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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Condo-hotel ou Condo hotel?

1) Uma leitora, encontrando em textos jurídicos o termo condo-hotel, indaga qual a grafia correta desse vocábulo em português: condo-hotel ou condo hotel? 2) Observe-se, de início, quanto a seu conceito, que, nascido no ordenamento jurídico dos Estados Unidos e lá de igual modo conhecido como hotel condo e também contel, trata-se de uma estrutura que, legalmente, é um condomínio, mas, na prática, é operada com os parâmetros de um hotel. 3) Já quanto ao uso em português, também se anota, por um lado, que, tanto na edição escrita de 2009 quanto na edição on-line disponível ao tempo de confecção desta resposta (janeiro de 2016), não se registra essa expressão entre as palavras listadas pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, que é o órgão que detém a delegação para dizer oficialmente quais são os vocábulos integrantes de nosso idioma. 4) Pode ser, todavia, que, mesmo com a inexistência oficial da palavra, se queira trazer o vocábulo para o vernáculo, ante a necessidade de emprego de um neologismo para a especificação técnica acima referida, causada pela falta de um termo equivalente em nosso idioma. 5) Nesse caso, parece adequado, em primeira conclusão, empregar o conceito de juntar os segmentos integrantes da expressão, e isso porque a palavra resultante constitui entidade diversa daquilo que significa cada um de seus elementos componentes. 6) E, assim, fixada a ideia de que se hão de juntar os dois elementos em um só vocábulo, também parece adequado, em segunda conclusão, aplicar a mesma regra geral de quando o elemento inicial (um prefixo ou um falso prefixo) termina por vogal, e o elemento seguinte se inicia por h: usa-se o hífen e mantém-se o h. 7) Desse modo, se o intento é empregar em português a palavra trazida pela leitora em sua dúvida, e isso na condição de um neologismo plenamente defensável, a grafia que parece integralmente adequada pelas regras de nosso idioma é condo-hotel.
1) Uma leitora indaga qual a forma correta nos seguintes exemplos: a) "Atender os requisitos legais"; b) "Atender aos requisitos legais". 2) Ora, quando se indaga sobre qual é o tipo de complemento que um determinado verbo pede, a dúvida situa-se no domínio da regência verbal. 3) Francisco Fernandes considera transitivo direto o verbo atender, quando tem o sentido de escutar atentamente ou acolher com atenção ou cortesia. Exs.: a) "Não querem que eu atenda o cliente"; b) "Tive a ingenuidade de atendê-lo". 4) Considera-o, porém, transitivo indireto, quando usado no sentido de prestar atenção ou levar em consideração. Exs.: a) "Atendeu aos meus clamores"; b) "Atendeu aos pedidos". 5) No caso da dúvida trazida pela leitora, Domingos Paschoal Cegalla entende que o verbo deva ser construído com objeto indireto. Ex.: "Os novos carros devem atender a todas as exigências de segurança". 6) Celso Pedro Luft, talvez tendo em vista a proximidade de sentido que existe em tais acepções, tem-no, indistintamente, como transitivo direto ou transitivo indireto, quando traz o significado de dar ou prestar atenção, de responder, de ser atencioso com, ou de cuidar, ou, mesmo, de servir. Exs.: a) "Atender o conselho" ou "Atender ao conselho"; b) "Atender o telefone" ou "Atender ao telefone"; c) "Atender o doente" ou "Atender ao doente". 7) Também Napoleão Mendes de Almeida, sem fazer distinções quanto a seu significado, admite que esse verbo seja construído, indiferentemente, com objeto direto ou com objeto indireto. 8) Ante a divergência de entendimento entre os gramáticos, o melhor é aceitar como corretas ambas as construções: a) "Atender os requisitos legais"; b) "Atender aos requisitos legais".  
quarta-feira, 17 de julho de 2019

Coordenadora Jurídico - Está certo?

1) Uma leitora indaga se os adjetivos devem concordar com os substantivos nas expressões indicativas de profissões e cargos, como Coordenador Jurídico, Coordenadora Jurídica, Analista Jurídico e Analista Jurídica.2) Ora, o vocábulo jurídico, em todas essas expressões, é um adjetivo que qualifica um substantivo (coordenador e analista).3) E a regra mais básica nesse assunto de concordância nominal é que o adjetivo se harmoniza (ou concorda) em gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural) com o substantivo a que se refere. Desse modo, se o substantivo é masculino, o adjetivo deve ser posto no masculino; se feminino o substantivo, também nesse gênero há de estar o adjetivo.4) Não se sabe de onde surgiram equívocos dessa natureza, no dia a dia, em expressões bastante corriqueiras: móveis paulista, tapetes persa, especialidades mineira, doces caseiro, ovos caipira. Corrijam-se as expressões sem dificuldades maiores: móveis paulistas, tapetes persas, especialidades mineiras, doces caseiros, ovos caipiras.5) Com essas ponderações, conclui-se que, nos exemplos trazidos pela leitora, a concordância há de se fazer regularmente: Coordenador Jurídico, Coordenadora Jurídica, Analista Jurídico, Analista Jurídica, Coordenador Judiciário, Coordenadora Judiciária, Analista Judiciário, Analista Judiciária.6) Por fim, acresce dizer que não faz o mínimo sentido, em casos dessa natureza, pretender usar o argumento de que o nome do cargo é, genericamente, do masculino, e com isso afirmar que, abaixo do nome da Dra. Maria de Fátima Silva, se deve escrever, como indicação de seu cargo, Coordenador Jurídico. Ora, a Dra. Maria de Fátima Silva, como integrante do gênero feminino, é a Coordenadora Jurídica da empresa, e fim de conversa: abaixo de seu nome, a indicação de seu cargo deve ser Coordenadora Jurídica.
quarta-feira, 10 de julho de 2019

Amicus curiae - Qual é o plural?

1) Um leitor diz ter lido, como plural da expressão amicus curiae, a expressão amici curiae. E indaga se isso é correto. 2) Essa é uma expressão latina (pronuncia-se amícus cúrie), que significa, na origem, amigo da corte e foi introduzida em nosso ordenamento para significar a intervenção de entidades que, mesmo não sendo partes, se munem de representatividade adequada para contribuir com elementos significativos em questões de direito em demanda que diga respeito a controle de constitucionalidade. 3) Quanto a seu plural, as opiniões se dividem: a) alguns querem que a expressão fique invariável, e, assim, que se reconheça seu plural apenas pela anteposição do artigo ou outro vocábulo que indique tal circunstância (o amicus curiae, os amicus curiae); b) outros querem que, além do artigo, também o primeiro vocábulo da expressão vá para o nominativo plural latino (o amicus curiae, os amici curiae). Essa última posição é majoritária, e desse modo é que o próprio Supremo Tribunal Federal manda pluralizar a expressão em seu site. Dicionários jurídicos ingleses adotam idêntica postura. 4) Em realidade, quanto ao polêmico e tormentoso problema da pluralização de palavras e expressões de outros idiomas ainda não incorporadas ao vernáculo, desde logo se observa não haver regramento específico por parte dos órgãos competentes, e, assim, o que se tenta aqui é equacionar o assunto por um raciocínio cientificamente correto, com o acompanhamento do bom-senso que deve nortear soluções dessa natureza. 5) Com essa observação, fixa-se a premissa de que palavras e expressões de outros idiomas podem cristalizar-se no vernáculo de maneiras diversas: a) campus veio na forma do nominativo singular (caso latino que serve para vestir a função sintática de sujeito); b) quorum sedimentou-se aqui na forma do genitivo plural (caso que serve para exercer a função do antigo complemento restritivo, hoje adjunto adnominal); c) a quo veio na forma do ablativo singular por regência da preposição antecedente (caso que normalmente serve para desempenhar a função sintática de complemento circunstancial, hoje adjunto adverbial); d) ad quem, também por regência da preposição antecedente, veio no acusativo singular (que, normalmente, serve para desempenhar a função de objeto direto). 6) E, como não é difícil compreender nem observar, mesmo para aqueles que não possuem rudimento algum do latim, essa cristalização do vocábulo estrangeiro em nosso idioma e seu emprego em estruturas sintáticas vernáculas normalmente ocorrem do seguinte modo: a) não há preocupação alguma sobre qual seja a função sintática de tal palavra na oração em português; b) no vernáculo, não se estabelece vínculo algum com a estrutura sintática em latim; c) não se procede a ligação alguma com a conduta ou a flexão do vocábulo ou expressão no idioma de origem. 7) Em continuação, para facilitar o raciocínio no caso concreto, considerem-se, em português, os seguintes exemplos, com a especificação da função sintática da palavra amicus neles empregada: a) "O amicus curiae apresentou sua manifestação" (sujeito); b) "O Ministro questionou o amicus curiae" (objeto direto); c) "O Ministro questionou os amicus curiae" (objeto direto); d) "O Ministro deu a palavra ao amicus curiae" (objeto indireto); e) "O Ministro deu a palavra aos amicus curiae"; f) "A manifestação dos amicus curiae foi precisa e concisa" (adjunto adnominal). 8) Partindo-se do princípio de que não se há de pretender flexionar pela metade a palavra ou expressão no idioma de origem (ou seja, mandando-a para o plural na língua de origem, mas apenas no caso latino em que se cristalizou no vernáculo), e considerando-se que, além da variação em gênero e número, o latim ainda tem a flexão dos substantivos em caso (a ser determinada pela função sintática que o vocábulo exerce na oração), forçoso é concluir que, se alguém quer levar o vocábulo amicus para o plural latino nos exemplos acima, também deve, por coerência, alterá-lo quanto ao caso, de acordo com a função sintática que o vocábulo exerce na oração. E, assim, veja-se o resultado desastroso nos exemplos anteriormente formulados: a) "O amicus curiae apresentou sua manifestação" (sujeito); b) "O Ministro questionou o amicum curiae" (objeto direto); c) "O Ministro questionou os amicos curiae" (objeto direto); d) "O Ministro deu a palavra ao amico curiae" (objeto indireto); e) "O Ministro deu a palavra aos amicis curiae"; f) "Foi precisa e concisa a manifestação dos amicorum curiae" (adjunto adnominal). 9) Não é difícil perceber as implicações desse raciocínio: a) um emprego assim requer do usuário do vernáculo uma informação que ele normalmente não tem; b) ou seja: exige dele conhecimentos razoáveis de latim, que já não é ensinado em nossas escolas faz um bom tempo; c) além disso, a par de não haver gênero neutro em português, também não há correspondência absoluta de gênero em ambos os idiomas; d) isso significa que um vocábulo feminino em latim pode ter vindo para o masculino em português, e vice-versa. 10) E não é só: a adoção do critério aqui combatido exige coerência, de modo que deveria dar algum tipo de solução parecida para a seguinte frase: "A nova ombudsman da Folha manifestou-se veementemente contra a opinião do jornal". Vale dizer: deveria fazer as adaptações necessárias, conforme se tratasse de feminino ou de plural. 11) Por isso, com o devido respeito por aqueles que pensam de modo diverso - e são maioria, além de contar, entre nós, com o aval do próprio Supremo Tribunal Federal em seu site - , a melhor solução para a pluralização de tais palavras ou expressões estrangeiras em português parece obedecer aos seguintes parâmetros: a) devem desvincular-se de sua função sintática de origem para efeito de sua flexão em português, quer quanto ao gênero (masculino ou feminino), quer quanto ao número (singular ou plural), quer mesmo quanto ao caso (nominativo, vocativo, genitivo, dativo, ablativo e acusativo); b) devem ser empregadas, assim, como acabaram por sedimentar-se em português, sem variações, adaptações ou tentativas de acertamento em nosso idioma; c) apenas sua pluralização em português deve obedecer aos critérios de nosso idioma (normalmente com o acréscimo de s); d) no caso de amicus, como já existe o s no singular, o reconhecimento do plural se dá pela flexão de outra palavra que se agrega a tal substantivo (o amicus, os amicus). 11) Vejam-se, assim, as seguintes frases, quando se segue esse critério: a) "O amicus curiae apresentou sua manifestação"; b) "Os amicus curiae apresentaram suas manifestações"; c) "O Ministro questionou o amicus curiae"; d) "O Ministro questionou os amicus curiae"; e) "O Ministro deu a palavra ao amicus curiae"; f) "O Ministro deu a palavra aos amicus curiae"; g) "A manifestação do amicus curiae foi precisa e concisa"; h) "A manifestação dos amicus curiae foi precisa e concisa". 12) Qualquer outra solução - sempre com o devido respeito pelos que pensam de modo diverso - afronta a etimologia, fere os critérios mínimos científicos e marginaliza o próprio bom-senso, além de fazer do emprego de vocábulos e expressões dessa natureza, no vernáculo, uma armadilha e um tormento adicional gravíssimo para o usuário médio do idioma.
quarta-feira, 3 de julho de 2019

Juiz - Vossa Excelência ou Vossa Senhoria?

1) Um leitor, a partir da constatação de que, nas petições dirigidas aos juízes, se faz o endereçamento Vossa Excelência e se usa o tratamento Excelentíssimo, observa que o Manual de Redação da Presidência da República reserva tais expressões para altas autoridades, e, assim, indaga como se deve resolver a questão no que tange aos juízes. 2) Ora, buscando socorro no próprio Manual de Redação da Presidência da República, a que se referiu o leitor, observa-se que o Decreto federal 100.000, de 1991, autorizou a criação de uma Comissão para rever, simplificar e uniformizar as normas de redação de atos oficiais utilizadas desde 1937. Desse modo, em 2002, pela Portaria 91 do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, foi publicada a segunda edição do Manual, revista e atualizada, com as principais mudanças ocorrendo na adequação das formas de comunicação. 3) E, em tal manual, em obediência ao que ali se diz ser de "secular tradição", confere-se o tratamento de Vossa Excelência para as seguintes autoridades do Poder Judiciário: Ministros dos Tribunais Superiores, Membros de Tribunais, Juízes e Auditores da Justiça Militar. 4) Em realidade, por um lado, importa observar que um magistrado não deixa de ser uma autoridade merecedora desse tratamento, do mesmo modo como são tratados outros ocupantes de cargos e incumbidos de certas funções parelhas nos Poderes Legislativo e Executivo. 5) Por outro lado, incumbe esclarecer que, para as pessoas comuns e para as autoridades às quais não se reserva o tratamento de Vossa Excelência, o tratamento devido é Vossa Senhoria e Ilustríssimo, como é o caso dos advogados, comissários de polícia, cônsules, coronéis, diretores de empresas, secretários de prefeituras, tenentes-coronéis, etc. 6) No que concerne aos membros do Poder Judiciário, alguns dispositivos legais até mesmo trazem essa especificação e essa garantia: a) o art. 16, parágrafo único, do RISTF, por exemplo, estatui que os Ministros do Supremo Tribunal Federal "receberão o tratamento de Excelência, conservando o título e as honras correspondentes, mesmo após a aposentadoria..."; b) e o art. 29, § 1º, do RISTJ determina que os Ministros do Superior Tribunal de Justiça "receberão o tratamento de Excelência e [...] conservarão o título [...] mesmo depois da aposentadoria...". 7) Por fim, quanto às cartas e ofícios destinados às autoridades, deve-se observar a seguinte distinção: a) o vocativo a ser empregado no texto das comunicações dirigidas aos Chefes de Poder é Excelentíssimo Senhor, seguido do cargo respectivo, como Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional, Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal; b) as demais autoridades serão tratadas com o vocativo Senhor, seguido do cargo respectivo, como Senhor Senador, Senhor Juiz, Senhor Ministro, Senhor Governador. 8) Assim, no envelope, o endereçamento das comunicações dirigidas a um juiz (o mesmo devendo ser dito, de modo indistinto, para as destinadas às demais autoridades tratadas por Vossa Excelência) terá a seguinte forma: A Sua Excelência o SenhorFulano de TalJuiz de Direito da 10ª Vara CívelRua ABC, n. 12301010-000 - São Paulo - SP 9) Esclarecendo que, talvez, a dúvida do leitor se tenha originado no fato de que, quanto ao vocativo, a expressão a ser empregada para um é Senhor Juiz, enquanto para outro há de ser Excelentíssimo Senhor Presidente da República, anota-se que as dúvidas e explicações até agora trazidas concernem ao tratamento a ser dado nas comunicações, cartas e ofícios, de modo que, nas petições endereçadas a um juiz, continuaremos escrevendo Excelentíssimo Senhor Juiz...  
quarta-feira, 26 de junho de 2019

Junte-se as cartas ou Juntem-se as cartas?

1) Uma leitora tem dúvida quanto à colocação do verbo no singular ou no plural no seguinte exemplo: a) "Junte-se aos autos as cartas precatórias"; b) "Juntem-se aos autos as cartas precatórias"? E esclarece que sua dúvida advém da afirmação comum de que, quando há uma preposição, o verbo fica no singular. 2) Ora, quando se tem uma frase como essa, em que um se vem acoplado a um verbo, deve-se fazer uma diferenciação entre dois tipos de estruturas: a) num primeiro caso, uma frase é reversível, de modo que pode ser dita de outro modo ("Aluga-se uma casa", por exemplo, pode mudar-se para "Uma casa é alugada"); b) num segundo caso, uma frase não é reversível (ninguém pensaria em mudar "Gosta-se de um bom vinho" para "De um bom vinho é gostado"). 3) Para uma frase reversível, como "Aluga-se uma casa", podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o exemplo está na voz passiva sintética; b) o se é uma partícula apassivadora; c) o sujeito é uma casa. 4) Já para uma frase não reversível, como "Gosta-se de um bom vinho", as conclusões a serem extraídas são um pouco diversas: a) o exemplo não está na voz passiva sintética; b) diversamente da frase com a qual é comparada, o se não é partícula apassivadora, mas símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; c) seu sujeito não é "um bom vinho", mas é indeterminado; d) em orações como essa, seria impossível considerar um bom vinho sujeito, porquanto, como bem lembra Sousa e Silva, "o sujeito é membro regente, não pode vir regido de preposição". 5) Feitas essas observações, acresce dizer, quanto ao primeiro exemplo, que, a) se uma casa é o sujeito e b) se a regra geral é que o verbo concorda com seu sujeito, c) se o sujeito for levado para o plural, d) o verbo também irá para o plural: "Alugam-se casas". 6) Já para o segundo exemplo, o raciocínio que se deve trilhar é que, a) se o sujeito é indeterminado, b) é forçoso concluir que de um bom vinho não é o sujeito, c) e, assim, se tal expressão for levada para o plural, d) em nada estará sendo alterado o sujeito, e) de modo que o verbo também não há de sofrer modificação alguma: "Gosta-se de bons vinhos". 7) De modo específico para a questão trazida pelo leitor, o exemplo no singular - "Junte-se ao expediente a carta precatória" - é uma frase reversível (pode-se, sem dúvida alguma, dizer "A carta precatória seja juntada ao expediente" - , de modo que se deve seguir o raciocínio desenvolvido para o primeiro dos modelos, resultando que o plural será "Juntem-se aos autos as cartas precatórias". 8) Ao que parece, no caso da consulta, a dúvida da leitora nasceu do fato de que existe uma preposição antes de autos. Mas, como não é difícil perceber, esse não é o termo que seria o sujeito da voz passiva sintética, e sim a carta precatória, o qual não vem regido de preposição alguma. Desse modo, continua valendo a observação feita e a regra aqui aplicada. 9) Vejam-se, adicionalmente, as formas corretas de algumas construções bastante comuns nos meios jurídicos e forenses, que seguem o primeiro modelo: a) "Buscaram-se soluções para o conflito"; b) "Citem-se os réus por precatória"; c) "Intimem-se as testemunhas para a audiência"; d) "Processem-se os recursos de apelação". 10) E também se vejam alguns casos bastante corriqueiros de exemplos que seguem o segundo modelo: a) "Trata-se de embargos à execução"; b) "Proceda-se aos inventários"; c) "Obedeça-se aos princípios legais". Pela explanação feita, são inaceitáveis e equivocadas as seguintes construções: (i) "Tratam-se de embargos à execução"; (ii) "Procedam-se aos inventários"; (iii) "Obedeçam-se aos princípios legais".  
quarta-feira, 12 de junho de 2019

Armaram ou Armarão?

1) Um leitor, narrando que tem lido modos de escrita que contrariam o que ele aprendeu, pergunta como se deve escrever no pretérito perfeito: "Eles se amaram no passado" ou "Eles se amárão no passado"? 2) Duas observações devem ser feitas para os verbos da primeira conjugação (terminados em ar), na terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo: a) são formas paroxítonas (ou seja, a sílaba forte é a penúltima da palavra), e não oxítonas (vale dizer, a sílaba forte não é a última da palavra); b) sua grafia é com am no final, e não com ão. 3) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Ontem eles armaram uma cilada para o inimigo (correto); b) "Ontem eles armarão (ou mesmo armárão) uma cilada para o inimigo" (errado). 4) Importa observar que já houve um tempo em que essas grafias se confundiram no idioma. Veja-se, assim, o seguinte trecho da primeira estrofe do poema Os Lusíadas, de Camões, tal como constou em sua primeira edição (1572): "Passaram, ainda além da Taprobana / ... / E entre gente remota edificarão / Novo Reino, que tanto sublimarão." 5) Quanto a esse trecho, podem-se tecer as seguintes considerações: a) nessa época, era corrente, para o pretérito perfeito do indicativo, a grafia com ão; b) coexistia ela com a grafia hoje aceita com exclusividade (am); c) nos dias de hoje, a atualização ortográfica faz o trecho ser escrito do seguinte modo: "Passaram, ainda além da Taprobana / ... / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram." 6) Nosso Código Comercial, que já data de 1850, também mostra esse mesmo aspecto: "Na prohibição do artigo antecedente não se comprehende a faculdade de dar dinheiro a juro ou a premio, com tanto que as pessoas nelle mencionadas não fação do exercicio desta faculdade profissão habitual de commercio..." Atualize-se a indigitada grafia, juntamente com as demais correções: "Na proibição do artigo antecedente não se compreende a faculdade de dar dinheiro a juro ou a prêmio, contanto que as pessoas nele mencionadas não façam do exercício desta faculdade profissão habitual de comércio..." 7) Para complementar a resposta e eliminar, de uma vez por todas, a dúvida do leitor, também se fazem duas observações para esses mesmos verbos da primeira conjugação na terceira pessoa do plural, mas agora no futuro do presente do indicativo: a) são formas oxítonas (ou seja, a sílaba forte é a última da palavra), e não paroxítonas (vale dizer, a sílaba forte não é a penúltima da palavra); b) sua grafia é com ão no final, e não com am. 8) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Tudo indica que esses dois se amarão num futuro próximo" (correto); b) "Tudo indica que esses dois se amaram num futuro próximo" (errado). 9) Apenas para refletir: a observação dos fatos demonstra que esse é um erro cuja ocorrência vem crescendo com o passar dos tempos, bem possivelmente devido à falta de cuidado com que vem sendo tratado o ensino do português na educação de base.  
quarta-feira, 5 de junho de 2019

Como e por exemplo - Podem na mesma frase?

1) Argumentando que como e por exemplo querem transmitir ambas a ideia de exemplificação, uma leitora indaga se não seria redundante, e, portanto, equivocado, empregá-las juntas. 2) Comece-se por dizer que assiste razão à leitora quanto à constatação de fato no sentido de que como e por exemplo acabam trazendo em si a ideia de exemplificação, o que lhes confere um aspecto de efetiva repetição. 3) Ocorre, todavia, que o pleonasmo - esse é o nome técnico em análise estilística para tal redundância - pode apresentar duas facetas de cunho diametralmente oposto. 4) Por um lado, se houver mera repetição, que não represente realce algum para o estilo nem adorno para a linguagem, será um pleonasmo vicioso, o qual deverá ser evitado. É o caso de expressões corriqueiras na linguagem coloquial, como entrar para dentro, sair para fora, subir para cima, descer para baixo. 5) Por outro lado, se dessa repetição se originar um reforço ou realce para a linguagem, então se estará diante de um pleonasmo de estilo, o qual, longe de significar um equívoco a ser evitado, constituirá um adorno do estilo a ser explorado. Confiram-se os seguintes exemplos: a) "Vi com meus próprios olhos toda aquela cena horripilante"; b) "Ele viveu uma vida de heroísmo e, por isso, morreu de morte gloriosa". 6) Como não é difícil perceber, nessa matéria não há meio-termo, de modo que, se o usuário do idioma empregar um pleonasmo, ou estará no céu ou no inferno quanto ao estilo e à linguagem. O critério de aferição será saber se a redundância por ele utilizada constitui adorno ou vício. 7) Assim, no caso trazido pela leitora, que é muito discutido entre os estudiosos, a questão é exatamente definir se o emprego de como e por exemplo em mesma frase significa adorno ou vício. 8) Para melhor entendimento, tome-se o seguinte texto: "A efetiva punição dos culpados, como, por exemplo, no caso da Petrobrás, há de estabelecer um novo paradigma para o julgamento dos futuros casos de corrupção no País". 9) No exemplo dado, considerem-se os seguintes aspectos: a) a frase, tal como está, com a indigitada repetição, quer significar que a Petrobrás é apenas um exemplo; b) ou seja, fica ao leitor a sugestão para que complete toda uma lista de outros casos de corrupção que se põem no horizonte do Judiciário brasileiro, como o do BNDES, o dos Fundos de Pensão, etc.; c) sem a expressão por exemplo, essa sugestão não há de ficar tão clara; d) isso quer dizer que a presença dela representa um reforço para a linguagem, e não desnecessária repetição; e) em outras palavras, é um adorno para o estilo, não um equívoco; f) ou seja, é um pleonasmo de estilo, não um pleonasmo vicioso; g) desse modo, seu emprego está integralmente autorizado ao usuário do idioma. 10) Ultima-se com a observação de que a análise deve ser feita em cada caso, pois pode ocorrer que essa mesma expressão, em outro exemplo, venha a significar apenas uma repetição desnecessária e constitua nada menos do que um pleonasmo vicioso.  
quarta-feira, 29 de maio de 2019

Em + gerúndio - É correto?

1) Um leitor observa que é muito utilizada a preposição em antes de verbos no gerúndio, no início de frases, para estabelecer uma condição: em ocorrendo, em havendo... E faz duas indagações: a) é correta uma construção como essa?; b) não ficaria melhor dizer "se ocorrer" ou "quando houver"? 2) Num primeiro aspecto, afirme-se a correção dessas construções em que o gerúndio se faz preceder da preposição em. Exs. a) "Em se levantando, saía"; b) "Em ocorrendo a condição prevista, o negócio estará automaticamente desfeito". 3) Carlos Henrique Rocha Lima anota que uma das funções da preposição em é exatamente preceder o gerúndio, "exprimindo, sobretudo, tempo e condição". E exemplifica com excerto de Rui Barbosa: "A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à saída". 4) Cândido Jucá Filho, por sua vez, leciona que, nesses casos, a referida preposição "introduz gerúndios, para insistir na ideia de concomitância". E exemplifica: "Em me vendo, ele logo se lembrará do prometido". 5) E Celso Cunha assim justifica a referida construção: "Precedido da preposição em, o gerúndio marca enfaticamente a anterioridade imediata da ação com referência à do verbo principal". 6) Napoleão Mendes de Almeida ainda faz três observações: a) o gerúndio "invade, nesse caso, a esfera do particípio presente latino"; b) "não se vá julgar necessária a preposição em em tal caso"; c) "limita-se seu uso à língua culta". 7) Também interessante a ponderação de Domingos Paschoal Cegalla: "É simplesmente enfática, portanto não necessária, a preposição em antes de gerúndio, em orações que exprimem tempo ou condição, como as frases: 'Em aparecendo febre, ela chama a vizinha'. / 'Em se tratando de casos graves, ele atende prontamente.' / 'Em se removendo a causa, cessarão os efeitos.' / 'Em chegando a hora, saberei como agir.' (Aurélio) / 'Ande, aparente calma, mas, em chegando à esquina, chispe.' (Ciro dos Anjos, O Amanuense Belmiro, p. 80)". 8) Gladstone Chaves de Melo chega a afirmar que uma das funções da preposição em é exatamente reger o gerúndio em determinadas circunstâncias. E traz exemplos de abalizados escritores para abonar seu ensino: a) "Ninguém, desde que entrou [neste mundo], em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à saída" (Rui Barbosa); b) "... ele, em se tratando da própria consideração, mentia sem dificuldade" (Machado de Assis). 9) Por fim, respondendo diretamente à indagação do leitor: a) em casos como os trazidos para análise, tanto é correto dizer o verbo no gerúndio precedido pela preposição em (em ocorrendo, em havendo), como é correta a supressão da preposição em antes do gerúndio, ou a extensão do verbo, com o surgimento da conjunção e o desaparecimento da preposição e do gerúndio (se ocorrer, quando ocorrer, se houver, quando houver); b) como não é difícil perceber, nesses casos de um gerúndio precedido pela preposição em, indica-se uma condição (se) ou um tempo (quando); c) sintaticamente, as três construções se equivalem quanto à correção gramatical, muito embora a construção com a preposição em seja quase que exclusiva da norma culta; d) a escolha, assim, fica ao talante do usuário; e) por fim, com o verbo no gerúndio e manutenção ou não da preposição, estará correto qualquer desses exemplos: (Em me levantando ou Levantando-me, Em ocorrendo ou Ocorrendo, Em lhe chegando ou Chegando-lhe, Em me vendo ou Vendo-me, Em aparecendo ou Aparecendo, Em se tratando ou Tratando-se, Em se removendo ou Removendo-se, Em chegando ou Chegando).  
quarta-feira, 22 de maio de 2019

Como quando - Está certo?

1) Uma leitora encontrou a seguinte frase: "Estou apaixonado como quando eu era adolescente". E indaga se essa construção está correta, com o emprego da expressão como quando. 2) Ora, toma-se, como exemplo didático de explicação, uma citação do Marquês de Maricá - "O medo é a arma dos fracos, como a bravura é a dos fortes" - a cujo respeito se podem tecer as seguintes ponderações: a) esse período é formado por duas orações; b) a primeira delas é "O medo é a arma dos fracos"; c) a segunda, "como a bravura é a dos fortes"; d) não é difícil perceber que a segunda oração representa um elemento de comparação em relação à primeira; e) e, porque a segunda oração estabelece uma relação de dependência em relação à primeira, diz-se que o período é composto por subordinação; f) nesse período, a primeira é a oração principal; g) como a segunda oração está em relação de dependência quanto à primeira, diz-se que ela é uma oração subordinada; h) e, porque, na relação assim estabelecida, tal segunda oração constitui um termo de comparação em relação à primeira, diz-se que ela é uma oração subordinada adverbial comparativa; i) apenas se complementa ser bastante comum que a conjunção como introduza orações subordinadas comparativas. 3) Com essas ponderações genéricas, passa-se ao exemplo trazido pela leitora, de uma canção de Talles Roberto - "Estou apaixonado como quando eu era adolescente": a) nele, a oração subordinada comparativa é "como quando eu era adolescente"; b) por um lado, como é a conjunção que a introduz; c) por outro lado - e aqui reside a peculiaridade da questão - tal oração subordinada traz em si a ideia de tempo; d) é fácil perceber essa ideia de tempo, ao se ler o trecho sem a conjunção comparativa, a saber, "quando eu era adolescente"; e) não há erro algum na junção, para o caso, das palavras como e quando. 4) Acrescenta-se, até para confirmar tal conclusão, um verso de Chico Buarque de Holanda: "Amou daquela vez, como se fosse a última". Nesse trecho podem-se fazer observações similares: a) a oração subordinada comparativa é "como se fosse a última"; b) por um lado, como é a conjunção que a introduz; c) por outro lado - e aqui reside a peculiaridade desse novo exemplo - tal subordinada traz em si a ideia de condição; d) é fácil perceber essa ideia de condição, ao se ler o trecho sem a conjunção comparativa, a saber, "se fosse a última"; e) também aqui, não há erro algum na junção das palavras como e se.  
1) Um leitor pergunta se o correto é dizer e escrever aditamento de contrato ou aditamento a contrato. 2) Embora não seja esse o cerne da indagação, importa observar que, em termos de conteúdo semântico, num primeiro aspecto, aditamento quer dizer a ação de aditar. Ex.: "Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito" (CPC/2015, art. 303, § 2º). 3) Num segundo aspecto, aditamento também quer significar o resultado, o próprio acrescentamento ou respectivo termo dele resultante. Ex.: "Ele carreou aos autos cópia do aditamento". 4) Feitas essas observações e atentando à dúvida da leitora, é oportuno realçar que, quando se quer saber qual é a preposição que um substantivo ou adjetivo exige para o complemento que o segue, a questão se situa no campo da regência nominal. 5) E a resposta para um problema como esse, que se situa no campo da elaboração das estruturas frasais (sintaxe), vai ser encontrada no modo como os nossos autores de reconhecido saber utilizaram o idioma. 6) Para não haver um estudo exaustivo e sem resultados práticos em curto prazo por parte dos interessados em saber como é esta ou aquela construção, os gramáticos e estudiosos já escreveram obras específicas, nas quais fizeram verdadeiros levantamentos de como foi tal emprego no correr dos tempos por parte dos escritores que mais bem cultivaram nosso idioma. 7) E, assim, no que tange especificamente ao vocábulo aditamento, Celso Pedro Luft traz informações importantes: a) se o complemento é a coisa que vai ser dada em acréscimo, então a construção se faz com a preposição de (assim, aditamento de notas e observações); b) se, porém, o complemento é a coisa que vai receber o acréscimo, então a construção se faz com a preposição a (assim, aditamento ao texto). 8) Ainda segundo exemplos dados pelo mesmo autor, nada impede que se mesclem as duas construções. Exs.: a) "Aditamento de uma coisa a outra"; b) "Aditamento de novos dados aos anteriores"; c) "Aditamento de cláusulas a um contrato". 9) De modo específico para a indagação da leitora, vê-se que o contrato é a coisa que vai receber o acréscimo. Desse modo, o correto é aditamento a contrato.  
quarta-feira, 8 de maio de 2019

Que - Com acento ou sem?

1) Um leitor, por reputar que o vocábulo de sua dúvida tem função substantiva, quer saber o motivo pelo qual, na expressão o que de direito, esse quê não é grafado com o acento circunflexo. 2) Ora, em termos teóricos, é importante verificar que monossílabos com essa terminação podem ser átonos (de, se, lhe, me, te) ou tônicos (dê, sê, fé, ré); como não é difícil verificar, os átonos não têm acento gráfico; os tônicos, sim. 3) E essa é exatamente a regra para o quê: quando átono, não tem acento; quando tônico, sim. 4) Na maioria das vezes em que é empregado, o quê é átono e, por consequência, não leva acento: a) como conjunção integrante ("Quero que você volte"); b) como pronome relativo ("O autor que citei é conceituado"); c) como pronome interrogativo ("Que você está procurando?"; d) como advérbio ("Que linda!"); e) como preposição ("Não queira outra riqueza que a do espírito"); f) como partícula expletiva ("Talvez que a chuva passe e o tempo mude"). 5) Quando substantivo, entretanto, ele é, por natureza, tônico e, assim, acentuado. Ex.: "Um quê misterioso aqui me fala, aqui no coração" (Gonçalves Dias). Nesse caso, ele tem até plural (quês), como os demais substantivos. 6) Num segundo caso, quando vem logo antes de sinal de pontuação, ele se torna, por posição, tônico e, assim, também é acentuado. Exs.: a) "Quê! Você não vem?!"; b) "Você não vem por quê?" 7) Com essas considerações, passa-se a responder ao leitor: a) para facilitar a análise, formula-se um primeiro exemplo com a referida expressão - "Essa sua posição tem um quê de direito"; b) tal como usada na frase, sem necessidade de maiores questionamentos, a palavra da indagação é um substantivo e, assim, é graficamente acentuada, por ser tônica; c) e se pensa num segundo exemplo - "Vamos extrair dessa situação o que de direito ela possa ter"; d) nela, pode-se ter ligeira variação para facilidade de análise - "Vamos extrair dessa situação aquilo que de direito possa ter", em que há um desdobramento para aquilo que quanto ao sentido; e) para encontrar a real acepção da palavra analisada, ainda se vai um pouco mais à frente - "Vamos extrair dessa situação aquilo o qual de direito possa ter"; f) então se verifica que o quê é um pronome relativo; g) e o pronome relativo, conforme anteriormente visto, é átono e, por conseguinte, não leva acento gráfico.  
quarta-feira, 24 de abril de 2019

Ilustríssimo - Aplica-se a entidades?

1) Uma leitora indaga, em síntese, se pronomes de tratamento (como Ilustríssimo) se aplicam a órgãos e entidades, ou se apenas podem ser relacionados a pessoas. 2) Ora, os pronomes de tratamento são maneiras formais e cerimoniosas para tratar pessoas. Exs.: a) "Excelentíssimo Juiz: a testemunha não praticou o ato de que é acusada"; b) "Ilustríssimo Senhor Supervisor desse Órgão Ambiental: requeiro a possibilidade de intervir no procedimento administrativo". 3) Tais pronomes, entretanto, não se aplicam a órgãos e entidades, de modo que são incorretos os seguintes exemplos: a) "Requeiro ao Excelentíssimo Juízo o depoimento da testemunha"; b) "Requeiro ao Ilustríssimo Órgão Ambiental a possibilidade de intervir no procedimento administrativo". 4) A par disso, observa-se que, quando se trata com órgãos e entidades, por um lado, há quem preconize a eliminação dessa adjetivação desnecessária, "cheia de mesuras e que soa falso, sem nada acrescentar às peças forenses"; para tais pessoas, "tudo isso são salamaleques, hoje vazios de significação verdadeira". Ou ainda: "autênticos preciosismos são essas postiças reverências, sem as quais em nada fica sacrificada a cortesia do advogado, nem a majestade da Justiça e a dos que a servem com elevação e dignidade". 5) Todavia, para quem, mesmo assim, quer adjetivar tais órgãos e entidades, anota-se que a eles não se aplicam o Ilustríssimo nem o Excelentíssimo, mas outros adjetivos: digna Autoridade, douta Curadoria, ilustrado órgão do Ministério Público, colenda Câmara, egrégio Tribunal... 6) Parece oportuno acrescentar que, como regra, excelentíssimo se emprega para autoridades e ocupantes de cargos de importância (arcebispos, bispos, deputados, senadores, prefeitos, vereadores, governadores de Estado, juízes de direito, desembargadores, ministros de tribunais, generais, etc.). A ele corresponde o tratamento Vossa Excelência. 7) Já ilustríssimo normalmente se aplica a autoridades ocupantes de outros cargos e pessoas que não ocupam cargos específicos nem exercem efetiva autoridade (cidadãos comuns, cônsules, coronéis, diretores de escola, etc.). A ele corresponde o tratamento Vossa Senhoria.  
quarta-feira, 17 de abril de 2019

Bem - Quando usar o hífen?

1) Uma leitora, com o advento das novas regras de ortografia, diz ter dúvidas sobre o emprego ou não do hífen com o advérbio bem, quando este é o primeiro elemento de uma palavra. Por exemplo, bem-afiada ou bem afiada? 2) Por um lado, é importante observar que o Acordo Ortográfico de 2008, quanto ao uso do hífen, teve em mira os seguintes objetivos: a) diminuir ao máximo seu emprego, quer pela junção dos elementos sem hífen (corréu e contrassenso), quer por sua separação em vocábulos distintos, mas sem hífen (à toa, dia a dia e pôr de sol); b) especificar melhor as regras para seu uso; c) conferir sistematização mais lógica a seu emprego. 3) Apesar das boas intenções e das estudadas tentativas nesse sentido, porém, o certo é que, no que tange ao advérbio bem, não foram fixados critérios objetivos, que pudessem solucionar, de maneira clara e simples, as questões práticas, sem que o usuário venha a se encontrar frequentemente às voltas com dúvidas. 4) De modo prático, para bem esclarecer a dúvida da leitora, observa-se, desde logo, que a Academia Brasileira de Letras é quem detém a autoridade para listar, oficialmente, não apenas as palavras existentes em nosso idioma, mas também seu modo de escrever, e ela exerce essa autoridade por meio da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5) E uma consulta à mais recente edição do VOLP, entretanto, evidencia que a grafia dos vocábulos precedidos de bem não se reveste de critérios objetivos nem de coerência. 6) Assim, num primeiro aspecto: a) em algumas palavras, foram separados os elementos por hífen (bem-acabado, bem-acostumado, bem-amado, bem-apanhado, bem-dotado, bem-estar, bem-humorado, bem-sucedido); b) em outras, de modo facultativo, foram juntados os elementos sem hífen, com a transformação de bem em ben (bem-dizer ou bendizer, bem-querer ou benquerer); c) em outras, por fim, por ausência de especificação dos vocábulos na lista oficial, o certo é que, pelas regras gerais de grafia, os elementos devem ser escritos de modo separado e sem hífen (bem adestrado, bem assado, bem considerado e bem falado). 7) Com essas observações, num segundo aspecto, quando, em comparação com bem, se consideram os vocábulos precedidos de mal, também se nota a falta de coerência do VOLP, o qual, por exemplo, registra mal-aconselhado, mal-assado e mal-assimilado, mas não registra seus antônimos, os quais, em obediência às regras de grafia, deverão ser escritos em elementos separados e sem hífen (bem aconselhado, bem assado e bem assimilado), do que deflui, claramente, uma confusão geral. 8) E, assim, respondendo especificamente à indagação da leitora, como o VOLP não registra o vocábulo da consulta com hífen, isso quer dizer que tal palavra entra na vala comum daquelas cujos elementos se escrevem separadamente, sem hífen algum: bem afiada. Não importa se a expressão é "a faca estava bem afiada", ou se é "não encontrei nenhuma faca bem afiada". 9) Por fim, duas ponderações adicionais precisam ser feitas: por um lado, como já se disse, o VOLP (editado pela ABL) é a palavra oficial em termos de grafia das palavras em nosso idioma, e a ele devemos prestar obediência, de modo que, na dúvida, a solução é consultá-lo; por outro lado, lembra-se que resta a esperança de que a ABL, em futura edição do VOLP, busque um foco mais preciso e critérios mais objetivos e coerentes com vistas à solução deste problema.  
quarta-feira, 10 de abril de 2019

Se evadiu ou Evadiu-se?

1) Um leitor, dizendo-se policial, diz ter dúvidas sobre uma das frases mais usadas pela polícia: O meliante evadiu-se. E indaga qual das formas é correta: a) "O meliante evadiu"; b) "O meliante evadiu-se"; c) "O meliante se evadiu"? 2) Uma atenta leitura dos exemplos trazidos pelo leitor mostra que ele, em realidade, tem duas dúvidas: a) se o verbo evadir é pronominal (evadir-se) ou não (evadir); b) em sendo pronominal, se o pronome pessoal oblíquo átono vem antes do verbo ou depois do verbo. 3) Quanto à primeira dúvida, Francisco Fernandes, com base em exemplos de abalizados escritores, confere a esse verbo, no sentido de escapar ou fugir às ocultas, apenas a construção como pronominal, isto é, acompanhado do pronome se . Celso Pedro Luft segue exatamente em mesma esteira. Confiram-se, assim: a) "O meliante evadiu-se" (correto); b) "O meliante evadiu" (errado). Não há necessidade de prolongar as discussões quanto a isso. 4) Quanto à segunda dúvida, referente à colocação do pronome, importa observar, de início, que, em tese, um pronome pessoal oblíquo átono pode-se colocar em três posições na frase: a) antes do verbo, ou seja, em próclise ("Não me amole!"); b) no meio do verbo, ou seja, em mesóclise ("Dir-se-á que não trabalhamos"); c) após o verbo, ou seja, em ênclise ("Deram-me notícia falsa"). 5) E, ainda antes de discutir o mérito da questão, em raciocínio que sempre deve ser repetido em tais circunstâncias, observam-se os seguintes aspectos no exemplo dado: a) o verbo é evadir-se; b) o pronome, cuja colocação está sendo discutida, é o se; c) o verbo está num tempo simples (ou seja, não é composto, nem é locução verbal, o que acarretaria observações um pouco diversas); (iv) o verbo não está no futuro do presente, nem no futuro do pretérito (de modo que se descarta totalmente a possibilidade de ocorrência de mesóclise), e, assim, restam, na prática, apenas as possibilidades de próclise (pronome antes do verbo) e de ênclise (pronome após o verbo). 6) Com essas premissas, deve-se atentar aos seguintes aspectos: a) o lugar natural do pronome, nesses casos, é em ênclise; b) esse pronome apenas é atraído, em próclise obrigatória, quando há, logo antes do verbo, alguma das chamadas palavras atrativas; c) as palavras atrativas são (i) as negativas, (ii) os advérbios, (iii) os pronomes relativos, (iv) os pronomes indefinidos e (v) as conjunções subordinativas; d) no caso sob análise, meliante é um substantivo e não se encaixa em nenhuma dessas categorias; e) se é assim, conclui-se que não há palavra atrativa alguma; f) então não há motivo para a próclise obrigatória, e a colocação natural do pronome é em ênclise. 7) Tecem-se algumas ponderações adicionais: a) o sujeito é meliante, e o verbo é evadiu-se; b) não há palavra atrativa logo antes do verbo; c) o exemplo está na ordem direta (sujeito + verbo + complemento); d) quando se tem essa duplicidade de condições - exemplo na ordem direta e ausência de palavra atrativa antes do verbo - , então, além da ênclise, também se faculta o uso do pronome em próclise. 8) Com essas considerações, responde-se ao leitor de modo direto e prático: a) quanto à primeira dúvida, o verbo evadir-se, no sentido de escapar ou fugir às ocultas, é pronominal, de modo que deve vir obrigatoriamente acompanhado pelo pronome; b) desse modo, é correto o primeiro exemplo ("O meliante evadiu-se"), mas errado o segundo ("O meliante evadiu"); c) quanto ao segundo exemplo, por não haver palavra atrativa antes do verbo, o lugar natural do pronome é após o verbo, em ênclise ("O meliante evadiu-se"); d) se houvesse palavra atrativa antes do verbo, seria obrigatória a próclise ("O meliante não se evadiu"); e) em mesma esteira, porque não há palavra atrativa antes do verbo e porque o exemplo está na ordem direta, também é correta a colocação do pronome antes do verbo, em próclise ("O meliante se evadiu"). 9) Por facilidade, confiram-se os exemplos seguintes, com a indicação de seu acerto ou erronia entre parênteses: a) "O meliante evadiu" (errado); b) "O meliante se evadiu" (correto); c) "O meliante evadiu-se" (correto); f) "O meliante não se evadiu" (correto); e) "O meliante não evadiu-se" (errado). 10) Vale acrescer que, em casos como o trazido pelo leitor, de emprego facultativo da ênclise ou da próclise, a ênclise é mais usada em Portugal; no Brasil, a preferência é pela próclise.
quarta-feira, 3 de abril de 2019

Hífen e ênclise

1) Um leitor pergunta se, com as modificações trazidas pelo Acordo Ortográfico de 2008, continua existindo hífen em aplicasse-lhe. Justifica sua dúvida com o fato de que ele havia entendido que o hífen seria usado apenas se o elemento seguinte fosse iniciado por h ou por vogal idêntica à que terminasse o primeiro elemento. 2) E outro leitor indaga se há ou não hífen nas formas: a) "Vou-lhe contar..."; ou b) "Vou lhe contar..."? 3) Em realidade, a dúvida do primeiro leitor se originou do fato de que ele invocou uma observação feita para um prefixo que se antepõe a uma palavra e quis aplicá-la à junção de um pronome átono ao verbo por ele completado, o que constitui realidade totalmente diversa. 4) Explica-se. Quando se tem um prefixo terminado por vogal (contra, por exemplo), a regra é que há hífen em duas situações: a) se o elemento seguinte se inicia por h (contra-habitual); b) ou se o elemento seguinte se inicia por vogal idêntica àquela que encerra o prefixo (contra-arrazoado). Se não ocorre nenhuma das duas hipóteses, então a junção é direta, sem hífen algum (contraindicar, contracheque), dobrando-se o r ou o s por eufonia, para a continuidade do som (contrarrazões e contrassenso). 5) O caso de ambas as dúvidas ora apreciadas, porém, não concerne a prefixo, mas diz respeito à junção de um pronome pessoal oblíquo átono ao verbo por ele completado. 6) E, para esse caso, aplicam-se as seguintes ponderações: a) se o pronome átono vem antes do verbo (próclise), os vocábulos se separam sem hífen algum ("Não nos comunicaram a novidade"); b) se, porém, o pronome átono vem no meio do verbo (mesóclise), há hífen antes e depois do pronome, para ligá-lo às duas partes em que se divide o verbo ("Dir-lhe-ei toda a verdade"); c) por fim, se o pronome átono vem depois do verbo (ênclise), junta-se ele por hífen ao verbo por ele completado ("Disseram-me que você não viria"). 7) É muito comum ver equívocos de emprego em tais circunstâncias, incluindo os casos em que, numa locução verbal, o pronome se encontra em ênclise ao verbo auxiliar; mas o certo é que há uma só regra: se o pronome vem em ênclise ao verbo (não importando se é auxiliar ou principal, ou mesmo não há vinculação alguma com locução verbal), é obrigatória sua conexão por meio de hífen. 8) Por essa razão, é oportuno verificar seu correto emprego (ou mesmo sua ausência) nos exemplos a seguir, dentre os quais se incluem as dúvidas trazidas pelos leitores: a) "Nessas situações, aplicasse-lhe a regra geral..."; b) "Vou-lhe contar o que estou sabendo sobre o assunto"; c) "Eu lhes estou mostrando meu trabalho"; d) "Eu estou-lhes mostrando meu trabalho"; e) "Eu estou mostrando-lhes meu trabalho"; f) "As situações estão-se desenvolvendo perpetuamente"; g) "Vou-lhe permitir sair mais cedo"; h) "Quer-me fazer o favor de sair daí?"; i) "Quer fazer-me o favor de sair daí?"; j) "Saiu, fazendo-me ameaças".
quarta-feira, 27 de março de 2019

Concluso ou Conclusos?

1) Uma leitora indaga se, quando a secretária encaminha os autos do processo à conclusão, usa-se concluso ou conclusos. 2) Ora, concluso, no caso, é apenas e tão somente um adjetivo, e este, como tal, concorda em gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural) com o substantivo por ele modificado. 3) Assim, vejam-se os seguintes exemplos, todos corretos: a) "O feito foi concluso ao Magistrado para sentença"; b) "Os autos foram conclusos ao Magistrado para apreciação das preliminares"; c) "A carta precatória foi conclusa ao Magistrado para determinar seu cumprimento"; d) "As cartas precatórias foram conclusas ao Magistrado para devolução à origem". 4) Na linguagem do foro, embora particípio passado irregular de concluir, tal vocábulo "especificou-se como adjetivo e tem curso na linguagem jurídica na expressão 'autos conclusos', a saber, autos que sobem para o despacho do juiz". Exs.: a) "Incumbirá ao serventuário remeter os autos conclusos no prazo de vinte e quatro (24) horas..." (CPC-1973, art. 190); b) "Conclusos os autos, o juiz mandará processar a exceção..." (CPC-1973, art. 308); c) "Encerradas as diligências, os autos serão conclusos ao juiz para homologação do laudo" (CPP art. 528); d) "Impugnados os embargos, serão os autos conclusos ao relator e ao revisor pelo prazo de quinze (15) dias para cada um, seguindo-se o julgamento" (CPC-1973, art. 534, parágrafo único); e) "Tratando-se de apelação, de embargos infringentes e de ação rescisória, os autos serão conclusos ao revisor" (CPC-1973, art. 551). 5) No caso do exemplo trazido à apreciação pela leitora: "Os autos do processo foram conclusos ao Juiz".  
quarta-feira, 13 de março de 2019

Antecedido de aviso prévio - É correto?

1) Tendo encontrado, na prática, uma frase que lhe parece equivocada, uma leitora indaga se há pleonasmo vicioso no seguinte exemplo: "É legítimo o corte no fornecimento de energia elétrica por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, desde que antecedido de aviso prévio". Em seu modo de entender, há pleonasmo vicioso, porque aviso prévio já significa comunicação antecipada. 2) Em verdade, sem necessidade de aprofundados questionamentos, a expressão aviso prévio realmente já tem o sentido de comunicação antecipada. E, no caso trazido pelo leitor, seu conteúdo vem claramente repetido pela palavra antecedido. 3) Antes de responder diretamente a indagação da leitora, todavia, fazem-se algumas ponderações teóricas a título de premissas: a) expressões que se repetem quanto ao sentido são chamadas tecnicamente de pleonasmos (do grego pleonasmós = superabundância); b) o pleonasmo pode ser de estilo, quando usado intencionalmente para conferir à expressão mais vigor, intensidade ou clareza; c) nesse caso, ele não apenas é aceito, mas constitui verdadeiro ornamento do estilo; d) é o que se dá em expressões como "Isso eu vi com meus próprios olhos" e "Tinha a testa enrugada, como quem vivera vida de contínuo pensar"; e) em outros casos, o pleonasmo pode ser vicioso, a ser, portanto, evitado, quando significa uma repetição que em nada robustece a expressão; f) é o que se dá em exemplos como "subir para cima", "descer para baixo", "entrar para dentro" e "sair para fora". 4) Com essas considerações teóricas e genéricas, podem-se extrair as seguintes conclusões para o caso da consulta: a) a expressão antecedido de aviso prévio tem evidente conotação pleonástica e redundante, até porque aviso prévio já significa comunicação antecedente; b) a repetição das expressões, no caso, em nada robustece o vigor, a intensidade ou a clareza do texto; c) está-se, por consequência, diante de um pleonasmo vicioso; d) como tal, constitui vício da linguagem e deve ser evitado; e) um primeiro modo de correção será "desde que antecedido de aviso"; f) um segundo será "desde que haja aviso prévio".
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Estado da Bahia ou estado da Bahia?

1) Um leitor quer saber, em suma, se, quando se refere a um ente específico da federação, deve ele escrever "Estado da Bahia" ou "estado da Bahia". 2) Ora, a primeira e importante observação que se deve fazer nesse campo é que não há um regramento específico e oficial sobre a matéria. 3) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, ao tratar dos diversos significados do vocábulo em questão, grafa-o com minúscula no sentido aqui buscado, em exemplo que assim registra: "O Brasil tem 26 estados e um distrito federal". 4) Antônio Houaiss não diverge do mencionado dicionarista e escreve com minúscula a palavra, mesmo quando acompanhada pela especificação de qual seja o membro da federação: estado de Sergipe. 5) O Manual de Redação da Presidência da República, por sua vez, em posição diametralmente oposta, nas dezenas de vezes em que emprega a palavra no sentido de membro integrante da federação, registra-a com maiúscula. 6) Por fim, no único aspecto em que tratou de algo próximo do assunto aqui discutido - em determinação que poderia ser aplicada por analogia - , o Acordo Ortográfico de 2008 determinou ser facultativo o uso de maiúsculas ou minúsculas no início dos nomes dos logradouros públicos: Rua Caiubi ou rua Caiubi, Avenida Paulista ou avenida Paulista, Palácio da Justiça ou palácio da Justiça, Praça da República ou praça da República. 7) Ante esse quadro, quer pela ausência de regramento específico e oficial para o assunto, quer pela divergência entre os estudiosos da matéria no plano da norma culta, o melhor é seguir, por analogia, a regra determinada pelo Acordo Ortográfico de 2008 para os logradouros públicos e permitir ambas as grafias, quer para o emprego genérico do vocábulo (os Estados da federação ou os estados da federação), quer para o uso na expressão que especifica os membros da federação (o Estado da Bahia ou o estado da Bahia).
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Chantagear ou Chantagiar?

1) Um leitor indaga qual a forma correta: chantagear ou chantagiar? 2) Nunca é demais lembrar que o órgão encarregado de definir oficialmente o modo de grafar as palavras em nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras, e ela exerce essa autoridade por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 3) E uma consulta à última edição do VOLP, já posterior ao Acordo Ortográfico de 2008, revela que nele se registra, como modo correto de escrever, apenas a forma chantagear, não chantagiar. 4) É oportuno esclarecer que, como ocorre com os demais verbos terminados em ear, chantagear recebe um i intermediário nas formas rizotônicas (ou seja, naquelas em que a sílaba tônica está no radical do verbo, e não na terminação): chantageio, chantageias, chantageia, chantageamos, chantageais, chantageiam (presente do indicativo); chantageie, chantageies, chantageie, chantageemos, chantageeis, chantageiem (presente do subjuntivo); chantageia, chantageie, chantageemos, chantageai, chantageiem (imperativo afirmativo); chantageies, chantageie, chantageemos, chantageeis, chantageiem (imperativo negativo). 5) Como as formas rizotônicas apenas ocorrem nos tempos já referidos, a mencionada peculiaridade não se repete nos demais tempos: chantageava (pretérito imperfeito do indicativo); chantagearei (futuro do presente do indicativo); chantagearia (futuro do pretérito do indicativo); chantageei (pretérito perfeito do indicativo); chantageara (pretérito mais-que-perfeito do indicativo); chantagear (futuro do subjuntivo); chantageasse (imperfeito do subjuntivo); chantageando (gerúndio); chantageado (particípio). 6) Acrescenta-se que, em mesmo local do VOLP, se registram outras palavras com o mesmo radical, de modo que vale a pena transcrevê-las para observação pelo leitor: chantageação, chantageado, chantageador, chantageamento, chantageável, chantagem, chantagismo, chantagista, chantagístico. 7) Uma última observação é importante e se faz necessária: como o VOLP (editado que é pela ALB) é a palavra oficial em termos de grafia das palavras em nosso idioma, é a ele que devemos prestar obediência, de modo que a solução, na dúvida, é consultá-lo.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Sigla - Como escrever por extenso?

1) Uma leitora pergunta, em síntese, como fica melhor explicitar o significado de uma sigla: entre travessões, ou com um travessão no início e vírgula no final? Em termos práticos: a) "Foi considerada a maior ONG - Organização Não-Governamental - da América Latina"; b) "Foi considerada a maior ONG - Organização Não-Governamental, da América Latina"? 2) Antes de ingressar no efetivo mérito da dúvida da leitora, observa-se, num primeiro aspecto, que, pelas regras do Acordo Ortográfico de 2008, não mais se usa o hífen, quando se quer negar uma palavra, dizendo o seu contrário pela anteposição de um não. Vejam-se alguns exemplos: não agressão, não cooperação, não cumprimento, não ficção, não fumante, não pagamento, não proliferação, não violência. Assim, para o caso, Organização Não Governamental. 3) No mérito da indagação, observa-se que o que a leitora quer, em última análise, é saber como separar por sinais de pontuação a explicação Organização Não Governamental, que é exatamente o significado da sigla que antecede tal explicação. E, quando se extrai a expressão indicadora do significado da sigla, percebe-se que não há sinal algum adicional de pontuação que precise ser considerado ("Foi considerada a maior ONG da América Latina"), o que implica dizer que o único desafio é realmente a expressão do significado da referida entidade. 4) Ora, quando se trata de pura intercalação, esta pode ser feita entre travessões ou entre parênteses. Mas a intercalação acontece com sinais idênticos, de modo que não se pode colocar um travessão no início e uma vírgula depois. 5) Assim, em resposta à leitora, confiram-se os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "Foi considerada a maior ONG - Organização Não Governamental - da América Latina" (correto); b) "Foi considerada a maior ONG (Organização Não Governamental) da América Latina" (correto); c) "Foi considerada a maior ONG - Organização Não Governamental, da América Latina" (errado); d) "Foi considerada a maior ONG, Organização Não Governamental - da América Latina" (errado).
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Cuida-se de processos ou Cuidam-se de processos?

1) Quando se tem uma frase como essa, em que um se vem acoplado a um verbo, deve-se fazer uma diferenciação: a) num primeiro caso, a frase é reversível, de modo que pode ser dita de outro modo ("Aluga-se uma casa" pode mudar-se para "Uma casa é alugada"); b) num segundo caso, a frase não é reversível (ninguém pensaria em mudar "Gosta-se de um bom vinho" para "De um bom vinho é gostado"). 2) Para uma frase reversível, como "Aluga-se uma casa", podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o exemplo está na voz passiva sintética; b) o se é uma partícula apassivadora; c) o sujeito é uma casa. 3) Já para uma frase não reversível, como "Gosta-se de um bom vinho", as conclusões a serem extraídas são um pouco diversas: a) o exemplo não está na voz passiva sintética; b) diversamente da frase com a qual é comparada, o se não é partícula apassivadora, mas símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; c) seu sujeito não é "um bom vinho", mas é indeterminado; d) em orações como essa, seria impossível considerar um bom vinho sujeito, porquanto, como bem lembra Sousa e Silva, "o sujeito é membro regente, não pode vir regido de preposição". 4) Feitas essas observações, acresce dizer, quanto ao primeiro dos exemplos até agora considerados, que, a) se uma casa é o sujeito e b) se a regra geral de concordância é que o verbo concorda com seu sujeito, c) se o sujeito for levado para o plural, d) o verbo também irá para o plural: Alugam-se casas. 5) Já para o segundo exemplo, o raciocínio que se deve trilhar é que, a) se o sujeito é indeterminado, b) é forçoso concluir que de um bom vinho não é o sujeito, c) e, assim, se tal expressão for levada para o plural, d) em nada estará sendo alterado o sujeito, e) de modo que, por ausência de alteração no sujeito, o verbo também não há de sofrer modificação alguma: Gosta-se de bons vinhos. 6) De modo específico para a questão trazida pelo leitor, Cuida-se de um processo não é frase reversível, de modo que se deve seguir o raciocínio desenvolvido para o segundo dos modelos, resultando que seu plural é Cuida-se de processos. 7) Observe-se que essa é uma construção muito comum na linguagem forense, com expressões corriqueiras dessa natureza: a) "Trata-se de embargos à execução"; b) "Proceda-se aos inventários"; c) "Obedeça-se aos princípios legais". Pela explanação feita, são inaceitáveis e equivocadas as seguintes estruturas: i) "Tratam-se de embargos à execução"; ii) "Procedam-se aos inventários"; iii) "Obedeçam-se aos princípios legais". 8) Reitere-se adicionalmente, para efeitos práticos, que, em tais casos, se o termo que aparenta a função de sujeito vem com preposição (de embargos, aos inventários, aos princípios), tal é indício cabal de que a frase não é reversível, certo como é que o sujeito é função do caso reto, e não pode ser preposicionado.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Penalizar - Pode significar impor pena?

1) Um leitor quer solucionar a seguinte dúvida: é correto utilizar o verbo penalizar no sentido de impor pena? 2) Ora, penalizar é verbo que, no sentido leigo e diário, tem o sentido de causar pena ou afligir. Exs.: a) "Penalizava-o o ar de tristeza das crianças pobres"; b) "Penalizava-me assistir ao drama daqueles presos sem julgamento". 3) Nos meios jurídicos e forenses, adicionalmente, tem sido empregado na acepção de punir ou impor penalidade. Exs.: a) "O Ibama penalizou a madeireira"; b) "O juiz penalizou o réu com dois meses de detenção". 4) É certo que Domingos Paschoal Cegalla considera o emprego nessa segunda acepção um "neologismo dispensável" e preconiza sua substituição por punir ou prejudicar, conforme o caso. 5) Apesar disso, Celso Pedro Luft apresenta-o exatamente no sentido de impor penalidade a, de sujeitar a penalidade, de castigar, de punir. E ele próprio exemplifica: "Era preciso penalizar os infratores da lei". 6) O dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira também abona esse emprego por último referido: "O juiz penalizou o time". E dessa posição não diverge Antônio Houaiss: "Seria incabível penalizar um indivíduo sem culpa formada". 7) Ora, nesses casos, em que os estudiosos e entendidos da matéria divergem entre si, o melhor é conferir liberdade ao usuário e ter como corretas ambas as acepções para tal verbo. 8) Com essas observações como premissas, respondendo diretamente ao leitor, pode-se concluir que o verbo penalizar tanto pode ser empregado no sentido leigo de causar pena ou afligir, como no sentido que lhe conferem os meios jurídicos e forenses, de aplicar pena, punir ou impor penalidade.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Escusável ou excusável?

1) Uma leitora, ante o que consta do art. 172, II, do Código Tributário Nacional, indaga qual a forma correta: escusável ou excusável? 2) Ora, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que é a obra pela qual a Academia Brasileira de Letras exerce sua função de listar as palavras que integram oficialmente nosso léxico, registra escusável, que tem por sinônima desculpável ou perdoável, mas não excusável. 3) E, como a palavra da ABL por via do VOLP é a autoridade oficial nesse campo, a forçosa conclusão, assim, é que excusável não existe em nosso idioma. A mesma lição vale para outros vocábulos oriundos do mesmo radical: existem escusa, escusado e escusar, mas não excusa, excusado e excusar. 4) Quanto a seu emprego, é de se dizer que o verbo escusar é de frequente uso em dispositivos de nossas leis, mas não o adjetivo escusável, que não foi encontrado em nossas principais codificações. 5) A única vez, aliás, em que foi encontrado, o adjetivo veio com erro de grafia: CTN - Art. 172. "A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: ... II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato..." Corrija-se: escusáveis. 6) A equivocada tendência de nosso idioma ao erro, no caso, tanto para o adjetivo como para as outras palavras oriundas de mesmo radical, bem possivelmente se deva ao uso corriqueiro do inglês (excuse me = com licença ou perdoe-me) e do francês (excusez-moi = perdoe-me), idiomas esses em que tais vocábulos se escrevem com x.