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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
1) Um leitor indaga, em suma, qual a diferença entre cidade, município e comarca.2) Para bem entender as diferenças e formular as distinções, o melhor é, por primeiro, ver o real significado de cada um desses vocábulos, mesmo sem pretensão de precisão terminológica.3) Cidade pode ser conceituada como uma aglomeração humana localizada em uma área geográfica circunscrita, com casas próximas entre si, destinadas à moradia e/ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras e a outras não relacionadas com a exploração direta do solo. Para ser considerada como tal, é preciso ter um número mínimo de habitantes e uma infraestrutura que atenda minimamente às necessidades de sua população. Do latim civitas, civitatis, quer dizer, em síntese, a reunião dos cidadãos. Se pequena demais, chama-se povoado; se um pouco maior, vila; se de tamanho mais significativo, então é cidade. Sua acepção (como zona e ambiente urbanos) opõe-se à de campo (zona rural). A maior cidade do Brasil é São Paulo, considerado, para essa classificação, o critério da população.4) Já o município é um espaço territorial político dentro de um estado ou unidade federativa. Cada estado da federação se divide territorialmente em municípios, e a exceção fica com o Distrito Federal e com o arquipélago de Fernando de Noronha, este, um distrito estadual de Pernambuco. Em termos de organização política, pela Constituição de 1988, o Município alcançou o patamar de terceiro ente da federação, precedido pela União e pelos Estados. Detém ele personalidade jurídica, e é ele quem cobra os impostos e responde por eventuais danos ao munícipe, aciona o contribuinte inadimplente e estabelece as leis e posturas municipais por via de seus agentes políticos. De acordo com dados do IBGE para 2014, o município menos populoso do País era Serra da Saudade, em Minas Gerais, com 822 habitantes. O mais populoso era São Paulo, no Estado de São Paulo, com aproximadamente doze milhões de habitantes. Em termos de extensão territorial, o maior município brasileiro era Altamira, no Estado do Pará, com 159.695 km2, sete vezes maior do que o Estado de Sergipe, com apenas 21.910 km2.5) Por fim, a comarca é a extensão territorial em que um juiz de direito de primeira instância exerce sua jurisdição. Corresponde ela, assim, à jurisdição de um tribunal judicial de primeira instância, quer com competência genérica, quer com competência especializada (cível, criminal, etc.). Seu conceito remete a um critério estritamente judiciário.6) Postos esses conceitos como premissas, mesmo sem pretender exaurir o assunto, podem-se fazer algumas ponderações adicionais, com vistas a fixar melhor as diferenças entre essas três entidades: a) no conceito de cidade, avulta a natureza urbanística, enquanto no de município, há o relevo para o aspecto político e administrativo e, por fim, na comarca, reside o ponto de vista judiciário; b) a cidade tem zona urbana, enquanto o município apresenta zona urbana e zona rural, e a comarca não se preocupa com esse critério de consideração; c) um município detém personalidade jurídica, mas não a cidade nem a comarca; d) a cidade é a sede do município e pode ser a sede de uma comarca; e) uma comarca pode abranger mais de uma cidade e mais de um município; f) um município pode abranger mais de uma cidade, mas não mais de uma comarca; g) uma cidade não abrange mais de um município nem mais de uma comarca; h) uma cidade pode não ser limítrofe de outra, mas todos os municípios brasileiros fazem fronteira uns com os outros; i) todas as comarcas fazem fronteira umas com as outras, muito embora seus limites não coincidam com os dos municípios.
quarta-feira, 25 de abril de 2018

Omelete - O ou a?

1) Um leitor afirma ter ouvido, com certa frequência, em restaurantes, pessoas pedindo o omelete em vez de a omelete. Como até ele ficou na dúvida, pergunta se o correto é o omelete ou a omelete. 2) Ora, sempre é bom lembrar - até para criar no leitor o salutar hábito de um raciocínio que se repete - que, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, ou mesmo qual é seu gênero, grafia e/ou pronúncia, ou qual o seu plural quando foge à normalidade, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma e para definir-lhes as demais peculiaridades e circunstâncias, é a Academia Brasileira de Letras. 3) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4) Uma simples consulta ao VOLP mostra que omelete é palavra que tanto pode ser usada no masculino como no feminino (a omelete ou o omelete). E mais: o VOLP registra adicionalmente a forma omeleta, pertencente ao feminino (2009, p. 596). 5) Uma primeira observação: omelete tem som aberto (é), mas omeleta tem som fechado (ê). 6) Uma segunda observação: Antônio Houaiss segue o VOLP e registra omelete no masculino e no feminino (2001, p. 2.062); mas Aurélio Buarque de Holanda Ferreira a registra apenas no feminino (2010, p. 1.506). E fica a dúvida sobre quem está com a razão. Ora, sem desprezo algum pelo grande trabalho prestado pelos dicionaristas ao idioma, o certo é que, quando há divergência entre algum deles e o VOLP, a razão há de estar sempre com este último, que é a palavra de quem detém a autoridade oficial para definir aspectos linguísticos dessa natureza. 7) Em reposta ao leitor, confiram-se os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "Ele pediu um omelete com queijo" (correto); b) "Ele pediu uma omelete com queijo" (correto); c) "Ele pediu uma omeleta com queijo" (correto).
quarta-feira, 18 de abril de 2018

Inventariante - Cargo ou Encargo?

1) Um leitor indaga se alguém assume o cargo ou o encargo de inventariante. 2) Ora, um dos sinônimos que o dicionarista Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira registra para cargo é exatamente encargo (2010, p. 432). E outro não é o proceder de Antônio Houaiss em obra similar (2001, p. 626). 3) E, uma vez firmada a sinonímia entre ambos os vocábulos no que concerne a seu uso diário, observa-se, em seguida, que esse emprego indistinto também se estende a todo o Código Civil de 1916, obra de apuro técnico indiscutível, sobretudo em razão dos embates travados no campo linguístico entre Rui Barbosa e seu antigo professor, Ernesto Carneiro Ribeiro. 4) Embora se possa ver em cargo o realce do aspecto mais objetivo da posição, enquanto no encargo parece residir uma consideração mais subjetiva da função, o certo é que essa intercambiabilidade se dá a tal ponto que, enquanto o art. 1.764 fala de encargo da testamentaria, o dispositivo imediatamente posterior já refere o cargo da testamentaria. 5) Confiram-se, assim, alguns exemplos de uso de encargo no Código Civil de 1916: a) "Art. 26. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado, onde situadas. § 1º Se estenderem a atividade a mais de um Estado, caberá em cada um deles ao Ministério Público esse encargo"; b) "Art. 27. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 24), os estatutos da fundação projetada, submetendo-os, em seguida, à aprovação da autoridade competente"; c) "Art. 1.315. O mandatário tem sobre o objeto do mandato direito de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo despendeu"; d) "Art. 1.764. O encargo da testamentaria não se transmite aos herdeiros do testamenteiro, nem é delegável". 6) E também se atente a alguns exemplos do uso de cargo em mesma legislação codificada: a) "Art. 467. Em falta de cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe ao pai, à mãe, aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo"; b) "Art. 1.579. Ao cônjuge sobrevivente, no casamento por comunhão de bens, cabe continuar, até a partilha, na posse da herança, com cargo de cabeça do casal"; c) "Art. 1.758. Levar-se-ão em conta ao testamenteiro as despesas feitas com o desempenho de seu cargo e a execução do testamento"; d) "Art. 1.765. Havendo simultaneamente mais de um testamenteiro, que tenham aceitado o cargo, poderá cada qual exercê-lo, em falta dos outros". 7) No Código Civil de 2002, essa promiscuidade continua: sempre com a mesma acepção, ora se emprega cargo (arts. 25, § 1º, 711, 1.062, caput, 1.063, caput, e 1.986), ora se usa encargo (arts. 65, caput, 681 e 1.985). 8) O Código de Processo Civil de 1973 não é diferente: tanto utiliza o vocábulo cargo (arts. 764, 990, VI, e 991, VII), como emprega encargo (arts. 146, caput, 150, 422, 1.127, caput, 1.141, 1.192 e 1.198). 9) E o Código de Processo Civil de 2015, embora tenha dado preferência ao emprego de encargo (arts. 157, 161, caput, 466, caput, 468, II, 735, § 4º, 760 e 763), acabou empregando, ao menos uma vez, o vocábulo cargo nesse sentido (art. 618, VII). 10) Em síntese, respondendo, de modo prático e direto, à indagação específica do leitor, pode-se usar indistintamente cargo de inventariante ou encargo de inventariante.
quarta-feira, 4 de abril de 2018

Folha e Página - Qual a diferença?

1) Um leitor indaga, em síntese, qual a diferença entre folha e página. E complementa, partindo da premissa de que a folha, quando considerada na frente e no verso, é um conjunto constituído por duas páginas, se posso usar a expressão folha para significar cada conjunto de duas páginas, estas com numeração duplicada daquelas. Assim, página 40 ou folha 20-verso. 2) Ora, folha vem do substantivo neutro latino folium (possivelmente tomado por equívoco do plural folia como se fosse um feminino singular) e significa o órgão geralmente laminar e verde de algumas plantas. Por analogia, passou a significar qualquer lâmina de pouca espessura, como folha de metal, folha-de-flandres ou folha de papel. 3) Já página vem do feminino latino pagina, que significa a parte interna de um papiro, com uma coluna apenas escrita. 4) Com essas explicações como premissas, passa-se a responder à indagação do leitor: a) é certo que, num livro, num caderno ou num processo, uma folha é um conjunto de duas páginas, que representam a frente e o verso daquela; b) convencionou-se, todavia, dizer folha em alguns casos (como num processo), e página em outros (como num livro ou caderno); c) num livro, as páginas recebem numeração crescente, de modo que, na frente, se tem uma página de número ímpar, enquanto, no verso, uma de número par; d) já com os processos, as folhas têm numeração crescente em sua frente, mas o seu verso recebe o mesmo número da frente, apenas com a especificação de que se trata do verso (assim, fls. 3 e fls. 3-verso, ou, de modo abreviado, fls. 3-v.). 5) Parece oportuno acrescentar algumas observações: a) haveria de contrariar na íntegra o uso que normalmente se faz do idioma empregar página para discriminar os elementos de um processo judicial ou folha para especificar os mesmos elementos de um livro ou caderno; b) importa observar, entretanto, que, fora de uma estrita especificação e numeração, emprega-se folha para fazer referência a um livro, sobretudo quando não está em questão a respectiva numeração ("Ele procurou ler aquele livro, mas não passou das primeiras três folhas").
quarta-feira, 14 de março de 2018

Mal - Quando usar o hífen?

1) Uma leitora, com o advento das novas regras de ortografia, diz ter dúvidas sobre o emprego ou não do hífen com o advérbio mal, quando este é o primeiro elemento de uma palavra. 2) Por um lado, é importante observar que o Acordo Ortográfico de 2008, quanto ao uso do hífen, teve em mira os seguintes objetivos: a) diminuir ao máximo seu emprego, quer pela junção dos elementos sem hífen (corréu e contrassenso), quer por sua separação em vocábulos distintos, mas sem hífen (à toa, dia a dia e pôr de sol); b) especificar melhor as regras para seu uso; c) conferir sistematização mais lógica a seu emprego. 3) Apesar das boas intenções e das estudadas tentativas nesse sentido, o certo, porém, é que, no que tange ao advérbio mal, não foram fixados critérios objetivos, que possam solucionar, de maneira clara, simples e uniforme, as questões práticas, sem que o usuário venha a se encontrar frequentemente às voltas com dúvidas. 4) De modo prático, para bem esclarecer a dúvida da leitora, observa-se, desde logo, que a Academia Brasileira de Letras é quem detém a autoridade para listar, oficialmente, não apenas as palavras existentes em nosso idioma, mas também seu modo de escrever, e ela exerce essa autoridade por meio da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5) E uma consulta à mais recente edição do VOLP, entretanto, evidencia que a grafia dos vocábulos precedidos de mal não se reveste de critérios objetivos nem de coerência. 6) Assim, num primeiro aspecto: a) em algumas palavras, foram separados os elementos por hífen (mal-acabado, mal-acostumado, mal-amado, mal-apanhado, mal-estar, mal-humorado); b) em outras, contudo, demonstrando incoerência de critérios, manda escrever em um só vocábulo, sem união dos elementos por hífen (malcomportado, malconceituado, malconformado, malcriado, maldisposto e maldotado); c) e, o que é pior, os antônimos desses últimos são escritos com hífen (bem-comportado, bem-conceituado, bem-conformado, bem-criado, bem-disposto e bem-dotado). 7) Com essas observações, num segundo aspecto, quando, em comparação com bem, se consideram os vocábulos precedidos de mal, também se nota a falta de coerência do VOLP, o qual, por exemplo, registra mal-aconselhado, mal-assado e mal-assimilado, mas não registra seus antônimos, os quais, em obediência às regras de grafia, deverão ser escritos em elementos separados e sem hífen (bem aconselhado, bem assado e bem assimilado), do que deflui, claramente, uma confusão geral. 8) E, assim, respondendo especificamente à indagação da leitora: como o VOLP não registra os vocábulos com hífen, isso quer dizer que as palavras por ela trazidas como dúvidas entram na vala comum daquelas cujos elementos se escrevem separadamente e sem hífen algum: mal colocada e mal contidas. 9) Por fim, duas ponderações adicionais precisam ser feitas: por um lado, como já se disse, o VOLP (editado pela ALB) é a palavra oficial em termos de grafia das palavras em nosso idioma, e a ele devemos prestar obediência, de modo que, na dúvida, a solução é consultá-lo; por outro lado, lembra-se que resta a esperança de que a ABL, em futura edição do VOLP, busque um foco mais preciso com vistas à solução deste assunto.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Um dos que - Será ou serão?

1) Uma leitora encontrou a seguinte frase: "De acordo com pesquisa da National Association for Law Placement, o departamento de aperfeiçoamento de profissionais é um dos primeiros a ser cortado em contenção de gastos em escritórios de advocacia". Pareceu-lhe errada a concordância "é um dos primeiros a ser cortado". Em seu entendimento, se há outros, o departamento de aperfeiçoamento deve ser "um dos primeiros a serem cortados". 2) Para uma abordagem mais didática, procede-se inicialmente à extensão da frase no trecho da dúvida, fazendo desaparecer o verbo no infinitivo. A partir de tal extensão, o desafio será definir qual das formas é correta: a) "... é um dos primeiros que será cortado..."; b) "... é um dos primeiros que serão cortados..." 3) Com essa pequena alteração, importa observar que a expressão um dos que é daquelas que merecem considerações específicas quanto à concordância verbal. 4) É que, quando ela compõe o sujeito, o verbo pode concordar optativamente no singular ou no plural: a) "Rui Barbosa foi um dos que serviu tanto ao Direito quanto ao vernáculo" (correto); b) "Rui Barbosa foi um dos que serviram tanto ao Direito quanto ao vernáculo" (correto). 5) Autorizadas que estão ambas as concordâncias no plano da sintaxe, parece oportuno acrescentar que a questão não é indiferente na órbita do significado: a) com o verbo no singular, realça-se a ideia da ação individual; b) com o verbo no plural, reforça-se o aspecto da ação coletiva. 6) E, assim, feitas essas observações com a oração estendida, volta-se à especificação das frases trazidas pela leitora, com o lembrete de que o raciocínio é o mesmo tanto para a oração estendida quanto para a oração reduzida: a) "O departamento de aperfeiçoamento de profissionais é um dos primeiros que será cortado..." (correto); b) "O departamento de aperfeiçoamento de profissionais é um dos primeiros que serão cortados..." (correto); c) "O departamento de aperfeiçoamento de profissionais é um dos primeiros a ser cortado..." (correto); d) "O departamento de aperfeiçoamento de profissionais é um dos primeiros a serem cortados..." (correto).
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Agravo de ou por instrumento?

1) Um leitor observa que a legislação fala em agravo de instrumento; mas indaga se não seria correto dizer e escrever agravo por instrumento. 2) Ora, de modo específico para o agravo - uma modalidade de recurso em processos judiciais - Francisco Fernandes vê possibilidades de construção com as preposições de e em: "agravo de petição" e "agravo no (em + o) auto do processo". Nesse mesmo sentido é o ensino de Celso Pedro Luft. 3) O dicionarista Antônio Houaiss refere apenas a possibilidade de construção com a preposição de: agravo de petição e agravo de instrumento. 4) Já quanto à legislação codificada, anota-se que o Código de Processo Penal não emprega a palavra agravo em nenhum de seus dispositivos, e o Código de Processo Penal Militar o faz por duas vezes, ambas para a expressão agravo de instrumento. 5) A Consolidação das Leis do Trabalho refere cinco vezes agravo de instrumento e outras cinco, agravo de petição. 6) E o Código de Processo Civil de 1973 dentre outros empregos do vocábulo agravo, emprega dez vezes a expressão agravo de instrumento. 7) Ante esse quadro, é de relevo resumir, por um lado, que em nenhum código vigente aparece o circunlóquio agravo por instrumento. E apenas uma única vez se registra que, nesse recurso, "será admitida sua interposição por instrumento" (CPC/1973, art. 522, caput). 8) Todavia, quando se encontra tal expressão, ainda que por uma única vez no direito posto, importa observar que ela vem exatamente para explicitar qual seja a realidade do agravo em um caso concreto: um recurso que, a par do tipo retido, admite, na hipótese versada, sua interposição por instrumento. 9) Nesse quadro, se é verdade, por um lado, que os gramáticos, a tradição jurídica e o direito posto não têm usualmente contemplado a perífrase tal como trazida pelo leitor, uma adequada análise gramatical da realidade demonstra, por outro lado, que nem por isso ela se alheia do leque das possibilidades gramaticais de uso. 10) Com essas reflexões, passa-se a responder ao leitor: a) é certo que a única forma dessa expressão encontrada nas leis atualmente em vigor é agravo de instrumento; b) também é certo que a perífrase agravo por instrumento não encontra registro nem entre os gramáticos e estudiosos do assunto, nem na tradição do nosso Direito; c) encontra-se, todavia, embora por uma única vez, ao se falar desse recurso, a perífrase "interposição por instrumento" (CPC-1973, art. 522, caput); d) e uma detida análise gramatical e sintática mostra nela uma explicação adequada de tal modalidade de agravo e, por consequência, patenteia a própria correção do intento do leitor; e) isso quer dizer, em suma, que, a par da expressão consagrada pelos estudiosos do idioma e do Direito (agravo de instrumento), nada impede que o referido recurso também seja denominado agravo por instrumento; f) a circunlocução por último referida, aliás, traz com clareza até maior do que a expressão consagrada o intuito do complemento preposicionado (isto é, explicitar que se trata de um agravo cuja interposição se dá por instrumento).
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Voto-vista ou Voto vista? E qual é o plural?

1) Uma leitora quer saber qual a grafia correta do vocábulo: voto-vista ou voto vista? E outra indaga qual é seu plural, sobretudo porque não se registra tal palavra no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras. 2) Observe-se, de início, quanto ao conceito dessa expressão, que, nos tribunais, sendo o julgamento normalmente colegiado, pode ocorrer que, após o relator proferir seu voto, o julgador seguinte (ou algum dos demais) não se sinta em condições de decidir, ou prefira analisar mais detidamente certos aspectos do caso. Então ele pede vista (a expressão jamais é pedir vistas, no plural). Isso significa que o julgamento é suspenso, e os autos do processo lhe são encaminhados. Em uma das sessões seguintes, o processo retorna à pauta, e o julgador que pediu vista entrega seu voto. A esse voto proferido após a vista solicitada, dá-se o nome de voto-vista (ou voto vista?), expressões essas que não se encontram nem no Código de Processo Civil de 1973, nem no de 2015, nem, ainda, nos regimentos internos dos tribunais superiores. 3) No que concerne à grafia, importa observar, por um lado, que, na edição de 2009, não se registra essa expressão entre as palavras listadas pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, órgão esse que detém a delegação para dizer oficialmente quais são os vocábulos integrantes de nosso idioma. Além disso, também não consta da versão sempre atualizada on-line do VOLP no site da ABL. 4) Ante esse quadro, uma primeira e importante regra a ser observada é que a ABL detém autoridade para listar os vocábulos existentes no idioma e suas respectivas grafias, e ela o faz por intermédio do VOLP. Por isso, é correntio afirmar que o que não está no VOLP não existe no idioma. 5) Ocorre, todavia, que um dos casos em que essa regra geral pode ser contornada é aquele em que se precisa de um neologismo, de uma palavra para dar nome a um ser ou a uma situação, ou mesmo para expressar uma realidade nova. É o que acontece no caso vertente, em que esse neologismo se compõe pela junção por hífen de dois elementos já existentes no idioma (voto e vista), resultando em um novo vocábulo (voto-vista), que possui sentido novo e diverso de ambas as palavras (a saber, de voto proferido em sequência a um pedido de vista). Sua criação advém tanto da necessidade de um termo que atenda à especificação técnica requerida, como da inexistência de palavra equivalente no idioma. 6) Com essa explicação, dá-se, assim, por superado, em primeira conclusão, o requisito da necessidade de criação de um neologismo e se conclui pela adequação de conduta quanto a juntar os segmentos integrantes da expressão, e isso porque a palavra resultante constitui entidade diversa daquilo que significa cada um de seus elementos componentes. 7) Ao depois, em segunda conclusão, no que tange à grafia, parece totalmente adequado juntar por hífen os dois elementos dessa nova palavra, e isso porque, embora tenha havido, no caso, a criação de uma unidade semântica por sua justaposição em neologismo, o certo é que a pronúncia distinta de ambos os elementos do vocábulo, que mantêm seus acentos prosódicos próprios, exige sua grafia também separada (assim, voto-vista). 8) Quanto a seu plural, fazem-se as seguintes observações: a) um substantivo formado por mais de um elemento é um substantivo composto; b) no caso, importa fixar que cada um de tais elementos, quando isoladamente considerado, já é um substantivo; c) se, como no caso, os elementos de um substantivo composto já são dois substantivos, e o segundo não confere apenas a ideia de adição ao primeiro, mas indica-lhe um tipo ou finalidade, o ensino tradicional é que só varia o primeiro elemento (canetas-tinteiro, navios-escola e salários-família); d) aplicando-se a regra ao caso, é correto dizer votos-vista; e) como, todavia, é assunto delicado e nem sempre seguro saber se o segundo elemento acrescenta ou não a ideia de tipo ou finalidade ao primeiro, a tendência atual da Gramática é também permitir a flexão de ambos os elementos, motivo por que são igualmente corretos os plurais canetas-tinteiros, navios-escolas e salários-famílias; f) aplicando-se a regra ao caso apreciado, também é correto dizer votos-vistas. 9) Por fim, respondendo de modo prático às indagações das leitoras: a) embora não se registre no VOLP, é correto escrever, em real, verdadeiro e defensável neologismo, o vocábulo voto-vista, assim, com hífen; b) seu plural tanto pode ser votos-vista como votos-vistas; c) espera-se que, em razão dos aspectos assinalados nestas considerações, a ABL decida pela inserção do mencionado vocábulo em edição futura do VOLP.
quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Para mim e você ou Para eu e você?

1) Um leitor quer saber, em suma, como se deve dizer e escrever: para mim e você ou para eu e você? 2) Antes de responder diretamente ao leitor, é importante formular dois exemplos, já que o que as expressões foram trazidas para análise soltas e sem vinculação a uma estrutura sintática adequada: a) "A bibliotecária trouxe o livro para José"; b) "A bibliotecária trouxe o livro para José folhear". 3) Quanto ao primeiro exemplo - "A bibliotecária trouxe o livro para José" - podem-se fazer as seguintes considerações: a) o exemplo tem um só verbo (trouxe); b) trata-se de um período simples; c) a bibliotecária é o sujeito; d) o livro é o objeto direto; e) José é o objeto indireto. 4) Já sobre o segundo exemplo - "A bibliotecária trouxe o livro para José folhear" - podem-se extrair as seguintes ilações: a) o exemplo tem dois verbos (trouxe e folhear); b) trata-se, portanto, de um período composto; c) a primeira oração é "A bibliotecária trouxe o livro"; d) a segunda oração é "para José folhear"; e) as funções sintáticas dos termos da primeira oração são aquelas já referidas no exemplo anterior; f) já na segunda oração, quando se pergunta "para quem folhear?", encontra-se o sujeito desse verbo, que é José. 5) Com essas considerações, segue-se o raciocínio: a) imagine-se que, em ambos os exemplos, se queira substituir José por um pronome da primeira pessoa do singular (eu ou mim); b) então se deve lembrar que, no primeiro exemplo, José é o objeto indireto, enquanto, no segundo exemplo, ele é o sujeito; c) a esta altura, também é preciso lembrar a velha (e nem sempre compreendida) regra de que eu é um pronome do caso reto, enquanto mim é do caso oblíquo; d) ora, quando se faz tal afirmativa, o que se quer dizer na prática é que um pronome do caso reto serve para funcionar como sujeito, enquanto um pronome do caso oblíquo serve para funcionar como complemento; e) entendida a questão desse modo, então se resolve com facilidade a substituição do primeiro caso ("A bibliotecária trouxe o livro para mim") e também a do segundo ("A bibliotecária trouxe o livro para eu folhear"); f) qualquer mudança do pronome, nesses casos, estaria errada. 6) Por fim, respondendo diretamente à indagação do leitor: a) tal como feita a pergunta, a resposta deve ser que ambas as construções são possíveis, já que só se pode fazer outra afirmação em exemplos sintaticamente estruturados; b) se, todavia, se pensar em exemplos práticos, em que se empregue a expressão em estruturas sintáticas analisáveis, estará correto dizer, por um lado "A bibliotecária trouxe o livro para mim e você"; c) por outro lado, também estará correto dizer "A bibliotecária trouxe o livro para eu e você folhearmos"; d) estará errado, entretanto, dizer, por um lado, "A bibliotecária trouxe o livro para eu e você"; e) e também estará errado dizer "A bibliotecária trouxe o livro para mim e você folhearmos".
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

De ou Da?

1) Uma leitora diz ter dúvidas quanto ao emprego da preposição de, quando em contração com os artigos a e o. Assim: a) Secretaria de Educação ou Secretaria da Educação?; b) Uso de pronome pessoal ou Uso do pronome pessoal? 2) Uma primeira observação a ser feita nesse campo é que, como o próprio nome demonstra, o artigo definido serve para particularizar o substantivo que o segue. Entre Encontrei Carlos e Encontrei o Carlos, vê-se que o segundo modo de expressão é mais determinado, mais específico e, aparentemente, mais próximo de quem fala do que o primeiro. 3) E, se, em vez apenas do artigo, vem este antecedido de uma preposição, a situação se repete em mesmos moldes, como não é difícil perceber entre as expressões roupa de menina e roupa da menina. 4) Com essas observações como premissas, pode-se dizer, num primeiro aspecto, em resposta à indagação da leitora, que o ensino se aplica às expressões uso de pronome e uso do pronome, sem necessidade de maiores comentários. 5) Por outro lado, quanto à primeira expressão trazida por ela, a questão também é de mera opção, ora pelo emprego exclusivo da preposição, ora pelo uso da contração da preposição + o artigo, podendo haver, apenas e tão somente, ligeira diferença de sentido, conforme deflui do apontamento inicial destes comentários: Secretaria de Agricultura, Secretaria de Direitos Humanos e Secretaria de Desenvolvimento Social, ou Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria da Fazenda e Secretaria da Receita Federal.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Só - Adjetivo ou advérbio?

1) Um leitor indaga se, na frase "Exército de um homem só", "só" se comporta como adjetivo (equivalendo a solitário), como o advérbio (correspondendo a apenas) ou como ambos?" E outro leitor pergunta qual a frase correta entre as seguintes: a) "Causas que, por si só, produziriam o resultado..."; b) "Causas que, por si sós, produziriam o resultado". 2) Ora, a palavra só ora funciona como advérbio, ora, como adjetivo. 3) Por um lado, tem ela valor de advérbio: a) quando modifica um verbo ou um adjetivo; b) nesse caso, equivale a somente, unicamente, apenas; c) nessa situação, é invariável. Exs.: i) "O réu só queria protelar o andamento do feito"; ii) "Os réus só queriam protelar o andamento do feito". 4) Por outro lado, tem valor de adjetivo: a) quando modifica um substantivo; b) nesse caso equivale a sozinho, desacompanhado, solitário; c) nessa situação, é variável. Exs.: i) "O réu ficou só"; ii) "Os réus ficaram sós". 5) Por oportuno, acresce dizer que a expressão a sós é invariável. Exs.: a) "O réu ficou a sós"; b) "O réu e seu patrono ficaram a sós". 6) Feitas essas considerações, passa-se a responder, de modo prático, ao primeiro leitor: a) deixando de lado a teoria, quer porque nem sempre é de fácil entendimento, quer porque dispensável na análise do caso concreto, pode-se afirmar que só é advérbio quando significa somente ou apenas; b) nesse caso, é invariável; c) por outro lado, é adjetivo quando significa sozinho ou solitário; d) nessa hipótese, é variável; e) na expressão trazida para análise - "Exército de um homem só", o sentido permite que a substituição se dê por qualquer dos vocábulos referidos como sinônimos (somente ou apenas e sozinho ou solitário); f) é de fácil percepção que a função de só será diferente, conforme o sentido que se dê ao vocábulo no caso prático; g) quando o sentido for somente ou apenas, então só será um advérbio; h) quando, porém, se quiser conferir a tal palavra o sentido de sozinho ou solitário, então se estará diante de um adjetivo; i) com os exemplos no plural, a expressão mostra com mais clareza a diferença de sentidos e de funções de tal palavra - "Exército só de homens" e "Exército de homens sós". 7) Observadas as mesmas premissas para o segundo leitor, fazem-se as seguintes ponderações: a) se o exemplo for "... causas que, só por si", então o só pode ser substituído por somente; b) nesse caso, só é um advérbio e, portanto, invariável; c) o resultado correto é "... causas que, só por si..."; d) se o exemplo é "... causa que, por si só", a substituição dá-se por sozinha; e) então tal palavra é adjetivo e é variável; f) no plural, então, fica "... causas que, por si sós..."
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Obrigado - Meu muito obrigada?

1) Um leitor reconhece saber que a palavra obrigado, precedida ou não de muito, varia de acordo com a pessoa que fala. Mas, num caso prático, teve dúvidas para definir se estava correto o emprego de tal vocábulo, quando substantivado e falado por pessoa do sexo feminino: "A todos aqueles me ajudaram nessa trajetória, deixo o meu muito obrigada"? 2) Para se entender a concordância, importante é atentar no sentido da expressão: a pessoa a quem se presta um favor, ao agradecer, diz que se sente obrigada a retribuí-lo. 3) Bem por isso, não importa a quem é manifestado o agradecimento; o que efetivamente interessa é a pessoa que o manifesta, pois é com ela que tal palavra concorda: assim, se é um homem que fala, diz ele obrigado; se é mulher, obrigada; se vários são os homens, expressando-se, por exemplo, num discurso, por meio de orador, diz-se obrigados; se várias as mulheres, obrigadas. 4) Para resumir, precisa é a lição de Silveira Bueno, que sintetiza os aspectos significativos do emprego de tal vocábulo: "A expressão de agradecimento muito obrigado não passa de uma oração abreviada: Eu lhe estou muito obrigado pelo favor que me fez - ou qualquer outra semelhante. Como se vê, obrigado é adjetivo que está qualificando o sujeito da oração. Ora, sabemos que todos os adjetivos concordam em gênero e número com o substantivo a que se referem. Logo, se o sujeito for masculino, dirá: muito obrigado. Mas se for feminino, há de dizer: muito obrigada". 5) Acrescente-se a lição de Júlio Nogueira quanto ao equívoco normalmente cometido com tal vocábulo: "É incorreção peculiar ao belo sexo. Uma senhora não deve dizer, como forma de agradecimento: Obrigado!, mas obrigada! Nenhuma diria: Eu fico obrigado. Assim: Obrigada! ou Obrigadas, se há mais de uma". 6) A uma leitora de nome Adelaide - cuja esclarecida amiga teimava em dizer muito obrigado - que lhe indagava se não seria melhor que tal dama dissesse obrigada, assim respondia Cândido de Figueiredo: "Não só é melhor, é o que é, se a tal amiga de Adelaide é realmente do sexo feminino". 7) Como não é difícil perceber, não sofre alteração alguma o quanto até agora dito, se o vocábulo obrigado vem precedido pelo advérbio muito: a) "Muito obrigado pelo favor que me fez - disse o rapaz"; b) "Muito obrigada pelo favor que me fez - disse a moça"; c) "Muito obrigados pelo favor que nos fizeram - disseram os rapazes"; d) "Muito obrigadas pelo favor que nos fizeram - disseram as moças". 8) Com respeito à indagação específica do leitor, entretanto, traz-se ensino claro, simples e taxativo de Napoleão Mendes de Almeida: "Quanto substantivada a expressão, aparece sempre o masculino". Exs.: a) "A todos os que me ajudaram deixo o meu muito obrigado, disse o rapaz"; b) "A todos os que me ajudaram deixo o meu muito obrigado, disse a moça"; c) "A todos os que nos ajudaram deixamos o nosso muito obrigado, disseram os rapazes"; d) "A todos os que nos ajudaram deixamos o nosso muito obrigado, disseram as moças".
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Oportunizar - Existe?

1) Um leitor diz ter visto com frequência a palavra oportunizar em textos oficiais. Parecendo-lhe estranha, indaga se é correto seu uso. 2) Sempre é bom lembrar - até para criar no leitor um raciocínio salutar que sempre deve ser repetido em tal situação - que, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras. 3) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4) Ora, uma simples consulta ao VOLP mostra que nele não se registra oportunizar, de modo que a forçosa conclusão a ser extraída é que essa palavra não existe em nosso léxico. 5) Em tais circunstâncias, se se quer usar um vocábulo com esse significado, a solução é escolher um sinônimo entre as palavras existentes em português com a acepção pretendida pelo usuário (possibilitar ou ensejar, por exemplo), ou mesmo construir um torneio com o mesmo radical da palavra pretendida (dar ou abrir oportunidade) ou mesmo com outra palavra (dar ensejo). 6) Usar, porém, um vocábulo inexistente, a pretexto de neologismo, não constitui alternativa que esteja ao alcance do usuário do idioma. 7) Sempre é oportuno observar adicionalmente que, em circunstâncias como essa, nos meios jurídicos e forenses, há uma equivocada tendência de alguns, com pretensão de uma jamais alcançada erudição, para empregar vocábulos arrevesados e barrocos, muitas vezes inexistentes, como esse que agora é trazido para análise. 8) O máximo que conseguem, todavia, é um texto de difícil leitura e compreensão, muito distante do ideal que só a simplicidade consegue alcançar.
quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Destarte = Dessarte = Dest'arte = Dess'arte?

1) Um leitor quer saber se há diferença de significado e de emprego entre as palavras destarte e dessarte. Acrescente-se a dúvida bastante comum nos meios jurídicos: existem os vocábulos dest'arte e dess'arte? 2) Num primeiro aspecto, destarte é palavra formada pela preposição de, pelo pronome demonstrativo esta e pelo substantivo arte. Exs.: a) "Estude a terra, o clima e a técnica: destarte colherá bons frutos" (Domingos Paschoal Cegalla); b) "A cidade está sitiada, não há mais homens, nem armas: destarte, só lhe resta a rendição". 3) Trata-se, em realidade, de um advérbio, que significa por esta forma, deste modo, assim sendo, assim, diante disso. 4) É sinônima de dessarte, e Evanildo Bechara as tem ambas como existentes, normais e intercambiáveis. 5) Nessa forma por último referida, assim se lê em Rui Barbosa: "Dessarte, magoando talvez a amizade, serviria sem dúvida ao país". 6) Como curiosidade de interesse para o campo jurídico, após referirem que são vocábulos frequentes nesses meios, anotam Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade que Washington de Barros Monteiro, em seus escritos, prefere destarte; já Magalhães Noronha tem predileção pela variante dessarte. 7) Para não remanescer dúvida, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial indicador das palavras existentes em nosso idioma, registra ambos os vocábulos - dessarte e destarte - o que significa dizer que ambos os vocábulos existem no idioma e que seu emprego está integralmente autorizado. 8) Finaliza-se dizendo, porém, que o VOLP não registra dess'arte ou dest'arte, o que obriga concluir que tais vocábulos não existem no idioma e que seu emprego não está autorizado.
quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Vantajosidade - Existe?

1) Um leitor indaga se existe em nosso idioma o vocábulo vantajosidade, o qual, segundo ele, é de uso comum no Direito Administrativo, quando se quer indicar uma vantagem obtida pela Administração Pública em determinada contratação. 2) Ora, em salutar raciocínio, que sempre é bom repetir para acostumar o leitor a tanto, lembra-se que, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras. 3) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4) Ora, uma simples consulta ao VOLP mostra que nele não se registra o substantivo vantajosidade, de modo que a forçosa conclusão a ser extraída é a de que ele não existe em nosso léxico. 5) Em tais circunstâncias, se se quer usar um substantivo com esse significado, a solução é escolher um sinônimo entre as diversas palavras com essa acepção em português: benefício, ganho, proveito ou vantagem. 6) Usar, porém, vocábulo inexistente, a pretexto de neologismo, não constitui alternativa dotada de validade, que esteja ao alcance do usuário do idioma. 7) Parece oportuno observar, a esta altura, que, nos meios jurídicos e forenses, há uma equivocada tendência de alguns, com pretensão de uma jamais alcançada erudição, para empregar vocábulos arrevesados e barrocos, muitas vezes inexistentes, como esse que agora é trazido para análise. 8) O máximo que conseguem, todavia, é um texto de difícil leitura e compreensão, muito distante do ideal que só a simplicidade consegue alcançar.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Censor - Comum de dois gêneros?

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

À exceção de - Por que tem crase?

1) Um leitor faz uma indagação interessante: se as expressões são equivalentes, a locução à exceção de não seria sem crase, pois em com exceção de não há artigo, e sim apenas preposição? 2) O raciocínio realizado pelo leitor, em realidade, levou em consideração, por analogia, a regra geral para a verificação da existência de crase antes de nomes comuns do feminino. E, por ela, substitui-se o nome comum do feminino por um nome comum do masculino ("Vou à cidade - Vou ao centro"), e, se aparecer ao antes do masculino, então há crase no feminino. E isso assim é, porque, no masculino, quando aparece ao, existe um a (preposição) e um o (artigo). 3) Mesmo que não tenha sido esse o raciocínio levado a efeito pelo leitor, o certo é que se deve atentar a uma outra regra específica para o caso da expressão que deu origem a sua dúvida. 4) É que a crase é obrigatória (i) nas locuções adverbiais, (ii) nas locuções prepositivas e (iii) nas locuções conjuntivas, quando formadas por palavras femininas (tais expressões equivalem a advérbios, preposições ou conjunções). Exs.: a) "Ele saiu às pressas" (locução adverbial); b) "Ele venceu à custa de muito esforço" (locução prepositiva); c) "Ele aprendia à medida que estudava" (locução conjuntiva). 5) E, como lembra Domingos Paschoal Cegalla, à exceção de é uma locução prepositiva, formada por palavra feminina (exceção), a qual equivale às preposições salvo, fora ou exceto. Por isso tem crase. Ex.: "À exceção da austera Rosa de Carude, toda a gente deu razão à fidalga" (Camilo Castelo Branco). 6) Em síntese, respondendo diretamente ao leitor, à exceção de tem crase, porque assim deve acontecer com toda locução prepositiva formada por palavra no feminino.
quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A egrégia ou À egrégia?

1) Um leitor diz ter dúvida sobre a existência ou não de crase nos seguintes exemplos: a) "Oficie-se a/à Egrégia 4ª. Vara"; b) "Oficie-se a/à Meritíssima Juíza". Não soube determinar se, no caso, há ou não pronome de tratamento. Encontrou-os como adjetivos em dicionários; mas também localizou definições como pronomes de tratamento na internet. 2) Num primeiro aspecto, costuma-se dizer que não há crase antes de pronomes de tratamento, e isso é verdade. Todavia os pronomes de tratamento são aqueles típicos, normalmente iniciados por vossa ou sua, como Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Sua Senhoria, Sua Excelência. Exs.: a) "Dirijo-me a Vossa Senhoria com todo o respeito"; b) "O advogado dirigiu-se a Sua Excelência em seu gabinete". 3) Nas frases trazidas pelo leitor, entretanto, o que se tem são palavras indicativas de um tratamento respeitoso e até mesmo específicas para as pessoas às quais são dirigidas; mas, tecnicamente falando, são meros adjetivos e não constituem pronomes de tratamento em sua forma típica, que venham a ser capazes de vedar o emprego da crase. 4) Feitas essas ponderações como premissas, tem lugar, no caso, a primeira, geral e importante regra de crase, que manda substituir, no raciocínio prático, o nome feminino, antes do qual se quer saber se existe ou não a crase, por um correspondente do masculino (não necessariamente um sinônimo, mas um vocábulo que mantenha a mesma estrutura sintática). 5) E se, com a substituição, aparece ao no masculino, então há crase no feminino; se não aparece ao, não há crase no feminino. 6) Veja-se como ficam os exemplos com a substituição, nos casos trazidos pelo leitor: a) "Oficie-se a Egrégia 4ª. Vara" (feminino); b) "Oficie-se ao Egrégio 4º Cartório" (masculino); c) "Oficie-se a Meritíssima Juíza" (feminino); d) "Oficie-se ao Meritíssimo Juízo" (masculino). 7) Ou seja: a) com a substituição por um correspondente masculino, apareceu ao em ambos os casos; b) então há crase no feminino em ambas as frases; c) "Oficie-se a Egrégia 4ª. Vara" (errado); d) "Oficie-se à Egrégia 4ª. Vara" (correto); e) "Oficie-se a Meritíssima Juíza" (errado); f) "Oficie-se à Meritíssima Juíza" (correto).
quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A capela ou À capela?

1) Um leitor pergunta se o correto é escrever "Cantar o hino a capela" ou "Cantar o hino à capela". 2) Esclareça-se, de início, que, com a mencionada expressão, quer-se dizer daqueles cantos em coro, que são executados sem acompanhamento algum de instrumentos musicais. 3) Ao depois, num primeiro aspecto, importa anotar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, veículo pelo qual a Academia Brasileira de Letras exerce sua função de listar oficialmente as palavras que integram nosso idioma, registra, de modo expresso e taxativo, o vocábulo capela e lhe confere a condição de substantivo feminino. 4) Como, todavia, seguindo o que é usual, não se fixa ali o respectivo significado, não há certeza se o registro feito se refere à palavra no sentido da dúvida ora apreciada, ou se capela apenas fica com o significado de pequena igreja de um só altar. 5) Mas não é só: nesse panorama, a dúvida se torna ainda mais pertinente, porque nossos dois mais importantes dicionaristas da atualidade se põem em divergência quanto ao assunto. 6) Assim, Antônio Houaiss não considera o vocábulo já aportuguesado e, por isso, confere à locução a grafia italiana, tal como é escrita na língua de origem: a capella. 7) Já Aurélio Buarque de Holanda Ferreira aportuguesa a expressão e a torna parte integrante do vernáculo, escrevendo-a a capela. 8) Com essas ponderações, parece possível e oportuno extrair as seguintes ilações: a) a ABL, que tem autoridade para resolver a questão por meio do VOLP, deixou-a sem definição, contrariando posição dela própria em diversos outros vocábulos; b) e, nesse ponto, espera-se da Academia uma melhor definição sobre a matéria em uma próxima edição do VOLP; c) ante essa indefinição do órgão oficialmente incumbido, é possível aceitar as duas posições, tanto a do aportuguesamento da expressão, como a da sua manutenção no idioma de origem; d) assim, em primeira possibilidade, pode-se considerar a expressão ainda estrangeira e não integrada ao vernáculo; e) nesse caso, deve ela ser escrita como na língua de origem (a capella); f) e, como expressão não integrante do português, deve ser grafada em itálico, ou negrito, ou entre aspas, ou sublinhada, para destacá-la das demais que integram nosso idioma; g) também pela indefinição do órgão oficialmente incumbido de solucionar a questão, é defensável seu emprego na forma já aportuguesada; h) nesse caso, porém, contrariamente ao dicionarista que defende essa posição, deve haver o sinal indicativo da crase no a (à capela); i) e isso porque o sinal indicativo da crase é obrigatório em toda locução adverbial formada por palavra do feminino (exatamente o caso apreciado). 9) De modo prático e direto para a indagação do leitor: ante as circunstâncias já explicitadas na fundamentação, admitem-se as grafias a capella e à capela, mas não a capela.
quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Segundo o qual - É correto?

1) Um leitor indaga se é correto o emprego da expressão "segundo o qual" na seguinte frase: "O STF firmou o entendimento segundo o qual o parlamentar infiel perderá o mandato para o partido". 2) Fixem-se, de início, duas premissas importantes: a) se funciona como complemento, o pronome relativo depende totalmente da regência do verbo ao qual se liga; b) se vai haver ou não preposição antes de tal pronome, ou qual vai ser essa preposição, tudo depende do verbo que está sendo completado por ele. Exs.: i) "Editou-se uma lei em que acreditamos, com que simpatizamos e por que lutamos" (acreditar em, simpatizar com e lutar por); ii) "Fazer da aplicação da lei a arte de distribuir justiça é o ideal a que aspiramos e em que comprazemos" (aspirar a e comprazer em). 3) Se, em vez de que, se põe qual no lugar, então podem surgir questões adicionais atinentes também à concordância nominal: a) "Editou-se um provimento no qual acreditamos"; b) "Editou-se uma lei na qual acreditamos"; c) "Editaram-se provimentos nos quais acreditamos"; d) "Editaram-se leis nas quais acreditamos". 4) Ora, no caso trazido para análise, segundo é preposição, e qual é pronome relativo que tem como antecedente a palavra entendimento. Vejam-se, então, as formações diversas que se podem fazer, todas corretas: a) "O STF firmou o entendimento segundo o qual..."; b) "O STF firmou a tese segundo a qual..."; c) "O STF firmou entendimentos segundo os quais..."; d) "O STF firmou teses segundo as quais..." 5) Acresce dizer, por um lado, que, a par de ser correta a estruturação trazida para análise, o exemplo do leitor poderia ter também a seguinte forma igualmente correta: "O STF firmou o entendimento de que o parlamentar infiel perderá o mandato para o partido". 6) Por outro lado, não há como ver erro no exemplo por ele trazido, até porque Domingos Paschoal Cegalla, ao lecionar que se deve dizer, em casos por ele apontados, "segundo o qual, e não segundo quem", traz exatamente os seguintes exemplos comprobatórios da boa estruturação sintática: a) "O filósofo grego Aristóteles, segundo o qual o homem é um animal político, aborda em sua obra todos os ramos do saber"; b) "Discordo desses historiadores, segundo os quais o descobrimento do Brasil ocorreu por acaso".
quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Estabilitário - Existe?

1) Um leitor indaga se existe em nosso idioma o vocábulo estabilitário, segundo ele muito comumente utilizado na prática forense. 2) Observa-se, de início, que o subscritor destas linhas, antes de ler a dúvida do leitor, jamais havia encontrado o mencionado vocábulo, nem mesmo sabendo com que sentido ele vem sendo empregado. 3) Mesmo assim, é possível anotar que, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras. 4) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5) Ora, uma simples consulta ao VOLP mostra que nele não se registra estabilitário, de modo que a forçosa conclusão a ser extraída é que essa palavra não existe em nosso léxico. 6) Em tais circunstâncias, se se quer usar um vocábulo com esse significado, a solução é escolher um sinônimo entre as diversas palavras com a acepção pretendida pelo usuário em português. 7) Usar, porém, um vocábulo inexistente, a pretexto de neologismo, não constitui alternativa que esteja ao alcance do usuário do idioma. 8) Sempre é oportuno observar adicionalmente que, em circunstâncias como essa, nos meios jurídicos e forenses, há uma equivocada tendência de alguns, com pretensão de uma jamais alcançada erudição, para empregar vocábulos arrevesados e barrocos, muitas vezes inexistentes, como esse que agora é trazido para análise. 9) O máximo que conseguem, todavia, é um texto de difícil leitura e compreensão, muito distante do ideal que só a simplicidade consegue alcançar.
quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Ponto e vírgula - Depois de exclamação!?

1) Um leitor encontrou o seguinte exemplo: "Nunca vi nada parecido!; esse é genial." E indaga se pode haver um ponto e vírgula assim desse modo, após um ponto de exclamação. 2) Antes de qualquer análise teórica ou tentativa de sistematização do problema, confiram-se as seguintes citações, com a indicação de seus autores bem como dos estudiosos que as transcreveram: a) "Olé! exclamei" - Machado de Assis; b) "Ah! brejeiro" - Machado de Assis; c) "Mas, na morte, que diferença! que liberdade" - Machado de Assis (BECHARA, 1974, p. 335); d) "Sim! Quanto o tempo entre os dedos / Quebra um século, uma nação, / Encontra nomes tão grandes, / Que não lhe cabem na mão" - Castro Alves; e) "Oh! Se Carlos soubesse..." - Júlio Dinis; f) "Andrada! arranca esse pendão dos ares! / Colombo! fecha a porta dos teus mares!" - Castro Alves; g) "Ó meu filho, meu filho! replicou Frei Hilarião" - Alexandre Herculano (LIMA, 1972, p. 433-4); h) "Oh! dias de minha infância" - Casimiro de Abreu; i) "Meu velho Pedro! Meu fantasma de criança" - Antônio Nobre; j) "Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?" - Castro Alves; k) "Coração, para! ou te refreia, ou morre!" - Alberto de Oliveira. 3) Dos exemplos dados e da constatação do que escreveram os estudiosos sobre esse assunto, podem-se estabelecer os seguintes aspectos: a) não se encontra, nas gramáticas mais conhecidas, um estudo regular e sistematizado de pontuação nem, muito menos, do assunto trazido pelo leitor para análise; b) nos exemplos dos bons autores de nossa literatura por eles transcritos, porém, não se encontra caso nenhum de uso do ponto e vírgula após o ponto de exclamação; c) além disso, percebe-se que, quando o usuário quer indicar uma pausa maior após o ponto de exclamação, então ele escreve a palavra seguinte com maiúscula; d) se, todavia, quer significar uma pausa menor, então faz uso de minúscula na palavra seguinte. 4) Respondendo, então, diretamente ao leitor: a) não é correto o exemplo dado por ele, em que emprega um ponto e vírgula após o ponto de exclamação; b) a correção se faz com a simples exclusão do ponto e vírgula; c) usar maiúscula ou minúscula para iniciar a palavra seguinte vai depender da pausa maior ou menor que ele queira conferir no caso concreto. Exs.: i) "Nunca vi nada parecido!; esse é genial." (errado); ii) "Nunca vi nada parecido! esse é genial." (correto); iii) "Nunca vi nada parecido! Esse é genial." (correto). 5) Vale a pena tecer, embora ligeiros, oportunos comentários adicionais sobre essa ausência de sistematização desse assunto por parte dos gramáticos e demais estudiosos da matéria. É que, num primeiro aspecto, apenas a partir da década de cinquenta do século XX, a pontuação tomou significativo impulso e passou a orientar-se - além das razões sintáticas tradicionais e dos impulsos subjetivos - pelas recomendações e exigências mais apuradas da redação técnica. Isso faz concluir que os chamados clássicos de nossa literatura nem sempre lhe atribuíram posição de relevo, motivo pelo qual não é incomum encontrar, mesmo em abalizados escritores, erros de pontuação similares aos cometidos hoje por qualquer usuário médio do idioma. Por outro lado, os livros de Gramática de hoje também apresentam poucos elementos sobre o assunto por duas razões: primeira, os gramáticos de peso normalmente têm sua formação forjada na primeira metade do século XX, vale dizer, antes do despertar para esse assunto; segunda, por um abissal equívoco dos responsáveis, o ensino da Gramática deixou de ter importância significativa nos currículos de nossas escolas exatamente no começo da segunda metade do século passado, o que significa pequenos esforços, estudos e progressos nesse campo.