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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Gerúndio abusivo

1) Atente-se à lição de Júlio Nogueira no sentido de emprego inadequado do gerúndio em diversas situações: "É comum nos jornais: 'Aluga-se uma casa tendo tantos quartos, tendo gás, luz etc.' Na linguagem vulgar: 'Fulano é homem viajado falando muitas línguas etc.'. A verdade, porém, é que alguns dicionários portugueses incidem nesse hábito: 'Dicionário da língua portuguesa, contendo...' Ultimamente se tem procurado restaurar o particípio presente na expressão água fervente, em vez de água fervendo."12) Veja-se também a lição de José Oiticica nas seguintes frases: a) "Entregou-me um copo contendo vinho branco";b) "Comprei uma casa tendo quatro quartos". 3) Tal autor, que as registra em sua obra, aponta tais casos como sendo hipóteses de galicismos de sintaxe dos mais comuns.4) Para ele, não é difícil a correção desses exemplos: a) "Entregou-me um copo com vinho branco";b) "Comprei uma casa com quatro quartos". 5) Complementa tal autor, em mesma obra e local, que "só é legítimo, nesse caso, o gerúndio, quando equivale a uma expressão progressiva". Ex.: "Vi um boi passando a ponte", exemplo esse que equivale a "Vi um boi que estava passando a ponte" ou "Vi um boi que estava a passar a ponte".26) Reafirmando o princípio de que, "quando o gerúndio não indica uma continuidade de ação, seu uso é condenável, pois constitui galicismo", Edmundo Dantès Nascimento estabelece valiosa regra de cunho prático no sentido de que, quando indicar continuidade de ação, pode tal gerúndio ser substituído pelo infinitivo regido da preposição a. Exs.: a) "Vi o carro passando a curva do estádio" (correto, pois se pode dizer: "Vi o carro a passar a curva do estádio");b) "Estava o usuário contando o dinheiro" (correto, pois se pode dizer: "Estava o usuário a contar o dinheiro");c) "Livro contendo estórias" (errado, pois não pode ser substituído por "Livro a conter estórias").3 7) Registre-se, por fim, a observação de Artur de Almeida Torres, para quem, embora os puristas condenem por galicismo o emprego de gerúndio com valor de oração adjetiva, "tal prática é defendida por ilustres filólogos e gramáticos", dentre os quais Eduardo Carlos Pereira, Said Ali, Afonso Costa, Rodrigues Lapa e Sílvio Elia.48) Acrescente-se que Geraldo Amaral Arruda, citando lição de Matoso Câmara Júnior, observa que defeito de redação muito freqüente no foro é "o encadeamento de gerúndios, quando um se subordina ao outro", tal como se vê no seguinte exemplo: "O pesado caminhão, após parar no cruzamento, pôs-se em marcha, desenvolvendo baixa velocidade, levando a vítima a tentar a ultrapassagem, acelerando sua motocicleta, a fim de passar pela frente do caminhão, esperando que ele parasse".9) O mau uso do gerúndio em encadeamentos dessa espécie se desfaz exatamente com a alteração da estrutura e, se for o caso, com o emprego do verbo em outro tempo. Ex.: "O pesado caminhão, após parar no cruzamento, pôs-se em marcha, em baixa velocidade, o que levou a vítima a tentar a ultrapassagem, acelerando sua motocicleta, na expectativa de que ele parasse".5_____1 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 69. 2 Cf. OITICICA, José. Manual de Estilo. 7. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1954. p. 22. 3 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 144. 4 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 202. 5 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral.Como Aperfeiçoar Frases. São Paulo: edição interna do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 1987. p. 22-23.
quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Uniformidade de tratamento

1) É de regra que, na fala e na escrita, o pronome escolhido para tratamento das pessoas espraie seus efeitos para todos os elementos envolvidos.2) Assim, se se trata o interlocutor por vós, além de concordarem os verbos nessa pessoa, só se podem usar os pronomes oblíquos e os pronomes possessivos que a ela correspondem (vos, convosco, vosso, vossa, vossos, vossas); se, por outro lado, a pessoa for tratada por tu, os pronomes oblíquos haverão de ser teu, tua, teus, tuas (jamais seu, sua, seus, suas, não podendo, assim, haver mistura de pronomes). Exs.: a) "Se você quer, vou até teu gabinete" (errado);b) "Se você quer, vou até seu gabinete" (correto);c) "Se tu queres, vou até seu gabinete" (errado);d) "Se tu queres, vou até teu gabinete" (correto);e) "Vou te contar uma coisa para você..." (errado). 3) Nesse exato sentido se dá a lição de Vasco Botelho de Amaral: "Misturar pronomes ou formas verbais na segunda pessoa do plural com pronomes ou formas verbais da terceira constitui um erro crasso".14) Em outra obra, o referido autor é ainda mais didático acerca do problema analisado: "Certa carta de um conhecido ministro estrangeiro publicada nos jornais portugueses, entre outros deslizes de tradução apresentava este: 'Foi com grande pesar que recebi a vossa decisão de não aceitar o cargo que lhe ofereci na remodelação do Ministério...' Onde se pôs vossa, devia estar evidentemente - sua. O inglês your não corresponde só a vosso, vossa, vossos, vossas; deve traduzir-se, não só às vezes por teu, tua, teus, tuas, mas, como ali na carta, por seu, sua, seus suas, de V., de V. Exa., etc".25) Não menos clara é a lição de Júlio Nogueira: "Não há, pois, redigir frases em que, sendo tu a forma de tratamento, se usem em relação à mesma os possessivos seu, sua e as variações o, a, lhe".36) No exemplo trazido pelo leitor, vê-se que o sujeito de achariam  é vocês (o qual, embora da segunda pessoa do discurso - aquela com quem se fala - leva o verbo para a terceira pessoa); apesar disso, traz-se, mais ao final, o pronome vossas, que só poderia referir-se a um vós (inexistente no caso). Há, portanto, no período, um erro de concordância, já que não se guarda a uniformidade do tratamento.7) Tecnicamente, a correção do exemplo pode dar-se de dois modos: a) "Não creio que acharíeis o fato hilário se fosse com vossas mães" (os interlocutores estariam sendo tratados por vós);b) "Não creio que achariam o fato hilário se fosse com suas mães" (os interlocutores estariam sendo tratados por vocês). 8) Em termos práticos, como não é comum que, no linguajar diário, se tratem interlocutores por vós, a opção normal de uso deve ficar para o segundo modo de expressão.___________1 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Problemas da Linguagem e do Estilo. Porto: Livraria Simões Lopes, 1948. p. 287. 2 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. A Bem da Língua Portuguesa. Lisboa: Edição da Revista de Portugal. 1943. p. 177. 3 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 75.
quarta-feira, 27 de outubro de 2004

Pronome de tratamento

1) Também chamado pronome de reverência, é a maneira formal para se dirigir com reverência a determinadas pessoas; são aqueles pronomes "usados no trato cortês e cerimonioso".1 Ex.: "Sua excelência, o presidente do Tribunal de Justiça, honrou-nos com sua visita."2) É importante saber alguns cargos e respectivos pronomes de tratamento: arcebispo (Vossa Excelência); bispo (Vossa Excelência); cardeal (Vossa Eminência); comandante geral da Polícia Militar (Vossa Excelência); cônsul (Vossa Senhoria); coronel (Vossa Senhoria); deputado (Vossa Excelência); desembargador (Vossa Excelência); embaixador (Vossa Excelência); general (Vossa Excelência); governador de estado (Vossa Excelência); juiz de direito (Vossa Excelência); marechal (Vossa Excelência); ministro de estado (Vossa Excelência); prefeito (Vossa Excelência); promotor de justiça (Vossa Excelência); reitor de universidade (Vossa Magnificência); secretário de estado (Vossa Excelência); senador (Vossa Excelência); tenente-coronel (Vossa Excelência); vereador (Vossa Excelência).3) Se se trata alguém por Vossa Excelência, o endereçamento da correspondência é excelentíssimo, ou, em abreviatura, Exmo.; se se trata por Vossa Senhoria, o endereçamento é ilustríssimo, ou, de forma abreviada, Ilmo.4) No uso dos pronomes de tratamento, quando se fala diretamente à pessoa tratada ("pessoa com quem se fala"), usa-se "vossa"; quando, porém, se faz referência à pessoa tratada, mas se conversa com outrem ("pessoa de quem se fala"), emprega-se "sua". Exs.: a) "Vossa Excelência, senhor Deputado, é muito corajoso" (quando se fala com a autoridade);b) "Sua Excelência, o Deputado Araújo, de quem lhe falei há pouco, é muito corajoso" (quando se fala da autoridade). 5) Em outras palavras: "se a pessoa, a quem se refere o tratamento, está ausente, isto é, se, em vez de ser o interlocutor (segunda pessoa), for o assunto (terceira pessoa) - a pessoa de quem se fala - então se empregará o (pronome) adjetivo Sua, e não Vossa".26) Quanto à concordância verbal, embora se trate de pronome da segunda pessoa (com quem se fala), o pronome de tratamento precedido de vossa leva o verbo e os demais pronomes para a terceira pessoa (na prática, substitui-se mentalmente por você). Exs.: a) "Vossa Excelência foi traído por seus próprios assessores" (correto);b) "Vossa Excelência fostes traído por vossos próprios assessores" (errado). 7) Anota Carlos Góis que esse idiotismo do português - de empregar a terceira pessoa pela segunda, com os pronomes de tratamento seguindo em mesma esteira - é também peculiar ao italiano.38) Quanto a sua concordância nominal, o pronome de tratamento harmoniza-se com o sexo da pessoa representada. Exs.: a) "Vossa Excelência, senhor juiz, é muito corajoso";b) "Vossa Excelência, senhora juíza, é muito corajosa". 9) Nessa esteira, porque o papa é sempre pessoa do masculino, sempre se dirá "Sua Santidade mostrou-se corajoso em seu pronunciamento", e nunca "Sus Santidade mostrou-se corajosa em seu pronunciamento".10) Valendo a ponderação também para a concordância nominal, Carlos Góis observa curiosamente que não se há de falar, no caso, em concordância verbal, mas em discordância do verbo, que é "a não conformidade literal da flexão do verbo ao número, ou à pessoa do seu sujeito", e isso porque, embora se refira à segunda pessoa (o interlocutor ou a pessoa com quem se fala), o verbo "acomoda-se à flexão da terceira pessoa".4 11) Podendo-se substituir mentalmente o pronome de tratamento por você, verifica-se que o vossa que a ele se acopla não define a pessoa em que se vai conjugar o verbo nem os pronomes que serão utilizados, e é importante manter a uniformidade de tratamento. Assim, repita-se, o correto é dizer-se "Vossa Excelência cumpriu seus compromissos".12) Constitui erro crasso falar: "Vossa Excelência cumpriu vossos compromissos" ou "Vossa Excelência cumpristes vossos compromissos".13) Em outra observação, oportuno é lembrar, com Napoleão Mendes de Almeida, que não tem base gramatical a afirmação de que se tenha que repetir enfadonhamente o pronome de tratamento, sem substituí-lo por pronome oblíquo, ou mesmo que, ao menos uma vez em cada parágrafo, tenha que haver menção a ele.5 Isso é invencionice, sem base científica alguma.14) Pode-se usar, assim, sem temor, o pronome oblíquo no lugar do pronome de tratamento, já empregado anteriormente, evitando-se desnecessárias repetições. Exs.: a) "Formulamos-lhe este pedido";b) "Vemos qualidades ímpares em sua pessoa;c) "Pedimos-lhe este supremo favor". 15) Nessa esteira, lembra Geraldo Amaral Arruda que "nos ofícios não é... de rigor que fórmulas protocolares ou de cortesia se repitam fastidiosamente. Nada obsta a que se use o pronome oblíquo (lhe ou o) ou os pronomes possessivos, quando couberem, evitando o uso iterativo das fórmulas. O emprego de pronome oblíquo ou possessivo, mesmo na linguagem protocolar, é correto... e, por si, tal procedimento não implica descortesia.616) Por fim, é de se anotar que escritores ilustres nem sempre escapam de algum escorregão no campo da concordância do pronome de tratamento. Narra-se, por exemplo, que, em carta datada de 18 de outubro de 1853, Antônio Feliciano de Castilho principiou pelo tratamento de vossa excelência: "Recebi em tempo próprio a carta com que V. Exa. me honrou". Ao longo do texto, porém, acabou ele por mudar o tratamento para a segunda pessoa do plural: "De todo o coração vos abraça o vosso respeitador, consócio e amigo obrigadíssimo".17) De igual modo, em fala dirigida a Dom Pedro II em 4 de maio de 1889, Rui Barbosa, a par do tratamento protocolar de Vossa Majestade, também cometeu idêntico equívoco, que se alastrou por outros de seus discursos: "Com profundo sentimento de piedade acompanhou esta Câmara o discurso, que o Ministério acaba de proferir pelos augustos lábios de Vossa Majestade; e, escutando-o com a reverência devida à vossa posição...".718) Para ambas as situações, como lembrava Horácio, poeta latino, não há usuário da língua que não cometa equívocos orais ou escritos, e de quando em vez, até ilustres escritores claudicam, dormem e ressonam: "quandoque bonus dormitat Homerus".19) Na tentativa de alguma explicação para erros dessa natureza, o que não os justifica nem os transmuda em formas aceitáveis perante a norma culta, observa Sousa e Silva que "outrora havia indecisão no emprego de tais formas, alternando no mesmo escrito Vossa Alteza, por exemplo, e vós; seu e vosso; etc.".8____________________________1 Cf. SACONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 62. 2 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943. p. 55. 3 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943. p. 91. 4 Ibid. p. 114-115. 5 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 319. 6 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 48. 7 Apud NUNES, José de Sá. Aprendei a Língua Nacional (Consultório Filológico). 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1938. vol. I, p. 253-255. 8 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 315.
quarta-feira, 20 de outubro de 2004

Obrigado você ou obrigado a você?

1) Sempre é bom rememorar que, para se entender o regime da palavra obrigado, é importante observar o que se quer com ela dizer: a pessoa a quem se presta um favor, ao agradecer, diz que se sente obrigada a retribuí-lo.2) Bem por isso, não importa a quem é manifestado o agradecimento; o que efetivamente interessa é a pessoa que o manifesta, pois é com ela que tal palavra concorda: assim, se é um homem que fala, diz ele muito obrigado; se mulher, muito obrigada; se vários são os homens, expressando-se, por exemplo, num discurso, por meio de orador, diz-se muito obrigados; se várias as mulheres, muito obrigadas.   3) Exatamente porque, em tais casos, obrigado é uma oração abreviada e significa "Eu estou obrigado pelo favor que me fez", é que, a um obrigado como esse, alguém pode replicar com outra forma abreviada e correta ("Obrigado eu"), com o exato sentido de "Eu é que me sinto obrigado". E daí surgem as variações: a) -"Obrigada eu" (se do feminino é quem fala); b) - "Obrigados nós" (se do masculino plural é quem fala); c) - "Obrigadas nós" (se do feminino plural é quem fala). 4) Querem alguns, todavia, que se deva dizer, em tal caso, "obrigado(a) você", o que estaria sintetizando de modo adequado a oração completa "obrigado(a) estou eu em relação a você". Tal, entretanto, não é a forma correta, pois, se esse é o sentido que se quer conferir ao texto, quem se sente obrigado continua sendo o "eu", enquanto "você" há de ser o destinatário do agradecimento. Por isso, indispensável há de ser o emprego da preposição. E, assim, se há de dizer corretamente: "Obrigado(a) a você".5) E mais:se se pretender falar "Obrigado você" (ausente a preposição), o único sentido possível será: Você se sente obrigado. E tal conotação está fora de qualquer consideração no presente caso, porque não é o que se quer dizer.
quarta-feira, 6 de outubro de 2004

Plural de nomes próprios

1) Os nomes próprios - quer marcas, quer prenomes, quer sobrenomes - seguem as mesmas regras dos nomes comuns, no que concerne a sua flexão para o plural: os Alvins, os Andrades, os Cadilacs, os Josés, Os Maias, os Ômegas, os Rafaéis, as Ritas, os Sandovais.1 Exs.: a) "As Madalenas, as Salomés, as Jacobes também se chamavam Marias" (Padre Antônio Vieira). 2) Vasco Botelho de Amaral traz, a esse respeito, lições de grande importância: a) "constitui norma peculiar ao idioma francês a singularização de apostos formados por apelidos";b) "ao invés, em nossa língua, a tradicional regra impõe o uso do plural em tal caso";c) "por cópia criticável do francês, surge hoje amiúde na escrita portuguesa o emprego de apelidos no singular com referência a mais do que uma pessoa";d) "convém atentar no erro, observando os bons modelos";e) pelos motivos alinhados, lança tal autor uma advertência a um jornal que escreveu "irmãos Monteverde", corrigindo a expressão para "irmãos Monteverdes". 3) E traz ele exemplos significativos de Camilo Castelo Branco: a) "Há aqui uns Queiroses e uns Magalhães que têm irmãs ajeitadas...";b) "...um rancho de senhoras de Freixo-de-Espada-à-Cinta, composto de sete famílias, a saber: as senhoras Travincas, as senhoras Belermas, as senhoras Ramires, as senhoras Crastos, as senhoras Gamboas, as senhoras Varejões e finalmente as senhoras Carrascos".2 4) Atente-se, nesse sentido, ao interessante excerto do Padre José F. Stringari: "Ora bem, se os Ruis, os Herculanos, os Castilhos, os Bernardes, os Vieiras e os Camões, que são a flor de nossa língua, não se correram de subscrever tal torneio de linguagem, por que havemos de rejeitá-lo nós outros?"35) Cândido Jucá Filho lembra que Mário Barreto pluralizava normalmente tais nomes: "As Raquéis e Esteres".46) Domingos Paschoal Cegalla esclarece que "a imprensa infringe freqüentemente essa norma", mas "é tradição, na língua portuguesa, pluralizar os nomes próprios de pessoa, ou os antropônimos, seguindo-se as mesmas regras para a flexão dos substantivos comuns". Exs.: a) "Não se fazem Alexandres na conquista de praças desarmadas" (Machado de Assis);b) "É impossível que os Monizes não fugissem de casa assim que principiou o fogo" (Camilo Castelo Branco);c) "Há centenas de obscuros Josés e Joões reverenciados em nomes de ruas" (Moacir Werneck de Castro).5 7) Lembrando que em francês os nomes próprios não têm plural, e "lá se diz efetivamente les Balzac, les d'Arlincout, les Rousseau", complementa Cândido de Figueiredo que, "em português, os nomes e apelidos pluralizam-se como os substantivos comuns: os Albuquerques, os Castros, as Soisas, as Sobrais, os Cabrais".68) Na lição de Alfredo Gomes, os nomes próprios vão para o plural, "quando indicam famílias diversas ou membros diferentes da mesma família ou não"; e ele próprio dá os exemplos: a) "os Fábios serviram bem a sua pátria";b) "Estes Albuquerques não têm entre si parentesco".7 9) Para Cândido de Oliveira, os nomes próprios podem perfeitamente "receber flexão de plural: os Albuquerques, os Antônios, os Eças, as Esteres, os Oliveiras, as Raquéis, os Sênecas".810) Para Vitório Bergo, os nomes próprios e as palavras substantivadas seguem geralmente as regras normais de flexão para o plural, segundo a sua terminação: os Castilhos, os Vieiras, os Juvenais, os Manuéis, os noves, os quereres, os ais".911) Após observar que os nomes próprios se pluralizam (os Luíses, os Rauis, os Nélsons), devendo-se proceder identicamente com respeito aos sobrenomes (os Sousas, os Salazares, os Cabrais, os Nobéis), acrescenta Luiz Antônio Sacconi que "pode, tal prática, ser desagradável ao ouvido, mas nela é que está a correção".12) E remata tal autor que, "se os sobrenomes forem estrangeiros, com terminação estranha à língua, acrescentar-se-á somente um s, pois eles não estão sujeitos às regras do idioma: os Bopps, os Renans, os Beethovens, os Lincolns, os Kants, os Disneys, os Kennedys, etc. O que não se admite é dar variação apenas ao artigo: os Lincoln, os Kennedy, etc."1013) Já para Domingos Paschoal Cegalla, quando se tratar de "nomes estrangeiros com terminação estranha à nossa língua, ou se deixam invariáveis, ou se lhes acrescenta um s final". Ex.: a) "Os Kennedy (ou os Kennedys) notabilizaram-se pela política";b) "Era o velho continente que principiava a expiar a velha política, desalmada, mercantil e cínica, dos Napoleões, Metternichs e Bismarcks..." (Rui Barbosa).11 14) Em outra passagem de sua obra, Luiz Antônio Sacconi observa que "nomes próprios de família não sofrem metafonia";12 vale dizer, a vogal tônica não sofre alteração de timbre em sua passagem para o plural: os Portos (ô), os Cardosos (ô), os Raposos (ô).15) Após lembrar - com supedâneo na abalizada lição de A. Darmesteter - que "os próprios franceses já dão regularmente plural aos nomes próprios de pessoas", observa Eduardo Carlos Pereira que "já são, portanto, um galicismo arcaico" as construções em que se pluraliza o artigo, mas se deixa no singular o nome próprio, como no seguinte exemplo de Montalverne, por ele próprio colhido: "Sempre na vanguarda dos combatentes o êmulo dos Antão e dos Pacômio".1316) Em um outro aspecto da questão, para Júlio Nogueira, se o nome é composto, apenas o último elemento varia (isso, se não houver preposição intermediária): os Almeida Prados, os Arruda Alvins, os Costa Pereiras, os Miguel-Ângelos (ou Miquelângelos), os Rui Barbosas (para indicar os mais inteligentes).1417) Nessa situação, o ensino de Luiz Antônio Sacconi já é o inverso: "os nomes e sobrenomes compostos só têm o primeiro elemento pluralizado: os Júlios César, as Marias Antonieta, os Luíses Antônio, as Anas Maria, os Machados de Carvalho, os Aquinos de Sousa, os Almeidas Prado, os Arrudas Sampaio, etc".1518) Em terceiro ensino para tal situação, Vasco Botelho de Amaral traz exemplo de Camilo Castelo Branco, preconizando se pluralizem ambos os elementos: "...os filhos e netos dos Fragas Botelhos, dos Vieiras Cabrais...".1619) Também no sentido desse último ensino é a lição de Silveira Bueno, para quem os nomes próprios, quer prenomes, quer nomes de família, "são nomes e como tais podem ter plural como outros quaisquer", razão pela qual - acrescentando tal autor que pensar o contrário "é engano manifesto e manifesto desconhecimento dos autores clássicos" - dá como plural de Gregório Magno os Gregórios Magnos.1720) Ainda num outro aspecto, se há preposição intermediária, só se pluraliza o que vem antes dela: os Leites da Costa, os Costas de Albuquerque, "os Pereiras da Silva" (Camilo Castelo Branco).1821) Nesse sentido é o exemplo de Ciro dos Anjos: "Os Ataídes de Azevedo são, na verdade, encantadores" (Ciro dos Anjos).22) Sousa e Silva sintetiza deste modo a lição sobre o assunto: a) os nomes próprios recebem normal flexão de número: os Antônios, os Ademires, os Rauis, as Raquéis, as Esteres, os Lucas, os Mateus;b) também se flexionam normalmente os nomes próprios estrangeiros, "a que se acrescenta apenas s": os Müllers, os Bréals (assim em Rui; não Mülleres nem Bréais), os Froebels (assim em Castilho; não Froebeis), os Lafers (assim em Oiticica; não Láferes);c) em casos como Lima de Azevedo, com presença de preposição intermediária, "só se flexiona o primeiro termo": os Limas de Azevedo;d) "se não houver partícula, flexionam-se os dois vocábulos: os Costas Limas";e) "Lima e Silva deve fazer os Lima e Silvas, para que não se entenda os Limas e os Silvas";f) digna de registro é a flexão de Jornal do Comércio em Camilo Castelo Branco: "nos Jornais do Comércio de 6 de dezembro de 1871 e 27 de janeiro de 1872".19 23) Acresça-se outro aspecto da ligação do já citado Luiz Antônio Sacconi no sentido de que, "quando os sobrenomes são compostos e aparecem ligados por e, flexionam-se ambos: os Coutos e Silvas, os Prados e Silvas, os Andradas e Silvas, etc."2024) Ante todos esses ensinamentos - já levando em consideração o vetusto princípio de que, na fundada divergência entre os gramáticos, há liberdade de emprego (in dubiis, libertas) - parece ser apropriado extrair as seguintes ilações em resumo: a) os nomes próprios, os prenomes ou sobrenomes e as marcas seguem as mesmas regras dos nomes comuns quanto à flexão para o plural, quando formados por uma só palavra (Teresas, Costas, Ômegas);b) se estrangeiros os nomes, com terminação estranha ao vernáculo, acrescenta-lhes um s (Lincolns, Kants, Kennedys);c) não há alteração de som no plural, inexistindo, assim, o que tecnicamente se denomina metafonia: os Portos (ô), os Cardosos (ô);d) quando o nome é composto por dois elementos, há exemplos abalizados de flexão apenas do primeiro elemento (Júlios César, Anas Maria), do segundo elemento (Almeida Prados, Rui Barbosas) ou de ambos (Vieiras Cabrais, Gregórios Magnos);e) se há preposição intermediária, só se pluraliza o que vem antes dela: os Leites da Costa, os Costas de Albuquerque;f) se os nomes aparecem ligados por e, flexiona-se apenas o último elemento (os Lima e Silvas) ou ambos (os Coutos e Silvas, os Prados e Silvas, os Andradas e Silvas). __________1 Cf. NOGUEIRA, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1930. p. 143. 2 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 43-44. 3 Cf. STRINGARI, Padre José F. Canbenbo de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 8. 4 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981. p. 92. 5 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 283. 6 Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. Falar e Escrever. 4. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1941. vol. II, p. 160. 7 Cf. GOMES, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 82. 8 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 141. 9 Cf. BERGO, Vitório, Consultor de Gramática e de Estilística. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valvende, 1943. p. 191. 10 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo, Editora Moderna, 1979. p. 34. 11 - Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 283. 12 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Op. Cit., p. 21, nota 172. 13 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 292. 14 Cf. NOGUEIRA, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1930. p. 143. 15 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 35. 16 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 44. 17 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2 vol, p. 343. 18 Cf. AMARAL. Op. Cit., p. 44, nota 178. 19 Cf. SILVA, ª M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 190. 20 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 35.
quarta-feira, 29 de setembro de 2004

Embargo/embargos

1) Em termos de técnica jurídica, o embargo traz em si a ideia de impedimento, obstáculo, estorvo, embaraço, medida de oposição a algum ato, como aquele que se faz extrajudicialmente, para que o construtor não continue na execução de determinada obra (CPC, art. 935). Confira-se, nesse sentido, o conceito que lhe é dado por De Plácido e Silva: "meio ou medida de oposição a ato ou ação de outrem, para que os impeça ou seja suspensa a sua execução".12) Já em embargos se vê com nitidez a idéia de um recurso judicial para oposição em diversas circunstâncias, como se dá em várias previsões da legislação processual civil em vigor.23) No aspecto gramatical, embargo é palavra do singular e, quando desempenha a função sintática de sujeito, pede o verbo em concordância no singular, não havendo problema algum nesse campo. Ex.: "O embargo extrajudicial foi feito na exata consonância com o disposto no art. 935 do Código de Processo Civil".4) Em seqüência, parta-se do princípio de que, em Português, há certos substantivos que se empregam só no plural (e a eles se juntam aqueles que têm sentido diferente no singular e no plural, como embargo/embargos3): anais, arredores, esponsais, núpcias, pêsames, víveres. Se essas palavras plurais exercem a função de sujeito, o verbo há de concordar com elas no plural. Exs.: a) "Os pêsames devem ser dados com parcimônia e sobriedade";b) "Os víveres não chegaram a tempo para a comemoração". 5) E embargos, na significação de recurso processual, é exatamente uma palavra plural, que, quando funciona como sujeito, exige o verbo no plural, como é de fácil comprovação no Código de Processo Civil. Exs.: a) "Cabem embargos infringentes..." (CPC, art. 530);b) "Os embargos serão restritos..." (CPC, art. 530);c) "Cabem embargos de declaração..." (CPC, art. 535);d) "Os embargos serão opostos..." (CPC, art. 536);e) "Os embargos de declaração interrompem o prazo..." (CPC, art. 538);f) "O devedor poderá opor-se à execução por meio de embargos, que serão autuados em apenso..." (CPC, art. 736);g) "Não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro o juízo" (CPC, art. 737);h) "Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar ..." (CPC, art. 741);i) "Na execução por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado..." (CPC, art. 747);j) "Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor..." (CPC, art. 1.046, § 1º);l) "Admitem-se ainda embargos de terceiro..." (CPC, art. 1.047);m) "Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo ..." (CPC, art. 1.048);n) "Os embargos serão distribuídos por dependência e correrão perante o mesmo juiz que ordenou a apreensão" (CPC, art. 1.049);o) "Quando os embargos versarem sobre todos os bens..." (CPC, art. 1.052);p) "Os embargos poderão ser contestados no prazo de dez (10) dias..." (CPC, art. 1.053);q) "No prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos..." (CPC, art. 1.102c);r) "Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário" (CPC, art. 1.102, § 2º). 6) Outros diplomas legais seguem normalmente essa regra de que embargos é palavra plural e, quando sujeito, leva o verbo a concordar no plural. Exs.: a) "Os embargos infringentes, instruídos, ou não, com documentos novos, serão deduzidos, no prazo de 10 (dez) dias..." (art. 34, § 2º, da Lei 6.830, de 22.9.80, que dispôs sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública);b) "Cabem embargos infringentes..." (RISTJ, art. 260);c) "Os embargos serão fundamentados e entregues no protocolo do Tribunal..." (RISTJ, art. 261);d) "Aos acórdãos proferidos pela Corte Especial, pelas Seções ou pelas Turmas, poderão ser opostos embargos de declaração..." (RISTJ, art. 263, "caput");e) "Se os embargos forem manifestamente incabíveis..." (RISTJ, art. 263, § 2º); e) "Os embargos de declaração suspendem o prazo..." (RISTJ, art. 265);f) "Das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência..." (RISTJ, art. 266);g) "Os embargos serão juntados aos autos independentemente de despacho e não terão efeito suspensivo" (RISTJ, art. 266, § 2º);h) "Cabem embargos de divergência à decisão de Turma..." (RISTF, art. 330);i) "Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma" (RISTF, art. 333); j) "Cabem embargos de declaração, quando houver no acórdão..." (RISTF, art. 337);l) "Os embargos declaratórios serão interpostos no prazo de cinco dias" (RISTF, art. 337, § 1º);m) "Se os embargos forem recebidos, a nova decisão se limitará a corrigir..." (RISTF, art.338);n) "Os embargos declaratórios suspendem o prazo para interposição de outro recurso..." (RISTF, art. 339). 7) Por fim, nunca é demais repetir que descabido é querer dizer "segue embargos", a pretexto de que estaria subentendida a idéia de uma petição de embargos. Também inviável raciocinar com a idéia de que em embargos, não importando sua espécie, está ínsita a idéia de recurso, de modo que se estaria, em última análise, dizendo: "segue (recurso de) embargos declaratórios". Em verdade, se se apresentarem essas novas orações, ainda que o sentido possa ser o mesmo, a realidade gramatical e sintática há de ser outra: petição ou recurso (palavras do singular) passam a ser os núcleos dos sujeitos e exigirão a concordância do verbo no singular.8) Confira-se, assim, a correção dos seguintes exemplos: a) "Seguem embargos";b) "Segue a petição de embargos";c) "Segue o recurso de embargos de declaração". 9) Parece oportuno, por último, anotar que o próprio consulente, bem no íntimo, tem a idéia correta da adequada concordância a ser feita no caso, pois, na consulta que fez, expressou-se com integral correção e propriedade: "embargos de declaração ou embargos declaratórios não passam de uma (singular) espécie de recurso..." Se entendesse pela efetiva concordância no singular, certamente haveria de dizer (no que estaria errado) do seguinte modo: "embargos de declaração ou embargos declaratórios não passa de uma (singular) espécie de recurso..."__________1 Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, vol. II. 1. ed. Rio de Janeiro. Forense, 1989, p. 143. 2 Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, vol. 2. 1. ed. São Paulo, Saraiva, 1998, p. 291. 3 Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte, Bernardo Álvares, 1970, p. 89.
quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Concordância verbal

1) É a harmonização do verbo com o seu sujeito, o que se dá em número (singular ou plural) e pessoa (primeira, segunda ou terceira).2) Algumas observações gerais podem ser de grande utilidade.3) Nesses casos, o verbo (denominado palavra regida ou subordinada) acomoda-se à flexão do sujeito (denominado palavra regente ou subordinante).14) Assim, se o sujeito é simples, a concordância se faz em número e pessoa com o núcleo do sujeito. Exs.: a) "Eu encontrei o livro";b) "Os rebeldes saíram às ruas";c) "A pintura dos três prédios exigiu dois meses";d) "Aconteceram, por aqui, casos interessantes";e) "Os consertos do edifício demoraram mais do que o previsto". 5) Se o sujeito é composto e anteposto ao verbo, concorda este com a soma daquele. Ex.: "A citação e a penhora foram anuladas".6) Se o sujeito é composto e posposto, o verbo pode concordar no plural ou com o núcleo mais próximo. Exs.: a) "Foram anuladas a citação e a penhora" (correto);b) "Foi anulada a citação e a penhora" (correto);c) "Foi anulado o edital e a citação" (correto). 7) Para esse último caso, vale observar com João Ribeiro que, "embora concorram muitos sujeitos, sempre foi primor e liberdade de estilo deixar o verbo no singular desde que este os precede na frase".28) Diversos casos peculiares, porém, exigem cuidados especiais.9) Muitas vezes, sobretudo porque o sujeito vem posposto ao verbo, ou dele distante, ou mesmo porque se acoplam adjuntos no plural a um núcleo de sujeito no singular, esquecem-se equivocadamente alguns de proceder à regular concordância, como se dá até mesmo com textos de lei.10) Assim, por exemplo: "Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o artigo 47 desta lei assegura ao portador" (art. 59 do Decreto-Lei 7.357, de 2/9/85, que dispôs sobre o cheque e deu outras providências). Corrija-se o texto para: Prescreve... a ação (porque, na ordem direta, a ação prescreve).11) Em mesma esteira: "A existência de ônus fiscais ou reais, salvo os impeditivos de alienação, não impedem o registro, que será feito com as devidas ressalvas..." (art. 32, § 5°, da Lei 4.591, de 16/12/64, que regulou o condomínio e as incorporações imobiliárias). Proceda-se à seguinte correção: "A existência... não impede o registro..."12) Em mesmo erro incide este outro dispositivo: "O valor nominal da letra imobiliária, para efeitos de liquidação do seu principal e cálculo dos juros devidos, será o do valor reajustado da Unidade-Padrão de Capital no momento do vencimento ou pagamento do principal ou juros, no caso do título simples, ou esse multiplicado pelo número de Unidades-Padrão de Capital a que correspondem a letra, no caso de título múltiplo" (art. 52, § 4°, da Lei 4.380, de 21/8/64, que regulamentou os contratos imobiliários). A mera colocação do exemplo em ordem direta determina automática correção: "... a que a letra corresponde..."13) E ainda: "Ao mutuário, cujo aumento salarial for inferior à variação dos percentuais referidos no 'caput' e § 1° do artigo anterior, fica assegurado o reajuste das prestações mensais em percentual idêntico ao do respectivo aumento salarial, desde que efetuem a devida comprovação perante o agente financeiro" (art. 2° da Lei 8.100, de 5/12/90, que dispõe sobre reajuste de prestações em contratos de financiamento de imóveis). Uma simples pergunta para se localizar o sujeito de efetuem revelará que ele (o mutuário) desempenha tal função sintática; assim, efetue, e não efetuem.14) Veja-se este outro dispositivo: "Dentro do prazo marcado pelo juiz, os credores comerciais e civis do falido e, em se tratando de sociedade, os particulares dos sócios solidariamente responsáveis, são obrigados a apresentar, em cartório, declarações por escrito, em duas vias, com a firma reconhecida na primeira, que mencionem as suas residências ou as dos seus representantes ou procuradores no lugar da falência, a importância exata do crédito, a sua origem, a classificação que, por direito, lhes cabe, as garantias que lhes tiverem sido dadas, e as respectivas datas, e que especifique, minuciosamente, os bens e títulos do falido em seu poder..." (art. 82, caput, do Decreto-Lei 7.661, de 21/6/45, que instituiu a Lei de Falências). Uma simples procura por seu sujeito (declarações) determinará automática concordância do verbo: especifiquem.15) Ante as ponderações feitas nestes comentários, se a dúvida reside em saber qual dos dois exemplos está correto - "Segue embargos..." ou "Seguem embargos..." -, tenha-se a certeza: seguem, porque "embargos" (uma palavra que exige verbo no plural) é o sujeito.16) E não cabe objetar com o argumento de que o sentido seria "Segue petição de embargos..." Se se apresentar essa nova oração, ainda que se tenha o mesmo sentido, a realidade gramatical e sintática há de ser outra: "petição" (palavra do singular) há de ser o núcleo do sujeito e exigirá a concordância do verbo no singular.17) Veja-se, assim, a forma correta dos seguintes exemplos: a) "Segem embargos";b) "Segue petição de embargos". ___________1 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943. p. 25. 2Cf. RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 149.
quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Futuro do pretérito

1) É bastante comum que alguém indague qual a forma correta: a) "Eu quero solicitar a atenção dos presentes";b) "Eu gostaria de solicitar a atenção dos presentes". 2) Fixe-se, desde logo, que, no primeiro exemplo, o verbo está no presente do indicativo, e, na mente do usuário, não parece haver dúvida acerca de seu uso. A questão que com freqüência se põe, em verdade, busca saber se é correto ou não o emprego do verbo no segundo exemplo.3) Ora, por largo período, entre nós, esse tempo verbal chamou-se condicional (e ainda se chama, na linguagem do ensino de muitos países). Em 1958, porém, ante um emaranhado de terminologias que grassava nas escolas, uma comissão de estudiosos (dentre eles Antenor Nascentes, Cândido Jucá [filho], Celso Cunha e Rocha Lima) propôs a unificação das terminologias no ensino da Gramática. Em 28 de janeiro de 1959, o Ministério da Educação e Cultura editou a Portaria nº 36, que recomendou a adoção das conclusões de tais estudiosos, dentre elas a sugestão de substituir o nome condicional por futuro do pretérito. Anote-se que Portugal não participou dessa mudança.4) Sem intenção alguma de perscrutar o intento da alteração, ou mesmo de justificar a posição dos estudiosos, uma das hipóteses de sua ocorrência pode ter sido o fato de que a condição, nesse caso, não reside no tempo verbal sob análise, mas na estrutura sintática da outra oração como um todo, como é fácil verificar no seguinte exemplo: "Eu compraria uma casa, se tivesse dinheiro".5) Quanto à adequação de seu uso, diga-se, por primeiro, que CELSO CUNHA defende o emprego do futuro do pretérito "como forma polida de presente, em geral denotadora de desejo". Ex.: "Desejaríamos ouvi-lo sobre o crime" (Carlos Drummond de Andrade).1 6) Não é diverso o ensino de GLADSTONE CHAVES DE MELLO: "Empregam-se também as formas do futuro do pretérito, quando se quer atenuar a expressão, por polidez ou timidez; portanto, eufemismo". Exs.: a) "Eu pediria que os senhores tivessem um pouco de paciência, e aguardassem até amanhã"; b) "Eu sugeriria que daqui fôssemos à casa do Governador expor-lhe pessoalmente o problema e nossas razões".27) Só pela lição desses gramáticos, pode-se assim resumir: em casos como o desta indagação, tanto é gramaticalmente correto empregar o presente do indicativo como o futuro do pretérito. Não há entre eles, todavia, uma real equivalência de conteúdo semântico: enquanto o futuro do pretérito traduz uma forma polida e atenuada de expressão, portadora de um desejo não tão claro e determinado, já o presente do indicativo denota uma postura mais firme e decisiva, uma manifestação de real intento, que busca efetiva concretização no campo dos fatos.8) Anote-se, por fim, que muitas pessoas acabam empregando o futuro do pretérito, no intento de conseguir forma polida, mesmo quando querem manifestar um real desejo, uma busca de resposta concreta. Para tal hipótese, todavia, se o intuito é que os ouvintes prestem efetiva atenção ao que está sendo falado, então que se diga "Eu quero solicitar a atenção dos presentes", e não "Eu gostaria de solicitar a atenção dos presentes". A busca de pretensa polidez, no caso, faz a comunicação perder força, sem benefício algum correspondente.__________1 Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970, p. 222.2 Cf. MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970, p. 287.
quarta-feira, 8 de setembro de 2004

Desde

1) Trata-se de preposição que indica tempo ou espaço com noção de continuidade desde seu ponto de partida. Ex.: a) "Desde a última segunda-feira, estão abertas as inscrições para o concurso da Magistratura";b) "Desde Miguelópolis até aqui, viajamos de ônibus". 2) Na lição de Júlio Ribeiro, tal preposição indica "precisamente o ponto de partida, quer local, quer temporal", do que o referido gramático dá exemplos: a) "Desde Sevilha...";b) "Desde ontem à noite até hoje pelas cinco horas"1. 3) Muito embora, entretanto, possa haver em tal vocábulo a acepção de local, de ponto de partida, anotam Hêndricas Nadólskis e Marleine Paula Marcondes Ferreira de Toledo que não se deve empregar tal preposição para indicar somente o local de origem, sem idéia de continuidade no espaço, erro esse muito freqüente, bastando que se atente aos meios de comunicação. Exs.: a) "O julgamento foi transmitido desde Brasília por aquela emissora de televisão".2 Corrija-se para: "O julgamento foi transmitido de Brasília por aquela emissora de televisão". 4) Para resumir: a preposição desde tem o conteúdo semântico de "tempo ou espaço com noção de continuidade desde seu ponto de partida", mas não deve ser empregada "para indicar somente o local de origem, sem idéia de continuidade no espaço".5) Confira-se, assim, a correção ou a erronia de seu emprego nos seguintes exemplos: a) - "O sinal de transmissão demora poucos segundos para vir desde Atenas até o Brasil" (correto, porque, no caso, seu uso se dá com noção de continuidade desde seu ponto de partida);b) - "O jogo foi transmitido desde Atenas, com exclusividade, por aquela emissora de televisão" (errado, porque, no caso, seu uso se dá sem idéia de continuidade no espaço). __________1 Cf. RIBEIRO, Júlio. Gramática Portuguesa. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1908. p. 309.2 Cf. NADÓLSKIS, Hêndricas; TOLEDO, Marleine Paula Marcondes Ferreira de. Comunicação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Edição dos Autores, 1998. p. 111.
quarta-feira, 1 de setembro de 2004

Recorde

1) Quanto à origem histórica do vocábulo, assim é a explicação de Silveira Bueno: "Dava-se tal nome ao disco, nos jogos atléticos, que se colocava no fim da meta, no estádio: aquele que primeiro o atingisse, o retinha como troféu, como lembrança, como recordação do feito praticado".12) Basicamente significa superação de marcas anteriores. Ex.: "Diversos recordes foram batidos naquele torneio internacional".3) Apesar de generalizada a pronúncia proparoxítona (récorde), lembra Napoleão Mendes de Almeida ser mais apropriada a pronúncia paroxítona,2 rimando com acorde, concorde e discorde.4) Desse entendimento é também Luiz Antônio Sacconi.35) Assim também registra o Dicionário da Melhoramentos.46) Silveira Bueno, de igual modo, é taxativo no sentido de que se deve pronunciar a palavra como paroxítona e não proparoxítona.57) Palavra de origem inglesa que é, fogem às regras de grafia e pronúncia quaisquer outras formas de passagem para nosso léxico: récorde, récor, record, recor.8) Trata-se, ademais, de palavra já perfeitamente integrada a nosso léxico, sendo, assim, inaplicável a lição de Aires da Mata Machado Filho, no sentido do uso de grifo para indicar-lhe a procedência estrangeira.69) A pronúncia paroxítona - e não proparoxítona - desse vocábulo é também realçada por Arnaldo Niskier, autor esse que, em outra passagem, assevera que "se pronuncia recórdes e não récordes; nós não falamos inglês".710) Assim é a síntese de José de Nicola e Ernani Terra: "O substantivo que indica que uma marca máxima foi atingida apresenta uma forma aportuguesada, já de uso consagrado: re-cor-de (paroxítona). Evite, portanto, a pronúncia proparoxítona (récorde) e a grafia inglesa record".811) Eliminando toda possível dúvida sobre sua forma e pronúncia em português, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial ordenador do modo de grafar as palavras em nosso idioma, registra unicamente recorde (com e final e sem acento gráfico), a significar que a considera palavra já integrada a nosso idioma, devendo ser pronunciada rimando com acorde, concorde e discorde.912) Em pertinente observação, anota Domingos Paschoal Cegalla que recorde pode ser usada como substantivo ou como adjetivo: a) "O Guinness é o livro dos recordes" (substantivo);b) "Fez o percurso em tempo recorde" (adjetivo).10 A pronúncia continua a mesma. ____________1 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2. vol., p. 413. 2 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltds., 1981. p. 264. 3 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 19. 4 Cf. Encyclopaedia Britannica do Brasil. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 14. ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1995. p. 1.472. 5 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 201. 6 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Principais Dificuldades", In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 173. 7 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões práticas da Língua Portuguesa: 700 respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento ltda., 1992. p. 3 e 66. 8 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 193. 9 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 640. 10 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 350.
quarta-feira, 25 de agosto de 2004

Cite-se-o

1) Quando se diz "Cite-se o réu", percebe-se que, à semelhança de "Aluga-se uma casa", o que se tem é uma frase reversível, que pode ser dita de outro modo: "O réu seja citado"; ou: "Que o réu seja citado".2) E, do mesmo modo como se dá na frase com que é comparada, podem-se extrair aqui as seguintes conclusões: a) o exemplo está na voz passiva sintética;b) o se é partícula apassivadora;c) o sujeito é o réu. 3) Transposta a lição para o exemplo considerado, conclui-se que o pronome final o, que há na frase "Cite-se-o", há de ser sujeito, sendo de forçosa ilação que só pode ser ele do caso reto (ele), jamais do caso oblíquo (o ou lhe).4) A forma correta, assim, é "Cite-se ele", jamais "Cite-se-o".5) Ante essas considerações, conclui-se, de igual modo, serem plenamente equivocadas outras expressões de uso corrente, tais como não se o diz, para se o conhecer, não se a vê, ouve-se-o com prazer, cortou-se-as.6) Na lição de Eduardo Carlos Pereira, "o uso geral dos bons escritores antigos e modernos não autoriza a combinação destas formas (o, a, os, as) com o reflexivo se".17) Lembra a respeito Evanildo Bechara que "a língua padrão rejeita a combinação se o, apesar de uns poucos exemplos na pena de literatos".28) Recordando lição de Otoniel Mota, observa Pedro A. Pinto que à língua repugnam as formas se o e se a, porque não é possível, logicamente, "encaixar um acusativo ao lado de outro, que é o reflexo se".39) Embora simples, também é firme a lição de Antenor Nascentes a respeito: "É incorreta a combinação de se com os pronomes o, a, os, as".410) Não menos incisivo é o ensinamento de Júlio Nogueira: "Não se pospõem as variações o, a, os, as, ao pronome se. São solecismos grosseiros frases como: 'Deve-se admirar aquele homem pelo cérebro; não se o deve admirar como político' ... A correção é simples: basta suprimir as formas o, a, os, as, com o que nada perde a clareza da frase: 'Deve-se admirar aquele homem pelo cérebro; não se deve admirar como político'... Pode-se igualmente adotar a forma determinada, pessoal: 'Devemos admirar aquele homem pelo cérebro; não o devemos admirar como político'".511) Domingos Paschoal Cegalla arrola diversos exemplos dessas seqüências pronominais condenadas (se o, se a, se os, se as). Exs.: a) "O quadro ficou exposto muito tempo, mas não se o vendeu";b) "A vida fica mais leve, quando se a encara com fé e amor";c) "Se esses livros são medíocres, por que se os compram?". 12) E ele próprio dá a solução para corrigi-las: "Para que essas frases fiquem corretas, basta eliminar os pronomes oblíquos o, a, os, as, e construir 'mas não se vendeu' ou 'mas não foi vendido'..."613) Leciona Artur de Almeida Torres que "o pronome se nunca se combina na mesma frase com o pronome o, a, os, as. É erro dizer-se: 'Ele apareceu quando menos se o esperava'. Corrija-se: 'Ele apareceu quando menos se esperava' ou 'Ele apareceu quando menos o esperávamos'".714) Para Edmundo Dantès Nascimento, a junção de se + o é erro "mais comum do que se pensa".15) E, insistindo na impossibilidade desse emprego, observa ele que "em tal caso ou o se seria sujeito, ou os pronomes o, a, os, as, o seriam, o que é um absurdo diante do espírito da língua".16) Asseverando configurar "impossibilidade à luz do Português", manda ele que se corrija, "colocando em lugar dos pronomes o, a, os, as, uma palavra que possa ser sujeito".817) Sousa e Silva, após reiterar a erronia de combinações dessa natureza, assevera que "há muitas maneiras vernáculas de redigir semelhantes frases", especificando algumas delas: a) empregar o verbo na voz ativa, na terceira pessoa do plural, e sem sujeito explícito: "não o fizeram" em vez de "não se o fez";b) usar o verbo na voz ativa, na primeira pessoa do plural (se o permitir o sentido): "não devemos fazê-lo" em lugar de "não se o deve fazer";c) passar o verbo para a voz passiva analítica com o auxiliar ser, vindo claro o sujeito: "ele não foi feito" por "não se o fez";d) flexionar o verbo na voz passiva com o auxiliar ser, ficando o sujeito oculto: não foi feito;e) juntar ao verbo a partícula apassivadora e o pronome pessoal reto (se daí não resultar ambigüidade): não se fez ele;f) utilizar o verbo com partícula apassivante e sem sujeito explícito (se a frase não se tornar obscura ou anfibológica): "Esperávamos a nova lei, mas não se decretou".9 18) Ronaldo Caldeira Xavier insere a expressão "não se o viu" no rol dos galicismos sintáticos e aconselha sua substituição por "não foi visto"1019) Eduardo Carlos Pereira insere construções em que se une o se e o o, como na frase considerada, no rol dos galicismos fraseológicos ou sintáticos, daqueles que "são verdadeiras deturpações da língua, contra os quais devemos estar premunidos".1120) Também Mário Barreto assevera que tal construção, por mais que se pretenda justificar, "é um grosseiro atentado contra a índole da língua", uma incorreção que não acha amparo nos gramáticos.1221) Em complementação feita em outra obra, lembra o mesmo autor que há determinadas frases francesas construídas com "on" que podem, em princípio, conduzir o usuário a uma tradução errada, por meio da junção que ora se repele: On la porte sur son lit, on le reconduisit chez lui, on l'appela pour diner, on la traitait avec bonté, on ne le trouva pas, on ne les voit pas comme ils sont. Nem por isso, todavia, o conhecido filólogo incide nas construções vitandas (leva-se-a para a cama, levou-se-o para casa...), já que manda traduzir assim tais frases: levam-na para a cama, levaram-no para casa, chamaram-na para jantar, tratavam-na com bondade, não o encontraram, não se vêem como eles são.1322) E, quanto à construção cite-se ele - uma das correções viáveis da construção condenada - vale lembrar a lição de Vitório Bergo: "A muitos afigura-se errônea esta construção, em que o pronome reto ele parece estar em função de objeto direto. Tal não se dá, entretanto, pois ele é sujeito paciente, apenas colocado em ordem inversa".14 Equivale tal frase a "(que) ele seja citado".23) De modo bem específico para o que normalmente ocorre na linguagem jurídica e forense, partindo da frase sacramental "Recomende-se-o na prisão", encontradiça em sentenças criminais, Geraldo Amaral Arruda observa que "essa construção não suporta análise sintática", alinhando, para refutá-la, os seguintes argumentos: a) podem-se dizer duas frases completas nesses casos: "Recomende-se o réu na prisão" ou "Seja o réu recomendado na prisão";b) "nesses casos aparecem o sujeito (o réu) e o predicado formado com o verbo na passiva pronominal, ou na passiva analítica, formada pelo verbo de ligação e o predicativo, acrescido do adjunto adverbial";c) "se se pretender substituir o sujeito réu por um pronome, só poderá sê-lo por um pronome do caso reto", até porque "a função de sujeito da oração somente pode ser exercida por um substantivo (no caso, réu), ou por um pronome reto (no caso, ele), ou por algum pronome demonstrativo";d) por isso, por uma de duas maneiras há de ser corretamente escrito o exemplo no caso concreto: "Recomende-se ele na prisão" ou "Seja ele recomendado na prisão"15 24) Da mesma forma, não é correta qualquer frase em que haja combinações semelhantes: "Intime-se-a", "Notifiquem-se-os", "Processem-se-as".25) Se pode parecer estranho dizer "Citem-se eles", por se afigurar foneticamente repugnante a combinação, continua sendo inegável que, no campo sintático, o verbo está na voz passiva, e o sujeito tem que ser do caso reto; além disso, nada impede a utilização da forma analítica: "Sejam eles citados".26) Por argumento de autoridade, acresça-se o lembrete de Aires da Mata Machado Filho de que a questão ficou cabalmente elucidada no sentido exposto após memorável polêmica entre Mário Barreto e Melo Carvalho.1627) E alhures aquele gramático - após reiterar que "erro grave é a combinação binária do pronome se aos oblíquos o, a, os, as (em função de acusativo), em frases de voz reflexo-passiva" - transcreve precisa lição do primeiro polemista: "sendo o pronome oblíquo o, a, os, as objeto direto dos verbos transitivos diretos supra; sendo passiva a voz verbal (se viu igual a foi vista; se esperava igual a era esperado, etc.), tais construções levariam à absurdeza de revestir o sujeito da oração o caso oblíquo (acusativo) o, a, os, as, perdendo a retilidade (sua principal característica) inerente ao nominativo".1728) Vale observar que os clássicos evitam tal construção errônea de dois modos: I) Ou omitem simplesmente o pronome o, a, os, as. Ex.: "Ou não se busca o confessor, ou, se se busca..." (Padre Manuel Bernardes).II) Não omitem o pronome, mas o levam, e corretamente, ao caso reto (ele, ela, eles, elas). Ex.: "Um crime, só um crime, pode unir-nos... E por que não se cometerá ele?" (Alexandre Herculano). 29) Sintetize-se tal processo de correção com o ensinamento de Gladstone Chaves de Melo: "Nos casos em que supostamente tivesse cabida a junção, ou se cala o pronome acusativo, ou emprega-se o pronome reto, construção essa mais rara, porém certa, porque se terá entendido a frase como passiva e, então, o ele ou ela serão sujeito da oração"18 Exs.: a) "Venha esse pão e ponha-se na balança" (Padre Manuel Bernardes);b) "Um crime, só um crime... e por que não se cometerá ele?" (Alexandre Herculano). 30) Adicione-se o resumo de Eduardo Carlos Pereira de que se e o "não se encontram jamais na mesma frase", motivo por que "é incorreto dizer-se: Eles se o arrogam".19 31) E ultime-se com Silveira Bueno, cuja contundência, a esse respeito, é perceptível a uma perfunctória análise: "A combinação do reflexivo se com as formas oblíquas o, a, os, as, é assunto completamente liquidado por Mário Barreto em duas das suas ótimas obras: Novos Estudos e De Gramática e de Linguagem. No primeiro livro aqui citado, provou exaustivamente que frases como esta - Onde se o encontra - são absolutamente contrárias ao cunho, à sintaxe portuguesa. Houve um tal snr. Melo Carvalho que saiu a campo, a fim de defender a vernaculidade, a correção de tal uso, citando em seu abono Rui Barbosa. Foi muito infeliz porque teve pela frente não só Mário Barreto, na segunda obra citada, não só o dr. Pedro Pinto, mas o próprio Rui Barbosa que, em carta dirigida a Mário Barreto, deserta da companhia de Melo Carvalho. Depois de tudo isto, quem vier ainda com a pretensão de defender tal erro, que dê com a cabeça na pedra para ver se a endireita".20__________1 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 317. 2 Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora nacional, 1974. p. 257. 3 Cf. PINTO, Pedro A. Termos e Locuções: Miudezas de Linguagem Luso-Brasileira. Rio de Janeiro: Tipografia Revista dos Tribunais, 1924. p. 56. 4 Cf. NASCENTES, Antenor. O Idioma Nacional. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. vol. II, p. 90. 5 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livrarias Freitas Bastos, 1959. p. 85. 6 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 366-367. 7 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 84. 8 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 19. 9 Cf. SILVA. A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 266-267. 10 Cf. XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 89. 11 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 260 e 262. 12 Cf. BARRETO, Mário. Fatos da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 275. 13 Id. Através do Dicionário e da Gramática. 3. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 115-116. 14 Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. vol. II, p. 168. 15 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 57. 16 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Principais Dificuldades". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 185. 17 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Português Fora das Gramáticas". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 4, p. 1.361-1.362. 18 Cf. MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970. p. 266. 19 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 96. 20 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva e Cia., 1938. p. 136-137.
quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Gosta-se de um bom vinho

1) Diferentemente da frase "Aluga-se uma casa" - com a qual esta deve ser sempre comparativamente analisada - a expressão que se aprecia não permite ser transformada, como se fosse "Uma casa é alugada", podendo-se, assim, afirmar que ela não é reversível.2) Para tais efeitos, serve ela de modelo para todas as frases que, de modo similar, tenham um se acoplado ao verbo, mas não sejam reversíveis.3) Da frase assim considerada, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o exemplo não está na voz passiva sintética;b) diversamente da frase com a qual é comparada, o se não é partícula apassivadora, mas símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito;c) seu sujeito não é "um bom vinho", mas é indeterminado;d) em orações como essa, seria impossível considerar um bom vinho sujeito, porquanto, como bem lembra Sousa e Silva, "o sujeito é membro regente, não pode vir regido de preposição".1 4) Em tais circunstâncias, pela própria estrutura sintática apontada, se, em vez de um bom vinho, se diz bons vinhos, o sujeito não se altera, mas continua indeterminado.5) Bem por isso, ao se pluralizar tal termo, não há razão alguma para modificar o verbo, até porque, com tal alteração, não há, em última análise, modificação alguma do sujeito: "Gosta-se de bons vinhos".6) Observe-se que essa é uma construção muito comum na linguagem forense, com expressões corriqueiras dessa natureza: a) "Trata-se de embargos à execução";b) "Proceda-se aos inventários";c) "Obedeça-se aos princípios legais". Pela explanação feita, são inaceitáveis e equivocadas as seguintes estruturas: a) "Tratam-se de embargos à execução";b) "Procedam-se aos inventários";c) "Obedeçam-se aos princípios legais". 7) Reitere-se adicionalmente, para efeitos práticos, que, em tais casos, se o termo que aparenta a função de sujeito vem com preposição (de embargos, aos inventários, aos princípios), tal é indício cabal de que a frase não é reversível, certo como é que o sujeito é função do caso reto, e não pode ser preposicionado.8) Repita-se: não confundir a frase apreciada com a construção Aluga-se uma casa, cuja estrutura sintática é diferente, como já se observou nesta coluna das Gramatigalhas na semana passada.__________1 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 264.
quarta-feira, 11 de agosto de 2004

Aluga-se uma casa

1) Diferentemente da frase Gosta-se de um bom vinho - com a qual esta deve sempre ser comparada em análise - uma frase como Aluga-se uma casa, em que há um se acoplado ao verbo, pode ser dita de outra forma: Uma casa é alugada.2) E, por permitir essa transformação, pode-se dizer que é uma frase reversível, que serve de modelo para todas as outras, também reversíveis, que tenham o se unido ao verbo desse modo.3) Em frases dessa natureza, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o exemplo está na voz passiva sintética;b) o se é partícula apassivadora;c) o sujeito é uma casa (sujeito, e não objeto direto). 4) Por essas razões, se, em vez de uma casa, se diz casas, tem-se, por conseqüência, o sujeito no plural.5) Exatamente por isso e por mera aplicação da regra de concordância verbal de sujeito simples, se o sujeito está no plural, o verbo também deve ir para o plural: "Alugam-se casas".6) Atente-se a que essa é uma construção muito comum nos meios jurídicos, devendo-se zelar por sua concordância adequada, no plural, e não no singular: "Buscaram-se soluções para o conflito"; "Citem-se os réus"; "Devolvam-se os autos"; "Entreguem-se os autos da carta precatória"; "Intimem-se as testemunhas"; "Processem-se os recursos".7) A essa altura, lembre-se o ensinamento de Mário Barreto: "Pondo de lado discussões teóricas, complicadas e difíceis, todos, na prática, estamos de acordo, sábios e leigos, em que viu-se muitas desgraças, aceita-se comensais, via-se lindas flores, aqui vende-se jornais, na passiva com se, são concordâncias absolutamente intoleráveis em português".18) Pelas observações já feitas, tais frases devem ser assim corrigidas: viram-se muitas desgraças, aceitam-se comensais, viam-se lindas flores, aqui vendem-se jornais.9) Vale registrar a observação de Júlio Nogueira, para quem, em situações dessa natureza, a índole de nossa língua exige que se concorde o verbo com o seu sujeito (Alugam-se casas), do mesmo modo como usaríamos o plural com outra forma passiva (Casas são alugadas).210) Atente-se, de igual modo, à admoestação de Eduardo Carlos Pereira de que "são, pois, solecismos", que importa evitar, as expressões: Corta-se árvores, Vende-se queijos, Conserta-se relógios, Compra-se livros usados, Ferra-se cavalos".311) A exemplo de ensino anterior, tais frases devem ser assim corrigidas: Cortam-se árvores, Vendem-se queijos, Consertam-se relógios, Compram-se livros usados, Ferram-se cavalos.12) A um consulente que lhe indagava qual a forma correta - "Fez-se tentativas" ou "Fizeram-se tentativas" - Cândido de Figueiredo, asseverando que, "a este respeito, não pode haver duas opiniões fundamentadas", observava ser "pecado grave contra a língua portuguesa" a primeira forma, que "é construção francesa, e portanto galicismo de frase, além de erro de gramática".13) E explicava o motivo de sua posição: "os ingênuos supõem que o on francês equivale ao pronome se português, e, ao verem 'on achete des livres', traduzem lampeiramente - 'compra-se livros'... No citado exemplo francês, on é sujeito da proposição; em português o se nunca é sujeito".414) Anote-se, ademais, que desses equívocos nem mesmo escapam os melhores escritores, como, só para ilustrar, se vê no caso de Mário Barreto, que estudava um erro de concordância verbal de Rui Barbosa e um outro de Alexandre Herculano, e exatamente no artigo em que o fazia, incidiu no mesmo solecismo (muito embora tenha corrigido de pronto tal descuido no artigo seguinte): "Na língua falada, faz-se quotidianamente freqüentes aplicações"..."5 Ante os ensinos anteriores, corrija-se para: "Na língua falada, fazem-se quotidianamente freqüentes aplicações..."15) Também não estão imunes a equívocos desse jaez os próprios textos de lei, que, esquecidos da existência do se e da necessidade de flexão verbal, olvidam a concordância do verbo com o seu sujeito.16) Assim o art. 273 do Código Civil de 1916, em redação conferida pela Lei 4.121, de 27/8/62, que instituiu o Estatuto da Mulher Casada: "No regime da comunhão de bens, presume-se adquiridos na constância do casamento os móveis, quando não se provar com documento autêntico, que o foram em data anterior".17) Sua correção há de ser: "... presumem-se adquiridos... os móveis" (porque os móveis são presumidos adquiridos).18) De igual modo, o art. 33 do Decreto-lei 70, de 21/11/66, que instituiu a cédula hipotecária: "Compreende-se no montante do débito hipotecado, para os efeitos do art. 32, a qualquer momento de sua execução, as demais obrigações contratuais vencidas..."19) Corrija-se: "Compreendem-se... as demais obrigações contratuais vencidas..." (porque as obrigações contratuais vencidas são compreendidas).20) E também o art. 113 da Lei 8.078, de 11/9/90, que dispôs sobre a proteção ao consumidor: "Acrescente-se os seguintes §§ 4°, 5° e 6° ao art. 5° da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985."21) A correção há de ser: "Acrescentem-se os seguintes §§..." (porque os seguintes parágrafos sejam acrescentados).___________ 1 Cf. BARRETO, Mário. Através do Dicionário e da Gramática. 3. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 263. 2 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 72. 3 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 321. 4 Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. Falar e Escrever. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1946. vol. I, p. 13-14. 5 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981. p. 54.
quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Voz passiva

1) Voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato, conforme o sujeito pratique ou receba a ação indicada pelo verbo: a) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir);b) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir). 2) Da observação dos exemplos dados, algumas regras são de importância vital para o emprego de diversos verbos e para a própria criação de estruturas sintáticas.3) Assim, por primeiro, o objeto direto da voz ativa torna-se sujeito da voz passiva, e o que era sujeito na voz ativa passa a ser o agente da passiva.4) Observe-se esta transposição no esquema abaixo: 5) Por essa explicação, vê-se que, por via de regra, só tem voz passiva um verbo que seja transitivo direto ou transitivo direto e indireto (bitransitivo).6) Exemplificando essa asseveração, vê-se que a frase "O juiz não gostou do depoimento" não tem voz passiva, porque não há, na voz ativa, objeto direto que possa tornar-se o sujeito da voz passiva.7) O verbo obedecer, embora seja transitivo indireto, tem voz passiva, por questões históricas, configurando exceção. Ex.: a) "A suposta vítima não obedeceu ao comando do policial" (voz ativa);b) "O comando do policial não foi obedecido pela suposta vítima" (voz passiva). 8) Verbos que, num sentido, são transitivos diretos e, noutro sentido, transitivos indiretos (como assistir), apenas na primeira hipótese, por via de regra, podem ser usados na voz passiva. Assim, "O advogado assiste o constituinte" faz, na voz passiva, "O constituinte é assistido pelo advogado".9) Já a frase ativa "Dezenas de estagiários assistiram aos debates" não permite a utilização da voz passiva, de modo que é errado dizer "Os debates foram assistidos por dezenas de estagiários".10) Ressalve-se, porém, que Napoleão Mendes de Almeida - sob o argumento de que alguns desses verbos por último referidos, embora transitivos indiretos, "têm recipiente" na voz ativa - defende-lhes o uso na voz passiva, exemplificando de modo textual: a) "A missa foi assistida por muitas pessoas";b) "Ele foi perdoado por todos".1 11) De igual modo, Mário Barreto admite, de modo expresso, o apassivamento de determinados verbos transitivos indiretos, como aludir, obedecer, perdoar e responder, observando, porém, Aires da Mata Machado Filho, que lhe citou a lição, que "as formas passivas fixaram-se na vigência da construção transitiva direta", do que teria advindo "a aparente contradição".212) O autor por último citado, por um lado, aceita a construção passiva de perdoar seguido de complemento de pessoa, argumentando que, em épocas passadas, tal verbo "já foi construído com objeto direto", fixando-se, por isso, "a possibilidade do apassivamento"3; por outro lado, contudo, quanto ao verbo assistir, no sentido de ver, presenciar, lança-o na vala comum dos verbos transitivos indiretos sem voz passiva, aplicando-lhe o argumento de que "a voz passiva repugna à quase totalidade dos verbos transitivos indiretos".4 13) Tais posicionamentos peculiares e exceções episódicas, todavia, não infirmam as regras estabelecidas para a estrutura considerada.14) Já se observou que "Assisto ao filme" é regência correta e significa que eu vejo o filme na qualidade de espectador; já "Assisto o filme" também é regência correta, mas significa, em última análise, que auxilio em sua produção, em sua confecção. Pelas regras já postas acerca da conversão da voz ativa para a voz passiva, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) "Assisto o filme" (com o sentido de "auxilio na confecção do filme") faz, na voz passiva: "O filme é assistido por mim"; b) "Assisto ao filme" (com a acepção de "vejo o filme na qualidade de espectador" ) não pode ser empregado na voz passiva. __________1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 214. 2 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "A Correção na Frase". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 599. 3Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Análise, Concordância e Regência". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 745. 4 Ibid., p. 758.
quarta-feira, 28 de julho de 2004

Assistir

1) É verbo que deve ser estudado sob o prisma da regência verbal, devendo-se atentar, já de início, à sábia ponderação do Padre José F. Stringari: "muito cuidado exige o emprego do verbo assistir, pois muda de regência em se lhe mudando o sentido".1 2) Tem quatro significados, com peculiaridade de construção para cada qual deles.3) No sentido de prestar ajuda, é transitivo direto. Exs.: a) "A enfermeira assiste o doente";b) "A enfermeira assiste-o". 4) No significado de presenciar, ver, é transitivo indireto, pede a preposição a, e não admite lhe como complemento. Exs.: a) "O estagiário assiste a vários debates e audiências";b) "O estagiário assiste a eles". 5) Vale ao caso a oportuna lição de Laudelino Freire: "Na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer (pedir auxílio), que, recusando a forma lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma a ele".26) No sentido de pertencer, caber, é transitivo indireto e admite lhe como complemento. Exs.: a) "Este direito assiste ao vencedor";b) "Este direito lhe assiste". 7) Na acepção pouco usada de morar, residir, é intransitivo e pede por complemento um adjunto adverbial de lugar. Ex.: "Os rapazes assistem em humilde pensão".8) De Júlio Nogueira é preciosa síntese acerca das regências mais comuns de tal verbo: "no sentido de estar presente, requer a preposição a: 'assistirás à cerimônia', 'assistiremos ao baile'. No sentido de prestar assistência, requer objeto direto: 'qual o médico que assiste este doente?'. No sentido de morar, residir, exige uma relação de lugar: 'el-rei assiste em Lisboa'. No sentido de ter um direito, atribuição etc., pede a preposição a: 'não assiste esta faculdade aos candidatos' (ou a forma pronominal correspondente: 'não lhes assiste...')".39) Nos textos de lei, tem-se verificado a observância da distinção entre os significados de tal verbo, correspondendo a uma igual distinção entre as regências.10) Assim, no significado de auxiliar, tem sido empregado como transitivo direto (admitindo ser usado na voz passiva). Exs.: a) "O herdeiro do depositário é obrigado a assistir o depositante na reivindicação..." (CC/1916, art. 1.272);b) "Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421" (CPC, art. 145);c) "Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: ... V - Representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento" (CC/1916, art. 384, V);d) "O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir a comprador o preço recebido" (CC/1916, art. 1.272);e) "O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente" (CPC, art. 42, § 2º);f) "São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional: ... III - assistir tecnicamente as unidades federativas na implementação dos princípios e regras estabelecidos nesta Lei" (Lei nº 7.210/84, art. 72, III). 11) Por outro lado, no sentido de ver, presenciar, tem-se observado a construção como transitivo indireto (preposição a). Exs.: a) "A anulação do casamento contraído com infração do n. XI do art. 183 só pode ser requerida pelas pessoas que tinham o direito de consentir e não assistiram ao ato" (CC/1916, art. 212);b) "É defeso a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte" (CPC, art. 344, parágrafo único);c) "São requisitos essenciais do testamento público:... II - Que as testemunhas assistam a todo o ato" (CC/1916, art. 1.632, II);d) "A certidão deve conter: ... III - os nomes das testemunhas, que assistiram ao ato, se a pessoa intimada se recusar a apor a nota de ciente" (CPC, art. 239, parágrafo único); 12) Na acepção de caber, pertencer, tem sido construído como transitivo indireto (preposição a), estrutura essa que admite o emprego de lhe em substituição ao nome. Exs.: a) "Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; mas não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias" (CC/1916, art. 517);b) "Ao proprietário prejudicado, em tal caso, assiste o direito de indenização pelos danos, que de futuro lhe advenham..." (CC/1916, art. 567, parágrafo único);c) "Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro" (CC/1916, art. 878);d) "A toda empresa ou indivíduo que exerçam respectivamente atividade ou profissão... assiste o direito de ser admitido no Sindicato da respectiva categoria..." (CLT, art. 540). 13) Desse modo, vê-se que "Assisto ao filme" é regência correta e significa que eu vejo o filme na qualidade de espectador; já "Assisto o filme" também é regência correta, mas significa, em última análise, que auxilio em sua produção, em sua confecção._________ 1 Cf. STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 86. 2 Cf. FREIRE, Laudelino. Linguagem e Estilo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora A Noite, sem data. p. 7. 3 Cf. NOGUEIRA, Júlio. Programa de Português . 3ª série secundária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p. 192.
quarta-feira, 21 de julho de 2004

Mal-humorado ou mal humorado?

1) As regras para uso de hífen na língua portuguesa foram editadas pela Academia Brasileira de Letras por intermédio do Formulário Ortográfico, em sessão de 12 de agosto de 1943. São elas em número de 23, e há consenso geral de que são complexas e estão a exigir melhor sistematização.2) Napoleão Mendes de Almeida, com total razão, observa que o emprego do hífen nos compostos continua incerto, já que às vezes se tem uma regra, a qual é desfeita logo após por uma nota, que remete a questão para ser solucionada com base no uso, estabelecendo, assim, um critério falho e contraditório.13) Em uma palavra como mal-humorado, justifica-se o emprego do hífen com a regra de que "se ligam por hífen os elementos das palavras compostas em que se mantém a noção da composição, isto é, os elementos das palavras compostas que mantêm a sua independência fonética, conservando cada um a sua própria acentuação, porém formando o conjunto perfeita unidade de sentido".24) Independentemente de serem fluidas, voláteis ou discutíveis a regra e a justificativa, o certo é que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra, como correta grafia da palavra, mal-humorado.35) Ora, tal Vocabulário é editado pela Academia Brasileira de Letras por delegação expressa de lei (Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900). Foi oficializado em 1943 e revigorado pelo Congresso Nacional em 1955 (Lei 2.623, de 21/10/55). É, assim, palavra oficial sobre a existência, a pronúncia, a categoria gramatical, o gênero e a grafia dos vocábulos.6) Em outras palavras, se diz que se deve escrever mal-humorado, não há como pensar em outra grafia. Qualquer divergência, discussão ou polêmica, aqui, só pode perdurar no campo da doutrina, da ciência e de sugestão para modificações da lei ("de lege ferenda"), já que, no plano dos fatos, temos a lei ("legem habemus"), e a ela devemos obediência. Não há como pensar em divergência, ou opção, quando a lei não as dá.______1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 138. 2 Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970, p. 31. 3 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed. Reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999, p. 471.
quarta-feira, 14 de julho de 2004

Denunciar a lide

1) No sistema de nosso Direito Processual Civil, denunciar a lide é "chamar o terceiro (denunciado), que mantém um vínculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo".1 2) No campo da sintaxe, assim como se denuncia o fato à polícia, de igual modo se denuncia a lide a alguém.3) Nesse caso, o verbo denunciar é transitivo direto e indireto: seu objeto direto é o próprio fato que se denuncia (a lide); seu objeto indireto é o destinatário da denúncia (alguém).4) É equivocada, por conseguinte, a construção que alguns teimam em usar - denunciar alguém à lide - a qual não tem sentido adequado nem respaldo gramatical.5) Nesse sentido, de maneira prática e objetiva, Eliasar Rosa observa que ".não se denuncia ninguém à lide" Denuncia-se a lide a alguém".6) E acrescenta tal autor os exemplos, com a necessária observação: a) "O réu denunciou à lide a Companhia de Seguros" (errado);b) "O réu denunciou a lide à Companhia de Seguros. (correto)"2 7) Por fim, atente-se à diversidade de estruturas entre denunciar a lide e denúncia da lide; em tais casos, distintas são as regências do verbo (primeiro caso) e do substantivo (segundo caso), assim como diferentes as construções do objeto direto ou objeto indireto (primeiro caso) e adjunto adnominal ou complemento nominal (segundo caso).8) Partindo-se da premissa de que, em nosso idioma, o objeto direto da voz passiva passa a ser sujeito da voz passiva, atente-se, assim, ao emprego correto do verbo denunciar nos seguintes exemplos: a) "A lide foi denunciada à Companhia de Seguros" (correto);b) "A Companhia de Seguros foi denunciada à lide" (errado);c) "A lide foi denunciada a Fulano" (correto);d) "Fulano foi denunciado à lide" (errado). _________1 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Conhecimento. 2. ed. tomo I, Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 164. 2 Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 54.
quarta-feira, 7 de julho de 2004

Denúncia da lide

1) Instituto de Direito Processual Civil, a denúncia da lide, também conhecida como denunciação da lide, construções essas que têm o mesmo sentido e a mesma sintaxe, "é a forma reconhecida pela lei como idônea para trazer terceiro (litisdenunciado), a pedido da parte, autor e/ou réu, ao processo destes, visando a eliminar eventuais ulteriores ações regressivas, nas quais o terceiro figuraria, então, como réu".12) Em termos de sintaxe, assim como se faz a entrega do pão ao consumidor, de igual modo se promove a denúncia da lide a alguém, tal como se registra no art. 70 do Código de Processo Civil, fato esse que se corrobora na rubrica da seção que encima o mencionado dispositivo.3) Nesse caso, em termos gramaticais, o adjunto adnominal se constrói com a preposição de (da lide), e o complemento nominal se faz preceder pela preposição a (a alguém).4) São errôneas, por conseguinte, as expressões denúncia à lide ou denúncia de alguém à lide, que alguns teimam em usar nos meios forenses.5) Em oportuno acréscimo, Adalberto J. Kaspary observa que "há perfeita correspondência entre a regência do verbo denunciar e a do substantivo denunciação: em ambos os termos, indica-se claramente que a lide é denunciada a alguém".26) Exemplos registrados por Francisco Fernandes evidenciam esse posicionamento: a coisa que é denunciada se faz reger pela preposição de; a pessoa ou entidade a quem se oferece a denúncia vem precedida pela preposição a. Exs.: a) "Denúncia de contrabando; denúncia de conspiração" (Constâncio);b) "Bando do Pavor... permitido pelo alto clero talvez (quem sabe?), com o fim de, à falta de denúncias à Inquisição, ser ele, uma vez no ano, o pelourinho andante das mais escondidas vergonhas" (Antero de Figueiredo).3 7) Esposa esse mesmo entendimento Celso Pedro Luft: "Denúncia de irregularidades ao governo".48) Exemplo de correção, nesse sentido, é o Código de Processo Civil, o qual refere, em seu art. 70, caput, que "a denunciação da lide é obrigatória..."9) Ante tais considerações, não parece ter respaldo algum na Gramática o posicionamento de Regina Toledo Damião e Antonio Henriques, os quais, muito embora sem explicação adicional alguma dos motivos de seu emprego e sem abono algum de autores abalizados, falam em denúncia à lide.5____________1 Cf. ALVIM NETO, José Manuel de Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1986. vol. II, p. 100. 2 Cf. KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica . Acepções e Regimes. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 130. 3 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., 6. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969. p. 125. 4 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 151. 5 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 46.
quarta-feira, 30 de junho de 2004

A par de

  1) Em seu sentido mais problemático, a expressão a par de significa inteirado de. Ex.: "O juiz não estava a par das tratativas de acordo realizadas pelas partes".2) Também pode ter a acepção de ao lado de. Ex.: "É permitido estipular no contrato dotal: ... II - que, a par dos bens dotais, haja outros, submetidos a regimes diversos" (CC/1916, art. 287, II).3) Atento aos problemas com tal expressão na linguagem forense, Edmundo Dantès Nascimento registra, por um lado, que Cândido de Figueiredo entende ser correta a expressão ao par com o significado de estar ciente, e que o mesmo dicionarista "não consigna a locução ao par para significar igualdade de preço, que dicionários mais velhos registram".4) Complementa, contudo, tal autor por outro lado: "cremos que, no estado atual da língua, deve ser feita a distinção entre a par e ao par"; vale dizer: a par destina-se ao sentido de estar ciente; já ao par fica para o significado de igualdade de preço.15) Lembrando que "a expressão ao par de é própria da linguagem das operações de câmbio", observam Regina Toledo Damião e Antonio Henriques que "inconveniente é o emprego com a significação de estar ciente, situação em que a expressão correta é a par".26) José de Nicola e Ernani Terra fazem exatamente a mesma distinção: por um lado, "a par é usado, normalmente, com o sentido de estar bem informado, ter conhecimento"; já "ao par é usado para indicar equival ência cambial". Exs.: a) "Após a confissão, ficamos a par de tudo"; b) "O dólar e o marco estão ao par" (isto é, têm o mesmo valor).3 7) Resumindo: a par não é expressão sinônima de ao par, que é locução adjetiva para indicar a equiparação entre ações e seu valor venal ou de câmbio em diferentes países.8) Bem por isso, é errado dizer: "O juiz não estava ao par das tratativas de acordo realizadas pelas partes".9) De igual modo, atente-se à correção ou erronia dos seguintes exemplos: a) "A par de determinado assunto" (correto); b) "Ao par de determinado assunto" (errado). 1 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 137. 2 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 60. 3 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 12.
quarta-feira, 23 de junho de 2004

A questão da norma culta

  1) Em termos históricos, após um período fonético da grafia das palavras (da fase inicial da língua até a metade do século XVI) e outro período pseudo-etimológico (marcado pelo eruditismo do período entre os séculos XVI e XVIII, em que se inventavam símbolos extravagantes e se duplicavam as consoantes intervocálicas, a pretexto de uma aproximação artificial com o grego e o latim, em critério pretensioso, que contrariava a própria evolução das palavras), adveio um terceiro período, marcado pela renovação dos estudos lingüísticos em Portugal, época em que surge Gonçalves Viana, o qual, após "algumas tentativas, consegue apresentar um sistema racional de grafia, com base na história da língua", apresentando em 1904 sua Ortografia Nacional, obra que serviu de roteiro à comissão de filólogos encarregada pelo governo português, em 1911, de elaborar um novo sistema ortográfico, que foi oficializado em setembro do mesmo ano e adotado também em nosso país em 1931, por acordo entre a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras, com aprovação de ambos os governos. Após alterações nesse sistema, foi elaborado pela Academia Brasileira de Letras, com aprovação da Academia das Ciências de Lisboa, o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, oficializado no Brasil em 1943 e revigorado pelo Congresso Nacional em 1955 (Lei 2.623, de 21/10/55).12) Pode-se dizer, em termos bem práticos, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa é, assim, uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial.3) Também conhecido pela sigla VOLP, seu objetivo é reconhecer a existência e consolidar a grafia dos vocábulos, além de classificá-los pelo gênero (masculino ou feminino) e categoria morfológica (substantivo, adjetivo...).4) Difere dos dicionários convencionais, por não explicar usualmente o significado dos termos que registra.5) É elaborado pela Academia Brasileira de Letras, que tem a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à vetusta Lei Eduardo Ramos, de nº 726, de 8 de dezembro de 1900.6) As primeiras instruções para sua efetiva organização vieram com o Formulário Ortográfico, e foram aprovadas unanimemente pela Academia Brasileira de Letras, na sessão de 12 de agosto de 1943 (mais tarde, modificadas pela Lei 5.765, de 18/12/71); anote-se que "essas instruções tiveram por base o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, edição de 1940".27) A tais instruções, juntaram-se as diretrizes mais recentes da Lei 5.765, de 18/12/71, cujo art. 2º assim determinou: "A Academia Brasileira de Letras promoverá, dentro do prazo de dois anos, a atualização do Vocabulário Comum, a organização do Vocabulário Onomástico e a republicação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa nos termos da presente lei".8) Em sua edição de setembro de 1998, incorporou à língua aproximadamente 6.000 termos às 350.000 palavras já reconhecidas, em geral relativos ao desenvolvimento científico e tecnológico, figurando entre as novidades diversos termos de Informática.9) Oportuno é reiterar que, incumbido por lei específica para sua confecção, quem o elabora goza de autoridade para, nesse campo, dizer o Direito, motivo por que, ao consultá-lo, legem habemus e devemos prestar-lhe obediência, como devemos fazer com respeito aos demais diplomas legais.10) Em comunhão com tal pensamento, para José de Nicola e Ernani Terra, esse vocabulário "é a palavra oficial sobre a ortografia das palavras da língua portuguesa no Brasil"3, não se podendo olvidar que também é a palavra oficial no que concerne à própria existência dos vocábulos em nosso idioma.11) Reitere-se: a Academia Brasileira de Letras, quando edita normas sobre questões de sua competência, age por delegação legal do Congresso Nacional, de modo que suas determinações são, em última análise, normas jurídicas, e não meras normas técnicas da arte da comunicação; são determinações a serem obedecidas, não apenas conselhos, que o usuário acata, se quer.12) Bem por isso, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa é palavra oficial sobre a existência, a pronúncia, a categoria gramatical, o gênero e a grafia dos vocábulos. Assim, se não registra desproceder, despronunciar, improver e inacolher, só se pode concluir que tais palavras não existem em nosso léxico e, assim, não devem ser usadas. Se diz que adrede deve ser pronunciada com o som fechado e abrupto como abirrupto, não há como fazê-las soar de modo diverso. Se diz que adrede e amiúde são advérbios, não há como aceitar adredemente ou amiudemente, já que advérbios vêm de adjetivos, não de outros advérbios. Se diz que cônjuge pode pertencer ao masculino ou ao feminino, não há como condenar nem o cônjuge nem a cônjuge. Se, de acordo com a Lei 5.765, de 18/12/71, diz que o único acento diferencial de timbre que perdurou foi em pôde (pretérito perfeito), para diferenciar de pode (presente do indicativo), não há como pretender grafar fôrma, como faz, por exemplo o Dicionário Aurélio. Qualquer divergência, discussão ou polêmica, aqui, só pode perdurar no campo da doutrina, da ciência e "de lege ferenda". Não mais do que isso.13) Já quanto aos aspectos de construção ou sintaxe (concordância nominal, concordância verbal, regência nominal, regência verbal, crase, colocação de pronomes), a autoridade fica com os autores que cultuaram e cultuam o idioma, em cujo rol raramente se incluem os modernistas, os quais, em busca de maior comunicação, passaram a incorporar em seus escritos uma linguagem coloquial, plebeísmos e equívocos gramaticais; a norma culta, nesse aspecto, encontra-se hoje sedimentada nos bons livros de Gramática.14) No que respeita à pontuação, observa-se que apenas a partir da década de cinqüenta do século XX, tomou significativo impulso e passou a orientar-se - além das razões sintáticas tradicionais e dos impulsos subjetivos - pelas recomendações e exigências mais apuradas da redação técnica, o que faz concluir que os chamados clássicos de nossa literatura nem sempre lhe atribuíram posição de relevo, e, assim, não é incomum encontrar, mesmo em abalizados escritores, exemplos de inadequação, nesse campo, para os dias atuais. Os livros de Gramática, ademais, pouco trazem a esse respeito, sobretudo no que concerne ao uso da vírgula.15) Se o usuário do idioma tiver que se expressar pela língua falada ou escrita, em sua atividade profissional ou científica, é obrigatório que se valha da norma culta, a cujo respeito podem ser fixados, em resumo, os seguintes aspectos: a) a norma culta é o nível formal de expressão do idioma, própria de todos os que assim devem expressar-se, sendo uma só para todos os usuários;b) eventual vocabulário típico de certa gama de usuários não faz nascer uma norma culta própria de determinada categoria profissional, até porque seria impensável entender pela existência de uma linguagem formal que fosse correta para uns e não para outros;c) o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa é a palavra oficial sobre a existência, a pronúncia, a categoria gramatical, o gênero e a grafia dos vocábulos em nosso idioma;d) quanto aos aspectos de construção ou sintaxe, a norma culta encontra-se, hoje, sedimentada nos bons livros de Gramática. ____________1 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 225-226. 2 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 231. 3 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 231.  
quarta-feira, 16 de junho de 2004

Posto isso

1) É fórmula quase sacramental, normalmente usada pelos juízes para, após o relatório e a fundamentação, introduzir a parte dispositiva, que é onde há o efetivo comando judicial da decisão.2) Trata-se de oração reduzida de particípio, a significar que, uma vez posta a fundamentação, passa o magistrado a explicitar o efetivo comando do veredicto.3) Nos meios jurídicos e forenses, cristalizou-se o emprego da forma isto posto.4) Em termos de técnica gramatical, num primeiro aspecto, é de se ver que, dentre as diversas regras para seu uso, os pronomes isso, esse, essa destinam-se a identificar algo que já foi dito, enquanto isto, este, esta servem para indicar algo que ainda se vai dizer. Exs.: a) "Essas palavras que lhes disse não têm grande importância";b) "Estas palavras que lhes direi são muito importantes". 5) De modo específico para a expressão aqui apreciada, como o pronome se refere a toda uma fundamentação já exposta, tecnicamente se há de usar isso, e não isto.6) Num segundo aspecto, a oração reduzida de particípio, em português, tem o verbo iniciando a frase, postado, assim, antes do sujeito da oração participial. De rigor, assim, é que se diga: "Começada a aula, os alunos saíram", "Terminado o estudo, fecharam-se os livros", "Proferida a sentença, o juiz encerrou os trabalhos"; não se há de dizer, em tais casos: "A aula começada...", "O estudo terminado... "A sentença proferida..."7) Vejam-se, para confirmar, os seguintes exemplos de nossa legislação: a) "Anulados os atos fraudulentos, a vantagem resultante reverterá..." (CC/1916, art. 113);b) "Autuado o pedido e tomadas as declarações, o juiz procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado para o casamento, na forma ordinária, ouvidos os interessados..." (CC/1916, art. 200, § 1º);c) "Esta autorização é revogável a todo tempo, respeitados os direitos de terceiros e os efeitos necessários dos atos iniciados" (CC/1916, art. 244);d) "Recusada a incompetência, o juiz continuará no feito..." (CPC, art. 108, § 2º);e) "...descontada a quota do credor remitente" (CC/1916, art. 894);f) "...decorridos 5 (cinco) anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Estado, ou ao Distrito Federal, se o 'de cujus' tiver sido domiciliado nas respectivas circunscrições..." (CC/1916, art. 1.594 - em redação que não mais vige, já que alterada pela Lei 8.049, de 20/6/90). 8) Desse modo, em termos de técnica gramatical, o vocábulo posto, na expressão analisada, deve anteceder o pronome.9) Para resumir, não se deveria, tecnicamente, dizer isto posto, mas posto isso, havendo na primeira das expressões, como se viu, nada menos do que duas impropriedades.10) Acresça-se que construção dessa natureza é inserida por Eduardo Carlos Pereira no rol dos galicismos fraseológicos ou sintáticos, daqueles que "são verdadeiras deturpações da língua, contra os quais devemos estar premunidos".111) Edmundo Dantès Nascimento, por um lado, observa que, em nosso Código Civil de 1916, como, aliás, em Português como regra, o particípio passado vem em primeiro lugar, razão pela qual se diz "separado o dote" (art.309), "decretada a interdição" (art. 453), "ressalvado... o seu direito" (art. 799); por essa razão, também se há de antepor o particípio posto ao pronome isso, devendo-se dizer posto isso.12) Num segundo aspecto, realçando ser freqüente o emprego de isto e não isso em tais casos, esclarece tal autor que este e isto são pronomes que denotam o que vem a seguir, "ao passo que esse e isso, o que já foi exposto; portanto, corretamente, deve-se escrever posto isso, a saber, o que já se expôs".13) Em outra passagem, todavia, tal autor apenas faz a primeira correção, vale dizer, apenas antepõe o particípio na expressão, afirmando que "isto posto é erro", mas mantém isto, e diz que posto isto "é a frase correta".214) Também oportuno é anotar que, após referirem que "a anteposição do sujeito em orações reduzidas de particípio constitui galicismo", isto é, "imitação servil da língua francesa", Carlos Góis e Herbert Palhano excepcionam a expressão isto posto, justificando tratar-se de questão de eufonia.315) Em interessante lição, Mário Barreto observa que o Padre Manuel Bernardes, por exemplo, antepôs o sujeito ao particípio em orações absolutas, que correspondem ao ablativo absoluto latino ("A manhã vinda..."), em contraposição ao português moderno, em que o particípio vem primeiro ("Vinda a manhã...").16) Acrescentando que Camões também empregou tal estrutura contrária ao uso moderno em diversos lugares de "Os Lusíadas", admoesta tal autor que, quanto aos autores clássicos, não se há de pretender inquinar de galicismos suas construções dessa natureza: "Não se pode admitir seja tomada do francês uma colocação de que usaram livremente os mestres de nossa língua, em tempo que o francês estava longe de preponderar como entre os modernos prepondera, e os clássicos 'só liam o latim, o espanhol e o italiano, línguas mais conformes com a índole da nossa', como diz João Ribeiro, apontando... expressões, frases e palavras que hoje seriam tidas por galicismos imperdoável, não o sendo".417) Após referir que "o particípio que forma oração reduzida não se pospõe ao sujeito, sob pena de francesia", observa Luciano Correia da Silva, entretanto, que, "com o pronome isto, essa regra vê-se quebrada desde os tempos mais remotos até os nossos dias".518) Na vetusta primeira edição de seu "A linguagem Usual e a Composição", Júlio Nogueira, por sua vez, usou de tal expressão ("Isto posto, vejamos estas frases").619) Em outra obra, o mesmo gramático, em uma de suas lições, talvez em função dessa estratificação generalizada da expressão, usa da forma que contraria os critérios técnicos e gerais da norma culta e das regras de posicionamento das palavras na frase: "Isto posto, é bem de ver que a linguagem dos antigos... não pode ser mais um instrumento útil de comunicação".720) Acresça-se, em abono do emprego excepcional da referida construção, que Eduardo Carlos Pereira - após lecionar que uma das hipóteses em que o sujeito (no caso isso) pospõe-se ao verbo quando este se encontra em uma de suas formas nominais, vale dizer, no infinitivo, particípio ou gerúndio (no caso, está no particípio) - observa que, se o pronome for sujeito do particípio posto, "é mais comum a anteposição para evitar-se a colisão de consoantes fortes", para o que carreia ele exemplos de Soares Barbosa ("isto posto") e do próprio Camões ("isto feito" e "isto dito").8 21) Em Heráclito Graça, encontra-se o seguinte trecho: "Isto posto, como obstar que 'chicana' invadisse a área da língua e nela se arreigasse..."922) Antonio Henriques, por sua vez, lança duas premissas: a) "hoje, não se faz diferença absolutamente rígida no uso dos demonstrativos isso e isto, como, aliás, ontem também não se fazia";b) mesmo em se tratando, na expressão considerada, de uma "oração reduzida, resquício do ablativo absoluto latino", o certo é que "a colocação do demonstrativo antes da forma verbo-nominal é praxe na linguagem clássica e reponta no discurso jurídico". 23) Com supedâneo em tais postulados, assim conclui o mencionado autor: "Vale dizer que os dois podem ser usados: isso posto (correto) - isto posto (correto)".1024) Observados dois aspectos - o primeiro, de que a fundada divergência entre os gramáticos leva à liberdade de emprego pelo usuário (in dubio, pro libertate), e o segundo, de que o uso corrente não pode ser desprezado como elemento importante pelo gramático, em tais circunstâncias - podem-se extrair as seguintes conclusões: a) em termos técnicos, a expressão efetivamente correta, para tais casos, é posto isso;b) por força do uso quase sacramental, todavia, toleram-se as expressões que antepõem o verbo em tal oração reduzida de particípio (isso posto), as que não observam o exato modo de usar o demonstrativo (posto isto), bem como as que desprezam ambos os aspectos (isto posto). ___________1 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 260-262.2 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 24 e 83.3 Cf. GÓIS, Carlos; PALHANO, Herbert. Gramática da Língua Portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1963. p. 197.4 Cf. BARRETO, Mário. De Gramática e de Linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1955. p. 32-33.5 Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 42.6 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 64.7 Cf. NOGUEIRA, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1930. p. 11.8 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 247-248.9 Cf. GRAÇA, Heráclito. Fatos da Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria de Viúva Azevedo & Cia. - Editores, 1904. p. 82.10 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 97-98.
quarta-feira, 2 de junho de 2004

À custa de

1) Na locução prepositiva à custa de, o substantivo custa fica sempre no singular, sempre com a acepção de trabalho, sacrifício. Exs.: a) "O réu vivia à custa de sua companheira" (correto);b) "O réu vivia às custas de sua companheira" (errado);c) "O magistrado venceu à custa de muito esforço" (correto);d) "O magistrado venceu às custas de muito esforço" (errado). 2) É bem nesse sentido a lição de José de Nicola e Ernani Terra: "Nessa expressão a palavra custa, assim como o artigo que a precede, deve sempre estar no singular".13) Com propriedade, também leciona Arnaldo Niskier: "Alguém pode viver à custa dos pais, mas nunca às custas deles".24) Domingos Paschoal Cegalla, em posição mais liberal, preconiza que "o uso generalizado legitima a variante às custas de, no sentido de a expensas de: 'João vive às custas do pai'".35) Tal ensino mais liberal, por último referido, entretanto, pode significar permissão para o emprego coloquial, mas não há de ser expandido para a norma culta, de uso obrigatório nos textos jurídicos e forenses.6) Atente-se a que, no plural, o vocábulo custas tem o sentido técnico de despesas processuais.7) Essa distinção de significados entre o singular e o plural é patente nos exemplos dados por Cândido Jucá Filho: a) "Consegui-o à custa de muito bom dinheiro";b) "Ele foi condenado às custas do processo".4 __________________1 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 10. 2 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 7. 3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 10. 4 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME . Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 178.
quarta-feira, 26 de maio de 2004

Mau e Mal

1) Mau só pode ser adjetivo (é, na prática, o contrário de bom), admitindo emprego no plural e no feminino, conforme a necessidade da palavra modificada. Exs.: a) "Trata-se de réu com maus antecedentes";b) "Trata-se de réu com más companhias". 2) Mal pode ser conjunção (é sinônimo de apenas). Ex.: "Mal começaram os debates, o jurado dormiu".3) Mal também pode ser substantivo (é antônimo de bem). Ex.: "Foi condenado, porque praticou o mal". Seu plural, então, é males.4) Mal ainda pode ser advérbio (também é antônimo de bem). Ex.: "O réu passou mal durante o júri".5) Sem qualquer pretensão de teorizar o problema, mas apenas observando os aspectos de ortografia nos casos mais comuns, basta reiterar, por um lado, que mau é o oposto de bom. Ex.: mau-caráter, mau-humor.6) Por outro lado, mal é o oposto de bem. Ex.: mal-intencionado, mal-humorado.7) Essa, aliás, é a síntese de Vitório Bergo, observando tal gramático ser fácil "verificar-se qual o termo que cabe na frase pelo uso do respectivo antônimo".18) Josué Machado, atento aos erros cometidos pela imprensa e pelos políticos, anota a existência de uma revista que publicou um artigo com o equivocado título "O Mau das Pesquisas" (quando o correto haveria de ser "O Mal das Pesquisas").2________________1 Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. vol. II, p. 156-159. 2 Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 21.
quarta-feira, 19 de maio de 2004

Frente a

1) Existe em nosso idioma a expressão fazer frente a, que é correta e na qual frente conserva em plenitude seu valor substantivo. Ex.: "Minhas palavras não fazem frente a seus argumentos".2) Trata-se, porém, de castelhanismo a ser evitado o uso de frente a como locução prepositiva. Ex.: "Frente ao juiz, a testemunha calou-se" (errado).3) Em tais casos, deve haver a substituição da expressão por ante, perante, diante de, em frente de ou em frente a. Exs.: a) "Ante o juiz, a testemunha calou-se" (correto);b) "Em frente do juiz, a testemunha calou-se" (correto);c) "Em frente ao juiz, a testemunha calou-se" (correto). 4) Aires da Mata Machado Filho - em lição plenamente aplicável à expressão frente a - repisa o aspecto de que face a constitui "rematado espanholismo", que "deve ter entrado na apressada linguagem dos jornais, através das crônicas esportivas".15) Anota Luciano Correia da Silva que se diz "em frente a ou em frente de... Nunca 'frente a',... erro encontradiço na linguagem comum e na prática forense. Diz-se com exação: 'O Tribunal fica em frente à praça' (ou da praça), ou 'na frente da praça'".26) Geraldo Amaral Arruda, observando os cuidados que exige a locução prepositiva em frente de, sintetiza os aspectos principais a serem seguidos em tal caso: a) não dispensa ela a preposição em;b) tal supressão importa barbarismo fraseológico;c) aceitável a locução em frente a.3 7) Lembrando que "não há exemplo na boa linguagem" do uso de frente a, afiança Edmundo Dantès Nascimento que o correto é dizer em frente de, trazendo significativo exemplo: "O grande pátio do Castelo em frente dos paços" (Alexandre Herculano).8) Ao referir que, modernamente, vem surgindo no linguajar comum a expressão equivocada frente a, com aceitação de muita gente, observa ele que se trata de uma "ânsia de inovar por quem não está apto a fazê-lo"; e, mesmo anotando que "a língua sofre mudanças no vocabulário e até na sintaxe", e que Dante, Camões, os românticos, os simbolistas e até João Guimarães Rosa mudaram suas línguas pátrias, ressalva, porém, tal autor que, entre as constâncias seculares das línguas "se alinham as preposições, que, em sua maioria, são subsistências latinas".9) Em complementação, assevera ele que, consultados tais movimentos e pessoas, "verifica-se que ninguém pensou em alterar as preposições, pois são movimentos realizados com pleno conhecimento de Gramática Histórica".410) Reportando-se à lição de Napoleão Mendes de Almeida, observa Laurinda Grion que não se há de dizer uma frase como "Aguardei-a em frente o cinema"; para tal autora, "ninguém aguarda em frente o, mas sim em frente de ou em frente a, já que toda locução prepositiva termina por preposição: antes de, depois de, apesar de, em relação a, junto com, à volta com e - naturalmente - em frente de, em frente a".511) Exemplo de correção é o art. 540 do Código Civil de 1916: "Quando o terreno aluvial se formar em frente a prédios de proprietários diferentes..."12) Anote-se, por fim, que tão errado quanto dizer Frente ao juiz, a testemunha calou-se" será dizer "Frente o juiz, a testemunha calou-se.________1 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. .Português Fora das Gramáticas.. In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL . EDITORA e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 4, p. 1.162. 2 Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 94. 3 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 15. 4 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 132-135. 5 Cf. GRION, Laurinda. Mais Cem Erros que um Executivo Comete ao Redigir. Sem edição. São Paulo: Edicta, sem data. p. 39.
quinta-feira, 13 de maio de 2004

Gênero, número e grau

1) Das expressões livro bonito, livrinho bonito, livrão bonito, livro bonitinho, livro bonitão, livros bonitos, gravuras bonitas, todas corretas em português, podem-se extrair algumas conclusões importantes: a) os substantivos e os adjetivos têm seu estado normal: livro, gravura, bonito;b) podem apresentar, também, em nosso idioma, uma forma que os apequene (livrinho, gravurinha, bonitinho), que é seu grau diminutivo, ou uma forma que os aumente (livrão, gravurona, bonitão), que é seu grau aumentativo;c) e, quando se observa livro bonito, livros bonitos, gravura bonita e gravuras bonitas, vê-se que o adjetivo se flexiona para o masculino ou feminino (gênero) e para o singular ou plural (número), sempre acompanhando fielmente o substantivo por ele modificado;d) tecnicamente se diz, em tais casos, que o adjetivo concorda com o substantivo por ele modificado em gênero e número. 2) Reitere-se que uma análise adequada do comportamento do adjetivo nessas circunstâncias revela ser ele verdadeira sombra do substantivo, acompanhando-o em sua flexão, motivo por que, em sentido figurado, quando alguém concorda integralmente com a opinião ou com o modo de pensar de outrem, costuma-se dizer que "Fulano concorda em gênero e número com Sicrano".3) Oportuno, todavia, é observar que, da análise das expressões livrinho bonito, livrão bonito, livro bonitinho e livro bonitão, extrai-se a forçosa conclusão de que o adjetivo não concorda em grau com o substantivo por ele modificado.4) Só por isso já se nota que incorreta é a expressão que muitos empregam para significar concordância total de uma pessoa com outra: "Fulano concorda com Sicrano em gênero, número e grau".5) Esse é um erro que talvez remonte aos velhos tempos em que se estudava latim, língua essa em que o adjetivo, além de gênero e número, também concorda em caso (nominativo, vocativo, genitivo, dativo, ablativo ou acusativo) com o substantivo modificado, motivo por que é correto, então, dizer, pensando na língua ancestral: "Fulano concorda com Sicrano em gênero, número e caso".6) Como, todavia, são raros os que, nos dias de hoje, entendem um pouco de latim, talvez seja melhor dizer apenas gênero e número, muito embora não esteja errado o emprego, na mencionada frase, da expressão gênero, número e caso.7) O que, porém, é inadmissível é dizer: "Fulano concorda com Sicrano em gênero, número e grau".
quarta-feira, 5 de maio de 2004

Posto que

1) Lembrando tratar-se de conjunção concessiva (equivalendo a ainda que, a embora), Geraldo Amaral Arruda realça dois aspectos de significativo relevo a respeito dessa locução: a) "não deve ser usada como causal" (não equivale, assim, a porque); b) usa-se "com o verbo no subjuntivo".1 Exs.: a) "Posto que fosse tarde, o magistrado mesmo assim continuou a audiência" (correto); b) " Posto que era tarde, o magistrado mesmo assim continuou a audiência" (errado). 2) Sousa e Silva, por um lado, com muita propriedade, insere também tal locução no rol das conjunções concessivas, "da mesma espécie de conquanto, embora, ainda que, se bem que, etc." 3) Exemplifica, a seguir, com excerto irretocável de Camilo Castelo Branco: "Posto que o vosso sangue me não corra nas veias, sou vosso neto pelo sacramento que me liga à mui nobre dama". 4) Continua para explicar que o trecho significa: "Embora o vosso sangue me não corra nas veias, sou vosso neto...". 5) Em acréscimo, assevera que "é grave incorreção, assaz freqüente no Brasil, empregar posto que como conjunção causal ou como conjunção explicativa. 6) Por fim, exemplifica como trecho extraído de jornais, em que manifesto o erro em seu emprego: "Discordamos do ilustre magistrado, posto que seu juízo acerca da moral dominante no interior das emissoras é falho e sem lastro na realidade". 7) E manda corrigir: "Discordamos do ilustre magistrado, visto que seu juízo (ou visto como seu juízo, ou porquanto seu juízo, ou porque seu juízo...)"2 8) Eliasar Rosa dá exemplo de erro corriqueiro nos meios forenses, representado pelo uso de tal locução como causal (sinônima de porque), quando, na verdade, só pode ser empregada como concessiva (sinônima de embora); adicionalmente, dá ele um exemplo de seu emprego escorreito: a) "Julgo procedente o pedido, posto que ficou provada a necessidade do retomante" (errado); b) "A sentença poderá ser reformada, posto que certa em sua fundamentação" (correto).3 9) Exemplo de adequado emprego da expressão encontra-se em Heráclito Graça: "Posto que ignore as razões da sua convicção, não me parece, todavia, temeridade aventurar que, para gerá-la e mantê-la, Sua Excelência dissentiu da autoridade dos exemplos do Visconde de Santarém e de Latino...".4 10) Uma leitura atenta dos textos legais corrobora o modo correto de seu emprego: a) "Equipara-se a terceiro a parte que, posto figure no processo, defende bens que... não podem ser atingidos pela apreensão judicial" (CPC, art. 1.046, § 2°); b) "São suscetíveis do contrato de bipoteca os navios, posto que ainda em construção" (CC/1916, art. 825.); c) "A obrigação de dar coisa certa abrange-lhe os acessórios, posto não mencionados..." (CC/1916, art. 864); d) "O que der a fabricar alguma obra de empreitada poderá a seu arbítrio resilir do contrário, posto que a obra esteja já começada a executar... " (C. Com., art. 236). 11) Idêntico é o uso nos arts. 130, 215, 340, 552, 2ª alínea, e 656, última alínea, do Código Comercial, como também acontecia no art. 336 do Regulamento n° 737, de 1850, assim como em diversas passagens das Ordenações Filipinas.__________ 1 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 109. 2 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 213-214. 3 Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 111. 4 Cf. GRAÇA, Heráclito. Fatos da Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria de Viúva Azevedo & Cia. - Editores, 1904. p. 246.
quarta-feira, 28 de abril de 2004

Adequar

1) Anote-se, desde logo, que não há uniformidade entre os gramáticos quanto a sua conjugação verbal, principiando por Eduardo Carlos Pereira, que o insere no rol dos verbos defectivos, mas sem outras explicações ou minúcias.12) Em posição mais restrita, posta-se Luís A. P. Vitória, para quem "este verbo só se emprega no particípio passado. Ex.: 'É este o termo adequado'".2 3) Para Otelo Reis, também é verbo defectivo, "quase exclusivamente usado no infinitivo e no particípio. Contudo, entendem alguns autores que pode ser empregado em todas as formas arrizotônicas".3 4) Em postura ligeiramente mais liberal, Vitório Bergo leciona ser tal verbo passível de conjugação "nas formas de desinência em a".4 Ensinamento esse que eliminaria a possibilidade de uso das formas arrizotônicas com desinência em e, como adeqüei, adeqüemos...5) Avançando para maiores possibilidades de seu emprego, Luiz Antônio Sacconi refere ser possível conjugá-lo em todas as formas arrizotônicas, muito embora realce tal autor seja ele empregado mais freqüentemente "nas formas nominais: adequar, adequando, adequado".5 6) Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante vêem-no como passível de conjugação apenas nas formas arrizotônicas do presente do indicativo (adequamos, adequais), de modo que só seria possível conjugar a segunda pessoa do plural do imperativo afirmativo (adequai vós); acrescentam, todavia, que "alguns autores admitem a conjugação do verbo adequar nas formas arrizotônicas do presente do subjuntivo (adeqüemos, adeqüeis), o que permitiria também a conjugação dessas mesmas formas do imperativo negativo e da primeira do plural do imperativo afirmativo".6 7) Nessa última esteira de maiores possibilidades, de maneira bem didática, lembra Geraldo Amaral Arruda que tal verbo "não se usa nas formas em que o acento incide sobre a sílaba de, que pertence ao radical", conjugando-se nas demais formas.7 8) José de Nicola e Ernani Terra sintetizam do seguinte modo as regras acerca desse verbo: a) "no presente do indicativo só apresenta a primeira e a segunda pessoa do plural: nós adequamos, vós adequais";b) "não possui o presente do subjuntivo e o imperativo negativo"; c) "o imperativo afirmativo só apresenta a segunda pessoa do plural (adequai)"; d) "nas formas faltantes desse verbo, deve-se utilizar um sinônimo (adaptar, ajustar, apropriar, etc.) ou uma locução verbal (estou adequando, vou adequar, etc.)".8 9) Em termos práticos, ante a divergência entre os gramáticos, há de se adotar a alternativa mais abrangente, permitindo-se que seja empregado em todas as formas arrizotônicas (aquelas em que a sílaba tônica situa-se na desinência, não no radical): adequamos, adequais (presente do indicativo); adeqüemos, adeqüeis (presente do subjuntivo); adeqüemos, adequai (imperativo afirmativo); não adeqüemos, não adeqüeis (imperativo negativo). 10) Atente-se, por conseguinte, a que são errôneas determinadas construções de uso muito corrente nos meios jurídicos, como se dá no seguinte exemplo: "A solução proposta pelo advogado não se adéqua ao caso concreto". 11) Em casos desse jaez, sendo defectivo, o verbo deve ser substituído por um sinônimo: adaptar, aplicar, harmonizar: a) "A solução não se adapta ao caso concreto"; b) "A solução não se aplica ao caso concreto"; c) "A solução não se harmoniza com o caso concreto". 12) Registre-se, contudo, que, apontando em direção mais liberal, Domingos Paschoal Cegalla, por um lado, observa que "não existem as formas adéqua, adéquam, adéqüe, adéqüem, com e tônico, que às vezes se ouvem de pessoas que, para evitar uma discutível cacofonia, estropiam o verbo"; por outro lado, questionando que, "se dizemos recua, por que não adequa?", acrescenta tal autor que "não constitui erro usar as formas rizotônicas adequo, adequas, adequa, adequam; adeqúe, adeqúes, adeqúem".9 13) Tal dúvida e tal posicionamento do mencionado gramático, todavia, não devem espraiar-se para os textos que devam submeter-se aos padrões da norma culta, os quais hão de obedecer à ortodoxia tradicional, que manda não empregar esse verbo nas formas rizotônicas. 14) Como tais problemas apenas ocorrem no presente do indicativo e tempos derivados (presente do subjuntivo, imperativo afirmativo e imperativo negativo), sua conjugação há de ser regular e integral nos demais tempos e formas._________ 1 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 113. 2 Cf. VITÓRIA, Luiz A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 18. 3 Cf. REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1971. p. 53. 4 Cf. BERGO, Vitório. Consultor de Gramática e de Estilística. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde, 1943. p. 80. 5 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 87. 6 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa, 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 172. 7 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 66. 8 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 20. 9 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 11.
quarta-feira, 14 de abril de 2004

Acórdão

1) Trata-se de forma gráfica da substantivação de acordam, que é a terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo acordar, que quer dizer resolver, estar de acordo. Ex.: "O acórdão, de ofício, fez o réu responder por litigância de má-fé". 2) Significa decisão proferida em grau de recurso por tribunal coletivo, e a denominação deriva do fato de que as decisões desses órgãos colegiados, em sua disposição final, vêm precedidas pela forma verbal acordam. 3) Como toda paroxítona terminada em ão ou com ditongo na última sílaba, recebe acento gráfico no singular e no plural: acórdão e acórdãos. 4) Antonio Henriques, por um lado, conceitua acórdão como "forma verbal substantivada; trata-se da 3ª pessoa do plural (forma arcaica) do presente do indicativo do verbo acordar (concordar), cujo significado é 'julgamento feito pelos tribunais superiores' (CPC, art. 163, CPP, arts. 556, 563, 564 e 619)". 5) Por outro lado, tal autor - embora lembrando a sinonímia tomada por diversos escritores - diferencia-o de aresto, dando a este o conceito de "decisão judicial irreformável tomada pelos tribunais superiores",1 o que faz concluir que, enquanto passível de reforma, a decisão colegiada seria acórdão, mas ainda não aresto. 6) Em mesma direção, Edmundo Dantès Nascimento observa que "tecnicamente não são sinônimos acórdão e aresto, trazendo, em abono de sua tese, lição de Mendes Júnior: "Chamam-se arestos as decisões judiciais não suscetíveis de reforma, proferidas em forma de julgamento definitivo pelos tribunais superiores". 7) Oportuno é diferenciar o substantivo acórdão do verbo acordar na terceira pessoa do plural do presente do indicativo (acordam), com a especificação de que os verbos terminados em am são sempre paroxítonos e se destinam a significar o presente ou o passado dos verbos, enquanto os terminados em ão são oxítonos e indicam sempre o futuro. Exs.: a) "O acórdão que decidir por maioria recurso de apelação sujeita-se a embargos infringentes";b) "Os integrantes da Turma Julgadora acordam, nesta oportunidade, em dar pelo provimento do recurso";c) "Os integrantes da Turma Julgadora acordaram, na sessão de ontem, em dar pelo provimento do recurso";d) "Não se sabe se os integrantes da Turma Julgadora acordarão, na sessão de amanhã, em dar pelo provimento do recurso". _________ 1 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 8-9. 2 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 238.