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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Por conta de - Existe?

1) Um leitor indaga, em síntese, se existe a expressão por conta de com o sentido de em razão de ou mesmo a pretexto de, vale dizer, para indicar uma relação de efeito ou consequência. 2) É certo que alguns estudiosos intentam condenar o emprego da referida expressão no sentido indicado, pondo-o até no mesmo patamar de gravidade do famigerado circunlóquio a nível de1; mas o fazem sem fundamentos específicos maiores e sem indicação alguma de argumentos tecnicamente aceitáveis. 3) E, diante dessa situação, o que se pode dizer é que, entre os gramáticos tradicionais, não há objeção quanto a seu emprego, e o Dicionário Houaiss abona seu uso, conferindo-lhe o sentido de a pretexto de, e lhe dá significativo exemplo de uso correto: "Por conta de sua doença, não vai às reuniões de condomínio".2 4) De modo específico em resposta à indagação do leitor, pode-se afirmar que a expressão por conta pode, sim, ser empregada - e com correção - no sentido de em razão de ou a pretexto de, ou em casos em que há um sentido de uma causa e um efeito ou uma consequência. 5) E, como não foi trazido exemplo algum com esse conteúdo semântico, alinham-se, para ilustração, dois exemplos de seu emprego correto: (i) "O trânsito foi alterado por conta das obras na região"; (ii) "O servidor foi advertido por conta de uma falta grave, comprovada em regular processo administrativo". __________ 1 RODRIGUES, Sérgio. Cuidado: 'por conta de' é o novo 'a nível de'. Disponível aqui. Acesso em 17.06.2020. 2 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 815.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Parcelas divididas - É pleonasmo?

1) Uma leitora envia mensagem na qual indaga de modo simples e objetivo: "parcelas divididas" é pleonasmo? 2) Ora, pleonasmo (de pleos, em grego, que quer dizer abundante) significa, em síntese, uma repetição, no falar ou no escrever, de ideias ou palavras que tenham o mesmo sentido. 3) Trata-se de termo genérico, que tanto pode adornar a linguagem, como torná-la feia e sem encanto. No primeiro caso, em que se busca dar força à expressão, chama-se pleonasmo de estilo. Ex.: "Vi com meus próprios olhos". No segundo caso, caracteriza vício da linguagem e chama-se pleonasmo vicioso, porquanto, longe de enfeitar o estilo, apenas repete desnecessariamente ideia já referida. Ex.: "Subir para cima". 4) Na lição de Vitório Bergo (1944, p. 183), a expressão com pleonasmo de estilo constitui construção irrepreensível, porque "o pleonasmo deixa de considerar-se vício para classificar-se como figura desde que, sem tornar deselegante a frase, contribua para dar maior relevo à ideia". 5) Lembrando que o pleonasmo pode ser representado pela repetição de pronomes, Mário Barreto leciona que "uma boa coleção de pleonasmos possui a língua portuguesa na combinação das formas pronominais, tônicas e atônicas, podendo o pronome absoluto preceder o pronome conjunto complemento: dá-lhe a ele; a mim parece-me que...; parece-me a mim que...; a ti não te faço mal; a mim basta-me a satisfação de ter descoberto estas pérolas; a ele eu não lhe disse nada; ele disse-mo a mim..." (1954a, p. 264). Acrescentem-se aqui expressões como "Não lhe resta ao credor outro caminho...". 6) Quando, em vez de dar reforço ao estilo, significa desnecessária e feia redundância, o pleonasmo é vicioso e também se denomina tautologia (de tautos, em grego, que exprime a ideia de mesmo, de idêntico). Caracteriza-se, em síntese, pela seguida repetição, por meio de palavras diferentes, de um pensa[1]mento anteriormente enunciado, baseando-se "no desconhecimento da verdadeira significação dos termos empregados, provocando redundância ou condenável demasia verbal" (XAVIER, 1991, p. 95). 7) Além dos lapsos mais comuns nesse campo dos pleonasmos viciosos (subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, menino homem...) e verificáveis até com perfunctório cuidado, há outros de identificação mais difícil, mas que, de igual modo, devem ser evitados, ainda que à custa de maior atenção: breve alocução (alocução já significa um discurso breve), monopólio exclusivo (está ínsita em monopólio a ideia de exclusividade), principal protagonista (protagonista já é o personagem principal), manusear com as mãos (manusear já tem por radical, em latim, a ideia de atuar com as mãos), preparar de antemão (por força do prefixo latino pre, preparar já tem em si a ideia de anterioridade), prossegui adiante (não há como prosseguir para trás, já que o prefixo latino pro tem o significado de movimento para a frente), prever antes (por força do prefixo latino pré, significando anterioridade, prever depois não é prever), prevenir antecipadamente (o prefixo latino pre já traz em si a ideia de anterioridade), repetir de novo (em razão do prefixo latino re, repetir já signifi ca atuar de novo), boato falso (boato já significa um relato sem correspondência com a verdade). 8) Veja-se como nem sempre é fácil identificar tautologias, quer por desconhecimento do real significado das palavras, quer porque há expressões que estão enraizadas no uso e são de difícil expurgo: abertura inaugural, acabamento final, detalhes minuciosos, metades iguais, empréstimo temporário, encarar de frente, planejar antecipadamente, superávit positivo, vereador da cidade. 9) Quanto à questão da consulta, é certo observar, num primeiro aspecto, que parcelas já significam montante dividido em prestações pagas com certa periodicidade. E, nesse sentido, como lembra a leitora, parcela já significa divisão e contém em si algo de pleonasmo. E, nesse sentido, não parece haver campo para dizer parcelas divididas. 10) Mas pode não ser assim. Veja-se, como exemplo, a hipótese de uma dívida a ser paga em parcelas, a qual venha a ser renegociada, pouco após a celebração do contrato, por questões de pandemia, de modo que as quatro primeiras prestações venham a ser redivididas para serem pagas em oito vezes. E uma cláusula do termo de aditamento pode muito bem ser assim redigida: "Somente após o pagamento das quatro parcelas divididas nos termos anteriormente discriminados é que se haverá de retomar, na sequência, o pagamento das demais do contrato" 11) E, assim, precisam ser feitas as seguintes ponderações: (i) pleonasmo significa, em síntese, repetição de ideias; (ii) dizer que uma expressão é um pleonasmo não basta para extrair daí qualquer ilação importante; (iii) é que essa repetição de ideias é, às vezes, ornamento do estilo; (iv) outras vezes, é vício de linguagem; (v) essa divisão depende do bom gosto e do estilo de seu emprego; (vi) e o que, todavia, aparenta ser um vício de linguagem à primeira vista, pode não se confirmar em uma análise mais profunda.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Nu-proprietário - Qual o plural e o feminino?

1) Um leitor envia a seguinte indagação: "Tenho dúvidas a respeito do plural do termo nu-proprietário, bem como da forma feminina do referido termo. Utilizar nus-proprietários ou nuas-proprietárias não me parece o mais correto, por isso gostaria que, se possível, esclarecesse a minha dúvida. Desde já agradeço a sua atenção e o parabenizo pelo ótimo trabalho desenvolvido nessa coluna". 2) No que diz respeito aos dispositivos legais, vejam- -se dois aspectos importantes: a) pela lei, "o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" (CC, art. 1.228, caput); b) por outro lado, em disposição legal não repetida pela codificação em vigor, mas com elementos integralmente válidos na atualidade, "quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos" na pessoa do proprietário, "é plena a propriedade"; em caso contrário, a propriedade será limitada (CC/1916, art. 525). 3) No caso do usufruto, por exemplo, o direito de usar e gozar dos bens se desloca para a pessoa do usufrutuário, e fica ao proprietário, ainda que temporariamente, apenas o direito de dispor deles, de modo que, sendo ele um proprietário despido de alguns dos poderes inerentes ao domínio, chama-se, tecnicamente, nu-proprietário. 4) Assim, nu-proprietário é aquele que tem a propriedade que não é plena, que está despojado ou despido do gozo da coisa, tendo o que, no Direito Romano, se conhecia como a nuda proprietas (DE PLÁCIDO E SILVA, 1989, p. 258). 5) A grafia de tal vocábulo se dá com hífen, como registra o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial ordenador do modo de grafar as palavras em nosso idioma (2009, p. 588). 6) Quanto à flexão de nu-proprietário para o feminino ou para o plural, Antonio Henriques manda variar "só o último elemento. Daí: nu-proprietário; nu-proprietários; nu-proprietária; nu-proprietárias" (1999, p. 121). 7) Em mesma esteira, Napoleão Mendes de Almeida (1981, p. 209-10) vê em tal expressão tão somente um adjetivo composto e, quanto à flexão, manda dizer nu-proprietária e nu-proprietários. 8) Uma análise acurada da realidade efetiva, todavia, revela que tal vocábulo pode ser um adjetivo composto ou um substantivo composto, conforme a situação: a) "O nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel" (substantivo composto); b) "O casal nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel" (adjetivo composto). 9) E, porque a expressão nu-proprietário às vezes é um substantivo composto e às vezes é um adjetivo composto, então o melhor é observar as específicas regras de flexão aplicáveis a um e a outro. 10) Assim, quando se trata de um substantivo composto - como na frase "O nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel", em que ambos os elementos são variáveis (nu é adjetivo, e proprietário é substantivo) - então se aplica a regra de flexão dos substantivos compostos segundo a qual cada elemento individualmente variável sofre sua normal flexão para o feminino ou para o plural, não importando seja ele o primeiro ou o segundo elemento do substantivo composto (o nu-proprietário, a nua-proprietária, os nus-proprietários, as nuas-proprietárias), a exemplo de pública-forma (cujo plural é públicas- formas). 11) Quando, porém, é um adjetivo composto - como na frase "O casal nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel" - então se aplica a regra de flexão dos adjetivos compostos, segundo a qual o primeiro elemento é sempre invariável, e o segundo só varia para o plural ou feminino, quando ele próprio é um adjetivo (casal nu-proprietário, pessoa nu-proprietária, casais nu-proprietários, pessoas nu-proprietárias). 12) Nessa esteira, veja-se a correção do Dicionário Houaiss, o qual, para o substantivo nu-proprietário, registra o plural nus-proprietários (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 2.037). 13) Tal solução não é artificiosa, e seu acerto pode ser percebido, quando se compara a questão aqui analisada com a flexão do vocábulo surdo-mudo, com o qual guarda certa similitude, já que este último também pode às vezes ser um substantivo composto e às vezes um adjetivo composto. 14) Pois bem: Sousa e Silva, discutindo o problema de surdo-mudo, não partilha do entendimento de alguns escritores, que têm laborado no engano "de aplicar ao adjetivo as flexões do substantivo" (no caso ora discutido a questão é inversa, pois se in[1]tenta aplicar ao substantivo as flexões do adjetivo). 15) Bem por isso, doutrina tal gramático, em lição perfeitamente amoldável ao caso concreto: a) "Empregado como substantivo, faz no plural masculino surdos-mudos; no singular feminino, surda-muda; no plural feminino, surdas-mudas"; b) "Como adjetivo, conserva inalterado o primeiro elemento: meninos surdo-mudos, criança surdo-muda, operárias surdo-mudas". 16) Vale dizer (SILVA, A., 1958, p. 289): a) como adjetivo, conserva nu-proprietário inalterado o primeiro elemento (casal nu-proprietário, pessoa nu-proprietária, casais nu-proprietários, pessoas nu-proprietárias); b) como substantivo, entretanto, já que seus elementos componentes são variáveis, ambos sofrem sua normal flexão para o feminino ou para o plural (o nu-proprietário, a nua-proprietária, os nus-proprietários, as nuas-proprietárias). 17) O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa não é claro a esse respeito e, assim, não elimina as dúvidas, uma vez que: a) explicita a possibilidade de seu emprego como substantivo e como adjetivo; b) dá como plural apenas nus-proprietários; c) mas não especifica se tal plural abrange o substantivo e o adjetivo, ou se se aplica apenas a um deles (VOLP, 2009, p. 588). Parece salutar, na prática, seguir as instruções anteriormente postas neste verbete. 18) Em resposta específica à questão trazida pelo leitor, podem-se fazer as seguintes ponderações: (i) a indagação do leitor não é clara para indicar se quer saber do vocábulo como um substantivo ou como um adjetivo; (ii) por isso a resposta deve ser bifurcada, conforme se considere o termo como um substantivo composto ou como um adjetivo composto; (iii) se se quiser considerar o termo como um substantivo composto, o melhor será nu-proprietário (masculino singular), nua-proprietária (feminino singular), nus-proprietários (masculino plural) e nuas-proprietárias (feminino plural); (iii) se, contudo, se quiser tê-lo como um adjetivo composto, então, na consonância com as lições anteriormente expendidas, o melhor será manter inalterado o primeiro elemento e variar o segundo deles, empregando, assim, nu-proprietário para o masculino singular, nu-proprietária para o feminino singular, nu-proprietários para o masculino plural e nu-proprietárias para o feminino plural.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Nós leitoras ou Nós leitores?

1) Uma leitora envia a seguinte indagação: "Como se escreve, quando me refiro ao gênero feminino: Nós leitoras ou Nós leitores? Ou as duas formas são corretas?" 2) Parta-se, por um lado, de um princípio importante: o feminino é um gênero marcado, o que significa que nele se abrangem apenas seres do feminino. Quando se diz que "A mulher ainda tem muito a conquistar na sociedade moderna", fica bem clara a extensão do substantivo sublinhado, que aponta para um ser com características e aspectos físicos muito próprios. 3) Acresça-se um segundo princípio também de grande relevo: o masculino não é necessariamente um gênero marcado, o que significa que nele podem estar abrangidos seres que não sejam do masculino. Desse modo, quando se diz que "O homem é mortal", ou quando se afirma que "O professor precisa repensar sua função na escola moderna", tanto se quer dizer que é mortal o homem como a mulher, do mesmo modo que precisam ter repensada sua função na escola moderna tanto o professor como a professora. 4) Feitas essas ponderações, extraem-se as seguintes ilações em resposta à indagação da leitora: (i) se a referência está sendo feita apenas a pessoas do sexo feminino que se dedicam à leitura, incluindo nesse grupo também quem está falando, então se há de dizer "nós, leitoras"; (ii) se a fala se refere apenas a seres do sexo masculino, incluindo quem está falando, então se deve dizer "nós, leitores"; (iii) por fim, se a fala se refere, de modo amplo, a seres do sexo masculino e a seres do sexo feminino, então se deve falar "nós, leitores", não importando se quem está fazendo tal afirmação é do sexo masculino ou do sexo feminino.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Não se faz ou Não se fazem?

1) Um leitor envia a seguinte indagação: "Gostaria de que o professor me esclarecesse como é certa a flexão do verbo fazer na frase 'Não se faz cidades inteligentes sem administradores inteligentes'; ou seria 'Não se fazem cidades inteligentes sem administradores inteligentes'"? 2) Em realidade, a necessidade de algumas explicações técnicas exige um raciocínio mais prolongado, razão pela qual se pede paciência do leitor para acompanhar o raciocínio mais extenso, a começar por um primeiro bloco de premissas. 3) Parte-se do princípio de que voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato, conforme o sujeito pratique ou receba a ação indicada pelo verbo: (i) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir); (ii) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir). 4) Embora se pretenda utilizar no mínimo as explicações técnicas, não se pode fugir aqui à afirmação de que, por um lado, o objeto direto da voz ativa (no caso, sentença) torna-se sujeito da voz passiva, enquanto, por outro lado, o sujeito da voz ativa (no exemplo, magistrado) passa a ser o agente da passiva. 5) Também como regra, pela própria estruturação apresentada (já que é necessário existir um objeto direto na ativa para haver voz passiva), só tem voz passiva um verbo que seja transitivo direto ou transitivo direto e indireto (também conhecido como bitransitivo). 6) Num segundo bloco de premissas, vê-se que, diferentemente da frase "Gosta-se de um bom vinho" - com a qual deve ser sempre comparada em análise - uma frase como "Aluga-se uma casa", em que há um se acoplado ao verbo, pode ser dita de outra forma: "Uma casa é alugada". 7) E, por permitir essa transformação, pode-se dizer que é uma frase reversível, que serve de modelo para todas as outras, também reversíveis, que tenham o se unido ao verbo desse modo. 8) Em frases reversíveis dessa natureza, podem-se extrair as seguintes conclusões: (i) se a frase é reversível, o exemplo está na voz passiva sintética; (ii) o se, nesse caso, é partícula apassivadora; (iii) o sujeito é uma casa (insista-se, sujeito e não objeto direto). 9) Por essas razões, se, em vez de uma casa, se diz casas, tem-se, por consequência, que o sujeito está no plural, de modo que o verbo também deve ir para o plural ("Alugam-se casas", e não "Aluga-se casas"). 10) Por outro lado, na frase "Gosta-se de um bom vinho", não é possível dizê-la de outro modo, de modo que se pode afirmar que não é uma frase reversível, e nela o raciocínio que se faz é o seguinte: (i) se não é reversível, uma frase assim tem um sujeito indeterminado (equivale a "Alguém gosta de um bom vinho"); (ii) nesse caso, o se se chama símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; (iii) o termo "de um bom vinho" é objeto indireto; (iv) na prática, se esse termo é preposicionado (como no caso, em que é precedido pela preposição de), isso já é sinal de que a frase não é reversível; (v) como "um bom vinho" não é o sujeito, se ele é posto no plural, o verbo em nada é afetado ("Gosta-se de bons vinhos"), já que, afinal, a regra diz que o verbo concorda com o seu sujeito. 11) Com essas premissas, podem-se extrair algumas conclusões para a dúvida do leitor: (i) se a frase permite reversão, então deve ela ser tratada como efetiva frase reversível, não admitindo outro raciocínio; (ii) na prática, se "Não se fazem cidades inteligentes sem administradores inteligentes" permite ser tornada em "Cidades inteligentes não são feitas sem administradores inteligentes", não se pode pretender raciocinar conferindo ao exemplo a conotação semântica de "Ninguém faz cidades inteligentes sem administradores inteligentes"; (iii) e isso quer dizer (a) que ele está na voz passiva sintética, (b) que o se é partícula apassivadora e (c) que o sujeito é cidades inteligentes, de modo que seu único modo de ir para o plural é "Não se fazem cidades inteligentes..."; (iv) vale dizer, ao revés, que não se pode pensar como se o exemplo estivesse na voz ativa, sendo o se um índice de indeterminação do sujeito, e como se cidades inteligentes fosse um objeto direto; (v) insista-se em que a consideração do exemplo como frase reversível é obrigatória, e não optativa, e também obrigatórias são as conclusões, tais como acima extraídas. 12) Confirmando o raciocínio acima realizado, lembre-se o ensino de Mário Barreto: "Pondo de lado discussões teóricas, complicadas e difíceis, todos, na prática, estamos de acordo, sábios e leigos, em que viu-se muitas desgraças, aceita-se comensais, via-se lindas flores, aqui vende-se jornais [...] são concordâncias absolutamente intoleráveis em português".1 13) Ou seja: pelas observações já feitas, tais frases, exatamente por serem reversíveis, devem ser obrigatoriamente assim corrigidas: viram-se muitas desgraças, aceitam-se comensais, viam-se lindas flores, aqui vendem-se jornais. 14) Vale, em abono, registrar a observação de Júlio Nogueira2, para quem, em situações dessa natureza, a índole de nossa língua exige que se concorde o verbo com o seu sujeito (Alugam-se casas), do mesmo modo como usaríamos o plural com outra forma passiva (Casas são alugadas). 15) Atente-se, de igual modo, à admoestação de Eduardo Carlos Pereira de que "são, pois, solecismos, que importa evitar, as expressões: Corta-se árvores, Vende-se queijos, Conserta-se relógios, Compra-se livros usados, Ferra-se cavalos".3 16) A exemplo de ensino anterior, tais frases devem ser assim corrigidas: Cortam-se árvores, Vendem-se queijos, Consertam-se relógios, Compram-se livros usados, Ferram-se cavalos. 17) Ainda se deve lembrar que, a um consulente que lhe indagava qual a forma correta - Fez-se tentativas ou Fizeram-se tentativas -, Cândido de Figueiredo, asseverando que, "a este respeito, não pode haver duas opiniões fundamentadas", observava ser "pecado grave contra a língua portuguesa" a primeira forma, que "é construção francesa, e portanto galicismo de frase, além de erro de gramática".4 18) De modo objetivo, responde-se à indagação do leitor: a única forma correta de dizer no plural o exemplo por ele proposto é "Não se fazem cidades inteligentes sem administradores inteligentes"; é errado em português, portanto, dizer e escrever "Não se faz cidades inteligentes sem administradores inteligentes". _______ 1 BARRETO, Mário. Através do Dicionário e da Gramática. 3. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954, p. 263. 2 NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959, p. 72. 3 PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924, p. 321. 4 FIGUEIREDO, Cândido. Falar e Escrever. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1948, vol. I, p. 13-14.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Morto ou Falecido?

1) Dois leitores, utilizando exemplos diferentes, acabam por fazer a mesma indagação, que assim pode ser resumida: é correto dizer "Fulano de Tal, grande jurista, morto em 2010, contribuiu ..."; ou, então, "Fulano de tal.... morto no dia tal, no instituto do coração..."? Acrescente-se, para facilitar a explicação, um outro exemplo: "O bandido, morto na prisão, tinha pena longa para cumprir". 2) Um primeiro esclarecimento já começa a resolver a questão em sua base: curiosamente, morto é o particípio passado irregular de dois verbos quase que opostos: matar e morrer. Exs.: a) "A vítima está morta" (morrer); b) "O ladrão também foi morto" (matar). 3) Para completar as premissas para o raciocínio aqui feito, anota-se que os particípios passados de tais verbos são, respectivamente, morrido e matado. Exs.: a) "A vítima tinha morrido"; b) "A polícia havia matado o bandido". 4) Ora, porque morto é particípio passado irregular tanto de matar como de morrer, verbos esses de conteúdo semântico quase que oposto, acaba ocorrendo obscuridade quanto ao sentido da frase quando ele é empregado sem maior atenção: (i) assim, quando se diz "Fulano de Tal, grande jurista, morto em 2010, contribuiu ...", não se sabe se ele morreu de causas naturais, ou se foi assassinado; (ii) o mesmo se dá quando se diz "Fulano de Tal, morto no dia tal no Instituto do Coração...". 5) Ante essas considerações, podem-se observar os seguintes aspectos: (i) num primeiro plano, deve-se afirmar que está gramaticalmente correto o emprego dos verbos tais como propostos nos exemplos das consultas; (ii) num segundo aspecto, entretanto, o certo é que, quanto ao sentido, vê-se que - uma vez que morto é o particípio passado irregular tanto de matar como de morrer - os exemplos acabam mergulhados na ambiguidade em boa parte das falas; (iii) e, assim, o melhor, para evitar ambiguidade e obscuridade, é substituir tal verbo por um sinônimo que não dê margem a nenhuma dúvida semântica. 6) Por isso se particularizam as seguintes situações: (i) quanto ao exemplo acrescido "O bandido, morto na prisão...", deve-se optar por "O bandido, falecido na prisão..." para a hipótese de morte por causas naturais, ou "O bandido, assassinado na prisão..." para o caso de morte causada por terceiros; (ii) seguindo o mesmo raciocínio para o primeiro exemplo da consulta, deve-se preferir "Fulano de Tal, grande jurista, falecido em 2010, contribuiu ..." ou "Fulano de Tal, grande jurista, assassinado em 2010, contribuiu ..."; (iii) de igual modo para o segundo exemplo da consulta, é melhor especificar, dizendo "Fulano de tal.... falecido no dia tal, no instituto do coração...", ou "Fulano de tal.... assassinado no dia tal, no instituto do coração...".
quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Maiores indagações - Existe a expressão?

1) Um leitor indaga, de modo bastante objetivo, se é correta a expressão maiores indagações. 2) Ora, em Direito se fala, por um lado, de questão de alta indagação, que é aquela que está a exigir um exame profundo de questões, a depender de diligências, documentos, testemunhas e perícia, com amplo debate sobre a matéria pelas partes interessadas. 3) No conceito de Vicente Greco Filho, questões de alta indagação são aquelas que "dependem de cognição com dilação probatória não documental, bem como aquelas que, por força de lei, somente podem ser resolvidas em processo com contraditório pleno, em procedimento ordinário, como, por exemplo, a anulação de casamento, a anulação de testamento depois de registrado, a investigação de paternidade, quando contestada".1 4) Nessa esteira, embora o Código de Processo Civil de 2015 seja silente a esse respeito, a codificação revogada de 1973 trazia disposições importantes sobre o assunto: (i) determinava, assim, que, no inventário, "o juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas" (art.  984); (ii) ainda nas discussões do inventário, "se a matéria for de alta indagação, o juiz remeterá as partes para os meios ordinários, não podendo o herdeiro receber o seu quinhão hereditário, enquanto pender a demanda, sem prestar caução correspondente ao valor dos bens sobre que versar a conferência" (art. 1.000, parágrafo único); (iii) também no que tange às colações, "se a matéria for de alta indagação, o juiz remeterá as partes para os meios ordinários, não podendo o herdeiro receber o seu quinhão hereditário, enquanto pender a demanda, sem prestar caução correspondente ao valor dos bens sobre que versar a conferência" (art. 1.016, § 2º). 5) Por outro lado, também se fala em Direito acerca da indagação simples, que é aquela que pode ser processada e comprovada por meio de diligências rápidas e breves ou de provas exibidas no momento, como por documento autêntico. 6) É dela, aliás, que falava o art. 984 do CPC-1973, quando, excepcionando os casos de alta indagação, mencionava, em contraposição, "as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento". 7) Feitas essas considerações como premissas, importa acrescer que é comum, sem que se possa tachar de incorreta, a expressão maiores indagações, a abranger aquelas questões que, em última análise, exigem alta indagação. __________ 1 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 3, p. 241.
quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Magistrada - Existe?

1) Um leitor parte do princípio de que, ao contrário de juiz, para o qual há no VOLP e em alguns dicionários o feminino juíza, o mesmo não se dá com o feminino magistrada, para o qual não encontrou registros em tais obras. Por esse motivo indaga se existe tal feminino e se está correto seu emprego, mesmo não havendo seu registro no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado oficialmente pela Academia Brasileira de Letras, nem nos principais dicionários. 2) Para bem entender a dúvida do leitor, anote-se que, entre nós, tem-se a Academia Brasileira de Letras como o órgão incumbido, desde a edição da lei 726/1900, de definir a existência, a grafia oficial, o gênero e as peculiaridades dos vocábulos em nosso idioma, e ela, para atender a essa função, o faz pela edição, de tempos em tempos, do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Mais modernamente, ela também tem disponibilizado em seu site pela internet o rol dessas palavras e expressões oficialmente existentes. 3) E, assim como os dicionários, o VOLP tem por regra registrar o masculino dos nomes, mas não o feminino, nem os respectivos plurais, se estes não apresentam peculiaridade alguma que mereça alguma observação: magistrado, desembargador, relator, revisor. Trata-se de questão de mera economia, para não haver um aumento excessivo da extensão das listas dos nomes nessas obras. E seus femininos são formados de acordo com regras gerais: magistrada, desembargadora, relatora, revisora. 4) Quando, todavia, o feminino ou o plural apresentam alguma peculiaridade digna de nota, então, até para efeito de eliminação de dúvidas, o VOLP faz questão de registrar especificamente tais formas. 5) É o que ocorre com juiz, que não tem acento no masculino, mas o tem no feminino (juíza).1  E também com a palavra mestre, que conta com o registro do feminino mestra2 , e isso porque alguns têm a tendência de negar a existência da forma por último referida, dizendo, em vez do modo correto mestra e doutora, a expressão equivocada mestre e doutora. 6) Resumindo a questão para responder, de modo especial à dúvida do leitor, assim como existe juíza no feminino, também existe magistrada, e o registro da primeira e não da segunda de tais formas no VOLP se deve ao fato de que, ao contrário da primeira delas, não há peculiaridade alguma a ser ressaltada na segunda. Simples economia de espaço e de tempo, tanto de escrita como de consulta. __________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 480. 2 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 544.
quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Induzir a erro ou Induzir em erro?

1) Um leitor indaga, em síntese, qual a forma correta: (i) "Induzindo-o a erro"; (ii) "Induzindo-o em erro". 2) No sentido de concluir, deduzir, inferir, pressupor, é transitivo direto (FERNANDES, 1971, p. 383). Ex.: "Os alunos induzirão a regra depois da observação dos seguintes exemplos..." (Sá Nunes). 3) No sentido de causar, provocar, originar, resultar em, constrói-se com objeto direto (que pode ser sujeito na voz passiva). Exs.: a) "A nulidade do instrumento não induz a do ato, sempre que este puder provar-se por outro meio" (CC/1916, art. 152, parágrafo único, e CC/2002, art. 183); b) "... A nulidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal" (CC/1916, art. 153, e CC/2002, art. 184); c) "A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa" (CPC/1973, art. 219); d) "A nulidade do ato não é induzida pela do instrumento..."; e) "A nulidade da obrigação principal não é induzida pela das acessórias"; f) "A litispendência é induzida pela citação válida...". 4) Observe-se, por oportuno, que o art. 678 do Projeto do Código Civil trazia a expressão "induzem à propriedade"; apontando a erronia, Rui Barbosa asseverou que "o verbo induzir pede complemento direto" (1949, p. 231). 5) No sentido de instigar, incitar, persuadir alguém, por meio de argumentos artificiosos, a praticar certo ato, aparece sob a construção induzir alguém a algo. Ex. "Carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade: ... c) O que por meio de dolo ou coação induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu" (CC português, art. 2.034º, c). 6) No sentido de arrastar, fazer cair em erro, observa Francisco Fernandes (1971, p. 383) que o objeto indireto vem regido pela preposição em (induzir alguém em). Ex.: "Quando, nos seus escritos, estatuiu leis gramaticais, foi para induzir em erro os que as observassem" (Rui Barbosa). 7) Com essas observações como premissas e voltando à dúvida trazida pelo leitor, podem-se, então, extrair as seguintes ilações: (i) por um lado, no caso, pode-se pensar no verbo induzir com o sentido de levar alguém, por meio de argumentos artificiosos, a praticar certo ato; (ii) com esse significado, como se viu, permite-se a construção induzir alguém a algo; (iii) por outro lado, também se pode imaginá-lo com o conteúdo semântico de arrastar, de fazer cair em erro; (iv) e, assim, também se pode permitir a construção induzir alguém em; (v) bem por isso, tanto está correta a construção Induzindo-o em erro, como também o está Induzindo-o a erro.
quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Extirpe - Pode ser o ato de extirpar?

1) Um leitor indaga, em síntese, se extirpe pode ser usada, em nosso idioma, como o substantivo do verbo extirpar, como no seguinte exemplo: A extirpe das formigas. 2) Inicia-se esta resposta com a observação de que, entre nós, tem-se a Academia Brasileira de Letras como o órgão legalmente incumbido, desde a edição da Lei 726/1900, de definir a existência, a grafia oficial, o gênero e as peculiaridades dos vocábulos em nosso idioma, e ela, para atender a essa função, o faz pela edição, de tempos em tempos, do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Mais modernamente, ela também tem disponibilizado em seu site pela internet o rol dessas palavras e expressões oficialmente existentes. 3) Com essa anotação como premissa, uma consulta à referida obra revela que o vocábulo extirpe simplesmente não existe em nosso idioma, mas, para o ato de extirpar (ou seja, de arrancar, de exterminar, de fazer desaparecer), são registrados extirpação e extirpamento1.   4) Apenas se acrescenta que existe, sim, estirpe em português (assim com s, e não com x), mas seu sentido é totalmente outro, a saber, origem, linhagem, raça ou descendência2, ou, ainda, genealogia ou tronco familiar3. Ex.: "Vindo de tão nobre estirpe, não se poderia esperar outra pessoa". 5) Respondendo, então, diretamente, à indagação do leitor, podem-se fazer as seguintes afirmações: (i) o vocábulo extirpe não existe em nosso idioma; (ii) existe, sim, extirpação ou extirpamento, para se entender o ato de extirpar, de arrancar, de exterminar, de fazer desaparecer; (iii) é certo que também existe estirpe; (iv) seu significado, porém, é totalmente outro, vale dizer, origem, linhagem, genealogia, raça ou tronco familiar. __________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 359. 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 876. 3 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Ob¬jetiva, 2001, p. 1.256.
quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Excipiente e Excepto - Quem é quem?

1) Um leitor, em suas próprias palavras, faz a seguinte indagação: "Apesar de a figura da 'exceção' [...] ter sido abandonada na redação do Código de Processo Civil de 2015, o uso da expressão continua recorrente na linguagem jurídica. Nesse contexto, as expressões utilizadas para denominar as partes processuais nesses casos são as palavras 'excipiente' e 'excepto'. Os termos, entretanto, são frequentemente trocados na prática forense. Enquanto a figura não é abandonada (especialmente porque ainda existe no Código de Processo Penal), remanesce a questão: qual designa o autor e qual designa o réu?" 2) O Código de Processo Civil de 1973 falava expressamente da possibilidade de arguição de exceção de incompetência (art. 112), de impedimento (art. 134) ou de suspeição (art. 135); e o art. 307 e o art. 312 referiam expressamente o excipiente como aquele que ajuizava a exceção, e o art. 308 mencionava o excepto como aquele contra quem ela era aforada. Já o CPC de 2015, por sua vez, tratando o assunto de outro modo, não mais fala em exceção, nem em excipiente, nem, muito menos, em excepto. 3) Ora, pela própria matéria retratada nas respectivas peças da codificação revogada, vê-se que as exceções poderiam, conforme o caso, ser manejadas ora pelo autor, ora pelo réu. Bem por isso, o art. 312 dizia de modo genérico e abrangente que "a parte [sem especificar se era o autor ou o réu] oferecerá a exceção de impedimento ou de suspeição, especificando o motivo da recusa (arts. 134 e 135)". 4) Com essas observações como premissas, podem-se extrair, em síntese, as seguintes conclusões práticas para a indagação do leitor: (i) as exceções, tais como previstas no Código de Processo Civil revogado, podiam ser de incompetência, de impedimento ou de suspeição; (ii) quem promovia a exceção era o excipiente, e aquele contra quem se promovia era o excepto; (iii) como qualquer das partes, conforme o caso, poderia ajuizá-la, não se pode, de modo genérico, abrangente e apriorístico, vincular o excipiente ou o excepto ao autor ou ao réu.  
quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Et al. - Deve-se escrever em itálico?

1) Um leitor indaga, em síntese, se a expressão latina et al. deve ser escrita em itálico. 2) Como observações introdutórias, antes de passar à resposta específica da questão apontada, ressaltam-se os seguintes aspectos: (i) a expressão et al. constitui abreviatura de et alii; (ii) pronuncia-se ét áli-i; (iii) significa e outros; (iv) vem do latim; (v) constitui expressão muito usada em dissertações, teses e obras científicas, para indicar uma obra que foi elaborada por diversos autores (Ex.: "Como diz, em obra conjunta, Arruda Alvim et alii..."). 3) Com essas observações como premissas, passa-se a responder à indagação formulada pelo leitor, cuja dúvida, em síntese, é saber se, ao escrever uma palavra ou expressão em língua estrangeira, é preciso ou não grafá-las entre aspas, negrito, itálico, ou sublinhá-la. 4) A par de outros usos que possam ter as aspas, o itálico, o negrito e a sublinha, o certo é que também são eles empregados para grafar um vocábulo ou expressão que não pertençam ao nosso idioma. 5) E se esclarece, adicionalmente, que não há hierarquia, preferência ou maior correção nesse rol, de modo que assiste ao usuário do idioma optar pelo recurso que lhe convier na respectiva redação. 6) Vejam-se, assim, os seguintes exemplos, todos igualmente corretos perante nosso idioma: a) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como "à vol d'oiseau" ou "performance", que podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como, por exemplo, superficialmente e desempenho; b) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como à vol d'oiseau ou performance, que podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como, por exemplo, superficialmente e desempenho; c) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como à vol d'oiseau ou performance, que podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como, por exemplo, superficialmente e desempenho; d) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como à vol d'oiseau ou performance, que podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como, por exemplo, superficialmente e desempenho. 7) Em resumo, a expressão trazida pela consulta do leitor, por ser de origem estrangeira, deve vir realçada no texto por algum modo e, na prática, pode ser grafada entre aspas, negrito, itálico ou sublinha, modos esses todos corretos e intercambiáveis, sem qualquer ordem de preferência ou correção: (i) "et al."; (ii) et al.; (iii) et al.; (iv) et al.
quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Diagnosticar - Como construir seu complemento

1) Um leitor indaga, em síntese, qual das duas construções é gramaticalmente correta: (i) "A doença foi diagnosticada no paciente"; (ii) "O paciente foi diagnosticado com a doença". 2) Observe-se, num primeiro plano, que o verbo diagnosticar vem do grego, mais especificamente do prefixo dia (que significa através de) e do radical gnos (que quer dizer conhecer). Assim, no campo da Medicina, através dos diversos exames e outras circunstâncias, vêm a ser conhecidas as causas de uma doença específica. 3) E, como os dois exemplos trazidos pelo leitor estão na voz passiva (ou seja, os sujeitos "doença" e "paciente" recebem ou sofrem a ação indicada pelo verbo), pode-se alargar a questão, para assim também ampliar os exemplos para a voz ativa (em que o sujeito pratica a ação indicada pelo verbo) e, assim, tornar de mais fácil solução o desafio: (i) "O médico diagnosticou a doença no paciente"; (ii) "O médico diagnosticou o paciente com a doença". 4) E, com isso, passa-se, de início, à análise dos exemplos na voz ativa, observando que a indagação do leitor, em síntese, busca saber se o correto, no plano da Gramática, é construir (i) o objeto da ação de diagnosticar como coisa (no caso, doença), ou como pessoa (na hipótese versada, o paciente). 5) Ora, Francisco Fernandes, em obra clássica sobre a complementação dos verbos em tais circunstâncias, defende como única possibilidade, em casos dessa natureza, a construção do complemento como a coisa e se esteia, para tanto, em exemplo de autor insuspeito: "Há uma enfermidade? Eles a diagnosticam" (Rui Barbosa).1 6) Não diverge dessa posição outro autor de peso, Celso Pedro Luft, que traz exemplos não menos significativos, e em todos figura a coisa (e não a pessoa) como complemento: (i) "Diagnosticar a origem de um mal"; (ii) "Diagnosticar deficiências, males sociais, etc."2 7) Com essas considerações como premissas, podem-se extrair as seguintes conclusões, com os olhos diretamente voltados aos exemplos do leitor: (i) "O médico diagnosticou a doença no paciente" (correto); (ii) "A doença no paciente foi diagnosticada pelo médico" (correto); (iii) "O médico diagnosticou o paciente com a doença" (errado); (iv) "O paciente foi diagnosticado com a doença pelo médico" (errado). __________ 1 FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, 4. ed., 16. Impressão, p. 241. 2 LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. São Paulo: Editora Ática, 1999, 8. ed., p. 211.
quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Ensinando a aprender - Está correto?

1) Uma leitora relata ter lido em uma revista um anúncio de escola com o seguinte slogan: "Ensinando a aprender a estudar". E indaga se o correto não seria simplesmente "Ensinando a estudar". 2) Observa-se, de início, que a questão aqui posta não diz respeito diretamente à Gramática, e sim à Estilística (que é o "ramo da linguística que estuda a língua na sua função expressiva, analisando o uso dos processos fônicos, sintáticos e de criação de significados que individualizam estilos".1 3) Com essa observação, vê-se que, quando se diz "ensinando a aprender a estudar", considera-se um originador do ato de ensinar, um destinatário desse ato e, entre ambos, o objeto respectivo; já quando se diz "ensinando a estudar", o destinatário fica subentendido. 4) Ambas as expressões, entretanto, são corretas e intercambiáveis no plano gramatical, e quem criou o slogan do caso da consulta, ao que tudo indica, quis valer-se, para efeito de propaganda, da contraposição de conteúdo entre os vocábulos ensinar e aprender. 5) Em termos de estrutura de conversa, importa observar que, quando todos os termos estão aparentes, o autor da expressão vale-se de uma Lógica direta (que pressupõe a presença de todos os termos, sem subentender nenhum deles), enquanto aquele que subentende algum deles vale-se da Lógica indireta. 6) Comparando os povos em suas características, pode-se dizer que os portugueses são mais chegados à Lógica direta, enquanto os brasileiros, à indireta. E isso pode dar margem a mal-entendidos e a situações curiosas, como se passa a exemplificar. 7) Um amigo brasileiro que adquiriu a cidadania portuguesa e resolveu visitar Portugal, viajou por uma companhia aérea portuguesa. Ao ser servido o jantar, uma comissária de bordo portuguesa lhe perguntou: "Aceita jantar?" E ele respondeu com outra pergunta: "Quais são as opções?" E ela lhe disse: "Sim ou não". 8) Uma análise do diálogo de acordo com os aspectos acima comentados mostra que, para se enquadrar na Lógica direta, meu amigo deveria primeiro responder à indagação dela com um "sim" ou "depende", e apenas em seguida fazer-lhe a pergunta "Quais são as opções". Ele, porém, suprimiu um "sim" imprescindível para a Lógica direta, e daí adveio toda a confusão. __________ 1 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 1.254.
1) Uma leitora indaga se, na expressão direito processual penal, é também possível a grafia direito processual-penal, entendendo-se, assim, processual-penal como um adjetivo composto. 2) Ora, pelo que determina o Acordo Ortográfico de 2008, a questão trazida para análise parece querer aplicar o seguinte princípio: emprega-se o hífen "nas palavras compostas por justaposição cujos elementos (substantivos, adjetivos, numerais ou verbos) constituem uma nova unidade morfológica e de sentido", como sócio-gerente, arco-íris e afro-luso-brasileiro.1 3) A questão, assim, passa pela análise dos elementos trazidos pela regra acima exposta: (i) se, embora estejam juntos na expressão, os elementos envolvidos (processual e penal) constituem uma nova unidade morfológica; (ii) se tais elementos constituem uma nova unidade de sentido. 4) Os estudiosos mais radicais poderiam dizer, por um lado, que essa unidade morfológica ou essa unidade de sentido deveriam ser entendidas, de modo restritivo, apenas para aqueles casos já consagrados no idioma, do que não cuidaria a hipótese em pauta, e isso sob pena de se ter que permitir a união de elementos por via do hífen para a quase totalidade dos casos em que dois adjetivos se juntem na frase em estruturação similar. 5) Já outros mais liberais poderiam defender a posição de que a expressão trazida para análise (e com ela outras similares e semelhantes) não deixa de constituir um circunlóquio tradicional bem mais que centenário, tempo esse mais do que suficiente para caracterizá-lo como uma nova unidade morfológica e de sentido. 6) Com essas considerações como premissas, parece importante anotar os seguintes aspectos pertinentes à matéria: (i) em termos formais, não há em Gramática uma regra impositiva sobre o que pode e o que não pode ser escrito com hífen em casos como o da consulta; (ii) a observação do que ocorre no idioma, contudo, conduz à conclusão de que o emprego do hífen nesses casos é mais restritivo, vale dizer, ocorre com mais frequência em hipóteses tradicionais, sem tendência a repetir-se em expressões novas; (iii) isso quer dizer que não é comum criar casos novos como o pretendido pelo exemplo da consulta; (iv) além disso, o emprego do hífen parece que nada acrescenta quanto ao significado da nova expressão, mas aparenta constituir apenas uma novidade gráfica, sem inovação semântica; (v) haveria, ademais, uma contraindicação do emprego do hífen ditada pela eufonia, uma vez que, como regra, varia apenas o último elemento do adjetivo composto para o feminino e para o plural, teríamos, como plural de regra processual-penal o rude circunlóquio regras processual-penais, enquanto, sem o hífen, o plural se faz normalmente como regras processuais penais. 7) Em resumo, embora não haja na Gramática uma regra que proíba o emprego do hífen na expressão direito processual-penal, as ponderações postas no item anterior contraindicam totalmente seu uso. __________ 1 INSTITUTO ANTONIO HOUAISS. Escrevendo pela nova ortografia: como usar as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa. (Coordenação e assistência de José Carlos Azeredo). São Paulo: Publifolha, 3. ed., 2009, p. 42.
quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Deságuam - Por que é acentuada?

1) Um leitor parte, por um lado, da afirmação de que, no final do vocábulo deságuam, há um tritongo; e indaga qual a regra que justifica sua acentuação. 2) Ora, em termos de fixação de premissas, importa observar que se costuma justificar a acentuação de vocábulos como Cláudia e Sílvio com o argumento de que são palavras paroxítonas (vale dizer, são palavras em que a sílaba forte é a penúltima) com ditongo na última sílaba (e ditongo significa tecnicamente dois sons vocálicos em mesma sílaba): Cláu-dia e Síl-vio. 3) E a razão para tais palavras receberem acento gráfico é que ditongos crescentes como esses (primeiro vem a semivogal [i, com som mais fraco] e depois a vogal [a ou o, com som mais forte]) também podem ser considerados hiatos (ou seja, sons vocálicos que se encontram na palavra, mas se põem em sílabas distintas) e, desse modo, tais palavras também podem ser consideradas proparoxítonas (e todas proparoxítonas são acentuadas em português): Cláu-di-a e Síl-vi-o. 4) Com essas ponderações, se o vocábulo da consulta fosse deságua, a explicação estaria clara: ou se considera uma paroxítona com ditongo na última sílaba (de-sá-gua), ou se considera uma proparoxítona (de-sá-gu-a); e, qualquer que seja a interpretação a esse respeito, o vocábulo é graficamente acentuado, já que em português tanto são acentuadas graficamente as paroxítonas terminadas com ditongo crescente como as proparoxítonas. 5) Quando, entretanto, se considera o vocábulo deságuam, o leitor tem razão, quando afirma que há um tritongo (três sons vocálicos) na última sílaba. É que, embora a representação do último som seja graficamente um m, o certo é que ele soa como um o anasalado (algo como deságuão). E, desse modo, partindo da representação gráfica por último referida, tem-se a divisão silábica em de-sá-guão, o significa a junção de três sons vocálicos em uma só sílaba. 6) Com essa explanação como premissa, acresce dizer que o mesmo motivo de acentuação gráfica de deságua perdura para deságuam, e até com maior razão: ou se considera que o último vocábulo é uma paroxítona com tritongo na última sílaba (de-sá-guam, com a realidade fonética de-sá-guão); ou, então, no mínimo, que é uma proparoxítona (de-sá-gu-am, com a realidade fonética de-sá-gu-ão). Nesse caso, não há razão para não considerar como motivação idêntica uma paroxítona com ditongo na última sílaba e uma paroxítona com tritongo na última sílaba.
quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Deletar - Existe em nosso idioma?

1) Um leitor indaga, em síntese, se existe no vernáculo, em linguagem culta, o vocábulo deletar. 2) Inicia-se esta resposta com a observação de que, entre nós, a Academia Brasileira de Letras é o órgão incumbido, desde a edição da Lei 726/1900, de definir a existência, a grafia oficial, o gênero e as peculiaridades dos vocábulos em nosso idioma. E ela, para atender a essa autorização legal, o faz oficialmente pela edição, de tempos em tempos, do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Mais modernamente, ela também tem disponibilizado em seu site pela internet o rol dessas palavras e expressões oficialmente existentes. 3) Com essa anotação como premissa, uma consulta à referida obra revela que o vocábulo deletar existe em nosso idioma ; além disso, para o Dicionário Aurélio, significa apagar ou eliminar , e o Dicionário Houaiss lhe acrescenta os sentidos de remover e suprimir.    4) Respondendo, então, diretamente, à indagação do leitor, pode-se afirmar que o vocábulo deletar existe, sim, em nosso idioma e tem os significados de apagar, eliminar, remover ou suprimir. 5) Vale acrescentar que sua origem mais direta e recente é o inglês, que introduziu o termo em nosso meio por via da informática; sua raiz mais remota, todavia, está no latim, em que o verbo delere (que deu origem à forma delir em português) apresenta, no supino (forma nominal de verbos que não tem correspondente no vernáculo), a forma deletum (que, entre nós, deu origem exatamente ao verbo deletar), todas elas exatamente com esse conteúdo semântico comum já referido.
1) Um ilustre leitor faz os seguintes e importantes registros: (i) é preciso inserir no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa palavras como compliance, coworking, lockdown, poadcast, além de hacker e hackeamento; (ii) o VOLP, ademais, ignora palavras encontradiças em peças jurídicas, como viralizar, oportunizar, dinamicidade e colidência; (iii) nesse quadro, qual o critério utilizado pela Academia Brasileira de Letras para incluir termos na mencionada obra. 2) Anote-se, de início, que a Academia Brasileira de Letras detém autoridade para definir a existência, a grafia, o gênero e outras circunstâncias das palavras em nosso idioma, e ela se desincumbe desse mister pela edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, uma espécie de dicionário que lista as palavras oficialmente reconhecidas e lhes fornece a grafia oficial e outros aspectos, muito embora normalmente não aponte seu significado. 3) E essa autoridade lhe advém de delegação ao longo dos tempos, como se pode constatar pelos seguintes dados históricos: (i) a introdução do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1943 registrava que "a Academia Brasileira de Letras recebeu de Sua Excelência o Senhor Presidente da República a incumbência de elaborar o vocabulário ortográfico de que tratam os decretos-leis 292, de 23 de fevereiro de 1938, e 5.186, de 13 de janeiro de 1943"; (ii) décadas mais tarde, quando houve alterações na acentuação gráfica, a Lei 5.765/1971, em seu art. 2º, incumbiu a ABL de promover "a atualização do Vocabulário Comum, a organização do Vocabulário Onomástico e a republicação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa"; (iii) pelo Acordo de 1990, a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras foram incumbidas de publicar um vocabulário ortográfico comum; (iv) por fim, quando da edição dos Decretos federais 6.583, 6.584 e 6.585, todos de 2008, com os quais que se aprovou o Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico daquele ano, o art. 2º deste último determinava que os Estados signatários tomariam as providências necessárias à elaboração de um vocabulário ortográfico por intermédio das instituições e órgãos competentes, o que, no que tange ao Brasil, significava a ABL. 4) Com essas informações como premissas, listam-se as seguintes datas em que foram editadas as versões do VOLP: 1981, 1998, 1999, 2004, 2009 e 2021 (esta disponível exclusivamente em versão on-line no site da ABL ou em aplicativo oficial). 5) Cingindo as presentes observações apenas às três últimas, anota-se que sua quarta edição (2004) removeu arcaísmos e termos dialetais em total desuso (como dereito, despois, frauta, frecha e treição, usados por Camões), aperfeiçoou o sistema de registro dos plurais de muitas palavras, principalmente dos substantivos compostos, e enriqueceu significativamente o rol dos vocábulos. Buscava, com isso, atender "a determinadas necessidades, cotidianas e práticas, dos usuários de um idioma vivo [...], tal como dele se servem, contemporaneamente, as pessoas instruídas no Brasil". 6) Sua quinta edição (2009), por um lado, incorporou as Bases do Acordo Ortográfico de 2008 e registrou as palavras do idioma já com as modificações atinentes à acentuação gráfica, ao trema e ao hífen; por outro lado, também acrescentou novos vocábulos. 7) Por fim, a sexta edição (2021), conforme registra sua Nota editorial, "conta com 382 mil entradas, mil palavras novas, incluindo os estrangeirismos, além de correções e informações complementares nos verbetes, como acréscimos de ortoépia (com indicação dos casos de metafonia), plural e, apenas em alguns casos, para desfazer dúvidas e ambiguidades, a indicação de homonímia, paronímia e significado". 8) Como se vê, num lapso temporal de pouco mais de dez anos, a mais recente edição inseriu oficialmente em nosso léxico nada menos do que mil vocábulos novos, tecnicamente denominados neologismos. Nesse passo, procurando acompanhar de perto o uso e a evolução do idioma, acrescentou termos originados do desenvolvimento científico e tecnológico e até mesmo incluiu palavras que surgiram no contexto da pandemia do novo coronavírus, além de adicionar vocábulos de uso comum, muito divulgados na mídia impressa e em textos acadêmicos, como biopsiar, bucomaxilofacial, ciberataque, cibersegurança, ciclofaixa, covid-19, feminicídio, gerontofobia, homoparental, judicialização, laudar, negacionismo, sororidade, telemedicina e viralizar. 9) Com essas anotações quanto aos fatos e às ocorrências, que mostram um pouco os passos normalmente seguidos para confecção e atualização do VOLP, conforme deixa entrever a Apresentação da edição  de 2021, a intenção dos responsáveis é ampliar, de acordo com o uso diário do idioma, o número dos termos oficialmente reconhecidos; e, nessa tarefa, por um lado, as "antenas da Academia Brasileira de Letras seguem abertas, sensíveis, aos apelos e às vozes de nossa língua", enquanto, por outro lado, nesse trabalho, "a oportuna sabedoria do corte, o estudo da frequência contribuem claramente para a fixação vocabular". 10) Esclarece a ABL, também na referida Apresentação de sua sexta edição, que, no interregno entre esta e a anterior, "a equipe de Lexicologia e Lexicografia da Academia Brasileira de Letras [reuniu] novas palavras colhidas em textos literários, científicos e jornalísticos ou recebidas como sugestão por consulentes do Volp", sempre atenta ao "grande volume de palavras que passaram a fazer parte do cotidiano da língua". 11) Nesse quadro, apesar de não escritos, podem-se registrar os seguintes aspectos e condutas seguidos pela ABL para a expansão do rol das palavras oficialmente reconhecidas: (i) cuidadosos estudos de vocábulos novos em corrente uso no idioma são feitos por uma Comissão de Lexicologia e Lexicografia da entidade, antes que seja tomada uma posição para sua inserção oficial na Língua Portuguesa; (ii) e a Academia mostra-se receptiva a sugestões, atenta que está à expansão da lista de vocábulos em uso corrente, as quais possam pertencer oficialmente ao idioma. 12) Importa realçar, todavia, que, embora precedido o processo de cuidadosa operação e triagem, não está ele, todavia, imune a questionamentos e equívocos: (i) é discutível, assim, o critério que introduziu oficialmente no idioma, na edição de 1998, a palavra imbróglio, mas, mesmo após mais de vinte anos, continua não agindo de mesmo modo com a palavra pizza, que ainda é reputada estrangeirismo; (ii) laborou em erro a ABL durante muito tempo, já que, nas edições anteriores do VOLP, contrariamente à unanimidade dos estudiosos e aos padrões normais de uso da língua, sempre considerou o vocábulo cônjuge como substantivo comum de dois gêneros (de modo que se poderia dizer o cônjuge e a cônjuge, como se dá com pianista, chefe e policial), e apenas veio a corrigir o erro na edição de 2021, para tê-lo como sobrecomum do masculino (isto é, para permitir dizer apenas o cônjuge [como a criança ou a testemunha], sendo a especificação feita por algum outro elemento, como em cônjuge varão ou cônjuge feminino); (iii) por mais ampliativo que seja o critério de inserção de vocábulos no idioma, é discutível a necessidade de um verbo como inicializar, introduzido pela edição de 2004 do VOLP, o qual nada parece acrescentar ao significado do já existente iniciar. 13) Num segundo aspecto, entre os estrangeirismos recentemente inseridos no VOLP estão botox, bullying, compliance, coworking, crossfit, delay, hacker, home office, live-action, lockdown, personal trainer e podcast, entre muitos outros da língua inglesa. Também se incluem vocábulos que atestam a influência de outras línguas, como emoji, shiitaki e shimeji, do japonês, parkour, physique du rôle e sommelier, do francês, cappuccino e paparazzo, do italiano, e chimichurri, do espanhol. 14) Nesse campo, oportuno é observar que o gramático João Ribeiro, no primeiro quartel do século passado, conceituava tecnicamente os estrangeirismos como expressões tiradas de outras línguas e que constituem vício, quando os vocábulos estranhos não são indispensáveis em textos nossos.1 E essas palavras, ainda no plano da técnica e da ciência, são denominadas barbarismos, os quais, para especificação, recebem o nome do país de origem (anglicismo, francesismo ou galicismo, germanismo, helenismo, italianismo, latinismo...).2  É preciso acentuar, porém, que vivemos tempos novos, em que a imbricação entre as línguas é mais intensa, mais tolerada e, às vezes, mais necessária do que em outras épocas, de modo que, observados determinados limites, não se pode viver hoje, nesse aspecto, com postura de um purismo exacerbado e de uma intransigência rígida, motivo por que precisam ser atenuados os respectivos conceitos e suas consequências. 15) Pondere-se, ademais, quanto a essas palavras ou expressões estrangeiras usadas em textos vernáculos, que algumas observações podem ser feitas a seu respeito: (i) a impressão que transparece do VOLP é que o enquadramento de uma palavra estrangeira nessa categoria de emprego expressamente permitido constitui um primeiro passo no caminho rumo a sua integração definitiva e oficial no idioma; (ii) a demora ou recusa em sua inserção nesse sentido, num primeiro aspecto, pode resultar da desnecessidade, quando há vocábulo que corresponda com perfeição a seu significado, o que parece acontecer com expertise (experiência, perícia, preparo) e performance (desempenho); (iii) num segundo aspecto, essa delonga pode também advir das dificuldades em acomodar a grafia aos moldes dos nossos vocábulos, sobretudo para registrar letras cujos sons correspondam a escritas diversas dos caracteres de nossa fonética (como é o caso de imbróglio, que, já acoplado ao idioma a contar da edição de 2009 do VOLP, precisou vir com a explicitação da pronúncia lh entre parênteses); (iv) mesmo nesse campo, entretanto, a ABL já tem suavizado a rigidez de parâmetros, como quando oficializou a palavra internet, com terminação bastante estranha à estrutura da língua. 16) Com essas ponderações como premissas, outras considerações ainda podem ser feitas quanto aos estrangeirismos: (i) se um vocábulo não está oficialmente registrado no VOLP como integrante de nosso léxico, isso não significa a impossibilidade de seu emprego em textos de nosso idioma; (ii) e mesmo o fato de uma palavra não constar como estrangeirismo na lista da ABL também não constitui fator impeditivo de seu uso; (iii) assim, em qualquer dessas hipóteses, quando for necessário escrever um vocábulo estrangeiro em textos vernáculos (o mesmo se diga do aportuguesamento de um vocábulo ainda não feito pela ABL, como se dá com hackeamento, lembrado pelo leitor), basta submeter a palavra a uma formalidade bastante simples, que registrá-la em negrito, em itálico, "entre aspas" ou sublinhada; (iv) desse modo, podemos escrever normalmente compliance, coworking, hacker, lockdown ou podcast, sem que se façam acompanhar de tradução, bastando que se grafe compliance, coworking, hacker, lockdown, podcast, ou compliance, coworking, hacker, lockdown, podcast, ou "compliance", "coworking", "hacker", "lockdown", "podcast", ou mesmo compliance, coworking, hacker, lockdown e podcast. 17) Por fim, aos que se interessam pelo nosso léxico e com ele queiram contribuir, acresce registrar alguns pontos importantes: (i) em explícita demonstração de interesse pela contribuição dos usuários, todas as edições do VOLP têm sido dedicadas "aos que usam da língua portuguesa como bem comum", e eles são "chamados a colaborar no aperfeiçoamento desta coleta, com achegas, sugestões, críticas, correções"; (ii) como demonstração ainda mais clara desse sentimento, na primeira de tais edições, até mesmo consta um agradecimento nominal a diversas pessoas pela "colaboração no oferecimento de verbetes"; (iii) isso, sem dúvida, mostra um canal aberto à participação dos usuários de todos os cantos, de todas as especialidades e de todos os níveis na construção de nosso léxico, de modo que sugestões, críticas e comentários podem ser endereçados diretamente à Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, a qual tem os olhos continuamente voltados para essa tarefa e para essas circunstâncias. __________ 1 RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923, 20. ed., p. 245. 2 PEREIRA. Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924, p. 260.
quarta-feira, 1 de setembro de 2021

A gente - Briga? Ficou sozinho?

1) Um ilustre leitor indaga, em síntese, qual a posição do circunlóquio a gente perante a estrutura do idioma pátrio, e isso implica analisar a expressão com enfoque em três aspectos: (i) pertence à norma culta ou fica adstrita à linguagem coloquial?; (ii) é pronome pessoal do caso reto?; (iii) em qualquer das hipóteses, como fica sua concordância (verbal e nominal)? 2) Num primeiro aspecto, é de praxe afirmar que a mencionada expressão não pertence à norma culta, razão pela qual se afirma simplesmente que deve ser banida dos escritos que devam submeter-se ao referido padrão. 3) Essa afirmação, todavia, precisa ser tomada com o devido tempero, certo como é que, apenas para exemplificar, já no século XIX, Alexandre Herculano, em seu livro Lendas e Narrativas, assim registrava: "É verdade que a gente, às vezes, tem cá as suas birras...". 4) E Machado de Assis, em mesma época, em sua obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, também escrevia: "Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos...". 5) Essa postura de emprego da mencionada expressão por autores que, como os citados, se serviram do idioma com reconhecido apuro linguístico, faz com que se deva acolher, num primeiro aspecto, a afirmação do gramático Francisco da Silveira Bueno, ainda na longínqua década de 1940: expressões como essa "são correntias na pena dos escritores e na boca do povo".1 6) Anote-se, porém, que, embora encontrada até mesmo em abalizados autores, a referida expressão está longe de ser aceita na linguagem que deva submeter-se aos ditames da norma culta, de onde é sistematicamente banida. 7) E é com este parâmetro que, num primeiro aspecto, deve ela ser tida em nosso idioma: é aceita como existente e até mesmo é estudada e sistematizada pelos gramáticos; não se permite seu uso, todavia, nos escritos que devam pautar-se pela norma culta, mas, como bem lembra Domingos Paschoal Cegalla, "deve restringir-se à comunicação coloquial".2 8. Quanto à categoria gramatical em que deva ser inserida, assim a conceitua Evanildo Bechara: "O substantivo gente, precedido do artigo a e em referência a um grupo de pessoas em que se inclui a que fala, ou a esta sozinha, passa a pronome e se emprega fora da linguagem cerimoniosa".3 9) Ainda quanto à categoria gramatical, Antenor Nascentes afirma que "a locução a gente vale às vezes, em estilo familiar, por um pronome da primeira pessoa do plural"; e, seguindo para o plano da concordância verbal a ser obedecida, tal autor continua sua observação, para fixar que é errado dizer "A gente fomos ao teatro", de modo que o verbo, em tal circunstância, deve ficar na terceira pessoa do singular, ou seja, "A gente foi ao teatro".4 10) Indo um pouco além, agora no que respeita à concordância nominal, Silveira Bueno frisa que tal forma pronominal indefinida "exige a concordância com o gênero da pessoa que ela representa e não com o gênero dessa palavra". Assim, o homem haverá de dizer: "A gente ficou pasmado"; a mulher, porém, dirá: "A gente ficou pasmada".5 11) Cândido Jucá Filho também partilha da opinião de que se deve observar, em casos dessa natureza, a concordância com a ideia, vale dizer, por silepse: "A gente está cansado (se fala um homem)".6 12) O Padre José F. Stringari invoca também ensino do abalizado vernaculista Mário Barreto, para quem, "por silepse, poderia dizer-se corretamente: A gente ficou ofendido ou aborrecido, evidentemente quando se trata dum homem". 13) O mesmo padre gramático, por outro lado, lembra que, nesses casos, a questão da concordância nominal não é tão pacífica, e anota lição de João Ribeiro, para quem "o sujeito indefinido a gente é sempre feminino: A gente ficou ofendida, ou aborrecida, e não ofendido ou aborrecido. Os que não observam essa concordância cometem grosseiro e inexplicável erro".7 14) Em tempos mais recentes, Domingos Paschoal Cegalla repete esse ensinamento: "Recomenda-se a concordância no feminino, ainda quando o falante é pessoa do sexo masculino: 'A gente deve estar prevenida', disse o motorista".8 15) Para evitar polêmicas e focar a questão em um modo de utilização do idioma imune a quaisquer dúvidas ou discussões, o autor eclesiástico acima citado propõe o estratagema do emprego de se em lugar de a gente, e, com isso, a concordância ideológica ou por silepse se faz com facilidade; desse modo, assim se deve falar e escrever em casos dessa natureza: "Fica-se ofendido", "Fica-se calado" (quando quem fala é um homem); "Fica-se ofendida", "Fica-se calada", quando quem fala é uma mulher.9 16) No plano histórico, Pedro A. Pinto traz as seguintes ponderações: (i) tal construção não é um brasileirismo, mas, "antes, lusitanismo ou, talvez, latinismo"; (ii) "na era pré-clássica da língua, em regra, o sujeito gente levava o verbo ao plural"; (iii) "nos quinhentistas, gente ora está com o verbo no singular, ora no plural"; (iv) esse duplo uso de concordância se encontra nos versos de Camões, que ele registra: (a) "Esperam que a guerreira gente saia" (singular); (b) "O grande estrondo a maura gente espanta, / Como se vissem hórrida batalha" (plural); (v) em períodos clássicos posteriores, há exemplos dessa convivência sintática em João de Barros, Camilo e Trindade Coelho.10 17) Objete-se, contudo, que o exemplo de Camões, para comprovar a possibilidade de concordância no plural, não se mostra adequado para ilustrar o pensamento expresso por quem o citou, uma vez que, conforme conhecida regra de Gramática, quando palavras de significação coletiva não venham seguidas de termos especificador, quer quando o verbo se distancia do sujeito, mesmo sendo um só, quer quando há um segundo verbo, pode este, facultativamente, ficar no singular, ou ir para o plural. 18) E se finalize dizendo que, nos dias de hoje, o melhor, nos casos em que se permite o emprego da referida expressão, é proceder do seguinte modo: (i) deixar o verbo na terceira pessoa do singular; (ii) proceder, adicionalmente, à concordância ideológica quanto ao gênero dos adjetivos. Exs.: (a) "A gente está cansado" (se fala um homem); (b) "A gente está cansada" (se fala uma mulher). __________ 1 BUENO, Francisco da Silveira. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. São Paulo, Saraiva, 1968, 7. ed., p. 301. 2 CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 180. 3 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa - cursos de 1º e 2º graus. São Paulo, Editora Nacional, 1974, 19 ed., p. 96. 4 NASCENTES, Antenor. O Idioma Nacional. 3. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1942, vol. II, p. 90. 5 BUENO, Francisco da Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938, p. 76. 6 JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Fename - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963, p. 326. 7 STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961, p. 63-64. 8 CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 180. 9 STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961, p. 63-64. 10 PINTO, Pedro A. Termos e Locuções - Miudezas de Linguagem Luso-Brasileira. Rio de Janeiro: Tipografia Revista dos Tribunais, 1924, p. 300-302.
1) Um leitor envia a seguinte mensagem: "Estou com dúvida no que pertine à redação de temáticas publicitárias e textos normativos que instituem semanas ou meses de conscientização acerca de assuntos específicos, como o mês de conscientização à saúde mental, ou uma semana de conscientização quanto à epilepsia. Sabe-se que quem se conscientiza se torna 'consciente de'. Nesse sentido, e considerando a regência verbal adequada, seria mais correto mencionar conscientização à epilepsia (ou saúde mental, ou outro tema) ou conscientização da epilepsia". 2) Antes de qualquer outro comentário, deve-se ver que, quando se fala em conscientização, há dois aspectos que precisam ser considerados: por um lado, existe uma pessoa, ou grupo, ou categoria, que precisa assimilar essa consciência de que fala o contexto; por outro lado, há o assunto ou o conteúdo que constitui a própria matéria de que se deve tomar consciência. 3) Pois bem. Quanto à pessoa, ou grupo, ou categoria que precisam assimilar essa consciência de que fala o contexto, a preposição é sempre de: conscientização do aluno, da classe ou da categoria. Vejam-se exemplos do Dicionário Aurélio: "conscientização das mulheres" e "conscientização política das minorias étnicas".1 4) Já quanto ao assunto ou conteúdo que constitui a matéria de que se deve tomar consciência, Celso Pedro Luft admite o emprego de uma de duas preposições, a saber, para ou sobre: (i) "Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VI - promover [...] a conscientização pública para a preservação do meio ambiente" (CF-1988, art. 225, § 1º, VI); (ii) "O grande segredo para abandonar o cigarro ainda é ... a motivação pessoal e a conscientização sobre os males do fumo".2 5) Pelo que se observa do emprego para o último caso, entretanto, nada parece obstar o emprego de preposições ou mesmo locuções prepositivas que sejam sinônimas de sobre, como é o caso de acerca de ou de quanto a. Exs.: (i) "O grande segredo para abandonar o cigarro ainda é ... a motivação pessoal e a conscientização acerca dos males do fumo"; (ii) "O grande segredo para abandonar o cigarro ainda é ... a motivação pessoal e a conscientização quanto aos males do fumo". Além disso, o Dicionário Houaiss ainda apresenta a possibilidade de uso da preposição de: "A conscientização das causas psicológicas de uma somatização".3 6) É certo que às vezes se emprega o vocábulo conscientização ora apenas seguido da pessoa, ou grupo, ou categoria, ora complementado apenas pelo assunto ou conteúdo que constitui a matéria de que se deve tomar consciência; mas nada impede que se empreguem concomitantemente os dois complementos: (i) "É preciso haver a conscientização das mulheres"; (ii) "É preciso haver a conscientização sobre os males do fumo"; (iii) "É preciso haver a conscientização das mulheres sobre os males do fumo". 7) Há, contudo, um reparo final a ser feito quanto ao raciocínio do leitor que trouxe a dúvida. Em seu texto, ele emprega o verbo conscientizar para, de seu comportamento e de sua regência, extrair consequências para o regime e a sintaxe do substantivo conscientização. Essa maneira de pensar, todavia, não é adequada e deve ser evitada a todo custo, já que um verbo e um substantivo, mesmo que cognatos (nascidos, portanto, de um mesmo radical), podem não seguir igual regência (vale dizer, podem não admitir construção com a mesma preposição). Nesse sentido, veja-se, apenas para ilustração, que o verbo simpatizar admite apenas ser construído com a preposição com ("O país inteiro simpatiza com esse princípio")4, enquanto o substantivo simpatia admite toda uma série de preposições (a, com, de, entre, para com, por).5 __________ 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 561. 2 LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 121. 3 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 806. 4 FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. Reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 547. 5 FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., 6. Impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969, p. 351.
quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Compulsando-se-lhes - É correto?

1) Um leitor indaga se, quando se está referindo aos autos de um processo, é correto dizer "Compulsando-se-lhes". 2) Por facilidade de análise, embora não pareça importante logo de início, o certo é que a indagação trazida pelo leitor torna necessárias algumas explicações técnicas, o que exige um raciocínio mais prolongado, motivo por que se pede paciência do leitor para acompanhar uma sequência de argumentos mais extensa, a começar por um primeiro bloco de premissas. 3) E, assim, num primeiro plano, como o próprio leitor diz que os autos são o alvo desse manuseio, então se vai substituir, por facilidade didática, o pronome final, e, desse modo, o exemplo a ser considerado será "Compulsando-se os autos", que bem poderá ser ainda formulado para compor um sentido completo: "Compulsando-se os autos, constata-se a razão do Autor". 3) Adicionalmente, pode-se ver que a oração "Compulsando-se os autos..." é uma oração reduzida de gerúndio, a qual pode ser estendida (fazendo-se desaparecer o gerúndio) do seguinte modo: "Quando se compulsam os autos...". 4) Feitos esses arranjos estruturais do exemplo esboçado pelo leitor, parte-se, num segundo plano, do princípio de que voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato, conforme o sujeito pratique ou receba a ação indicada pelo verbo: (i) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir); (ii) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir). 5) Embora se pretenda utilizar de modo mínimo as explicações técnicas, não se pode fugir aqui à afirmação de que, por um lado, o objeto direto da voz ativa (no caso, sentença) torna-se sujeito da voz passiva, enquanto, por outro lado, o sujeito da voz ativa (no exemplo, magistrado) passa a ser o agente da passiva. 6. Também como regra, pela própria estruturação apresentada (já que é necessário existir um objeto direto na ativa para haver voz passiva), só tem voz passiva um verbo que seja transitivo direto ou transitivo direto e indireto (também conhecido como bitransitivo). 7) Num segundo bloco de premissas, agora já de modo mais prático e diretamente relacionado com o exemplo do leitor, o certo é que, diferentemente da frase "Gosta-se de um bom vinho" - com a qual deve ser sempre comparada em análise - uma frase como "Aluga-se uma casa", em que há um se acoplado ao verbo, pode ser dita de outra forma: "Uma casa é alugada". 8) E, por permitir essa transformação, pode-se dizer que é uma frase reversível, que serve de modelo para todas as outras, também reversíveis, que tenham o se unido ao verbo desse modo. 9) Em frases reversíveis dessa natureza, podem-se extrair as seguintes conclusões: (i) se a frase é reversível, o exemplo está na voz passiva sintética; (ii) o se, nesse caso, é partícula apassivadora; (iii) o sujeito é uma casa (insista-se, sujeito e não objeto direto). 10) Por essas razões, se, em vez de uma casa, se diz casas, tem-se, por consequência, que o sujeito está no plural, de modo que o verbo também deve ir para o plural ("Alugam-se casas", e não "Aluga-se casas"). 11) Por outro lado, na frase "Gosta-se de um bom vinho", não é possível dizê-la de outro modo, de modo que se pode afirmar que não é uma frase reversível, e nela o raciocínio que se faz é diferente do anteriormente realizado: (i) se não é reversível, uma frase assim tem um sujeito indeterminado (equivale a "Alguém gosta de um bom vinho"); (ii) nesse caso, o se se chama símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; (iii) o termo "de um bom vinho" é objeto indireto; (iv) na prática, se esse termo é preposicionado (como no caso, em que é precedido pela preposição de), isso já é sinal de que a frase não é reversível; (v) como "um bom vinho" não é o sujeito, se ele é posto no plural, o verbo em nada é afetado ("Gosta-se de bons vinhos"), já que, afinal, a regra diz que o verbo concorda com o seu sujeito. 12) Com essas premissas, considera-se em seguida esse conjunto de observações, agora diretamente relacionadas com a dúvida do leitor (e aqui se consideram os termos da oração estendida, e não reduzida de gerúndio, o que nada altera a estrutura, tecnicamente falando): (i) sendo reversível a frase "Quando se compulsam os autos...", o exemplo está na voz passiva sintética; (ii) o se, nesse caso, é partícula apassivadora; (iii) o sujeito é os autos (insista-se, sujeito e não objeto direto); (iv) e, porque o sujeito é os autos (e o verbo concorda com seu sujeito), o verbo tem que ir para o plural, sendo gramaticalmente equivocado dizer ou escrever "Quando se compulsa os autos...". 13) Pois bem. Em continuação, ainda considerando o exemplo "Quando se compulsam os autos..." e partindo do princípio de que, nessa oração, os autos é o sujeito, não se pode esquecer que não pode o sujeito (que exige um pronome do caso reto) ser substituído por lhes (o que seria adequado, se o termo fosse um objeto indireto) nem por os (o que caberia, se ele fosse objeto direto). Veja-se: (i) "Quando se lhes compulsa..." (errado); (ii) "Quando se lhes compulsam..." (errado); (iii) "Quando se os compulsa..." (errado); (iv) "Quando se os compulsam..."; (v) "Quando se compulsa eles..." (errado); (vi) "Quando se compulsam eles..." (correto); (vii) e isso porque, sendo reversível essa frase, também pode ser ela dita como "Quando eles são compulsados...". Pode parecer feia a sonoridade, mas é o correto. 14) Por fim, voltando ao exemplo original do leitor, podem-se apontar, em síntese, os seguintes aspectos (sempre lembrando que aqui se fala de autos): (i) "Compulsando-se-lhes..." (errado); (ii) "Compulsando-se-os..." (errado); (iii) "Compulsando-se eles..." (correto). E se repete: o correto pode parecer feio, mas é assim que é o correto.
quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Cédula de Produto Rural - Qual o plural?

1) Um leitor indaga, em síntese, qual a forma correta de escrever o plural de Cédula de Produto Rural: Cédulas de Produto Rural, as Cédula de Produto Rural ou As Cédulas de Produtos Rurais? 2) Esclareça-se, de início, que a Cédula de Produto Rural (CPR), instituída pela lei 8.929/1994, é assim conceituada pelo próprio diploma legal referido: "Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas" (art. 1º, caput). 3) Como não é difícil perceber, se o próprio legislador outorgou o nome de Cédula de Produto Rural, sendo uma cédula ou mais de uma, não há razão para levar para o plural a expressão (Produto Rural) que complementa o substantivo inicialmente posto (Cédula). 4) Isso quer significar que a expressão de Produto Rural, no caso, sempre vai ficar no singular, não importando se se considera uma cédula ou mais: (i) uma Cédula de Produto Rural; (ii) duas Cédulas de Produto Rural. 5) Importa observar, por fim, que é palmar o erro na expressão "as cédula", tão grave quanto dizer que "As coisa não vão bem lá em casa". 6) Embora não seja alvo da indagação do leitor, acresce dizer que, ao referir-se à Cédula de Produto Rural também como CPR, o próprio texto legal utiliza o que se chama de abreviatura ou sigla, que é a "representação de uma palavra por meio de algumas de suas sílabas ou letras".1 7) E, quanto ao plural das siglas, a própria ortografia oficial não adota critério único, mas emprega em alguns casos a mesma forma abreviada, sem modificação alguma, no singular e no plural e, em outros casos, usa uma forma para cada número, o que autoriza abreviar artigos como art. ou arts. e incisos como inc. ou incs. 8) Desse modo, para o caso da consulta, pode-se dizer as CPR ou as CPRs. 9) No caso do último parágrafo acima referido, ainda vale anotar que, se a sigla for escrita com letras maiúsculas e a opção for pelo emprego de um s no plural, fica mais inteligível o texto, se o s indicativo do plural vier gravado em letra minúscula: RGs, CPFs, CPRs. __________ 1 NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 14.
quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Caráter ou Caractere? - E o plural?

1) Um leitor indaga, de modo bastante objetivo, quanto à palavra caráter ou caractere: i) como distinguir, no singular, as letras e os tipos do gênio, da índole e do temperamento?; (ii) e como fazer o plural de ambos? 2) Caráter pode ter diversos signifi cados: a) conjunto de características de alguém ("Seu caráter agressivo difi culta-lhe os relacionamentos"); b) qualidade de alguma pessoa ("Ele é alguém de caráter"); c) cunho ("Ele escreveu uma obra de caráter científico"). 3) Já caractere (é) significa qualquer dígito numérico, letra de alfabeto ou código de controle ("Ele não conseguiu localizar o processo pela internet, por falta de um caractere em seu número"). 4) Embora etimologicamente sejam variações de um mesmo vocábulo (do grego caraktér pelo latim charactere), modernamente se passou a fazer a distinção, conforme o sentido, sobretudo em decorrência de seu grande uso advindo do progresso da informática. 5) Corroborando o fato de que essa distinção é recente, vale lembrar antiga observação de Cândido de Figueiredo a um funcionário de escola que exigia de seus inspecionados que fizessem sempre a distinção prosódica entre caráter, para significar feição moral, e caracter (é), para indicar a letra, obrigando também a distinção no plural - carácteres e caracteres (é) - consoante as acepções: "Sob a forma de caráter, há apenas um vocábulo, e as várias acepções de um vocábulo não influem absolutamente nada na sua prosódia" (1943, p. 244). 6) Pois bem. Nos últimos tempos, tem-se a seguinte situação nas sucessivas e recentes edições do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, que é o órgão oficialmente incumbido de listar as palavras existentes em português, bem como sua correta grafia e prosódia: a) em sua segunda edição (1998), apresentava as formas carácter e caráter, mas não caracter (é) nem caractere (é), e fazia remissão entre aquelas, como sinônimas, apontando para ambas o plural caracteres (p. 141-2); b) em sua quarta edição (2004), eliminou carácter, acrescentou caractere (é), mas indicou o plural caracteres apenas na última (p. 154-5); c) em sua quinta edição (2009), já em conformidade com o Acordo Ortográfico de 2008, manteve exatamente a postura da edição anterior, a saber, não trouxe caracter (é) nem carácter, e sim caractere e caráter, e apontou o plural caracteres apenas nesta última (p. 160-1). 7) Ante um tal quadro, a questão pode ser assim sintetizada para os dias de hoje: a) no singular, há caráter e caractere (é), mas não existem carácter nem caracter (é); b) o plural de ambas é caracteres (SACCONI, 1979, p. 34.), como e tônico também com timbre aberto (é), não importando a acepção que o vocábulo possa ter; c) em caractere e em caracteres, o c é regularmente pronunciado. 8) Adicionalmente, como interessante observação, vale anotar que o substantivo composto mau-caráter faz, no plural, maus-caracteres, como, aliás, registra o VOLP (2009, p. 534), não importando que o som do vocábulo possa não ser dos melhores (NISKIER, 1992, p. 73).
quarta-feira, 28 de julho de 2021

Calha à fiveleta - O que é isso?

1) Uma leitora indaga, em síntese, se existe a expressão "calha à fiveleta" e, em caso positivo, o que ela quer significar. 2) Ora, fiveleta é uma pequena fivela, e calhar significa ajustar-se, motivo por que calhar à fiveleta acaba por ter o conteúdo semântico de vir a propósito, de cair bem, de caber com precisão, de amoldar-se com exatidão a uma dada circunstância, assim como um pino da fivela se prende com justeza ao furo do cinto. 3) Além de pouco usada, há quem encarte tal circunlóquio no rol daquelas expressões forenses extravagantes, ao lado de outras que consideram esdrúxulas, como acórdão guerreado, decisão hostilizada ou sentença vergastada (verga é uma vara com que se bate em algo).1 4) Outros a fazem integrar o rol dos vícios do juridiquês, podendo este "ser considerado um subproduto, uma espécie de detrito léxico cuja função prática é contaminar a clareza dos textos jurídicos, com uma aparência", além de reunir em si características como "a desnecessidade, o artificialismo, a empolação, o esnobismo, a obscuridade", mas que, apesar de tudo, "resiste e se fortalece como uma tradição". Afinal, "para atestar o seu caráter degenerado, nem é preciso fazer exercícios gramaticais, basta perceber que ninguém se expressa oralmente dessa forma: 'o autor afirmou na peça pórtica'; qualquer pessoa razoável fala: 'ele afirmou na inicial'. Ninguém diz: 'interpus uma irresignação ao nosso Areópago'; todo mundo fala: 'apelei'".2 5) O certo, entretanto, é que, não importando o pouco uso ou mesmo a dificuldade de compreensão para a maioria das pessoas, tais circunstâncias não podem bastar para que um determinado modo de dizer, em que se inclui a frase da consulta, venha a ser categorizado como expressão extravagante ou mesmo arrolado entre circunlóquios que, de modo pejorativo, integrem o que se tem tido por juridiquês. 6) Em realidade, da mesma maneira que falar difícil não significa necessariamente expressar-se com técnica e adequação e que não podemos aceitar a fala do poeta latino Horácio - que, aos que reclamavam de seu estilo difícil e elevado de escrever, dizia "não desço até a plebe, mas a plebe, se quiser, que suba até mim") - , o certo é que cada leitor ou ouvinte não pode simplesmente rotular como juridiquês ou expressão extravagante aquilo que não compreende ou de que não gosta. __________ 1 QUEIROZ, Paulo. Expressões forenses extravagantes. Disponível aqui. Acesso em 10.06.2020. 2 SANTOS, Hélio David Vieira Figueira dos. Lima Barreto e o Juridiquês. Disponível aqui. Acesso em 10.06.2020.
quarta-feira, 21 de julho de 2021

Assinatura digital e assinatura digitalizada

1) Um leitor indaga, em síntese, qual a forma correta de escrever "para indicar a reprodução de uma firma por imagem, que geralmente é impressa junto com o documento, diferindo-se da assinatura digital por esta ter amparo legal e autenticidade": assinatura digitalizada, assinatura escaneada, assinatura impressa ou assinatura em cópia? 2) Num primeiro aspecto, deve-se afastar desse rol, para ser considerada apartadamente, até pelo intento demonstrado pelo leitor, a possibilidade de emprego da expressão assinatura digital, a qual, com fundamento em lei, pode ser entendida como uma forma de garantir a assinatura de um documento não físico, mas eletrônico, que se armazena e se envia pela internet. Advém de uma tecnologia que utiliza a criptografia e vincula o certificado digital ao documento eletrônico que está sendo assinado. Tem validade jurídica inquestionável e equivale a uma assinatura de próprio punho. Para utilizar essa modalidade de assinatura, o usuário deve ter um certificado digital específico que o autorize a tanto. Importa acrescentar que a lei pode discriminar certos atos jurídicos para que sua convalidação por meio eletrônico apenas possa dar-se por essa forma de assinatura digital. Seus requisitos básicos são a identificação de quem assina, a autenticação do autor e a comprovação de integridade. 3) Num segundo aspecto, até para sacramentar o afastamento de análise da expressão acima referida, veja-se que o leitor pretende dar nome àquela assinatura que venha a "indicar a reprodução de uma firma por imagem, que geralmente é impressa junto com o documento". 4) Num terceiro aspecto, não serviria para tanto a expressão assinatura digitalizada, a qual deveria vincular-se à assinatura digital, expressamente excluída pelo próprio consulente. 5) Num quarto aspecto, essa assinatura que venha a "indicar a reprodução de uma firma por imagem, que geralmente é impressa junto com o documento", que se envia pela internet, por um lado, pode ser escaneada, se foi alvo de cópia por meio de scanner, que é um aparelho ou mecanismo em que dados (imagens) são captados, codificados por meio de um feixe eletrônico, e podem ser reproduzidos em computador. É preciso observar, todavia, que esse expediente não tem validade jurídica efetiva por si só, ao mesmo tempo em que se revela uma providência que não se reveste de segurança. Além disso, esse simples copiar de imagem da sua assinatura e sua anexação ou vinculação a um documento virtual não resolve a questão de uma pilha de papéis, uma vez que você deverá guardar em seus arquivos o documento original. 6) Num quinto aspecto, não parece adequado falar, no caso, em assinatura impressa, certo como é que, se foi apenas copiada por meios eletrônicos, nem chegou, necessariamente a ser impressa. 7) Num sexto aspecto, quer copiada fisicamente, quer armazenada eletronicamente, sem dúvida se pode dizer de uma assinatura em cópia. 8) Como não é difícil perceber, em síntese, com exceção de assinatura digitalizada, as demais podem ser passíveis de uso nos casos práticos, dependendo do grau de apuro técnico e conceitual que o usuário do idioma queira conferir a sua expressão. 9) Ainda não se pode esquecer que, a par de assinatura eletrônica poder consistir no gênero que abrange toda e qualquer modalidade de assinatura que se possa fazer pela internet, há uma específica com esse nome, que é a assinatura física que se apõe na tela de um aparelho e que, em tais moldes, vai postar no documento que ali aparece, impregnando-se nele, por via eletrônica, com total validade, como se se tratasse de um documento físico. É comum, por exemplo, seu emprego no aluguel de carros em locadoras, uma vez conferidos os dados e as cláusulas na tela respectiva. 10) Importa aditar que se acha em vigência, porquanto sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a lei 14.063/20, que desburocratiza as assinaturas eletrônicas de documentos para ampliar o acesso a serviços públicos digitais. 11) Feitas essas distinções, parece importante anotar que a jurisprudência de nossos tribunais tem assentado aspectos importantes a esse respeito: (i) a "assinatura digitalizada ou escaneada, por se tratar de mera inserção de imagem em documento, não se confunde com a assinatura digital baseada em certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada, prevista no art. 1º, § 2º, III, "a", da lei 11.419/2006"1; (ii) "a assinatura digital certificada digitalmente, por seu turno, permite a identificação inequívoca do signatário do documento, o qual passa a ostentar o nome do detentor do certificado digital utilizado, o número de série do certificado, bem como a data e a hora do lançamento da firma digital, presumindo-se verdadeiro o seu conteúdo em relação ao signatário, na forma do art. 10 da Medida Provisória 2.200-2, de 2001"2; (iii) assim, é "necessário [...] distinguir assinatura digital da assinatura digitalizada. A assinatura digitalizada é a reprodução da assinatura autógrafa como imagem por um equipamento tipo scanner. Ela não garante a autoria e integridade do documento eletrônico, porquanto não existe uma associação inequívoca entre o subscritor e o texto digitalizado, uma vez que ela pode ser facilmente copiada e inserida em outro documento"3; (iv) o que se pode dizer, em resumo da matéria, é que "o advogado tem direito de se valer da tecnologia da assinatura digital convalidada por autoridade certificadora credenciada em qualquer documento ou petição por ela produzido, seja em processo físico ou em processo virtual, tanto na seara civil, quanto na penal e na trabalhista", tal como é a "inteligência do art. 1º, § 1º e § 2º, III, "a", da lei 11.419, de 19/12/2006".4 __________ 1 STJ - Quarta Turma - AgInt no AREsp 1173960/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe de 15/3/2018.   2 STJ - Quarta Turma - AgRg no AREsp 471.037/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 27/05/2014, DJe 03/06/2014. 3 STJ - Quinta Turma - AgRg no AREsp 1.644.094/SP, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 12.05.2020, DJe 19.05.2020. 4 STJ - Quinta Turma - RMS 59.651 - SP (2018/0335622-0, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 23.04.2019, DJe 10.05.2019.
quarta-feira, 14 de julho de 2021

Ano-calendário ou Ano calendário?

1) Um leitor indaga qual a forma correta de escrever: ano-calendário ou ano calendário. Justifica sua dúvida com o fato de a lei 12.546/2011 registrar ora uma forma, ora outra. Observa, adicionalmente, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras não registra o termo. E questiona se se aplica ao caso a mesma regra encontrada no VOLP para ano-luz, o que justificaria a grafia com hífen. 2) Nesse assunto, um caminho deve ser seguido, para que se faça um adequado raciocínio e se chegue a uma acertada conclusão. 3) Num primeiro aspecto, importa fixar que o Acordo Ortográfico de 2008 determinou o emprego do hífen "nas palavras compostas por justaposição [ou seja, naquelas cujas partes integrantes se põem uma ao lado da outra] cujos elementos (substantivos, adjetivos, numerais ou verbos) constituem uma nova unidade morfológica e de sentido, mantendo o acento próprio".1 4) Num segundo aspecto, é preciso observar que um critério como esse acaba sendo fluido e de difícil apreensão na prática, de modo que acaba não havendo uma definição objetiva e uma interpretação segura e adequada para o usuário não tão acostumado com o uso prático de um conceito dessa natureza. 5) Por essa razão, num terceiro aspecto, não é possível aplicar a mesma regra encontrada no VOLP para ano-luz, uma vez que o fato de os dois elementos serem substantivos não basta para determinar a conclusão de que o conceito observado no primeiro aspecto deva ser aplicado à hipótese versada. 6) E, nesse quadro, buscando um modo prático de resolver a questão, deve-se observar, num quarto aspecto, que o VOLP registra palavras unidas por hífen, mas não o faz para palavras que não se unam segundo esse critério. 7) Vale dizer, no campo prático, que a circunstância de não apontar o VOLP uma forma própria de grafar a expressão significa que os elementos que entram em sua composição devem ser escritos em palavras distintas e sem hífen: ano calendário. __________ 1 Instituto Antônio Houaiss. Escrevendo pela nova ortografia: como usar as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa (coordenação e assistência técnica de José Carlos Azeredo. São Paulo: Publifolha, 2009, 3. ed., p. 42.
quarta-feira, 7 de julho de 2021

Analisar-se-á ou Analisar-se-ão?

1) Um leitor indaga qual a forma correta de concordância do verbo acompanhado da partícula se, quando há mesóclise (que é a colocação do pronome pessoal oblíquo átono no meio do verbo): (i) Analisar-se-á os argumentos A, B e C; (ii) Analisar-se-ão os argumentos A, B e C. 2) Embora não pareça logo de início, o certo é que a indagação trazida pelo leitor é razoavelmente complexa e torna necessárias algumas explicações técnicas, o que exige um raciocínio mais prolongado, motivo por que se pede paciência ao leitor para acompanhar uma sequência de argumentos mais extensa, a começar por um primeiro bloco de premissas. 3) Parte-se, assim, do princípio de que voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato, conforme o sujeito pratique ou receba a ação indicada pelo verbo: (i) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir); (ii) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir). 4) Embora se pretenda utilizar no mínimo as explicações técnicas, não se pode fugir aqui à afirmação de que, por um lado, o objeto direto da voz ativa (no caso, sentença) torna-se sujeito da voz passiva, enquanto, por outro lado, o sujeito da voz ativa (no exemplo, magistrado) passa a ser o agente da passiva. 5) Também como regra, pela própria estruturação apresentada (já que é necessário existir um objeto direto na ativa para haver voz passiva), só tem voz passiva um verbo que seja transitivo direto ou transitivo direto e indireto (também conhecido como bitransitivo). 6) Num segundo bloco de premissas, vê-se que, diferentemente da frase "Gosta-se de um bom vinho" - com a qual deve ser sempre comparada em análise - uma frase como "Aluga-se uma casa", em que há um se acoplado ao verbo, pode ser dita de outra forma: "Uma casa é alugada". 7) E, por permitir essa transformação, pode-se dizer que ela é uma frase reversível, que serve de modelo para todas as outras, também reversíveis, que tenham o se unido ao verbo desse modo. 8) Em frases reversíveis dessa natureza, podem-se extrair as seguintes conclusões técnicas no plano da Gramática: (i) se a frase é reversível, o exemplo está na voz passiva sintética; (ii) o se, nesse caso, é partícula apassivadora; (iii) o sujeito - e essa é a afirmação central para o raciocínio - é uma casa (insista-se, sujeito e não objeto direto). 9) Por essas razões, se, em vez de uma casa, eu quero dizer casas, a consequência obrigatória é que o sujeito está no plural, de modo que o verbo também deve ir para o plural ("Alugam-se casas", e não "Aluga-se casas"). 10) Por outro lado, na frase "Gosta-se de um bom vinho", não é possível dizê-la de outro modo como se procedeu com o exemplo anterior, de modo que se pode afirmar que não é uma frase reversível, e nela o raciocínio completo que se faz é o seguinte: (i) se não é reversível, uma frase assim tem um sujeito indeterminado (equivale a "Alguém gosta de um bom vinho"); (ii) nesse caso, o se se chama símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; (iii) o termo "de um bom vinho" é objeto indireto; (iv) na prática, se esse termo é preposicionado (como no caso, em que é precedido pela preposição de), isso já é sinal de que a frase não é reversível; (v) como "um bom vinho" não é o sujeito, se ele é posto no plural, o verbo em nada é afetado ("Gosta-se de bons vinhos"), já que, afinal, a regra diz que o verbo concorda com o seu sujeito, e, no caso analisado, o termo que vai para o plural não é o sujeito. 11) Com essas premissas, podem-se extrair algumas conclusões para a primeira parte das dúvidas do leitor: (i) se a frase permite reversão, então deve ela ser tratada como efetiva frase reversível, não admitindo outro raciocínio; (ii) na prática, se "Analisar-se-ão os argumentos A, B e C" permite ser tornada em "Os argumentos A, B e C serão analisados", não se pode pretender raciocinar conferindo ao exemplo a conotação semântica de "Alguém analisará os argumentos A, B e C"; (iii) e isso quer dizer (a) que a frase está na voz passiva sintética, (b) que o se é partícula apassivadora (c) e que o sujeito é "os argumentos A, B e C", de modo que seu único modo de ir para o plural é "Analisar-se-ão os argumentos A, B e C"; (iv) vale dizer, ao revés, que não se pode pensar (a) como se o exemplo estivesse na voz ativa, (b) sendo o se um índice de indeterminação do sujeito, (c) e como se argumentos fosse um objeto direto; (v) insista-se em que a consideração do exemplo como frase reversível, em casos dessa natureza, é obrigatória, e não optativa, e também obrigatórias são as conclusões, tais como acima extraídas. 12) Nesse sentido, a essa altura, confirmando o raciocínio acima realizado, lembre-se o ensino de Mário Barreto: "Pondo de lado discussões teóricas, complicadas e difíceis, todos, na prática, estamos de acordo, sábios e leigos, em que viu-se muitas desgraças, aceita-se comensais, via-se lindas flores, aqui vende-se jornais [...] são concordâncias absolutamente intoleráveis em português".1 13) Ou seja: pelas observações já feitas, tais frases, exatamente por serem reversíveis, devem ser obrigatoriamente assim corrigidas: viram-se muitas desgraças, aceitam-se comensais, viam-se lindas flores, aqui vendem-se jornais. 14) Vale, em abono, registrar a observação de Júlio Nogueira2, para quem, em situações dessa natureza, a índole de nossa língua exige que se concorde o verbo com o seu sujeito (Alugam-se casas), do mesmo modo como usaríamos o plural com outra forma passiva (Casas são alugadas). 15) Atente-se, de igual modo, à admoestação de Eduardo Carlos Pereira no sentido de que "são, pois, solecismos, que importa evitar, as expressões: Corta-se árvores, Vende-se queijos, Conserta-se relógios, Compra-se livros usados, Ferra-se cavalos".3 16) A exemplo de ensino anterior, tais frases devem ser assim corrigidas: Cortam-se árvores, Vendem-se queijos, Consertam-se relógios, Compram-se livros usados, Ferram-se cavalos. 17) Ainda se deve lembrar que, a um consulente que lhe indagava qual a forma correta - Fez-se tentativas ou Fizeram-se tentativas - , Cândido de Figueiredo, asseverando que, "a este respeito, não pode haver duas opiniões fundamentadas", observava ser "pecado grave contra a língua portuguesa" a primeira forma, que "é construção francesa, e portanto galicismo de frase, além de erro de gramática".4 18) Centrando as preocupações na indagação feita pelo leitor, pode-se afirmar, em síntese e de modo objetivo, com base em todo o raciocínio feito até agora, o que segue: (i) "Analisar-se-á os argumentos A, B e C" (errado); (ii) "Analisar-se-ão os argumentos A, B e C" (correto). 19) E se complementa: o fato de estar o verbo no futuro do presente ou a circunstância de postar-se o pronome pessoal oblíquo átono em mesóclise (ou seja, no meio do verbo) não têm influência alguma em todo o raciocínio que aqui se realizou. __________ 1 BARRETO, Mário. Através do Dicionário e da Gramática. 3. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954, p. 263. 2 NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959, p. 72. 3 PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924, p. 321. 4 FIGUEIREDO, Cândido. Falar e Escrever. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1948, vol. I, p. 13-14.
quarta-feira, 30 de junho de 2021

Agradecê-lo ou Agradecer-lhe?

1) Um leitor indaga, em suma, qual dos exemplos seguintes é gramaticalmente correto: (i) "Vim aqui para agradecê-lo"; (b) "Vim aqui para agradecer-lhe". 2) Vale sempre lembrar, como princípio básico, que o estudo do relacionamento entre as palavras na frase diz respeito a uma parte da Gramática denominada sintaxe (do grego sin = conjunto + taxe = construção). 3) E o capítulo específico da Gramática que trata das preposições exigidas pelo verbo para iniciar seu complemento (ou mesmo ausência de preposição) chama-se regência verbal. 4) Em nosso idioma, as questões de construção, ou seja, de sintaxe, são solucionadas pelo uso que nossos melhores autores, desde Camões (1524-80), fizeram do idioma pátrio. E a expressão melhores autores deve abranger aqueles escritores que em[1]pregaram o vernáculo com apuro e zelo. 5) Buscar, porém, na obra literária dos nossos melhores autores, como foi o emprego da regência do verbo agradecer é como procurar agulha em palheiro. 6) Mas isso não é necessário, pois, de um modo geral, estudiosos e gramáticos já realizaram preciosos estudos nesse sentido, compilaram milhares de exemplos e sistematizaram, em monografias merecedoras de aplausos, grande parte da sintaxe de vocábulos dessa natureza. 7) De modo específico para os limites da indagação, ensina Domingos Paschoal Cegalla que o verbo agradecer "constrói-se com objeto indireto de pessoa" (e pede a preposição a). Ex.: "Ele agradeceu ao doutor e saiu" (1999, p. 16). 8) Feita essa observação de que o verbo agradecer, nesse sentido, pede objeto indireto com a preposição a, caminha-se mais um passo. Os pronomes pessoais oblíquos átonos o, a, os e as servem para funcionar como objetos diretos, enquanto os pronomes lhe e lhes servem para substituir objetos indiretos. Exs.: a) "O juiz sentenciou o caso"; b) "O juiz sentenciou-o"; c) "O documento pertence aos autos"; d) "O documento pertence-lhes". 9) Com essas premissas, parece não haver dúvida, assim, quanto ao acerto ou erronia dos seguintes exemplos, para quando se quer agradecer a uma pessoa: a) "Ele quis agradecer o autor" (errado); b) "Ele quis agradecê-lo" (errado); c) "Ele quis agradecer ao autor" (correto); d) "Ele quis agradecer-lhe" (correto). 10) Feitas essas ponderações, responde-se objetivamente à indagação do leitor: (i) "Vim aqui para agradecê-lo" (errado); (b) "Vim aqui para agradecer-lhe" (correto).
quarta-feira, 23 de junho de 2021

A primeira vista ou À primeira vista?

1) Um leitor indaga de maneira simples e objetiva: "Qual a forma correta: A primeira vista ou À primeira vista? ". 2) Analisando a dúvida trazida, conclui-se que o que se quer, em síntese, é saber se há crase ou não no a que precede a expressão primeira vista. 3) Ocorre, todavia, que, sendo a crase a junção de duas vogais idênticas, sua existência ou não depende da estrutura da frase, de modo que não há como responder se há ou não crase em uma expressão solta e fora de um contexto e de uma frase, como a que foi apresentada, sem que haja um exemplo mais desenvolvido a ser analisado. 4) Por isso, formulam-se dois exemplos com as referidas expressões (eliminando-se possível crase neste começo), para que possa haver um raciocínio e para que possam ser extraídas as devidas conclusões: (i) A primeira vista é que impressiona; (ii) A primeira vista, não parece que você tenha razão. 5) Com os exemplos assim formulados, evitando conceitos teóricos, anota-se que a crase é, por via de regra, a junção de um a (preposição) com outro a (normalmente um artigo). E, como um artigo feminino vem apenas antes de nomes femininos, então, por facilidade de solução do problema, se substitui o substantivo feminino do contexto (vista) por um substantivo masculino (olhar),e, assim, se houver artigo feminino, fatalmente haverá de mudar-se em artigo masculino: (i) "O primeiro olhar é que impressiona"; (ii) "Ao primeiro olhar, não parece que você tenha razão". 6) Respondendo, então, de modo direto e objetivo, à indagação do leitor: (i) como crase é ocorrência que depende da estrutura da frase, muitas vezes é difícil dizer se ela existe ou não quando se apresentam apenas expressões soltas e desvinculadas de um contexto; (ii) quando, porém, uma expressão aparece em uma frase normal, parte-se do princípio de que crase normalmente existe antes de nomes femininos; (iii) desse modo, quando se substitui uma palavra feminina por uma masculina, se aparece ao no masculino, há crase no feminino; (iv) se, todavia, não aparece ao no masculino, não há crase no feminino.