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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
1) Um leitor indaga, em síntese, qual a maneira correta de denominar o vírus que tem assolado o País e o mundo de modo tão intenso e repentino: vírus corona, corona vírus, coronavirus ou coronavírus. 2) Num primeiro aspecto, deve-se observar que, em português, a maneira mais natural de estruturar as palavras é começar com o termo genérico e, em seguida, fazê-lo completar-se por seu termo especificador ou qualificador apartado: bactéria fotossintética, bactéria do tétano, vírus da dengue, vírus ebola. 3) E, seguindo esse modelo correto de estruturação dos vocábulos em nossa língua, é de total acerto escrever vírus corona. Ex.: "O vírus corona tem a característica de espalhar-se com rapidez e intensidade". 4) Num segundo aspecto, é também comum entre nós, na terminologia científica, aproveitar o vocábulo tal como utilizado nos idiomas estrangeiros, sobretudo no inglês, em que se inverte esse posicionamento, de modo que o termo especificador ou qualificador vem antes do termo genérico, formando uma só palavra: actinobactérias, cianobactérias, arbovírus, ebolavírus. 5) E, assim, seguindo essa forma de aproveitamento dos vocábulos estrangeiros em nosso idioma, é perfeitamente correto dizer coronavírus. Ex.: "O coronavírus tem a característica de espalhar-se com rapidez e intensidade". 6) Para esse caso, é preciso observar, primeiro, que normalmente se juntam os elementos em uma só palavra, tal como no idioma do qual é transplantada para o nosso, de modo que estaria errado escrever corona vírus, com a separação dos elementos. 7) Para conferir, veja-se, num primeiro aspecto, que a Academia Brasileira de Letras, que tem a autoridade para dizer oficialmente quais palavras integram o idioma nacional, bem como sua correta escrita, em posicionamento que vem muito antes do surto que atualmente se presencia, registra exatamente coronavírus na obra que edita regularmente para tanto, ou seja, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.1 8) Num segundo aspecto, também é preciso observar que, sendo vírus uma palavra paroxítona terminada em us, deve ser graficamente acentuada, assim como todas as terminadas por vírus, na esteira de outras gramaticalmente similares, como bônus e Vênus. 9) Ultime-se com a observação de que grafias que não obedeçam às determinações advindas dessas duas estruturações acima comentadas são condenáveis, como corona vírus (com os elementos assim apartados), ou coronavirus (sem o acento gráfico, obrigatório em português). __________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 221.
1) Um leitor indaga, em síntese, quais conjunções concessivas deve ele utilizar com verbos na forma finita do subjuntivo. 2) Observa-se, de início, que a questão, tal como posta, é um tanto hermética e de difícil compreensão, de modo que, em última análise, não se consegue ver com clareza o que intenta o leitor, efetivamente, perguntar; todavia, para que ninguém fique para trás e sem resposta, tenta-se dar uma resposta. 3) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Ainda que pareça fácil, trata-se de matéria de difícil compreensão"; b) "Ainda que parece fácil, trata-se de matéria de difícil compreensão". 4) O verbo parecer, na oração subordinada do primeiro exemplo, está no presente do subjuntivo; o da oração subordinada do segundo exemplo, no presente do indicativo. 5) Em frases como essas, de idêntico significado, construídas pelas conjunções ou locuções conjuntivas concessivas ainda que, bem que, conquanto, posto que e outras equivalentes, o emprego do verbo no subjuntivo, tal como se acha no primeiro exemplo, dispensa comentários, por ser essa a sintaxe mais usual na escrita moderna. 6) No que respeita ao emprego do verbo no indicativo, porém, anote-se que Vieira, Camões, Bernardes e os outros clássicos "assim construíam todos, construção, como se vê, lidimamente vernácula e de bom cunho, que, no entanto, vai resvalando no esquecimento", sendo raros os escritores modernos que a empregam (FREIRE, 1937a, p. 24), podendo-se acrescentar que a referida sintaxe vem sendo substituída gradativamente, nos tempos atuais, pelo emprego do subjuntivo. 7) Não se olvide, porém, que, se, para alguns, a segunda forma pode parecer não soar bem modernamente, tal, entretanto, não significa que não esteja ela em estrita consonância com a correção do vernáculo. 8) De Laudelino Freire vem a lição de que, "nas frases em que se emprega qualquer das expressões ainda que, bem que, conquanto, posto que e outras equivalentes, o verbo da oração subordinada tanto pode estar no subjuntivo como no indicativo". 9) E lembrando que o emprego do verbo no subjuntivo é a forma mais usual (FREIRE, 1937b, p. 92-3) - "E ainda que pareça matéria de riso... é matéria de toda a tentação" (Vieira) - passa tal autor a transcrever exemplos de autores insuspeitos, que empregaram o verbo no indicativo: a) "... ainda que Deus era imenso e invisível" (Vieira); b) "... mas conquanto não pode haver desgosto" (Camões); c) "Não hesita Diez em chamar solecismo, ainda que está subscrita por Camões" (Rui Barbosa); d) "Posto que era horrendo esse inimigo..." (Castilho). 10) Em lição proferida para a expressão desde que, anota Luciano Correia da Silva (1991, p. 154) que, "como locução conjuntiva, leva ordinariamente o verbo para o subjuntivo, se a função for condicional: 'Poderão requerer o divórcio desde que satisfaçam todas as exigências legais'. Tal fato é regra também com várias outras conjunções: embora sejam, ainda que façam, ainda que fizessem etc. Entretanto é norma geral, que os autores nem sempre observaram: 'O trigo do semeador, ainda que caiu quatro vezes, só de três nasceu' (Vieira, Sermões...)". 11) Em realidade, é lição primeira de conjugação verbal a assertiva de que o modo indicativo aponta para uma certeza, enquanto o subjuntivo refere dúvida, indecisão, incerteza. 12) Assis Cintra, contudo, mesmo referindo doutrina de gramáticos no sentido dessa posição inflexível (dentre os quais Júlio Ribeiro e Ernesto Carneiro Ribeiro), cita ensinamento esclarecedor de Rui Barbosa, em sua Réplica: "Enunciada em absoluto, não é verdadeira a sentença de que o subjuntivo indique sempre dúvida, indecisão, incerteza. Certo que as locuções enunciativas, ação possível, desejável, receável ou dubitável, conformam especialmente com aquele modo verbal. Mas não seria igualmente exato que só por esse modo se exprimam essas ideias, assim como o não é que só a exprimir tais ideias, se emite a função desse modo. Muita vez se traduz a dúvida em tempos do verbo no indicativo". 13) E refere o mencionado autor (CINTRA, 1922, p. 31- 45) diversos exemplos indicadores de dúvida no indicativo, concluindo que "todas essas orações, perfeitamente conversíveis ao subjuntivo e mais comuns sob essa forma, se dão igualmente bem com as do indicativo": a) "Ainda que me parece que este o não fez" (Camões); b) "É possível que em nenhuma parte das nossas hierarquias achou Deus outra natureza?" (Padre Antônio Vieira); c) "Suposto que aquele amor também é honesto" (Padre Manuel Bernardes); d) "Pode ser que isto foi a causa" (Frei Luís de Sousa).
1) Um leitor indaga se, com o advento do computador e da internet, é possível falar em concordância escrita quando se está diante de um documento eletrônico, onde, em última análise, se está distante da realidade de um documento registrado em papel. 2) Ora, por um lado, um documento escrito em papel significa que ele está retratado nesse meio físico, objetivo e palpável, onde pode ser adequadamente verificado. 3) Por outro lado, entretanto, quando se tem um documento virtual, ele também está retratado num espaço que visualmente se assemelha a um papel, apenas com a peculiaridade de que é virtual, e não físico, tal registro, imagem ou estampa. 4) Veja-se, em complementação, que, antes do papel, os registros visuais eram feitos nas paredes das cavernas, depois, na sequência, em papiros, em pergaminhos, em barrinhas de cerâmica. E, enquanto todas essas alterações se sucediam, não havia espanto com a alteração e a evolução das ocorrências, porque todas as opções eram físicas e palpáveis. 5) E agora, com o advento do computador e da internet, não há razão para espanto ou repulsa: haverá efetiva concordância escrita, mesmo que ela se dê pela via eletrônica e por registro virtual. 6) Afinal, se hoje se fala, e com integral propriedade, na existência de um contrato eletrônico, que é aquele acordo ordenado entre duas ou mais vontades, realizado por meio de programas próprios e específicos, contrato esse que se encontra escrito em um espaço virtual adequadamente previsto pelo respectivo software, também a concordância quanto a seus termos, obviamente, há de dar-se por escrito e na consonância com as diretrizes dos mesmos programas que deram supedâneo ao indigitado contrato. 7) Respondendo, então, diretamente e na prática à indagação do leitor, pode-se afirmar que nada impede que se possa dizer de concordância escrita, mesmo quando se trata de um contrato eletrônico.
terça-feira, 6 de outubro de 2020

Compulsar autos - Vale para processo eletrônico?

1) Um leitor indaga se, ante as alterações advindas da tramitação dos feitos judiciais pela via eletrônica, é viável dizer algo como compulsar os autos do processo eletrônico. 2) Ora, o Dicionário Houaiss, por um lado, confere a compulsar a acepção de "manusear, folhear para consultar"; mas também adiciona o significado de "estudar, examinar".1 3) E o Dicionário Aurélio, além dos sentidos registrados na obra anteriormente referida, também lhe dá o conteúdo semântico de "examinar, lendo'.2 4) Com essas observações como premissas, se se partir apenas dos significados "estudar, examinar", ou mesmo "examinar, lendo", vê-se que não há necessidade de maiores esforços para concluir pela total viabilidade de dizer, e com total correção do vernáculo, algo como "compulsar os autos do processo eletrônico". A sinonímia é direta, total e de fácil conferência. 5) Mas é importante aditar que, mesmo desconsiderando tais acepções dos dicionários, ainda assim também se há de permitir o emprego de tal modo de fala, e isso por uma concessão da linguagem figurada. 6) Apenas para conferir, basta ver que, em tempos de um linguajar eletrônico, fala-se em "navegar pela internet", e isso nada mais é do que uma metáfora (que se pode conceituar, na simplicidade, como uma comparação abreviada, equivalendo a dizer, de forma mais estendida, "explorar a internet", como se alguém navegasse por ela). 7) E é importante anotar que, ao se permitir esse modo de dizer, não se está inovando em absolutamente nada. Antes do computador e da internet, já era comum afirmar, num texto, que se estava "reiterando o que fora dito acima", mesmo que tal referência estivesse duas ou três páginas antes, e não literalmente acima. E quem assim afirmasse talvez não tivesse a mínima ideia de que, ao afirmar alguém desse modo, em realidade, apenas queria fazer uma analogia com o tempo dos rolos de pergaminho ou papiro, que compunham uma unidade coesa e indivisa, e nos quais, aí sim em realidade material, a referência era feita ao que estava escrito acima, na parte já lida e já enrolada da mesma peça. 8) E, assim, de modo prático e direto para a indagação feita pelo leitor, pode-se dizer que é totalmente é viável e correto dizer, em linguagem subordinada à norma culta, algo como compulsar os autos do processo eletrônico. __________ 1 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Ob­jetiva, 2001, p. 780. 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 545.
quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Como - Conjunção causal ou explicativa?

1) Um leitor envia mensagem, indagando, em síntese, se, no exemplo a seguir, a conjunção como é causal ou explicativa: "Como a estimativa é de que aconteça uma complicação para cada quatro ou cinco casos, o cálculo é de que tenham ocorrido de 685 mil a 856 mil abortos clandestinos no país". 2) Ora, na condição de expressão que liga orações, a conjunção "como", num primeiro plano, pode ter o sentido de uma vez que e, nesse caso, inicia uma oração subordinada adverbial causal. Ex.: "Como ia de olhos fechados, não via o caminho" (Machado de Assis). Nesse caso, a oração iniciada pela referida conjunção (que é uma oração subordinada adverbial causal) significa a própria causa do que se diz na outra oração (que é a oração principal). 3) Também pode iniciar uma oração subordinada adverbial comparativa, quando exprime o outro termo de uma comparação, caso em que tem o significado de qual ou assim como. Ex.: "O medo é a arma dos fracos, como a bravura (é) a dos fortes" (Marquês de Maricá). 4) Ainda pode iniciar uma oração subordinada adverbial conformativa, quando inicia uma oração que exprime um fato em conformidade com outro expresso na oração principal, caso em que tem o sentido de conforme, segundo, consoante. Ex.: "Fez os exercícios como o professor determinou". 5) No caso trazido pelo leitor, tendo o significado de uma vez que, o conetivo, sem dúvida, traz a conotação de uma conjunção subordinativa causal, e a oração iniciada pela conjunção apontada constitui verdadeira e efetiva causa do fato da outra oração. 6) Para completar as premissas para as conclusões que daqui se precisa extrair, finaliza-se, dizendo que a conjunção como também pode dar início a uma oração coordenada explicativa, e isso quando tal conetivo começa uma oração que explica a razão de ser do que se diz na oração a que se ligam (mas não chega a constituir real causa do que se diz na outra oração). Ex.: "Como a chuva está chegando, vá logo para casa". 7) Com essas considerações, extraem-se daqui as seguintes conclusões: (i) não deixa de haver profundo sentido na dúvida do leitor; (ii) isso porque referir a causa de um fato não deixa de ser conferir-lhe uma explicação; (iii) deve-se observar, todavia, que toda causa é uma explicação, mas nem toda explicação é uma causa; (iv) por conta dessa possível confusão, observa-se que nem sempre é tão fácil distinguir tais modalidades de orações e, consequentemente, dos conetivos (ou conjunções) que as iniciam; (iv) uma acurada análise da extensão da explicação que sempre existe nesses casos permite ver se ela constitui causa ou não do fato que se expressa na outra oração; (v) e esse é o ponto crucial para solucionar a dúvida. 8) Para concordar com o leitor quanto às dificuldades que surgem nesse caso, transcreve-se o registro de Evanildo Bechara, que é textual a esse respeito: "As explicativas não passam de causais coordenativas, que nem sempre se separam claramente das causais subordinativas"1. 9) Said Ali, em mesmo raciocínio, assim se expressa com palavras diversas: "Em certas línguas, distingue-se a causal subordinativa da causal coordenativa pela diversidade de partícula (em francês parce que, car; em inglês because, for; em alemão weil, denn); em português, empregando-se porque ou que para um e outro caso, conhece-se a diferença pela pausa. A causal subordinativa separa-se da oração principal por uma pausa muito fraca (que se representa, quando muito, por uma vírgula). A causal subordinativa separa-se da proposição anterior por uma pausa mais forte (que se figura por vírgula, ponto e vírgula e até por ponto final"2. 10) Além das explicações acima dadas pelos estudiosos, importa, com caráter mais do que definitivo, peremptório e prático, insistir em que toda causa não deixa de ser uma explicação, mas nem toda explicação há de tipificar uma causa. __________ 1 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 161. 2 SAID ALI IDA, Manuel. Gramática Secundária da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1971, p. 203.
quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Cadeirante e Medalhista - Existem?

1) Um leitor indaga, em síntese, se existem no vernáculo, em linguagem culta, os vocábulos cadeirante e medalhista. 2) Inicia-se esta resposta com a observação de que, entre nós, a Academia Brasileira de Letras é o órgão incumbido, por delegação legal, desde a lei 726/1900, de definir a existência, a grafia oficial, o gênero e as peculiaridades dos vocábulos em nosso idioma, e ela, para atender a essa autorização legal, o faz oficialmente pela edição, de tempos em tempos, do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Mais modernamente, ela também tem disponibilizado em seu site pela internet o rol dessas palavras e expressões oficialmente existentes. 3) Com essa anotação como premissa, uma consulta à referida obra revela que ambos os vocábulos existem em nosso idioma1: e, para os dicionaristas, o primeiro deles, no caso, significa o "deficiente físico que utiliza cadeira de rodas" 2, e o segundo indica o conteúdo semântico daquele "que ganha medalha em competições".3 4) Em primeira ponderação complementar, vê-se que não deve causar espanto que tais vocábulos se associem a substantivos, como cadeira e medalha, uma vez que é bastante comum tal ocorrência no vernáculo, como também é o caso de mesa (que se associa a mesário) e comendador (que se relaciona a comenda). 5) Em segunda ponderação complementar, anota-se que o Dicionário Houaiss não registra a palavra cadeirante, o que poderia gerar algum tipo de dúvida na mente de algum leitor. A esse respeito, entretanto, deve-se esclarecer que os dicionaristas, sem sombra de dúvida, prestam relevantes serviços ao vernáculo; não são eles, porém, as autoridades para dizerem, com valor oficial, acerca da existência ou não de algum vocábulo em nosso idioma, e sim a Academia Brasileira de Letras, de modo que, na divergência entre eles e o VOLP nesse campo, há de prevalecer o que se registra neste último. __________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 143 e 535. 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 380. 3 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Ob­jetiva, 2001, p. 1.876.  
quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Beabá, be-a-bá, bê-á-bá ou be-á-bá?

1) Um leitor indaga, em síntese, qual a forma correta: beabá, be-a-bá, bê-á-bá, be-á-bá? 2) Inicia-se esta resposta com a observação de que, entre nós, a Academia Brasileira de Letras é o órgão incumbido, por delegação legal, desde a lei 726/1900, de definir a existência, a grafia oficial, o gênero e as peculiaridades dos vocábulos em nosso idioma, e o referido órgão, para atender a essa delegação legal, o faz oficialmente pela edição física, de tempos em tempos, do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Mais modernamente, ela também tem disponibilizado, em seu site pela internet, o rol dessas palavras e expressões oficialmente existentes. 3) Com essa anotação como premissa, segue-se dizendo que uma consulta à referida obra revela que nela se registram beabá e bê-á-bá1, porém não as demais. 4) E isso significa, em última instância, que tais formas registradas no VOLP existem oficialmente em nosso idioma e são consideradas corretas; qualquer outra forma, entretanto, não. 5) Em primeira observação complementar, anota-se que os respectivos plurais desses vocábulos são beabás e bê-á-bás. 6) Em segunda ponderação complementar, anota-se que tanto o Dicionário Aurélio2quanto o Dicionário Houaiss3 registram bê-á-bá, mas não beabá. A esse respeito, entretanto, deve-se esclarecer que os dicionaristas, sem sombra de dúvida, prestam relevantes serviços ao vernáculo; não são eles, porém, as autoridades para dizerem, com valor oficial, acerca da existência ou não de algum vocábulo em nosso idioma, bem como acerca de sua correção, de sua grafia ou de suas peculiaridades, e sim a Academia Brasileira de Letras, de modo que, na divergência entre tais dicionaristas e o VOLP nesse campo, há de prevalecer o que se registra neste último. __________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 110. 2 FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 295. 3 HOUAISS. Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 420.  
quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Aspas simples e aspas duplas - Como usar

1) Um leitor indaga, em síntese, quando se empregam as aspas simples e quando se utilizam as aspas duplas. 2) Ora, quanto a esse assunto, algumas ponderações mais detidas precisam ser feitas, razão pela qual desde logo se rogam desculpas pela extensão destes comentários. Mas também se esclarece, já de início, que são eles muito úteis à escrita que deva obedecer à norma culta. 3) Do gótico haspa, também conhecidas por comas ou vírgulas dobradas (às vezes em forma de cunhas), são sinais ("ou") com que, normalmente, se abrem e fecham citações, sendo bastante oportunas algumas considerações para seu uso. 4) Quando, dentro do trecho já entre aspas, há necessidade de novas aspas, estas são simples (NADÓL- SKIS; TOLEDO, 1998, p. 51). Ex.: Deu nos jornais: "O articulista defende, como forma de melhoria nas relações jurídicas, uma assim chamada 'globalização' das leis". 5) Se o sinal de pontuação pertence à citação, fica ele dentro das aspas, como o ponto de interrogação no seguinte exemplo: Por que você não disse "Eu vou?". 6) Se, porém, pertence o sinal de pontuação ao autor, fica ele depois das aspas, como é o caso do ponto final no seguinte exemplo. Ex.: Como já dizia Hipócrates, traduzido por Sêneca, "a arte é longa, e a vida é breve". 7) Nas palavras de Celso Cunha, "quando a pausa coincide com o final da expressão ou sentença que se acha entre aspas, coloca-se o competente sinal de pontuação depois delas, se encerram apenas uma parte da proposição; quando, porém, as aspas abrangem todo o período, sentença, frase ou expressão, a respectiva notação fica abrangida por elas" (1970, p. 284). 8) Para Luiz Antônio Sacconi, "o ponto vem após as aspas", se "não foram estas que deram início ao período". Ex.: Napoleão disse: "Do alto destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam". 9) Complementa, todavia, tal autor (SACCONI, 1979, p. 244 e 248) com a observação de que "as aspas aparecem depois da pontuação somente quando abrangem todo o período". Ex.: "O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever." 10) Interessante lembrete ainda vem do mesmo gramático acerca dos trechos de outros autores, empregados, por exemplo, na elaboração dos arrazoados jurídicos: "se a citação ou a transcrição não começar com a palavra inicial, colocar-se-ão reticências logo após a abertura das aspas. Da mesma forma, devem ser usadas as reticências no final, antes do fechamento das aspas, se a intenção é não terminar a referida citação ou transcrição" (SACCONI, 1979, p. 247). 11) A esse respeito, assim se expressa Josué Machado: "Quando a pausa coincide com o final da expressão ou sentença que se acha entre aspas, coloca-se o competente sinal de pontuação depois delas, se encerram apenas uma parte da proposição; quando, porém, as aspas abrangem todo o período, sentença, frase ou expressão, a respectiva notação fica abrangida por elas" (1994, p. 66). 12) Ainda para a ordem de colocação entre as aspas e o ponto, Cândido de Oliveira estabelece duas regras: a) "Primeiro ponto final e por último aspas, se toda a declaração (o período inteiro, da maiúscula inicial ao ponto final) estiver entre aspas"; b) "Primeiro aspas e depois ponto final, se somente a parte derradeira do período receber aspas" (1961, p. 67). 13) As palavras e expressões estrangeiras, de igual modo, devem vir entre aspas, permitindo-se também explicitar tal circunstância com o uso de grifo equivalente, sublinha, itálico ou negrito. Ex.: "O magistrado negou liminar ao pedido, fundado na inexistência do 'periculum in mora'". 14) Veja-se, nesse sentido, o ensino de Eduardo Carlos Pereira em corroboração ao fato de que se escrevem "sublinhadas ou em grifo as palavras de língua estrangeira, que se intercalam no discurso" (1924, p. 48). 15) Artur de Almeida Torres também observa a possibilidade de emprego das aspas, "quando se deseja chamar a atenção do leitor para certos vocábulos que devem ser postos em evidência: Aquele 'sim' me confortou" (1966, p. 245). 16) Ensina, ainda, Luciano Correia da Silva que "não se usam aspas nas atribuições nominais ou dos epônimos: Fundação Roberto Marinho, Rodovia Castelo Branco, EEPSG Horácio Soares, Fundação Educacional Miguel Mofarrej, Fórum João Mendes Júnior". 17) Em critério aparentemente diverso, todavia, em outra passagem, manda que se usem tais sinais "em nomes de livros, jornais, obras de arte...", como, por exemplo, "Folha de S. Paulo" (SILVA, L., 1991, p. 179 e 197). 18) Considere-se, também a observação de Hêndricas Nadólskis e Marleine Paula Marcondes Ferreira de Toledo (1998, p. 51) no sentido de que, em tais hipóteses, em vez de empregar aspas, pode-se optar pelo destaque gráfico do negrito ou do itálico, a que se pode acrescer também a sublinha. Exs.: a) Não se demonstrou o "fumus boni juris"; b) Não se demonstrou o fumus boni juris; c) Não se demonstrou o fumus boni juris; d) Não se demonstrou o fumus boni juris. 19) O ideal seria observar a questão das aspas duplas e aspas simples, com o acréscimo de que, ante o elemento complicador dos nomes dos órgãos de imprensa, sejam eles escritos em itálico. Ou, em termos mais práticos: "Eu falei: 'Mas me importa a restauração da minha honra. A Veja está fazendo um verdadeiro linchamento.' Ele respondeu: 'Roberto, na Veja não tenho nenhuma ação, porque a Veja é tucana'. Eu falei: 'Mas O Globo e a Globo estão repetindo o linchamento.' Ele falou: 'No Globo eu falo por cima. Dá para segurar.' Retirar a assinatura foi o meu maior erro. Depois que fiz isso, recrudesceu o noticiário contra o PTB. Eu entendi que foi uma armadilha do Zé Dirceu para mim. Recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo."
quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Como abreviar Assessoria Jurídica

1) Uma leitora indaga como se abrevia assessoria jurídica: assjur ou Assejur? 2) Sem necessidade de maior estudo teórico, diga-se que o Formulário Ortográfico oficial - editado pela Academia Brasileira de Letras, a quem incumbe, por delegação legal, expedir as normas oficiais para assuntos dessa natureza, - o qual traz registradas as reduções mais correntes, por um lado não registra todas as palavras do idioma de modo abreviado; por outro lado, explicita que "uma palavra pode estar reduzida de duas ou mais formas".1 3) Nesse quadro, pode-se afirmar, assim, em síntese, que não existe um só modo oficial de abreviar as palavras, de modo que, ante a própria visão oficial assim permissiva, o melhor é concluir que ao usuário do idioma assiste certa liberdade para abreviar as palavras e expressões de nosso idioma. 4) A esse respeito, aliás, Napoleão Mendes de Almeida já observava: "o que a abreviatura [...] deve objetivar é a clareza; alcançada esta, não cabem objeções".2 5) Respondendo, então, na prática, ao questionamento da leitora, pode-se dizer que, em última análise, os dois modos por ela propostos podem servir de abreviação para a expressão assessoria jurídica, e, além disso, deve-se acrescentar que às maneiras que ela propôs até mesmo podem ser somadas outras possibilidades: assjur, AssJur, Assjur, assejur, Assejur, AsseJur... __________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed. São Paulo: Global Editora Distribuidora Ltda, 2009, p. 865. 2 ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 6.
1) Um leitor indaga, em síntese, se há diferença de sentido entre aprovação e habilitação. 2) Ora, do grego, sinônimo é a palavra ou nome que acaba por integrar um mesmo conjunto de significação que outra palavra ou nome (sin = em conjunto; ônimo = nome designativo de uma pessoa ou coisa). 3) Dizemos, então, que duas palavras ou locuções são sinônimas, quando têm a mesma ou quase a mesma significação, de modo que umas possam ser utilizadas em lugar de outras em alguns contextos, sem que se altere o sentido literal da sentença1. 4) Apenas para ilustrar, a palavra cachaça, por exemplo, tem nada menos do que 400 sinônimos em português (entre eles, água-benta, água-que-passarinho-não-bebe, aguardente, amarelinha, aquela-que-matou-o-guarda, arrebenta-peito, bagaceira, birinaite, birita, branquinha, danada, cobertor-de-pobre, malvada, etc.). Todos esses vocábulos ou expressões podem ser utilizados um pelo outro, conforme, obviamente, as circunstâncias de hora, lugar ou usuário do idioma, ou mesmo nível de fala. 5) Sobretudo nos dias de hoje, entretanto, época em que o estudo da língua, do texto e da Gramática tem sido marginalizado quase que na íntegra, as pessoas não têm observado com atenção o que seja a sinonímia, de modo que, exatamente como indica a dúvida do leitor, acabam utilizando como se fossem de mesmo sentido, palavras ou expressões que apenas detêm mera aproximação semântica, como uma causa ou consequência, como indicam os vocábulos postos como sinônimo pela dúvida do leitor. 6) De modo mais específico, na dúvida do leitor, vê-se que aprovação é o ato pelo qual se considera oficialmente que alguém superou a prova a que foi submetido para atestar sua suficiência de conhecimento e preenchimento de requisitos exigidos. Assim, alguém recebeu aprovação no exame para obtenção da carteira de motorista. 7) Já a habilitação é a circunstância resultante de um exame assim bem-sucedido, ou mesmo a comprovação dessa situação, ou, ainda, a soma dos atos e diligências intentados segundo os princípios legais, "para que se dê a uma pessoa a capacidade ou habilidade, de que precisa, para cumprir certos desígnios jurídicos, isto é, para praticar atos jurídicos livremente ou para assumir a direção de direitos, sem quaisquer restrições"2. 8) Nesse quadro, alguém é aprovado nos exames para obter a carteira de motorista. Em seguida, ele recebe uma carteira nacional, que atesta sua habilitação para dirigir. É claro que, por via de regra, aquele que detém uma carteira de habilitação pressupõe o fato de que foi aprovado nos respectivos exames. __________ 1 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Ob­jetiva, 2001, p. 2.581. 2 DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário Jurídi­co (Atualizado por Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes). Rio: Forense, 2016, 32. ed., p. 680.
quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Após de - É correta a expressão?

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Apor veto ou Opor veto?

1) Uma leitora indaga se o correto, para se vetar uma lei, é dizer apor veto ou opor veto. 2) Ora, vetar, do latim vetare (proibir, vedar), em sentido constitucional, quer dizer a negação da sanção pelo Poder Executivo a uma lei elaborada pelo Poder Legislativo. 3) No caso da consulta aqui feita, propõem-se dois verbos para formar uma locução que substitua vetar: apor veto e opor veto; mas, quando se analisa seu conteúdo semântico, vê-se que o primeiro deles traz a ideia de apenas justapor ou acrescentar, enquanto o segundo, sim, porta o sentido de objetar, obstar ou contrapor. 4) Com essas considerações, vê-se que, além da possibilidade de uso do próprio verbo vetar, também apenas é correto dizer opor veto: "O presidente opôs veto à lei eleitoral aprovada pelo Congresso". 5) Equivocada, porém, é a outra construção: "O presidente apôs veto à lei eleitoral aprovada pelo Congresso". Afinal, a ideia, no caso, é de objetar, obstar ou contrapor, e não apenas de justapor ou acrescentar. 6) Confirmando a lição com a doutrina dos estudiosos, acresce dizer que Domingos Paschoal Cegalla, por um lado, confirma a correção da expressão opor veto, e não de apor veto1. 7) E Napoleão Mendes de Almeida, afirmando que apor veto "é tolice em português", complementa que "o que contraria opõe-se, e não apõe-se"2. __________ 1 CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificulda­des da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 408. 2 ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 27 e 216.
quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Aos 4 de julho ou Em 4 de julho?

1) Uma leitora indaga, em síntese, qual é a forma correta de se dizer ou escrever: aos 4/5/15 ou em 4/5/15? 2) Na lição de Napoleão Mendes de Almeida, em nossos dias, diz-se, com naturalidade, "em julho" e "em 1789", e se pergunta "em que dia?", de modo que, para tal autor, não se fala "a julho", nem "a 1789", e não se pergunta "a que dia?". Por esses motivos, para ele, haver-se-á de dizer em catorze de julho, e não a catorze de julho. 2) Em sentido oposto, alinhando exemplo de Camilo Castelo Branco, assegura Vitório Bergo que a cinco de maio se trata de "legítima expressão portuguesa, equivalente a no dia cinco". 4) Eduardo Carlos Pereira, de igual modo, sem proceder a qualquer distinção, exemplifica com "aos vinte de janeiro". Esse mesmo autor acrescenta, em lição apropriada para os meios jurídicos, que "na linguagem forense se diz: Aos 24 dias do mês de abril". 5) Júlio Ribeiro, por seu lado, não apenas admite, e em mais de uma passagem, o uso da preposição a em tais casos, mas chega a preconizar a omissão do artigo (a 14 de março, a 18 de maio, a 2 de maio, a 4 de janeiro), acrescentando que, "quando se põe clara a palavra dias, também se usa do artigo: Aos doze dias do mês de janeiro". 6) Lembra Alfredo Gomes, sem condenação alguma e com aprovação implícita, ser "conhecida a 'fórmula própria de autos e processos judiciários e outros': aos dez dias do mês de abril do ano...". 7) Partindo de dois exemplos - "Fernando Pessoa nasceu a 13 de junho de 1888" e "Fernando Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888" - observa Arnaldo Niskier, sem quaisquer comentários adicionais, que "as duas construções estão corretas". 8) E acrescenta também como possíveis duas outras: a) "... nasceu no dia 13 de junho"; b) "... nasceu aos 13 dias do mês de junho". 9) Ante as divergências entre os gramáticos, pelo vetusto princípio de que, na dúvida, há liberdade para o usuário, o melhor é ter como corretas todas as seguintes expressões: a) "Nasceu em 4 de julho"; b) "Nasceu a 4 de julho"; c) "Nasceu no dia 4 de julho"; d) "Nasceu aos 4 de julho"; e) "Nasceu aos 4 dias do mês de julho". 10) Respondendo diretamente à indagação da leitora, assim se resume a questão por ela posta: tanto é correto dizer e escrever "aos 4/5/15" como "em 4/5/15".
quarta-feira, 22 de julho de 2020

"Ad judicia et extra" - O que significa?

1) Um leitor indaga, em síntese, o seguinte: para que o advogado patrocine seu cliente na esfera administrativa ou judicial, o correto é confeccionar a procuração nos termos 'ad judicia et extra'?. 2) Ora, para responder à indagação feita, lançam-se algumas premissas, a começar pela lembrança do art. 653 do Código Civil, o qual registra que se opera o mandato, "quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses". 3) Num segundo aspecto, o mesmo artigo da codificação civil esclarece que "a procuração é o instrumento do mandato". 4) Segue-se neste raciocínio para dizer que, na procuração, discriminam-se os atos ou interesses que o procurador (tecnicamente também denominado mandatário) vai praticar ou administrar em nome do outorgante da procuração (que, em termos jurídicos, se denomina mandante). 5) Se os atos a serem praticados ou interesses a serem defendidos se situam na esfera de um processo que corre em juízo, o mandato é judicial, caso em que, por tradição vinda do Direito romano, se diz que o mandato é conferido com a cláusula "ad judicia" (escreve-se assim, e não ad juditia, como fazem alguns de modo equivocado), expressão latina essa que pode ser traduzida pelo circunlóquio "para as questões judiciais". 6) Nesse caso, se o mandato é outorgado para o foro em geral, quem o recebe pode atuar em toda e qualquer medida judicial que envolva o mandante; se, contudo, os poderes outorgados se restringem à autorização para um processo específico, a procuração apenas autoriza a prática de atos na medida especificamente discriminada. 7) E, ainda, recebendo a procuração "ad judicia", o mandatário está autorizado a agir em nome do mandante, bem como a praticar todos os atos indispensáveis ao andamento do processo, os quais se consideram implicitamente autorizados pelo referido documento. 8) Determinados atos, todavia, embora se considerem tecnicamente processuais, exigem poderes especiais e menção expressa na procuração "ad judicia", para que possam ser praticados pelo procurador: receber a citação inicial, confessar, transigir, desistir e dar quitação e firmar compromisso. 9) Continuando em outro aspecto da consulta do leitor, anota-se que extra, no caso, é prefixo latino, que carrega o significado de fora de, além de, de modo que, quando alguém outorga uma procuração extrajudicial, está autorizando o mandatário a praticar atos que não se situam na esfera judicial. Suas regras estão discriminadas nos arts. 653/691 do Código Civil. 10) Por fim, quando alguém outorga uma procuração "ad judicia et extra", isso significa que os poderes por ela conferidos se situam não apenas na esfera judicial, mas também na esfera extrajudicial, de modo que uma procuração assim conferida nada mais é do que a junção de ambos os instrumentos anteriormente referidos. 11) Nada impede, como se vê, que, em mesma procuração, haja tanto a outorga de poderes para a prática de atos na esfera judicial, como também a autorização para a defesa de interesses na esfera extrajudicial. 12) Para que possa valer para atuação em ambas as esferas, entretanto, não basta constar, na epígrafe, no início do documento, a expressão "procuração 'ad judicia et extra'", já que um título de documento pode não valer por si nem significar efetivamente o que diz tal título. E, assim, devem também estar discriminados, de modo específico, os atos e interesses que poderão especificamente ser defendidos, administrados ou praticados pelo mandatário tanto na esfera judicial como no âmbito extrajudicial. 13) Sintetizando especificamente a resposta à indagação do leitor: (i) se o mandante quer que o mandatário apenas ajuíze ação ou defenda interesses na esfera judicial, nada mais é preciso do que uma procuração "ad judicia"; (ii) nesse caso, se a autorização é genérica, o mandatário pode atuar em todo e qualquer processo judicial em que esteja envolvido o mandante; (iii) e, ainda nesse caso, se há a discriminação de um feito judicial específico, apenas nesse poderá haver a atuação por parte do mandatário; (iv) por outro lado, se, além da autorização para a prática de atos judiciais, o mandante quer, em mesmo instrumento, autorizar que seu procurador também pratique atos na esfera extrajudicial, então ele outorga uma procuração "ad judicia et extra", discriminando também, no corpo do documento, quais são esses atos extrajudiciais cuja prática autoriza em seu nome; (v) nada impede, por fim, que sejam confeccionados documentos diversos, um para cada qual das finalidades estampadas, especificando-se, de modo pormenorizado, os atos cuja prática o mandante está autorizando se realize em seu nome.
1) Um leitor indaga se é correto o emprego da locução 'a partir de' em construções como as seguintes: (a) "Diária a partir de R$ 100,00"; (b) "O discurso da presidente se iniciou a partir das 14 horas"; (c) "O juiz condenou o réu a partir de delação premiada". 2) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em seu monumental dicionário, sem comentários adicionais, observa apenas que o sentido da expressão a partir de é a começar de1. O próprio sentido por ele apontado (de ser apenas um começo) evidencia a necessidade de continuação, quer com a presença de outros elementos, quer com a prática de outros atos. 3) Antônio Houaiss, em obra similar, sendo um pouco mais específico para anotar que seu significado é a começar de um marco ou ponto e seguindo adiante, ilustra com os seguintes exemplos: (a) "A partir daqui, segues sozinha"; (b) "Foi a partir desse ano que a revolução começou a se organizar"2. 4) Com essas observações como premissas, passa-se a responder, na prática, à indagação do leitor. 5) O primeiro exemplo e o terceiro estão corretos, uma vez que, em ambos, se faz presente o conteúdo semântico de começar de um marco indicado e seguir adiante com outros elementos ou providências, e isso porque se pressupõe uma sequência de outras diárias em preços mais elevados no primeiro exemplo, e outros atos que se seguem à delação premiada para culminar com a condenação ou absolvição no outro. 6) No segundo exemplo, entretanto, o começo da ação já está indicado pelo verbo iniciar, e não se faz presente sequência alguma de atos que precise ser indicada pelo circunlóquio a partir de, de modo que deve ele ser assim corrigido: "O discurso da presidente se iniciou às 14 horas". No caso, a presença da expressão a partir de configura redundância totalmente desnecessária. __________ 1 FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1.571. 2 HOUAISS. Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 2.140.
quarta-feira, 24 de junho de 2020

A favor de ou Em favor de?

1) Uma leitora indaga quando deve usar 'a favor de' ou 'em favor de'. 2) Diga-se, desde logo, que não se encontrou divergência entre os estudiosos a respeito de ambas as expressões, e todos os autores consultados entendem pela perfeita sinonímia entre tais circunlóquios, a começar pelo Dicionário Aurélio1. 3) Também propugnando pela sinonímia entre elas (e especificando com os respectivos significados de para o benefício de e em proveito de), o Dicionário Houaiss traz dois exemplos significativos: (i) "Advoga a favor dos pobres"; (ii) "Fazia lei em favor do povo"2. 4) Apenas ilustrando com mais uma lição doutrinária, Cândido Jucá (filho) confere à primeira das expressões o sentido de em benefício de, enquanto à segunda atribui a acepção de em prol de, o que, em última análise, significa considerá-las sinônimas3. 5) Respondendo, então, na prática, ao questionamento da leitora, pode-se dizer que, em última análise, as duas expressões são sinônimas, de modo que podem ser usadas indiferentemente uma pela outra. __________ 1 FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 924. 2 HOUAISS. Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 1.315. 3 JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificulda­des da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Fename - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963, p. 297.
quarta-feira, 17 de junho de 2020

A desfavor de ou Em desfavor de?

1) Um leitor, partindo de outra lição deste autor no sentido de que é correta a expressão a favor de, indaga se é correto, gramaticalmente, dizer "ajuizar ação em desfavor de". 2) Diga-se, desde logo, que não se encontrou divergência entre os estudiosos a respeito das expressões a favor de e em favor de, de modo que todos os autores consultados entendem pela perfeita sinonímia entre tais circunlóquios, a começar pelo Dicionário Aurélio1. 3) Também propugnando pela sinonímia entre elas (e especificando com os respectivos significados de para o benefício de e em proveito de), o Dicionário Houaiss traz dois exemplos significativos: a) "Advoga a favor dos pobres"; b) "Fazia lei em favor do povo"2. 4) Apenas ilustrando com mais uma lição doutrinária, Cândido Jucá (filho) confere à primeira das expressões o sentido de em benefício de, enquanto à segunda atribui a acepção de em prol de, o que, em última análise, significa considerá-las sinônimas3. 5) Fixa-se, assim, uma primeira premissa de que as expressões a favor de e em favor de são sinônimas, de modo que podem ser usadas indiferentemente uma pela outra. 6) Em continuação, respondendo diretamente à indagação do leitor, vê-se que desfavor, além de vocábulo oficialmente integrante de nosso léxico4, é simplesmente o antônimo de favor. 7) Nesse quadro e com essas premissas postas, pode-se afirmar que são igualmente corretas as duas seguintes formas: a) "Ajuizar ação a desfavor de..."; b) "Ajuizar ação em desfavor de...". __________ 1 FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 924. 2 HOUAISS. Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 1.315. 3 JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificulda­des da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Fename - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963, p. 297. 4 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 268.
1) Um leitor, trazendo uma questão de concurso, indaga em qual das alternativas o pronome pessoal oblíquo poderia ser colocado em duas outras posições: a) Eles queriam-me enganar; b) Não te prejudicarei nunca; c) Deixei de cumprimentá-lo; e, d) Creio que ele não te dará explicações. 2) Quando se tem a frase "O réu quer dizer-nos alguma coisa", tem-se uma locução verbal composta por um verbo auxiliar (quer) e um principal no infinitivo (dizer); e a questão é saber qual a posição em que há de estar corretamente colocado o pronome pessoal oblíquo átono (nos): antes do auxiliar ("O réu nos quer dizer alguma coisa"), entre o auxiliar e o principal ("O réu quer-nos dizer alguma coisa"), ou após o principal ("O réu quer dizer-nos alguma coisa"). 3) Em realidade, muito embora seja mais comum a colocação antes do auxiliar ou depois do principal, Eduardo Carlos Pereira (1924, p. 252-3), para os casos normais, lembra a possibilidade genérica das três colocações do pronome átono: antes do auxiliar, após o auxiliar e após o principal. Exs.: a) "A testemunha nos pode esclarecer a verdade"; b) "A testemunha pode-nos esclarecer a verdade"; c) "A testemunha pode esclarecer-nos a verdade". 4) Se o pronome começa a frase, vedada está a possibilidade de vir ele antes do auxiliar, sob pena de contrariar princípio básico de colocação de pronomes oblíquos átonos, segundo o qual eles não começam frase. Exs.: a) "O magistrado lhe queria falar" (correto); b) "Lhe queria falar o magistrado" (errado). 5) Se há palavra atrativa antes da locução, não se coloca o pronome entre o auxiliar e o principal. Exs.: a) "O magistrado não lhe quer falar" (correto); b) "O magistrado não quer-lhe falar" (errado); c) "O magistrado não quer falar-lhe" (correto). 6) Se o auxiliar está no futuro do presente ou no futuro do pretérito, valem as regras já referidas, apenas com a ressalva de que, com essas formas verbais, nunca se dá a ênclise ao auxiliar, mas mesóclise ao auxiliar: a) "O magistrado dever-lhe-ia falar toda a verdade" (correto); b) "O magistrado deveria-lhe falar toda a verdade" (errado). 7) Em um outro aspecto, anota Édison de Oliveira que "o pronome oblíquo não pode ficar solto entre dois verbos", motivo por que está errada a construção "O fato vai se repetir". 8) Segundo tal autor, para corrigir expressões dessa natureza, "reúne-se o pronome oblíquo à forma verbal anterior": "O fato vai-se repetir" (OLIVEIRA, E., s/d, p. 119). 9) Com essas reflexões, pode-se afirmar, em resposta ao leitor, que a alternativa correta é a primeira. 10) E se podem fazer as seguintes variações, com a indicação de seu acerto ou erronia entre parênteses: a) "Eles me queriam enganar" (correto); b) "Eles queriam-me enganar" (correto); c) "Eles queriam enganar-me" (correto); d) "Me queriam enganar" (errado); e) "Eles queriam me enganar" (errado); f) "Eles não me queriam enganar" (correto); g) "Eles não queriam-me enganar" (errado); h) "Eles não queriam me enganar" (errado); i) "Eles não queriam enganar-me" (correto); j) "Eles me quererão enganar" (correto); k) "Eles querer-me-ão enganar" (correto); l) "Eles quererão-me enganar" (errado); m) "Eles quererão me enganar" (errado); n) "Eles quererão enganar-me" (correto); o) "Eles não me quererão enganar" (correto); p) "Eles não querer-me-ão enganar" (errado); q) "Eles não quererão-me enganar" (errado); r) "Eles não quererão me enganar" (errado); s) "Eles não quererão enganar-me" (correto).
quarta-feira, 3 de junho de 2020

Academia ou Acadimia?

1) Uma leitora pergunta se, quanto à pronúncia, o correto é academia ou academia. 2) Fixa-se uma primeira regra: a Academia Brasileira de Letras detém a autoridade para definir qual a escrita correta dos vocábulos pertencentes ao idioma pátrio. E ela exerce sua autoridade por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Nesse ponto, não parece haver dúvida quanto à extensão do que assim se determina. 3) E se aponta uma segunda regra, segundo a qual também assiste à ABL estabelecer os aspectos adicionais referentes aos vocábulos pertencentes ao nosso léxico: pronúncia, categoria gramatical (substantivo, adjetivo, verbo...), gênero (masculino ou feminino), número (singular ou plural). 4) De modo específico no que concerne à correta articulação das palavras, entretanto, a indicação vem depois dos respectivos vocábulos, mas apenas naqueles casos em que possa haver reais dúvidas: adrede (ê), ileso (ê ou é), obeso (ê ou é), socorros (ó). 5) Não se deve confundir, entretanto, essa questão de erros de pronúncia (como nos casos apontados, em que é obrigatório seguir o quanto definido pela ABL por via do VOLP) com a diversidade de enunciação de determinados sons pelos rincões de toda a extensão territorial do País (e nisso não há erro algum). 6) Vejam-se alguns exemplos dessa diversidade de pronúncia de certos sons pelo extenso território nacional, o que não constitui erro algum de pronúncia ou de Gramática, mas apenas avulta a existência de peculiaridades locais ou regionais: a) a porta do interior do Estado de São Paulo não é a mesma porta do carioca; b) o leite quente do paulista não terá a mesma pronúncia do leite quente do gaúcho; c) a titia do interiorano de São Paulo não será a mesma titia do paranaense tradicional; d) a academia pronunciada por um sulista há de virar acadimia na boca de um célebre maranhense; e) na boca do mesmo maranhense, poder viraria pudêr.
quarta-feira, 27 de maio de 2020

Crase - Nomes comuns do feminino

1) Um leitor quer saber, em síntese, se existe crase antes da palavra novela no exemplo seguinte: "Ela se referiu a novela mexicana". Outra leitora pergunta se deve ou não haver crase no seguinte exemplo: "... no que tange a necessidade da prorrogação do contrato em tela..." E um terceiro leitor quer saber se há crase no seguinte exemplo: "Nossa solidariedade a íntegra e competente juíza...". 2) Ora, a primeira, geral e importante regra de crase para nomes comuns do feminino manda substituir, no raciocínio para o caso concreto, o nome feminino, antes do qual se quer saber se existe ou não a crase, por um correspondente masculino (não necessariamente um sinônimo, mas um vocábulo que mantenha a mesma estrutura sintática). 3) Se, com a substituição, aparece ao no masculino, então há crase no feminino; se não aparece ao, não há crase no feminino. 4) Importa observar, antes que se faça alguma confusão, que, nesse caso, não se muda mais nada na frase, sobretudo o verbo antecedente, já que, mudando o verbo, pode-se mudar a regência e a própria preposição por ele exigida. 5) Feita essa observação, veja-se como ficam os exemplos, já com a substituição, nos casos trazidos pelos leitores: a) "Ela se referiu a novela mexicana" (feminino); b) "Ela se referiu ao dramalhão mexicano" (masculino); c) "... no que tange a necessidade da prorrogação do contrato em tela..." (feminino); d) "... no que tange ao deferimento da prorrogação do contrato em tela..." (masculino); e) "Nossa solidariedade a íntegra e competente juíza..." (feminino); f) "Nossa solidariedade ao íntegro e competente juiz..." (masculino). 6) E se vejam as correções: a) com a substituição por um correspondente masculino, apareceu ao em ambos os casos; b) então há crase no feminino também em ambos os casos; c) "Ela se referiu a novela mexicana" (errado); d) "Ela se referiu à novela mexicana" (correto); e) "... no que tange a necessidade da prorrogação do contrato em tela..." (errado); f) "... no que tange à necessidade da prorrogação do contrato em tela..." (correto); g) "Nossa solidariedade a íntegra e competente juíza..." (errado); h) "Nossa solidariedade à íntegra e competente juíza..." (feminino).
sexta-feira, 22 de maio de 2020

Siglas dos Estados - Como escrever?

1) Um leitor, após observar, no dia a dia, diversas maneiras de apresentação das siglas dos estados da federação - Niterói, RJ; Niterói/RJ; Niterói-RJ; Niterói - RJ; Niterói (RJ) - indaga qual dentre elas é a forma correta. 2) Diga-se, de início, como observação geral, que nem sempre existe uma só maneira correta de dispor as palavras ou expressões na frase, de modo que, em tais hipóteses, assistirá ao usuário da língua portuguesa optar por esta ou por aquela forma, desde que obedecidos os princípios gerais que norteiam o uso do idioma. 3) É o que se dá, por exemplo, com as orações intercaladas ou interferentes, a saber, aquelas que, sendo sintaticamente independentes, se interpõem a outras a título de esclarecimento, observação, advertência ou ressalva, e são consideradas "à margem" do contexto considerado como um todo. 4) Quanto à pontuação, podem tais orações separar-se daquelas em que se intercalam, indiferentemente, por meio de vírgulas, parênteses ou travessões. Exs.: (i) "Esta situação, pensava ele, poderia ser bem pior"; (ii) "Esta situação (pensava ele) poderia ser bem pior"; (iii) "Esta situação - pensava ele - poderia ser bem pior". 5) De igual modo, no caso das siglas indicativas dos estados da federação, à falta de determinação legal específica para a matéria, ao usuário assistirá, indiferentemente, empregar o modo de representação que melhor lhe convier, desde que obedecido o bom senso e as regras gerais que norteiam a grafia em nosso sistema. 6) Em termos práticos, respondendo diretamente à questão trazida pelo leitor, são corretas todas as seguintes formas de registro das siglas dos estados da federação: Niterói, RJ; Niterói/RJ; Niterói-RJ; Niterói - RJ; Niterói (RJ).
quarta-feira, 13 de maio de 2020

Lhe encaminho ou Encaminho-lhe?

1) Uma leitora indaga, na prática, qual dos seguintes exemplos é correto: a) "Encaminho-lhe a nota"; b) "Lhe encaminho a nota"; c) "Encaminho a você a nota". 2) Num primeiro aspecto, verificada a circunstância de que não há irregularidade alguma a ser apontada na frase "Encaminho a você a nota", estabelece-se uma comparação entre os dois primeiros exemplos: a) "Encaminho-lhe a nota"; b) "Lhe encaminho a nota". 3) Da própria comparação visual entre ambos, extrai-se que a dúvida é se o pronome pessoal oblíquo átono lhe vem antes ou depois do verbo. Reitere-se que, em ambos os casos, o pronome é átono, e está em jogo exatamente o assunto da colocação pronominal. 4) Ora, em tese, um pronome pessoal oblíquo átono pode-se colocar em três posições na frase: a) antes do verbo, ou seja, em próclise ("Não me amole!"); b) no meio do verbo, ou seja, em mesóclise ("Dir-se-á que não trabalhamos"); c) após o verbo, ou seja, em ênclise ("Deram-me notícia falsa"). 5) Com essa observação inicial e teórica, sem necessidade de maiores divagações, invoca-se uma primeira regra de colocação de pronomes (com exceção dos casos em que o verbo está no futuro do presente ou no futuro do pretérito): é obrigatória a ênclise, se o período se inicia por verbo, de modo que é errônea qualquer construção que inicie a frase por um pronome em tais circunstâncias (ou seja, em próclise). 6) Com essa observação, confira-se a correção ou erronia dos exemplos trazidos pela leitora: a) "Encaminho-lhe a nota" (correto); b) "Lhe encaminho a nota" (errado). 7) Num segundo aspecto, da comparação entre os exemplos - a) "Encaminho-lhe a nota"; b) "Encaminho a você a nota" - podem-se extrair as seguintes conclusões: i) no primeiro exemplo (lhe), tem-se um pronome pessoal oblíquo átono; b) já no segundo exemplo (você), tem-se um pronome tônico; c) tanto um pronome átono quanto um pronome tônico podem ser empregados em tais circunstâncias e são perfeitamente corretos (Entregou-nos ou Entregou a nós; Encaminho-lhe ou Encaminho a você); d) nesses casos, em realidade, não está em discussão o assunto de colocação de pronomes.
1) Um leitor pensou, refletiu, discutiu e não chegou a conclusão nenhuma. E indaga qual a forma correta de colocação do pronome: a) "Nos autos do processo cujo trâmite dá-se por esta Vara..."; b) "Nos autos do processo cujo trâmite se dá por esta Vara..."? 2) Ora, em tese, um pronome pessoal oblíquo átono pode-se colocar em três posições na frase: a) antes do verbo, ou seja, em próclise ("Não me amole!"); b) no meio do verbo, ou seja, em mesóclise ("Dir-se-á que não trabalhamos"); c) após o verbo, ou seja, em ênclise ("Deram-me notícia falsa"). 3) Ainda antes de discutir o mérito da questão, em raciocínio que sempre deve ser repetido em tais circunstâncias, é preciso observar os seguintes aspectos no exemplo dado: a) o verbo é dá; b) o pronome, cuja colocação está sendo discutida, é o se; c) o verbo está num tempo simples (ou seja, não é composto, nem é locução verbal); d) o verbo não está no futuro do presente, nem no futuro do pretérito, de modo que está totalmente descartada a possibilidade de ocorrência de mesóclise, e, assim, restam, na prática, apenas as possibilidades de próclise e de ênclise. 4) Com essas premissas, visto que se tem, no caso, um verbo num tempo simples, deve-se atentar aos seguintes aspectos: a) o lugar natural do pronome, nesses casos, é em ênclise; b) esse pronome apenas é atraído para a colocação em próclise, quando há, logo antes do verbo, alguma daquelas chamadas palavras atrativas; c) as palavras atrativas são (i) as negativas, (ii) os advérbios, (iii) os pronomes relativos, (iv) os pronomes indefinidos e (v) as conjunções subordinativas; d) no caso da dúvida trazida pelo leitor, trâmite é um substantivo e não se encaixa em nenhuma dessas categorias (é oportuno lembrar que cujo - um pronome relativo - não é levado em consideração, porque não é a palavra que vem imediatamente antes do verbo); e) se é assim, conclui-se que, no caso, não há palavra atrativa alguma; f) então não há motivo de próclise, e a colocação natural é em ênclise. 5) Acresce observar, adicionalmente, que, na frase do leitor, que não está completa, a dúvida surge na segunda oração: "... cujo trâmite se dá por esta Vara..." E se faz pequena alteração, que em nada altera a essência da análise, do que resulta a oração "O trâmite se dá por esta Vara". Dela se podem extrair as seguintes ilações: a) o sujeito é trâmite, e o verbo é dá; b) não há palavra atrativa logo antes do verbo; c) o exemplo está na ordem direta (sujeito + verbo + complementos). 6) E, quando se tem essa situação - a) exemplo na ordem direta e b) ausência de palavra atrativa antes do verbo - , então, além da ênclise, também se faculta o emprego da próclise. 7) Em resumo para o leitor, está correto o primeiro exemplo por ele trazido - "Nos autos do processo cujo trâmite dá-se por esta Vara..." - e isso pelas seguintes razões: a) o verbo está num tempo simples; b) esse tempo simples não é futuro do presente nem futuro do pretérito, o que afasta a possibilidade, mesmo em tese, de ocorrência da mesóclise; c) não há palavra atrativa logo antes do verbo; d) nesse quadro, a ênclise é o lugar natural de localização do pronome. 8) Além disso, também está correto o segundo exemplo trazido pelo leitor: "Nos autos do processo cujo trâmite se dá por esta Vara..." - e isso pelos seguintes motivos, que se acrescem às conclusões extraídas para o exemplo anterior: a) por um lado, não há palavra atrativa alguma antes do verbo; b) por outro lado, o exemplo está na ordem direta; c) nesses casos, além da ênclise (que é a localização natural do pronome), também se faculta a possibilidade de emprego da próclise. 9) Apenas se acrescenta que, em casos como os trazidos pelo leitor, a ênclise é mais usada em Portugal; no Brasil, a preferência é pela próclise.
quarta-feira, 29 de abril de 2020

É ou São?

1) Um leitor indaga qual das construções a seguir é correta quanto à concordância do verbo ser: a) "Essas testemunhas é o time do processo cível"; b) "Essas testemunhas são o time do processo cível". 2) Ora, a mais básica regra de concordância verbal diz que o verbo concorda com o seu sujeito em número e pessoa. Exs.: a) "Eu vou ao cinema" (singular e primeira pessoa); b)"Eles vão ao cinema" (plural e terceira pessoa). 3) Com o verbo ser, entretanto, o que há de mais comum é sua tendência para concordar com o termo que estiver no plural (seja sujeito, seja predicativo), como comprovam os seguintes exemplos, ambos corretos. Exs.: a) "O problema eram os meus projetos" (verbo no plural concordando com o predicativo); b) "Os problemas eram o meu projeto" (verbo no plural concordando com o sujeito). 4) Embora essa seja a tendência mais comum do verbo ser nessa situação, vejam-se, entretanto, em seguida, exemplos de autores de peso que as contrariam: a) "Os responsórios e os sinos é coisa importuna em Tibães" (Camilo Castelo Branco); b) "Vestidos e modas é assunto para mulheres" (Domingos Paschoal Cegalla). 5) Atentando, de modo específico, aos exemplos trazidos pelo leitor para análise - a) "Essas testemunhas é o time do processo cível"; b) "Essas testemunhas são o time do processo cível" - podem-se fazer as seguintes afirmações: i) a regra geral de concordância é que o verbo concorda com o seu sujeito em número e pessoa; ii) com o verbo ser, todavia, a tendência mais comum é que ele concorde não necessariamente com o sujeito, mas com o termo que estiver no plural; iii) por essa razão, pode-se afirmar que o segundo exemplo trazido pelo leitor está em perfeita sintonia com essa corrente; iv) como isso é uma tendência, e não uma regra inflexível, também não é incomum que autores abalizados façam a concordância de acordo com a regra geral, isto é, com o sujeito, ou mesmo com o predicativo no singular, embora o sujeito esteja no plural; v) com base nessa última observação, também se pode afirmar a correção do primeiro de tais exemplos.
quarta-feira, 22 de abril de 2020

Votarão ou Votaram?

1) Um leitor, narrando que tem lido modos de escrita que contrariam o que ele aprendeu, pergunta como se deve escrever no futuro: "Amanhã os congressistas votarão a matéria" ou "Amanhã os congressistas votaram a matéria"? 2) Duas observações devem ser feitas para os verbos da primeira conjugação (terminados em ar), quanto à terceira pessoa do plural do futuro do presente do indicativo: a) são formas oxítonas (ou seja, a sílaba forte é a última da palavra), e não paroxítonas (vale dizer, a sílaba forte não é a penúltima da palavra); b) sua grafia é com ão no final, e não com am. 3) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Amanhã os congressistas votarão a matéria" (correto); b) "Amanhã os congressistas votaram a matéria" (errado). 4) Para complementar a resposta e eliminar, de uma vez por todas, a dúvida do leitor, também se fazem duas observações para esses mesmos verbos da primeira conjugação (terminados em ar), na terceira pessoa do plural, mas agora no pretérito perfeito do indicativo: a) são formas paroxítonas (ou seja, a sílaba forte é a penúltima da palavra), e não oxítonas (vale dizer, a sílaba forte não é a última da palavra); b) sua grafia é com am no final, e não com ão. 5) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Os congressistas deixaram ontem de votar aquela matéria importante" (correto); b) "Os congressistas deixarão ontem de votar aquela matéria importante" (errado). 6) Apenas para refletir: a observação dos fatos demonstra que esse é um erro cuja ocorrência vem crescendo com o passar dos tempos, bem possivelmente devido à falta de cuidado com que vem sendo tratado o ensino do português na educação de base.
1) Um leitor diz ter dificuldade em reconhecer, em determinados casos, a voz passiva sintética e, em outros casos, em diferenciá-la da voz passiva analítica. E pede auxílio para proceder a tal identificação nos seguintes exemplos: (i) "Quando os portugueses descobriram as terras que vieram a se chamar Brasil, encontraram povos..."; (b) "Quando os portugueses descobriram as terras a que veio a se chamar Brasil, encontraram povos..." 2) No plano dos conceitos, é importante observar que voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato, conforme o sujeito pratique ou receba a ação indicada pelo verbo. Exs.: (i) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir); (ii) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir). 3) Seguindo um pouco mais à frente, têm-se os seguintes exemplos, os quais, em comum, têm um se acoplado ao verbo e apresentam problemas quanto à questão das vozes verbais: (i) "Aluga-se uma casa"; (ii) "Gosta-se de um bom vinho". 4) Quanto ao primeiro exemplo - "Aluga-se uma casa" - , trata-se de uma frase reversível, pois pode ser dita de outro modo (Uma casa é alugada), e a seu respeito podem-se extrair as seguintes ilações: (i) um exemplo reversível assim está na voz passiva sintética; (ii) nele, o se é uma partícula apassivadora; (iii) o sujeito é uma casa (sujeito, e não objeto direto); (iv) porque o sujeito é uma casa, se este vai para o plural, o verbo também vai, em razão da mais básica regra de concordância, segundo a qual o verbo concorda com o seu sujeito (Alugam-se casas); (v) apenas para completar os conceitos, tendo em vista os fins da indagação do leitor, o exemplo "Casas são alugadas" está na voz passiva analítica, que é assim chamada por ser mais extensa que a voz passiva sintética. 5) Já quanto ao segundo exemplo - "Gosta-se de um bom vinho" - trata-se de uma frase não reversível, pois não pode ser dita de outro modo (ninguém pensaria em dizer "De um bom vinho é gostado"), e a seu respeito podem-se tirar as seguintes conclusões: (i) um exemplo não reversível assim não pode estar na voz passiva sintética; (ii) nele, o se não é partícula apassivadora, e sim um símbolo de indeterminação do sujeito; (iii) o sujeito dessa oração é indeterminado; (iv) porque o sujeito é indeterminado, se o termo um bom vinho vai para o plural, não é o sujeito que se modifica (esse termo, aliás, é o objeto indireto); (v) se, ao passar um bom vinho para o plural, não se toca no sujeito, o verbo não se modifica; (vi) seu plural, por conseguinte, há de ser "Gosta-se de bons vinhos". 6) Com essas ponderações, volta-se à primeira frase trazida pelo leitor: (i) a frase é "Quando os portugueses descobriram as terras que vieram a se chamar Brasil..."; (ii) por facilidade - e sem alterar a estrutura analisada quanto a seu mérito - reduz-se a frase para "... as terras ... vieram a se chamar Brasil..."; (iii) trata-se de uma frase reversível (pois pode ser dita de outro modo, a saber, "as terras ... vieram a ser chamadas Brasil..."; (iv) se a frase é reversível, o exemplo está na voz passiva sintética; (v) o se é partícula apassivadora; (vi) o sujeito é as terras, razão pela qual o verbo está no plural; (vii) se o sujeito fosse a terra, então a frase seria "... a terra ... veio a se chamar Brasil..."; (viii) na voz passiva analítica, as frases são "a terra ... veio a ser chamada Brasil..." e "as terras ... vieram a ser chamadas Brasil..." 7) Altera-se ligeiramente a frase, omitindo-se o se, e se extraem outras conclusões: (i) a frase passa a ser "Quando os portugueses descobriram as terras que vieram a chamar Brasil..."; (ii) quando se pergunta pelo sujeito de vieram nessa nova frase, a resposta é portugueses, e não terras; (iii) por facilidade de análise - e também sem alterar a estrutura analisada quanto a seu mérito - reduz-se a frase para "... as terras que (eles - os portugueses) vieram a chamar Brasil..."; (iv) não se há de pensar em reversibilidade da frase, até porque não há um se; (v) como o sujeito (eles ou os portugueses) pratica a ação de chamar, o exemplo está na voz ativa; (vi) se terras for para o singular, o sujeito não será modificado, de modo que não haverá alteração alguma quanto à concordância ("... a terra que (eles - os portugueses) vieram a chamar Brasil...". 8) Por fim, importa observar que a última frase trazida pelo leitor ("Quando os portugueses descobriram as terras A QUE VEIO a se chamar Brasil, encontraram povos..."), o certo é que ela apresenta erro de sintaxe exatamente no trecho trazido em destaque por ele próprio, de modo que não admite análise nem considerações outras, além das que foram feitas nos itens acima.
quarta-feira, 8 de abril de 2020

Concordância verbal - Caso prático

1) Um leitor indaga se, no texto "Desde sempre, países fazem negócios com quem lhes convêm", o verbo está correto, ou deveria ser convém. 2) Antes de responder, anota-se, sem maiores discussões, já que esse não é o centro de nossas preocupações por agora, que, em termos de grafia, o verbo convir, na esteira dos demais compostos de vir, é escrito do seguinte modo: ele convém (singular), eles convêm (plural). 3) Em continuação, se o que se quer saber é se o verbo fica no singular ou vai para o plural, então é preciso anotar que a questão é de concordância verbal, o que exige que se defina qual o sujeito do verbo convir na oração a que ele pertence. 4) E, assim, também sem preocupações excessivas com a teoria, lança-se mão de uma indagação bastante simples para definir qual o sujeito do verbo convir na oração mencionada: o que é que convém? 5) E a resposta é bastante clara e objetiva: fazer negócios. Um sujeito oracional, que exige o verbo no singular. 6) E também para maior facilidade de raciocínio, põe-se a oração sob análise em sua ordem direta: ... [fazer negócios] convém-lhes (ou mesmo convém a eles). 7) Em termos práticos e objetivos, traça-se o seguinte roteiro para o exemplo do leitor: (i) para definir se convir fica no singular ou vai para o plural, deve-se verificar qual é o seu sujeito; (ii) e isso porque a primeira e básica regra nesse assunto determina que o verbo concorda com o seu sujeito em número (singular ou plural) e pessoa (primeira, segunda ou terceira); (iii) no caso, o raciocínio lógico mostra que o sujeito de convir é oracional e está oculto (porque mencionado na oração anterior), a saber, fazer negócios; (iv) o exemplo todo seria "Desde sempre, países fazem negócios com quem [fazer negócios] lhes convém" (ou convém a eles); (v) o sujeito oracional determina o verbo no singular, de modo que a forma correta é convém; (vi) o usuário do exemplo foi levado a erro, porque se viu iludido por um lhes no plural logo antes do verbo; (vii) ocorre, todavia, que esse lhes é o objeto indireto, e não o sujeito do verbo analisado.