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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Post mortem - Com hífen ou sem?

1) Um leitor quer saber se, em português, se escreve com hífen ou sem hífen a seguinte expressão: post mortem ou post-mortem? 2) Observe-se em primeiro lugar que essa expressão é de origem latina e tem o significado de após a morte, posterior à morte ou póstumo. Ex.: "As fotos 'post mortem' aparentemente tiveram origem na Inglaterra, quando a Rainha Vitória pediu que fotografassem o cadáver de uma pessoa conhecida ou um parente, para que ela guardasse como recordação, e daí viraram moda". 3) Como regra para a grafia das expressões latinas usadas em português, a melhor solução em nosso idioma parece obedecer aos seguintes parâmetros: a) não devem ter acentos gráficos, que não existiam na língua de origem; b) também não se deve empregar o hífen, que, de igual modo, não existia no idioma original; c) por fim, como todas as palavras e expressões de língua estrangeira que venham a ser usadas no vernáculo, devem ser grafadas em itálico, negrito, com sublinha ou entre aspas. 4) Em termos práticos, respondendo à indagação do leitor: pode-se escrever post mortem, post mortem, post mortem ou "post mortem". Não, porém, post-mortem, post-mortem, post-mortem ou "post-mortem". 5) As mesmas observações valem para a grafia de outras expressões de origem latina empregadas em português: a quo, ad corpus, ad hoc, ad quem, data venia, de cujus, ex adverso, ex nunc, ex officio, ex tunc, ex vi, ex vi legis, habeas corpus, habeas data, lato sensu, pro forma, stricto sensu, venia concessa, etc. 6) Observe-se, nesse sentido, que a Constituição Federal de 1988 é exemplo de correção nas vezes em que emprega, por exemplo, habeas corpus e habeas data.
quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Estendimento - Existe?

1) Um leitor traz os seguintes argumentos para análise: a) indaga, primeiro, se existe a palavra estendimento no sentido de alargamento ou ampliação; b) reconhece que o vocábulo não é registrado pelos principais dicionaristas, nem pelo VOLP; c) mas observa que tais obras registram atendimento e fornecimento; d) por fim, observa que, se os verbos atender e fornecer podem gerar atendimento e fornecimento, estender também poderia gerar estendimento. 2) Ora, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos do nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras. 3) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4) Uma simples consulta ao VOLP mostra que, a par do verbo estender, não se registra nenhum substantivo correspondente: nem estendimento, nem estendição ou algo similar. Tais substantivos, por consequência óbvia, não existem em nosso léxico. 5) Em tais circunstâncias, se se quer usar um substantivo com esse significado, a solução é buscar um verbo sinônimo de estender, que tenha um substantivo correspondente, exatamente como procedeu o leitor, que trouxe alargamento e ampliação. Ou seja: a solução é escolher, nesse rol, o vocábulo que mais se amolde à acepção pretendida pelo contexto. 6) Por fim, quanto aos argumentos trazidos pelo leitor para justificar a possível existência de estendimento, importa tecer as seguintes considerações: a) por um lado, com o mesmo radical dos verbos, não é incomum encontrar registrados pelo VOLP substantivos equivalentes de ação, um acabado em ção, e outro, em mento (abreviação e abreviamento, acomodação e acomodamento, acusação e acusamento); b) por outro lado, também se encontram substantivos que apenas admitem ser terminados em ção (abdicação, acentuação, aquisição); c) e também se encontram outros que somente admitem término com o sufixo mento (abastecimento, abatimento, acabamento); d) isso significa, por um lado, que formar substantivos terminados em ção ou em mento não é uma faculdade que assiste discricionariamente ao usuário do vernáculo; e) por outro lado, isso faz forçosamente concluir que a ABL, por meio do VOLP, continua sendo a autoridade para definir oficialmente a lista dos vocábulos que integram o idioma pátrio; f) por um lado, se o vocábulo se encontra listado na referida obra, então ele existe em português; g) por outro lado, se ele não se encontra ali registrado, então simplesmente não existe, e seu emprego não se acha autorizado no vernáculo.
quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Isso porque - Como se usa?

1) Um leitor indaga em que frase está correto o emprego do circunlóquio isso porque: a) "Os atos administrativos comportam controle jurisdicional amplo, em especial aquele que impõe sanção disciplinar a servidor público. Isso porque o Judiciário, quando provocado, deve examinar a razoabilidade e a proporcionalidade do ato, em avaliação que observe os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade"; b) "Os atos administrativos comportam controle jurisdicional amplo, em especial aquele que impõe sanção disciplinar a servidor público. Isto porque o Judiciário, quando provocado, deve examinar a razoabilidade e a proporcionalidade do ato, em avaliação que observe os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade"; c) "Os atos administrativos comportam controle jurisdicional amplo, em especial aquele que impõe sanção disciplinar a servidor público. Isso, porque o Judiciário, quando provocado, deve examinar a razoabilidade e a proporcionalidade do ato, em avaliação que observe os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade." 2) A dúvida do leitor, em realidade, se desdobra em dois aspectos: a) no caso, deve-se usar isto ou isso?; b) há vírgula entre o vocábulo isto ou isso e a palavra porque? 3) Num primeiro aspecto de interesse para o caso, lembra-se o ensino de que, no interior da frase, emprega-se isto para referir o que se vai dizer, enquanto isso se relaciona ao que já se disse. Exs: a) "A Constituição determina isto: não há possibilidade de discriminação entre filhos"; b) "Não há possibilidade de discriminação entre filhos: isso é preceito da Constituição". 4) Transpondo a lição para o caso da consulta, conclui-se, desde logo, que o pronome demonstrativo a ser empregado é isso, já que, no exemplo, ele se refere ao que anteriormente se afirmou. 5) Num segundo aspecto, constata-se que a expressão isso porque demonstra a omissão de alguns vocábulos, já que o circunlóquio total deveria ser isso é assim porque... 6) Ante essa realidade intuída da observação dos fatos, acresce-se a lição de que a vírgula é obrigatória para indicar a supressão do verbo. Ex.: a) "Depois da tempestade, a bonança" (ou seja, "Depois da tempestade vem a bonança"). 7) E, trazendo essa segunda lição para o caso concreto, vê-se que é obrigatória a vírgula entre os referidos vocábulos, já que um verbo foi aí omitido: isso, porque... 8) E, assim, em resumo, conclui-se que, pelas razões mencionadas, a frase correta, entre as trazidas pelo leitor, é a última por ele referida: "Os atos administrativos comportam controle jurisdicional amplo, em especial aquele que impõe sanção disciplinar a servidor público. Isso, porque o Judiciário, quando provocado, deve examinar a razoabilidade e a proporcionalidade do ato, em avaliação que observe os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade".
quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Benfeito, Bem-feito ou Bem feito?

1) Um leitor encontrou a seguinte frase: "Enquanto há jornal, o importante é que seja benfeito". E indaga se a forma correta é benfeito ou bem feito, até porque, ao consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, deu ele exatamente com benfeito, ali discriminado especificamente como adjetivo, posição essa que os dicionários ainda não acataram. 2) Estabeleça-se uma importante premissa: a Academia Brasileira de Letras detém a delegação legal para listar oficialmente os vocábulos que integram nosso léxico, bem como para determinar qual sua grafia correta. E ela o faz por meio da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 3) Ora, ao tempo em que se responde a esta consulta, a última edição escrita do VOLP é a de 2009, e nela realmente se registra benfeito como um adjetivo e também como um substantivo . 4) Com a observação de que, em algumas épocas, a par da disponibilização escrita do VOLP em livro específico, a ABL também faculta ao leitor a consulta on-line em seu site, anota-se que, no instante em que se elabora esta resposta ao leitor (dezembro de 2015), a edição virtual do VOLP, retificando sua última posição escrita, registra benfeito apenas e tão somente como substantivo, e não mais como adjetivo. E é a esse novo posicionamento oficial que se deve prestar obediência. 5) Abrindo-se um parêntese, louve-se a atitude da ABL, a qual, na dedicatória da edição de 2009, chama os usuários da língua "a colaborar com achegas, sugestões, críticas e correções" no aperfeiçoamento de tal obra. Trata-se de posicionamento de quem entende o idioma como ser vivo e mutável, compreende a necessidade de eventuais modificações no curso do tempo, vê que seu trabalho é passível de equívocos e se põe em atitude de verdadeira humildade, com a disposição de corrigi-los. Essa alteração em seu banco eletrônico de dados põe isso em evidência. 6) Respondendo, a seguir, na prática, à indagação do leitor: a) na atualidade, existe benfeito em nosso léxico, mas apenas como substantivo; b) seu emprego como adjetivo não atende aos padrões de correção do idioma; c) também não encontra respaldo a forma bem-feito; d) o adjetivo, assim, deve obedecer à grafia bem feito. 7) Confiram-se, portanto, os exemplos a seguir, com a indicação, entre parênteses, de sua correção ou erronia: a) "Enquanto há jornal, o importante é que seja benfeito" (errado); b) "Enquanto há jornal, o importante é que seja bem-feito" (errado); c) "Enquanto há jornal, o importante é que seja bem feito" (correto). 8) Em adendo, sem querer causar confusão ou polêmica, acrescenta-se que, contrariando a postura da ABL, a) o dicionário Houaiss não registra benfeito como substantivo e dá bem-feito (com hífen) como forma correta para o adjetivo; b) o dicionário Aurélio também não faz constar benfeito como substantivo, mas aponta benfeito (em uma só palavra) como adjetivo. 9) Ou seja: a) ambos se opõem à ABL, ao ignorarem benfeito como substantivo; b) e ambos dela divergem quanto ao adjetivo, um por preconizar a forma bem-feito (com hífen), e outro por lecionar a grafia benfeito (em uma só palavra). 10) Ante esse quadro, é oportuno ressalvar que, sem desprezo algum pelo utilíssimo trabalho prestado pelos dicionaristas ao idioma, quando há divergência entre algum deles e o VOLP, a razão deve ser creditada sempre a este último, que é a palavra de quem detém a autoridade oficial para definir aspectos linguísticos dessa natureza.
quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Perdoar a alguém por algo - É correto?

1) Um leitor quer saber, em suma, qual é a forma correta de construir uma frase com o verbo perdoar: a) "Perdoai as nossas ofensas"; b) "Perdoai-nos as nossas ofensas"; c) "Perdoai-nos por nossas ofensas". 2) A pergunta do leitor, em termos técnicos, busca saber que o tipo de complemento pede o verbo perdoar. Trata-se, portanto, de questão referente a regência verbal. 3) Quanto à regência verbal considerada em sua forma ortodoxa, tem esse vocábulo duas transitividades. 4) É verbo transitivo direto, se o complemento é coisa. Exs.: a) "O Vencedor perdoou o débito"; b) "O vencedor perdoou-o". 5) É transitivo indireto, se o complemento é pessoa. Exs.: a) "O vencedor perdoou ao vencido"; b) "O vencedor perdoou-lhe". 6) Admite também ser construído com os dois complementos. Exs.: a) "O vencedor perdoou o débito ao vencido"; b) "O vencedor perdoou-lho". 7) A par dessas construções, Celso Pedro Luft abona, de modo expresso, a construção "perdoar alguém por" e traz o exemplo "Perdoou a esposa pelas faltas cometidas". Como se vê, defende ele que a pessoa funcione como objeto direto e que a coisa seja um objeto indireto precedido pela preposição por. Embora essa construção arcaica de considerar a pessoa um objeto direto tenha sido defendida, várias décadas atrás, por gramáticos do porte de Otoniel Mota, trata-se de construção inaceitável, por anacrônica, pela norma culta dos dias de hoje, de modo que não se admite, atualmente, que, com esse verbo, a pessoa funcione como objeto direto. 8) Mas parece totalmente aceitável que se mantenha, em linhas gerais, tal estrutura, desde que se torne a pessoa um objeto indireto: "Perdoou à esposa pelas faltas cometidas". Nesse caso, ter-se-ia o que os estudiosos chamam de verbo bitransitivo indireto, vale dizer, um verbo construído com dois objetos indiretos. 9) Feitas essas considerações, pode-se dizer, quanto à indagação específica do leitor, que seu primeiro exemplo ("Perdoai as nossas ofensas") está correto, porque o verbo perdoar admite ser construído apenas com o objeto direto de coisa ("as nossas ofensas"). 10) No que tange ao segundo exemplo ("Perdoai-nos as nossas ofensas"), pode-se afirmar que ele também está correto, porque o verbo perdoar admite ser construído, a um só tempo, com um objeto direto de coisa ("as nossas ofensas") e com um objeto indireto de pessoa ("nos" = a nós). 11) Por fim, quanto ao terceiro exemplo ("Perdoai-nos por nossas ofensas"), parece que deva ser aceito como correto pelas mesmas razões acima explicitadas para validação do exemplo "Perdoou à esposa pelas faltas cometidas"; mas isso desde que se entenda o nos como objeto indireto (= a nós), de modo que se tenha, então, um verbo bitransitivo indireto. 12) Vale dizer: para fins de análise sintática, nesse último caso, o nos será objeto indireto, enquanto por nossas ofensas também será objeto indireto. 13) Importante esse esclarecimento, uma vez que o pronome nos tanto pode funcionar como objeto direto (como em "Ele viu-nos"), como pode ser objeto indireto (como em "Pareceu-nos totalmente inoportuna sua visita").
quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Mas - Pode começar a frase?

1) Um leitor, em síntese, põe-se contra o emprego da conjunção adversativa mas no começo da frase. E pede que se comente o que reputa ser uma equivocada "tendência dos últimos anos" em textos em geral, principalmente jornalísticos, já que a conjunção deve servir para unir orações, e não iniciar frases. 2) Por conceito, "conjunção é a expressão que liga orações ou, dentro da mesma oração, palavras que tenham o mesmo valor ou função". Exs.: a) "O nascimento desiguala, mas a morte iguala a todos" (liga orações); b) "Uma velhice longa mas desonrada não enobrece" (liga termos de mesmo valor na oração). 3) Nos exemplos trazidos pelo leitor, alinhados mais abaixo, tem-se realmente uma conjunção adversativa, e isso porque ela liga orações que estão em oposição ou contraste entre si. As conjunções adversativas mais usadas são mas, porém, todavia, contudo e entretanto. 4) Já quanto à dúvida do leitor, pode-se afirmar que, se liga orações ou termos de uma mesma oração, então se aplica a regra lembrada por ele: a conjunção não inicia a frase e não é precedida de ponto. E isso pode ser observado com facilidade nos exemplos dados acima. 5) Os dois casos da consulta pertencem a essa estrutura, de modo que estão inadequados quanto à pontuação: a) "A prefeitura da cidade X vai assinar convênio com entidade Y para realizar tal ação. Mas os moradores continuarão dependendo da estrutura Z"; b) "Os vereadores aprovaram projeto de lei que garante mais recursos para a área de saúde. Mas não disseram de onde virá a grana". 6) Corrijam-se: a) "A prefeitura da cidade X vai assinar convênio com entidade Y para realizar tal ação; mas os moradores continuarão dependendo da estrutura Z"; b) "Os vereadores aprovaram projeto de lei que garante mais recursos para a área de saúde; mas não disseram de onde virá a grana". 7) Explique-se o primeiro exemplo: a) o período é composto por coordenação e subordinação; b) um primeiro segmento a ser observado se compõe das orações "A prefeitura da cidade X vai assinar convênio com entidade Y" e "para realizar tal ação"; c) nesse segmento, a primeira é a oração principal, e a segunda é uma oração subordinada adverbial final em relação à primeira; d) o segundo segmento a ser observado é "mas os moradores continuarão dependendo da estrutura Z"; e) esse segmento é formado por apenas uma oração; f) essa oração se posta em ideia de oposição ou contraste em relação ao primeiro bloco como um todo; g) então dizemos que ela é uma oração coordenada adversativa em relação ao bloco anterior e, sobretudo, em relação à oração principal de tal bloco; h) no que tange à pontuação, aplica-se a lição já referida, ou seja, as orações coordenadas costumam separar-se por vírgula; i) todavia, quando são de maior extensão, ou - como no caso - uma delas tem oração subordinada relacionada a si, de modo que a pausa se torna um pouco mais prolongada, emprega-se o ponto e vírgula; j) aplica-se ao caso a lição de Evanildo Bechara: "ponto e vírgula representa uma pausa mais forte que a vírgula". 8) Explique-se o segundo exemplo: a) o período é composto por coordenação e subordinação; b) um primeiro segmento a ser observado se compõe das orações "Os vereadores aprovaram projeto de lei" e "que garante mais recursos para a área de saúde"; c) nesse segmento, a primeira é a oração principal, e a segunda é uma oração subordinada adjetiva restritiva em relação à primeira; d) o segundo segmento a ser observado é "mas não disseram de onde virá a grana"; e) esse segmento é formado pelas orações "mas não disseram" e "de onde virá a grana"; f) nesse segmento, a primeira é a oração principal e a segunda é uma oração subordinada substantiva objetiva direta", pois desempenha a função sintática de objeto direto do verbo da oração anterior; g) a primeira das orações desse segmento - "mas não disseram" - se posta em ideia de oposição ou contraste em relação ao primeiro bloco como um todo e sobretudo em relação à oração principal dele; h) então dizemos que "mas não disseram" é uma oração coordenada adversativa em relação ao bloco anterior e, sobretudo, em relação à oração principal de tal bloco; i) feitas essas ponderações, também aqui se acrescenta, no que tange à pontuação, que as orações coordenadas costumam separar-se por vírgula; j) todavia, quando são de maior extensão, ou - como no caso - quando têm orações subordinadas relacionadas a si, de modo que a pausa é um pouco mais prolongada, emprega-se o ponto e vírgula. 9) Atendida, assim, a dúvida do leitor, caminha-se um pouco mais, para aquelas frases em que, embora começadas por mas, as estruturas não se caracterizam por oposição ou contraste de uma oração em relação a outra, de modo que não se há de falar em emprego de vírgula ou de qualquer outro sinal de pontuação. Exs.: a) "Mas como ele conseguiu dominar a rebelião?"; b) "Mas que crimes cometera ela para ser tão odiada?" 10) E se vai um pouco mais além, com um segundo exemplo: "A cidade se desenvolvera ao longo de décadas, com o esforço diuturno e conjunto de seus habitantes e dirigentes. O alvo sempre fora a busca de um bem-estar coletivo e comunitário. O progresso viera, como fruto benfazejo da luta diária de uma população consciente e ordeira. Mas tudo estava para mudar em poucos dias. A chegada dos tanques inimigos imporia medo e terror. A ordem da vida diária seria suplantada pelas determinações do inimigo. Em poucas horas, toda a conquista daqueles anos seria aniquilada". 11) O que se tem nesse trecho é o seguinte: a) há dois grandes blocos de sentido, o segundo deles iniciado por mas; b) esses blocos encontram-se em oposição e contraste entre si; c) as orações pertencentes a cada qual dos blocos formam períodos simples (de uma só oração), finalizados por pontos; d) se assim é entre tais orações, o certo é que nem a vírgula, nem um ponto e vírgula bastam para fazer a pausa e a separação entre os blocos; e) ou seja, se entre as orações de cada bloco se faz a separação por pontos, não faz sentido empregar, entre os blocos, em que a pausa é ainda maior, um sinal de pontuação menos intenso do que um ponto; f) aplica-se aqui, na prática, o ensino de Evanildo Bechara, para quem o ponto "é dos sinais o que denota maior pausa".
quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Tribunal de Justiça - egrégio ou Egrégio?

1) Um leitor indaga se, antes de Tribunal de Justiça, usa-se egrégio ou Egrégio. E, na forma abreviada, e. ou E.? 2) Vejam-se, de início, alguns conceitos: a) egrégio significa insigne, nobre, eminente, grandemente distinto; b) já colendo quer dizer respeitável, venerando. 3) Ora, por tradição, egrégio normalmente é o tratamento conferido, no Poder Judiciário, a um tribunal considerado em seu todo; já colendo se destina a seus órgãos fracionários (câmaras, turmas e seções). 4) De modo específico para a dúvida do leitor, por estar em discussão o Tribunal de Justiça, um órgão considerado em seu todo, o tratamento a ser conferido é, efetivamente, egrégio. 5) Interessante anotar, porém, que, apesar dessa distinção tradicional quanto ao emprego de ambos os vocábulos, o art. 3º, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em redação hoje revogada, portando determinação divergente, assim estatuía: "Têm o Tribunal e todos os seus órgãos o tratamento de Egrégio...". 6) Quanto a ser maiúscula ou minúscula a inicial, importa observar que o Acordo Ortográfico de 2008, por um lado, diz ser facultativo seu emprego em palavras nessa situação, quando antecedem nomes próprios: Doutor Saulo Ramos ou doutor Saulo Ramos, Ministro Sidnei Beneti ou ministro Sidnei Beneti, Professor Evanildo Bechara ou professor Evanildo Bechara. 7) Por outro lado, também determina o mesmo Acordo que a mesma regra se aplique em expressões que indiquem um logradouro público: Rua Caiubi ou rua Caiubi, Praça da República ou praça da República, Alameda Santos ou alameda Santos. 8) Parece lícito aplicar, por analogia, tais determinações ao caso da consulta: Egrégio Tribunal de Justiça ou egrégio Tribunal de Justiça. 9) No que concerne à respectiva abreviatura, o Formulário Ortográfico oficial, que registra as reduções mais correntes, a par de não trazer a de egrégio, anota que "uma palavra pode estar reduzida de duas ou mais formas", uma vez guardados determinados parâmetros e princípios. 10) Desse modo, parece aceitável concluir que fica ao usuário a liberdade de se conduzir nessa tarefa, desde que haja objetividade e clareza. E, assim, em síntese, para o caso apreciado, nada impede que se abrevie e., E., egr. ou Egr.
quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Bacharel em ou Bacharel de?

1) Uma leitora indaga se o certo é "bacharel em Direito" ou "bacharel de Direito"? 2) Ora, quando se quer saber qual preposição um substantivo ou adjetivo exigem para seus complementos, a questão se situa no campo da regência nominal. 3) E, para um problema como esse, que se localiza na esfera da elaboração das estruturas frasais (sintaxe), a resposta encontra-se no modo como os nossos autores de reconhecido saber utilizaram o idioma. 4) Para não haver um trabalho exaustivo e sem resultados práticos em curto prazo pelos interessados, os gramáticos e estudiosos do idioma já escreveram obras específicas, nas quais fizeram verdadeiros levantamentos de como foi tal emprego no correr dos tempos por parte dos nossos mais abalizados escritores. 5) No que concerne ao vocábulo bacharel, tais estudiosos fazem importante distinção: a) quando se quer dizer a área em que houve a graduação, diz-se bacharel em (assim, bacharel em Filosofia1, bacharel em Direito2); b) quando se quer indicar o lugar em que houve a graduação, diz-se bacharel por (assim, bacharel pela Universidade de São Paulo3); c) mas não há registro, entre os modos aceitos pelos gramáticos e estudiosos do assunto, da possibilidade de emprego da expressão bacharel de, para indicar a área em que houve a graduação, de modo que se deve evitar tal expressão. 6) Complemente-se com a observação de que nada impede que se juntem os dois complementos e as duas estruturas aceitas pelos estudiosos: bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. ___________ 1 CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 49. 2 FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., 6. Impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969, p. 68. 3 LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 80.
quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Ação fiscalizadora ou Ação fiscalizatória?

1) Um leitor indaga qual das expressões é correta, já que ambas são largamente utilizadas no meio jurídico: ação fiscalizadora ou ação fiscalizatória? 2) Ora, da comparação entre as duas expressões, vê-se que, em suma, o que o leitor quer saber é qual dos adjetivos existe e está correto em português: fiscalizador ou fiscalizatório. 3) E, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras. 4) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.1 5) Uma simples consulta ao VOLP, contudo, mostra que nele se registra o adjetivo fiscalizador, mas não fiscalizatório.2 6) A forçosa conclusão, assim, é que fiscalizatório não existe em nosso léxico, e seu emprego não está autorizado, e isso porque empregar um vocábulo inexistente não constitui alternativa válida, que esteja ao alcance do usuário do idioma. 7) Parece oportuno observar que, sobretudo nos meios jurídicos e forenses, há uma equivocada tendência de alguns, com pretensão de uma jamais alcançada erudição, para empregar vocábulos arrevesados e barrocos, muitas vezes inexistentes, como esse que agora é trazido para análise. 8) O máximo que conseguem, todavia, é um texto de difícil leitura e compreensão, muito distante do ideal que só a simplicidade consegue alcançar. E isso além de uma forma incorreta de expressão. __________________ 1 Em algumas épocas, a ABL põe o VOLP à disposição do leitor on-line; em outras, a disponibilização ocorre apenas por edição de livro específico com tal função. 2 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999, p. 374.
quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Datas - Ponto no fim?

1) Uma leitora pergunta se, no final de uma expressão indicativa de data - como "Miguelópolis, 18 de outubro de 1949" - deve ou não haver ponto. 2) Ora, para não haver dúvida em nenhum dos aspectos envolvidos, observa-se que, em uma expressão indicativa de data, como a que inicia uma correspondência, quatro observações são importantes: a) após o nome da localidade, há vírgula1; b) contrariamente ao que se dá em outros idiomas, como o inglês, o nome do mês se escreve com inicial minúscula (isso, aliás, é determinação expressa do Acordo Ortográfico de 2008); c) no ano, contrariamente ao que, em regra, ocorre com os cardinais ("1.949 pessoas morreram com o terremoto"), não há ponto entre o número indicador do milheiro e o dígito indicador da centena (outubro de 1949); d) no final da data, coloca-se um ponto. 3) No que diz respeito diretamente à indagação da leitora - se há ou não ponto no final de tais expressões - Rocha Lima, exatamente tratando do assunto ora sob análise, refere quatro cartas, três da lavra de Olavo Bilac e uma de Euclides da Cunha, todas endereçadas a Coelho Neto, escritos esses que ele considera "primorosos modelos de epistolografia brasileira". E todos eles, cada qual com suas peculiaridades, se enquadram exatamente nos moldes acima especificados: a) "Milão, 9 de março de 1909."; b) "Rio, 1 de junho de 1902."; c) "31, janeiro, 1902."; d) "Rio, 2-4-904."2; e) isso significa, em suma, que, em tais casos, no final das datas, deve-se finalizar a escrita com um ponto.
terça-feira, 21 de agosto de 2018

Pró-labore ou "Pro labore"?

1) Um leitor faz as seguintes ponderações: a) observou que, no Manual de Redação Jurídica (4ª edição), do autor destas linhas, a expressão pro labore se encontra registrada ainda em sua forma latina; b) ocorre que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, já traz o verbete em sua forma aportuguesada, a saber, pró-labore; c) e, obviamente, quer saber alguma explicação ou justificativa a esse respeito. 2) Ora, a expressão pro labore - tal como se grafa na origem latina, mas agora já integrada ao nosso idioma como pró-labore - traduz-se como pelo trabalho, ou em razão do trabalho, muito usada para indicar a remuneração ou o ganho que se tem como recompensa pela efetiva atuação do sócio na sociedade e que se computa nas despesas gerais desta, diferentemente dos lucros que possam advir como remuneração do capital, os quais são pagos a todos os sócios, na proporção de sua parcela no capital social, independentemente de trabalharem na empresa. Ex. "Os valores de pró-labore foram creditados mês a mês na conta daquele sócio, enquanto durou a prestação de seus serviços à sociedade". 3) Importante acrescentar que, nos contratos de prestação de serviços profissionais de advocacia, tal expressão constitui aquela parcela fixa de honorários, a ser paga independentemente do resultado da causa, como remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, e contrapõe-se à parcela ad exitum, a qual significa um valor de risco, que o advogado receberá ou não, dependendo do sucesso da demanda e, em muitos casos, na proporção dos resultados auferidos pelo cliente. 4) Por fim, em resposta às judiciosas observações do leitor, fazem-se as seguintes ponderações: a) a Academia Brasileira de Letras detém a delegação legal para listar oficialmente as palavras e expressões existentes em português; b) e ela exerce essa autoridade por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa; c) em sua 2ª edição (1998, reimpressão em 1999), o VOLP optou por registrar a expressão pro labore, mas explicitou que ela era alheia ao nosso idioma, por pertencer ao latim (p. 612); d) por considerada então expressão latina, era obrigatório o uso de aspas, negrito, itálico, sublinha ou grifo indicador de tal circunstância, além de proibida a utilização de acento gráfico e de hífen, que não existiam no idioma de origem; e) em sua 4ª edição (2004), o VOLP continuou considerando a expressão pertencente ao latim, mas, em termos de apresentação gráfica, optou por simplesmente ignorar-lhe o registro no corpo do texto, assim como fez com todas as expressões pertencentes a outros idiomas; f) a mais recente edição do VOLP (5ª, de 2009, p. 678), por seu lado, já integrou a expressão ao vernáculo e lhe conferiu, em português, a forma pró-labore (exatamente assim com acento no prefixo e hífen entre os elementos da expressão).
quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Gênero ou sexo - De onde vem?

1) Um leitor quer saber os seguintes aspectos: a) de onde vem o sexo ou gênero em nosso idioma?; b) isso é apenas uma convenção?; c) no inglês, o the serve para tudo; d) como, em português, calcinha e cueca são usados por homens e mulheres respectivamente, mas são ambos do feminino?; e) e como explicar essa diversidade a um estrangeiro de origem anglo-saxônica? 2) Uma primeira distinção deve ser feita: a) quando se fala em sexo, quer-se referir à "conformação particular que distingue o macho da fêmea, nos animais e nos vegetais, atribuindo-lhes um papel determinado na geração e conferindo-lhes certas características distintivas" (FERREIRA, 2010, p. 1.927); b) já quando se fala em gênero, está-se no campo da estruturação que dispõe os nomes de determinada língua em classes (masculino, feminino e neutro), classifica-os de acordo com a referência pronominal (o menino/ele, a casa/ela), a concordância com os modificadores (gato/gordo, menina/estudiosa) e a presença de determinados afixos (ator/atriz). 3) Em suma: sexo é questão biológica; gênero é classificação gramatical. 4) E definir quantos e quais gêneros hão de existir ou mesmo quais nomes hão de integrar determinado gênero não é algo meramente convencional, mas é circunstância que acompanha o modo de evoluir de cada idioma. É certo que alguns aspectos acabam por espraiar-se de uma língua originária (como o latim) para as línguas dela derivadas (como o português, o francês, o espanhol, o italiano, etc.); mas essas peculiaridades nem sempre se comunicam, e mesmo quando se comunicam, não o fazem de modo necessariamente uniforme. 5) De um modo geral, em português, os seres do sexo masculino são designados por nomes do gênero masculino (gato, boi), enquanto os do sexo feminino, por nomes do gênero feminino (gata, vaca). Mas mesmo aqui algumas peculiaridades exigem atenção: a) alguns nomes, chamados comuns de dois gêneros (como pianista, artista e selvagem) designam seres tanto do sexo masculino como do sexo feminino, e a distinção se faz pela aplicação de algum determinativo ou modificativo (virtuoso pianista, conceituada artista, o selvagem); b) outros nomes, os epicenos, são substantivos formalmente de um só gênero, e a distinção dos sexos se faz pelo acréscimo dos adjetivos macho e fêmeo (a cobra macha, o jacaré fêmeo); c) também há os sobrecomuns, substantivos de um só gênero, mas que se referem a seres de ambos os sexos, sem qualquer outra distinção (a criança, o indivíduo, a testemunha). 6) E, se já existe alguma dificuldade nessa classificação quanto aos seres sexuados, a dificuldade ainda é maior entre os seres assexuados, em que a classificação segue critérios totalmente apartados da questão da sexualidade, ou mesmo não segue critério algum: assim, não há, pelo que até agora se expôs, como explicar a razão de se dizer a) o arbusto, mas a árvore, b) o garfo, mas a faca, c) o sofá, mas a cadeira, d) o lápis, mas a borracha, e) a calcinha, mas a cueca, etc. Mais uma vez, cada idioma tem seus critérios, ou, na maioria das vezes, não tem critério algum. 7) Em realidade, cada idioma, sem determinação prévia específica, desenvolve seu sistema de estruturação gramatical dos gêneros: a) no latim, havia o masculino (inicialmente empregado para os seres do sexo masculino), o feminino (na origem, para os seres do sexo feminino) e o neutro (em latim, neuter = nem um nem outro, reservado aos seres a cujo respeito não houvesse preocupação com a questão da sexualidade); b) tanto pelas dificuldades normais advenientes de tais critérios, como pelo próprio distanciamento da preocupação original, a distinção adotada foi-se perdendo gradativamente; c) e, nas línguas românicas (oriundas do latim), por questões de facilidade na fala diária, o gênero neutro foi gradativamente desaparecendo; d) mas ainda se fazem presentes no português alguns resquícios do neutro, pois, como não é difícil perceber, embora este seja masculino e esta seja feminino, isto, isso, aquilo, tudo e nada servem tanto para designar um como outro. 8) No inglês, também há o neutro. He é ele; she é ela; e it é ele neutro. Os seres humanos são he ou she, conforme o sexo; os animais, it. Mas, se alguém quer designar um homem de modo depreciativo, pode coisificá-lo e chamá-lo por it. Se, porém, alguém quer mostrar um sinal de distinção para com seu gato de estimação, pode humanizá-lo e chamá-lo por he ou she, conforme o caso. 9) E não se pode, a esta altura, esquecer o alemão, em que, além da coexistência do masculino, do feminino e do neutro, ainda há o aspecto de que são declinados os pronomes, os substantivos, os adjetivos e os artigos. Ou seja: tais palavras têm suas terminações definidas não apenas pelo gênero a que pertencem (masculino, feminino ou neutro), mas também pela função sintática que desempenham na frase (nominativo para o sujeito, acusativo para o objeto direto, dativo para o objeto indireto e genitivo para o complemento nominal). Imagine-se a dificuldade para definir todos esses aspectos à medida que se fala ou escreve. 10) Respondendo, em síntese, ao leitor: a) os termos sexo e gênero não se confundem, já que o primeiro é questão biológica, enquanto o segundo é classificação gramatical; b) embora quase nunca haja critérios claros e definidos nos idiomas, não é aleatório nem meramente convencional atribuir o gênero masculino ou feminino a um certo substantivo; c) exatamente por se tratar de gênero e não de sexo e pela ausência de critérios claros e definidos nos idiomas é que acontecem casos, como calcinha e cueca, vestes usadas por mulheres e homens respectivamente, mas que são ambas palavras do feminino; d) o português (o menino sábio, a menina sábia) tem critérios mais minuciosos do que o inglês (the wise boy, the wise girl) para a especificação dos gêneros e para os aspectos de concordância nominal; e) isso não significa, porém, uma necessária facilidade maior da língua inglesa, na qual, por exemplo, é grande a dificuldade de regência verbal, já que, a um mesmo verbo, podem acoplar-se preposições diferentes, cada qual determinando uma regência e um significado diversos para a expressão; f) nem muito menos significa dificuldade maior do que falar e escrever o alemão, em que as palavras têm suas terminações definidas não apenas pelo gênero a que pertencem (masculino, feminino ou neutro), mas também pela função sintática que desempenham na frase (nominativo para o sujeito, acusativo para o objeto direto, dativo para o objeto indireto e genitivo para o complemento nominal); g) como se vê, não há o que explicar a um estrangeiro, muito menos a alguém de origem anglo-saxônica, como se lhe fossem devidas desculpas pelas peculiaridades do português, certo como é que as questões próprias dos idiomas deles também trazem grandes dificuldades para o usuário do vernáculo.
quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Sobrestar - Como se conjuga?

1) Um leitor observa que, de acordo com os dicionaristas Antônio Houaiss e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o verbo sobrestar deve ser conjugado como estar. Todavia, em dicionário da internet, a lição é diversa e manda conjugá-lo como verbo regular. Então pergunta qual a forma correta no pretérito perfeito do indicativo: sobrestou ou sobresteve? 2) Quanto à conjugação verbal, flexiona-se "pelo verbo estar, do qual é derivado" (SACCONI, 1979, p. 87): sobrestou, sobrestás, sobrestá, sobrestamos, sobrestais, sobrestão (presente do indicativo); sobresteja, sobrestejas, sobresteja, sobrestejamos, sobrestejais, sobrestejam (presente do subjuntivo); sobrestive, sobrestiveste, sobresteve, sobrestivemos, sobrestivestes, sobrestiveram (pretérito perfeito do indicativo). Ex.: a) "Sobrestive na resposta quarenta e oito horas" (Camilo Castelo Branco); b) "Sobresteve o Tupi; arfando em ondas, o rebater do coração se ouvia" (Gonçalves Dias). 3) Também Otelo Reis (1971, p. 48) manda que seja ele conjugado tendo por modelo estar, acrescentando, e com propriedade, que outros derivados de formas latinas em stare são regulares: constar, obstar, prestar, restar, sustar. 4) Atento aos frequentes equívocos que se cometem no linguajar forense, assim leciona Luciano Correia da Silva: "Diariamente se nos deparam quotas e despachos como estes: 'Requeiro que se sobreste o feito'; 'Sobreste-se o feito'. São erros imperdoáveis a advogados, promotores e juízes. Diga-se: 'Requeiro se sobresteja o feito'; 'Sobresteja-se o feito'" (1991, p. 122). 5) Martins de Aguiar aponta no vetusto livro "Vida de D. Manuel", de Filinto Elísio, o equívoco de um sobrestaram por sobrestiveram (AGUIAR apud HENRIQUES; ANDRADE, 1999, p. 135). 6) Por essas indicações gramaticais, atente-se às formas corretas e incorretas dos exemplos seguintes: a) "O juiz sobresta o processo por dois meses" (errado); b) "O juiz sobrestá o processo por dois meses" (correto); c) "O juiz sobrestou o processo por dois meses" (errado); d) "O juiz sobresteve o processo por dois meses" (correto); e) "Os desembargadores sobrestaram o processo por dois meses" (errado); f) "Os desembargadores sobrestiveram o processo por dois meses" (correto); g) "Se o juiz sobrestasse o processo por dois meses..." (errado); h) "Se o juiz sobrestivesse o processo por dois meses..." (correto); i) "Enquanto o juiz sobrestar o processo..." (errado); j) "Enquanto o juiz sobrestiver o processo" (correto); k) "É preciso que o juiz sobreste o processo por dois meses" (errado); l) "É preciso que o juiz sobresteja o processo por dois meses" (correto). 7) Respondendo diretamente à indagação do leitor, a forma correta é sobresteve, e não sobrestou. Sobrestar - Qual é seu complemento? 1) Quanto à regência verbal, pode-se sintetizar a questão com o ensino de Celso Pedro Luft (1999, p. 485), que observa a possibilidade de construção como intransitivo, como transitivo direto e como transitivo indireto com a preposição em. Exs.: a) "O índio sobresteve"; b) "Sobrestiveram o andamento do processo"; c) "Sobrestiveram no andamento do processo". 2) Nos textos de lei, às vezes se constrói com objeto direto (que pode aparecer como sujeito na voz passiva), correspondendo à construção sobrestar alguma coisa, e às vezes se apresenta com objeto indireto introduzido pela preposição em (sobrestar em alguma coisa). Exs.: a) "... podendo o relator ordenar imediatamente às Juntas e aos Juízes, nos casos de conflito positivo, que sobrestejam o andamento dos respectivos processos" (CLT, art. 809, II); b) "Poderá o relator, de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes, determinar, quando o conflito for positivo, seja sobrestado o processo" (CPC, art. 120); c) "Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa..." (CC, art. 495, repetindo a redação do CC/1916, art. 1.131).
quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Crase e palavras ocultas

1) Um leitor parte do seguinte exemplo, que reputa correto: "A sua prova é curiosamente igual à prova do aluno Roberto". Sua dúvida é se a crase continua, quando se suprime a segunda palavra prova nas seguintes frases: a) "A sua prova é curiosamente igual à do aluno Roberto"; ou b) "A sua prova é curiosamente igual a do aluno Roberto"? 2) Uma observação técnica de grande importância: a) quando a palavra prova vem expressa, se houver crase, ela significará a fusão de uma preposição a e de um artigo a; b) quando, porém, se omite a palavra prova, se houver a referida fusão, será ela entre uma preposição e uma palavra que tomou o lugar de um nome, a saber, um pronome. 3) Como tal explicação teórica não muda em nada a questão prática que está sendo dirimida, importa lembrar que a primeira, geral e importante regra de crase para nomes comuns do feminino manda substituir, no raciocínio com o caso concreto, o nome feminino, antes do qual se quer saber se existe ou não a crase, por um correspondente masculino (não necessariamente um sinônimo, mas um vocábulo que mantenha a mesma estrutura sintática). 4) E se, com a substituição, aparece ao no masculino, então há crase no feminino; se não aparece ao no masculino, não há crase no feminino. 5) Veja-se o raciocínio que o próprio consulente deve ter seguido com o exemplo, quando aparece o vocábulo prova: a) "A sua prova é curiosamente igual à prova do aluno Roberto" (feminino); b) "O seu exame é curiosamente igual ao exame do aluno Roberto" (masculino). 6) Com essas considerações como premissas, passa-se a raciocinar com o exemplo em que o leitor suprimiu o vocábulo prova: a) tal palavra foi suprimida na frase, mas ela continua claramente existindo na mente e no raciocínio do leitor; b) se o leitor estivesse pensando não no primeiro, mas no segundo exemplo, a frase dele, sem dificuldade alguma, seria "O seu exame é curiosamente igual ao do aluno Roberto"; c) a regra não muda, e, assim, se, no masculino aparece ao, a crase é de rigor no feminino, esteja oculta ou aparente a palavra que deve ser levada em consideração; d) o correto, então, no caso da consulta, é "A sua prova é curiosamente igual à do aluno Roberto".
quarta-feira, 25 de julho de 2018

Omitir texto assim [...] - É correto?

1) Um leitor ouviu dizer que, quando se transcreve texto de outro autor, não se utilizam reticências entre colchetes - [...] - para representar as partes omitidas do original. E indaga se tem procedência esse entendimento. 2) Tomem-se, como exemplos, três dispositivos da legislação em vigor: a) "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro" (CC, art. 2º); b) "A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil" (CC, art. 5º); c) "Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária" (CC, art. 11). 3) Na hipótese de não se querer a transcrição integral de qualquer desses dispositivos, podem-se usar as reticências, com a observação de que elas servem "para indicar, nas citações, que foram suprimidas algumas palavras" (LIMA, 1972, p. 435) do texto original. E tais reticências são representadas por três pontos seguidos, não importando o local do texto em que a supressão aconteça: a) "... a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro" (CC, art. 2º); b) "A menoridade cessa aos dezoito anos completos ..." (CC, art. 5º); c) "... os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis ..." (CC, art. 11). 4) Ocorre, contudo, que as reticências, além de indicarem a supressão de parte do texto citado, podem ter outras funções e indicações, de tal modo que - com exceção das citações de textos de lei, em que tal não acontece - não é impossível que até mesmo pertençam ao texto original que se está transcrevendo, do que pode originar significativa confusão. 5) Exatamente por isso, têm-se utilizado, na prática, as reticências entre parênteses ou entre colchetes, para indicar, com mais clareza, a supressão de parte do texto que consta do original. 6) Tome-se, como exemplo, o seguinte trecho: "No Código Civil de 2002, em regramento advindo da lei anterior, podem-se alinhar alguns exemplos de tais obrigações conjuntas: a) pelo art. 1.317, se condôminos contraem dívida sem discriminação das partes, entende-se pela obrigação proporcional ao quinhão da coisa comum; b) pelo art. 1.380, assistindo ao dono de uma servidão o direito de fazer as obras necessárias a sua conservação e a seu uso, se a servidão pertence a mais de um prédio, as despesas são rateadas entre os respectivos donos; c) pelo art. 1.934, parágrafo único, todos os herdeiros instituídos, se não há especificação de quais hão de executar os legados, por estes respondem proporcionalmente ao que herdam" (COSTA, 2003, p. 238). 7) Nada impede que as omissões das partes que não sejam julgadas essenciais para a citação, as quais também podem ser representadas apenas por reticências, sejam marcadas do seguinte modo, entre parênteses: "No Código Civil de 2002, (...), podem-se alinhar alguns exemplos de tais obrigações conjuntas: a) pelo art. 1.317, (...), entende-se pela obrigação proporcional ao quinhão da coisa comum; b) pelo art. 1.380, (...), se a servidão pertence a mais de um prédio, as despesas são rateadas entre os respectivos donos; c) pelo art. 1.934, parágrafo único, todos os herdeiros instituídos (...) respondem proporcionalmente ao que herdam". 8) E não é só: essas supressões, as quais, como visto, podem ser marcadas por reticências entre parênteses - (...) - também podem ser indicadas por reticências entre colchetes - [...]. É que não parece haver razão para, neste caso, fazer diferença entre parênteses e colchetes. E assim se procede com a autorização de abalizados gramáticos. É certo, por um lado, que Napoleão Mendes de Almeida ensina que os colchetes designam "os sinais que indicam um parêntese que tem outro dentro de si" (1981, p. 59). Já Celso Cunha, em exemplo que transcreve de Sousa da Silveira, acaba por mostrar exatamente o inverso, a saber, parênteses dentro de colchetes (1970, p. 286). E Gladstone Chaves de Melo - que chama aos colchetes de "parênteses quadrados" - ao especificar as funções de um e de outro, faz com que uns, em última análise, guardem equivalência de funções com os outros (1978, p. 250). Tais ponderações obrigam a concluir pela equivalência entre ambos. 9) Em síntese: nas citações de textos de lei ou de autores, as omissões de parte do original podem ser representadas a) ou por reticências, isto é, ..., b) ou por reticências entre parênteses, a saber, (...), c) ou, ainda, por reticências entre colchetes, vale dizer, [...]. Essas variadas possibilidades, em última análise, advêm do fato de que, se os indicadores de uso das reticências, dos parênteses e dos colchetes, por um lado, não permitem abertamente tais usos, o certo é que, por outro lado, também não proíbem os empregos apontados.
quarta-feira, 18 de julho de 2018

Excelentíssima - Admite crase?

1) Um leitor indaga se Excelentíssimo e Ilustríssimo, quando usados no feminino, admitem crase antes de si. 2) Algumas importantes observações sobre crase: a) em realidade, não há palavras que admitem e outras que rechaçam, apenas em teoria, a possibilidade de uso da crase; b) esta, como fusão da preposição a + outro a (artigo, pronome, letra inicial de pronome), deve ser analisada na prática; c) por isso a análise há de dar-se no caso concreto; d) e, quando se diz, por exemplo, que não há crase antes de masculino, é porque, por não haver artigo feminino antes de nome masculino, fica inviabilizada, no caso concreto, a fusão mencionada; e) a mesma observação vale para os verbos, para os pronomes de tratamento, etc. 3) Ora, quanto à indagação do leitor, o melhor que se faz, num primeiro momento, é formular exemplos em que se encontrem as palavras trazidas por ele para análise (até aqui, sem uso algum de sinal indicativo da crase, mesmo que devido): a) "Encontrei a Excelentíssima Desembargadora na plateia do teatro"; b) "Vi a Ilustríssima Delegada no teatro"; c) "O livro pertence a Excelentíssima Desembargadora"; d) "O livro pertence a Ilustríssima Delegada". 4) Com essa providência tomada, parte-se para a primeira, geral e importante regra de crase para nomes do feminino, a qual manda substituir, no raciocínio com o caso concreto, o nome feminino, antes do qual se quer saber se existe ou não a crase, por um correspondente masculino (não necessariamente um sinônimo, mas um vocábulo que mantenha a mesma estrutura sintática). 5) E se, com a substituição, aparece ao no masculino, então há crase no feminino; se não aparece ao no masculino, não há crase no feminino. 6) Veja-se como ficam os exemplos com a substituição: a) "Encontrei o Excelentíssimo Desembargador na plateia do teatro"; b) "Vi o Ilustríssimo Delegado no teatro"; c) "O livro pertence ao Excelentíssimo Desembargador"; d) "O livro pertence ao Ilustríssimo Delegado". 7) Torne-se, então, aos exemplos inicialmente formulados, com a maneira correta de escrita: a) "Encontrei a Excelentíssima Desembargadora na plateia do teatro"; b) "Vi a Ilustríssima Delegada no teatro"; c) "O livro pertence à Excelentíssima Desembargadora"; d) "O livro pertence à Ilustríssima Delegada". Ilustríssima - Admite crase? Ver Excelentíssima - Admite crase?
quarta-feira, 11 de julho de 2018

Sentença trânsita ou transitada em julgado?

1) Uma leitora gostaria de saber qual o certo: sentença trânsita em julgado ou sentença transitada em julgado. 2) Esclareça-se, num primeiro aspecto, sobretudo para os leitores não acostumados ao linguajar jurídico e forense, que se diz que uma decisão transita em julgado ou passa em julgado, quando não mais é possível interpor recurso contra ela, quer pelo decurso de prazo, quer porque os recursos possíveis foram esgotados no devido tempo. 3) Então se diz que a decisão transitou em julgado (CPC, art. 466-A) ou passou em julgado (CPC, art. 474), ou, ainda, que houve o trânsito em julgado. Nesses casos, o que se tem, portanto, é uma decisão transitada em julgado (CPC, art. 475-I, § 1º). 4) O que, todavia, a leitora quer saber é se, em vez de decisão transitada em julgado, se pode dizer decisão trânsita em julgado. 5) E, quando se faz tal indagação, quer-se saber, em suma, se existe o adjetivo trânsito na forma feminina. 6) Todavia uma consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, pelo qual a Academia Brasileira de Letras desempenha sua missão de especificar oficialmente as palavras que integram nosso idioma, revela que existe o substantivo trânsito (2009, p. 805), mas não o adjetivo trânsito, que possa gerar o adjetivo feminino tal como acima pretendido. 7) Daqui se conclui, necessariamente, que o correto é dizer sentença transitada em julgado, e simplesmente não existe a forma sentença trânsita em julgado. 8) Também se observe que é correto dizer que houve o trânsito em julgado do acórdão (porque aqui trânsito é um substantivo); mas não é correto dizer acórdão trânsito em julgado (porque trânsito seria, necessariamente, um adjetivo, mas este não existe em nosso idioma).
quarta-feira, 20 de junho de 2018

Acentos - Podem dois em mesma palavra?

1) Um leitor se surpreendeu com a existência de dois acentos agudos em mesma palavra (salário-de-benefício), pois sempre aprendeu que não pode haver mais de um acento gráfico em mesmo vocábulo. Por isso, indaga qual a forma correta: salário-de-beneficio, salário-de-benefício ou salário de benefício. 2) Independentemente de qualquer comentário sobre a correção do emprego de hífen no vocábulo trazido para análise, já que esse não é o fulcro da consulta, é preciso estabelecer uma premissa da mais elevada importância para considerar a dúvida do leitor: a par da regra geral de que não se empregam dois acentos gráficos em mesma palavra, também existe uma outra, segundo a qual elementos unidos por hífen são considerados vocábulos distintos e autônomos para efeito de acentuação gráfica. 3) Com essa premissa, vê-se que é apenas aparente a dificuldade do leitor, uma vez que, se, quando separados, os elementos de uma palavra têm acento gráfico, continuam com ele após sua união por hífen. 4) Vejam-se alguns exemplos colhidos no dia a dia: açaí-do-pará, encontrá-lo-ás, salário-família, salário-mínimo. 5) Aproveita-se a oportunidade para uma observação adicional referente a outros exemplos, como ímã, órfã e órgão. Dois sinais gráficos estão aqui, efetivamente, em mesma palavra. Ocorre, entretanto, que o til (~) não é acento gráfico, e sim apenas um sinal diacrítico indicador de nasalização do som. Desse modo, também aqui não existe contrariedade à regra segundo a qual não se empregam dois acentos gráficos em uma mesma palavra.
quarta-feira, 6 de junho de 2018

Bel-prazer da vontade - Existe?

1) Tendo encontrado, na prática, uso que lhe parece equivocado, uma leitora indaga se a expressão bel-prazer pode ser associada à palavra vontade, como na expressão "a bel-prazer da vontade do prefeito". 2) Ora, a expressão bel-prazer (bel, no caso, é forma apocopada de belo), conforme lição dos dicionaristas, já significa arbítrio, talante, vontade própria (FERREIRA, 2010, p. 300). 3) Cândido Jucá Filho realça seu uso mais comum em "expressões possessivas como 'a seu bel-prazer'", mas também exemplifica com caso de outro emprego, em que não se faz presente o pronome possessivo: a) "Fi-lo a meu bel-prazer"; b) "Procedeu a bel-prazer de Fulano" (1963, p. 100). 4) Com isso, já solucionando um aspecto da indagação da leitora, pode-se dizer, com base no que já foi explicado, que estaria correto o exemplo com a seguinte formulação: "Não podemos ficar aqui esperando, a bel-prazer do Prefeito". 5) Antes de ingressar no segundo aspecto, porém, com os olhos voltados para a circunstância de que bel-prazer e vontade são sinônimas, fazem-se algumas ponderações teóricas, a título de premissas: a) expressões que se repetem quanto ao sentido são chamadas tecnicamente de pleonasmos (do grego pleonasmós = superabundância); b) o pleonasmo pode ser de estilo, quando usado intencionalmente para conferir à expressão mais vigor, intensidade ou clareza; c) nesse caso, ele não apenas é aceito, mas constitui verdadeiro ornamento do estilo; d) é o que se dá em casos como "Isso eu vi com meus próprios olhos" e "Tinha a testa enrugada, como quem vivera vida de contínuo pensar"; e) em outros casos, o pleonasmo pode ser vicioso, quando significa uma repetição que em nada robustece a expressão; f) é o que se dá em exemplos como "subir para cima", "descer para baixo", "entrar para dentro" e "sair para fora". 6) Com essas considerações teóricas e genéricas, podem-se extrair, em segundo aspecto para o caso da consulta, as seguintes ilações: a) a expressão "a bel-prazer da vontade" tem evidente conotação pleonástica e redundante, até porque bel-prazer já significa vontade, arbítrio ou talante; b) a repetição das expressões em nada robustece o vigor, a intensidade ou a clareza do texto; c) sem necessidade de maiores considerações, está-se diante de um pleonasmo vicioso; d) como tal, constitui equívoco da linguagem e deve ser evitado.
quarta-feira, 30 de maio de 2018

Juízo é sinônimo de juiz?

1) Uma leitora, encontrando com frequência o emprego da palavra juízo em lugar de magistrado, de juiz, de julgador, indaga se são sinônimas e se esse emprego é apropriado. 2) Num primeiro aspecto, importa observar que juízo, como já sintetizava Chiovenda, é o próprio tribunal (MARQUES, 2000, p. 368), quer considerado como órgão julgador, quer tido como estrutura de decisão. 3) Nesse sentido, o vocábulo é empregado em diversos dispositivos do Código de Processo Civil de 1973: a) "Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente..."; b) "Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade..."; c) "Art. 33, parágrafo único. O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente a essa remuneração". 4) Já o juiz é a pessoa física que detém a atribuição estatal de dizer o direito e, nesse sentido, o vocábulo tem por sinônimos magistrado e julgador. 5) Com essas premissas, já se vê que juízo não pode ser tido, objetivamente, como sinônimo de magistrado, de juiz ou de julgador. 6) Vale a pena observar, entretanto, que, às vezes, se emprega uma figura de linguagem conhecida como metonímia, que consiste em usar uma palavra em lugar de outra, desde que ambas tenham entre si algum tipo de relação e de proximidade. Veja-se, assim, o seguinte exemplo: "Esse juízo decidiu anteriormente...". Ora, o que se quer dizer é que o juiz decidiu anteriormente, e não o tribunal. Afinal, quem decide é a pessoa, e não a estrutura. E esse uso de uma palavra em lugar de outra é de integral correção. 7) Desse modo, assim pode ser sintetizada a resposta à leitora: a) por um lado, o vocábulo juízo não pode ser tido como sinônimo objetivo de juiz, de magistrado ou de julgador; b) por outro lado, é possível empregar juízo em lugar de juiz, quando se faz uso da figura de linguagem denominada metonímia, pela qual uma palavra toma o lugar de outra, com base em alguma relação de proximidade entre ambas: de causa e efeito, de parte e todo, de autor e obra, etc.