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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
1) Uma leitora, não conseguindo encontrar resposta adequada, indaga se pode escrever um parecer jurídico em primeira pessoa. 2) Ora, em suas diversas modalidades (petições, pareceres, arrazoados ou trabalhos acadêmicos), a redação jurídica deve obedecer a determinados critérios, que é oportuno observar. 3) Num primeiro aspecto, lembra-se que o Direito é uma ciência, de modo que o profissional da área produz textos científicos, cuja linguagem deve ser técnica e precisa. 4) Por isso, já em resposta direta à indagação da leitora, anota-se que a linguagem do Direito, exatamente por ser científica, deve ser impessoal. 5) Isso quer significar que, com a exceção representada pela expressão final de um parecer ("É o que me parece, salvo melhor juízo [ou, de modo abreviado, s. m. j.]" - o que também pode ser dito de outra forma objetiva e impessoal ["É o que parece, salvo melhor juízo])", um parecerista, assim como todo e qualquer autor de petição, arrazoado ou trabalho acadêmico, deve empregar, na redação que produz, a terceira pessoa (e não a primeira, quer do singular, quer do plural). 6) Fica, assim, muito mais adequado dizer, em uma fundamentação, "Quando se busca uma interpretação convincente..." do que "Quando eu busco (ou buscamos) uma interpretação convincente...". Deve-se proceder de modo idêntico nas conclusões: "Conclui-se que..." fica muito melhor do que "Concluo que..." ou mesmo "Concluímos que...", ainda que essa última expressão tenha por pretexto um plural de modéstia. 7) Aproveitando a oportunidade, outras observações podem ser acrescidas para o aperfeiçoamento da redação jurídica: a) é inconveniente, de um modo geral, substituir termos técnicos e locuções por sinônimos, a pretexto de evitar repetições e de buscar uma pretensa linguagem literária (assim, não se deve substituir, ao longo de um texto, por exemplo, petição inicial por peça inaugural, petição de introito, preambular ou vestibular); b) em nome da sobriedade e da objetividade próprias da linguagem científica, deve-se evitar uma adjetivação desnecessária (como clara e indefectível Justiça, digna Autoridade Policial, douta Procuradoria de Justiça ou ilustrado Órgão do Ministério Público, bastando dizer Justiça, Autoridade Policial, Procuradoria de Justiça ou Órgão do Ministério Público); c) devendo a linguagem jurídica ser sóbria e parcimoniosa, clara, correta e persuasiva, são perfeitamente dispensáveis pedidos de licença para alguma afirmação mais contundente ou divergente (como, por exemplo, data venia, ou venia concessa, ou similares).
1) Um leitor indaga, em síntese, qual a maneira correta de denominar o vírus que tem assolado o País e o mundo de modo tão intenso e repentino nas últimas semanas: vírus corona, corona vírus, coronavirus ou coronavírus. 2) Num primeiro aspecto, deve-se observar que, em português, a maneira mais natural de estruturar as palavras é começar com o termo genérico e, em seguida, fazê-lo completar-se por seu termo especificador ou qualificador apartado: bactéria fotossintética, bactéria do tétano, vírus da dengue, vírus ebola. 3) E, seguindo esse modelo correto de estruturação dos vocábulos em nossa língua, é de total acerto escrever vírus corona. Ex.: "O vírus corona tem a característica de espalhar-se com rapidez e intensidade". 4) Num segundo aspecto, é também comum entre nós, na terminologia científica, aproveitar o vocábulo tal como utilizado nos idiomas estrangeiros, sobretudo no inglês, em que se inverte esse posicionamento, de modo que o termo especificador ou qualificador vem antes do termo genérico, formando uma só palavra: actinobactérias, cianobactérias, arbovírus, ebolavírus. 5) E, assim, seguindo essa forma de aproveitamento dos vocábulos estrangeiros em nosso idioma, é perfeitamente correto dizer coronavírus. Ex.: "O coronavírus tem a característica de espalhar-se com rapidez e intensidade". 6) Nesse caso, é preciso observar, primeiro, que normalmente se juntam os elementos em uma só palavra, tal como no idioma do qual é transplantada para o nosso, de modo que estaria errado escrever corona vírus, com a separação dos elementos. 7) Para conferir, veja-se, num primeiro aspecto, que a Academia Brasileira de Letras, que tem a autoridade para dizer oficialmente quais palavras integram o idioma nacional, bem como sua correta escrita, registra exatamente coronavírus na obra que edita regularmente para tanto, ou seja, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.¹ 8) Num segundo aspecto, também é preciso observar que, sendo vírus uma palavra paroxítona terminada em us, deve ser graficamente acentuada, assim como todas as terminadas por vírus, na esteira de outras gramaticalmente similares, como bônus e Vênus. 9) Ultime-se com a observação de que grafias que não obedeçam às determinações advindas dessas duas estruturações acima comentadas são condenáveis, como corona vírus (com os elementos assim apartados), ou coronavirus (sem o acento gráfico, obrigatório em português). __________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 221.
1) Uma leitora traz o que, aparentemente, é uma questão de concurso. O gabarito deu como correta a alternativa e. Pareceu a ela, entretanto, que essa resposta não é a correta. Veja-se a questão: "O que devidamente empregado só não seria regido de preposição na opção: a) O cargo ___ aspiro depende de concurso. b) Eis a razão ___ não compareci. c) Rui é o orador ___ mais admiro. d) O jovem ___ te referiste foi reprovado. e) Ali está o abrigo ___ necessitamos." 2) Fixem-se, de início, duas premissas importantes: a) se funciona como complemento, o pronome relativo depende totalmente da regência do verbo ao qual se liga; b) se vai haver ou não preposição antes de tal pronome, ou qual vai ser essa preposição, tudo depende do verbo que está sendo completado por ele. Exs.: i) "Editou-se uma lei em que acreditamos, com que simpatizamos e por que lutamos" (acreditar em, simpatizar com e lutar por); ii) "Fazer da aplicação da lei a arte de distribuir justiça é o ideal a que aspiramos e em que comprazemos" (aspirar a e comprazer-se em). 3) No exemplo da primeira alternativa - "O cargo ___ aspiro depende de concurso" - pode-se desenvolver o seguinte raciocínio: a) o pronome relativo completa o verbo aspirar; b) tal verbo, nesse sentido de pretender, desejar, almejar, é transitivo indireto e pede a preposição a; c) a formulação correta do exemplo, então, é "O cargo a que aspiro depende de concurso". 4) Na segunda alternativa - "Eis a razão ___ não compareci" - assim se deve raciocinar: a) o pronome relativo completa o verbo comparecer; b) ora, quem não comparece, não comparece por alguma razão; c) o raciocínio deixa clara a necessidade da presença da preposição por; d) o exemplo completo será, assim, "Eis a razão por que não compareci". 5) Na terceira - "Rui é o orador ___ mais admiro" - assim se desenvolve o pensamento: a) o pronome relativo completa o verbo admirar; b) quem admira, admira algo ou alguém; c) vale dizer, o verbo admirar pede um objeto direto, ou seja, um complemento sem preposição alguma; d) o exemplo completo, então, é "Rui é o orador que mais admiro". 6) Em sequência, na quarta alternativa - "O jovem ___ te referiste foi reprovado" - assim flui o raciocínio: a) o pronome relativo completa o verbo referir-se; b) ora, quem se refere, refere-se a alguém ou a algo; c) isso quer significar que tal verbo pede um complemento regido pela preposição a; d) o exemplo completo, então, é "O jovem a que te referiste foi reprovado". 7) O exemplo da última alternativa - "Ali está o abrigo ___ necessitamos" - deve ser assim analisado: a) o pronome relativo completa o verbo necessitar; b) quem necessita, necessita de alguém ou de algo; c) exige ele um complemento regido pela preposição de; d) o exemplo completo, desse modo, é "Ali está o abrigo de que necessitamos". 8) Feita essa análise, conclui-se que o pronome relativo, nos exemplos dados, apenas não será regido por preposição na alternativa c. Se o gabarito apontou a alternativa e, obviamente incorreu em erro.
quarta-feira, 11 de março de 2020

Cláusulas de contrato - Como numerar?

1) Um leitor viu que o Manual de Redação da Presidência da República estabelece que, na redação das leis, a numeração dos artigos deve ser ordinal até o artigo nono e cardinal nos posteriores. E sua dúvida é se, na elaboração dos contratos em geral, as cláusulas também devem obedecer ao mesmo critério. 2) Antes de responder ao leitor, fazem-se algumas considerações mais abrangentes, para que possa haver um melhor entendimento da resposta a ser dada à dúvida por ele trazida, e isso sem esquecer que, no que concerne à elaboração e à redação das leis e de seus dispositivos, a matéria está regulada pela Lei Complementar nº 95, de 26.02.98, inclusive para determinar que os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e itens seguirão "numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste" (art. 10). 3) Abrangendo a designação dos papas, reis e séculos, ensina Domingos Paschoal Cegalla: "usam-se numerais ordinais de um a dez e cardinais de onze em diante" (1999, p. 367). 4) Sintetiza-se essa posição com ensino de José de Nicola e Ernani Terra: "na indicação de papas, reis, séculos, capítulos, partes de obra, usam-se os numerais ordinais até décimo (inclusive). A partir daí, usam-se os cardinais" (2000, p. 134). 5) Para representar uma segunda posição, começa-se com o ensino de Celso Cunha (1970, p. 136), para quem se usa "o ordinal até nove, e o cardinal de dez em diante" (artigo nono, artigo dez), e isso sempre que o numeral vier depois do substantivo (1970, p. 262). 6) Em mesmo sentido, de acordo com Eliasar Rosa, "usam-se os numerais ordinais do 1º ao 9º, inclusive. Do art. 10 em diante empregam-se os cardinais. Dir-se-á: art. 1º, art. 10, art. 2º, art. 11 etc." (1993, p. 103). 7) Em terceira posição, Artur de Almeida Torres (1966, p. 81) faz uma distinção: a) "Nas séries de reis e papas e na designação de séculos ou capítulos, usamos do ordinal até dez, e do cardinal de onze em diante": Luís Décimo, Luís Onze, Pio Décimo, Pio Onze, século décimo, século onze, capítulo décimo, capítulo onze; b) "Na numeração de artigos de leis empregamos o ordinal até nove, e o cardinal de dez em diante: artigo primeiro, artigo nono, artigo dez". 8) Também Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante (1999, p. 312) bifurcam o problema e duplicam as soluções: a) por um lado, "para designar papas, reis, imperadores, séculos e partes em que se divide uma obra, quando o numeral vem depois do substantivo, utilizam-se os ordinais até décimo e a partir daí os cardinais": Pio 9º (nono), Pio 10º (décimo), Pio 11 (onze); b) por outro lado, "para designar leis, decretos e portarias utiliza-se o ordinal até nono e o cardinal de dez em diante": artigo 1º (primeiro), artigo 9º (nono), artigo 10 (dez). 9) Buscando remediar a divergência entre os autores e as dificuldades de emprego no caso concreto, ensina Vitório Bergo (1944, p. 212) - em lição que há de ter integral aceitação nos casos concretos - que, na generalidade dos casos, se há de empregar o numeral ordinal até nove (século nono); o seguinte pode ser século décimo ou dez; daí por diante, usa-se o cardinal (século onze). 10) Em continuação, diga-se que, por brevidade e simplificação, tem-se defendido o uso indiscriminado dos cardinais, em vez dos ordinais, na enumeração de séries de objetos e de partes em que se dividem os diplomas legais, como capítulos, artigos, parágrafos, incisos. Exs.: capítulo dois, artigo dez. 11) Nesse campo, Eduardo Carlos Pereira (1924, p. 250) leciona que "os cardinais pospõem-se ao substantivo quando por brevidade se empregam pelos ordinais" (página dois, casa vinte e um, por página segunda e casa vigésima primeira). 12) Ainda na lição desse mesmo autor, quando se trata de "longas séries, como as páginas de um livro ou as casas de uma rua, emprega-se pelo ordinal o cardinal, que se conserva invariável", exemplificando ele próprio: "página vinte e dois, por vigésima segunda; casa trinta e um, por trigésima primeira" (PEREIRA, 1924, p. 312). 13) E complementa: "a título de brevidade, usamos constantemente os cardinais pelos ordinais" - casa vinte e um, página trinta e dois - com a complementação de que "os cardinais um e dois não variam nesse caso porque está subentendida a palavra número" (PEREIRA, 1924, p. 312). 14) Também lembra Edmundo Dantès Nascimento (1982, p. 9): "por brevidade na série de objetos, artigos, cláusulas de lei, capítulos, parágrafos, empregam-se os cardinais. Art. 321, Lei n. 322, casa 21, fls. 41, capítulo 1, cláusula 2, etc.". E complementa: a) "neste caso não variam os numerais um e dois"; b) diz-se na linguagem forense: "aos 20 dias do mês de maio", "a fls. trinta e duas". 15) Reitere-se, contudo, que essa possibilidade de uso do cardinal pelo ordinal tem como regra primeira a de que o numeral posponha-se ao substantivo, motivo por que se há de atentar à necessidade de correção de um giro muito frequente em tomadas de depoimentos de policiais: a) 78° DP (leia-se: septuagésimo oitavo Distrito Policial) (correto); b) DP 78 (leia-se: Distrito Policial setenta e oito - subentendendo-se número setenta e oito) (correto); c) 78 DP (leia-se: setenta e oito Distrito Policial) (errado). 16) Em interessante observação nesse sentido, também acrescentam José de Nicola e Ernani Terra (2000, p. 54-5): "O numeral anteposto ao substantivo deve ser lido como ordinal, concordando com esse substantivo. Já o numeral posposto ao substantivo deve ser lido como cardinal, concordando com a palavra número, que se considera subentendida": III Salão do automóvel (terceiro), II Maratona Estudantil (segunda), VIII Copa do Mundo (oitava), casa 2 (dois), apartamento 44 (quarenta e quatro). 17) Ainda quanto ao que se dá com os textos legais, interessante observação final vem de Adalberto J. Kaspary: "Ao contrário do que se observa nos documentos legais do Brasil, em que os artigos são numerados por meio de algarismos ordinais do primeiro ao nono, e por meio de algarismos cardinais do décimo em diante, na legislação codificada de Portugal todos os artigos vêm numerados por meio de algarismos ordinais: art. 64º, art. 1.689º, etc." Mas excepciona tal autor: "No texto da Constituição da República Portuguesa, adota-se a numeração articular empregada no Brasil" (1996, p. 12). 18) Com essas explicações, pode-se responder ao leitor do seguinte modo: a) se anteposto ao vocábulo cláusula, o numeral será sempre ordinal (1ª Cláusula, 9ª Cláusula, 11ª Cláusula, 20ª Cláusula); b) se posposto ao vocábulo cláusula, o numeral normalmente também será ordinal de 1 a 9 (Cláusula 1ª, Cláusula 9ª) e cardinal de 11 em diante (Cláusula 11, Cláusula 20); c) quanto ao número 10, nesse caso, exatamente porque há divergência entre os autores, o melhor é permitir que se empregue tanto o ordinal quanto o cardinal (Cláusula 10 ou Cláusula 10ª); d) por brevidade e simplificação, também é possível o uso indiscriminado dos cardinais, quando pospostos aos respectivos substantivos em tais casos, mesmo que o número seja inferior a dez (capítulo 2, art. 7, § 2, alínea 2, seção 1, cláusula 2); e) nesse último caso, a leitura do numeral se faz no masculino (alínea dois, seção um, cláusula dois); f) ainda nesse caso, não é possível o uso do cardinal pelo ordinal, se o numeral preceder o substantivo (78º DP se lê septuagésimo oitavo distrito policial, ou distrito policial setenta e oito [subentendendo a palavra número], mas não setenta e oito distrito policial ou setenta e oito DP).
quarta-feira, 4 de março de 2020

Bom-dia ou Bom dia?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Vírgula e orações subordinadas adverbiais

1) Um leitor indaga se está correto o uso da vírgula nos seguintes exemplos: a) "Nosso vibrante matutino tem os melhores leitores, porque tem os melhores articulistas?"; b) "Ou tem os melhores articulistas, porque tem os melhores leitores?"2) A análise sintática de ambos os exemplos revela os seguintes aspectos: a) os dois períodos são compostos, já que ambos têm mais de uma oração; b) e são compostos por subordinação, já que, em ambos, a segunda oração indica uma circunstância peculiar do que se diz na primeira; c) em ambos, a primeira oração é a oração principal ("Nosso vibrante matutino tem os melhores leitores..." e "[Nosso vibrante matutino] tem os melhores articulistas...)"; d) em ambos, a segunda é uma oração subordinada adverbial causal, já que ambas representam a causa do que se afirma na oração principal ("... porque tem os melhores articulistas" e "... porque tem os melhores leitores").3) Feitas essas observações atinentes à estrutura sintática dos exemplos trazidos para análise, invoca-se, então, por aplicável ao caso, uma regra específica para o emprego da vírgula nos períodos compostos: as orações subordinadas adverbiais, desde que não sejam de pequena extensão, normalmente são separadas por vírgula de suas orações principais, não importando qual delas vem antes. Exs.: a) "A memória dos velhos é menos pronta, porque seu arquivo é mais extenso" (oração subordinada adverbial causal); b) "O homem prudente se humilha pela experiência, como as espigas se curvam por maduras" (oração subordinada adverbial comparativa); c) "Não desfrutou o resultado de seu esforço, embora tenha trabalhado a vida toda" (oração subordinada adverbial concessiva); d) "Os homens seriam incapazes de heroísmo, se não tivessem alguma coisa de loucos" (oração subordinada adverbial condicional); e) "Viajou para o exterior com todos os seus pertences, conforme lhe determinara o severo pai" (oração subordinada adverbial conformativa); f) "Devemos viver a nossa vida de tal modo, que possamos não recear depois da morte" (oração subordinada adverbial consecutiva); g) "Fiz-lhe sinal de modo claro e intenso, para que não cometesse alguma indiscrição naquela hora" (oração subordinada adverbial final); h) "O instinto dos homens enfraquece, à medida que sua razão se desenvolve" (oração subordinada adverbial proporcional); i) "Ele se desesperou de todas as circunstâncias e possibilidades, quando percebeu a total falta de saídas para seu problema" (oração subordinada adverbial temporal).4) E, uma vez postas essas ponderações, confiram-se as respostas às indagações do leitor: a) as vírgulas estão corretas em ambos os exemplos; b) e isso porque, em ambos, a primeira oração é a oração principal, enquanto a segunda é uma oração subordinada adverbial causal; c) em verdade, por regra específica aplicável ao caso, entre uma oração principal e uma oração subordinada adverbial de alguma extensão, haverá vírgula que as há de separar.
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Nomeou-o depositário ou Nomeou-lhe depositário?

1) Uma leitora indaga qual das duas expressões está correta: "Nomeio-o depositário" ou "Nomeio-lhe depositário"? 2) Quanto à regência verbal, é de se ver que, numa frase como "O governador nomeou-o comandante", podem-se estabelecer as seguintes funções sintáticas: a) O governador é o sujeito; b) o é o objeto direto; c) comandante é o predicativo do objeto direto. 3) Com tal verbo, o predicativo do objeto direto pode vir sem preposição ou com a preposição por ou para, motivo por que são corretos os três seguintes exemplos: a) "O governador nomeou-o comandante"; b) "O governador nomeou-o por comandante"; c) "O governador nomeou-o para comandante" (BARRETO, 1954b, p. 197). 4) Celso Pedro Luft admite-lhe a construção com a preposição acidental como: "Foi nomeado como Pai dos Pobres" (1999, p. 378). 5) Francisco Fernandes (1971, p. 434) acrescenta a possibilidade de sua sintaxe com a preposição em: "Não quis nomeá-lo em presidente da seção" (Sandoval). 6) Como se pode ver, os estudiosos do assunto, nesse sentido de qualificar ou considerar, admitem, então, as seguintes construções: a) objeto sem preposição + complemento sem preposição; b) objeto sem preposição + complemento com a preposição acidental como; c) objeto sem preposição + complemento com a preposição por; d) objeto sem preposição + complemento com a preposição para; e) objeto sem preposição + complemento com a preposição em. 7) Desse modo, estão corretos os seguintes exemplos: a) "O juiz nomeou o advogado síndico da falência"; b) "O juiz nomeou o advogado como síndico da falência"; c) "O juiz nomeou o advogado por síndico da falência"; d) "O juiz nomeou o advogado para síndico da falência"; e) "O juiz nomeou o advogado em síndico da falência". Mas em nenhum dos casos se admite a construção "O juiz nomeou ao advogado...". 8) Ante essas considerações, com a forçosa observação de que o objeto, nesses casos, pode ser direto, mas não indireto, estão corretas as seguintes formas quanto ao exemplo trazido pela leitora: a) "Nomeio-o depositário"; b) "Nomeio-o como depositário"; c) "Nomeio-o por depositário"; d) "Nomeio-o para depositário"; e) "Nomeio-o em depositário". 9) Exatamente porque o objeto pode ser direto, mas não indireto, estão errados os seguintes exemplos: a) "Nomeio-lhe depositário"; b) "Nomeio-lhe como depositário"; c) "Nomeio-lhe por depositário"; d) "Nomeio-lhe para depositário"; e) "Nomeio-lhe em depositário".
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Infinitivo com auxiliar - Como flexionar?

1) Uma leitora diz ter dúvida quanto a usar o infinitivo em expressões como a que segue: "Graças a Deus, parou de chover, devendo os moradores voltar (ou voltarem) para suas casas". 2) Para localizar o problema, importa observar que a dúvida da leitora está na locução verbal devendo ... voltar, em que dever é o auxiliar, e voltar é o verbo principal. 3) Pois bem. Com essa premissa de fato, invoca-se uma primeira e importante regra de uso do infinitivo, segundo a qual, nas locuções verbais, "não é lícito flexionar o infinitivo" (MACHADO FILHO, 1969b, p. 705). Exs.: a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto); b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado). 4) Se não é difícil acertar a utilização do infinitivo nesses casos em que ele está diretamente ligado ao auxiliar, a questão já não é tão simples quando, entre ambos, existem outras palavras. Exs.: a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado); b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto). 5) Essa possibilidade de erro também aumenta significativamente, quando, na locução verbal, o auxiliar se apresenta em forma invariável (como no gerúndio, que é exatamente a situação do caso da dúvida da leitora). 6) E, nesse campo, até dispositivos de lei acabam resvalando para o abismo dos equívocos, como se vê no seguinte caso: "O tabelião fica desobrigado de manter, em cartório, o original ou cópias autenticadas das certidões mencionadas nos incisos III e IV do art. 1º, desde que transcreva na escritura pública os elementos necessários à sua identificação, devendo, neste caso, as certidões acompanharem o traslado da escritura" (art. 2º do Decreto 93.240, de 9/11/86, que regulamentou a Lei 7.433, de 18/12/85, a qual dispôs sobre os requisitos para lavratura de escrituras públicas). 7) Um simples exercício de junção dos termos da locução verbal revela a necessidade de correção: ... devendo... acompanhar o traslado da escritura. 8) Depois de todas essas considerações, façam-se algumas observações sobre a expressão "... devendo os moradores voltar para suas casas", em reposta direta à indagação da leitora: a) a locução verbal é devendo ... voltar; b) como não é difícil perceber, o verbo auxiliar está no gerúndio (devendo); c) como é sempre o auxiliar da locução - e não o principal - que se flexiona em tais circunstâncias, o verbo voltar não sofre flexão alguma, até porque o gerúndio não é variável. 9) Confiram-se, em remate, as seguintes formas, com a verificação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "Os moradores devem voltar para suas casas" (correto); b) "Os moradores devem voltarem para suas casas" (errado); c) "Nós devemos voltar para nossas casas" (correto); d) "Nós devemos voltarmos para nossas casas" (errado); e) "... devendo os moradores voltar para suas casas" (correto); f) "... devendo os moradores voltarem para suas casas" (errado); g) "... devendo nós, por conseguinte, voltar para nossas casas" (correto); h) "... devendo nós, por conseguinte, voltarmos para nossas casas" (errado).
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Preposição - Quando deve ser repetida?

1) Uma leitora quer saber, quanto à repetição das preposições, qual das duas construções a seguir atende à norma gramatical: a) "[...] alega violação ao art. 93, inciso IX, da CF, art. 275 do Código Eleitoral e art. 535, inciso II, do CPC"; b) "[...] alega violação ao art. 93, inciso IX, da CF, ao art. 275 do Código Eleitoral e ao art. 535, inciso II, do CPC". 2) Ora, importa iniciar com uma observação genérica, segundo a qual uma frase é um conjunto de palavras que se interligam para formar um todo, estruturando-se por meio de vinculações que se submetem a determinadas regras, conhecidas no idioma pelo nome de sintaxe (vocábulo de origem grega que, etimologicamente, quer dizer construção do conjunto).   3) E uma análise da estruturação sintática do exemplo trazido pela leitora revela aspectos de grande interesse: a) a expressão "ao art. 93..." vincula-se ao vocábulo violação por meio da preposição "a"; b) a expressão "art. 275..." também se vincula ao vocábulo violação pelo mesmo modo; c) a expressão "art. 535..." também segue idêntica construção; d) se não se suprimisse, em cada segmento, a palavra a que se vinculam tais expressões, as estruturas seriam "violação ao art. 93", "violação ao art. 275" e "violação ao art. 535". 4) Feitas essas ponderações, anota-se que, tais como trazidos os exemplos para a consulta, apenas o segundo deles é correto: "[...] alega violação ao art. 93, inciso IX, da CF, ao art. 275 do Código Eleitoral e ao art. 535, inciso II, do CPC". A outra frase é incorreta, porque a supressão da preposição faz com que a vinculação ao termo regente, ainda que elíptico, ocorra sem a preposição, a qual é aqui obrigatória. 5) Parece oportuno acrescentar duas observações: pela primeira, há um segundo modo correto de redigir tal frase: "[...] alega violação aos arts. 93, inciso IX, da CF, 275 do Código Eleitoral e 535, inciso II, do CPC". Nesse caso, a vinculação ao termo regente se dá genericamente por via da preposição primeira, que se associa ao artigo definido já no plural (os), representativo, assim, de todos os três termos regidos. 6) Em segunda observação, lembra com propriedade Alfredo Gomes (1924, p. 470) que configura galicismo sintático a ser evitado "a repetição do artigo antes de cada termo de idêntico valor lógico sem repetir a preposição de ou per", exemplificando ele próprio: a) "Conversou-se acerca dos negócios do Estado e a melhor aplicação dos dinheiros públicos" (errado); b) "Passamos pela estrada e a ponte sobre o rio" (errado). 7) Em tais casos, a correção dos mencionados exemplos há de dar-se pela simples repetição da preposição de ou per antes do segundo termo por ela regido na oração: a) "Conversou-se acerca dos negócios do Estado e da melhor aplicação dos dinheiros públicos" (correto); b) "Passamos pela estrada e pela ponte sobre o rio" (correto).
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Autos - Concordância no singular ou no plural?

1) Um leitor indaga se, com a palavra autos, a concordância de outros vocábulos que a ela se referem deve ser feita no singular ou no plural. Assim: "Analisando os autos, nele (ou neles) verifiquei..." A essa dúvida do leitor, podem-se adicionar outras, como "Os autos foi arquivado" ou "Os autos foram arquivados"? 2) Autos são o conjunto ordenado das peças de um processo, a materialização dos documentos em que se corporificam os atos do procedimento. Ex.: "O que não está nos autos não está no mundo". 3) É errôneo o uso de processo para significar tal conjunto ordenado de peças, já que processo, em realidade, configura instituto complexo, formado assim pela relação jurídica processual que se estabelece entre as partes e o Estado-juiz, como pelos atos por eles praticados na forma, sequência e prazos determinados na lei. 4) Trata-se de palavra só usada no plural, devendo-se, assim, atentar à concordância verbal, quando desempenhar a função de sujeito, caso em que levará o verbo para o plural. Ex.: "Os autos foram retirados de cartório pelo advogado". 5) Também importante é atentar à concordância, quando se empregar um verbo seguido de se como partícula apassivadora: "Retiraram-se os autos", e não "Retirou-se os autos". 6) Não confundir com auto, no singular, que, em acepção mais estrita na linguagem forense, indica todo termo ou toda narração circunstanciada de qualquer diligência judicial ou administrativa, escrita por tabelião ou escrivão, e por estes autenticada, como auto de corpo de delito, auto de infração, auto de partilha, auto de penhora. 7) Assim, de modo específico para os exemplos da consulta que motivou estas explicações: a) "Analisando os autos, nele verifiquei..." (errado); b) "Analisando os autos, neles verifiquei..." (correto); c) "Os autos foi arquivado" (errado); d) "Os autos foram arquivados" (correto).
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Porém - No meio da frase? E com vírgula?

1) Um leitor indaga qual das duas frases é correta: a) "Discordo, porém, da multa aplicada"; b) "Discordo porém da multa aplicada". E, aventando a possibilidade de nenhuma delas estar correta, pede auxílio. 2) A dúvida do leitor, em realidade, abrange dois aspectos de discussão: a) procura saber se as conjunções adversativas (porém, todavia, contudo, entretanto) podem estar no meio da oração, e não no começo; b) como se dá a questão do emprego das vírgulas. 3) Num primeiro aspecto, é certo que diversos autores e diplomas legais preferem intercalar entre vírgulas, no meio da oração, as conjunções adversativas a fazê-las iniciar as orações, o que também é correto. Exs.: a) "Sucedeu, porém, que como eu vinha cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes" (Machado de Assis); b) "A interrupção, porém, aberta por um dos credores solidários aproveita aos outros" (CC/1916, art. 176, § 1°). 4) Não se sabe bem, todavia, de onde se originou um estranho ensino (mas é certo que Cândido de Figueiredo, por exemplo, o repete), que pretende não se poder começar uma oração com algumas conjunções adversativas, sobretudo com porém. Para os gramáticos que defendem esse ponto de vista, a conjunção adversativa jamais deve iniciar uma oração, mas deve vir posposta ao primeiro ou aos primeiros termos do segmento em que se insere. Vejam-se os seguintes exemplos, com a indicação e a erronia para os seguidores dessa corrente: a) "O magistrado inquiriu a testemunha; não foi, porém, bem sucedido" (correto); b) "O magistrado inquiriu a testemunha, porém não foi bem sucedido" (errado); c) "O réu podia estar na audiência; não podia, porém, interferir" (correto); d) "O réu podia estar na audiência; porém não podia interferir" (errado). 5) Indagando-se acerca da correção de principiar uma oração com tal conjunção adversativa, contudo, Assis Cintra responde pela afirmativa, argumentando que, "desde os mais velhos escritores da língua até os mais modernos, todos eles iniciam frases com a conjunção citada". E refere exemplos dos mais abalizados mestres de nossa língua em todos os períodos (CINTRA, 1922, p. 26-31): a) "Porém já cinco sóis eram passados" (Camões); b) "Porém não se imagine o pecador estar destituído de verdadeiro arrependimento" (Padre Manuel Bernardes); c) "Porém, já neste tempo andava outro gênero de profecia mais temeroso" (Frei Luís de Sousa); d) "Porém todos os clássicos de todos os tempos ma deparam frequentemente assim colocada" (Rui Barbosa); e) "Porém casos há em que a preposição que acompanha o complemento direto não é expletiva" (Mário Barreto). 6) Ainda para refutar esse ensinamento, traz-se a lição de Silveira Bueno: "O ensino geral de que as orações adversativas não podem começar pela conjunção porém, devendo esta vir sempre depois das primeiras palavras, é totalmente sem fundamento. Veja estes exemplos de Vieira, que, por certo, ninguém me vai dizer que não sabia escrever corretamente: 'Porém, todas estas cousas verdadeiramente grandes... etc.'; 'Porém, nós como morremos?'; 'Porém se sucedesse alguma vez não ser assim...'. Pode-se, portanto, começar a oração adversativa com a conjunção porém, tomando por exemplo o maior escritor da língua portuguesa" (1957, p. 331). 7) Outra não é a lição de Luciano Correia da Silva: "Já se ensinou que não se devem usar no início da frase as adversativas em geral (porém, no entanto, todavia, contudo, etc.), que precisam ocupar, entre vírgulas, posição intermediária... Todavia, essa regra não encontra respaldo literário, uma vez que os melhores escritores nunca a observaram". E lista ele exemplos de autores insuspeitos no vernáculo (SILVA, L., 1991, p. 47): a) "Porém, como ela (a sentença) foi pronunciada definitiva e declaradamente..." (Padre Vieira); b) "Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior" (Machado de Assis); c) "Contudo, certas formas de encantamento que observamos na vida contemporânea parecem confirmar a cediça verdade..." (Carlos Drummond de Andrade). 8) É oportuno acrescentar que, se, quanto ao estilo, pode ser mais fluente pospor a conjunção em tais casos, essa já é outra questão, que escapa à analise e ao questionamento acerca da correção de tal emprego, atestada à farta pela autoridade dos exemplos citados. 9) Essas observações valem para outras conjunções igualmente adversativas: todavia, contudo, entretanto. 10) Uma análise de nossa legislação permite extrair as seguintes ilações a esse respeito: a) o mas, como é de regra, sempre inicia oração e não pode ser intercalado; b) as demais conjunções adversativas às vezes começam as orações, às vezes se intercalam entre seus termos; c) por questão de estilo, contudo, é perceptível a preferência pela intercalação. 11) Num segundo aspecto, deve-se atentar aos seguintes pontos: a) quando começa uma segunda oração, a conjunção a separa da primeira, e essa divisão de orações normalmente é marcada por vírgula ou ponto e vírgula; b) considerada na oração por ela iniciada, avulta observar que, já que o papel da conjunção é ligar orações, seu lugar natural é o início da oração por ela começada; c) por essa razão, se a conjunção inicia a oração, normalmente não há vírgula para separá-la do termo que lhe vem a seguir; d) se, porém, por questão de estilo, se quer intercalá-la entre os termos da oração a que pertence, então essa intercalação vem marcada por duas vírgulas, uma antes e outra depois da conjunção. 12) Confiram-se os seguintes exemplos, todos corretos, a comprovarem os aspectos teóricos acima referidos: a) "Não queria dormir; porém sucedeu que fechei os olhos por três ou quatro vezes"; b) "Não queria dormir; sucedeu, porém, que fechei os olhos por três ou quatro vezes"; c) "O magistrado inquiriu a testemunha, todavia não foi bem sucedido"; d) "O magistrado inquiriu a testemunha; não foi, todavia, bem sucedido". 13) Respondendo diretamente ao leitor, confiram-se os seguintes exemplos, alguns por ele trazidos e outros com variações, todos com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "... porém discordo da multa aplicada" (correto); b) "... porém, discordo da multa aplicada" (errado); c) "... discordo porém da multa aplicada" (errado); d) "... discordo, porém, da multa aplicada" (correto).
quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

É proibido - Como concordar?

1) Uma leitora encontrou em um livro a seguinte frase: "Foram precisos vários minutos para remover a neve que bloqueava a porta". A expressão foram precisos lhe soou estranha e inadequada. Por isso indaga se ela está certa. 2) Em realidade, expressões como é bom, é necessário, é preciso, é proibido apresentam problemas quanto às concordâncias nominal e verbal. 3) Se o sujeito é genérico (não vem precedido de artigo ou palavra especificadora), a expressão fica invariável, no masculino singular: "É proibido entrada". 4) Se o sujeito é específico (tem antes de si algum termo que o determina), a expressão concorda com o nome a que se refere: "É proibida a entrada". 5) Se ocorre elipse do verbo ser, continuam valendo as recomendações feitas. Exs.: a) "Proibido entrada"; b) "Proibida a entrada"; c) "Proibido armas a tiracolo"; d) "Expressamente proibido animais na praia". 6) A respeito da concordância observada, Aires da Mata Machado Filho refere lição de Said Ali, o qual - na tentativa de explicação da invariabilidade do adjetivo em tais casos - recorre à elipse de um verbo, cujo objeto direto seria o substantivo subsequente às locuções em apreço. 7) Assim, "é preciso paciência" valeria o mesmo que "é preciso ter paciência". 8) Após noticiar a referida doutrina, porém, tal autor (MACHADO FILHO, 1969a, p. 573-6) - no que é seguido por Antenor Nascentes, em posição que parece mais acertada - dá preferência à lição de Mário Barreto: "Não se diga que a língua portuguesa não tem gênero neutro; diga-se antes que nela há o neutro, mas que a sua forma se confundiu com a do masculino. Em português, como em toda língua, o neutro distingue-se, no pensamento, do masculino, posto que já não se distingue um do outro exteriormente, por formas gramaticais particulares ao masculino e ao neutro, formas que se tornaram idênticas pela obliteração das antigas terminações que os diferençavam". 9) E Eduardo Carlos Pereira (1924, p. 229), lembrando que tal sintaxe é "um dos vestígios interessantes do gênero neutro em português", justifica que, em expressões desse jaez, "bom, necessário, proibido assumem a forma aparentemente masculina, porém realmente neutra, visto que os substantivos a que se referem, tomados em sua generalidade abstrata, assumem o sentido vago, no qual como que se oblitera o conceito genérico". 10) Carlos Góis (1943, p. 94), por seu lado, vê em construções dessa natureza a "elipse de termos de uma segunda oração do período, da qual o único elemento sobrevivente é o tal nome no plural", acrescentando que a concordância expressa é a mais usual entre os autores, exemplificando com o Padre Vieira: "Para esta visão são necessários olhos". 11) Em termos práticos, tomando por referência a frase "é proibido entrada", significativa é a síntese que Silveira Bueno fazia a um de seus consulentes: "Quando o substantivo (entrada) é tomado em toda a sua generalidade, sem determinação alguma, assume a forma neutra o adjetivo, permanecendo invariável. Mas se o snr. colocar o artigo antes de entrada, então deverá fazer a concordância" (1938, p. 222-3). 12) Cândido de Oliveira (s/d, p. 69) sintetiza a questão em duas regras para tais expressões: a) os adjetivos "ficam invariáveis quando não há artigo a"; b) contudo, "se houver artigo [e, obviamente, for ele feminino], vem a forma feminina". 13) Em outra obra, assim explana Silveira Bueno, em mesmo sentido: "Quando determinada palavra é tomada em toda a significação, sem a menor restrição ou determinação, pode o adjetivo permanecer no masculino sem concordar com o termo a que se refere. Assim se diz: é proibido entrada, é necessário gramática, cerveja é bom para engordar. Basta que se ponha o artigo para que a concordância passe a ser obrigatória: é proibida a entrada..., é necessária a gramática, a cerveja é boa para engordar" (1957, p. 375). 14) Por sua vez, ensina Vitório Bergo (1944, p. 106) ser concordância regular e permitida "Eram precisas despesas"; observa, todavia, não ser "condenável a concordância 'Era preciso despesas', notadamente com o substantivo não definido". 15) Mesmo em casos de ocorrente determinação, observa Artur de Almeida Torres que, "às vezes, porém, ou porque haja elipse de um infinitivo, ou porque perdure o sentido de neutralidade, o predicativo não concorda com o sujeito determinado". Exs.: a) "Não era preciso esta minuciosa genealogia" (Machado de Assis); b) "É necessário uma derradeira prova de esforço" (Alexandre Herculano); c) "Era preciso muita cautela" (Camilo Castelo Branco). 16) E justifica tal gramático: "Pode-se subentender, em tais casos, os verbos ter ou possuir: É necessário (ter ou possuir) muita cautela" (TORRES, 1966, p. 164). 17) É interessante registrar que à possibilidade de permanência do verbo no singular, mesmo "figurando na frase um nome no plural posposto com a 'aparência de sujeito'", Carlos Góis (1943, p. 123) dá o nome de discordância verbal. 18) Com essas observações, assim se conclui em resposta direta à leitora: a) no caso do exemplo por ela trazido, o circunlóquio a ser considerado é "foram precisos vários minutos"; b) nesse torneio, é preciso atentar à expressão vários minutos; c) ora, vários é o modificador suficiente para fazer variar a concordância da expressão é preciso; d) está, portanto, plenamente correta a concordância do exemplo por ela trazido, a saber "foram precisos vários minutos"; e) quanto a outras possibilidades de concordância, vale a pena ler as observações e o ensino dos gramáticos, tais como acima referidos.
1) Um leitor parte da afirmação de que as orações substantivas normalmente se separam sem vírgula da oração principal. E indaga se, quando deslocadas, isto é, quando vêm antes da principal, são ou não são separadas por vírgula. E pergunta adicionalmente se tal vírgula é obrigatória ou não. Remata questionando se os gramáticos conhecidos tocam nesse assunto. 2) Ora, a primeira regra geral de proibição de vírgula diz que, por não haver separação lógica nem ruptura de encadeamento entre termos que, pela própria estruturação da frase, estão em total dependência sintática, não será ela usada entre: a) sujeito e verbo ("O juiz proferiu uma sentença condenatória"); (b) verbo e objeto direto ("O juiz liberou o réu"); c) verbo e objeto indireto ("O réu depende da sentença"); d) verbo e predicativo do sujeito ("A sentença foi longa"); e) verbo e agente da passiva ("Uma sentença condenatória foi proferida pelo juiz"); f) adjunto adnominal e substantivo modificado ("A resposta do réu provocou indignação"; g) complemento nominal e vocábulo completado ("A resposta ao magistrado provocou indignação"). 3) Por extensão da própria regra anterior, a vírgula também não será usada entre as orações principais e aquelas que exerçam as funções sintáticas de sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo do sujeito e complemento nominal, exatamente as chamadas orações substantivas (assim chamadas por desempenharem uma função própria de um substantivo), as quais, desse modo, serão denominadas, respectivamente, subjetivas, objetivas diretas, objetivas indiretas, predicativas e completivas nominais. 4) Exemplifica-se para melhor entendimento: a) "É muito importante que se preserve o estado de direito" (subjetiva); b) "Os homens de bem querem que se preserve o estado de direito" (objetiva direta); c) "Todos necessitam de que se preserve o estado de direito" (objetiva indireta); d) "O desejo de todos é que se preserve o estado de direito" (predicativa); e) "Todos têm necessidade de que se preserve o estado de direito" (completiva nominal). 5) Com essas premissas e esclarecendo que os gramáticos conhecidos não tocam nesse assunto, passa-se a responder aos leitores: a) a regra de que a ordem direta dispensa a vírgula no período simples traz, como corolário, ainda no período simples, a regra de que a inversão dos termos da oração permite separação por vírgula, sobretudo quando o termo invertido é de razoável extensão ("Em reação coletiva, toda a plateia se levantou"); b) no que concerne às orações substantivas, a estruturação típica dos períodos em que elas se situam é exatamente aquela que foi delineada nos exemplos acima, a saber, oração principal + oração subordinada substantiva; c) embora raramente os casos práticos permitam, a anteposição da oração subordinada substantiva, por fugir à estruturação típica desses períodos, constituirá verdadeira inversão; d) e essa inversão poderá ser marcada pela vírgula ([i] "Que se preserve o estado de direito, é muito importante"; [ii] "Que ele volte, não me importa" [iii] "Se ele vem, ainda não sei"); e) como a inversão, nesses casos, é de significativa extensão, então a vírgula, de facultativa como regra geral, passa a ser obrigatória. 6) Apenas se tecem, por fim, embora ligeiros, oportunos comentários à observação do leitor de que os estudiosos, de um modo geral, nada falam sobre isso. É que, num primeiro aspecto, apenas a partir da década de cinquenta do século XX, a pontuação tomou significativo impulso e passou a orientar-se - além das razões sintáticas tradicionais e dos impulsos subjetivos - pelas recomendações e exigências mais apuradas da redação técnica. Isso faz concluir que os chamados clássicos de nossa literatura nem sempre lhe atribuíram posição de relevo, motivo pelo qual não é incomum encontrar, mesmo em abalizados escritores, erros de pontuação similares aos cometidos hoje por qualquer usuário médio do idioma. Por outro lado, os livros de Gramática de hoje também apresentam poucos elementos sobre o assunto por duas razões: primeira, os gramáticos de peso normalmente têm sua formação forjada na primeira metade do século XX, vale dizer, antes do despertar para esse assunto; segunda, por um abissal equívoco dos responsáveis, o ensino da Gramática deixou de ter importância significativa nos currículos de nossas escolas exatamente no começo da segunda metade do século passado, o que significa pequenos esforços, estudos e progressos nesse campo.
1) Um leitor quer saber se é correto o emprego do pronome de tratamento em relação a órgãos, entidades ou instituições, como no caso de Meritíssimo Juízo, Meritíssima 1ª Vara do Trabalho, Meritíssima Vara de Origem. 2) Uma distinção é de relevo nesse assunto: os pronomes de tratamento são formas com as quais são nomeadas as pessoas. E, no que tange às autoridades do Poder Judiciário, confere-se o tratamento de Vossa Excelência para Ministros dos Tribunais Superiores, Membros de Tribunais, Juízes e Auditores da Justiça Militar. E juiz, aqui incluído, que tem por sinônimos magistrado e julgador. 3) Enquanto isso, importa observar que juízo, como já sintetizava Chiovenda, é o próprio tribunal (MARQUES, 2000, p. 368), quer considerado como órgão julgador, quer tido como estrutura de decisão. E, para o caso da consulta, uma vara que venha a ser especificada não deixa de ser uma parte dessa estrutura de decisão, desse órgão julgador. 4) Com esses esclarecimentos, fazem-se as seguintes ponderações: a) um tratamento como Meritíssimo destina-se às pessoas dos juízes, e não aos órgãos de atuação por eles ocupados; b) para os juízes, o tratamento é Vossa Excelência, Excelentíssimo e Meritíssimo; c) para um tribunal, considerado em seu todo, emprega-se o tratamento de egrégio, que significa insigne, nobre, eminente, grandemente distinto; d) já para os órgãos fracionários dos tribunais (câmaras, turmas, seções, varas, etc.), o tratamento normalmente conferido é colendo; e) essa distinção entre egrégio e colendo, todavia, nem sempre é respeitada na prática, tanto assim que o art. 3º, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em redação hoje revogada, assim estatuía: "Têm o Tribunal e todos os seus órgãos o tratamento de Egrégio..." 5) Com esses conceitos e respondendo, de modo direto, à indagação do leitor, assim se discrimina: a) em regra que pode ser alargada para outros setores, os pronomes de tratamento são relacionados a pessoas, e não a órgãos do Poder Judiciário; b) às pessoas dos juízes, o tratamento a ser conferido é Vossa Excelência, Excelentíssimo ou Meritíssimo; c) para o tribunal, considerado em seu todo, o tratamento a ser destinado é egrégio; d) já para um órgão fracionário do tribunal (câmara, turma, seção, vara, etc.), o tratamento é colendo; e) essa distinção entre egrégio e colendo, todavia, nem sempre é respeitada na prática; f) é equivocado, portanto, o uso de MM. Juízo, MM. 1ª Vara do Trabalho, MM. Vara de Origem; g) corrija-se para colendo Juízo, colenda 1ª Vara do Trabalho, colenda Vara de Origem; h) quem se abstiver do purismo da distinção tradicional também poderá usar egrégio Juízo, egrégia 1ª Vara do Trabalho, egrégia Vara de Origem.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Lhe - Só pode ser objeto indireto?

1) Um leitor viu em algum lugar que o pronome o serve para funcionar como objeto direto, enquanto o pronome lhe, como objeto indireto. Teve dúvidas, entretanto, sobre uma frase que lhe pareceu fugir do enquadramento dado pelo referido raciocínio. E pergunta se ela está correta quanto ao emprego do mencionado pronome: "Vêm os suplicantes propor a presente ação, com o objetivo de ser-lhes reconhecido o direito de receberem o acréscimo remuneratório". 2) Antes de responder ao leitor quanto à correção ou erronia do exemplo trazido por ele para análise, importa observar que o pronome lhe pode ser, por um lado, objeto indireto; mas também pode desempenhar outras funções: a) pronome com a função de objeto indireto ("Dou-lhe os parabéns, meu amigo"); b) pronome possessivo com a função de adjunto adnominal ("A gravata de cetim preto imobilizava-lhe o pescoço" - equivalendo a "... imobilizava o seu pescoço"); c) pronome com função de complemento nominal ("Era-lhe difícil a caminhada" - equivalendo a "Era difícil para ele a caminhada"). 3) Ainda antes de responder ao leitor, também se fazem algumas considerações preliminares sobre transitividade verbal, iniciando por listar quatro exemplos para análise: a) "O juiz silenciou"; b) "O juiz quebrou o silêncio"; c) "O documento pertence aos autos"; d) "O juiz entregou os autos ao advogado". 4) No primeiro exemplo ("O juiz silenciou"), o verbo é suficiente e bastante em si, sem precisar de complementos. Tecnicamente, é um verbo intransitivo. 5) No segundo exemplo ("O juiz quebrou o silêncio"), o verbo precisa de um complemento, que a ele se ligue diretamente, isto é, sem o auxílio de preposição. Tecnicamente, um verbo transitivo direto. 6) No terceiro exemplo ("O documento pertence aos autos"), o verbo necessita de um complemento, que a ele se ligue indiretamente, vale dizer, com o auxílio da preposição a. Tecnicamente, um verbo transitivo indireto. 7) No último exemplo ("O juiz entregou os autos ao advogado"), o verbo exige os dois complementos: a) um que se ligue a ele diretamente, sem auxílio de preposição (os autos); b) e outro que desempenhe essa atividade por intermédio da preposição a (ao advogado). Tecnicamente, um verbo transitivo direto e indireto (que alguns ainda denominam verbo bitransitivo). 8) E, ainda antes de responder ao leitor, por serem importantes para o caso, tecem-se alguns comentários sobre vozes do verbo, a começar pelo apontamento de dois exemplos para análise: a) "Esta é uma ação para que o tribunal reconheça aos autores o direito pretendido"; b) "Esta é uma ação para que o direito pretendido seja reconhecido pelo tribunal aos autores". 9) No primeiro exemplo, que é sintaticamente correto, do trecho "... o tribunal reconheça aos autores o direito pretendido...", extraem-se as seguintes ilações: a) o tribunal é o sujeito; b) o direito pretendido é o objeto direto; c) se se quiser substituir o objeto direto por um pronome, este será o ("... o tribunal o reconheça aos autores"); d) aos autores é o objeto indireto; e) se se quiser substituir o objeto indireto por um pronome, este será lhes ("... o tribunal lhes reconheça o direito pretendido..."); f) o verbo é transitivo direto e indireto; g) a ação indicada pelo verbo (reconhecer) é praticada pelo sujeito (tribunal); h) porque o sujeito pratica a ação indicada pelo verbo, então se diz que o exemplo está na voz ativa. 10) No segundo exemplo, que também é sintaticamente correto, do trecho "...o direito pretendido seja reconhecido pelo tribunal aos autores...", as seguintes conclusões podem ser tiradas: a) o sujeito é o direito pretendido; b) a ação de reconhecer não é praticada pelo sujeito, mas pelo tribunal; c) o sujeito, como se vê, recebe ou sofre a ação indicada pelo verbo; d) porque o sujeito sofre a ação indicada pelo verbo, então o exemplo está na voz passiva; e) e o termo que pratica, na voz passiva, a ação indicada pelo verbo, chama-se agente da passiva, ou agente da voz passiva (no caso, pelo tribunal); f) a passagem da voz ativa para a voz passiva, como não é difícil perceber, é apenas uma variação da maneira de expressar a mesma realidade; g) e essa passagem de voz apenas mexe com o sujeito da ativa (que passa a ser agente da passiva) e com o objeto direto da ativa (que passa a ser o sujeito da passiva); h) por isso, como há objeto indireto na voz passiva, ele continua sendo objeto indireto na voz passiva; i) reitere-se, assim, que aos autores, que era objeto indireto na voz ativa, continuará sendo objeto indireto na voz passiva; j) como conceitualmente não há objeto direto na voz passiva, então não há possibilidade de aparecer nela o pronome o; k) como, todavia, o que era objeto indireto na voz ativa continua sendo objeto indireto na voz passiva, então nada impede que aqui apareça o pronome lhes ("... o direito pretendido lhes seja reconhecido pelo tribunal..."). 11) Responde-se diretamente ao leitor com relação ao exemplo por ele trazido para análise: a) genericamente, o lhe, além de objeto indireto (como em "Dou-lhe os parabéns, meu amigo"), pode desempenhar outras funções sintáticas; b) uma delas é ser pronome possessivo com a função de adjunto adnominal ("A gravata de cetim preto imobilizava-lhe o pescoço"- equivalendo a "... imobilizava o seu pescoço"); c) outra delas é funcionar como pronome que tenha a função sintática de complemento nominal ("Era-lhe difícil a caminhada" - equivalendo a "Era difícil para ele a caminhada"); d) quanto ao exemplo "... com o objetivo de ser-lhes reconhecido o direito...", o sujeito é direito, que recebe a ação praticada pelo verbo; e) isso significa que o exemplo está na voz passiva; f) na voz ativa, o exemplo seria "... com o objetivo de que lhes reconheçam o direito..."; g) nesta voz ativa, o sujeito é indeterminado, e o direito é o objeto direto; h) sendo indeterminado o sujeito na voz ativa, isso quer dizer que o exemplo não tem agente da passiva; i) em ambos os casos, o lhes é objeto indireto (que, como se sabe, não muda de função na passagem de voz).
quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Segunda-feira ou segundafeira?

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Lhe - Só se refere a pessoas?

1) Um leitor indaga se procede a informação que recebeu, segundo a qual o pronome lhe somente deve ser empregado quando se refere a pessoas. E pergunta, em continuação, se, em caso de ser correto esse entendimento, estaria errado o seguinte exemplo: "conhecer do recurso e negar-lhe provimento". 2) Ora, uma primeira e importante observação diz respeito ao fato de que os pronomes pessoais oblíquos átonos o, a, os, as funcionam como objetos diretos; já os pronomes lhe e lhes, como objetos indiretos. Exs.: a) "O juiz sentenciou o caso"; b) "O juiz sentenciou-o"; c) "O documento pertence aos autos"; d) "O documento pertence-lhes". 3) E, de modo específico para a dúvida trazida pelo leitor, importa anotar que essa regra é válida, não importando se o complemento do verbo é coisa ou pessoa, como se pode ver nos seguintes exemplos, todos corretos. Exs.: a) "O juiz sentenciou o acusado"; b) "O juiz sentenciou-o"; c) "O carro pertence ao juiz"; d) "O carro pertence-lhe (objeto indireto de pessoa)"; e) "O documento pertence aos autos"; f) "O documento pertence-lhes" (objeto indireto de coisa). 4) E, assim, em conclusão específica para a dúvida trazida pela leitora, o certo é que seu exemplo é plenamente correto. 5) Vale a pena acrescentar que, embora comum nos dias de hoje, tanto na escrita quanto na fala, é errôneo o emprego de lhe e lhes em lugar de o, a, os e as. Exs.: a) "Não lhe vi" (errado); b) "Não lhe conheço" (errado); c) "Não o vi" (correto); d) "Não o conheço" (correto). 6) E, para auxiliar aqueles que têm dificuldade exatamente em reconhecer se um verbo é transitivo direto ou transitivo indireto, acrescenta-se que a regra de cunho bem prático para esses casos é observar que o verbo transitivo direto admite voz passiva: a) "O caso foi sentenciado pelo juiz"; b) "Ele foi visto por mim"; c) "Ele é conhecido por mim". 7) Já o verbo transitivo indireto não admite voz passiva, de modo que, se você tentar passar para a voz passiva o exemplo "O documento pertence aos autos", é certo que não vai conseguir.
quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Verbos com pronomes - Pode-se dispensar o se?

1) Um leitor observa que, nos jornais e na televisão, tem sido comum o esquecimento do se em determinadas expressões: a) "O jogador concentrou...", em vez de "O jogador se concentrou..."; b) "O jogador atirou no chão para cavar um pênalti", em vez de "O jogador atirou-se no chão para cavar um pênalti". E pede que se teça algum comentário a esse respeito.2) Ora, de um exemplo como "O jogador concentrou seus esforços...", podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o jogador é o sujeito; b) concentrou é o verbo; c) seus esforços é o objeto direto.3) Imagine-se, porém, que o jogador tenha ido para a concentração, junto com os demais atletas, um ou dois dias antes de um jogo. Nesse caso, ele levou a si próprio para a concentração. Então se haverá de dizer que "O jogador concentrou-se no centro de treinamentos".4) Veja-se um segundo exemplo: "O jogador atirou a bola ao chão". Dele, de igual modo, podem-se fazer as seguintes ilações: a) o jogador é o sujeito; b) atirou é o verbo; c) a bola é o objeto direto; d) ao chão é o adjunto adverbial de lugar.5) E também aqui se imagine que ele tenha lançado a si próprio ao chão. Nesse caso, então, se haverá de dizer que "O jogador atirou-se ao chão".6) Esse se não pode ser esquecido nem dispensado em nenhum dos dois casos, nem mesmo com a alegação de amor à brevidade, pois não é um penduricalho que um usuário de gosto barroco tenha posto na frase, mas é um termo essencial na estrutura sintática, que desempenha em ambos os exemplos a função de objeto direto.7) Ante essas ponderações confrontadas com os exemplos trazidos para apreciação, só resta concordar com o leitor e lembrar que já houve dias melhores para o vernáculo nos meios de comunicação.
quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Antes de - Atrai o pronome para antes do verbo?

1) Uma leitora indaga qual a frase correta quanto à colocação do pronome: "Antes de me manifestar" ou "Antes de manifestar-me"?2) Ora, a expressão antes de é uma locução prepositiva (vale dizer, duas ou mais palavras que funcionam como preposição), de modo que a pergunta da leitora busca saber se a preposição é uma daquelas palavras que atraem ou não para antes do verbo o pronome pessoal oblíquo átono.3) Observada a circunstância de que o verbo do exemplo está no infinitivo, traz-se para análise, por primeiro, o ensino de Cândido de Figueiredo, segundo o qual "as preposições pertencem à categoria das partículas que influem geralmente na colocação dos pronomes pessoais atônicos, atraindo-os".4) Exemplos colhidos pelo referido autor em abalizados escritores de nosso idioma, entretanto, revelam que a colocação do pronome, nesses casos - contrariamente a sua própria lição - é facultativa (ora antes do verbo, ora depois dele). Exs.: a) "Até chegou a me dar casa..." (Machado de Assis); b) "... obriga o procurador a respeitar-lhe as cláusulas" (Rui Barbosa); c) "... era bastante para sacudir-me da Tijuca" (Machado de Assis); d) "Chamou-me um escravo para me servir o doce" (Machado de Assis); e) "Ficou Maria Henriqueta livre por se ver livre do suborno da mãe" (Camilo Castelo Branco); f) "Senhor, morro por unir-me convosco" (Padre Manuel Bernardes); g) "Gastei pouco tempo em dizer-lhe..." (Machado de Assis); h) "... não faltaria Deus em lhe dar um bom dia" (Padre Antônio Vieira).5) Eduardo Carlos Pereira, por sua vez, observa que, "junto aos infinitivos puros, em geral, e aos regidos da preposição a", a regra de posicionamento do pronome oblíquo átono é a ênclise (pronome após o verbo): a) "Foi bom dizer-lhe toda a verdade" (infinitivo puro); b) "Ele estava acostumado a sofrê-la todos os dias" (infinitivo regido pela preposição a).6) Justifica tal gramático que tal generalização da ênclise se deu pela "necessidade de evitar o hiato, provocado às vezes pela próclise", como, por exemplo, em "acostumado a a sofrer" (por acostumado a sofrê-la). 7) Resumindo o que antes se expôs, de modo específico para a dúvida trazida pela leitora, a conclusão que se pode extrair é a de que, com o infinitivo preposicionado, o pronome pessoal oblíquo átono pode vir, indiferentemente, antes ou depois do verbo. Exs.: a) "Antes de me manifestar, quero respirar um pouco" (correto); b) "Antes de manifestar-me, quero respirar um pouco" (correto).
quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Sanar ou Sanear?

1) Uma leitora indaga qual a forma correta de expressão: sanar as falhas apontadas ou sanear as falhas apontadas? 2) Em realidade, existem em português ambos os verbos, sanar e sanear, o primeiro, nascido ainda no latim, do verbo sanare, e o segundo já formado em português, do radical san mais o sufixo ear (originariamente iar). 3) Uma consulta aos nossos mais conhecidos dicionaristas da atualidade - Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Antônio Houaiss - revela que, de um modo geral, têm ambos um núcleo semântico comum; a) para sanar, conferem a acepção de curar, sarar, tornar são, reparar, obstar e desfazer; b) para sanear, os significados conferidos são curar, sarar, tornar são, reparar, coibir, remediar e limpar. 4) Para sanar, mencionam tais dicionaristas as seguintes expressões: a) sanar um enfermo; b) sanar uma injustiça; c) sanar um mal; d) sanar um desequilíbrio fiscal; e) sanar um problema de desenvolvimento. 5) Já para sanear, conferem eles os seguintes exemplos: a) sanear os pântanos; b) sanear as valas negras; c) sanear a população atingida pela epidemia; d) sanear uma injustiça; e) sanear a corrupção; f) sanear as finanças públicas; g) sanear os erros da administração anterior. 6) Da própria comparação entre os exemplos dados, vê-se, num primeiro aspecto, que uma mesma acepção foi conferida, em um dos casos, para ambos os verbos: sanar uma injustiça ou sanear uma injustiça. 7) Num segundo aspecto, vê-se que ora se empregou um verbo, ora se empregou outro para expressões que podem ser tidas como sinônimas, similares e intercambiáveis: sanar o desequilíbrio fiscal e sanear as finanças públicas; sanar um mal e sanear a corrupção; sanar um enfermo e sanear a população atingida pela epidemia. E o contexto mostra que nada impediria fossem trocados tais verbos, sem perda ou alteração de significado. 8) E, assim, em resposta específica à indagação da leitora, podem-se fazer as seguintes afirmações: a) por um lado, talvez haja uma ou outra expressão consagrada no idioma, em que esteja cristalizado emprego de sanar ou de sanear; b) dificilmente, entretanto, se verá algum exemplo em que ambos os verbos não possam ser tidos como sinônimos e intercambiáveis; c) e, de modo específico para os exemplos trazidos para análise, pode-se afirmar com segurança que é optativo o emprego de qualquer deles: sanar as falhas apontadas ou sanear as falhas apontadas.
quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Arguir - Como fica sem o trema?

1) Um leitor parte da seguinte frase: "Como argui bem, não?" E aduz que, com a eliminação do trema e do acento que direcionavam determinados aspectos da conjugação desse verbo, levada a efeito pelo Acordo Ortográfico de 2008, não mais se sabe de quem foi a arguição: a) se minha no passado, b) ou de terceira pessoa no presente. E pergunta como resolver, sem que se precise recorrer ao contexto. 2) Ora, quanto à pronúncia e à grafia desse verbo, um primeiro ponto precisa ser observado: o u soa em todas as formas, seja átona ou tônica a referida vogal. 3) Também um segundo aspecto carece de realce: o trema, que era empregado sobre o u, quando átono, foi abolido pelo Acordo Ortográfico de 2008 (arguimos, arguistes e arguiram, e não mais argüimos, argüistes, argüiram). 4) Por fim, um terceiro item exige anotação específica: o acento agudo, que era usado nas formas rizotônicas seguidas de e ou de i, também foi abolido pelo mesmo acordo (arguis, argui e arguem, e não mais argúis, argúi e argúem). 5) Com isso se confirma a base de onde partiu o leitor para sua dúvida, no que concerne à existência de pronúncias e tempos diversos, mas de forma gráfica idêntica: a) "Como eu argui (üí) bem no debate que ontem tivemos!"; b) "Como ele argui (úi) bem nos debates de que agora participa!" 6) E, assim, forçoso é dar-lhe inteira razão: quando se diz Como argui bem, não?, não se sabe se: a) eu debati ontem, b) ou se ele está debatendo agora. 7) É que, com a eliminação do trema no primeiro caso (argüi) e do acento agudo no segundo (argúi), o Acordo Ortográfico acabou por criar uma possibilidade de confusão, já que duas pronúncias diferentes e tempos diversos de um mesmo verbo acabam por corresponder a uma só e mesma escrita. 8) A solução, assim, será verificar a existência de outras palavras ou elementos indicadores no contexto, pelos quais se possa identificar em que tempo e pessoa está o verbo. E, se o contexto não ajudar, ou o leitor não quiser valer-se do contexto, não há como realmente saber.
quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Locução verbal - Como flexionar?

1) Um leitor indaga qual a forma correta de flexão dos verbos nas seguintes expressões: a) "As possibilidades terão desde já de ser administradas..."; b) "As possibilidades terão desde já de serem administradas..." 2) Façam-se, de início, as seguintes ponderações: a) a expressão terão de ser equivale aproximadamente à forma verbal serão; b) quando uma expressão assim vale por um verbo, diz-se que se está diante de uma locução verbal; c) em uma locução, um dos verbos dá o sentido (no caso, ser), enquanto o outro ajuda na conjugação (no caso, ter); d) o verbo no infinitivo, que dá o sentido à locução, é o principal, e o que ajuda na flexão é o auxiliar; e) o verbo auxiliar, exatamente por sua função de ajudar na conjugação, é aquele que se flexiona; f) já o principal não varia. 3) Confirme-se lição corrente entre os gramáticos segundo a qual, nas locuções verbais, "não é lícito flexionar o infinitivo". Exs.: a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto); b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado). 4) Apesar desse firme e remansoso ensino, é erro muito comum a utilização do infinitivo flexionado nesses casos, sobretudo quando, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, se interpõem outras palavras. Exs.: a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado); b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto). 5) Cândido de Figueiredo, exatamente a esse respeito, lembra o seguinte exemplo encontrado "num livro moderno, premiado oficialmente": "Podem, entretanto, esses serviços serem estabelecidos...". E complementa: "Podem serem ... não é linguagem de cá". Nem de cá, nem de lá, nem de lugar nenhum. Corrija-se: "Podem, entretanto, esses serviços ser estabelecidos..." 6) Tendo essas explicações como premissas, retomem-se os exemplos da consulta, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "As possibilidades terão desde já de ser administradas..." (correto); b) "As possibilidades terão desde já de serem administradas..." (errado).
quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Advogado - Vossa Excelência ou Vossa Senhoria?

1) Um leitor quer saber qual forma de tratamento deve utilizar, por escrito ou oralmente, para dirigir-se a um advogado ou a um presidente de OAB: Vossa Excelência ou Vossa Senhoria?2) Ora, para alguns cargos, destina a tradição do idioma um pronome de tratamento específico: arcebispo (Vossa Excelência), bispo (Vossa Excelência), cardeal (Vossa Eminência), comandante geral da Polícia Militar (Vossa Excelência), deputado (Vossa Excelência), desembargador (Vossa Excelência), embaixador (Vossa Excelência), general (Vossa Excelência), governador de Estado (Vossa Excelência), juiz de direito (Vossa Excelência), ministro de Estado (Vossa Excelência), padre (Vossa Reverendíssima), prefeito (Vossa Excelência), presidente da República (Vossa Excelência), príncipe (Vossa Alteza), promotor de justiça (Vossa Excelência), rei (Vossa Majestade), reitor de universidade (Vossa Magnificência), secretário de Estado (Vossa Excelência), senador (Vossa Excelência), vereador (Vossa Excelência), etc.3) Já para outras autoridades e para as pessoas comuns, não se resguarda um tratamento específico, e, assim, para elas, o tratamento a ser destinado é Vossa Senhoria e Ilustríssimo. Seguem-se alguns exemplos: advogados, comissários de polícia, cônsules, coronéis, diretores de empresas, secretários de prefeituras, tenentes-coronéis, etc.4) Respondendo, de modo específico, à indagação do leitor, o tratamento que se deve destinar aos advogados e a um Presidente da OAB é Vossa Senhoria e Ilustríssimo.
 1) Observa-se, por um lado, que, na linguagem jurídica e forense, o verboprolatar "é usado em sua acepção ampla: tanto significa declarar oralmente a sentença, quanto dá-la por escrito". Exs.: a) "Encerrada a instrução, o magistradoprolatou a sentença no próprio termo de audiência"; b) "Após ter consigo os autos por seis meses, o magistrado prolatou a sentença".2) Por outro lado, lembrando que "as palavras podem ser agrupadas pelo sentido, compondo as chamadas famílias ideológicas", mas que "não há falar-se em sinonímia perfeita", sobretudo na linguagem jurídica, que é técnica, anotam Regina Toledo Damião e Antonio Henriques - em observação conjunta para os verbosprolatar, proferir, exarar epronunciar - que se referem todos à decisão judicial, mas "não representam, no entanto, exatamente a mesma ideia".3) Em continuação, acrescentam tais autores que esse uso técnico e de escolha apurada, no que se refere ao uso desses verbos, "não é seguido com rigor pela linguagem legislativa, sempre repleta de imperfeição semântica", de modo que, por exemplo, "o verbo prolatar é utilizado em sua acepção ampla: tanto significa declarar oralmente a sentença, quanto dá-la por escrito".4) E seguem tais autores em sua especificação: a) "proferir ajunta-se à ideia de sentença oral"; b) "exarar corresponde a lavrar, consignar por escrito a decisão judicial"; c) por fim, o verbo pronunciar "encontra seu sentido preso ao Direito antigo, que o recomenda para a decisão anunciada em voz alta".5) Ora, quer por critérios técnicos, quer pelo que se vê na prática, não parece haver razão plausível para conferir sentidos diferentes para proferir e prolatar (em observação que pode ser estendida aos demais verbos do rol mais amplo de seus significados), e isso no mínimo por duas razões: a) ambas as formas provêm de um mesmo verbo latino, com a observação de que a primeira se origina do infinitivo (proferre), enquanto a segunda, do supino (prolatum), ambas, porém, dotadas do significado de proferir, relatar, explicar, expor, etc.; b) a tentativa de diferenciação semântica, preconizada por alguns, não conta com o apoio da maioria dos gramáticos, nem mesmo é seguida com uniformidade pelos autores dos textos de lei.6) Na prática, uma análise do Código de Processo Civil de 1973 mostra os seguintes aspectos de relevo: a) uma preferência quase que total pelo verboproferir (trinta e nove vezes ); b) um único emprego de prolatar, e, mesmo assim, não em sua redação original (CPC, art. 285-A, caput); c) a ausência de distinção de sentido entre ambos; d) o uso adicional do verbo dar também nessa acepção (CPC, art. 758: "Não havendo provas a produzir, o juiz dará a sentença em 10 (dez) dias"); e) ao verbo lavrar, nas dezenas de vezes em que aparece, é conferida sempre a significação de reduzir a escrito uma determinada providência; f) não se faz diferença alguma para seu emprego com acórdão, sentença ou decisão interlocutória, como é de fácil percepção pela análise do art. 164 do CPC de 1973: "Os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. Quando forem proferidos verbalmente, o taquígrafo ou o datilógrafo os registrará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura"; g) o verboexarar aparece uma só vez, indicando atuação do inventariante, e não de pessoa alguma que exerça função jurisdicional (art. 993, caput); h) não se emprega o verbo pronunciar nesse sentido.7) Quanto ao Código de Processo Penal, constatam-se os seguintes aspectos de importância: a) há dezenove ocorrências do verbo proferir; b) apenas uma ocorrência do verbo prolatar (CPP, art. 530-G); c) não há distinção de sentido entre ambos; d) usa-se, adicionalmente, o verbo pronunciar com o mesmo significado (CPP, arts. 130, parágrafo único, 211, caput, 537, § 2º, e 625); e) não se faz distinção alguma quanto ao sentido de tais verbos, além do que são eles empregados para despachos, decisões, sentenças ou acórdãos; f) ao verbo lavrar, nas dezenas de vezes em que aparece, confere-se sempre a significação de reduzir a escrito uma determinada providência; g) o verboexarar é encontrado uma vez, exatamente com esse sentido, quando se afirmar que, "exarado o relatório nos autos, passarão estes ao revisor" (art. 613, I).8) Quanto à Consolidação das Leis do Trabalho, fazem-se as seguintes observações: a) o verboproferir é empregado trinta e quatro vezes com referência a decisões, duas vezes com relação a sentenças e nenhuma vez para acórdãos; b) fala-se também uma vez em proferir julgamento (art. 904, § 2º); c) o verboprolatar aparece duas vezes (arts. 852-I, § 3º, e 895, § 2º), sempre com referência a sentenças; d) não há distinção de sentido no emprego de tais verbos; e) não se emprega o verbo pronunciar nesse sentido; f) o verbo exarar aparece cinco vezes, sempre com relação a manifestações de pessoas alheias ao que exercem a função jurisdicional.
quarta-feira, 11 de setembro de 2019

BRICS - Singular ou plural?

1) Um leitor indaga se BRICS é singular ou plural e como se deve fazer a concordância com ele. 2) Em 2001, o economista inglês Jim O'Neill cunhou a sigla BRIC para indicar um bloco econômico que seria representado por Brasil, Rússia, Índia e China, conceito esse que somente em 2006 viria a dar origem a um efetivo agrupamento de políticas externas desses quatro países. Em 2011, formalmente convidada, a África do Sul passou a fazer parte do grupo, oportunidade em que o S (de South Africa - seu nome em inglês) passou a integrar a sigla em seu formato atual (BRICS). 3) Num primeiro aspecto introdutório, importa observar que, tecnicamente, BRICS é um acrônimo, vale dizer, é uma nova palavra formada pela inicial de cada um de seus países integrantes (Brasil, Rússia, Índia, China e South Africa). 4) Num segundo aspecto, realce-se que o s significa a presença da África do Sul, de modo que ele não é um indicador de pluralização, e, assim, não se deve grafá-lo com letra minúscula, como fazem alguns (BRICs), e sim com maiúscula (BRICS). 5) Uma cuidadosa análise de seu uso mostra dois significados bem distintos em que a palavra BRICS é empregada: a) às vezes, para indicar o bloco em consideração conjunta e atuação como um todo; b) outras vezes, no sentido da individualidade de cada um de seus países, embora considerados como partes do bloco. 6) Ora, quando se quer pôr em relevo o sentido de bloco e de consideração e atuação conjunta, a harmonização dos termos em concordância (verbo, artigo, adjetivo, etc.) se faz no singular: a) "O que faz o BRICS?"; b) "Desde sua criação, o BRICS tem expandido suas atividades"; c) "O BRICS defende a reforma das Nações Unidas e de seu Conselho de Segurança"; d) "... VI Cúpula do BRICS..."; e) "... entre as vertentes mais promissoras do BRICS..."; f) "... membros do BRICS..."; g) "... a coordenação política entre os membros do BRICS..."; h) "O BRICS está aberto à cooperação e ao engajamento"; i) "Este é o histórico do BRICS"; j) "O BRICS passou a constituir uma nova entidade político-diplomática"; k) "Foram aprofundados os dois pilares de atuação do BRICS"; l) "... primeiro ciclo de Cúpulas do BRICS..."; m) "... estabelecimento do Conselho Empresarial do BRICS..."; n) "... garantias às exportações do BRICS..."; o) "Os mandatários do BRICS encontraram-se com lideranças africanas...". 7) Já quando se quer destacar a individualidade de seus países integrantes, mas sempre na acepção de partícipes do bloco, a concordância dos termos referentes ao mencionado acrônimo se faz no plural: a) "... com relação à coordenação dos BRICS em foros e organismos internacionais..."; b) "Os BRICS aprofundam seu diálogo sobre as principais questões da agenda internacional"; c) "Desde 2009, os Chefes de Estado e de Governo dos BRICS procuram uma saída para esse desafio"; d) "... os Bancos de Desenvolvimento dos BRICS...". 8) Em síntese, respondendo de modo mais direto à indagação do leitor, pode-se dizer: a) BRICS é um acrônimo que às vezes representa o bloco em sua atuação conjunta, e outras vezes quer significar a presença individualizada de cada qual desses integrantes, mas sempre em relação ao todo formado pelo bloco; b) se o que se quer é destacar a atuação do bloco, então se faz a concordância do verbo e dos outros termos relacionados a tal palavra no singular; c) já quando se quer pôr em relevo a atuação de cada país, embora no contexto do bloco, então se faz a concordância do verbo e desses outros termos no plural; d) e ambas as concordâncias são sintaticamente corretas, de modo que a distinção fica para o plano do conteúdo semântico.
quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Controlador-geral ou Controlador geral?

1) Observe-se, desde logo (até para conforto dos leitores que se veem em grandes dúvidas quanto a este assunto), que, embora seja inegável e perceptível o esforço de melhoria por parte do Acordo Ortográfico de 2008 quanto ao emprego do hífen, o certo é que a confusão ainda continua sendo grande em alguns aspectos. 2) Em verdade, a primeira ideia do Acordo, neste campo, é que, em alguns compostos, perdeu-se a noção de composição, motivo por que devem ser grafados em uma única palavra girassol, paraquedas, passatempo, pontapé... 3) A segunda ideia do Acordo é que o hífen - considerado especificamente para o caso da consulta, em que o primeiro elemento é um substantivo, e o segundo, um adjetivo - deverá continuar sendo empregado nas palavras compostas por justaposição, quando os elementos constituam uma nova unidade morfológica e de sentido: batata-inglesa, sócio-gerente. 4) O que se verifica, contudo, é que às vezes descamba para o aspecto subjetivo o entendimento do que se deva ter por elementos que constituam uma nova unidade morfológica e de sentido. 5) E, talvez por conta desse subjetivismo de critério, o próprio órgão oficial incumbido de solucionar o assunto também acaba enredado em confusão. 6) Veja-se: esse órgão encarregado de definir oficialmente o modo de grafar as palavras em nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras, e ela exerce esse múnus pela edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 7) E uma consulta ao VOLP mostra que nele se encontra um critério duplo e sem justificativa sobre o assunto, e isso porque, por um lado, registra com hífen consulado-geral, governador-geral, ouvidor-geral, procurador-geral, secretário-geral e vigário-geral; mas não registra consultor-geral nem controlador-geral, o que quer dizer que tais vocábulos devem ser escritos sem hífen, a saber, consultor geral e controlador geral. 8) Como, porém, o VOLP (editado que é pela ALB) é a palavra oficial em termos de grafia das palavras em nosso idioma, é a ele que devemos prestar obediência, de modo que a solução, na dúvida, é consultá-lo. 9) Ante esse quadro, resta, por fim, a esperança de que a ABL, em futura edição do VOLP, busque um foco mais preciso com vistas à solução deste assunto.
quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Embargos à execução ou Embargos a execução?

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Se - Quando e como pode ser omitido?

1) Um leitor, esclarecendo ser autoridade no serviço público, indaga se, dependendo das circunstâncias, em uma portaria, por exemplo, o se (como em junte-se cópia ou expeça-se mandado de intimação) pode vir a ser omitido nos casos em que fique claro a quem a ordem é dada. E pergunta se, com a omissão do se, o verbo deve ficar sempre no singular. 2) Estabeleçam-se algumas premissas, a começar pela observação de que, quando se tem uma frase em que um se vem acoplado a um verbo, deve-se fazer uma diferenciação entre dois tipos de estruturas: a) num primeiro caso, uma frase é reversível, de modo que pode ser dita de outro modo ("Aluga-se uma casa", por exemplo, pode mudar-se para "Uma casa é alugada"); b) num segundo caso, uma frase não é reversível (ninguém pensaria em mudar "Gosta-se de um bom vinho" para "De um bom vinho é gostado", já que isso não faria sentido algum em nosso idioma). 3) Para uma frase reversível, como "Aluga-se uma casa", podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o exemplo está na voz passiva sintética; b) o se é uma partícula apassivadora; c) o sujeito é uma casa. 4) Já para uma frase não reversível, como "Gosta-se de um bom vinho", as conclusões a serem extraídas são um pouco diversas: a) o exemplo não está na voz passiva sintética; b) diversamente da frase com a qual é comparada, o se não é partícula apassivadora, mas símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; c) o sujeito não é um bom vinho, mas é indeterminado; d) em orações como essa, seria impossível considerar um bom vinho o sujeito, porquanto, como bem lembra Sousa e Silva, "o sujeito é membro regente, não pode vir regido de preposição". 5) Feitas essas observações, acresce dizer, quanto ao primeiro exemplo, que, a) se uma casa é o sujeito e b) se a regra geral de concordância é que o verbo concorda com seu sujeito, c) no caso, se o sujeito for levado para o plural, o verbo também irá para o plural (Alugam-se casas). 6) Outros exemplos para essa mesma construção: a) "Regularize-se o inquérito"; b) "Notifique-se o indiciado"; c) "Intime-se a testemunha"; d) "Encaminhe-se o feito ao Ministério Público". Seus plurais: i) "Regularizem-se os inquéritos"; ii) "Notifiquem-se os indiciados"; iii) "Intimem-se as testemunhas"; iv) "Encaminhem-se os feitos ao Ministério Público". 7) Já para o segundo exemplo, o raciocínio que se deve trilhar é o seguinte: a) o sujeito é indeterminado; b) assim, se a expressão constante do exemplo for levada para o plural, em nada estará sendo alterado o sujeito; c) desse modo, quando se põe a expressão no plural, o verbo não há de sofrer modificação alguma (Gosta-se de bons vinhos). 8) Outros exemplos para essa mesma construção: (a) "Obedeça-se ao provimento referido"; (b) "Proceda-se à lacração já determinada". Seus plurais: (i) "Obedeça-se aos provimentos referidos"; (ii) "Proceda-se às lacrações já determinadas". 9) Feitas essas ponderações como premissas e partindo-se para a resposta prática à indagação do leitor, anota-se que um Delegado de Polícia pode, sim, exarar a seguinte determinação em um inquérito policial: "Em face do exposto, determino as seguintes providências: a) Regularize-se este inquérito nos termos acima especificados; b) Notifique-se o indiciado; c) Intime-se a testemunha; d) Encaminhe-se, ao depois, o feito para a perícia; e) Em tudo, porém, obedeça-se ao provimento acima referido; f) E, antes da remessa do inquérito para perícia, proceda-se à lacração determinada." Nesse caso, os sujeitos serão este inquérito (i), o indiciado (ii), a testemunha (iii), o feito (iv), indeterminado (v) e indeterminado (vi). 10) Conforme a necessidade do caso específico, a decisão pode ter o seguinte teor, com as expressões no plural: "Em face do exposto, determino as seguintes providências: a) Regularizem-se estes autos nos termos acima especificados; b) Notifiquem-se os indiciados; c) Intimem-se as testemunhas; d) Encaminhem-se, ao depois, os autos para perícia; e) Em tudo, porém, obedeça-se aos provimentos acima referidos; f) E, antes da remessa do inquérito para perícia, proceda-se às lacrações determinadas." Nesse caso, os sujeitos serão estes autos (i), os indiciados (ii), as testemunhas (iii), os autos (iv), indeterminado (v) e indeterminado (vi). 11) Antes de passar à frente, importa observar um equívoco cometido pelo Código Civil de 2002 quanto ao verbo proceder. O art. 1.129 determina do seguinte modo: "Ao Poder Executivo é facultado exigir que se procedam a alterações ou aditamento no contrato ou no estatuto..." (CC-2002, art. 1.129). Corrija-se: "[...] que se proceda a alterações..." 12) Com uma primeira hipótese de eliminação do se, pode-se ter também o seguinte texto perfeitamente correto: "Em face do exposto, determino as seguintes providências ao Escrivão de Polícia Fulano de Tal: a) Regularize estes autos nos termos acima especificados; b) Notifique os indiciados; c) Intime as testemunhas; d) Encaminhe, ao depois, os autos para perícia; e) Em tudo, porém, obedeça aos provimentos acima referidos; f) E, antes da remessa do inquérito para perícia, proceda às lacrações determinadas." Nesse caso, o sujeito é sempre o mesmo, a saber, o Escrivão de Polícia Fulano de Tal. 13) Mas, também com a eliminação do se, pode haver a seguinte variante do texto: "Em face do exposto, determino as seguintes providências cumulativamente aos Escrivães de Polícia Fulano e Beltrano, e isso em razão do muito que há de ser feito e da urgência que o caso requer: a) Regularizem este inquérito nos termos acima especificados; b) Notifiquem o indiciado; c) Intimem a testemunha; d) Encaminhem, ao depois, o feito para perícia; e) Em tudo, porém, obedeçam ao provimento acima referido; f) E, antes da remessa do inquérito para perícia, procedam à lacração determinada." Nesse caso, o sujeito é sempre o mesmo, a saber, os Escrivães de Polícia Fulano e Beltrano.