, caso esse mesmo indivíduo realize o saque para uma "carteira privada", desaparecerá o referencial territorial "exterior" - vez que os bitcoins passarão a estar localizados na blockchain. Assim, desaparecerá um dos elementos do tipo objetivo, deixando a conduta de ser criminosa. _______ 1 Nesse sentido, a título de exemplo: MORAES, Felipe Américo. Lavagem de Dinheiro e Bitcoin. UNICURITIBA, 2021. ESTELLITA, Heloísa; PRADO, Viviane Muller (Orgs.). Regulando Criptoativos. FGV Direito SP. Disponível aqui.  2 Analisando mais detidamente tal conclusão: STOCO, Isabela Maria; NUNES, Pedro Henrique. Criptomoedas e evasão de divisas: (a)tipicidade. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance. n. 5. ano 2. p. 99-121. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2021. 3 Nesse sentido: BOTTINO, Thiago. Regulação econômica e Direito Penal Econômico: eficácia e desencontro no crime de evasão de divisas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 101/2013, p. 125 - 153, mar - abr/2013; SCALCON, Raquel Lima. Doutrina do "direito e desenvolvimento" e a expansão do Direito Penal Econômico no Brasil: reflexões a partir do crime de evasão de divisas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 110/2014, p. 175 - 197, set - out/2014. 4 SCHMIDT, Andrei Zenker; FELDENS, Luciano. O delito de evasão de divisas 20 anos depois: sua redefinição típica em face das modificações da política cambial brasileira. Revista Opinião Jurídica, Fortaleza, n. 8, v.2, p. 11-44, 2006. p. 24. 5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Seção). CC 161.123/SP (2018/0248430-4). Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 28 nov. 2018. 6 NUNES, Leandro Bastos. O bitcoin na condição de meio para a consumação de crimes econômicos. CONJUR, 2021. p. 1-2. Disponível em aqui.  7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp nº 774.523/SP. Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 07 mai. 2019. 8 As exchanges centralizadas são um dos diversos modelos de provedores de serviços dedicados a facilitar a interação entre os usuários, classificadas por Grzywotz como o "ecossistema Bitcoin" (GRZYWOTZ. Johanna. Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Ducker & Humblot GmbH, 2019. p. 51). Seu modo de funcionamento é bastante semelhante ao das casas de câmbio tradicionais: elas se colocam como intermediadoras no processo de troca de moeda estatal por criptomoedas, ou exclusivamente entre criptomoedas, oferecendo ao usuário uma alternativa fácil e segura para realizar a conversão. Em vez de haver a necessidade de procurar uma pessoa, basta ir a essa exchange e realizar a compra ou venda de maneira direta (GRUPENMACHER, Giovana Treiger. As plataformas de negociação de criptoativos: uma análise comparativa com as atividades das corretoras e da bolsa sob a perspectiva da proteção do investidor e prevenção à lavagem de dinheiro. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2019. p. 60-75). 9 BUENO, Thiago Augusto. Situações da prática do crime de evasão de divisas por meio de criptoativos. JOTA, 2020. Disponível em aqui. 10 NUNES, Leandro Bastos. Op. Cit. p. 1-2. 11 Ibidem. p. 1-2. 12 GUARAGNI, Fábio André; RIOS, Rodrigo Sánchez. Novas tendências de combate aos crimes cibernéticos: cooperação internacional e perspectivas na realidade brasileira contemporânea. Revista de Estudos Criminais, 2019. p. 173-175. 13 A blockchain é o banco de dados público e descentralizado que contém todas as transações de bitcoin já realizadas. Cada bitcoin - ou satoshi - armazenado na blockchain está sob o formato de uma longa cadeia que tem informação de todos os endereços aos quais aqueles valores já estiveram vinculados desde o momento de sua criação (durante a mineração).  14 Esse equívoco já foi cometido anteriormente por Bueno, quando disse ser "plenamente possível, por exemplo, o transporte de bitcoins em montante equivalente a milhões em moeda soberana, dentro do bolso de um casaco (...)" (BUENO, Thiago Augusto. Bitcoin e crimes de lavagem de dinheiro. Editora Contemplar, 2020. p. 120). 15 O que determina a propriedade de bitcoins pelo usuário não é a posse da "carteira", mas a operação que é realizada por esse dispositivo. Em verdade, a propriedade é determinada por aquele que controla o respectivo "endereço" [15] que dá acesso aos bitcoins - determinado pela posse da respectiva chave criptográfica (chave privada). É dizer que a função de uma "carteira de criptoativos" não é armazenar (dentro de si) os bitcoins, mas somente administrar as "chaves criptográficas" necessárias para acessar o "endereço" de cada fração da criptomoeda que o usuário possui. Isso porque a) pode haver diversas "carteiras hardware", localizadas em diversos pontos geográficos distintos, carregando as mesmas chaves privadas daquele usuário - procedimento esse utilizado para aqueles que pretendem realizar uma cópia de segurança de sua chave (backup) ou permitir que mais de uma pessoa realize a transferência dos mesmos valores; b) a "carteira" utilizada pelo indivíduo pode ser uma "carteira web", a qual poderia estar localizada em qualquer ponto geográfico do mundo (ou, inclusive, nenhum), o que poderia resultar na constatação do local do depósito em localização alheia ao local da origem e destino da transação; c) pode haver casos que sequer há uma "carteira", hipótese essa que ocorreria caso o agente possua uma "carteira de papel", mas decore a chave criptográfica e, assim, consiga realizar transações sem depender de qualquer dispositivo de armazenamento (GRZYWOTZ. Johanna. Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Ducker & Humblot GmbH, 2019. p. 121-125). 16 Ibidem. p. 126-128. 17 GRUPENMACHER, Op. Cit. p. 57. 18 Ibidem. p. 70.
GameStop1 é uma empresa americana, fundada em 1984, que atua no ramo de jogos eletrônicos, tendo como atividade a venda de video games e acessórios em lojas físicas. Com a modernização do mercado e as facilidades na realização de compras online, o seu faturamento foi comprimido nos últimos anos, devido ao seu modelo de negócio ultrapassado. Em janeiro de 2021, essa empresa foi o foco de uma prática incomum no mercado de valores americano2. Em razão de diversos fatores3, as ações da GameStop caíram consideravelmente no ano de 2020. Tal fato levou a alguns de seus investidores a "shortearem" suas ações. Esse termo se traduz na prática de short selling, que consiste na venda do ativo para, posteriormente, comprá-lo novamente e lucrar com a transação. Importante mencionar que a prática - também chamada de "venda a descoberto" - agrega valor à operação quando há baixa no valor da ação entre as operações. É dizer que se a ação subir, perde-se dinheiro. Da análise do cenário global em que a GameStop se encontrava e considerando que, até aquele momento, não existia perspectiva de alteração no modelo de negócio da empresa, a operação seria, muito possivelmente, acertada. Todavia, usuários da plataforma Reddit (rede social em que os navegantes se reúnem em fóruns para discussões sobre assuntos gerais), no fórum Wall Street Bets - especificamente voltado a assuntos relacionados ao mercado de valores e composto majoritariamente por investidores individuais - decidiram se juntar e dar início à compra desenfreada de ações da GameStop. Os usuários afirmaram publicamente nas redes sociais que teriam como um de seus objetivos prejudicar os grandes investidores que optaram pela realização da "venda a descoberto". Inclusive, houve uma espécie de crença de que a ação retiraria dinheiro de grandes investidores, como fundos, por exemplo, fazendo com que investidores individuais - pessoas físicas - lucrassem. As movimentações foram realizadas através de plataformas de trade como a RobinHood4, que possibilita a operação por investidores individuais sem taxa alguma. Isso atraiu os usuários do Reddit que buscavam essa atuação imediata e sem custo. Os investidores individuais visavam o que se chama de short squeeze5 - um dos efeitos colaterais da prática de short selling mencionada acima. O termo tem relação com uma espécie de "efeito dominó", na medida em que os investidores que "shortearam" as ações observam seus valores subirem e as compram novamente de forma "apressada", a fim de cessar sua perda. Porém, a operação faz com que o preço aumente ainda mais. Torna-se um ciclo com alta capacidade de prejudicar quem optou pela "venda a descoberto". Após dias de operação no caso da GameStop, as ações chegaram a subir mais de 1800%6. O objetivo dos usuários do Reddit que participaram da ação foi atingido, sendo que a maioria dos grandes investidores que haviam investido em short selling perderam dinheiro nas operações. Apesar de aparentemente inofensiva e, de forma romantizada, até heroica - em uma leitura no estilo Robin Hood7 -, a prática caminha em uma linha muito tênue entre a legalidade e a presença de ilícito. Quanto à caracterização de conduta administrativa, parece claro que há transgressão de normas. Isso porque, conforme os incisos I e II da Instrução Normativa 8/79 - sobretudo as alíneas "a" e "c" -, é vedada a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários e a realização de operações fraudulentas. Parece que, nesse caso, pode haver subsunção do fato à norma. Vejamos: as condições de elevação de valores das ações da GameStop foram decorrentes de negociações ardilosas entre os players do mercado, tendo gerado evidente alteração no fluxo de ordens de compra dos ativos, assim como terceiros foram induzidos a erro. O ilícito administrativo de manipulação de mercado parece suficientemente caracterizado. À época dos fatos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou nota8 em que alertou quanto à possibilidade de enquadramento das condutas em ilícitos. A nota enuncia que "pode contribuir para a caracterização da manipulação a atuação de um conjunto de pessoas, agindo sob um interesse comum, sendo todas elas, pelo menos em tese, possíveis de responsabilização pela conduta vedada pela Instrução CVM 8". Outrossim, o informativo adverte que "a manipulação do mercado é passível de punição na esfera penal, conforme crime tipificado no art. 27-C da Lei 6.385/76". Contudo, em sendo caracterizada a conduta administrativa, restará configurado também o tipo penal? A questão merece especial atenção. O tipo penal9 em análise foi incluído na legislação em 2001, tendo sofrido alteração em 2017. Sua redação atual prevê como crime a conduta de "realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros". As operações simuladas tratam especificamente de operações realizadas dentro do mercado de valores mobiliários. Já "outras manobras fraudulentas" é um termo aberto, inserido no tipo penal com o objetivo de enquadrar outras condutas que não as especificamente realizadas dentro do mercado, mas que o afetem. Ademais, o tipo possui mais três elementos subjetivos diversos do dolo, quais sejam a finalidade de (i) elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário; (ii) obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem; ou (iii) causar dano a terceiros.10 O primeiro deles - item (i) - é obrigatório. Toda a conduta enquadrada como crime através deste artigo deve, obrigatoriamente, ter como finalidade elevar, manter ou baixar a cotação de um ativo. Os demais - itens (ii) e (iii) - são alternativos, ou seja, além da finalidade de elevar, manter ou baixar o valor de um ativo, a conduta deve visar, alternativa ou cumulativamente, uma vantagem indevida ou um dano a terceiro. O bem jurídico protegido pelo tipo penal é, de forma ampla, o mercado de valores mobiliários. A doutrina diverge quanto à especificidade dessa proteção. Parte dela entende o bem jurídico como a estabilidade do mercado11. Igualmente, menciona-se sua transparência, igualdade de oportunidade12 e capacidade alocativa13. Portanto, apesar das divergências, o foco de proteção será sempre o mercado de capitais, variando a especificidade de cada termo escolhido. Trata-se de delito formal, sendo que a obtenção de vantagem ou a criação de prejuízo configura mero exaurimento do delito. A simples realização da conduta, sendo ela operação simulada ou manobra fraudulenta, desde que possua os fins delimitados pelo tipo, é suficiente para a consumação do delito. Traçados breves comentários quanto ao tipo, passa-se à análise quanto à possível incidência ou não da conduta relacionada aos usuários do Reddit e à GameStop como crime contra o mercado de capitais. Percebe-se a configuração dos elementos subjetivos. Isso porque, como uma forma de propagar a ideia e angariar mais adeptos à prática, foi amplamente divulgado pelos próprios agentes que o objetivo era fazer com que os grandes investidores que optaram pela prática da venda a descoberto tivessem prejuízo. Portanto, o dolo de causar prejuízo a terceiro está evidenciado. De igual forma, quando se observa que as ações foram compradas especificamente com o fim de elevar o preço do ativo, resta igualmente configurado o dolo de elevar o preço de valor mobiliário. Todavia, ainda que esteja presente o elemento subjetivo do tipo, o ponto nevrálgico para a discussão é a análise do elemento objetivo, sobretudo o termo "manobra fraudulenta", o qual requer um exame mais detido. CAVALI14 explica que o termo "fraudulenta" está vinculado à capacidade de induzir terceiros a erro. No caso em exame, a indução aparentemente ocorreu. Apesar do interesse dos investidores estar descrito de forma expressa dentro da plataforma Reddit e de sua amplitude, não se pode tê-la como, de fato, pública. A plataforma abrange um número específico de pessoas, existindo outros investidores que não possuem acesso ao fórum e que, portanto, podem ter sido induzidos pela movimentação e, em razão disso, comprado as ações15. Importante relembrar que referidas operações contaram com intuito meramente moral ou simbólico, sem um fundamento econômico baseado no próprio mercado. Portanto, utilizando como base o marco teórico apresentado por CAVALI, com relação ao significado da fraude neste caso, entende-se que a manobra apresentava o potencial de induzir terceiros em erro, criando a manobra fraudulenta exigida pelo tipo penal. Nesse sentido, a posição desta autora é pela possibilidade de enquadramento da conduta dos investidores individuais usuários do Reddit que optaram por se juntar e deliberadamente aumentar o preço de ações, gerando prejuízo aos grandes investidores envolvidos na operação. Contudo, não se pode ignorar o fato de que apenas os que deram início à ação, que racionalizaram a questão e estimularam os demais, poderiam ser enquadrados como sujeitos ativos deste delito. No caso, por se tratar de redes sociais, dada à proporção que a ação tomou, seria difícil a identificação dos atores envolvidos. Portanto, embora juridicamente possível, especificamente no caso da GameStop, parece ser faticamente inviável a responsabilização penal dos respectivos agentes. __________ *O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR. __________ 1 Dados extraídos do site https://www.referenceforbusiness.com/history2/17/GameStop-Corp.html. Acesso em 02 nov. 2021. 2 Dados extraídos do site https://www.cbsnews.com/news/gamestop-reddit-and-the-battle-of-wall-street/. Acesso em 02 nov. 2021. 3 Os fatores incluem tanto o modelo de mercado já obsoleto comentado, quanto a própria pandemia de Covid-19, na medida em que, além da crise econômica mundial instalada, os países em geral passaram por diversos períodos de lockdown, o que certamente dificultou ainda mais sua atuação no mercado.  4 Site oficial https://robinhood.com/us/en/. 5 Dados extraídos do site https://www.capitalresearch.com.br/blog/investimentos/short-squeeze/. Acesso em 06 nov. 2021. 6 Dados extraídos do site https://tecnoblog.net/406754/gamestop-reddit-wallstreetbets-robinhood-e-o-que-tudo-isso-significa/. Acesso em 02 nov. 2021. 7 Referência ao conto literário "As aventuras de Robin Hood", de Howard Pyle (1883). 8 CVM. Alerta ao Mercado. Encontrado em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-alerta-possivel-atuacao-irregular-de-pessoas-em-midias-sociais-com-vistas-a-influenciar-o-comportamento-de-investidores - Acesso em 01 nov. 2021. 9 BRASIL. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm. Acesso em 14 nov. 2021. 10 CAVALI, Marcelo Costenaro. Manipulação do mercado de capitais: fundamentos e limites da repressão penal e administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2018. p. 336-340. 11 EIZIRIK, Nelson; GALL, Ariádna; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais: regime jurídico. 4 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 690.                                                                                                          12 BITENCOURT, Cezar Roberto; BREDA, Juliano. Crimes contra o sistema financeiro nacional e contra omercado de capitais. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 359-360. 13 CAVALI, Marcelo Costenaro. Manipulação do mercado de capitais: fundamentos e limites da repressão penal e administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2018. p. 303. 14 CAVALI explica que "a expressão 'outras manobras fraudulentas' funciona como cláusula de fechamento do tipo, abarcando outras condutas que, embora não propriamente simuladas, induzem terceiros a erro". (CAVALI, Marcelo Costenaro. Manipulação do mercado de capitais: fundamentos e limites da repressão penal e administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2018. p. 294). 15 Igualmente, CAVALI expôs essa opinião em Webinar realizada pela plataforma JOTA. O autor entende que "você ter pessoas se reunindo, para, sem um fundamento econômico, em um grupo fechado, movimentar o preço em determinado sentido, isso caracteriza sim um ilícito. É uma manobra fraudulenta (...). Embora seja um grupo de... eu não sei quantas pessoas integram esse Reddit ou aqui um grupo de Telegram no Brasil, mas sem dúvida, ainda assim, é um grupo muito mais restrito. (...) então isso faz com que outras pessoas que estão no mercado e não tem conhecimento disso vejam aquilo e em razão até de um fenômeno de seleção adversa, eles imaginam que exista algum fundamento para aquela negociação e isso acaba também puxando o preço para cima". (CAVALI, Marcelo Costenaro. Canal JOTA. O caso GameStop e a manipulação de mercado no Brasil | 11/02/21. Youtube, 11/02/2021. Disponível em:  https://youtu.be/20jvb_a6ugg. Acesso em 04 nov. 2021). __________ Maria Victória Esmanhotto     Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e graduada pela mesma instituição (2020). Membro do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR (NUPPE). Advogada Criminalista no Escritório Beno Brandão Advogados Associados
Nas últimas décadas, a pena privativa de liberdade perdeu parte de sua centralidade com o progressivo deslocamento das reações penais para o domínio econômico1. Desde uma influência internacional e estrangeira, fomentada pela deflagração de grandes operações voltadas à apuração da criminalidade econômica no país, molda-se no processo penal brasileiro uma valorização dos aspectos patrimoniais decorrentes do crime2. Em suma, estratégias patrimoniais de combate à criminalidade3 estão na pauta do dia de quem comanda a política criminal no Brasil e, nesse cenário, assistiu-se a um verdadeiro "resgate" das medidas assecuratórias previstas no Capítulo VI do Título VI do CPP. Ao lado do sequestro de bens (arts. 125 a 132, CPP), o qual recai sobre bens adquiridos com os proventos da infração a fim de assegurar o perdimento declarado em sentença (art. 91, II, CP) - ou, caso não encontrados ou se encontrem no exterior, sobre bens ou valores equivalentes (art. 91, §§ 1.º e 2.º, CP) -, o Código de Processo Penal prevê as medidas cautelares patrimoniais de especialização da hipoteca legal e de arresto4 (arts. 134 a 137, CPP), as quais, diferentemente daquela, recaem sobre bens de origem lícita. Apesar de a finalidade precípua do arresto e da especialização da hipoteca legal residir em garantir a reparação do dano (art. 91, I, CP), não raro se vê a decretação dessas medidas para assegurar o pagamento da multa a ser fixada em eventual sentença condenatória. Contudo, apesar de ainda aplicadas por Juízes e Tribunais do país - o que se infere da análise da jurisprudência das Cortes superiores5 -- não há como se assegurar o pagamento de pena de multa por medida cautelar patrimonial no processo penal. Como dito, a especialização de hipoteca legal tem por objetivo assegurar a reparação do dano causado pelo crime. Contudo, dano e sua reparação são matérias afetas ao direito privado, cabendo à legislação penal (art. 91, I, CP) e processual penal (art. 134, CPP) apenas estabelecer mecanismos para a sua incidência no curso do processo penal e com o advento da condenação. Veja-se que a medida cautelar do art. 134 do CPP não estabelece o direito de hipoteca, em si. Trata-se a hipoteca legal de direito real previsto no Código Civil (art. 1.489, CC), cuja aplicação se dá ope legis. O que a lei processual penal estabelece é a especialização e o registro da hipoteca legal. O arresto, por seu turno, é aplicado "nos termos em que é facultada a hipoteca legal" (art. 137, CPP).     Quando decretado o Código de Processo Penal ainda se encontrava em vigência o Código Civil de 1916 que, em seu art. 8276, conferia hipoteca legal (i) ao ofendido ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do acusado, para a satisfação do dano causado pelo delito e o pagamento de custas processuais, e (ii) à fazenda pública sobre os imóveis do acusado, para o cumprimento das penas pecuniárias e o pagamento das custas processuais. O art. 827 do Código Civil ab-rogado corresponde em sua maior parte ao art. 1.489 do Código Civil vigente7. Contudo, ao estabelecer as hipóteses de hipoteca legal, o Código Civil de 2002 apenas reproduziu o direito real de garantia aplicável com o objetivo de garantir a reparação do dano causado pelo crime e o pagamento das custas (art. 1.489, inc. III, CC), sem estabelecer garantia voltada à fazenda pública para assegurar o cumprimento de penas pecuniárias. Como a medida cautelar prevista no art. 137 do CPP é fundada em direito real de garantia disposto expressamente em lei, a exclusão de uma das hipóteses de hipoteca legal pelo Código Civil de 2002 implica a supressão das medidas cautelares patrimoniais que lhes são instrumentais - i.e. especialização de hipoteca legal e arresto. Isto se dá pois não cabe à lei processual penal criar hipóteses de direito real de garantia. Não se deve descuidar que o CPP, como dito, foi decretado na vigência do Código Civil de 1916. No que diz respeito às medidas assecuratórias, este Capítulo do CPP resta praticamente inalterado desde sua redação original. Justamente por este motivo, ainda que o art. 140 do CPP inclua as "penas pecuniárias" como um dos objetos das medidas assecuratórias de especialização de hipoteca legal e de arresto, desde o Código Civil de 2002, não existe previsão legal que fundamente a especialização de hipoteca legal destinada a este fim. O entendimento também se aplica às leis especiais8 que preveem a decretação de medidas assecuratórias vinculadas aos crimes por elas normatizados. Tais leis, ao enunciarem a possibilidade de aplicação de "medidas assecuratórias", referem-se às medidas previstas nos arts. 124 a 144 do CPP, ou seja, não criaram cautelares novas e, por essa razão, submetem-se ao regime do CPP. Ressalta-se que a lei processual penal - diferentemente da lei processual civil - não confere poder geral de cautela que possibilite ao juízo decretar medidas assecuratórias não previstas em lei, tampouco as aplicar para finalidades diversas daquelas estabelecidas legalmente9. A garantia de legalidade em matéria criminal não se limita ao momento da cominação da pena, mas diz respeito à legalidade da inteira intervenção penal10. Portanto, sob a vigência do Código Civil de 2002, a única finalidade da especialização de hipoteca legal e do arresto, em sede processual penal, é a satisfação do dano causado pelo delito e o pagamento de despesas judiciais em favor do ofendido. Entendimento em sentido contrário viola o princípio da referibilidade das medidas cautelares. Por referibilidade, entende-se o atributo de toda e qualquer tutela cautelar consistente em vinculá-la a uma determinada situação concreta de direito material em relação a qual o provimento cautelar tem a finalidade de assegurar. Na tutela cautelar, há sempre referibilidade a um direito acautelado11. Nesses termos, sem a previsão legal do direito da fazenda pública à hipoteca sobre imóveis do acusado para garantir o pagamento de penas pecuniárias, inexiste direito material a ser assegurado cautelarmente. Ao mais, observa-se que os tribunais pátrios não só admitem a concessão da especialização da hipoteca legal para assegurar o pagamento da pena de multa - a despeito da ausência de previsão legal para tanto - como adotam a projeção máxima como critério para a sua quantificação12. Para a fixação da pena de multa, a quantidade de cada dia-multa é estabelecida conforme o critério trifásico, a partir da ponderação das circunstâncias judiciais (art. 59, CP) e legais (arts. 61 a 66, CP), além dos demais aspectos que influenciam na dosimetria da pena privativa de liberdade. O valor unitário é fixado conforme a situação econômica do réu (art. 60, CP). Naturalmente, todos esses critérios parecem ser de difícil aferição logo no nascedouro da ação penal, quando recém reunidos indícios de autoria para o oferecimento da denúncia. Não obstante, a inexistência nos autos de elementos indicativos das circunstâncias judiciais e legais e da situação econômica do acusado, necessários para a fixação da multa, não pode servir de justificativa para a fixação no máximo legal ou em outra quantia exorbitante desamparada da análise das circunstâncias do caso concreto. Tratar o acusado como condenado, privando-o desde logo de seus bens, a pretexto de garantir o pagamento da multa calculada no máximo da pena aplicável - além de conflitar diretamente com o estado de inocência que pré-ocupa13 um processo penal democrático -, no mais das vezes, leva à indisponibilidade de todo o seu patrimônio. Há de se indicar elementos que permitam, ainda que sob um juízo de cognição sumária, verificar a razoabilidade do valor estimado. O cálculo no máximo da pena aplicável, chegando a valores estratosféricos, configura neste caso um abuso14. Não deve o acusado garantir provisoriamente o pagamento de um valor a título de garantia da multa que ele muito provavelmente não terá de pagar mesmo após a condenação. Vale dizer, a concessão de medida cautelar para assegurar o pagamento de multa, se admitida fosse - não é -, não poderia ser mais severa que a própria medida definitiva que irá substitui-la e a que se destina a preservar. À luz da proporcionalidade, o instrumento não pode ultrapassar o fim ao qual ele serve15. Não obstante o exposto, ainda antes da observância à proporcionalidade, insiste-se na absoluta inviabilidade de se decretar medidas cautelares com finalidades diversas daquelas previstas legalmente. Especificamente quanto ao que foi objeto deste artigo, defende-se a impossibilidade - desde a ab-rogação do Código Civil de 1916 -, de se decretar o arresto e a especialização da hipoteca legal para assegurar o cumprimento da multa no processo penal. No fim, o que defendemos no âmbito das medidas assecuratórias nada mais é do que a estrita observância à legalidade. O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR.  __________ 1 CORREIA, João Conde. Da proibição do confisco penal à perda alargada. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. n.p. [prefácio]. 2 ESSADO, Tiago Cintra. A perda de bens e o novo paradigma para o processo penal brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014. p. 14. 3 CAEIRO, Pedro. Sentido e função do instituto da perda de vantagens relacionadas com o crime no confronto com outros meios de prevenção da criminalidade reditícia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 100, n. 21, jan./fev. 2013. p. 268-277. 4 O CPP estabelece duas espécies de arresto: (i) o arresto prévio à especialização da hipoteca legal (art. 136, CPP) e (ii) o arresto subsidiário de bens móveis (art. 137, CPP). O arresto prévio visa resguardar o imóvel objeto de hipoteca legal, dado que o procedimento destinado à sua especialização e ao seu registro possui certa complexidade, de sorte que a demora para a sua ultimação pode prejudicar a efetividade da medida. Por sua vez, o arresto subsidiário de bens móveis somente incide quando o acusado não possui bens imóveis ou os possuir em valor insuficiente para a integral reparação do dano causado pela infração penal. 5 No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cita-se: STJ, 5.ª T., AgRg no REsp 1931372/MG, rel. ministro Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22 jun. 2021; STJ, CE, AgRg na CauInomCrim 6/DF, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 4 dez. 2019; e STJ, 6.ª T., REsp 1319345/PR, rel. ministro Sebastião Reis Júnior, j. 18 ago. 2015. No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), cita-se: STF, 2.ª T., AgR no AC 3957, rel. ministro Teori Zavascki j. 21 jun. 2016; e STF, 1.ª T., AgR na Pet 7069, rel. ministro Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão ministro Roberto Barroso, j. 12 mar. 2019. 6 Art. 827. A lei confere hipoteca: I. À mulher casada, sobre os imóveis do marido para garantia do dote e dos outros bens particulares dela, sujeitos à administração marital. II. Aos descendentes, sobre os imóveis do ascendente, que lhes administra os bens. III. Aos filhos, sobre os imóveis do pai, ou da mãe, que passar a outras núpcias, antes de fazer inventário do casal anterior (art. 183, n. XIII). IV. As pessoas que não tenham a administração de seus bens, sobre os immoveis de seus tutores ou curadores V. À Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, sobre os imóveis dos tesoureiros, coletores, administradores, exatores, prepostos, rendeiros e contratadores de rendas e fiadores. VI. Ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das custas (art. 842, n. I). VII. À Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, sobre os imóveis do delinquente, para o cumprimento das penas pecuniárias e o pagamento das custas (art. 842, n. II). VIII. Ao co-herdeiro para garantia do seu quinhão ou torna da partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente. 7 Art. 1.489. A lei confere hipoteca: I - às pessoas de direito público interno (art. 41) sobre os imóveis pertencentes aos encarregados da cobrança, guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas; II - aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior; III - ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais; IV - ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna da partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente; V - ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia do pagamento do restante do preço da arrematação. 8 A título exemplificativo, cita-se a Lei Antidrogas (lei 11.343/2006), que em seu art. 63-B dispõe "O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e objeto de medidas assecuratórias quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal"; e a Lei de Lavagem (lei 9.613/1998), que em seu art. 4.º, §4.º dispõe: "Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas". 9 SAAD GIMENES, Marta Cristina Cury. As medidas assecuratórias do Código de Processo Penal como forma de tutela cautelar destinada à reparação do dano causado pelo delito. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. p. 37. 10 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 57. 11 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 79. 12 Nesse sentido, a título de amostra, cita-se: TRF-4, 7.ª T., Apelação Criminal 5042620-75.2019.4.04.7000, relator des. fed. Guilherme Beltrami, j. 3 mar. 2021 e TRF-4, 7.ª T., Apelação Criminal 5042620-75.2019.4.04.7000, relatora des.ª fed. Salise Monteiro Sanchotene, j. 10 dez. 2019. 13 A expressão "pré-ocupação de inocência" é de Augusto Jobim do Amaral (A Pré-Ocupação de Inocência no Processo Penal. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 62, p. 85-115, jan./jun. 2013). 14 DOMENICO, Carla. O sequestro e arresto de bens como medidas assecuratórias nos crimes. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 75, p. 130-147, nov./dez. 2008. p. 138. 15 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8. ed. São Paulo: RT, 2020. p. 1136.
A fim de assegurar os efeitos da condenação consistentes na perda do produto do crime e na reparação do dano causado pelo delito (art. 91, I e II, CP), o Código de Processo Penal prevê, no Capítulo VI do Título VI, as "medidas assecuratórias", também denominadas "medidas cautelares patrimoniais". Tendo em vista a disposição do CPP, a doutrina costuma dividi-las em: (i) sequestro de bens (arts. 125 a 132), (ii) especialização e registro da hipoteca legal (arts. 134 a 135) e (iii) arresto prévio e de bens móveis (arts. 136 e 137)1.            De modo geral, são necessários dois elementos para a decretação dessas medidas: (i) o fumus commissi delicti, traduzido na necessidade de indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva; e (ii) o periculum in mora, o qual "se relaciona aos riscos provenientes da natural demora da prestação jurisdicional dita principal, vale dizer, do perigo concreto que a delonga no acertamento do direito pode acarretar à eficácia prática de futura sentença"2. Quanto ao segundo elemento, a acusação deve demonstrar que o réu estaria praticando atos que poderiam acarretar a alteração ou a redução do seu patrimônio, capazes de colocar em risco eventual ressarcimento ao lesado, o pagamento de penas pecuniárias, as despesas processuais e o perdimento dos proventos do crime. Para tanto, não basta a manifestação de um risco abstrato ou suposição (presunção) de que, como decorrência do recebimento da denúncia, ocorrerá o desfazimento ou dissipação dos bens pelo réu3. Ocorre que a necessidade de demonstração do periculum in mora para a decretação das medidas cautelares patrimoniais no processo penal tem sido relativizada pela jurisprudência pátria. Observa-se o alastramento de precedentes propugnando ser dispensável a demonstração concreta do perigo na demora do acautelamento dos bens do acusado. À vista disso, foram levantados, selecionados e analisados acórdãos do Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF-4) proferidos nos últimos dois anos, a fim de compreender quais os fundamentos de que os julgadores se valem para embasar a dispensa desse requisito das medidas cautelares patrimoniais4. A partir do exame realizado, averiguou-se que o TRF-4, em uníssono, entende ser prescindível a demonstração concreta de que há algum perigo na satisfação final do processo para o acautelamento patrimonial. Vale mencionar, não foi encontrada nenhuma decisão em sentido contrário, isto é, exigindo que a acusação demonstre o perigo na dissipação dos bens. Ademais, observou-se que a maior parte das decisões encontradas tem o tema por consolidado jurisprudencialmente, razão pela qual a fundamentação não ultrapassa o fundamento de que "o periculum in mora é pressuposto pela lei, conforme precedentes". Por exemplo, há reiterados votos do Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto de que "não há necessidade de se evidenciar com elementos concretos e específicos o periculum in mora, pois este é pressuposto pela lei, notadamente nos casos de crimes praticados contra a administração pública". Este trecho é reproduzido em vários julgados, em alguns casos acompanhado de poucos acréscimos5. Por vezes, suas decisões trazem complemento no sentido de que por conta do "risco de não ser garantido o valor fixado na sentença a título de reparação de danos, deve vigorar nesse momento processual o elemento da cautelaridade". Do mesmo modo, há julgados de relatoria dos Desembargadores Federais Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Danilo Pereira Junior, Cláudia Cristofani, Márcio Antônio Rocha e Marcelo Malucelli apontando para a jurisprudência já consolidada daquela Corte de que o periculum in mora, nas cautelares penais, se dá por presunção legal, prescindindo de demonstrações de dilapidação do patrimônio ou má-fé do acusado6. Em todos esses precedentes, a despeito da menção abstrata à presunção do periculum in mora na decretação das medidas cautelares patrimoniais, deixa-se de indicar o fundamento legal de que se extrai tal entendimento. Quando muito, são citados acórdãos do próprio TRF-4, em um movimento jurisprudencial que se retroalimenta. No recorte jurisprudencial analisado, os votos da Desembargadora Federal Salise Monteiro Sanchotene foram os que mais se destacaram, porquanto fundamentam com maiores detalhes os decretos de medidas constritivas. Também prepondera em seus votos a presunção quanto ao periculum in mora nas medidas cautelares patrimoniais, porém se avança um pouco mais ao adaptar o fundamento jurídico ao caso concreto. No julgamento da Apelação n.º 5008589-29.2019.4.04.7000, referente à "Operação Integração II", por exemplo, o acórdão adota como norte a natureza dos delitos imputados (corrupção, fraude em licitações, peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro, entre outros) para fundamentar a imposição das medidas assecuratórias em desfavor dos acusados. Especificamente nos casos de lavagem de capitais, consigna-se que o periculum in mora seria presumido, pois "a própria natureza do crime em tela, que tem na sua estrutura as fases de dissimulação, ocultação e integração, autorizam presumir uma disposição dos agentes envolvidos em não facilitar o acesso aos bens ou valores". Outrossim, retoma-se o argumento acima exposto no sentido de que haveria "uma plausível possibilidade de dissipação do patrimônio existente até o trânsito em julgado, ao saber que são investigados"7. No que tange aos delitos contra a Administração Pública, - diferentemente dos demais precedentes analisados - o acórdão faz referência a dispositivos legais em que embasa a presunção do periculum in mora nas medidas impostas. Aduz-se que "os delitos imputados podem configurar atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito, tendo as apelantes como beneficiárias", de modo que "a indisponibilidade dos bens obtidos decorre de imposição constitucional e legal, prescindindo da demonstração de perigo de demora para sua decretação, nos termos do art. 37, § 4º, da Constituição Federal e artigos 6º e 7º da lei 8.429/1992". Dentre as decisões analisadas, esta última foi a que mais forneceu elementos para compreender os fundamentos da presunção absoluta do "perigo na demora" para a decretação das medidas assecuratórias. Porém, trata-se de fundamentação que não pode ser aplicada a todo e qualquer caso, vez que se refere especificamente a crimes de lavagem - considerando os atos de dissimulação patrimonial que inexoravelmente se conectam a esse tipo de delito -, ou a condutas que, além de punidas penalmente, configurem atos de improbidade - utilizando-se como fundamento legal, neste caso, a lei 8.429/1992. A partir do observado, é possível concluir que o entendimento do TRF-4 acerca da presunção legal de periculum in mora para a decretação de medida cautelares patrimoniais, dispensando a demonstração concreta de sua ocorrência, viola uma série de princípios inerentes às medidas cautelares. De início, o entendimento jurisprudencial ora exposto viola a necessária preventividade das medidas cautelares, princípio segundo o qual a finalidade desse tipo de tutela é a prevenção da ocorrência de um dano irreparável ou de difícil reparação, como a dilapidação do patrimônio8. Por se tratar de medidas que visam garantir um provimento final - este, sim, de caráter definitivo -, as medidas assecuratórias não podem ser consideradas como um fim em si mesmas. Somente podem ser aplicadas quando demonstrado o perigo na eficácia do mencionado provimento final, sob pena de com este se confundirem e de possibilitar sua aplicação automática em todo e qualquer caso. Isso também viola a provisoriedade da medida, vez que inexistiriam argumentos aptos a possibilitar a sua revisão. Além disso, salienta-se que as medidas cautelares não se baseiam em um juízo de certeza, mas em cognição sumária sobre os elementos constantes no inquérito policial ou na ação penal. Tendo em vista essa particularidade, a inexigibilidade do periculum in mora ofende o estado de inocência, uma vez que antecipa os efeitos patrimoniais da condenação - a indisponibilidade dos bens - sem que exista uma condenação criminal, baseando-se apenas em indícios de autoria e na materialidade do delito9. Ademais, as medidas cautelares patrimoniais existem exatamente para assegurar a eficácia dos efeitos da condenação declarados em sentença nas hipóteses em que se aguardar até o trânsito em julgado da condenação pode tornar ineficaz o provimento final. Sob essa perspectiva, negar a necessidade de demonstração do "perigo na demora" significa negar uma característica da própria medida cautelar aplicada10. Não se pode olvidar, ainda, que as medidas assecuratórias incorrem em restrição ao patrimônio do acusado sem a existência de uma cognição exauriente sobre os fatos imputados, razão pela qual deve ser demonstrada a efetiva necessidade de sua aplicação, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade11. Os precedentes analisados também afrontam o princípio da motivação, uma vez que, ao não enfrentarem devidamente a questão da necessidade de demonstração do periculum in mora, limitando-se a alegar uma suposta presunção abstrata do requisito, sem apresentar um fundamento legal para tanto, há o descumprimento do dever constitucional de fundamentação das decisões (art. 93, IX, CF), o que dificulta, ainda, o exercício do direito ao recurso pelos acusados.   Por fim, eventual argumentação no sentido de que a lei processual penal não exige expressamente a demonstração do periculum in mora para a concessão de medidas cautelares patrimoniais perdeu sentido com a previsão do §1º do art. 315 do CPP (introduzido pela lei 13.964/2019). O dispositivo determina que "na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada". Essa exigência de apresentação de "fatos novos ou contemporâneos" representa o fundamento legal do periculum in mora, uma vez que as medidas cautelares - inclusive as patrimoniais - não podem ser aplicadas com base em presunções abstratas, tal como sustentou os acórdãos analisados12. Ante o exposto, o entendimento jurisprudencial - mais especificamente, do Tribunal Regional Federal da 4ª região para fins desse estudo - de que o periculum in mora é presumido pela lei, de modo a não se exigir a sua demonstração para a decretação das medidas assecuratórias, não se coaduna aos princípios inerentes às medidas cautelares, do que decorre a urgência de um olhar mais detido sobre este posicionamento, evitando-se que seja aplicado de modo automático sem um enfrentamento ponderado acerca do tema. O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR.  *Gabriel Henrique Halama De Lima é acadêmico de Direito da UFPR. Estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Membro do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR.  **Pedro Henrique Nunes é acadêmico de Direito da UFPR. Estagiário do escritório Lamers Advogados. Membro fundador e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR. __________ 1 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8. ed. São Paulo: RT, 2020. p. 1263.  2 SOUZA, Alexander Araújo de. O abuso do direito no requerimento de medidas cautelares típicas e atípicas no processo penal vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. [Ebook]. 3 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal vol. 1. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 210. 4 Para melhor compreender a fundamentação, também foram analisados os acórdãos citados ao longo dos julgados encontrados. 5 Com esses exatos termos, todos de relatoria do Des. Fed. João Gebran Neto, pela 8.ª Turma: ACR 5030548-22.2020.4.04.7000, j.  25 fev. 2021; ACR 5061219-62.2019.4.04.7000, j. 9 dez. 2020; ACR 5032072-88.2019.4.04.7000, j. 15 out. 2020; ACR 5031321-04.2019.4.04.7000, j. 24 jun. 2020; ACR 5031320-19.2019.4.04.7000, j. 21 mai. 2020. 6 Nesse sentido, todos do TRF-4: ACR 5020767-98.2019.4.04.7100, 7ª T, Rel. Des. Fed. Danilo Pereira Junior, j. 10 jun. 2021; ACR 5041275-84.2013.4.04.7000, 8ª T, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, j. 19 dez. 2019; ACR 5001092-66.2017.4.04.7118, 7ª T, Rel. Des. Fed. Cláudia Cristina Cristofani, j. 28 nov. 2019; ACR 5002476-04.2016.4.04.7117, 7ª T, Rel. Des. Fed. Márcio Antônio Rocha, j. 18 abr. 2017; ACR 5009018-35.2015.4.04.7000, 7ª T, Rel. Des. Fed. Marcelo Malucelli, j. 14 out. 2015. 7 TRF-4, 7ª T, ACR 5008589-29.2019.4.04.7000, Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, j. 21 ago. 2019. Fundamento semelhante atrelado ao risco de dissipação dos bens devido ao conhecimento das investigações, foi utilizado em outros recursos de sua relatoria, tais como na ACR 5019811-91.2019.4.04.7000, julg. 07 nov. 2019 e na ACR 5008581-52.2019.4.04.7000, julg. 21 ago. 2019. 8 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 939. 9 ESSADO, Tiago. A perda de bens e o novo paradigma para o processo penal brasileiro. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - SP, 2014. p. 195-196. 10 Ibid, p. 941-942. 11 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal.18. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 659. 12 DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 7ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021[Ebook].
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 18 de dezembro de 2019, julgou o RHC 163.334, no qual restou fixada a seguinte tese: "o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, inciso II, da lei 8.137/1990". Esta compreensão já havia sido enunciada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça em 2018, no HC 399.109. A lógica adotada pela Corte é a seguinte: o comerciante repassa o custo do ICMS no preço do produto, de modo que o consumidor arca com o pagamento do tributo. Assim, o dinheiro dos cofres públicos apenas transita pela contabilidade do contribuinte (comerciante), que está obrigado a repassá-lo ao Fisco. Quando não há o repasse e o contribuinte demonstra dolo no ato de não pagar o que deve, mesmo estando o ICMS devidamente declarado, sua conduta se amolda ao disposto no art. 2º, II, da lei 8.137/19901. O crime se assemelharia à apropriação indébita, pois ao deixar de recolher o tributo, "o vendedor estaria se apropriando indevidamente de valor cobrado do consumidor e pertencente ao Estado"2. A compreensão dos Ministros do STF provocou inquietações na doutrina. Pierpaolo Bottini e Heloisa Estellita explicam que o julgado confunde institutos3. Segundo os professores, há tributos que são cobrados ou descontados de seus contribuintes por terceiros, de modo a facilitar a arrecadação. É o que ocorre nos tributos descontados pela fonte pagadora ou do ICMS em substituição tributária. Um exemplo é a hipótese do empregador, que ao pagar o salário de seu empregado, faz a retenção do imposto de renda do funcionário e repassa o valor à União4. Tal recurso não integra o patrimônio do empregador, de maneira que a omissão no repasse pode caracterizar a apropriação de algo alheio, pois a monta retida diz respeito a imposto devido pelo empregado, o real contribuinte.   Em relação ao ICMS próprio, objeto do RHC 163.334, a situação é diversa. O consumidor do produto vendido - diferentemente do empregado no exemplo acima - não é o contribuinte. O comprador simplesmente arca com o ônus econômico do tributo, que muitas vezes está embutido no preço da mercadoria, junto as mais variadas despesas do vendedor. O contribuinte é exclusivamente o comerciante, quem possui relação jurídica com o Fisco. Portanto, no julgamento do caso em questão, o STF confunde os conceitos normativos de descontado e cobrado - elementares típicas do inciso II do art. 2º da lei 8.137/90. Tais conceitos referem-se a casos de responsabilidade tributária, e não de impostos indiretos, em que se repassa ao terceiro o custo do ponto de vista econômico. Em termos jurídicos, não há como considerar que o valor do ICMS embutido no preço tenha sido descontado e cobrado do consumidor, uma vez que ele não é sujeito passivo da obrigação tributária. Conforme dispõe o art. 121 do CTN, o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa submetida ao pagamento de tributo ou à penalidade pecuniária, que pode ser o contribuinte ou o responsável. O contribuinte é quem manifesta a capacidade contributiva, como o comerciante. O responsável tributário não manifesta capacidade diretamente, mas é colocado na condição de sujeito passivo por opção legal, normalmente visando facilitar a arrecadação. Dessa forma, ante a ausência de relação jurídica entre o Fisco e o consumidor no recolhimento de ICMS próprio, não há qualquer tipo de apropriação. Para além de tal equívoco, ao analisarmos o elemento subjetivo do tipo do art. 2º, II, da lei 8.137/1990, verificamos que seu preenchimento depende de uma efetiva intenção de fraude por parte do agente, não bastando o mero dolo genérico de não recolher tributos. Vale dizer, para materializar o elemento subjetivo especial, é necessária uma vontade de apropriação fraudulenta dos valores do Fisco, que se manifesta pela intenção do agente de exonerar-se do pagamento do que é devido à Fazenda Pública, pelo emprego de meios ardilosos para ludibriar o Fisco, como ocorre na sonegação5. Ato contínuo, no caso do ICMS próprio declarado e não recolhido, o liame subjetivo a ser demonstrado pela acusação não passa de uma imputação criminal por mero inadimplemento de dívida fiscal6. Com tal inovação, o STF violou preceito constitucional que proíbe a prisão por dívida, nos termos do art. 5º, LXVII, da CR e dos tratados internacionais vigentes em território nacional, especialmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7, item 7)7. Entretanto, o levantamento de críticas não contribui suficientemente para a minimização das consequências do novo entendimento. Por isso, é essencial a discussão de uma das possíveis tensões práticas que o RHC 163.334 provoca: a proibição ou não da retroatividade da alteração jurisprudencial mais gravosa ao indivíduo. Por meio do ato interpretativo dos julgadores, a jurisprudência invariavelmente exerce uma função construtiva no sistema jurídico8. Significa dizer que o direito é indeterminado, haja vista que "os textos em que vazado são equívocos e as normas são vagas"9. Sendo assim, cabe à jurisprudência o embargo de aclarar a vagueza dos textos legais pela via interpretativa, apontando quais fatos incidem no âmbito de proteção de determinada norma. Como explica Alaor Leite, um novo entendimento jurisprudencial pode, muitas vezes, ser mais gravoso ao cidadão, concretamente acusado no processo em que a alteração se deu10. Assim, é preciso nos questionarmos se há um direito do indivíduo à jurisprudência do tempo do fato, tal como há em relação à lei vigente ao tempo do fato. A resposta para tal pergunta deve assumir uma postura intermediaria. Não se pode mais aceitar a posição tradicional, que rechaça in totum a possibilidade de extensão da proibição de retroatividade às alterações jurisprudenciais, assim como é evidente que a ampliação irrestrita da proibição causaria "uma indesejável petrificação da jurisprudência e um imobilismo dos conceitos jurídicos, produzidos necessariamente a partir da interação entre legislação, jurisprudência e doutrina"11. A incerteza fundamental que se coloca sobre o tema, segundo Leite, diz respeito a qual critério distintivo deve ser usado para uma possível admissão parcial da irretroatividade de algumas decisões judiciais. A solução proposta pelo autor está no conteúdo da decisão. Em geral, o legislador é que originariamente define o conteúdo do injusto penal e repassa ao juiz um espaço para que este precise ou concretize o tipo penal pré-existente, conformando-o ao caso concreto (jurisprudência concretizadora do injusto penal). Porém, nos casos em que o "legislador - por desídia, inabilidade ou comodidade - repassa por completo ao juiz a tarefa de constituir originariamente a natureza de injusto penal de um comportamento é que também os limites a que está adstrito o legislador deve ser repassados"12. Como bem explica Leite, ocorrerá um repasse duplo dos poderes e dos limites, de modo que quem recebe o poder, deve receber seus limites, já que não poderia o legislador repassar posição que nem mesmo ele goza. Nesses casos estaremos diante da jurisprudência constitutiva do injusto penal, momento em que o juiz, "a partir de um proceder decisionista, constitui originariamente o injusto penal"13. Somente na hipótese de alteração jurisprudencial em que existir função constitutiva de injusto que deve incidir a proibição da retroatividade, eis que se cria uma situação idêntica àquela que constitui a ratio da proibição da retroatividade da lei penal mais gravosa, "qual seja a de evitar que o cidadão assista ao conteúdo de injusto penal de uma conduta ser constituído e aplicado, num só golpe, no seu caso"14. Ante os pressupostos teóricos apresentados, tem-se que no julgamento do RHC 163.334, o STF decidiu originariamente sobre o conteúdo de injusto penal da conduta de não recolhimento do ICMS próprio, posto que criminaliza prática que até então era majoritariamente concebida como atípica, o que garante a vedação à retroatividade. Pelo exposto, tendo em vista que a decisão em comento já opera seus efeitos, ao menos devemos fixar um critério interpretativo coerente às peculiaridades da alteração jurisprudencial constitutiva de injusto penal, de modo a refrear presumíveis situações desarrazoadas que podem surgir em caso de retroação do entendimento. *João Victor Stall Bueno é acadêmico de Direito da UFPR. Estagiário do escritório Figueiredo Basto Advocacia. Pesquisador no PIBIC/UFPR, sob orientação do prof. Dr. Guilherme Brenner Lucchesi. Membro do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico (UFPR).    **Tomás Chinasso Kubrusly é acadêmico de Direito da Universidade Positivo. Estagiário do escritório Figueiredo Basto Advocacia. Foi monitor da matéria Processo Penal e Prática Jurídica, ministrada pelo professor Márcio Soares Berclaz. *O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR. __________ 1 "Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: [...] II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos". 2 BORGES, Ademar; LEITE, Alaor. Parâmetros interpretativos para a criminalização do não recolhimento de ICMS próprio Legalidade penal e proibição de retroação da 'jurisprudência' contra o réu. JOTA, 2019. 3 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; ESTELLITA, Heloisa. Com tese do STF sobre ICMS, não pagamento de outros tributos também será crime. Conjur, 2019. 4 FÖPPEL, Gamil; MINARDI, Josiane. Sobre a criminalização da dívida tributária pelo inadimplemento do ICMS próprio: considerações críticas ao entendimento do RHC 163.334. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance, vol. 4, p. 13-30, out/nov. 2020. p. 6. 5 Como já manifestado pelo STF no acórdão proferido no RE 999.425, tema 937 da repercussão geral (STF. REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE 999.425, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 31.08.2018). 6 BUONICORE, Bruno T.; FERNANDES, Tarsila R. M.; MENDES; Gilmar; RIBEIRO; Juliana Q. Op. cit. p. 3. 7 FÖPPEL, Gamil; MINARDI, Josiane. Op. cit. p. 14. 8 SCALCON, Raquel Lima. Legalidade penal e proibição de retroação da 'jurisprudência' contra o réu. JOTA, 2020. 9 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 61. 10 LEITE, Alaor. Proibição de Retroatividade e Alteração Jurisprudencial. A Irretroatividade da Jurisprudência Constitutiva do Injusto Penal. In: RENZIKOWSKI, Joachim; GODINHO, Inês Fernandes; LEITE, Alaor; MOURA, Bruno. Actas do Colóquio: O Direito Penal e o Tempo. Coimbra: FCT, 2016. p. 44. 11 Ibid. p. 54. 12 Ibid. p. 82. 13 Idem. 14 Ibid. p. 82-83.
Recentemente, muito se ouviu falar acerca da teoria da cegueira deliberada no Brasil. Essa temática ganhou relevância no âmbito do Direito Penal Econômico a partir de seu uso frequente nos julgamentos da Operação "Lava Jato", em que foi reiteradamente aplicada em substituição ou mesmo complemento ao dolo eventual. Sob essa justificativa, ela tem sido adotada para reconhecer a existência de dolo mesmo nos casos em que ausentes os fundamentos necessários à sua configuração. A teoria da cegueira deliberada, ou willful blindess doctrine, desenvolveu-se na doutrina e jurisprudência norte-americanas a partir da premissa de que não se poderia permitir a ignorância propositada como defesa à imputação de um crime, motivo pelo qual a auto colocação em situação de ignorância deveria ter as mesmas consequências dos casos de conhecimento efetivo acerca das circunstâncias do tipo. Segundo Ragués i Vallés, encontra-se em estado de ignorância deliberada "todo aquele que podendo e devendo conhecer determinadas circunstâncias penalmente relevantes de sua conduta, toma deliberada ou conscientemente a decisão de manter-se na ignorância com relação a elas"1. Para Spencer Sydow, a teoria é uma "forma de imputação objetiva criada pelo Direito anglo-saxão para preencher lacuna jurídica da interpretação restritiva do dolo nas situações em que o sujeito de um delito alega desconhecimento de fatos por desídia em investigá-los ou por criação de estratégia de nunca adquirir consciência deles"2. Sem entrar no mérito da dificuldade (ou impossibilidade) de transplante dessa teoria para o Direito brasileiro, tendo em vista a incompatibilidade entre os sistemas jurídico-penais americano e pátrio, uma análise mais detida acerca da aplicação da teoria da cegueira deliberada permite chegar à conclusão de que além de incompatível, ela é também desnecessária. Isso porque muitos dos casos em que a cegueira deliberada foi aplicada para condenar os acusados poderiam ser resolvidos a partir da teoria do dolo. O legislador brasileiro estabeleceu, nos artigos 18 e 20 do Código Penal, algumas balizas quanto à forma de imputação subjetiva e definiu mais ou menos os conceitos de dolo e culpa. A partir da descrição genérica feita pelo legislador, costuma-se afirmar que o dolo é composto por dois elementos: o conhecimento e a vontade. Porém, essa assertiva ainda se mostra insuficiente, sendo necessária a elaboração de teorias por parte da doutrina para complementar o conceito e orientar a aplicação da lei penal. As teorias do dolo são comumente classificadas em teorias volitivas e teorias cognitivas, a depender da ênfase dada a cada um dos elementos do dolo. Seja qual for a teoria adotada, é evidente que o conhecimento é elemento central do dolo no Direito Penal brasileiro. É justamente a partir dessa premissa que surgem alguns questionamentos importantes, como, por exemplo: de que forma poderíamos enfrentar os casos de ignorância deliberada em um Direito Penal que considera o conhecimento como um elemento básico da responsabilidade? Seria aceitável que um sujeito que busca permanecer em desconhecimento se beneficie penalmente dessa circunstância?3 Para responder a estas perguntas é preciso, primeiramente, estabelecer que o dolo não deve ser definido como um processo mental que ocorre dentro do intelecto do sujeito. Ainda que nenhuma teoria normativo-atributiva tenha obtido êxito em fornecer categorias seguras para a imputação de conhecimento ou vontade, entende-se que os conceitos jurídicos devem ser avaliados a partir de padrões normativos, conforme ensina Claus Roxin4. As construções teóricas mais contemporâneas não podem ser ignoradas, tendo em vista a impossibilidade de constatação segura do conhecimento e da vontade em um sentido psicológico-descritivo5. Assim, sob um ponto de vista normativo-atributivo, o conhecimento não precisaria ser efetivo ou pleno, como pretende Zaffaroni6, mas é necessário apenas que se demonstre que o agente possui um conhecimento da situação que lhe garanta domínio ou controle da execução da ação. Ainda, o conhecimento não precisa ser completo ou verificável empiricamente, mas é atribuído a partir das circunstâncias do caso concreto. Diante desse conceito mais amplo, tem-se que aquele que tem consciência da elevada probabilidade de ilicitude de sua conduta e, mesmo diante dessa suspeita, não aprofunda seu conhecimento, de certo modo, já sabe o que espera encontrar. Ou seja, a representação de uma situação de ilicitude pelo autor já preenche o elemento cognitivo do dolo, ainda que o conhecimento não seja pleno. A equiparação entre os casos em que o agente tem efetiva ciência dos elementos do tipo e aqueles em que há um desconhecimento deliberado tem base na culpabilidade, segundo a ideia de que esta não pode ser menor para aquele que, podendo e devendo tomar conhecimento de determinadas circunstâncias, opta pela ignorância7. Assim, nos casos de lavagem de dinheiro, em que o agente representa como altamente provável a ilicitude da origem dos bens, mas renuncia à tomada de conhecimento pleno, pode-se afirmar que há uma postura de conformação do sujeito com a produção do resultado. Vale ressaltar que o desconhecimento deliberado de determinadas circunstâncias do comportamento do agente apenas pode conduzir à modalidade dolo eventual, e apenas nas situações em que o sujeito possui um conhecimento básico que seja o suficiente para permitir a imputação por dolo. Nesse ponto, é importante destacar que há uma distinção entre os casos em que o sujeito não quer conhecer a origem delitiva dos bens, mas a representa como provável em função das circunstâncias objetivas, e os casos em que o sujeito não quer saber nada acerca dos bens, mas tampouco representa sua origem delitiva. Esse segundo caso, segundo Blanco Cordero8, não pode estar abarcado pelo dolo, enquanto que o primeiro é um caso de dolo eventual. A partir de relevante análise jurisprudencial realizada por Guilherme Lucchesi9, pode-se chegar à conclusão de que há a aplicação da teoria da cegueira deliberada pelos tribunais brasileiros em, basicamente, três grupos de casos: (i) casos em que houve condenação por dolo eventual; (ii) casos em que a cegueira deliberada foi usada apenas como complemento da decisão; e (iii) casos em que houve condenação sem que estivessem presentes os requisitos para a condenação na modalidade dolosa. Nos casos em que houve condenação por dolo eventual, aplicando-se a cegueira deliberada, verifica-se a absoluta dispensabilidade da teoria, diante da inexistência de lacunas de punibilidade a serem preenchidas. Se já estão presentes os requisitos para a imputação do crime por dolo eventual, não há necessidade de aplicação da teoria da cegueira deliberada, posto que suficientes e adequados os critérios do dolo já existentes no Direito Penal brasileiro. Sob esse mesmo fundamento se mostra igualmente desnecessária a aplicação da teoria da cegueira deliberada apenas como reforço argumentativo. Já o terceiro grupo de casos é o que aparenta ser mais problemático, pois cria uma nova categoria de imputação subjetiva, nunca prevista pelo legislador, que foge completamente aos parâmetros estabelecidos pelos artigos 18 e 20 do Código Penal. Pior ainda, em alguns casos, os tribunais chegaram a criar um dever de conhecimento para o autor em situações nas quais as circunstâncias não revelavam alta probabilidade de ilicitude, em absoluta distorção da teoria originária da willful blindness. Esse uso inadequado da cegueira deliberada tem como resultado inúmeras condenações indevidas em casos de inexistência de provas suficientes a demonstrar o conhecimento mínimo exigido pela lei penal para a imputação na modalidade dolosa. Em face da análise apresentada, pode-se perceber que o dolo tem amplo alcance como modalidade de imputação subjetiva, abrangendo desde casos de autêntica intenção, até aqueles em que o sujeito representa o risco de realização típica e se conforma com a produção do resultado. O alcance mais amplo da imputação dolosa na construção jurídico-penal brasileira permite a punibilidade de muitos dos casos que, no Direito Penal norte-americano, precisam da cegueira deliberada para que não fiquem impunes. Portanto, em última análise, no Direito Penal brasileiro, a teoria da cegueira deliberada não parece ter nenhuma utilidade legítima, acabando por servir apenas para a punição de condutas culposas como se dolosas fossem. ____________ 1 RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. La ignorancia deliberada en Derecho penal. Barcelona: Atelier Libros Juridicos, 2007, p. 25. 2 SYDOW, Spencer Toth. A teoria da cegueira deliberada. Belo Horizonte: Editora D'Plácido, 2017, p. 19 3 RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Mejor no saber: sobre la doctrina de la ignorância deliberada en Derecho penal. In Revista Discusiones, v. 13, n° 2 (2013): Ignorancia deliberada y Derecho Penal, p. 12. 4 ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. Bd. 1. Grundlagen, der Aufbau der Verbrechenslehre. - 3. Aufl. - München: Beck, 1997, p. 376-377. 5 LUCCHESI, Guilherme Brenner. Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no Brasil. 1. Ed. São Paulo: Marcial Pons, 2018, p. 144-145. 6 Para Zaffaroni, "O dolo requer sempre conhecimento efetivo; a mera possibilidade de conhecimento (chamada "conhecimento potencial") não pertence ao dolo. O "querer matar um homem" (dolo do tipo de homicídio do art. 121 do CP) não se confunde com a "possibilidade de conhecer que se causa a morte de um homem", e sim com o efetivo conhecimento de que se causa a morte de um homem". (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Volume 1. Parte geral. - 9. ed. rev. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 420). 7 CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. - 2. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017, p. 120. 8 BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de Blanqueo de Capitales. Pamplona: Arazandi, 1997, p. 383. 9 LUCCHESI, Guilherme Brenner. Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no Brasil. 1. Ed. São Paulo: Marcial Pons, 2018, p. 174-187.
Denúncias apontando a ocorrência de crimes no âmbito desportivo, especialmente no futebol, não são novidade1 e tampouco exceção. Contudo, os últimos 20 anos do desporto mais praticado do mundo foram marcados não apenas pela evolução, mas também por um mercado movimentando cifras cada vez mais impressionantes2 e diversos escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro. Desde manipulações de resultados no futebol italiano3, passando pelo aceite de propinas na negociação de contratos comerciais em confederações da América Latina4, até o recente "Barçagate"5, nota-se que a relação crime-futebol não é restrita a um único país e muito menos a um núcleo específico de crimes. O Brasil, obviamente, não é uma exceção. No ordenamento brasileiro os crimes especificamente desportivos, de maneira geral, são previstos na lei 10.671/03, mais conhecida como Estatuto do Torcedor. Nos arts. 41-C e 41-D, com o especial "fim de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado", tipificam-se condutas semelhantes aos delitos de corrupção ativa e passiva. A inclusão dos tipos penais em comento se deu a partir da lei 12.299/2010, editada como resposta à percepção da ausência de consequências quanto à manipulação de resultados. Caso emblemático para tal percepção foi a "Máfia do Apito", revelada em 2005 pela revista Veja, que levou à anulação e nova disputa de 11 partidas da Série A do Campeonato Brasileiro daquele ano. Dada a atipicidade da conduta dos acusados, houve o trancamento da ação penal6, o que motivou, então, a novação legislativa acima comentada. Entretanto, o objetivo do presente é a análise de delitos comuns, ou seja, que não integram diretamente o microssistema desportivo da legislação pátria, mas que são passíveis de cometimento na administração das entidades desportivas. A relevância do tema se justifica pela crescente onda de denúncias de possíveis esquemas presentes na alta cúpula dos clubes, que dilapidam o patrimônio e, por óbvio, geram consequências diretas nos resultados em campo. Exemplo claro do acima aventado são os casos do Cruzeiro Esporte Clube e do Sport Club Internacional, ambos recentemente rebaixados à série B - 2019 e 2016, respectivamente - e cujas gestões foram posteriormente atreladas à prática de diversos desvios e achaques em sua administração7-8. Para além do mencionado em relação aos escândalos na gestão dos clubes, pela constatação de desvios patrimoniais e afins, a própria maneira de administrar as entidades já é percebida como problemática. Em estudo realizado pela consultoria Sports Value9 a partir dos dados do fechamento de balanço do ano de 2019 dos 16 clubes que compõem a elite do futebol no Brasil, verificou-se que a dívida, somada, ultrapassa a casa dos 8 bilhões de reais. A tendência, portanto, é de piora, vez que o cenário acima descrito é imagem prévia à pandemia do COVID-19, que paralisou campeonatos, arrefeceu mercados e impediu a ida de torcedores aos estádios. Diante de tantos problemas, a solução: dois projetos de lei, 5.082/2016 e 5.516/2019, sugerindo a transformação dos clubes em empresa e a criação da Sociedade Anônima de Futebol (SAF). O que era solução, contudo, tornou-se dilema. Inúmeras críticas foram formuladas10 e, a despeito das controvérsias aventadas - algumas até mesmo passíveis de correção no projeto que deve ser votado nas próximas semanas pelo Senado Federal -, uma merece destaque: a mudança da natureza jurídica, por si só, não resolverá os problemas na gestão dos clubes brasileiros11. A uma, porque mesmo empresas com estruturas societárias consolidadas há anos não estão imunes ao cometimento de delitos em seu ínterim; a duas, porque ocasiões pretéritas indicam que a administração empresarial de clubes, entidades intrinsicamente conectadas à paixão de seus adeptos, pode resultar em um completo desastre12. Justamente nesse cenário assumirá relevância outro "tema do momento": o criminal compliance. Desde logo cabe destacar, todavia, que em razão da impossibilidade - pelo menos até o momento - da criminalização de pessoas jurídicas no Brasil por crimes que não os ambientais, bem como da remota probabilidade de um clube de futebol cometer delitos dessa natureza, o criminal compliance aqui mencionado é dirigido à prevenção das condutas praticadas por pessoas físicas que atuam nos clubes e/ou por meio destes. A legislação brasileira, em termos de compliance, ainda é incipiente e, na seara criminal, praticamente irrelevante (quando muito, pode influir na avaliação do dolo do agente). Algumas leis desportivas, como as leis 9.615/98 (Lei Pelé) e 13.155/15 (Lei do PROFUT), incentivam de forma muito indireta a adoção de programas de compliance. Por outro lado, há dispositivos legais que, malgrado não sejam próprios do Direito Desportivo, abordam o tema de forma explícita, como o art. 10, III, da lei 9.613/18 (Lei de Lavagem de Dinheiro) e o art. 7°, VIII, da lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção). Os projetos de lei 5.082-A/2016 e 5.516/2019 não inovam na temática. Pelo contrário, praticamente o ignoram, restringindo as exigências à criação de um canal de denúncias e, implicitamente, de "normas internas de ética" (art. 3°, §2°, do PL 5.082/2016). Ademais, os projetos indicam uma preocupação muito maior com a capacidade financeira bruta dos clubes do que com a sustentabilidade desse potencial. Essa percepção é extraível da mera análise das propostas, que privilegiam a renegociação de dívidas, regimes tributários especiais e facilitações para a captação de investimentos, enquanto praticamente olvidam o estímulo à gestão profissional e ao compliance. A omissão, deliberada ou não, preocupa. Isso, pois a aplicação dos oito pilares de um programa de compliance - suporte da alta administração, gerenciamento de risco, definição de políticas e procedimentos, treinamento e comunicação, canal de denúncia, investigação, due diligence, e monitoramento e auditoria13 - não é apenas possível, mas também benéfica aos objetivos de um clube de futebol, independentemente de sua natureza jurídica. Algumas particularidades, é verdade, devem ser levadas em consideração. Em relação à alta administração, os clubes brasileiros - e não só - costumam ser gerenciados pelos mesmos grupos de pessoas, o que pode dificultar a implementação de um programa independente14. No que tange ao gerenciamento de riscos, é importante atentar-se à diversidade e à singularidade de um clube de futebol. Não apenas a alta cúpula necessita de vigilância, como também os jogadores e torcedores - que podem tanto manipular resultados quanto praticar atos racistas, por exemplo -, os empresários e todos os demais empregados do clube, principalmente aqueles responsáveis pelo trato com os jovens das categorias de base15. Outra medida certamente difícil de manejar, pelo tamanho dos clubes e das torcidas que representam uma "extensão descontrolada" destes (destaque-se que, embora o clube não possa ser responsabilizado criminalmente por um delito cometido por seu adepto, poderá sofrer consequências gravíssimas, como perda de mando de campo ou de pontos em campeonatos), será a comunicação e treinamento16. Essas barreiras, contudo, não são intransponíveis. Um recente exemplo de bem sucedido programa de compliance aplicado ao futebol é o do pioneiro Coritiba Football Club. Primeiro clube a adotar referidas preventivas na América Latina, em apenas um ano de funcionamento o Coritiba registrou mais de 120 denúncias em seu canal e evitou a perda de aproximadamente 50 milhões de reais17. Inobstante o fato de 78% das denúncias envolverem o descumprimento de diretrizes do programa de compliance18 demonstrar a potencialidade das ações na prevenção de delitos, dentre eles a corrupção e a lavagem de dinheiro, o impacto financeiro da quantia que deixou de ser perdida é extremamente relevante. A título de comparação, o atacante Bruno Henrique, eleito melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 2019, no mesmo ano foi comprado pelo Flamengo por 23 milhões de reais19 e atualmente ostenta um valor de mercado de aproximadamente 36 milhões de reais20. Merece ressalto, também, o caso do Sport Club Internacional, que após a contratação de auditoria independente, no ano de 2017, constatou as irregularidades orçamentárias anteriormente mencionadas, o que reforça a capacidade de rendimento de uma estrutura de compliance prévia e organizada para evitar ocorrências de igual quilate. Vislumbra-se, portanto, que os benefícios oriundos da implementação de programas de compliance idôneos no futebol, vale dizer, ultrapassam os limites do campo criminal e infiltram em diversas outras áreas como eficiência financeira, de gestão, e melhoria de imagem. Evidente que o compliance, por si só, também não resolverá todos os problemas. Em verdade, não obstante nenhuma medida isolada sirva como prevenção, poderá falhar mesmo quando apoiada por outras práticas. Isso, pois nenhum programa será 100% efetivo, eis que infrações sempre poderão ser cometidas mesmo diante de todo o cuidado possível. Por isso devemos tratar os programas de compliance como idôneos ou inidôneos, é dizer, como realmente destinados à prevenção de delitos ou como uma "boa prática aparente". Por todo o exposto é que a ausência do tema nos Projetos de Lei que prometem modernizações na gestão dos clubes de futebol parece um verdadeiro gol contra. Em tempos de VAR, a revisão dessa jogada é primordial. *Leandro Oss-Emer é acadêmico de Direito da UFPR. Atualização em Compliance pela FGV. Membro fundador e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR. **Lorenzo Ottobelli é pós-graduando em Direito Penal Econômico na FGV. Bacharel em Direito pela UFPR. Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR. Membro do Grupo de Estudos Avançados em Investigação Defensiva do IBCCRIM/PR. Advogado na Trauczynski Muffone Advogados. __________ 1 Denunciava-se, já nos anos 1980, a utilização de dinheiro do narcotráfico como patrocínio de clubes de futebol. Nesse sentido: MONFARDINI, Fernando. Compliance no futebol. Sodré Gráfica e Encadernadora Ltda.: Vitória, 2020, p. 115-119. 2 Mencione-se que em 2015, só no Brasil, o futebol movimentou cerca de 53 bilhões de reais. No mundo, o número anunciado em 2018 ultrapassava a cifra dos 100 bilhões de reais. Nesse sentido, respectivamente: MATTOS, Rodrigo. Futebol movimenta R$ 53 bi na economia do Brasil, mas só gera 1% de imposto. Disponível aqui. Acesso em: 01 mai. 2021; CHADE, Jamil. Receita do futebol supera R$ 100 bilhões e esporte já é maior que PIB de 95 países. Disponível aqui. Acesso em: 01 mai. 2021. 3 MORSE, Rômulo. Corrupções no Calcio: "calciopoli", o maior escândalo do futebol italiano. Disponível aqui. Acesso em: 01 mai. 2021. 4 MACHADO, Camilo Pinheiro; DE ASSIS, Joanna. Justiça americana condena José Maria Marin a quatro anos de prisão. Disponível aqui. Acesso em: 01 mai. 2021. 5 O escândalo aponta, dentre outros, a ocorrência dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no Futbol Club Barcelona, um dos maiores clubes de futebol do mundo. Recebeu destaque da mídia após a informação de que empresas de marketing haviam sido contratadas para proferir ataques aos jogadores do próprio clube, que não mantinham boas relações com a diretoria. Nesse sentido: EX-PRESIDENTE do Barcelona é preso na Espanha por 'Barçagate'. ESPN Brasil, 01 de março de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 01 mai. 2021. 6 PORFÍRIO, Fernando. TJ-SP tranca ação penal contra acusados na máfia do apito. Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2009. Acesso em: 01 mai. 2021. 7 No caso do clube mineiro, o ex-presidente e mais oito pessoas foram denunciadas pelo MPMG por lavagem de dinheiro, apropriação indébita, falsidade ideológica e formação de organização criminosa. BRAGA, Thiago; NEGRÃO, Ivana. Polícia de Minas Gerais abre novo inquérito para apurar desvios no Cruzeiro. UOL, 16 de outubro de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 01 mai. 2021. 8 No Rio Grande do Sul, o ex-presidente e mais oito pessoas foram também denunciados por formação de organização criminosa, estelionato e lavagem de dinheiro. HAMMES, Tomás. MP do RS denuncia ex-presidente do Sport Club Internacional e outras 13 pessoas por desvio de Dinheiro. G1, 06 de novembro de 2019. Disponível aqui. Acesso em: 02 mai. 2021. 9 SOMOGGI, Amir. Clubes brasileiros aumentaram receitas, viram custos dispararem e dívidas superarem os R$ 8 bilhões em 2019. Disponível aqui. Acesso em: 02 mai. 2021. 10 Destaque-se, nesse sentido: MOTTA, Luciano. O mito do clube-empresa. Belo Horizonte: Sporto, 2020. 11 Menciona o problema: MONFARDINI, Fernando. Op., cit., p. 32-33. 12 Podem ser citados como exemplos de desastrosas gestões empresariais em clubes: o Rio de Janeiro Futebol Clube, que nasceu como clube-empresa em 1998 e em 2014 foi desfiliado da Federação de Futebol do Rio de Janeiro; o Esporte Clube Bahia, que em 1998 constituiu o Esporte Clube Bahia S.A. a fim de profissionalizar o departamento de futebol, mas que além de ser rebaixado para a terceira divisão do campeonato brasileiro e de enfrentar uma depreciação de mais de 25 milhões de euros em seu patrimônio líquido, teve sua imagem associada a forte esquema de corrupção; e, mais recentemente, o Figueirense Futebol Clube, que em 2017 aprovou a criação de uma empresa para gerir o clube e, logo nos primeiros anos, relatou relevante aumento em sua dívida, chegou a perder partidas por W.O. porque jogadores se recusaram a entrar campo com salários atrasados, e acabou rebaixado para a terceira divisão do futebol nacional. Veja mais em: MOTTA, Luciano. Op., cit., p. 58-69. 13 MONFARDINI, Fernando. Compliance no futebol. Sodré Gráfica e Encadernadora Ltda.: Vitória, 2020; JANUÁRIO, Túlio Felippe Xavier. Criminal compliance e corrupção desportiva: um estudo com base nos ordenamentos jurídicos do Brasil e de Portugal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019; No mesmo sentido, de forma indireta: RIOS, Rodrigo Sánchez; ANTONIETTO, Caio. Criminal compliance: prevenção e minimização de riscos na gestão da atividade empresarial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 114/2015, p. 341-375, mai-jun/2015. 14 MONFARDINI, Fernando. Op., cit., p. 94-97. 15 MONFARDINI, Fernando. Op., cit., p. 97-136. 16 MONFARDINI, Fernando. Op., cit., p. 147-148. 17 BOAS práticas: assim como o Coritiba com o Conduta Coxa-Branca, empresas e entidades esportivas criam rating do esporte visando boas práticas de gestão. Coritiba Football Club, 28 de junho de 2017. Disponível aqui. Acesso em: 02 mai. 2021. 18 MONFARDINI, Fernando. Op., cit., p. 193. 19 GIUFRIDA, Bruno; MOTA, Cahê; DOS SANTOS, Gabriel. Flamengo acerta compra de Bruno Henrique, e atacante não joga estreia do Santos no Paulista. Disponível aqui. Acesso em: 02 mai. 2021. 20 De acordo com o site Transfermarket, especializado nesse tipo de análise, em 09/02/2021 o jogador era avaliado em 5,50 milhões de euros, o que equivale a pouco mais de 36 milhões de reais de acordo com a cotação do dia 02/05/2021. Disponível aqui. Acesso em: 02 mai. 2021.