1) Quando se quer mencionar o próprio substantivo, na acepção de causa, razão, motivo, grafa-se porquê (uma só palavra e com acento). Ex.: "Até hoje não se sabe bem o porquê da condenação daquele réu".1
2) Para José de Nicola e Ernani Terra, nesse caso, o substantivo geralmente, virá precedido de artigo ou outro determinante (adjetivo, pronome ou numeral).2
3) Em idêntica lição, reiteram Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante que, em tais hipóteses, porquê "normalmente surge acompanhada de palavra determinante (artigo, por exemplo)", decorrendo, além disso, de sua própria natureza de substantivo, que Tal vocábulo "pode ser pluralizado sem qualquer problema". Ex.: "Creio que os verdadeiros porquês mais uma vez não vieram à luz".3
4) O motivo de se grafar uma só palavra é que porquê não é resultado da junção de duas outras, mas tão-somente uma conjunção substantivada.
5) Embora originariamente átona a conjunção, torna-se tônica pela substantivação, motivo por que "deve ela obedecer à regra de acentuação dos oxítonos terminados em e(s).4
6) Num segundo aspecto, quando o vocábulo é conjunção (significando uma vez que, pois, já que, como, porquanto, visto que, visto como - conjunções e locuções pelas quais pode ser substituída), escreve-se porque (uma só palavra e sem acento). Ex.: "O réu foi condenado, porque reamente cometeu o crime".
7) Para esse caso, assim é a síntese de Napoleão Mendes de Almeida: "Quando simples conjunção subordinativa causal, é uma só palavra": "Dei-lho porque me pediu".5
8) De modo prático, leciona Arnaldo Niskier: "porque (junto e sem acento) é usado em respostas e nas frases declarativas, quando não se pode subentender a palavra motivo".6
9) Complementam José de Nicola e Ernani Terra: "Escreve-se porque (um só vocábulo e sem acento) quando se trata de uma conjunção; introduz oração subordinada adverbial causal (equivale a uma vez que, visto que) ou uma oração coordenada explicativa (equivale a pois)".7
10) Luís A. P. Vitória adverte a que não se confunda porque com por que "em duas palavras", porquanto, como conjugação, é uma só palavra, e não a associação de duas outras.8
11) E a ausência de acento gráfico decorre da circunstância de que a conjunção porque se insere entre os casos de dissílabos átonos, vale dizer, das palavras que não têm uma autonomia de sonoridade e, por isso, esteiam-se na força de pronúncia de outro vocábulo.
12) Ainda como conjunção, porque pode ter o sentido de para que, a fim de que, muito embora se trata "de um uso pouco freqüente na língua atual". E.: "Não julgues porque não te julguem"9
13) Num terceiro aspecto, em termos bem práticos, já observada, por um lado, a questão do substantivo (porquê), e, por outro lado, o aspecto da conjunção (porque), nos demais casos, quando "passa a locução, escreve-se por que", expressão essa que sempre "é formada da preposição por e do pronome relativo ou interrogativo que, e por isso se escreve separadamente".10
14) Na lição de Laudelino freire, "este que refere-se sempre a um nome, quer subentendido, quer expresso, o qual, neste último caso, pode vir antes dele, ou depois, passando aquela locução a significar por qual, pelo qual, pelos quais, etc., isto é, motivo pelo qual, por qual motivo, etc.".
15) E complementa tal autor: "Escreve-se, pois, o por separado do que nas frases interrogativas, ainda que acompanhado venha do substantivo, claro ou oculto, anteposto ou posposto, e também quando o por que significar pelo qual, etc".11 Exs.:
a) "Por que o réu não foi condenado?";
b) "O motivo por que não se condenou o réu foi a falta de provas".
16) Vale lembrar, a propósito, na prática, a preciosa lição de Júlio Nogueira: "escreva-se por que quando houver ou for possível aditar a palavra motivo, razão, etc.".12
17) Mais abrangente é a preciosa lição do ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Arnaldo Niskier: "Por que (separado e sem acento) vem em perguntas (desde que não esteja seguido imediatamente por uma pausa) e quando se pode subentender a palavra motivo (por que motivo) ou quando é equivalente a pelo qual (ou variações)".13
18) Ao conceituar por que, nesses casos, Cândido Jucá Filho refere ser uma "locução átona, em que se combinam a preposição por mais o pronome que (equivalente a a qual ou o qual): Já sabes o motivo por que ele faltou. Já sabes por que motivo ele faltou. Por que (motivo) faltou ele?14
19) Quando assim aparece a locução, Napoleão Mendes de Almeida reputa por que um advérbio interrogativo de causa e reforça o aspecto de que os elementos vêm separados "tanto nas interrogativas diretas ('Por que você não vai?') quanto nas indiretas (quero saber por que você não vai')".15
20) Para todas essas hipóteses, Celso Pedro Luft traz importante advertência: "Em todos esses casos, que é pronome (interrogativo, indefinido, relativo), não devendo aglutinar-se ao por, que é preposição".16
21) Para maior facilidade de reconhecimento de ocorrência de tal hipótese nos casos concretos, Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante observam que, "em termos práticos, é uma expressão quivalente a por qual razão, por qual motivo".17
22) Assim se podem resumir os casos do por que (separado e sem acento):
a) Quando é junção de preposição e pronome relativo (significando pelo qual): "O crime por que foi o réu condenado é hediondo";
b) Quando é pronome interrogativo, em interrogações diretas (em tais hipóteses, subentende-se a palavra motivo logo após, podendo também vir expresso tal vocábulo):
I) "Por que o réu foi condenado?";
II) "Por que motivo o réu foi condenado?"
c) Quando é pronome interrogativo, em interrogações indiretas (nesses casos, de igual modo, subentende-se a palavra motivo logo após): "Todos querem saber por que o réu foi condenado".
23) Nesses casos, é bom lembrar que a ausência de acento gráfico decorre da circunstância de que a palavra que se insere entre os monossílabos átonos, vale dizer, entre as palavras que não têm uma autonomia de sonoridade e, por isso, esteiam-se na força de pronúncia de outro vocábulo.
24) Em um quarto aspecto, no caso da observação anterior, se a expressão coincide com o fim da frase, grafa-se por quê (duas palavras e com acento). Ex.: "O réu foi condenado por que?
25) Em outras palavras: "Caso surja no final de uma frase, imediatamente antes de um ponto (final, de interrogação, de exclamação) ou de reticências, a seqüência deve ser grafada por quê, pois, devido à posição na frase, o monossílabo que passa a ser tônico, devendo ser acentuado". Exs.:
a) "Ainda não terminou? Por que?
b) "Você tem coragem de perguntar por quê?!"
c) "Claro. Por quê?"
d) "Não sei por quê!"18
26) Para Celso Pedro Luft, "trata-se do mesmo por que anterior, quando incide em fim de frase. Não podendo esta terminar em vocábulo átono, está claro que o que se torna tônico, e deve obedecer à regra dos oxítonos acabados em ê(s): Ele está triste sem saber por quê. Não vais, por quê? Eles não foram? Por quê?19
27) Assim resume o problema Cândido Jucá Filho, no que concerne a esse tópico específico: "Em fim de frase, o que é tônico, e escreve-se quê: Não fui lá, e já lhe disse por quê".20
28) E assim diz Júlio Nogueira: "Fechando a frase, a palavra que tem acento circunflexo no e: Por quê?"21
29) Em seu divertido modo de explicar, Édison de Oliveira leciona: "Grafa-se por quê (separado e com chapéu), quando essa expressão 'bater contra' um ponto final. Exs.:
a) 'Saíste agora por quê?;
b) 'Ninguém sabe por quê'".22
30) Arnaldo Niskier - ao que parece com razão, já que não é apenas no fim da frase que o que adquire tonicidade - é um pouco mais abrangente, para não apenas possibilitar essa grafia com acento no fim da frase, mas também em caos intermediários, em que há pausa, mas no meio da frase, antes, por exemplo, de uma vírgula, ou mesmo de um ponto-e-vírgula: "Por quê (separado e com acento) é usado em perguntas quando vem seguido imediatamente por uma pausa".23 Ex.: "O advogado não sabe por quê, nem como, nem quando a causa foi perdida".
31) Atento a essa circunstância, observa Celso Pedro Luft que, muito embora o Acordo Ortográfico se retira ao que acentua apenas no fim da frase, o certo é que, exatamente pela igual circunstância de que ele se torna tônico, "a rigor, pelo mesmo motivo, se devia acentuar o que em qualquer pausa (vírgula, ponto-e-vírgula)".24
32) Anote-se, por fim, que essas quatro distinções (porquê, porque, por que, por quê) acham-se regularmente abonadas pelas regras de ortografia e acentuação de nosso idioma, bem como pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão oficialmente incumbido de definir quais as palavras integrantes de nosso léxico, além de sua correta grafia e acentuação.25
33) Além disso, também a 1ª observação da 14ª regra da alínea 43 de acentuação gráfica das instruções do Formulário Ortográfico, unanimemente aprovadas pela Academia Brasileira de Letras em sessão de 12 de agosto de 1943, ao referir-se ao emprego do "acento circunflexo para distinguir de certos homógrafos inacentuados as palavras que têm e ou o fechados", ordena que se acentue "porquê (quando é substantivo ou vem no fim da frase)", para distinguir de "porque (conjunção)".
34) Em termos históricos, vale aditar, com Silveira Bueno, que "o fato de empregarmos, diferentemente grafados, porque e por que, é muito recente", com o que se buscou "indicar as funções diversas da palavra até então sempre escrita num vocábulo só - porque".26
35) Lembra, de igual modo, Júlio Nogueira, que "essa distinção é racional, mas nem sempre foi respeitada", muito embora já possa ser vista em antigos escritos de castro Lopes.27
36) No caso do poema observado, quando se diz a palavra aqui observada, facilmente se percebe que se subentende depois dela a palavra "motivo" ou "razão": "Não sei por que (motivo) a língua humana..." Na ordem direta: "Não sei por que os brutos não falam mais a língua humana". Por isso, grafam-se separadamente os vocábulos.
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1 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão gramatical. 10. ed. São Paulo: Ed. Luzir, 1961. p. 101.
2 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 177.
3 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 546.
4 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p 101.
5 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Ed. Caminho Suave, edição sem data. p. 240.
6 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, 1992. p. 57.
7 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 176.
8 Cf. VITÓRIA, Luís A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 193.
9 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 546.
10 Cf. FREIRE, Laudelino. Sintaxe da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda., 1937. p. 94.
11 Ibid.
12 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 32.
13 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, 1992. p. 57.
14 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 496.
15 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Ed. Caminho Suave, edição sem data. p. 240.
16 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p 101.
17 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 545.
18 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 545.
19 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p. 101-102.
20 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 496.
21 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 32.
22 Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Edição sem data. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda. P. 47.
23 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, 1992. p. 57.
24 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p. 102.
25 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed. Reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 603.
26 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2. vol, p. 349.
27 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 32.