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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Ir indo

1) Em expressões como vai indo, vem vindo, há indiscutível cunho pleonástico; são, porém, ambas formas corretas, e podem ser empregadas normalmente no vernáculo. 2) Veja-se, nessa esteira, o exemplo de Camilo Castelo Branco: "Parece-me que são horas de vir vindo o jantar". 3) Em realidade, trata-se de caso em que o verbo vir acaba sendo auxiliar de si próprio, em construção perfeita e correta, como também demonstra o seguinte exemplo de Machado de Assis: "Vieram vindo depois os bravos, os apoiados, os não-apoiados, uma bonita agitação". 4) No caso da consulta, todavia, o exemplo é "A revista Veja iria vir com tudo...", em que não há, em realidade, a idéia de pleonasmo, ou seja, de verbos que se repetem quanto ao sentido: nem é ir indo, nem é vir vindo. 5) A questão, assim, não diz respeito a pleonasmo, de modo que se há de buscar o enquadramento em outro aspecto de emprego da língua. 6) Em verdade, a exemplo de alguns outros verbos, vir é empregado com freqüência como verdadeiro auxiliar em expressões de larga utilização: a) "Ela vai trazer novidades"; b) "Ela vai voltar ao lugar de origem"; c) "Ela vai ficar onde está". 7) Tal uso não apenas se dá no presente do indicativo, mas seria perfeitamente aceitável no futuro do pretérito: a) "Ela iria trazer novidades"; b) "Ela iria voltar ao lugar de origem"; c) "Ela iria ficar onde estava". 8) Diante disso, não parece haver possibilidade de condenar o emprego do nosso querido Migalhas: "A revista Veja iria vir com tudo...". 9) Apenas se acrescente que estaria igualmente correta a seguinte frase: "A revista Veja viria com tudo..."
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Palavras e expressões latinas

1) Na linguagem do Direito, empregam-se, com freqüência, palavras e expressões latinas, quer porque o significado dos conceitos se foi sedimentando com maior propriedade na língua mãe, quer porque o uso, ao longo do tempo, consagrou fórmulas que, ditas em latim, parecem possuir maior força e propriedade do que no vernáculo. 2) Assim, por exemplo, na análise de uma das condições específicas da ação cautelar, há de verificar-se a existência do "fumus boni juris", expressão essa conhecida de todos os operadores do Direito, a qual não guarda a mesma extensão de significado quando traduzida para fumaça do bom direito. 3) O emprego das citações latinas, entretanto, deve, por um lado, ser parcimonioso, quer para não significar ostensiva afetação, quer para que o texto seja inteligível por um número maior de pessoas, sobretudo em época de tão pouco estudo desse idioma. 4) Ao depois, em tais citações se devem observar algumas regras de suma importância: a) em palavras latinas, não se põe acento gráfico, que não existia na língua mãe; b)em expressões latinas, também não se emprega o hífen, que, de igual modo, não era lá empregado; c) porque pertencentes os vocábulos ou expressões a outro idioma, devem vir entre aspas, em negrito, em itálico, com sublinha ou com qualquer outro sinal indicador de tal circunstância. 5) Veja-se, assim, a correta grafia de alguns vocábulos e expressões: ad corpus (venda pelo todo, sem especificação de medida), ad hoc (para isso, para determinado ato), ad quem (diz-se do termo final de um prazo ou do tribunal a que se dirige um recurso), data venia (com a devida permissão), de cujus (aquele de cuja sucessão se trata), ex adverso (diz-se da parte contrária), ex cathedra (com autoridade de quem conhece), ex jure (segundo o Direito), ex nunc (a partir de agora, sem efeito retroativo), ex officio (de ofício, em decorrência da própria função ou cargo), ex professo (com conhecimento de causa, magistralmente), ex tunc (desde o início, com efeito retroativo), ex vi (por força), ex vi legis (por força de lei), habeas corpus (que tenhas corpo), in fine (ao final), lato sensu (em sentido amplo), pari passu (passo a passo, em todas as etapas), pro forma (por formalidade), stricto sensu (em sentido estrito), venia concessa (concedida a permissão). 6) Os próprios textos de lei - em discutível proceder para a atual técnica de elaboração legislativa, que preconiza se evitem vocábulos estrangeiros desnecessários nas disposições legais - quando se põem a empregar expressões latinas, acabam, às vezes, por complicar-se. 7) Exemplo de uso equivocado encontra-se na redação oficial do art. 61, § 2o, da Lei 4.380, de 21.8.64, que regulamentou diversos aspectos dos contratos imobiliários: "As escrituras, no entanto, consignarão obrigatoriamente que as partes contratantes adotam e se comprometem a cumprir as cláusulas, termos e condições a que se refere o parágrafo anterior, sempre transcritas, 'verbum ad verbum', no respectivo cartório ou ofício, mencionado inclusive o número do livro e das folhas do competente registro". 8) Ora, em latim, a expressão é "verbo ad verbum", que tem o sentido de palavra por palavra ou literalmente. 9) Tem ela por sinônimas as expressões "ipsis litteris", "in verbis", "ipsis verbis" e "ad litteram".
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Visar

1) Quanto à regência verbal, na lição de Artur de Almeida Torres, "é transitivo direto nas acepções de pôr o sinal de visto em; apontar arma de fogo". Exs.: a) "Visar um passaporte" (Caldas Aulete); b) "Visa sempre o mesmo alvo" (Mário Barreto). 2) Complementa tal gramático com a lição de que, "no sentido de ter em vista um fim, dirigir os seus esforços para, tender, constrói-se como transitivo indireto, com a preposição a". Ex.: "Os conspiradores presos visavam provavelmente a estabelecer a internacional socialista" (Camilo Castelo Branco). 3) Ultima o referido gramático, com propriedade, que se observa, no Brasil, uma tendência a se usar do verbo visar sem preposição, mesmo como transitivo indireto, quando seguido de infinitivo. Ex.: "Esta doutrina é simplesmente didática e visa facilitar a aprendizagem dos verbos fortes" (Otelo Reis).1 4) Cândido Jucá Filho lembra que, modernamente, tem sido olvidado o uso da preposição com esse verbo, trazendo ele exemplos de autores insuspeitos para corroborar seu ensino: a) "Se visaram este alvo..." (Mário Barreto); b) "Medidas que a minha administração visava..." (Rui Barbosa).2 5) De Arnaldo Niskier vem a seguinte advertência para os dias atuais: "O verbo visar, no sentido de ter por objetivo, rege, historicamente, a preposição a; entretanto, no português moderno, seu uso como transitivo direto já está mais do que difundido, sendo encontrado em bons autores, independentemente da palavra que o segue. Assim, devemos considerar as duas regências corretas, apesar do espernear daqueles que vêem a língua como um cadáver conservado em formol".3 6) Para esse seu emprego mais problemático, também assim leciona Domingos Paschoal Cegalla: a) "na acepção de ter em vista, ter como objetivo, pretender, constrói-se geralmente com objeto indireto (preposição a)"; b) em tal acepção, todavia, "admite-se a regência direta".4 7) Em nota bastante apropriada para tal significado, observa Francisco Fernandes: "Neste caso o verbo visar regeu sempre complemento indireto, introduzido pela preposição a; modernamente, porém, é comum dar-se-lhe objeto direto, qualquer que seja sua acepção".5 8) Não é outro o posicionamento de Celso Pedro Luft, para quem, "nesta acepção, a regência primária é transitivo indireto", correspondendo à construção visar a; todavia, "por causa da semântica buscar, procurar, pretender, passou a aceitar também a transitividade direta, dispensando a preposição", o que "se deu, de início, principalmente com o infinitivo". Ex.: "O ataque visava cortar a retaguarda da linha de frente" (Euclides da Cunha).6 9) Nesse sentido de ter por fim ou objetivo, nos textos de lei, tal verbo, de um modo geral, aparece com sua construção clássica com objeto indireto com a preposição a (visar a alguma coisa), mas também há casos de sintaxe com objeto direto (que pode aparecer como sujeito da voz passiva), correspondendo à construção visar algo. Exs.: a) "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas..." (CF/88, art. 179); b) "Subordinando-se a eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa" (CC/1916, art. 118); c) "Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer fatos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os fatos novos..." (CC português, art. 12º, 2); d) "As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, nº 1, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no nº II do mesmo parágrafo" (CP, art. 251, § 2º). 10) Para o caso da consulta, assiste razão ao erudito consulente, quando diz, para o sentido causador de conflito, que, tradicionalmente, "o verbo visar, no sentido de objetivar, almejar, era transitivo indireto, ou seja, exigia preposição". Modernamente, porém, com base em autores insuspeitos, pode-se afirmar, com segurança, que esse verbo, no mencionado sentido, pode ser tanto transitivo indireto (usado com a preposição a) como transitivo direto (usado sem preposição). Desse modo, estão corretos ambos os seguintes modos de expressão: a) - "... visando orientar decisões..."; b) - "... visando a orientar decisões...". ---------- 1 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Regência Verbal. 7. ed. Rio de Janeiro. São Paulo:Editora Fundo de Cultura S/A, 1967. p. 298-299. 2 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981. p. 110. 3 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 107. 4 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 413-414. 5 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971. p. 599. 6 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 534.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Caso seja... e deseja...?

1) Em português, existem normas de correlação, de correspondência temporal ou, ainda, de consecução dos tempos verbais (em latim, com regras mais rígidas, "consecutio temporum"), as quais determinam a harmonização a ser observada para o emprego das formas dos verbos. 2) Por essas normas é que, na prática, assim se redigem os seguintes exemplos, guardando a correlação dos tempos (ou seja, o uso primeiro de um tempo exige que o segundo verbo siga para um determinado tempo específico): a) "Se é clara, a lei dispensa interpretação"; b) "Se a lei for clara, dispensará interpretação"; c) "Se a lei fosse clara, dispensaria interpretação". 3) No caso da consulta, o exemplo causador da dúvida é o seguinte: "Caso você seja de alguma destas cidades e deseja se cadastrar como correspondente..." Apenas em termos de análise de fato, seja está no presente do subjuntivo, e deseja está no presente do indicativo. 4) Se atentarmos um pouco mais, veremos que o exemplo ainda poderá ser dito do seguinte modo: "Caso você seja de alguma destas cidades e (caso) deseja se cadastrar como correspondente..." 5) Ou seja: o mesmo caso (conjunção subordinativa condicional) que rege o primeiro verbo (seja) e exige que ele seja posto no presente do subjuntivo, rege também o segundo verbo (deseja) e não permite que ele seja flexionado para o presente do indicativo (deseja), mas exige que seja também conjugado no presente do subjuntivo (deseje). 6) Assim, veja-se a forma equivocada e a forma correta do exemplo: a) "Caso você seja de alguma destas cidades e deseja se cadastrar como correspondente..." (errado); b) "Caso você seja de alguma destas cidades e deseje se cadastrar como correspondente..." (correto).
quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

É vedado férias coletivas

1) A Emenda Constitucional 45, de 8.12.04, acrescentou o inciso XII ao art. 93, nos seguintes dizeres: "a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas...". 2) Por primeiro, já que "sendo vedado férias coletivas" é oração reduzida, vamos estendê-la, para melhor entendimento e análise, obedecendo à estrutura que aí está: "e será vedado férias coletivas". 3) Em seguida, vamos colocar tal oração em ordem direta (primeiro o sujeito, depois o verbo): "férias coletivas será vedado". 4) Com esse simples raciocínio, percebe-se que o correto há de ser: "férias coletivas serão vedadas". Na oração reduzida e na ordem da lei: "sendo vedadas férias coletivas". 5) Talvez o legislador (ou o revisor do texto) se tenham valido de um outro raciocínio, o mesmo que se emprega para as expressões é bom ou é proibido. Assim, se o sujeito é genérico (não vem precedido de artigo nem tem palavra especificadora), a expressão fica invariável, no masculino singular: Exs.: a) "Laranja é bom para resfriado"; b) "É proibido entrada". 6) Essa regra, porém, se completa com uma outra. Assim, se o sujeito é específico (tem algum termo que o determina), a expressão concorda normalmente com o nome a que se refere. Exs.: a) "A laranja baiana é boa para feijoada"; b) "É proibida a entrada oeste". Em tais casos, basta que se acrescente um artigo ou palavra qualificadora, para que a concordância seja obrigatória. 7) Para resumir: se apenas se dissesse "sendo vedado férias", o sujeito (férias) estaria em sentido genérico, sem qualquer outro termo que o qualificasse ou determinasse, e, assim, ainda haveria uma justificativa para a concordância. 8) No caso, porém, havendo um adjetivo (coletivas) que modifica o substantivo (férias), não há possibilidade de qualquer outra interpretação, de modo que é obrigatória a concordância: "sendo vedadas férias coletivas".
quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

Junto a

1) Com supedâneo em lição de Napoleão Mendes de Almeida, lembram Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade que se tomam providências e pedidos, requerendo-se em algum lugar, e não junto a um lugar.1 2) Em apropriada síntese, em outra obra, leciona Antonio Henriques que, "com o significado de em não é correto o uso de junto a embora largamente disseminado". Exs.: a) "Solicitar documentos na Secretaria" (correto); b) "Solicitar documentos junto à Secretaria" (errado); c) "Propor ação no Juízo criminal" (correto); d) "Propor ação junto ao Juízo criminal" (errado).2 3) Após anotar que seu exato significado é perto de, ao lado de, próximo, perto, Laurinda Grion leciona, de igual modo, que "a expressão junto a tem-se tornado um verdadeiro curinga, sendo usada para substituir diferentes preposições". 4) Atenta a essa observação teórica, contudo, tal autora traz exemplos de uso correto da expressão: a) "Estávamos junto ao rio"; b) "Fabricou outra fortaleza junto à nossa"; c) "Deixarei para pedir minha remoção quando estiver junto a ele". 5) Em continuação, entretanto, traz ela exemplos de emprego errado da expressão, fazendo-os seguir da respectiva correção: a) "O empresário não conseguiu rolar sua dívida junto ao banco" (erro que se deve corrigir para com o banco); b) "Pediu vários empréstimos junto ao banco" (erro que se deve corrigir para ao banco); c) "A audiência da novela cresceu assustadoramente junto aos espectadores" (erro que se deve corrigir para entre os espectadores); d) "O Vasco prometeu a Serginho comprar seu passe junto à Portuguesa" (erro que se deve corrigir para da Portuguesa); e) "O advogado entrou com um recurso junto ao tribunal" (erro que se deve corrigir para no tribunal).3 6) Nessa mesma esteira, é de se ver que, nos arrazoados jurídicos e forenses, por um lado, são usadas, com freqüência e de modo correto, as locuções prepositivas junto a e junto de com o significado de perto de, ao lado de ou próximo a. Exs.: a) "A arma se encontrava junto ao corpo da vítima"; b) "A cadeira junto da porta estava desocupada". 7) Lembra Geraldo Amaral Arruda, todavia, não ser correto dizer "Propor ação junto do juízo cível" ou "Tomar empréstimo junto ao banco", mas, em tais casos, deve-se dizer "Propor ação no juízo cível", ou "Propor ação perante o juízo cível", e "Tomar empréstimo do banco". 8) Acrescenta tal autor que "o mau uso da locução prepositiva junto a comporta soluções diversas, conforme o caso. Assim, a frase 'Contraiu empréstimo junto à ré' fica melhor dizendo-se 'Contraiu com a ré um empréstimo' ou 'Obteve um empréstimo da ré'. A frase 'Uma anistia para os devedores de tributos junto à Fazenda Federal' poderia melhorar com a substituição da locução prepositiva: .... devedores de tributos para com a Fazenda Federa'."4 9) Adicione-se, por oportuno, que o Código de Processo Civil, nas hipóteses em que necessita do emprego de vocábulo ou expressão dessa natureza - seguindo, aliás, procedimento anteriormente adotado pelo Código Civil, pelo Código Comercial, pelo Código de Processo Penal e, antes deles, pelo Regulamento nº 737, de 1850, e pelas Ordenações Filipinas - emprega invariavelmente a preposição perante (perante o juízo, ou perante testemunhas, ou perante o tribunal, ou perante a autoridade, ou perante o relator), como se pode verificar da análise dos arts. 99, parágrafo único, 106, 108, 393, 410, 478, parágrafo único, 500, I, 935, 1.049, 1.059, 1.073 e 1.181). 10) Por fim, em observação conjunta para junto a e junto de, refere Domingos Paschoal Cegalla que "são corretas ambas as locuções, que se usam para exprimir proximidade, contigüidade", correção essa que vê existir em exemplos como os seguintes: a) "Entrevistou o embaixador brasileiro junto ao Vaticano"; b) "Nosso representante diplomático junto ao governo americano se incumbirá do caso".5 11) De modo específico para o caso da consulta, assim se deve observar: a) "Seguradora não responde junto à Ultragaz por dano causado a consumidor..." (errado); b) "Seguradora não responde à Ultragaz por dano causado a consumidor..." (correto); c) "Seguradora não responde para com a Ultragaz por dano causado a consumidor" (correto). 12) Assim se dá, porque o verbo responder, quando significar ser ou ficar resp nsável, responsabilizar-se, tomar a responsabilidade, toma uma de duas construções: a) "responder por alguma coisa a alguém"; b) "responder por alguma coisa para com alguém". 13) Para confirmar essa posição, vejam-se construções de nossas leis com a estrutura "responder por alguma coisa a alguém": a) "Cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou" (CC, art. 1.319); b) "Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida" (CPC, art. 811, "caput"). 14) Vejam-se também construções com a estrutura "responder por alguma coisa para com alguém"; a) "Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar" (CC, art. 285); b) "O navio e frete respondem para com os donos da carga pelos danos que sofrerem por delitos, culpa ou omissão culposa do capitão ou gente da tripulação, perpetrados em serviço do navio..." (C.Com., art. 565). ---------- 1 Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 112. 2 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 100. 3 Cf. GRION, Laurinda. Mais Cem Erros que um Executivo Comete ao Redigir. Sem edição. São Paulo: EDICTA, sem data. p. 95. 4 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 87. 5 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 227.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Pessoas vêm dizerem...

1) O infinitivo de um verbo (ou seja, o verbo quando o chamamos pelo nome: amar, vender, partir...) pode apresentar-se em sua forma não flexionada (o próprio nome do verbo - amar) ou em sua feição flexionada (ou seja conjugado - amar eu, amares tu, amar ele, amarmos nós, amardes vós, amarem eles). 2) Quanto ao infinitivo, de um modo geral, nem sempre é fácil escolher a forma a ser empregada (flexionada ou não flexionada), e o assunto muitas vezes situa-se mais no terreno da Estilística do que da Gramática. 3) No caso da consulta, porém, a questão não é tão complexa e pode ser resolvida até com certa facilidade, apenas exigindo atenção ao texto na hora da revisão. O problema, aliás, é corriqueiro na redação profissional de nossas petições, decisões e pareceres de todos os dias: como empregar o infinitivo numa locução verbal (dois verbos desempenhando o papel de um só - no caso, vêm dizerem), quando postos tais verbos ou em ordem inversa, ou entremeados com outras palavras ("vêm agora os econopetistas dizerem...). 4) O leitor que remeteu a consulta já se incumbiu do primeiro passo para a resolução do problema, ao estruturar o exemplo na ordem direta: "Os econopetistas vêm dizerem..." 5) Ora, a regra que aqui se aplica é de fácil entendimento: emprega-se o infinitivo impessoal nas locuções verbais, e nelas "não é lícito flexionar o infinitivo".1 Exs.: a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto); b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado). 6) O erro mais comum, nesses casos, é a utilização do infinitivo flexionado nesses casos, sobretudo quando, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, existem outras palavras, ou mesmo quando o exemplo está na ordem inversa. Ex.: a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado); b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto). 7) Cândido de Figueiredo, exatamente a esse respeito, lembra o seguinte exemplo, encontrado "num livro moderno, premiado oficialmente": "Podem entretanto esses serviços serem estabelecidos..."; e complementa: "Podem serem... não é linguagem de cá".2 Acrescente-se: nem de cá, nem de lá, nem de lugar algum. 8) Reitere-se que, nesse caso, quando os verbos componentes da locução estão próximos e o auxiliar é normalmente flexionado, é menos corriqueiro o equívoco de flexão, sendo, assim, incomum um erro como o seguinte: "As certidões deverão acompanharem o traslado da escritura". 9) Todavia, quando os verbos da locução se distanciam, a possibilidade de erro se acentua, como se dá no seguinte emprego equivocado, modelo de outros tantos: "As certidões deverão, sob pena de invalidade do ato e impedimento para o registro, acompanharem o traslado da escritura" (corrija-se: deverão... acompanhar). 10) Após essas reflexões, no caso da consulta, veja-se a ordem direta e a forma adequada: a) "Os econopetistas vêm dizerem..." (errado); b) "Os econopetistas vêm dizer..." (correto). 11) Por conseqüência, veja-se como deve ficar o exemplo na ordem em que apareceu no texto da consulta: a) "Vêm agora os econopetistas dizer..." (correto); b) "Vêm agora os econopetistas dizerem..." (errado). ---------- 1 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Análise, Concordância e Regência". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e Edinal - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 705. 2 Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. Falar e Escrever. 4 ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1941. vol. II, p. 168.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Tempo passado ou tempo futuro?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Sujeito composto = verbo no plural

1) Concordância verbal é a harmonização do verbo com o seu sujeito, o que se dá em número (singular ou plural) e pessoa (primeira, segunda ou terceira). 2) Algumas observações gerais podem ser de grande utilidade. 3) Nesses casos, o verbo (denominado palavra regida ou subordinada) acomoda-se à flexão do sujeito (denominado palavra regente ou subordinante).1 4) Assim, se o sujeito é simples, a concordância se faz em número e pessoa com o núcleo do sujeito. Exs.: a) "Eu encontrei o livro"; b) "Os rebeldes saíram às ruas"; c) "A pintura dos três prédios exigiu dois meses"; d) "Aconteceram, por aqui, casos interessantes"; e) "Os consertos do edifício demoraram mais do que o previsto". 5) Se o sujeito é composto e anteposto ao verbo, concorda este com a soma daquele. Ex.: "A citação e a penhora foram anuladas". 6) Se o sujeito é composto e posposto, o verbo pode concordar no plural ou com o núcleo mais próximo. Exs.: a) "Foram anuladas a citação e a penhora" (correto); b) "Foi anulada a citação e a penhora" (correto); c) "Foi anulado o edital e a citação" (correto). 7) Para esse último caso, vale observar com João Ribeiro que, "embora concorram muitos sujeitos, sempre foi primor e liberdade de estilo deixar o verbo no singular desde que este os precede na frase".2 8) No caso da consulta, é de fácil verificação que o sujeito tem dois núcleos: cautela e caldo. E mais: sujeito composto e anteposto ao verbo, o que, por via de regra, exige a concordância no plural. Corrigindo, portanto: "Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém... exceto à galinha". 9) Sem dúvida, um penoso cochilo da redação. Mas devo dizer - por experiência própria em decisões que proferia quando Magistrado e em petições, arrazoados e pareceres que hoje elaboro na advocacia - que não é difícil ser levado a um erro como esse. E a explicação é a seguinte: a idéia, tal como surge de início, é escrever um sujeito simples no singular, o que leva o verbo também para o singular. No meio do raciocínio, porém, resolvemos acrescentar um outro núcleo do sujeito, mas não atentamos à idéia do verbo já pensado no singular. E, com a idéia inicial deste, fica também o erro. O caminho para sanar essa falha é revisar o texto com atenção, sem perder de vista a idéia de que os erros de concordância verbal são mais corriqueiros do que imaginamos. ---------- 1 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943. p. 25. 2 Cf. RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 149.
quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Academia Brasileira de Letras

1) A par da linguagem mais descuidada que se permite no plano coloquial, na correspondência mais íntima e na conversa familiar entre as pessoas, existe um modo de escrever e falar próprio dos profissionais de qualquer área, em suas manifestações oficiais e formais, onde se deve manter um nível mínimo e comum de fala e escrita, submetido às normas de Gramática, a que se dá o nome de linguagem formal ou norma culta. 2) De modo específico no que tange à existência, à grafia e ao gênero das palavras em nosso idioma, a autoridade fica com a Academia Brasileira de Letras, que edita regularmente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes ao nosso léxico, bem como lhes fornece a grafia oficial, muito embora normalmente não lhes comente o significado. 3) Ao agir assim, a ABL desincumbe-se de uma delegação legal, já que a vetusta Lei Eduardo Ramos, de nº 726, de 8 de dezembro de 1900, incumbiu-a de editar regularmente essa lista oficial dos vocábulos de nosso idioma. 4) Essa é a regra, e a ela se tem prestado obediência. Basta ver que, em época mais recente, para abolir o trema sobre os hiatos átonos, o acento circunflexo diferencial de timbre (com a única exceção de pôde) e os acentos circunflexo e grave nas palavras com sufixo mente ou iniciado por z, tal se fez por via da Lei 5.765, de 18.12.71. Exatamente em obediência à lei, assim, não se admite, por exemplo, extensão de seus dizeres para abarcar a manutenção do diferencial em palavras como forma (ô) - como pretende Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em seu famoso dicionário - a pretexto de confusão nos casos concretos. Mas isso é assunto para uma outra vez. 5) Esse proceder de haver uma autoridade e uma regra a que todos prestam obediência, entretanto, não torna o idioma necessariamente fossilizado ou estagnado. Os contínuos estudos e as sugestões fundamentadas são alvo de análise pelas comissões da ABL, e, conforme a necessidade, são feitas alterações nas novas edições do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Só para se ter uma idéia da atuação dinâmica nesse campo, em sua edição de setembro de 1998, às mais de 300.000 palavras já reconhecidas no Português, foram adicionados aproximadamente 6.000 novos termos, em geral relativos ao desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo inovações de Informática. 6) Dizer que, nesse campo, a ABL age por delegação legal significa que sua palavra é lei, que obriga a todos os usuários da linguagem formal. Isso, todavia, não a exonera de cometer equívocos. Exemplifica-se: em sua 4ª edição (2004), o VOLP diz que superávit (assim, com acento gráfico) é um substantivo masculino já regularmente incorporado ao vernáculo; todavia, embora faça constar deficitariedade e deficitário, não registra déficit como palavra pertencente a nosso léxico, mas, apenas e tão-somente, a forma aportuguesada défice. 7) Ante esse quadro, o usuário do idioma poderá escrever normalmente superávit, que é vocábulo pertencente a nosso léxico. Todavia, quanto a seu antônimo, deverá ou empregar a forma aportuguesada défice, ou então usar a forma latina "deficit", com duas observações: a) entre aspas, ou em itálico, negrito ou com sublinha, como se deve grafar, em nossos textos de linguagem formal, todo e qualquer vocábulo pertencente a outro idioma; b) sem acento gráfico, que não existia em Latim. 8) Além disso, a ABL não é dona da verdade, nem é imune a equívocos nesse trabalho, nem se posta como tal. Constata-se, a uma rápida consulta à introdução do VOLP, que a edição de 2004 foi dedicada exatamente "aos que usam da língua portuguesa como bem comum - aqui chamados a colaborar no aperfeiçoamento desta coleta, com achegas, sugestões, críticas, correções". Nesse campo, como todos das carreiras jurídicas em relação ao ordenamento jurídico, somos chamados a seu aperfeiçoamento. 9) E não se pense que, quando escrevia minhas decisões na Magistratura, e hoje, quando escrevo minhas petições, arrazoados e pareceres na Advocacia, eu esteja sempre de acordo com o que vejo nas determinações da ABL e na listagem de vocábulos do VOLP. Tenho minhas divergências (basta ver a questão do superávit e do "deficit"). Todavia, como é de praxe no ordenamento jurídico, na vigência da lei, devemos prestar-lhe obediência. Não posso escolher quais leis sigo e quais ignoro. Posso não concordar com a placa de contramão naquele local; mesmo assim, vou prestar-lhe obediência. Posso não concordar com o limite de velocidade num determinado local; mesmo assim continuarei obrigado a respeitá-lo. De modo mais específico para o caso concreto, enquanto não vier nova edição do VOLP, dizendo que, assim como superávit, também integra nosso léxico o vocábulo déficit (assim, com acento gráfico, como toda proparoxítona), deverei empregar défice ou "deficit". 10) E mais: não se pode dizer que a obediência a tais parâmetros signifique cerceamento à liberdade do falante. É difícil encontrar alguém que defenda a tese de que Padre Vieira ou Rui Barbosa tenham sido cerceados ou feridos em sua liberdade de expressão, por terem que obedecer às normas da Gramática. As regras estão aí, e a arte de escrever está em encontrar a adequada forma de expressão em seus moldes e limites. Mesmo grandes escritores que têm um modo peculiar de escrever não ignoram tais regras. Guimarães Rosa, que desconstruiu como raros o idioma em seu modo peculiar de expressão, conhecia como poucos os meandros do vernáculo. 11) Por fim, ante a indagação da leitora (seria eu um fascista?), acredito seja oportuno lembrar que o vocábulo fascista vem do Latim, "fascis", que significa feixe. Nesse contexto, quero, apesar de não me julgar mais do que um caniço, poder juntar-me a muitos outros caniços e compor robusto feixe na defesa do que há de fundamental nessa questão da linguagem formal, sobretudo no campo profissional e, mais especificamente, do Direito, despindo-a, ademais, dos adereços desnecessários e das superfluidades. Creio que, se houver uma atuação adequada nesse campo, talvez a palavra, sobretudo nos meios jurídicos e forenses, deixe de ser um esconderijo e um empecilho para a expressão e possa efetivamente tornar-se veículo do pensamento.
quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Vocativo nas petições judiciais

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Bastante procurador

1) O adjetivo bastante significa suficiente ou aquele que basta. A expressão bastante procurador, assim, tem a acepção de procurador suficiente, ou procurador apto, ou procurador com os poderes necessários. 2) Quanto à teoria, em português, o adjetivo (bastante) concorda normalmente com o substantivo (procurador) a que se refere em gênero (masculino ou feminino) e número (singular e plural). Por isso, o plural de seu bastante procurador é exatamente seus bastantes procuradores. 3) O que se deve observar, em acréscimo, é que essa palavra, além de adjetivo, às vezes funciona como advérbio, razão por que deve ser observada do prisma da concordância nominal. 4) Se modifica um verbo, um adjetivo ou um outro advérbio, a palavra tem valor de advérbio e é invariável. Exs.: a) "Ele trabalha bastante"; b) "Ela trabalha bastante"; c) "Eles trabalham bastante"; d) "Elas trabalham bastante"; e) "Ele está bastante cansado"; f) "Ela está bastante cansada"; g) "Eles estão bastante cansados"; h) "Elas estão bastante cansadas"; i) "Ele está bastante bem"; j) "Eles estão bastante bem". 5) Nesse sentido, observando que tal palavra "não varia quando modifica adjetivo ou particípio", Sousa e Silva manda corrigir para o singular o seguinte exemplo que colheu em uma revista médica: "Foram realizadas duas punções esternais, com resultados bastantes concordantes".1 6) Se, porém, modifica um substantivo, tem valor de adjetivo e concorda com a palavra modificada. Exs.: a) "Havia bastante gente à espera do réu"; b) "Havia bastantes pessoas à espera do réu". 7) Nessa última situação, Eduardo Carlos Pereira classifica-o como adjetivo determinativo indefinido, categoria essa que conceitua como "o adjetivo que determina o substantivo de modo vago".2 8) Em observação abrangendo os vocábulos muito, pouco, bastante, tanto e quanto, asseveram Carlos Góis e Herbert Palhano que tais palavras são pronomes indefinidos, quando vêm modificando um substantivo; "neste caso são variáveis em gênero e número". 9) Acrescentam eles que tais palavras são advérbios, quando vêm modificando o verbo, o adjetivo, ou outro advérbio; "neste caso, são invariáveis".3 10) Napoleão Mendes de Almeida condena seu uso com a significação de "em grande quantidade", reputando errada uma frase como "Encontrei bastantes conhecidos na cidade".4 11) Tal rigor, porém, parece ser solitário, e esse posicionamento radical não vem tendo acolhida entre os gramáticos, que consideram correto tal emprego. ---------- 1 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 46. 2 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia.; 1924. p. 88. 3 Cf. GÓIS, Carlos; PALHANO, Herbert. Gramática da Língua Portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1963. p . 123-124. 4 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 38
quinta-feira, 13 de outubro de 2005

Pagar

1) Quanto à regência verbal, tem tal verbo duas transitividades: I) é transitivo direto, se o complemento é coisa. Exs.: a) "O perdedor pagou o valor devido"; b) "O perdedor pagou-o"; II) É transitivo indireto, se o complemento é pessoa. Exs.: a) "O vencido pagou ao vencedor"; b) "O vencido pagou-lhe". 2) Pode ser construído, ao mesmo tempo, com dois complementos. Exs.: a) "O vencido pagou o valor devido ao vencedor"; b) "O vencido pagou-lho". 3) Na síntese de Artur de Almeida Torres, ele "rege acusativo de coisa (objeto direto) e dativo de pessoa (objeto indireto): pagar alguma coisa a alguém".1 4) Após referir que alguns empregam tal verbo fazendo da pessoa o objeto direto, Mário Barreto leciona ser essa uma "construção de todo rejeitável", porquanto "o regime de pessoa deve aqui aparecer como complemento indireto". 2 5) Outra não é a lição de Cândido de Figueiredo: "É verdade que o nosso velho Morais empregou as expressões: pagar as tropas, os criados, as dívidas. As dívidas, bem está; mas pagar os criados parece-me que foi precipitação ou lapso do respeitado dicionarista, tanto mais que, aduzindo textos clássicos, não citou um único em abono daquela sintaxe: pagar os criados". 3 6) Em oportuna observação para os meios jurídicos, lembram Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade que "a boa sintaxe requer, com o verbo pagar, objeto indireto de pessoa. Na linguagem dos códigos não se acha exemplo do objeto direto de pessoa; este pode aparecer em escritores modernos, no uso da linguagem coloquial, em determinados contextos. A sintaxe clássica reponta no conhecido adágio: Quem deve a Pedro e paga a Gaspar, torna a pagar". 4 7) Fundado em lição de Mário Barreto e atento aos deslizes da linguagem forense, observa Edmundo Dantès Nascimento que uma frase como "Pagar o mestre", em realidade, trata-se de "construção de todo rejeitável. O regime de pessoa deve aqui aparecer como complemento indireto". 5 8) Na lição de Celso Pedro Luft, "puristas logicistas só aceitam objeto indireto de pessoa com este verbo, condenando a sintaxe evoluída pagar alguém, pagá-lo". 9) E continua, esteando-se em exemplos apenas de autores do século XX: "Esta, no entanto, é de uso freqüente e, até literariamente, bem documentada". 10) Mas finaliza, nesse aspecto: "Pode-se dizer que, na língua escrita formal, a sintaxe pagar a alguém, pagar-lhe é preferível a pagar alguém, pagá-lo".6 11) Os textos legais, por via de regra, observam as determinações da Gramática quanto à regência do verbo pagar, fazendo da coisa o objeto direto (com possibilidade de ser sujeito da voz passiva) e da pessoa o objeto indireto, nada impedindo que coexistiam ambos os complementos em mesma oração. Exs.: a) "Aquele que semeia... em terreno próprio, com ... materiais alheios... fica obrigado a pagar-lhes o valor,... se obrou de má-fe" (CC/1916, art. 546); b) "Aquele que semeia... de má-fé... poderá ser constrangido... a pagar os prejuízos" (CC/1916, art. 547); c) "Se, porém, as referidas coisas forem avaliadas no título constitutivo do usufruto, salvo cláusula expressa em contrário, o usufrutuário é obrigado a pagá-las pelo preço da avaliação" (CC/1916, art. 766, parágrafo único); d) "Ao credor por esta caução compete o direito de:... II - fazer intimar ao devedor dos títulos caucionados, que não pague ao seu credor, enquanto durar a caução"( CC/1916, art. 792, II); e) "O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem" (CC/1916, art. 1.278); f) "A matrícula deve ser feita no porto do armamento da embarcação, e conter:... 4. As quantias adiantadas, que se tiverem pago ou prometido pagar..." (C. Com., art. 467, 4); g) "No caso de fraude da parte do segurado, além da nulidade do seguro, será este condenado a pagar ao segurador o prêmio estipulado em dobro..." (C. Com., art. 679). 12) No que tange à consulta do leitor, será correto dizer: a) "Pagar o passivo" (e, portanto, pagá-lo); b) "Pagar aos credores" (e, portanto, pagar-lhes); c) "Pagar o passivo aos credores" (e, portanto, pagar-lhos). ---------- 1 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Regência Verbal. 7. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Editora Fundo de Cultura S/A, 1967. p. 213. 2 Apud TORRES, Artur de Alemida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 178. 3 Apud TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966, p. 178. 4 Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 103. 5 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 109. 6 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Atiço, 1999. p. 388.
quarta-feira, 28 de setembro de 2005

CPI: as CPI ou as CPIs?

1) Quando a abreviatura das palavras se dá pela utilização de suas iniciais, tem-se uma sigla. Exs.: DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), I.N.S.S. (Instituto Nacional de Seguridade Social). 2) E se sabe que, quanto ao uso ou não de ponto entre as letras que resumem suas palavras integrantes, tanto se admite, na atualidade, escrever CPI como C.P.I. E se anota que a tendência à simplificação faz com que mais e mais se dê preferência à primeira grafia. Repita-se, porém, que ambas as formas estão corretas. 3) Quanto ao emprego de uma sigla no plural, parece integralmente aceitável a lição de Napoleão Mendes de Almeida de que se pluralizam as siglas pelo acréscimo de um s minúsculo às letras já integrantes delas: CEPs, CICs, R.Gs.1 4) Desse entendimento também é Arnaldo Niskier, para quem "não há motivos para não marcar o plural das siglas com um s minúsculo".2 5) Regina Toledo Damião e Antonio Henriques também partilham do mesmo entendimento de que, "com respeito ao plural das siglas, aceita-se o uso do s (minúsculo) para efeito de pluralização: PMs, INPMs, MPs".3 6) Tal uso de um s minúsculo ao final da sigla, no entendimento de Edmundo Dantès Nascimento, "é uma solução gráfica sem aprovação de convenção acerca do assunto, mas que resolve o caso".4 7) Quanto ao vocábulo especificamente considerado, vê-se com facilidade que o plural de CPI é CPIs. ---------- 1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 298. 2 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 111. 3 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 245. 4 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 208.
quarta-feira, 21 de setembro de 2005

CPI ou C.P.I.?

1) Quando a abreviatura das palavras se dá pela utilização de suas iniciais, tem-se uma sigla. Exs.: DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), I.N.S.S. (Instituto Nacional de Seguridade Social). 2) A questão do regime das abreviaturas e, por conseguinte, das siglas, não é pacífica, mas algumas ponderações podem ser feitas com proveito. 3) Uma primeira observação é que, nas siglas, o mais lógico é não usar o ponto de separação, se as letras são pronunciadas formando nova palavra, como ARENA (Aliança Renovadora Nacional, antigo partido político dos tempos da ditadura de 1964); se, todavia, a leitura da sigla se dá em soletração, então o mais adequado é usar o ponto de separação entre as letras, como em F.N.M. (Fábrica Nacional de Motores). 4) Essa, aliás, é a lição de Cândido de Oliveira: "se lermos letra por letra (ene, ge, bê), entre elas há ponto (N.G.B.); se as letras formam um todo significativo, não há ponto: DEA". 5) Do primeiro caso, para o mesmo autor, são exemplos I.N.S.S. (Instituto Nacional de Seguridade Social) e P.V.O.L.P. (Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), enquanto do segundo são MEC (Ministério da Educação e Cultura), PETROBRAS (Petróleo Brasileiro), SESI (Serviço Social da Indústria) e UBE (União Brasileira de Escritores). 1 6) Apesar da lição tradicional anterior, Luciano Correia da Silva anota que o uso constante vem contrariando a regra segundo a qual se utilizam pontos nas siglas cujas letras se pronunciam separadamente: de I.N.P.S., O.A.B., segundo tal autor, passou-se, na prática, a escrever INPS e OAB. 7) Em outra passagem, acrescenta tal autor que "há uma tendência crescente para a eliminação dos pontos nas siglas em geral: MP (Ministério Público), CPC (Código de Processo Civil), TJ (Tribunal de Justiça), RT (Revista dos Tribunais), STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça), CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), MP (Medida Provisória), PM (Polícia Militar).2 8) Em mesmo sentido, para Regina Toledo Damião e Antonio Henriques, as siglas, em casos dessa natureza, podem vir, indiferentemente, acompanhadas ou não de ponto - MEC ou M.E.C., CIC ou C.I.C. - acrescentando tais autores que "a tendência moderna é o uso de siglas sem pontuação".3 9) Com todas essas observações e posições divergentes dos nossos autores, vê-se que tanto se pode escrever CPI como C.P.I. Todavia se deve anotar que a tendência à simplificação faz com que mais e mais se dê preferência à primeira grafia. Repita-se, porém, que ambas as formas estão corretas. ---------- 1 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10 ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961, p. 77. 2 Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 181 e 323. 3 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo: HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 245.
quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Habeas corpus

1) Trata-se de expressão latina, composta pela segunda pessoa do singular do presente do subjuntivo do verbo "habere" ("habeas") e do substantivo "corpus", com o sentido etimológico de ande com o corpo, ou tenha o corpo. Ex.: "O mais triste das prisões políticas é que quando o advogado consegue o 'habeas corpus' para o seu cliente, já não há mais corpo".2) Historicamente, são as primeiras palavras de uma lei inglesa, editada logo após a outorga da Magna Carta, em 1215, por João Sem Terra, a qual concedia a qualquer vassalo inglês o direito de aguardar o julgamento em liberdade, sob fiança.3) Configura, atualmente, instituto jurídico consagrado entre nós pelo art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, o qual tem por precípua finalidade a defesa da liberdade de locomoção, "quando a esta não se oponha a justeza da privação da liberdade, como medida de punição disciplinar ou para cumprimento de sanção penal".1 4) Ensina Vitorino Prata Castelo Branco que essa medida, tal como prevista na Constituição de 1891, "tinha sentido mais amplo, não tutelando apenas o direito de locomoção, como ocorre com o art. 5º, LXVIII, do texto constitucional de 1988".2 5) Apenas para ilustração histórica, a restrição atual talvez possa ser justificada com a explicação de que outros direitos que escaparam ao regramento desse instituto passaram a ser tutelados pelo mandado de segurança, instituído entre nós no início do século XX. 6) Por se tratar de expressão latina, obrigatório é o uso das aspas, negrito, itálico, sublinha ou grifo indicador de tal circunstância, além de proibida a utilização de acentos gráficos e de hífen, que não existiam no idioma original. 7) Não se olvide, nesse sentido, a lição de Edmundo Dantès Nascimento de que expressões como essa não eram hifenizadas em latim, razão pela qual "não o podem ser em língua nenhuma", acrescentando tal autor que, "para quem pretende grafar escorreitamente não é permitido o hífen em expressões do latim clássico".3 8) Diversa, estranha e equivocadamente, todavia, José de Nicola e Ernani Terra, a par de asseverarem a ausência de acento, por se tratar de uma expressão latina, pela mesma razão observam que "deve ser sempre grafada com hífen".4 9) Com a mesma estranheza deve ser recebido o registro do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão incumbido oficialmente de determinar a existência dos vocábulos em nosso idioma, além de sua grafia oficial, o qual, muito embora registre a expressão como pertencente ao idioma latino e a escreva sem acentos gráficos, apresenta seus termos unidos por hífen.5 10) Pela simples razão de que se trata de expressão latina e de que não havia hífen na língua originária, o melhor é seguir o ensino de Domingos Paschoal Cegalla, o qual, após observar que "não há consenso quanto ao uso do hífen nesta expressão latina", realça que "é preferível dispensá-lo".6 11) Acrescente-se que, nas palavras e expressões latinas, as vogais, mesmo no fim das palavras, hão de ser pronunciadas claramente, até para se evitarem confusões quanto à flexão das declinações; assim, diga-se ábeas, e não ábias, e córpus, e não corpos. 12) As mesmas observações valem para expressões similares, como "habeas data". 13) Para levar para o plural, em português, a mencionada expressão, basta pluralizar o artigo ou palavra que a ela se refere: a) os "habeas corpus"; b) "habeas corpus" preventivos. Pelo próprio significado da referida expressão (que tenhas o corpo), vê-se que não faria sentido pluralizar no vernáculo os termos da expressão (que tenhais corpos). Reafirme-se, portanto, o plural: os "habeas corpus", e não os "habeatis corpora". ---------- 1 Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 1. ed, 1. tiragem. Rio: Forense, 1989. vol. II (letras D a I), p. 370. 2 Apud DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 189. 3 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 145. 4 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 122. 5 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. reimpressão de 1998. p. 383. 6 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 188.
quinta-feira, 8 de setembro de 2005

Averiguar

1) Nesse verbo, o u é sempre pronunciado, esteja ele em sílaba forte ou não. 2) Na lição de Otelo Reis, tal sílaba tônica jamais é a terceira (ri), sendo errôneo pronunciar averíguo, para rimar com ambíguo.1 3) Apresenta dificuldades de pronúncia (às vezes o u é fraco, às vezes é forte), do que advêm problemas no uso do tremae do acento gráfico. 4) Relembre-se a respeito, ainda com Otelo Reis, que, "quando à letra u se segue a letra e, emprega-se o acento agudo ou o trema, conforme a referida letra u seja tônica ou não: averigúe, averigüemos".2 5) Tais dificuldades normalmente estão no presente do indicativo e nos tempos daí derivados: averiguo, averiguas, averigua, averiguamos, averiguais, averiguam (presente do indicativo); averigúe, averigúes, averigúe, averigüemos, averigüeis, averigúem (presente do subjuntivo); averigua, averigúe, averigüemos, averiguai, averigúem (imperativo afirmativo); não averigúes, não averigúe, não averigüemos, não averigüeis, não averigúem (imperativo negativo). 6) A alternância entre u fraco e forte apenas ocorre nos mencionados tempos; nos demais, o u é sempre fraco, motivo por que, neles, pode haver trema (se o u for seguido de e) ou não (quando for seguido de a), mas jamais acento gráfico: averiguava (imperfeito do indicativo), averiguarei (futuro do presente), averiguaria (futuro do pretérito), averigüei (pretérito perfeito do indicativo), averiguara (mais-que-perfeito do indicativo), averiguar (futuro do subjuntivo), averiguasse (imperfeito do subjuntivo), averiguando (gerúndio), averiguado (particípio). 7) Interessante é anotar que Silveira Bueno, por um lado, afirma que, "como todos os verbos terminados em guar, conjuga-se este, acentuando-se a vogal u no presente do indicativo, imperativo e subjuntivo";3 por outro lado, porém, tal autor, além da maneira de conjugação normalmente aceita, também assim conjuga no presente do indicativo: averíguo, averíguas, averígua...4 8) Tal posicionamento solitário quanto à flexão do mencionado verbo não deve, todavia, ser seguido, até por não contar com respaldo do uso da língua e da própria autoridade dos gramáticos. 9) Serve de modelo para apaniguar e apaziguar. 10) Já que o verbo averiguar serve de modelo para a conjugação de apaziguar, então se volta à indagação do leitor: o correto é apazigúe, e não apazigúe. Veja-se a conjugação do referido verbo no presente do indicativo e no presente dos subjuntivo, tempos esses onde ocorrem os problemas: apaziguo (ú), apaziguas (ú), apazigua (ú), apaziguamos, apaziguais, apaziguam (ú) (presente do indicativo); apazigúe, apazigúes, apazigúe, apazigüemos, apazigüeis, apazigúem (presente do subjuntivo). ---------- 1 Cf. REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1971. p. 56-57. 2 Ibid., p. 57. 3 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 178-179. 4 Ibid., p. 56.
quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Porque

1) Quando se quer mencionar o próprio substantivo, na acepção de causa, razão, motivo, grafa-se porquê (uma só palavra e com acento). Ex.: "Até hoje não se sabe bem o porquê da condenação daquele réu".1 2) Para José de Nicola e Ernani Terra, nesse caso, o substantivo geralmente, virá precedido de artigo ou outro determinante (adjetivo, pronome ou numeral).2 3) Em idêntica lição, reiteram Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante que, em tais hipóteses, porquê "normalmente surge acompanhada de palavra determinante (artigo, por exemplo)", decorrendo, além disso, de sua própria natureza de substantivo, que Tal vocábulo "pode ser pluralizado sem qualquer problema". Ex.: "Creio que os verdadeiros porquês mais uma vez não vieram à luz".3 4) O motivo de se grafar uma só palavra é que porquê não é resultado da junção de duas outras, mas tão-somente uma conjunção substantivada. 5) Embora originariamente átona a conjunção, torna-se tônica pela substantivação, motivo por que "deve ela obedecer à regra de acentuação dos oxítonos terminados em e(s).4 6) Num segundo aspecto, quando o vocábulo é conjunção (significando uma vez que, pois, já que, como, porquanto, visto que, visto como - conjunções e locuções pelas quais pode ser substituída), escreve-se porque (uma só palavra e sem acento). Ex.: "O réu foi condenado, porque reamente cometeu o crime". 7) Para esse caso, assim é a síntese de Napoleão Mendes de Almeida: "Quando simples conjunção subordinativa causal, é uma só palavra": "Dei-lho porque me pediu".5 8) De modo prático, leciona Arnaldo Niskier: "porque (junto e sem acento) é usado em respostas e nas frases declarativas, quando não se pode subentender a palavra motivo".6 9) Complementam José de Nicola e Ernani Terra: "Escreve-se porque (um só vocábulo e sem acento) quando se trata de uma conjunção; introduz oração subordinada adverbial causal (equivale a uma vez que, visto que) ou uma oração coordenada explicativa (equivale a pois)".7 10) Luís A. P. Vitória adverte a que não se confunda porque com por que "em duas palavras", porquanto, como conjugação, é uma só palavra, e não a associação de duas outras.8 11) E a ausência de acento gráfico decorre da circunstância de que a conjunção porque se insere entre os casos de dissílabos átonos, vale dizer, das palavras que não têm uma autonomia de sonoridade e, por isso, esteiam-se na força de pronúncia de outro vocábulo. 12) Ainda como conjunção, porque pode ter o sentido de para que, a fim de que, muito embora se trata "de um uso pouco freqüente na língua atual". E.: "Não julgues porque não te julguem"9 13) Num terceiro aspecto, em termos bem práticos, já observada, por um lado, a questão do substantivo (porquê), e, por outro lado, o aspecto da conjunção (porque), nos demais casos, quando "passa a locução, escreve-se por que", expressão essa que sempre "é formada da preposição por e do pronome relativo ou interrogativo que, e por isso se escreve separadamente".10 14) Na lição de Laudelino freire, "este que refere-se sempre a um nome, quer subentendido, quer expresso, o qual, neste último caso, pode vir antes dele, ou depois, passando aquela locução a significar por qual, pelo qual, pelos quais, etc., isto é, motivo pelo qual, por qual motivo, etc.". 15) E complementa tal autor: "Escreve-se, pois, o por separado do que nas frases interrogativas, ainda que acompanhado venha do substantivo, claro ou oculto, anteposto ou posposto, e também quando o por que significar pelo qual, etc".11 Exs.: a) "Por que o réu não foi condenado?"; b) "O motivo por que não se condenou o réu foi a falta de provas". 16) Vale lembrar, a propósito, na prática, a preciosa lição de Júlio Nogueira: "escreva-se por que quando houver ou for possível aditar a palavra motivo, razão, etc.".12 17) Mais abrangente é a preciosa lição do ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Arnaldo Niskier: "Por que (separado e sem acento) vem em perguntas (desde que não esteja seguido imediatamente por uma pausa) e quando se pode subentender a palavra motivo (por que motivo) ou quando é equivalente a pelo qual (ou variações)".13 18) Ao conceituar por que, nesses casos, Cândido Jucá Filho refere ser uma "locução átona, em que se combinam a preposição por mais o pronome que (equivalente a a qual ou o qual): Já sabes o motivo por que ele faltou. Já sabes por que motivo ele faltou. Por que (motivo) faltou ele?14 19) Quando assim aparece a locução, Napoleão Mendes de Almeida reputa por que um advérbio interrogativo de causa e reforça o aspecto de que os elementos vêm separados "tanto nas interrogativas diretas ('Por que você não vai?') quanto nas indiretas (quero saber por que você não vai')".15 20) Para todas essas hipóteses, Celso Pedro Luft traz importante advertência: "Em todos esses casos, que é pronome (interrogativo, indefinido, relativo), não devendo aglutinar-se ao por, que é preposição".16 21) Para maior facilidade de reconhecimento de ocorrência de tal hipótese nos casos concretos, Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante observam que, "em termos práticos, é uma expressão quivalente a por qual razão, por qual motivo".17 22) Assim se podem resumir os casos do por que (separado e sem acento): a) Quando é junção de preposição e pronome relativo (significando pelo qual): "O crime por que foi o réu condenado é hediondo"; b) Quando é pronome interrogativo, em interrogações diretas (em tais hipóteses, subentende-se a palavra motivo logo após, podendo também vir expresso tal vocábulo): I) "Por que o réu foi condenado?"; II) "Por que motivo o réu foi condenado?" c) Quando é pronome interrogativo, em interrogações indiretas (nesses casos, de igual modo, subentende-se a palavra motivo logo após): "Todos querem saber por que o réu foi condenado". 23) Nesses casos, é bom lembrar que a ausência de acento gráfico decorre da circunstância de que a palavra que se insere entre os monossílabos átonos, vale dizer, entre as palavras que não têm uma autonomia de sonoridade e, por isso, esteiam-se na força de pronúncia de outro vocábulo. 24) Em um quarto aspecto, no caso da observação anterior, se a expressão coincide com o fim da frase, grafa-se por quê (duas palavras e com acento). Ex.: "O réu foi condenado por que? 25) Em outras palavras: "Caso surja no final de uma frase, imediatamente antes de um ponto (final, de interrogação, de exclamação) ou de reticências, a seqüência deve ser grafada por quê, pois, devido à posição na frase, o monossílabo que passa a ser tônico, devendo ser acentuado". Exs.: a) "Ainda não terminou? Por que? b) "Você tem coragem de perguntar por quê?!" c) "Claro. Por quê?" d) "Não sei por quê!"18 26) Para Celso Pedro Luft, "trata-se do mesmo por que anterior, quando incide em fim de frase. Não podendo esta terminar em vocábulo átono, está claro que o que se torna tônico, e deve obedecer à regra dos oxítonos acabados em ê(s): Ele está triste sem saber por quê. Não vais, por quê? Eles não foram? Por quê?19 27) Assim resume o problema Cândido Jucá Filho, no que concerne a esse tópico específico: "Em fim de frase, o que é tônico, e escreve-se quê: Não fui lá, e já lhe disse por quê".20 28) E assim diz Júlio Nogueira: "Fechando a frase, a palavra que tem acento circunflexo no e: Por quê?"21 29) Em seu divertido modo de explicar, Édison de Oliveira leciona: "Grafa-se por quê (separado e com chapéu), quando essa expressão 'bater contra' um ponto final. Exs.: a) 'Saíste agora por quê?; b) 'Ninguém sabe por quê'".22 30) Arnaldo Niskier - ao que parece com razão, já que não é apenas no fim da frase que o que adquire tonicidade - é um pouco mais abrangente, para não apenas possibilitar essa grafia com acento no fim da frase, mas também em caos intermediários, em que há pausa, mas no meio da frase, antes, por exemplo, de uma vírgula, ou mesmo de um ponto-e-vírgula: "Por quê (separado e com acento) é usado em perguntas quando vem seguido imediatamente por uma pausa".23 Ex.: "O advogado não sabe por quê, nem como, nem quando a causa foi perdida". 31) Atento a essa circunstância, observa Celso Pedro Luft que, muito embora o Acordo Ortográfico se retira ao que acentua apenas no fim da frase, o certo é que, exatamente pela igual circunstância de que ele se torna tônico, "a rigor, pelo mesmo motivo, se devia acentuar o que em qualquer pausa (vírgula, ponto-e-vírgula)".24 32) Anote-se, por fim, que essas quatro distinções (porquê, porque, por que, por quê) acham-se regularmente abonadas pelas regras de ortografia e acentuação de nosso idioma, bem como pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão oficialmente incumbido de definir quais as palavras integrantes de nosso léxico, além de sua correta grafia e acentuação.25 33) Além disso, também a 1ª observação da 14ª regra da alínea 43 de acentuação gráfica das instruções do Formulário Ortográfico, unanimemente aprovadas pela Academia Brasileira de Letras em sessão de 12 de agosto de 1943, ao referir-se ao emprego do "acento circunflexo para distinguir de certos homógrafos inacentuados as palavras que têm e ou o fechados", ordena que se acentue "porquê (quando é substantivo ou vem no fim da frase)", para distinguir de "porque (conjunção)". 34) Em termos históricos, vale aditar, com Silveira Bueno, que "o fato de empregarmos, diferentemente grafados, porque e por que, é muito recente", com o que se buscou "indicar as funções diversas da palavra até então sempre escrita num vocábulo só - porque".26 35) Lembra, de igual modo, Júlio Nogueira, que "essa distinção é racional, mas nem sempre foi respeitada", muito embora já possa ser vista em antigos escritos de castro Lopes.27 36) No caso do poema observado, quando se diz a palavra aqui observada, facilmente se percebe que se subentende depois dela a palavra "motivo" ou "razão": "Não sei por que (motivo) a língua humana..." Na ordem direta: "Não sei por que os brutos não falam mais a língua humana". Por isso, grafam-se separadamente os vocábulos. ---------- 1 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão gramatical. 10. ed. São Paulo: Ed. Luzir, 1961. p. 101. 2 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 177. 3 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 546. 4 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p 101. 5 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Ed. Caminho Suave, edição sem data. p. 240. 6 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, 1992. p. 57. 7 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 176. 8 Cf. VITÓRIA, Luís A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 193. 9 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 546. 10 Cf. FREIRE, Laudelino. Sintaxe da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda., 1937. p. 94. 11 Ibid. 12 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 32. 13 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, 1992. p. 57. 14 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 496. 15 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Ed. Caminho Suave, edição sem data. p. 240. 16 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p 101. 17 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 545. 18 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 545. 19 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p. 101-102. 20 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 496. 21 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 32. 22 Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Edição sem data. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda. P. 47. 23 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, 1992. p. 57. 24 Cf. LUFT, Celso Pedro. Novo Guia Ortográfico. 22. ed. São Paulo: Editora Globo, 1991. p. 102. 25 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed. Reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 603. 26 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2. vol, p. 349. 27 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 32.
quarta-feira, 24 de agosto de 2005

Uso do infinitivo

1) De acordo com Said Ali, a escolha da forma infinitiva depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou da necessidade de pormos em evidência o agente da ação: no primeiro caso, preferimos o infinitivo não flexionado; no segundo, o flexionado.1 2) Em lição similar, para Hêndricas Nadólskis e Outra, "muitas vezes, a opção entre a forma flexionada ou não flexionada é estilística e não gramatical. Quando mais importa a ação, prefere-se a forma não flexionada; quando se realça o agente da ação, usa-se a forma flexionada".2 3) Celso Cunha, que cita o primeiro autor, em complementação, diz tratar-se, em verdade, de um emprego seletivo, mais do terreno da Estilística do que, propriamente, da Gramática.3 4) Com a atenção voltada para tal advertência, parece mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do infinitivo, muito embora, em determinadas situações, haja proibição ou obrigatoriedade de determinada construção. 5) Com essas premissas, passa-se às ponderações seguintes. 6) Emprega-se o infinitivo impessoal nas locuções verbais, e nelas "não é lícito flexionar o infinitivo".4 Exs.: a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto); b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado). 7) Erro muito comum é a utilização do infinitivo flexionado nesses casos, sobretudo quando, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, existem outras palavras. Exs.: a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado); b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto). 8) Cândido de Figueiredo, exatamente a esse respeito, lembra o seguinte exemplo, encontrado "num livro moderno, premiado oficialmente": "Podem entretanto esses serviços serem estabelecidos..."; e complementa: "Podem serem... não é linguagem de cá".5 Nem de cá, nem de lá, nem de lugar algum. 9) Reitere-se que, nesse caso, quando os verbos componentes da locução estão próximos e o auxiliar é normalmente flexionado, é menos corriqueiro o equívoco de flexão, sendo, assim, incomum um erro como "As certidões deverão acompanharem o traslado da escritura". 10) Todavia, quando os verbos da locução se distanciam, a possibilidade de erro se acentua intensamente, como se dá no seguinte emprego equivocado, modelo de outros tantos: "As certidões deverão, sob pena de invalidade do ato e impedimento para o registro, acompanharem o traslado da escritura" (corrija-se para: deverão... acompanhar). 11) Também se acentua grandemente a possibilidade de erro quando, na locução verbal, o auxiliar se apresenta em forma invariável (como um gerúndio, por exemplo). 12) Nesse campo, aliás, até dispositivos de lei acabam resvalando para o abismo dos equívocos, como se vê no seguinte caso: "O tabelião fica desobrigado de manter, em cartório, o original ou cópias autenticadas das certidões mencionadas nos incisos III e IV, do art. 1°, desde que transcreva na escritura pública os elementos necessários à sua identificação, devendo, neste caso, as certidões acompanharem o traslado da escritura" (art. 2° do Decreto 93.240, de 9.11.86, que regulamentou a Lei 7.433, de 18.12.85, que dispôs sobre os requisitos para lavratura de escrituras públicas). 13) Um simples exercício de junção dos termos da locução verbal revela a necessidade de correção: ...devendo acompanhar... as certidões o traslado da escritura. 14) Também se emprega o infinitivo impessoal, se o sujeito do infinitivo é pronome oblíquo átono. Ex.: "Deixei-os sair". 15) De igual modo se aplica o infinitivo impessoal, se o infinitivo não se refere a sujeito específico. Ex.: "Navegar é preciso". 16) Por fim, usa-se o infinitivo impessoal, se tal infinitivo funciona como complemento de adjetivo. Ex.: "Ordens difíceis de obedecer". 17) Já o infinitivo pessoal é usado, se o infinitivo tem sujeito diferente do sujeito da outra oração. Ex.: "O magistrado repreendeu os patronos, por não procederem com urbanidade na audiência". Essa, aliás, é a velha regra lembrada por Rui Barbosa, formulada de há muito por Jerônimo Soares Barbosa: ".A língua portuguesa usa do infinito pessoal, quando o sujeito do verbo infinito é diferente do do verbo finito, que determina a linguagem infinita".6 18) Também se emprega o infinitivo pessoal como recurso para indeterminar o sujeito. Ex.: "Ouvi falarem inverdades por aí". 19) Silveira Bueno, com supedâneo em lição dada por Soares Barbosa, resume algumas regras para o uso do infinitivo, quer pessoal, quer impessoal. I) "Quando na frase o verbo principal e o verbo infinito tiverem o mesmo sujeito, o infinitivo deve ser impessoal". Ex.: "Queremos ser felizes". II) "Quando os dois verbos possuem sujeitos diferentes, usa-se o modo pessoal". Ex.: "Napoleão viu caírem as armas das mãos de seus soldados". III) Neste último caso, porém, "quando a frase do infinito serve de objeto direto ao verbo principal, podemos empregar o infinito impessoal ainda que ambos tenham sujeitos diferentes", opção essa que fica à escolha do usuário. Ex.: "Napoleão viu cair as armas das mãos de seus soldados".7 20) Vale a pena também relembrar uma primeira regra de Soares Barbosa, abrangente de elevado número de casos: "Usa-se o infinito pessoal quando tem ele sujeito próprio, diverso do de seu verbo regente; e o impessoal, quando os sujeitos são idênticos"; em complementação do resumo, traga-se uma segunda regra de Frederico Diez: "Só se emprega o infinito pessoal quando é possível ser substituído por um modo finito, e, por conseqüência, pode ele subtrair-se à relação de dependência que o prende ao verbo principal".8 21) Ensina Artur de Almeida Torres que "o infinitivo poderá variar ou não, a critério da eufonia, se vier precedido das preposições sem, de, a, para ou em". Exs.: a) "Vamos com ele, sem nos apartar um ponto" (Padre Antônio Vieira); b) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo" (Alexandre Herculano); c) "Careciam de obstar a que se escrevesse o que faltava do livro" (Alexandre Herculano); d) "Os manuscritos de Silvestre careciam de serem adulterados" (Camilo Castelo Branco); e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes" (Alexandre Herculano); f) "... obrigava a trabalharem gratuitamente" (Alexandre Herculano); g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade" (Camilo Castelo Branco); h) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material" (Alexandre Herculano).9 22) Resguardados determinados parâmetros mínimos de correção e de bom senso, vale trazer à colação a frase de José Oiticica, de que Aires da Mata Machado Filho lamentou não ter sido o autor, restando-lhe apenas a satisfação de repetir: "Mandem os gramáticos às favas e empreguem o infinitivo à vontade".10 23) Oportuno é refletir sobre o fato de que, após indicar alguns caminhos para o emprego de tal forma verbal, Júlio Nogueira assim conclui sua lição a respeito: "Além das sumárias indicações que aí ficam, difícil será estabelecer regras seguras. É este um dos assuntos que têm dividido os competentes na matéria, dando lugar a fortes dissídios. Em alguns casos a preferência entre a forma invariável e a variável é apenas de intuição natural, por eufonia, orientação perigosa, pois o que a uns parece agradável ao ouvido, a outros soa mal. Nisto, como no mais, os clássicos não são acordes, nem podem, pela prática generalizada, servir de modelo".11 24) E se remate com a observação de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante de que "o infinitivo constitui um dos casos mais discutidos da língua portuguesa", e "estabelecer regras para o uso de sua forma flexionada, por exemplo, é tarefa difícil", e, "em muitos casos, a opção é meramente estilística".12 25) Feitas essas considerações, volta-se aos exemplos do leitor: a) "Vi dois pássaros voar" (correto - ver item 19, parte final); b) "Vi dois pássaros voarem" (correto - ver item 19, parte final); c) "Chamei duas pessoas para analisar o projeto" (correto - ver item 21); d) "Chamei duas pessoas para analisarem o projeto" (correto - ver item 21). ---------- 1 Apud CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970. p. 230. 2 Cf. NADÓLSKIS, Hêndricas; TOLEDO, Marleine Paula Marcondes Ferreira de. Comunicação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Edição dos Autores, 1998. p. 125. 3 Cf. CUNHA, Celso.Op. cit., nota 29. 4 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. .Análise, Concordância e Regência.. In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL . Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 705. 5 Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. Falar e Escrever. 4. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1941. vol. II, p. 168. 6 Cf. BARBOSA, Rui. Parecer sobre a Redação do Código Civil. Rio de Janeiro: edição do Ministério da Educação e Saúde, 1.949. p. 5. 7 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 96-100. 8 Apud PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 338-339. 9 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 251-252. 10 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. .Novas Lições de Português.. In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL . Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 324. 11 Cf. NOGUEIRA, Júlio. Programa de Português . 3ª série secundária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p. 219-220. 12 Cf. CIPRO NETO, PASQUALE; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 491.
quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Aspas

1) Do gótico "haspa", também conhecidas por comas ou vírgulas dobradas (às vezes em forma de cunhas), são sinais (" " ou ' ') com que, normalmente, se abrem e fecham citações, sendo bastante oportunas algumas considerações para seu uso. 2) Quando, dentro do trecho já entre aspas, há necessidade de novas aspas, estas são simples.1 Ex.: Deu nos jornais: "O articulista defende, como forma de melhoria nas relações jurídicas, uma assim chamada 'globalização' das leis". 3) Se o sinal de pontuação pertence à citação, fica ele dentro das aspas, como o ponto de interrogação no seguinte exemplo: Por que você não disse "Eu vou?". 4) Se, porém, pertence o sinal de pontuação ao autor, fica ele depois das aspas, como é o caso do ponto final no seguinte exemplo. Ex.: Como já dizia Hipócrates, traduzido por Sêneca, "a arte é longa, e a vida é breve". 5) Nas palavras de Celso Cunha, "quando a pausa coincide com o final da expressão ou sentença que se acha entre aspas, coloca-se o competente sinal de pontuação depois delas, se encerram apenas uma parte da proposição; quando, porém, as aspas abrangem todo o período, sentença, frase ou expressão, a respectiva notação fica abrangida por elas".2 6) Para Luiz Antônio Sacconi, "o ponto vem após as aspas", se "não foram estas que deram início ao período". Ex.: Napoleão disse: "Do alto destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam". 7) Complementa, todavia, tal autor com a observação de que "as aspas aparecem depois da pontuação somente quando abrangem todo o período". Ex.: "O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever."3 8) Interessante lembrete ainda vem do mesmo gramático acerca dos trechos de outros autores, empregados, por exemplo, na elaboração dos arrazoados jurídicos: "se a citação ou a transcrição não começar com a palavra inicial, colocar-se-ão reticências logo após a abertura das aspas. Da mesma forma, devem ser usadas as reticências no final, antes do fechamento das aspas, se a intenção é não terminar a referida citação ou transcrição".4 9) A esse respeito, assim se expressa Josué Machado: "Quando a pausa coincide com o final da expressão ou sentença que se acha entre aspas, coloca-se o competente sinal de pontuação depois delas, se encerram apenas uma parte da proposição; quando, porém, as aspas abrangem todo o período, sentença, frase ou expressão, a respectiva notação fica abrangida por elas".5 10) Ainda para a ordem de colocação entre as aspas e o ponto, Cândido de Oliveira estabelece duas regras: a) "Primeiro ponto final e por último aspas, se toda a declaração (o período inteiro, da maiúscula inicial ao ponto final) estiver entre aspas"; b) "Primeiro aspas e depois ponto final, se somente a parte derradeira do período receber aspas".6 11) As palavras e expressões estrangeiras, de igual modo, devem vir entre aspas, permitindo-se também explicitar tal circunstância com o uso de grifo equivalente, sublinha, itálico ou negrito. Ex.: "O magistrado negou liminar ao pedido, fundado na inexistência do 'periculum in mora'". 12) Veja-se, nesse sentido, o ensino de Eduardo Carlos Pereira em corroboração ao fato de que se escrevem "sublinhadas ou em grifo as palavras de língua estrangeira, que se intercalam no discurso".7 13) Artur de Almeida Torres também observa a possibilidade de emprego das aspas, "quando se deseja chamar a atenção do leitor para certos vocábulos que devem ser postos em evidência: Aquele 'sim' me confortou".8 14) Ensina, ainda, Luciano Correia da Silva que "não se usam aspas nas atribuições nominais ou dos epônimos: Fundação Roberto Marinho, Rodovia Castelo Branco, EEPSG Horácio Soares, Fundação Educacional Miguel Mofarrej, Fórum João Mendes Júnior". 15) Em critério aparentemente diverso, todavia, em outra passagem, manda que se usem tais sinais "em nomes de livros, jornais, obras de arte...", como, por exemplo, "Folha de S. Paulo".9 16) Ultime-se com a observação de Hêndricas Nadólskis e Marleine Paula Marcondes Ferreira de Toledo no sentido de que, em tais hipóteses, em vez de empregar aspas, pode-se optar pelo destaque gráfico do negrito ou do itálico,10 a que se pode acrescer também a sublinha. Exs.: a) Não se demonstrou o "fumus boni júris"; b) Não se demonstrou o fumus boni juris; c) Não se demonstrou o fumus boni juris; d) Não se demonstrou o fumus boni juris. 17) No caso da consulta, o ideal seria observar a questão das aspas duplas e aspas simples, com o acréscimo de que, ante o elemento complicador dos nomes dos órgãos de imprensa, sejam eles escritos em itálico. Ou, em termos mais práticos: "Eu falei: 'Mas me importa a restauração da minha honra. A Veja está fazendo um verdadeiro linchamento.' Ele respondeu: 'Roberto, na Veja não tenho nenhuma ação, porque a Veja é tucana'. Eu falei: 'Mas O Globo e a Globo estão repetindo o linchamento.' Ele falou: 'No Globo eu falo por cima. Dá para segurar.' Retirar a assinatura foi o meu maior erro. Depois que fiz isso, recrudesceu o noticiário contra o PTB. Eu entendi que foi uma armadilha do Zé Dirceu para mim. Recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo." ---------- 1 Cf. NADÓLSKIS, Hêndricas; TOLEDO, Marleine Paula Marcondes Ferreira de. Comunicação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Edição dos Autores, 1998. p. 51. 2 Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970. p. 284. 3 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 244 e 248. 4 Cf. Ibid., p. 247. 5 Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 66. 6 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 67. 7 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 48. 8 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 245. 9 Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 179 e 197. 10 Cf. NADÓLSKIS, Hêndricas; TOLEDO, Marleine Paula Marcondes Ferreira de. Comunicação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Edição dos Autores, 1998. p. 51.
quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Crase antes de pronomes

1) Crase tem por conceito a fusão de duas vogais idênticas: normalmente um a (preposição) fundindo-se com outro a (com freqüência um artigo), o que, na grafia, se representa com um à (a com acento grave). Ex.: Fui à entrega do título. 2) Para os casos mais corriqueiros de substantivos comuns, o mais fácil é substituir mentalmente o substantivo feminino: a) se aparece ao diante do masculino, então há crase no feminino; b) se não aparece ao no masculino, então não há crase (nem seu acento indicativo) no feminino. Exs.: I) - Fui à dentista (porque Fui ao dentista); II) - Motor a gasolina (porque Motor a óleo). 3) No caso de pronomes de tratamento, vê-se com facilidade que eles não são precedidos de artigo feminino (Ex.: "Vossa Excelência tem zelo pelos seus eleitores", e não "A Vossa Excelência tem zelo pelos seus eleitores". 4) Exatamente porque não são precedidos de artigos femininos, é que se diz que os pronomes de tratamento não admitem crase antes de si. Ex.: "Dirijo-me a Vossa Excelência com todo o respeito". 5) Nesse caso, ainda é oportuno observar que senhora, senhorita e dona são pronomes de tratamento, mas, excepcionalmente, admitem artigo e, por conseguinte, crase antes de si. Ex.: "Dirijo-me à senhora com todo o respeito". 6) Em resumo, quanto aos pronomes de tratamento: não há crase antes deles, com exceção de senhora, senhorita e dona. 7) Quanto aos demais pronomes, o ensino da língua normalmente se faz pelo fornecimento de uma lista daqueles antes dos quais há crase obrigatória, outra lista da crase proibida e uma terceira lista da crase facultativa. 8) Não vejo maior utilidade em um ensino desse modo, e prefiro rememorar a regra básica de que o melhor é substituir um nome feminino por outro masculino. Se, nessa substituição, aparecer ao no masculino, há crase no feminino. Exs.: I) "Vou à cidade" (porque "Vou ao campo"); II) "Ficaram junto à porta" (porque Ficaram junto ao portão); III) "Encontrei a menina" (porque Encontrei o menino); IV) "A paz une as nações" (porque O amor une os povos). 9) Assim, no que tange à questão de crase antes de pronomes, em vez de decorar quais deles admitem crase antes de si e quais os que a rejeitam, melhor é aplicar essa regra geral de crase para antes de substantivos comuns femininos e alterar mentalmente a estrutura da oração, de modo que o pronome se torne masculino. 10) Nesses casos, se aparece ao no masculino, então há crase no feminino; se não aparece ao no masculino, não há crase no feminino: a) "Fui à tal cartomante" (isso porque se diz "Fui ao tal cartomante"); b) "Dei o livro a esta menina" (isso porque se diz "Dei o livro a este menino"); c) "Referi-me a/à minha amiga" (isso porque se diz "Referi-me a/ao meu amigo"). 11) Em síntese: se é possível resolver a questão sem complicar com teorias mirabolantes e listas enfadonhas, é muito melhor: basta raciocinar.
quarta-feira, 3 de agosto de 2005

Meio

1) É palavra que precisa ser observada do ponto de vista da concordância nominal. 2) Como numeral, significa metade e é variável. Ex.: "O réu sorveu meio copo de cerveja e meia garrafa de aguardente". 3) Como substantivo, normalmente vem precedido de artigo, significa modo, maneira e flexiona-se no plural. Ex.: "Os detentos encontraram meios de fugir do presídio de segurança máxima". 4) Como advérbio, significa um pouco e é invariável. Ex.: "A juíza estava meio cansada àquela altura". 5) Nesse último caso, são comuns os erros, fazendo as pessoas concordar indevidamente o advérbio com o adjetivo que o segue, como no seguinte exemplo: "A juíza estava meia cansada àquela altura" (errado). 6) São grandemente apropriadas as observações de Domingos Paschoal Cegalla a respeito desse vocábulo: a) "Usado como advérbio, significa um pouco e permanece invariável"; b) "Modernamente, não se flexiona meio, advérbio, como o têm feito escritores de outros tempos: porta meia aberta; corpos meios nus, etc."; c) É variável quando substantivo (os meios de comunicação), adjetivo (meia garrafa de vinho) ou quando formador de substantivos compostos (meia-estação, meia-idade, meia noite, meias-direitas, meias-esquerdas, meios-de-campo, meios-fios, meios-termos, meios-tons); d) "Nesse último caso (quando formador de substantivos compostos), os elementos são unidos com hífen".1 7) No caso da indagação feita, percebe-se: a) que está oculta a palavra pizza antes de tucano e também antes de PT; b) que tanto tucano quanto PT modificam a palavra oculta pizza; c) que, como regra, os adjetivos que modificam substantivos concordam com estes em gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural), como é de fácil percepção nos cardápios de pizzarias (pizza napolitana, pizza calabresa, pizza portuguesa); d) que tucano, como adjetivo, é normalmente variável, mas PT não o é, de modo que este último, mesmo quando é variável, acaba não sofrendo modificação alguma. ---------- 1 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 255.
quarta-feira, 20 de julho de 2005

Inconteste

1) Acerca desse adjetivo de largo (e muitas vezes equivocado) uso nos meios forenses, anota, por primeiro, Cândido Jucá Filho que incontestável é algo certo, induvidoso, incontroverso; já, bem diversamente, inconteste é algo discorde, que não pode ser abonado. 2) E complementa tal autor, acerca de inconteste, que "muitos, por inadvertência, têm usado o termo em vez de incontestável, ou de incontestado".1 3) Para Eliasar Rosa, tal vocábulo "não é sinônimo de incontestável, de indiscutível", e usar uma palavra por outra constitui erro que se chama cruzamento. 4) Assim, ainda de acordo com tal autor, "testemunhas contestes - e não incontestes . são aquelas cujos depoimentos são indiscrepantes, são uniformes, incontrastáveis". 5) Como exemplo de correção vernacular nesse sentido, o art. 1.647 do Código Civil, na seção destinada ao testamento particular, fala na possibilidade de confirmação do testamento, "se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição..."; logo a seguir, o art. 1.648 do mesmo código refere que, mesmo faltando até duas testemunhas, o testamento pode ser confirmado, "se as três restantes forem contestes, nos termos do artigo antecedente". 6) Em decorrência do quanto já observado, lembra tal autor, em continuação, que seria contraditória, sujeitando-se até mesmo a embargos de declaração, uma sentença que pronunciasse o réu, em processo de competência do júri, porque "a autoria e a materialidade são incontestes"; no caso, a autoria e a materialidade só poderiam ser contestes. 7) Ainda na consonância com lição do mesmo autor, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira - talvez levado por essa reiterada erronia nos meios forenses - "registra inconteste como sinônimo de incontestado, contrariando, assim, os cânones da correção tradicional".2 8) Lembrando que "é comum o uso das palavras incontestável e inconteste como sinônimos na linguagem jurídica, quando, até certo ponto, são antônimos", adiciona Edmundo Dantès Nascimento que também são freqüentes os equívocos entre "inconteste e incontestado, que representam significâncias diferentes". 9) De modo muito específico para o vocábulo considerado, observa tal autor que inconteste - quase sempre empregado o adjetivo no plural - "aplicado a testemunhas, princípios, opiniões", quer significar que .são discordes, contradizentes, discrepantes, destoantes, divergentes, opostos, contrários, desarmônicos". 10) E finaliza tal autor em distinção peculiar: a) provas incontestáveis traduzem o valor de algo "que não admite contestação"; b) provas incontestadas têm o significado de algo "que não foi contestado", muito embora fosse contestável, conteste ou inconteste; c) provas incontestes são "provas desarmônicas; que não afirmam a mesma cousa, discrepantes, contradizentes".3 11) Ronaldo Caldeira Xavier caracteriza o emprego de inconteste por incontestável - e vice-versa - como "cruzamento", vale dizer, como "o emprego de uma palavra em lugar de outra", decorrente "da falta de discernimento entre vocábulos assemelhados quanto à estrutura fonológica (parônimos), o que motiva a alteração da mensagem tencionada", atentando contra a precisão terminológica".4 12) Ante tais ponderações, vê-se que procede a dúvida do leitor. A nossa amável redação do "Migalhas", com efeito, equivocou-se. Onde registrou "Migalhas encontrou uma maneira de satisfazer o mandamento de nosso inconteste líder", tenha-se como escrito "Migalhas encontrou uma maneira de satisfazer o mandamento de nosso incontestável (ou incontestado) líder". ----------1 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME . Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 357. 2 Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 81-83. 3 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 189-191. 4 Cf. XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 85.