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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 31 de março de 2004

O mesmo

1) Quanto à sintaxe, constitui erro freqüente usar tal pronome demonstrativo sem acompanhamento de substantivo, não se podendo olvidar que mesmo não tem por função substituir ele ou este. Exs.: a) "O réu foi até à vítima e falou com a mesma" (errado);b) "Consultou tais autores, e os mesmos lhe indicaram a adequada solução" (errado);c) "Designada a audiência, compareceram à mesma todos os interessados". 2) Tais erros se corrigem com facilidade, se há um pouco de atenção; a) "O réu foi até à vítima e falou com ela";b) "Consultou tais autores, e estes lhe indicaram a adequada solução";c) "Designada a audiência, compareceram a ela todos os interessados". 3) Atento à freqüência com que equívocos dessa natureza são cometidos na linguagem forense, observa Edmundo Dantès Nascimento que "mesmo em Português não tem função de pronome pessoal, logo não pode ser empregado por ele, ela, elas, dele, dela, para ele, nele, etc". 4) E complementa tal autor ser erro crasso dizer: a) "E falei com a mesma";b) "Li o livro e do mesmo tirei ensinamentos"; manda, assim, corrigir tais frases do seguinte modo:a) "E falei com ela";b) "Li o livro e dele tirei ensinamentos".1 5) Com a mesma preocupação de seu emprego equivocado nos textos jurídicos, que hão de submeter-se ao padrão da norma culta, assim adverte Geraldo Amaral Arruda: "O vocábulo mesmo comporta uso em muitas funções gramaticais e não convém que seja usado nos contextos em que seja mais expressivo o emprego de ele ou de este, esse, aquele". 6) E acrescenta tal autor: "o uso de mesmo em substituição ao pronome pessoal da terceira pessoa ou do demonstrativo este em nada melhora a frase. Antes, a prejudica em clareza e elegância".2 7) Domingos Paschoal Cegalla, por um lado, lança a seguinte advertência: "Evite-se empregar mesmo como substituto de um pronome". 8) Em seqüência, alinha diversos exemplos de emprego inadequado: a) "Não suportando mais a dor, procurei o dentista, mas o mesmo tinha viajado";b) "Não dê carona a pessoas desconhecidas, porque as mesmas podem ser assaltantes";c) "Os donos dos armazéns se obrigaram a estocar e manter os cereais em bom estado, mas os mesmos não respeitaram o contrato";d) "O pescador salvou o náufrago e ainda ofereceu ao mesmo a sua cabana". 9) Por fim, dá-lhes a respectiva correção: a) "Não suportando mais a dor, procurei o dentista, mas ele tinha viajado";b) "Não dê carona a pessoas desconhecidas, porque elas (ou, ainda, a simples supressão de as mesmas) podem ser assaltantes";c) "Os donos dos armazéns se obrigaram a estocar e manter os cereais em bom estado, mas eles não respeitaram o contrato";d) "O pescador salvou o náufrago e ainda lhe ofereceu a sua cabana".3 10) É tão comum o cometimento desse deslize, que Aires da Mata Machado Filho, após asseverar não haver igualdade entre ele e mesmo, aponta cochilo desse jaez até em Machado de Assis ("Apareceu um relatório contra os mesmos e contra outros").4 11) Também de um gramático do porte de Júlio Nogueira advém o seguinte emprego equivocado desse vocábulo: "Não há, pois, redigir frases em que, sendo 'tu' a forma de tratamento, se usem em relação à mesma os possessivos 'seu', 'sua' e as variações 'o', 'a', 'lhe'".5 12) Não escapam desses equívocos até mesmo diplomas legais, como é o caso do art. 6º, d, da Lei 4.380, de 21.8.64, que trata de imóveis adquiridos pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação: "Além das prestações mensais referidas na alínea anterior, quando convencionadas prestações intermediárias, fica vedado o reajustamento das mesmas e do saldo devedor a elas correspondentes". 13) Nesse erro também incide a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), em seu art. 49, ao modificar o art. 7º, § 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil (lapso esse que não ocorre no Código Civil, que é de 1916, revisto e discutido, entre outros, por Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro): "O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens"... 14) Também dessa natureza é o equívoco encontrado no art. 2°, § 1°, da Lei 4.591, de 16.12.64, que dispôs sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias: "O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder"... Melhor é que se diga: "... das restrições que lhe sejam impostas..." 15) Num outro aspecto de significativo interesse, conforme lição de Epifânio Dias, não se há de olvidar que tal vocábulo pode vir, e de modo correto, substantivado no singular, "precedido do artigo definido, equivalendo a mesma coisa: 'A caridade, pois, não é o mesmo que a filantropia'".6 16) Em tais casos em que significa a mesma coisa, refere Eduardo Carlos Pereira que mesmo se trata de pronome com forma neutra, representando um predicado nominal.7 Exs.: a) "O mesmo se há de dizer..." (João Ribeiro);b) "O mesmo se escreve..." (Frei Luís de Sousa). 17) De tudo o quanto se expôs, vê-se que é incorreto o emprego de o mesmo no art. 1º da Lei 12.722/98 do Município de São Paulo, quando manda afixar o seguinte aviso nas proximidades dos elevadores nos edifícios: "Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar". A correção há de dar-se do seguinte modo: "Antes de entrar no elevador, verifique se ele encontra-se parado neste andar"._ _______ 1 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 152. 2 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 45-46. 3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 259. 4 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. .Nos Domínios do Vocabulário.. In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL . Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 3, p. 1.049. 5 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 75. 6 Apud MACHADO FILHO, Aires da Mata. .Nos Domínios do Vocabulário.. In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL . Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 3, p. 1.055. 7 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 301.
quarta-feira, 24 de março de 2004

Abaixo assinado

1) Na lição de Eliasar Rosa, a expressão abaixo assinado serve, "como locução adjetiva, para indicar quem subscreve um abaixo-assinado", e, em tal caso, "nela não se usa o hífen". 2) Escrever-se-á, portanto: O abaixo assinado, os abaixo assinados, a abaixo assinada, as abaixo assinadas.1 3) Não confundir com abaixo-assinado, que é a denominação do próprio documento firmado por diversas pessoas para determinada e específica finalidade, vocábulo esse que é substantivo composto e escrito com hífen, podendo ser flexionado para o plural (abaixo-assinados), mas não para o feminino. 4) Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade fazem, a esse respeito, oportuna e didática advertência: "Estabeleça-se a diferença entre abaixo-assinado (documento) e abaixo assinado (signatário)".2 5) Em outra obra que escreve solitariamente, Antonio Henriques, após fazer tal distinção entre ambas as expressões, acrescenta que, em se tratando de signatárias mulheres, o plural será abaixo assinadas.3 6) Domingos Paschoal Cegalla, de igual modo, manda escrever "sem hífen, quando a expressão designa os signatários do documento".4 7) Sintetizando a solução para ambos os vocábulos, resuma-se a questão com ensino de Arnaldo Niskier: "O documento é um abaixo-assinado, com hífen. Abaixo assinado, sem hífen, é aquele que assina o documento".5 __________ 1 Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 15. 2 Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 43. 3 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 5. 4 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 2. 5 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 6.
quarta-feira, 10 de março de 2004

A nível de

1) Ao que tudo indica, trata-se de expressão que, por modismo, foi equivocada e indevidamente introduzida entre nós por tradutores do inglês. 2) Não tem ela, a bem da verdade, os sentidos que lhe querem conferir, e são errôneas as seguintes construções: "reunião a nível de desembargadores", "discussão a nível de Órgão Especial"; em tais casos, o correto é dizer: "reunião de desembargadores", "discussão da alçada do Órgão Especial". 3) O erro é tão comum, que, em 1998, foi realizado um congresso em uma capital da Amazônia com o seguinte título: "O Direito Ambiental e seu Reflexo a Nível Internacional"; a correção de tal título, sem dúvida, há de ser: "O Direito Ambiental e seu Reflexo no Âmbito Internacional", ou, simplesmente, "O Direito Ambiental e seu Reflexo Internacional". 4) Domingos Paschoal Cegalla a reputa "locução em voga, porém inútil".¹ 5) Geraldo Amaral Arruda, que lhe condena o emprego, entende que tal expressão deve ter sido criada "fora da língua portuguesa", realçando que ela "não tem a aprovação dos conhecedores da língua".² 6) O erro é tão corriqueiro que, facilmente encontrável nos textos jurídicos, pode ser exemplificado com excerto de brilhante processualista moderno, o qual, ao tratar da questão do acesso à Justiça, o juntou, em mesma frase, a outro não menos sério (em sede de), dizendo que a expressão considerada, mais do que um princípio, "é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial". 7) José de Nicola e Ernani Terra vêem nesse emprego "um modismo lingüístico, uma expressão desnecessária" e aconselham se evite seu emprego, observando, em acréscimo, que "existe, porém, a expressão ao nível, que significa à mesma altura". Ex.: "Santos está ao nível do mar".³ 8) Josué Machado, por um lado, é veemente, ao observar que "a nível de em português quer dizer rigorosamente lhufas". 9) E complementa tal autor com a observação de que "a idéia que essa expressão... tenta exprimir ou não existe ou exprime-se em português por em, no, na, na área, na esfera, no âmbito, entre etc.". 10) E exemplifica ele próprio que a nível caseiro se pode substituir simplesmente por em casa; a nível nacional, por na esfera, em âmbito nacional; a nível laboratorial, por no laboratório; programa a nível nacional, por programa nacional; a nível de ministério, por entre ministros, na esfera ministerial, no ministério.4 11) Por fim, de se atentar à síntese de Arnaldo Niskier sobre o assunto: "Essa expressão não existe na língua portuguesa; o que existe (significando à mesma altura) é ao nível de, como em ao nível do mar. Sempre será possível, com um pouco de esforço, substituir (ou até eliminar simplesmente) o modismo a nível de; afinal, reunião a nível de diretoria é apenas uma forma incorreta de dizer reunião de diretoria". 12) Analisando um outro exemplo, explicita tal autor que contatos a nível de governo melhor ficaria como contatos entre os governos.5 13) Napoleão Mendes de Almeida também observa a existência da expressão ao nível de para significar à mesma altura. E exemplifica: "...ultrajes que extinguem no indivíduo o sentimento de honra e o rolam ao nível dos cães".6 ___________1 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 26. 2 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 87-88.3 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 12.4 Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 27.5 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 10.6 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 204.