COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Esponte própria?

1) Existe em latim o substantivo desusado spons, que significa desejo, vontade, cujo ablativo sponte significa por vontade ou por desígnio. 2) É freqüente o emprego de tal palavra em expressões como sponte sua e sponte propria, que se traduzem como por sua vontade e por própria iniciativa. Exs.: a) "O funcionário subalterno agiu, no episódio, 'sponte sua'"; b) "O funcionário subalterno agiu, no episódio, 'sponte propria". 3) Quanto ao emprego da expressão esponte própria, já aportuguesada, porém, é importante observar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa não a registra como palavra de nosso idioma, o que significa que não estamos autorizados a empregá-la na linguagem formal das petições, arrazoados e pareceres. 4) É importante anotar que o VOLP é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes ao nosso idioma e lhes fornece a grafia oficial, muito embora não lhes dê, por via de regra, o significado. 5) É elaborado pela Academia Brasileira de Letras, que tem a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à velha Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8 de dezembro de 1900. 6) Ante incumbência advinda de lei específica, o VOLP goza de autoridade para, nesse campo, dizer o direito, motivo por que, ao consultá-lo, legem habemus e devemos prestar-lhe obediência, como devemos fazer com respeito aos demais diplomas legais. 7) De modo específico para o caso da consulta, sendo o VOLP a palavra oficial sobre a existência e a ortografia das palavras da língua portuguesa no Brasil, a ausência da palavra esponte em seu rol significa que o referido vocábulo simplesmente não existe em nosso idioma. 8) Por essa razão, não se autoriza o emprego da expressão esponte própria em português, de modo que deve ser substituída por expressão vernácula, como por própria vontade, ou então por expressão latina - sponte propria - a qual, como todo vocábulo de idioma estrangeiro por nós empregado, deve vir ou em negrito, ou em itálico, ou entre aspas, ou com sublinha.
quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Hum

1) É comum encontrar, tanto nos cheques como na especificação por extenso de números em documentos contábeis, a grafia errônea hum para o numeral cardinal um. 2) Vale a lembrança da lição de José de Nicola e Ernani Terra: "Trata-se de um equívoco injustificável. O numeral cardinal admite apenas a forma um". 3) E complementam tais autores: "Por outro lado, existe a palavra hum: trata-se de uma interjeição e, via de regra, indica desconfiança, impaciência, dúvida: 'Hum! Isto me cheira a trapaça"'.1 4) Não é diverso o posicionamento de Napoleão Mendes de Almeida, que, quanto a seu uso nas quantificações - sobretudo em preenchimento de cheques - lembra não vir tal cardinal precedido de um.2 5) Observando que "entre os numerais cardinais nunca se fala em hum, forma arcaica que bancários e banqueiros tentam ressuscitar para evitar fraude", lembra Antonio Henriques que "nem mesmo a Lei do Cheque (nº 2.591, de 7/8/1972) faz tal exigência". E adverte tal autor: "que se evitem fraudes, mas não atropelando a linguagem".3 6) Em outro aspecto, Domingos Paschoal Cegalla observa que "não se usa um antes de mil. Diga-se ou escreva-se mil reais, mil e quinhentos dólares. No preenchimento de cheques, evite-se escrever hum mil reais, hum mil e oitocentos reais. Há meios tão seguros quanto esse para evitar falsificações sem atropelar a língua".4 7) Respondendo, de modo específico, à pergunta, o correto é mil reais, e não um mil reais nem hum mil reais. ______________ 1Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 126. 2Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 324. 3Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 196. 4Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 404.
quarta-feira, 20 de setembro de 2006

A folhas vinte e duas

1) Em expressões dessa natureza, ao menos cinco problemas podem surgir: a) por primeiro, se é ou não correto o uso do numeral cardinal (vinte e duas), ou se o adequado é o ordinal (vigésima segunda); b) ao depois, é de se definir qual preposição se usa (a ou em), e também se se emprega apenas a preposição, ou também o artigo (a ou às); c) em continuação, há de se resolver se a segunda palavra da expressão fica no singular ou vai para o plural (folha ou folhas); d) em quarto lugar, impende solucionar se o numeral fica invariável no masculino, ou se flexiona em concordância com o substantivo modificado (vinte e dois ou vinte e duas); e) por fim, resta saber o adequado modo de abreviar o substantivo da indigitada expressão (fl. ou fls.). 2) De início, quanto ao emprego de números cardinais ou ordinais, ao lecionar que "por amor da brevidade empregam-se muitas vezes os numerais cardinais em vez dos ordinais, quando estes são muito extensos", lembra Alfredo Gomes, sem condenação alguma e até mesmo com aprovação implícita, a possibilidade do uso de ambos, "quando queremos designar ...a folha de um volume": "A folhas novecentas e trinta e uma do seu dicionário encontrará... o significado desta palavra".1 3) Para Napoleão Mendes de Almeida, a expressão em epígrafe, tida por ele como correta, significa "a vinte e duas folhas do início do trabalho".2 4) Exatamente com tal estrutura, Vitório Bergo, que cita exemplo de Camilo Castelo Branco, confirma tratar-se de "boa sintaxe, de que se servem excelentes escritores".3 5) Em tais casos, o fato de tomar o numeral cardinal o lugar do numeral ordinal é considerado estrutura perfeitamente correta por João Ribeiro, para quem "os ordinais podem ser substituídos por cardinais, especialmente em números altos".4 6) No segundo aspecto fulcral desse problema "de se definir qual preposição se usa (a ou em), e também se se emprega ou não artigo (a ou às) - observa-se, desde logo, o posicionamento de Silveira Bueno de aceitar o uso de ambas as preposições, a e em: "o lugar onde pode ser indicado pela preposição a ou em - estar à porta, estar na porta; estar na janela, estar à janela. Em Portugal prefere-se a preposição a; no Brasil, a preposição em: com a cruz às costas; com a cruz nas costas".5 7) Eliasar Rosa - além de justificar o emprego de em folhas - refere a possibilidade concomitante de uso das expressões à folha, às folhas e a folhas, observando que, "na última forma, não se usa o sinal de crase, por só estar folhas no plural".6 8) Observando que o uso forense consagrou há muito as expressões a folhas e de folhas, Geraldo Amaral Arruda anota ser freqüente encontrar a primeira das locuções como se houvesse também o artigo as (às folhas). 9) Aconselha tal autor, entretanto, ser melhor dizer a folhas, "da mesma forma que nos referimos a documento de folhas".7 10) Em outra passagem de mesma obra, tal autor, invocando lição de Napoleão Mendes de Almeida, reitera que "as regras gramaticais autorizariam também o uso de às folhas ou nas folhas, em determinados textos", mas observa que "nada recomenda o abandono da fórmula tradicional do foro (a folhas), mesmo porque corresponde à outra locução em que entra a preposição de". 11) E acrescenta: "de fato, se escrevemos 'conforme documento de fls. 10' (e não 'das folhas 10'), não há por que não escrever também 'documentos 'juntados a fls.'". 12) E conclui tal autor ser "preferível, na linguagem forense, manter o uso tradicional. Mas isso não importa em considerar errôneos outros usos". Gramaticalmente, assim, tanto é correto escrever na folha tal como à folha tal, ou a fls. tais.8 13) Quanto ao terceiro problema de expressão desse jaez - de se resolver se a segunda palavra da expressão fica no singular ou vai para o plural (folha ou folhas) - além da própria observação advinda dos exemplos dos demais autores, vale trazer o abono do ensinamento de Luís A. P. Vitória, que considera corretas ambas as expressões: à folha cinco e a folhas cinco.9 14) Nessa mesma esteira é a lição de Silveira Bueno: "Se o sr. admitir que os cardinais estão empregados pelos ordinais, poderá deixar no singular o substantivo: ...folha vinte e um, isto é, ...folha vigésima primeira... Evidentemente, em tais expressões, ainda que tomemos a forma plural ...folhas, sempre entendemos referir-nos ao singular".10 15) No que tange ao quarto problema dessa expressão - solucionar-se o numeral fica invariável no masculino, ou se flexiona em concordância com o substantivo modificado (vinte e dois ou vinte e duas) - vê-se que, por primeiro, Celso Cunha, de modo bem simples, equipara o caso ao da enumeração de casas, apartamentos, quartos de hotel, cabines de navio e poltronas de casas de diversão, mandando empregar os cardinais e justificando que "nesses casos sente-se a omissão da palavra número". E exemplifica: folha 8,11 podendo-se notar, em sua explanação, que a palavra folha vem sempre no singular. 16) De igual modo, refere Edmundo Dantès Nascimento que se diz, na linguagem forense, "a fls. trinta e duas".12 17) Já para Vitório Bergo se há de dizer folha dois, e não folha duas, "porquanto o adjetivo determinativo numeral cardinal fica invariável quando equivale ao ordinal".13 18) Aires da Mata Machado Filho, por sua vez, num primeiro momento, observa que "os numerais cardinais empregados por ordinais ficam às vezes no masculino, subentendo-se número". 19) Escudando-se, a seguir, no magistério de Antenor Nascentes, complementa, sem cunho algum condenatório de construção diversa, que tal posicionamento "não é observado na linguagem do foro, em que se diz: "a folhas trinta e uma".14 20) Evanildo Bechara, nessa mesma esteira, ao tratar do emprego dos cardinais pelos ordinais, muito embora diga não ocorrer normalmente sua flexão (página um, figura vinte e um), defende a possibilidade de, na linguagem jurídica, dizer-se "a folhas vinte e uma", "a folhas quarenta e duas".15 21) Eduardo Carlos Pereira, a par da observação genérica de que "os numerais cardinais, empregados pelos ordinais, não recebem flexão feminina" - página dois, casa vinte e um - acrescenta que, "na linguagem forense", se diz a folhas trinta e duas".16 22) Luiz Antônio Sacconi observa, por primeiro, que, "a título de brevidade, usamos constantemente os cardinais pelos ordinais" - casa vinte e um, página trinta e dois - para complementar, em seguida, que "os cardinais um e dois não variam nesse caso porque está subentendida a palavra número". 23) Por outro lado, sem outras explicações, acrescenta textualmente que, "na linguagem forense, vemos o numeral flexionado: a folhas vinte e uma, a folhas trinta e duas".17 24) Acrescente-se que também Carlos Góis, num primeiro aspecto, assim leciona: "Deixam de flexionar-se em gênero os adjetivos numerais cardinais, quando empregados em substituição aos ordinais. Assim deve dizer-se: 'Página dois' - e não 'Página duas'; 'Casa trinta e um' - e não 'Casa trinta e uma'". 25) Num segundo aspecto, todavia, excetua da regra tal gramático o estilo forense, em que justifica ser "corrente dizer: a folhas vinte e duas, trinta e duas...".18 26) Ainda a respeito da flexão para o feminino ou não em tais casos, Silveira Bueno resume a questão em duas regras: a) "Nestas expressões em que entram cardinais que possuem terminações próprias para ambos os gêneros, como um, uma, dois, duas, manda o uso que se não faça a concordância da expressão numérica com o gênero do substantivo, mas com o vocábulo subentendido número. Assim: página dois, casa trinta e um, e não página duas, casa trinta e uma"; b) "Admite-se a exceção da linguagem forense onde se dá tal concordância: folhas vinte e duas".19 27) Para a possibilidade de deixar sem flexão um numeral, em discordância com o substantivo a que se refere, assim justifica Júlio Nogueira: "em vista de serem variáveis em gênero somente os numerais um e dois, o emprego deles, às vezes, também se faz como se fossem invariáveis: folha um".20 28) Quanto ao quinto e último problema que normalmente ocorre com tal expressão - saber o adequado modo de abreviar o substantivo nela existente (fl. ou fls.) - não se pode esquecer que o próprio Formulário Ortográfico oficial, que traz registradas as "reduções mais correntes", com a explicação de que "uma palavra pode estar reduzida de duas ou mais formas",21 não mostra uniformidade, é confuso e deficiente nesse campo, deixando sem solução diversos problemas. 29) Por essa razão, quando se abreviar, deve-se ter em mente a advertência de Napoleão Mendes de Almeida: "O que a abreviatura, contração ou sigla deve objetivar é a clareza; alcançada esta, não cabem objeções".22 30) Vale dizer: o melhor é concluir que o usuário do idioma desfruta de certa liberdade para abreviar as palavras e expressões, guardados determinados parâmetros e princípios, razão pela qual a abreviatura de folhas tanto pode ser fl. quanto fls. 31) Registre-se apenas que, a esse respeito, realça Geraldo Amaral Arruda que a locução a fls., muito usada na linguagem forense, "é uma forma tradicional e gramaticalmente justificada".23 32) Quanto a todos os problemas apresentados, assim se podem resumir as lições referidas: a) tanto se pode usar o numeral cardinal quanto o ordinal, estando aquele em lugar deste, por amor à brevidade (folhas vinte e dois ou folha vigésima segunda); b) podem-se usar as preposições a ou em (indiferentemente) ou mesmo de, conforme o caso, daí resultando as associações a folha, à folha, a folhas (jamais à folhas), às folhas, em folhas, na folha, nas folhas, não se devendo olvidar a possibilidade de existência de de folhas; c) a segunda palavra da expressão fica no singular ou vai para o plural, indiferentemente (folha ou folhas); d) no que concerne aos textos jurídicos e forenses, o numeral da expressão fica invariável no masculino, ou se flexiona, optativamente, em concordância com o substantivo modificado (vinte e dois ou vinte e duas); e) quanto ao adequado modo de abreviar o substantivo da indigitada expressão (fl. ou fls.), fica ao usuário do idioma a liberdade para abreviar de uma ou de outra forma, apenas com a ressalva de que não empregará fls. Como forma reduzida de folha. ___________   1Cf. GOMES, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 356. 2Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 2. 3Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. v. II, p. 29. 4Cf. RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 161. 5Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2º v, p. 307. 6Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 23. 7Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 16-17. 8Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 104-105. 9Cf. VITÓRIA, Luiz A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 179. 10Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2º v, p. 391. 11Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970. p. 136. 12Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 8. 13Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. v. II, p. 181. 14Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "A Correção na Frase". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL. Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda, 1969. v. 2, p. 554. 15Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 302. 16Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 232. 17Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 60. 1943. p. 305. 18Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943. p. 305. 19Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2º v, p. 391. 20Cf. NOGUEIRA, Júlio. Programa de Português: 3ª série secundária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p. 204. 21Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 783. 22Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 6. 23Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 104-105.
quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Inobstante

1) Apesar de seu largo uso nos meios jurídicos, com o sentido de apesar de, trata-se de palavra não dicionarizada, cuja criação é atribuída por Napoleão Mendes de Almeida à falta de amadurecimento do usuário, comparável à que deu origem a palavras que de igual modo não existem, como aliasmente, devendo, assim, ser evitada a todo custo.1 2) São corretas, porém, as expressões nada obstante e não obstante, ambas com o sentido buscado pelo referido vocábulo. 3) Observe-se que Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade, sem qualquer condenação, apenas asseveram tratar-se tal vocábulo de "forma encontradiça" em textos jurídicos.2 4) Após referendar a correção das expressões equivalentes não obstante e nada obstante, assim leciona Luciano Correia da Silva: "O que se tem discutido é a legitimidade do neologismo inobstante, largamente usado na linguagem forense. Nós, parece-nos que nada impede o emprego desse vocábulo, uma vez que encontra amparo no processo histórico de formação das palavras... A formação é regular e, a nosso ver, não merece censurada, exceto como uma desnecessidade em face às locuções sinônimas e irmãs: não obstante e nada obstante. O que não se deve é criar monstrengos lingüísticos, tais como: apenasmente, ad hocmente e outros, produtos da meia ciência, que as mais das vezes é pior do que a ignorância".3 5) Embora reconheça tratar-se de variante de não obstante "tida por incorreta por alguns como Napoleão Mendes de Almeida", Antonio Henriques, em lição permissiva constante de obra escrita solitariamente, anota ser "forma encontradiça na linguagem jurídica". Ex.: "Inobstante, o método tópico busca também lugares comuns..." (Tércio Sampaio Ferraz Jr.).4 6) Geraldo Amaral Arruda, por outro lado, é taxativo a seu respeito: "nenhum dicionário autoriza esse neologismo, que circula nos meios forenses a par de outras expressões de formação semelhante". 7) E aconselha tal autor o uso de expressões vernáculas já consagradas, como não obstante e nada obstante.5 8) Para espancar dúvidas acerca da impossibilidade de seu emprego, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - veículo oficial da Academia Brasileira de Letras para apontar quais as palavras existentes em nosso léxico - em sua edição de 2004, não a registra, o que obriga a conclusão de que seu emprego não está autorizado em nosso idioma. __________ 1Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico.2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 46. 2Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 100. 3Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. P. 132. 4Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 117. 5Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 23.
quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Pleonasmo e tautologia

1) Pleonasmo (de pleos, em grego, que quer dizer abundante) significa, em síntese, uma repetição, no falar ou escrever, de idéias ou palavras que tenham o mesmo sentido. 2) Trata-se de termo genérico, que tanto pode adornar a linguagem, como torná-la feia e sem encanto. No primeiro caso, em que se busca dar força à expressão, chama-se pleonasmo de estilo. Ex.: "Vi com meus próprios olhos". No segundo caso, caracteriza vício da linguagem e chama-se pleonasmo vicioso, porquanto, longe de enfeitar o estilo, apenas repete desnecessariamente idéia já referida. Ex.: "Subir para cima". 3) Na lição de Vitório Bergo, a expressão com pleonasmo de estilo trata-se de construção irrepreensível, porque "o pleonasmo deixa de considerar-se vício para classificar-se como figura desde que, sem tornar deselegante a frase, contribua para dar maior relevo à idéia".1 4) Quanto à tautologia (de tautos, em grego, que exprime a idéia de mesmo, de idêntico), trata-se de outra denominação que recebe o pleonasmo vicioso e se caracteriza pela seguida repetição, por meio de palavras diferentes, de um pensamento anteriormente enunciado, baseando-se "no desconhecimento da verdadeira significação dos termos empregados, provocando redundância ou condenável demasia verbal".2 5) Além dos lapsos mais comuns nesse campo (subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, menino homem...) e verificáveis até com perfunctório cuidado, há outros de identificação mais difícil, mas que, de igual modo, devem ser evitados, ainda que à custa de maior atenção: breve alocução (alocução já significa um discurso breve), monopólio exclusivo (está ínsita em monopólio a idéia de exclusividade), principal protagonista (protagonista já é o personagem principal), manusear com as mãos (manusear já tem por radical, em latim, a idéia de atuar com as mãos), preparar de antemão (por força do prefixo latino pre, preparar já tem em si a idéia de anterioridade), prosseguir adiante (não há como prosseguir para trás, já que o prefixo latino pro tem o significado de movimento para a frente), prever antes (por força do prefixo latino pré, significando anterioridade, prever depois não é prever), prevenir antecipadamente (o prefixo latino pre já traz em si a idéia de anterioridade), repetir de novo (em razão do prefixo latino re, repetir já significa atuar de novo), boato falso (boato já significa um relato sem correspondência com a verdade). 6) Veja-se como nem sempre é fácil identificar tautologias, quer por desconhecimento do real significado das palavras, quer porque há expressões que estão enraizadas no uso e são de difícil expurgo: abertura inaugural, acabamento final, detalhes minuciosos, metades iguais, empréstimo temporário, encarar de frente, planejar antecipadamente, superávit positivo, vereador da cidade. __________ 1Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastas, 1944. vol. II. P. 183. 2Cf. XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 95.
quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Captar ou capitar?

1) Há, em Português, um número considerável de palavras que têm grafia e pronúncia parecidas, mas sentido totalmente diverso uma da outra. São as palavras parônimas. 2) Para não sair da esfera do Direito, citam-se alguns exemplos: deferir (conceder) e diferir (diferenciar, postergar); deferimento (anuência, aprovação) e diferimento (adiamento, prorrogação); delatar (denunciar) e dilatar (aumentar, prorrogar); eminente (ilustre) e iminente (que está prestes a acontecer); flagrante (no ato) e fragrante (perfumado); infligir (aplicar) e infringir (transgredir); ratificar (confirmar) e retificar (corrigir). 3) Ainda como exemplos de palavras parônimas, citam-se captação (o ato de obter) e capitação (que significa imposto), substantivos esses de que derivam os respectivos verbos: captar (que significa apreender) e capitar (que quer dizer impor capitação ou exigir imposto). 4) Derivada do latim ("caput, capitis", que significa cabeça), capitação constitui forma de tributo cobrada pelo número de cabeças, ou seja, pelo número de pessoas dependentes de um senhor. 5) No Brasil colonial, a Lei de Capitação, de autoria de Alexandre de Gusmão, irmão do Padre Bartolomeu de Gusmão, data de 1734/1735 e foi revogada em 1750/1751. Acrescente-se que, entre os mais de cem quilombos formados em Minas Gerais entre 1695 e 1790, diversos dos povoados eram habitados não apenas por pretos alforriados e escravos fugidos, mas também por brancos pobres, que fugiam exatamente do sistema tributário da capitação. E ainda se diga que, à época de Tiradentes, a capitação coexistia com o sistema de cobrança de um quinto do ouro processado nas casas de fundição, que tinha por endereço os cofres do rei de Portugal. 6) Com essas observações, respondendo, de modo específico, à indagação da consulente, não há como dizer, no caso, se houve ou não equívoco da Comissão do Concurso para Auditor Fiscal, que deveria usar captar e não capitar, uma vez que apenas se fez referência ao vocábulo, mas não se trouxe o trecho em que foi ele empregado, de modo que não se sabe qual o exato sentido que lhe foi dado. 7) Por se tratar de Concurso para Auditor Fiscal, todavia, é de se crer que não tenha havido equívoco da referida comissão, já que é lícito supor que tenham empregado, no mais apurado sentido técnico, o verbo capitar em seu estrito conteúdo semântico de exigir imposto.
quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Marcha ré ou marcha à ré?

1) Os diversos ritmos de aceleração dos veículos automotores se denominam marchas, que podem desenvolver-se para frente ou para trás. 2) Uma primeira marcha à frente serve para tirar o veículo da situação de inércia e fazê-lo andar. Por sua finalidade e natureza, tem mais força e menos velocidade. A situação vai-se invertendo, de modo que, por exemplo, uma quinta marcha à frente tem pouca força e muita velocidade, e serve para quando o veículo já se encontra em movimento acelerado. 3) Para as marchas à frente, costuma-se apenas dizer primeira marcha, segunda marcha, terceira marcha, já que são várias que indicam o movimento do veículo para frente. 4) Para indicar o movimento que faz o veículo para trás, todavia, ao contrário de uma marcha à frente, diz-se marcha à ré, derivando o vocábulo ré bem possivelmente do latim retro, que significa para trás. É conhecida, aliás, mesmo entre os leigos, a expressão latina "vade retro", que significa "arreda-te!", "retira-te", "afasta-te", endereçada normalmente a Satanás. 5) Feitas essas considerações e ingressando no âmbito específico da consulta, assim como se diz marcha à frente, e não marcha frente, e assim como se diria marcha para trás e não marcha trás (sempre, portanto, com o emprego de preposição), também se há de dizer e escrever marcha à ré, e não marcha ré, expressão que, além da preposição, tem o artigo feminino, daí se originando o acento indicativo da crase. 6) Quanto à indagação feita, assim, a razão está com a atenta leitora, que fisgou o equívoco de redação do nosso querido Migalhas no título da referida matéria: marcha à ré, e não marcha ré.
quarta-feira, 9 de agosto de 2006

De encontro a

1) Trata-se de expressão que tem o sentido físico de colidir. Ex.: "Em trágico acidente, o carro da princesa foi de encontro à coluna do túnel". 2) Num sentido figurado, quer dizer contrariar, estar em contradição, discordar, opor-se. Ex.: "A sentença haveria de ser reformada, uma vez que a parte dispositiva ia frontalmente de encontro aos argumentos expostos na fundamentação". 3) Não confundir com a expressão ao encontro de, que tem o significado praticamente oposto de ir ter com quem vem, ou concordar. 4) Atento aos freqüentes equívocos que ocorrem acerca dessas expressões, assim observa Domingos Paschoal Cegalla: "Não confundir ir ao encontro de com a expressão de sentido oposto ir de encontro a, como fez certo acadêmico num de seus romances: 'Ronaldo ia de encontro a Uchoa bem preparado'. O escritor quis dizer que o moço Ronaldo ia encontrar-se com o pai da namorada, bem preparado para pedi-la em casamento".1 5) Comentando as palavras de um cronista desportivo, Sousa e Silva também manda corrigir o exemplo "A Prefeitura fora de encontro ao desejo do povo" para "A Prefeitura fora ao encontro do desejo do povo". 6) E acrescenta com propriedade: "Ir de encontro ao desejo do povo é contrariar a vontade do povo, o inverso, portanto, do que se quis dizer".2 7) Edmundo Dantès Nascimento, de igual modo, faz a distinção entre ambas as expressões, observando que são "empregadas muita vez sem acerto", e dá-lhes o exato significado: "de encontro" em sentido contrário; ao encontro "em sentido favorável", exemplificando: a) "Vir ao encontro da tese - favoravelmente"; b) "Vir de encontro à tese - desfavoravelmente".3 8) Atestando a existência de "freqüentes vacilações no emprego de duas locuções de sentido oposto" e atento ao que deva ser observado nesse campo, nos dias de hoje, Celso Pedro Luft adverte com propriedade, no que concerne a textos que devam submeter-se às regras da norma culta: "mantenha-se a rigorosa distinção".4 ____________ 1Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 221. 2Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 113. 3Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 83. 4Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 201.
quarta-feira, 26 de julho de 2006

Reúso ou reuso?

1) Veja-se uma primeira regra: em Português, o usual é que as palavras não tenham acento gráfico, e a exceção é que elas o tenham. 2) Uma segunda regra: deve ser considerada uma seqüência de normas, para se saber se uma determinada palavra vai ser acentuada ou não. Se houver o enquadramento da palavra em uma delas, será acentuada; em caso contrário, não. 3) Nessa seqüência, uma palavra pode ser oxítona (a sílaba forte, ou tônica, é a última da palavra, como em Aracaju), paroxítona (a sílaba tônica é a penúltima, como em mensagem) ou proparoxítona (a sílaba tônica é a antepenúltima, como em Matemática). A sílaba tônica (forte) pode ser graficamente acentuada (baú) ou não (Aracaju). Acento gráfico e sílaba tônica não coexistem necessariamente. 4) Identificada a classificação do vocábulo que se tem em mãos, verifica-se se ele deve ou não ser acentuado, consultando-se uma tabela das regras próprias das oxítonas, paroxítonas ou proparoxítonas. 5) De modo específico para o caso da consulta, vê-se que reúso não deveria ser acentuada numa primeira análise, porque não há regra das paroxítonas que determine sua acentuação gráfica. 6) A questão, porém, não se esgota aqui, e se deve seguir com a verificação da existência ou não de hiato ou ditongo na palavra considerada, já que, num segundo momento, também há regras específicas para acentuação de hiatos e ditongos. 7) Ora, em reúso há um hiato, ou seja, dois sons vogais (e e u) se encontram na palavra, mas se acham em sílabas diferentes: re-ú-so. Se estivessem em mesma sílaba, como o e e o i de Rei-nal-do, haveria um ditongo. 8) Identificada a existência de um hiato, considera-se sua regra geral de acentuação: se o i ou o u, como segunda vogal do hiato, forem tônicos, seguidos ou não de s na mesma sílaba, serão acentuados graficamente. Por essa regra é que se acentuam saí, saíste, Raí, saúde, balaústre, país, países, juízes, juíza. A exceção fica para os casos em que ao hiato se segue nh, como em rainha e tainha, casos que não têm acento gráfico. 9) Da regra de que as vogais do hiato só podem ser seguidas de s na mesma sílaba, extrai-se a conclusão de que não se acentuam graficamente, por exemplo, sair, Raul, juiz. 10) Resumindo o caso da consulta: se as regras das paroxítonas não mandam acentuar reúso, deve-se seguir e ver que há um hiato em tal palavra e que, pela regra de acentuação gráfica dos hiatos, reúso há de ser acentuada. E, se é acentuada pela regra dos hiatos, não interessa que não o seja pela regra das paroxítonas.
quarta-feira, 19 de julho de 2006

União Federal ou simplesmente União?

1) Com o argumento de que não há União Estadual nem União Municipal, querem alguns que não se deva dizer União Federal, mas apenas União, quando se quer referir à esfera do Governo Federal. 2) Em verdade, os vocábulos Estado e Município trazem uma carga semântica própria e inconfundível, o que afasta a necessidade de qualquer especificação; mesmo assim, por exemplo, se diz Estado-Membro e Estados-Membros. 3) Já União constitui um termo genérico, que, só em si, não tem representação de sentido que o distinga dentre todos os demais abrangidos por ele: União de Bancos, União das Escolas de Samba, União das Torrefações, etc. 4) É por isso que um dicionário jurídico normalmente registra ambas as expressões: União e União Federal. E conceitua União Federal como o "agrupamento de Estados-Membros de uma Federação sob a direção do poder central".1 5) Assim, de modo específico para a dúvida do leitor, não há erro no trecho apontado: "A União Federal terá que ressarcir...". De igual modo, em um contexto onde não houvesse possibilidade de interpretações equivocadas, também não estaria errado dizer: "A União terá que ressarcir..." 6) Em mesma esteira, é correto dizer Constituição Federal, até porque não se há de confundi-la com a Constituição Estadual, que é o conjunto de regras que regem os destinos de um Estado-Membro. ______ 1Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, vol. 4. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 660.
quarta-feira, 12 de julho de 2006

Preposição antes do pronome relativo

1) Aspecto interessante, quanto a esse tópico, diz respeito à regência verbal.2) Se funciona como complemento, o pronome relativo depende totalmente da regência do verbo ao qual se liga.3) Assim, se vai ou não haver preposição antes do pronome, ou qual vai ser essa preposição, tudo depende do verbo que está sendo completado pelo pronome. Vejam-se os exemplos: a) "Editou-se uma lei em que acreditamos, com que simpatizamos e por que lutamos" (acreditar em, simpatizar com e lutar por);b) "Fazer da aplicação da lei a arte de distribuir justiça é o ideal a que aspiramos, com que simpatizamos e em que nos comprazemos" (aspirar a, simpatizar com e comprazer-se em). 4) Assim é a lição de Sousa e Silva a esse respeito: "Nas orações adjetivas cujo pronome relativo não funcione como sujeito, se o verbo exigir alguma preposição, coloca-se esta antes do relativo". Exs.: a) "Atualmente, os meios de que dispomos...";b) "Fui traído pelos amigos em quem mais confiava";c) "...em relação àquele a quem devia respeito e admiração";d) "É um monumento de que todos os brasileiros se orgulham" (dispor de, confiar em, dever respeito e admiração a, orgulhar-se de). 5) Num segundo aspecto, lembra tal autor que, "se o relativo for o adjetivo (atualmente pronome adjetivo) cujo, a construção gramatical é idêntica". Exs.: a) "...eram R. S. e um pretinho de cujo nome não se lembra" (lembrar-se de).1 6) De modo específico para a consulta formulada, vê-se que o leitor tem razão, e não está correto o trecho "o projeto - do qual ainda não tivemos acesso...". Em verdade, quem tem acesso, tem acesso a algo, a alguma coisa, e não por algo, nem por alguma coisa. Corrija-se, portanto, para um dos seguintes modos: I) "o projeto - a que ainda não tivemos acesso..."; II) "o projeto - ao qual ainda não tivemos acesso...". ________1Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 230-233.
quarta-feira, 28 de junho de 2006

Convir

1) Composto de vir, num primeiro aspecto, convir é verbo que traz problemas quanto à acentuação gráfica, já que, assim como aquele primitivo, é grafado, na terceira pessoa do plural do presente do indicativo com um acento circunflexo, para diferenciar da terceira pessoa do singular: eles vêm, eles convêm. 2) Contrariamente ao verbo de que deriva, além disso, recebe, na terceira pessoa do singular, um acento agudo, em razão de regra específica das oxítonas: ele vem, ele convém, eles vêm, eles convêm. 3) Atente-se a que nem vir nem seus compostos apresentam dois ee na terceira pessoa do plural do presente do indicativo, encontro vocálico esse próprio de crer, dar, ler e ver. 4) Quanto à conjugação verbal, importante é observar-lhe as formas do presente do indicativo e tempos derivados: convenho, convéns, convém, convimos, convindes, convêm (presente do indicativo); convenha, convenhas, convenha, convenhamos, convenhais, convenham (presente do subjuntivo); convém, convenha, convenhamos, convinde, convenham (imperativo afirmativo); não convenhas, não convenha, não convenhamos, não convenhais, não convenham (imperativo negativo). 5) "As pessoas menos cultas manifestam a tendência para dizer viemos (e, por conseguinte, conviemos) em vez de vimos (e, assim, de convimos) na primeira pessoa do plural do presente do indicativo"1, forma aquela pertencente ao pretérito perfeito do indicativo, falha essa de emprego da forma do pretérito perfeito pelo presente do indicativo que Júlio Nogueira atribui à "falta de uso" da forma correta.2 6) Para que não haja erros, são as seguintes as formas do pretérito perfeito: convim, convieste, conveio, conviemos, conviestes, convieram. 7) Cuidado, assim, com os tempos derivados do pretérito do perfeito do indicativo: conviera, convieras, conviera, conviéramos, conviéreis, convieram (pretérito mais-que-perfeito do indicativo); convier, convieres, convier, conviermos, convierdes, convierem (futuro do subjuntivo); conviesse, conviesses, conviesse, conviéssemos, conviésseis, conviessem (imperfeito do subjuntivo). 8) Observe-se que o gerúndio e o particípio são iguais (convindo). 9) Cuidado com a conjugação dele e de outros compostos de vir no pretérito perfeito e tempos derivados: a) "Terceiros intervieram no processo" (e não interviram); b) "O réu não apenas contestou, mas também reconveio" (e não reconviu); c) "Quando sobrevier sentença..." (e não Quando sobrevir...). 10) Grafias equivocadas, como interviu em lugar de interveio, lembra Luiz Antônio Sacconi que são barbarismos morfológicos.3 11) De Geraldo Amaral Arruda é a lembrança de que "lamentavelmente muitos se confundem e escrevem eu intervi, ele intervia, eles interviram", acrescentando tal autor que esse verbo nada tem com o verbo ver e que, em sua conjugação, não se deve fazer tal confusão.4 12) Quanto às pessoas em que pode ser conjugado, Otelo Reis traz importante observação: a) - no sentido de ser conveniente, ser útil, é impessoal; b) - em outro sentido, é conjugado em todas as pessoas.5 13) Das considerações feitas, vê-se que assiste integral razão ao atento leitor: a) "Cada um faça o uso que melhor lhe convir" (errado); b) Cada um faça o uso que melhor lhe convier" (correto). ______________   1Cf. Reis, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1971. p. 123. 2Cf. Nogueira, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1930. p. 201. 3Cf. Sacconi, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 268. 4Cf. Arruda, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 67. 5Cf. Reis, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1971. p. 146.
quarta-feira, 21 de junho de 2006

Advogado, Ad(e)vogado ou Ad(i)vogado?

1) Quando se tem, em determinado vocábulo, p+e, pronuncia-se pe; já p+i soa, logicamente, pi. P sozinho, todavia, não seguido de vogal alguma na palavra, não é pe nem pi; constitui apenas um ruído, e não um som, uma vez que este se caracteriza pela presença de uma vogal: a, e, i, o, u. 2) Deve-se ter em mente essa realidade, quando se está diante de palavras com consoantes desacompanhadas de vogais: absoluto, administração, admirar, advogado, captar, optar, pneu, psicologia. 3) Tente o leitor, como exercício, pronunciar, diferenciando, pe, pi e simplesmente p. Quando notar a diferença, verá, por exemplo, que a pronúncia não será p(i)neu nem p(e)neu, mas apenas pneu. Em seguida, tente exercitar-se na pronúncia de outras palavras que tenham consoantes desacompanhadas de vogais, como as da lista anterior. 4) Quando isso ocorrer, há de verificar, para o caso específico da consulta, que não se pronuncia ad(e)vogado nem ad(i)vogado, mas apenas advogado. 5) Acrescente-se, ainda, que a parte da Gramática que cuida da correta pronúncia dos vocábulos chama-se ortoepia (ou ortoépia). E Eliasar Rosa, a respeito de advogado, faz a seguinte advertência: "É comum ouvir o barbarismo: adevogado. Epêntese viciosa que até advogados cometem, porque não proferem muito ligeiramente o d, mas lhe acrescentam, na pronúncia, um e inexistente".1 6) Esclareça-se, por fim, que epêntese viciosa é a inserção equivocada de um ou mais fonemas no meio de uma palavra, geralmente para facilitar a pronúncia. ___________ 1Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 23.
quarta-feira, 14 de junho de 2006

Ascendência ou descendência italiana?

1) Os dicionários registram, sem maior dificuldade, que ascendente significa antepassado ou antecedente, enquanto descendente tem o sentido de póstero, de posterior, de vindouro. 2) E, quanto à etimologia, ascender significa subir, enquanto descender guarda o sentido de descer. 3) Buscando alguma razão para justificar o conteúdo semântico de tais vocábulos em relação a sua etimologia, o que parece mais lógico é verificar que, quando se quer representar graficamente, em uma folha de papel, uma sucessão de gerações, o centro de referência é posto em algum lugar físico da página. Os pais são colocados imediatamente antes, os avós os precedem, e assim por diante. Já os filhos são postos imediatamente depois, seguidos dos netos... 4) Quando se termina uma tarefa dessa natureza, tem-se a árvore genealógica, ou seja, o apontamento das origens e da seqüência de uma família. Quando, porém, se analisa a representação gráfica, percebe-se que, diferentemente de uma árvore normal, que nasce da terra e segue para o alto, uma árvore genealógica nasce do alto e segue em direção oposta. 5) Assim, quando se parte em direção aos antepassados, ascende-se, sobe-se na árvore genealógica; já quando se caminha rumo aos pósteros, descende-se, ou desce-se, quer em linha reta (quando um se origina de outro), quer em linha colateral (quando se verifica a existência de algum relacionamento familiar, mas um não provém do outro). 6) Feitas essas ponderações, parte-se para a consideração do fato da consulta: a primeira-dama, Marisa Letícia, obteve a cidadania italiana, e a notícia do jornal veio com a manchete "Descendência italiana", quando, no entender de um leitor, deveria vir "Ascendência italiana". 7) Ora, uma mesma realidade de fato pode ser expressa de dois modos igualmente corretos: a) "Marisa Letícia tem ascendência italiana"; b) "Marisa Letícia descende de italianos". No primeiro caso, consideram-se os ascendentes em relação a ela; no segundo caso, ela é posta como descendente de seus antepassados. 8) E a manchete segue em mesmo caminho: ascendência italiana estaria pressupondo o raciocínio de que "Marisa Letícia tem ascendência italiana"; já descendência italiana estaria levando em conta o fato de "Marisa Letícia descende de italianos". 9) Resuma-se: ambas as manchetes são corretas, com a observação de que partem de enfoques diferentes.
quarta-feira, 17 de maio de 2006

Poderiam ensinarem?

1) É bastante conhecida a lição de que o infinitivo de um verbo (ou seja, o verbo quando o chamamos pelo nome: amar, vender, partir...) pode apresentar-se em sua forma não flexionada (o próprio nome do verbo - amar) ou em sua feição flexionada (ou seja, conjugado - amar eu, amares tu, amar ele, amarmos nós, amardes vós, amarem eles). 2) Quanto ao infinitivo, de um modo geral, nem sempre é fácil escolher a forma a ser empregada (flexionada ou não flexionada), e o assunto muitas vezes situa-se mais no terreno da Estilística do que da Gramática. 3) Com atenção específica ao caso da consulta, porém, a questão não é tão complexa e pode ser resolvida até com certa facilidade, apenas exigindo atenção ao texto na hora da revisão. 4) O problema, ademais, como já se observou nesta coluna, é corriqueiro na redação profissional de nossas petições, decisões e pareceres de todos os dias: como empregar o infinitivo numa locução verbal (dois verbos desempenhando o papel de um só - no caso, poderiam ensinarem), quando postos tais verbos em ordem inversa e/ou entremeados com outras palavras ("Poderiam os 'Rolling Stones' ensinarem ..."). 5) A regra aplicável ao caso é de fácil entendimento: emprega-se o infinitivo impessoal nas locuções verbais, e nelas "não é lícito flexionar o infinitivo".1 Exs.: a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto); b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado). 6) O erro mais comum, nesses casos, é a utilização do infinitivo flexionado, sobretudo quando, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, existem outras palavras, ou mesmo quando o exemplo está na ordem inversa. Ex.: a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado); b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto). 7) Cândido de Figueiredo, exatamente a esse respeito, lembra o seguinte exemplo, encontrado "num livro moderno, premiado oficialmente": "Podem entretanto esses serviços serem estabelecidos..."; e complementa: "Podem serem... não é linguagem de cá".2 Acrescente-se: nem de cá, nem de lá, nem de lugar algum. 8) Reitere-se que, nesse caso, quando os verbos componentes da locução estão próximos e o auxiliar é normalmente flexionado, é menos corriqueiro o equívoco de flexão, sendo, assim, incomum um erro como o seguinte: "As certidões deverão acompanharem o traslado da escritura". 9) Todavia, quando os verbos da locução se distanciam, a possibilidade de erro se acentua, como se dá no seguinte emprego equivocado, modelo de outros tantos: "As certidões deverão, sob pena de invalidade do ato e impedimento para o registro, acompanharem o traslado da escritura" (corrija-se: deverão... acompanhar). 10) Após essas reflexões, no caso das consultas, veja-se a forma adequada: a) - "Poderiam os 'Rolling Stones' ensinarem 'marketing' para advogados?" (errado); b) - "Poderiam os 'Rolling Stones' ensinar 'marketing' para advogados?"... (correto). ________ 1Cf. Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Análise, Concordância e Regência". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e Edinal - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 705. 2Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. Falar e Escrever. 4 ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1941. vol. II, p. 168.
quarta-feira, 10 de maio de 2006

Dedetizar ou detetizar?

1) Em 1874, um estudante alemão sintetizou o Dicloro Difenil Tricloretano, ou simplesmente DDT, substância que, inicialmente esquecida, acabou por conferir o Prêmio Nobel de Medicina de 1948 a seu descobridor moderno, o suíço Paul Müller. A substância foi muito usada na Segunda Guerra Mundial para proteger soldados contra insetos. A partir daí, tornou-se um popular pesticida em pó branco, tanto para combater doenças transmitidas por insetos, como para ajudar fazendeiros no controle das pestes agrícolas. 2) Sua reputação, contudo, durou pouco, pois, em 1962, Rachel Carson publicou o livro "Silent Spring", obra tida como uma das mais influentes do século, em que mostrou que a referida substância estava contribuindo para a extinção de algumas espécies, entre as quais o falcão peregrino e a águia careca. Afirmava, ainda, tal autora que tal substância penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem, com o risco de causar câncer e dano genético. 3) Os opositores de seu uso ressaltam sua volatilidade, seu efeito residual no organismo humano por até trinta anos e sua potencialidade cancerígena. Em 1972, os Estados Unidos da América, depois de acirrada disputa judicial e política, baniram o produto. Logo foram seguidos pela maioria dos países industrializados. Nas lavouras do Brasil, não pode ser usado desde 1985, e a Suíça não o permite desde 1939. Existe um projeto mundial, feito por ambientalistas, para bani-lo totalmente do planeta até 2007. 4) Apesar de grande oposição em todo o mundo, também conta com defensores de peso, em razão de sua eficácia e custo baixo na higienização de ambientes contra o mosquito transmissor do parasita da malária. Afirmam tais defensores que até hoje não existe prova definitiva de que o DDT prejudique a saúde humana. No combate à malária, continua sendo usado por cerca de vinte países. 5) Pois bem: da substância Dicloro Difenil Tricloretano, ou, mais especificamente, de sua sigla DDT (ou D.D.T), surgiram os neologismos dedetização, dedetizado, dedetizador, dedetizar, dedetizável, todos hoje aceitos como palavras de nosso léxico pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, elaborado pela Academia Brasileira de Letras, que é quem tem a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à vetusta Lei Eduardo Ramos, de n° 726, de 8 de dezembro de 1900, listando, assim, os vocábulos de nosso idioma, consolidando-lhes a grafia e classificando-os por gênero e por categoria morfológica. 6) Na esteira do que ocorreu com outros neologismos, dedetizar, originariamente, significava aplicar DDT. Seu conteúdo semântico, porém, extrapolou os limites de seu significado, e a substância passou a representar toda e qualquer substância similar, a exemplo do que se dá com gilete e cotonete. Assim, aplicar toda e qualquer substância similar, ainda que não fundada no princípio ativo do Dicloro Difenil Tricloretano, passou a ser dedetizar. É por isso que, hoje, embora vedado seu uso em nosso país, vêem-se, aqui e ali, as empresas de dedetização, que podem aplicar diversas substâncias com idêntico objetivo, mas seguramente não utilizam DDT.
quarta-feira, 3 de maio de 2006

Verbo seguido de pronome

1) Da conjugação de um verbo seguido de pronome pessoal oblíquo átono, podem surgir associações que vale a pena observar. 2) Assim, se o verbo termina por vogal e é seguido de o, a, os, as, a junção ocorre sem alteração alguma: entregou+o = entregou-o; dou+as = dou-as. 3) Se o verbo vem seguido de vos ou lhes, a junção também se faz sem alteração alguma: entregamos+vos = entregamos-vos; entregamos+lhes = entregamos-lhes. 4) Se a primeira pessoa do plural vem seguida do pronome nos, o verbo perde o s final: entregamos+nos = entregamo-nos. 5) Bem nessa esteira, lembra Mário Barreto que, nesses casos, o correto "é suprimir-se o s final da primeira pessoa do plural quando o pronome nos vem após o verbo".1 6) Na lição de Domingos Paschoal Cegalla, em casos dessa natureza, "para atender à eufonia, suprime-se o s final da primeira pessoa do plural dos verbos, quando seguida do pronome nos".2 7) Se o verbo termina por m ou ditongo nasal e é seguido de o, a, os, as, a forma verbal permanece inalterada, e o pronome é precedido de um n: entregaram+a = entregaram-na; dão+o = dão-no. 8) Se o verbo termina por r, s ou z e é seguido de o, a, os, as, aquelas consoantes são eliminadas, e os pronomes passam a ter as formas lo, la, los, las: encontrar+o = encontrá-lo; encontrar+a+ei = encontrá-la-ei; procuras+os = procura-los; fiz+as = fi-las. 9) Nos dizeres de Artur de Almeida Torres, "nas formas verbais terminadas em r, s ou z, seguidas do pronome oblíquo o, a, em sua antiga representação lo, la, aqueles fonemas assimilaram-se ao l, desaparecendo depois: mandar-lo, mandallo, mandá-lo; levastes-lo,lesvastello, levaste-lo, fez-lo, fello, fê-lo".3 10) Cândido Jucá Filho, nesse aspecto, lembra que Filinto Elísio, "censurando os críticos ignorantes, incide nesta erronia grosseira: 'E chamais-los puristas e censores?' (isto é, 'chamai-los')".4 11) Se o verbo termina por ns, segue-se a observação anterior, apenas com a transformação do n remanescente em m: tu manténs+ o = tu mantém-lo; tu tens+o = tu tem-lo.5 12) De Édison de Oliveira é interessante observação sobre o assunto, muito embora em nada altere a realidade gramatical nem institua permissão para o cometimento dos equívocos em norma culta: "É claro que a maioria dessas combinações, embora rigorosamente corretas de acordo com a gramática, são freqüentemente evitadas na linguagem cotidiana, e até na linguagem literária, por estranhas ou mal sonoras, sendo fácil transmitir a mesma idéia através de outras construções". 13) E, "para evidenciar o caráter excêntrico que a forma verbal assume em tais circunstâncias", exemplifica tal autor com a conjugação completa de um tempo verbal seguido de pronome: quero + o = quero-o; queres + o = quere-lo; quer + o = qué-lo; queremos + o = queremo-lo; quereis + o = querei-lo; querem + o = querem-no.6 14) De modo específico para a consulta formulada, o correto é "Encaminhamos-lhes anexos exemplares da cartilha", e não "Encaminhamo-lhes anexos exemplares da cartilha". _______ 1Cf. BARRETO, Mário Fatos da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 141. 2Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 139. 3Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 15. 4JUCÁ FILHO, Cândido. Curso de Português . Segundo Ano Colegial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954. p. 31. 5 Cf. RIBEIRO, Júlio. Gramática Portuguesa. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1908. p. 257. 6 Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 137.
quarta-feira, 26 de abril de 2006

Puni-lo ou puní-lo? Conclui-lo ou concluí-lo?

1) Uma importante premissa é que formas verbais unidas por hífen a pronomes são consideradas palavras distintas para efeito de acentuação gráfica. Exs.: amá-la-íamos e amá-lo-á são três palavras; puni-lo, bani-lo e concluí-lo são duas palavras. 2) Para, em seqüência, saber se amá, puni, bani e concluí têm acento gráfico, o primeiro raciocínio é dividi-las em sílabas: a-má; pu-ni; ba-ni; con-clu-í. 3) Em seguida, deve-se verificar qual a sílaba mais forte de todas essas palavras: a-má; pu-ni; ba-ni; con-clu-í. Como, em todas elas, a sílaba tônica é a última, dizemos que todas são palavras oxítonas. 4) Após esse raciocínio, anota-se que recebem acento gráfico as oxítonas terminadas por a(s), e(s) e o(s). Assim: jacá, café e avô recebem acento gráfico; mas não se acentuam saci e tatu. 5) Com essas observações se vê que se acentua amá, mas não puni nem bani. 6) Em adição à regra genérica de acentuação das oxítonas, todavia, se a palavra ainda não tiver motivo para receber acento gráfico, deve-se ver se ela tem em si um ditongo (dois sons vogais na mesma sílaba, como em cha-péu, á-gua) ou hiato (dois sons vogais que se encontram na palavra, mas se acham em sílabas distintas, como em vô-o e ma-nu-al). No caso analisado, vê-se que há hiato em con-clu-í. 7) Percorrido esse caminho, vê-se que há uma regra de hiatos segundo a qual todo i ou u tônicos, seguidos ou não de s na mesma sílaba, receberão acento gráfico, se formarem hiato com a vogal anterior. Assim: sa-í, sa-ís-te, sa-í-da, ba-ú, ba-la-ús-tre, sa-ú-de. Mas não sa-ir nem Ra-ul. 8) Pois bem. No nosso caso, con-clu-í se encaixa exatamente nessa regra. 9) Por essas razões é que, no caso da consulta, escreve-se puni-lo, bani-lo e concluí-lo.
quarta-feira, 19 de abril de 2006

Anti

1) É prefixo grego, que tem o sentido de ação contrária, como, por exemplo, em antiaéreo. 2) Quanto a seu uso na formação das palavras, exige hífen antes de h, r, s: anti-higiênico, anti-rábico, anti-semita. 3) Se, todavia, as palavras são começadas por outras consoantes ou por vogais, a ligação é direta, sem hífen: antiabortivo, anticívico. 4) Não confundir com o prefixo latino ante, que indica anterioridade. 5) Assim, vejam-se as seguintes diferenças: anti-histórico significa contrário aos fatos históricos ou a seus princípios; já ante-histórico quer dizer simplesmente pré-histórico. 6) Aqui vale encartar a pérola de um aluno de Direito que, em prova escrita, registrou pacto antinupcial para significar aquele contrato que os nubentes celebram antes do casamento, regularmente previsto pelo Código Civil, com o escopo de fixar regime de bens diverso do normalmente estabelecido pela lei, além de avençar outras cláusulas de convivência matrimonial; com a expressão do referido aluno, todavia, o máximo que tais noivos poderiam querer seria solenizar um pacto de jamais se casarem, por avessos à celebração de um casamento. 7) Sintetizando a questão para os prefixos ante e anti, assim leciona Arnaldo Niskier: "O prefixo ante significa anterior; já anti significa contrário. Os dois só se ligam por hífen a palavras começadas por h, r ou s; nos demais casos, os elementos se juntam sem o hífen".1 8) Voltando à específica questão da consulta, o correto é anti-social, e não antissocial. ---------- 1 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 11.
quarta-feira, 12 de abril de 2006

Tratar-se de

1) Geraldo Amaral Arruda esclarece que o verbo tratar pode ter sujeito, como na frase: "O autor, nesta ação, trata de seus direitos hereditários". 2) Continua afirmando, todavia, que, em outro contexto, pode-se preferir omitir o sujeito da oração, dizendo-se: "Nesta ação, trata-se de direitos hereditários". 3) E extrai ele as seguintes ilações: "O verbo continua na voz ativa e continua a reger objeto indireto; somente desapareceu o agente, que ficou indeterminado, servindo a partícula se precisamente como índice de indeterminação do sujeito".1 4) Exatamente porque o sujeito é indeterminado com um direito ou com vários direitos, é que a flexão de tal substantivo para o plural não influi na concordância verbal: a) "Trata-se de um direito hereditário"; b) "Trata-se de direitos hereditários". 5) Em mesmo sentido, na lição de Domingos Paschoal Cegalla, o verbo tratar concorda obrigatoriamente na terceira pessoa do singular, mesmo que o termo ou expressão seguinte esteja no plural: a) "Trata-se de tarefas que exigem habilidade"; b)"Na verdade, tratava-se de fenômenos pouco conhecidos na época"; c) "Durante o encontro dos dois líderes políticos, tratou-se de problemas que afligem as populações pobres"; d) "Não se trata de advogados, minha senhora; trata-se de provas".2 6) Reitere-se, com Laudelino Freire, que, quando usado na terceira pessoa com o pronome se, não vai para o plural tal verbo na passiva, "ainda que o objeto no plural esteja".3 7) Assim, o plural de "Trata-se de um bom negócio" há de ser "Trata-se de bons negócios", e não "Tratam-se de bons negócios". 8) Francisco Fernandes até mesmo se refere à expressão tratar-se de, para que tal estrutura fique mais apartada das demais.4 9) E Celso Pedro Luft é ainda mais didático, para lecionar que, com esse significado, "o verbo fica sempre na terceira pessoa do singular": Trata-se de obras, Tratar-se-á de símbolos, Talvez se trate de exceções, Quando se tratar de leis.5 10) Em oportuna observação, anota Adalberto J. Kaspary, por primeiro, exemplos de uso correto do verbo tratar-se usado pronominalmente: a) "Trata-se de meros casos de alçada policial"; b) "Trata-se de pessoas falsas, insinceras"; c) "Tratava-se de questões que fugiam à nossa competência; d) "Talvez se trate de casos isolados"; e) "Trata-se, agora, de evitar prejuízos maiores aos condôminos". 11) Em seqüência, realça tal autor que, com o verbo tratar-se, usado pronominalmente, "são incorretas construções pessoais (com sujeito expresso)", alinhando ele próprio exemplos errôneos: a) "A presente lide trata-se de ação possessória"; b) "É indiscutível tratarem-se de entorpecentes as substâncias supramencionadas"; c) "O autor trata-se de trabalhador rural"; d) "O caso trata-se de falsidade ideológica". 12) Por fim, manda que se corrijam tais exemplos da seguinte forma: a) "Cuida-se, na presente lide, de ação possessória"; b) "É indiscutível serem entorpecentes as substâncias supramencionadas"; c) "O autor é trabalhador rural"; d) "O caso é de falsidade ideológica" (ou "Trata-se, no caso, de falsidade ideológica", ou "O caso constitui falsidade ideológica").6 13) De modo específico para o exemplo da consulta, veja-se o que é correto e o que é errado: a) "Trata-se de gostosas trocas..." (correto); b) "Tratam-se de gostosas trocas..." (errado). ---------- 1 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 53. 2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999. p. 400. 3 Cf. FREIRE, Laudelino. Estudos de Linguagem. Sem número de edição. Rio de Janeiro: Cia. Brasil Editora, impresso em 1937. p. 7. 4 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971. p. 580. 5 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 515. 6 Cf. KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica - Acepções e Regime. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 348.
quarta-feira, 5 de abril de 2006

Carta magna

1) Historicamente, Magna Carta (ou Carta Magna) foi um documento imposto em junho de 1215 pelos nobres ingleses rebelados contra o rei João Sem Terra, com o intuito de dar um basta aos atos arbitrários reais, mediante a edição de um corpo de leis a que o rei deveria prestar obediência. Tinha por alvo distinguir entre realeza e tirania. Significou um símbolo da soberania e foi de fundamental importância para o progresso constitucional da Inglaterra e de outros países cujo sistema de lei e de governo tem base nas convenções inglesas. 2) Por significar a base legal de sustentação do ordenamento de um país, a expressão passou a abranger, por extensão, o modo como são conhecidas as diversas constituições em todo o mundo. 3) Em si mesma, a expressão Carta Magna quer apenas dizer diploma maior ou suprema legislação. Por não se tratar de expressão técnica, seu uso não se restringe necessariamente às constituições outorgadas, nem se vincula com exclusividade à lei federal, de modo que não há problema algum em se dizer, por exemplo, a Carta Magna do Estado de São Paulo, querendo referir-se à Constituição do Estado de São Paulo. 4) Em termos gramaticais, denominar uma Constituição Federal de Carta Magna é uma figura de linguagem, mais especificamente uma antonomásia (espécie de metonímia, que consiste em designar um ser por um seu atributo notório ou acontecimento a que se ligue). 5) Em razão da precisão técnica que deve ter a linguagem jurídica (Direito é ciência, não arte), alguns autores criticam o que reputam emprego desnecessário de figuras de linguagem, apontando que adornos dessa natureza não significam correção do texto jurídico, mas apenas uma quebra da rigidez do intelectivo dessa linguagem pelo emocional. 6) Assim, no entender desses autores, seria inconveniente substituir os termos e as locuções técnicas e precisas de um texto dessa espécie por sinônimos, a pretexto de evitar repetições. Mais precisamente, um uso assim incorreria no risco da impropriedade de expressão e mesmo de descambar para o pernosticismo. 7) Dessa mesma modalidade de equívoco, por exemplo, seria substituir as expressões técnicas petição inicial (ou inicial) e denúncia por peça inaugural, exordial, exordial acusatória, vestibular, peça depositária da pretensão punitiva, peça denunciatória, requisitório ministerial, petição de intróito, peça preambular, peça incoativa, peça increpatória, peça-ovo, etc. 8) Em termos bem práticos, parecem aconselháveis quatro aspectos: a) lembrar que o Direito é uma ciência e tem uma linguagem técnica, à qual sempre se deve procurar ater o usuário, de modo que os termos técnicos devem ter preferência; b) lembrar que muitas dessas expressões são de mau-gosto (ou não o é peça-ovo?) e que a maioria delas não expressa efetivamente o que se quer dizer; c) observar que um texto cheio de penduricalhos dessa ordem faz lembrar determinadas mulheres preparadas para eventos, as quais estão longe de ser consideradas bonitas, de bom-gosto e bem produzidas; d) ter a certeza de que um projeto de simplificação da linguagem jurídica, com o afastamento excessivo de determinadas expressões e construções, é um objetivo que todo usuário deve ter para a vida toda. 9) Com essas observações, de modo específico para a expressão da consulta, não parece ela de mau-gosto; o que se deve evitar é o excesso. Aconselha-se ao usuário da linguagem jurídica, todavia, fixar, como meta de vida, um projeto de simplificação de seu texto jurídico e de gradativa obediência à terminologia técnica.
quarta-feira, 29 de março de 2006

Citar latim é perigoso

1) A consulta específica busca saber qual a forma correta: "vanitas vanitatis" ou "vanitas vanitatem". 2) Na Bíblia, há um livro denominado Eclesiastes, palavra de significado incerto, normalmente traduzida como 'o pregador', de autoria também incerta, mas normalmente atribuída ao rei Salomão, em razão de que as experiências nele referidas se parecem muito com as dessa figura bíblica. 3) Principia do seguinte modo, no capítulo 1, versículos 1-3: "Palavras do pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém. Vaidade de vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?" 4) O trecho a ser considerado é "vaidade de vaidades, tudo é vaidade", ou, mais especificamente, a expressão "vaidade de vaidades" ou, ainda, "vaidade das vaidades". 5) Ora, o latim é uma língua declinada, o que significa que a terminação de uma palavra varia conforme a função sintática que ela exerce na oração: sujeito é nominativo; complemento restritivo (alguns casos de adjunto adnominal) é genitivo; objeto indireto é dativo; complemento circunstancial (casos de adjunto adverbial) é ablativo; objeto direto é acusativo. 6) E se anote que os diversos casos têm terminações diferentes. Só para exemplificar com a palavra rosa: rosa é nominativo; rosae (pronuncia-se róse) é genitivo; rosam é acusativo; rosarum é genitivo plural; rosis é dativo plural; rosas é acusativo plural. 7) De modo específico para o caso da consulta, em que não se pôs dúvida sobre a primeira palavra - "vanitas" (pronuncia-se vânitas), vamos ater-nos ao efetivo foco do problema. Imaginem-se duas formas da expressão: "vaidade de vaidade" e "vaidade das vaidades". Em ambos os casos, "de vaidade" ou "das vaidades" ("de vaidades" é variação que não se altera em latim, onde não havia os artigos o, a, os, as) são um complemento restritivo (em português, adjunto adnominal), o que significa que o vocábulo, em latim, vai para o genitivo (singular ou plural, conforme o caso). 8) Assim, verificado o fato de que vanitas pertence à terceira declinação, se se quer o singular da expressão, tem-se "vanitas vanitatis"; se o plural, "vanitas vanitatum". 9) Viu-se, porém, que o sentido do texto de Eclesiastes 1:2 é "vaidade de vaidades" ou "vaidade das vaidades", de modo que a citação correta do latim, no caso, não é "vanitas vanitatem" nem "vanitas vanitatis", mas "vanitas vanitatum". Aliás a Vulgata de São Jerônimo (342 [?] / 420) - versão da Bíblia para o latim vulgar no século IV - assim traduziu o mencionado trecho: "vanitas vanitatum omnia vanitas" (em português, "vaidade das vaidades, tudo é vaidade"). 10) Acrescente-se, ademais, que, tecnicamente, assim como em português é correto dizer tanto "vaidade de vaidade" como "vaidade de (das) vaidades", em latim se pode dizer "vanitas vanitatis" ou "vanitas vanitatum". Jamais, porém, "vanitas vanitatem", que não quer dizer coisa alguma. 11) Nunca se canse de repetir que citar latim é algo perigoso e complicado, sobretudo em tempos como o nosso, em que de há muito não é ele ensinado nas escolas, a não ser em pequena dose e em um ou outro curso universitário de línguas. Quer pela falta de estudo, quer pela complexidade de uma língua declinada, se não se tem certeza do que se está citando, melhor não citar. Referir a expressão em português não é desdouro para ninguém e evita os aborrecimentos de uma citação mal feita.
quarta-feira, 22 de março de 2006

Usucapião

1) Em Direito, é a prescrição aquisitiva, o modo de adquirir a propriedade móvel ou imóvel pela posse pacífica e ininterrupta da coisa, com ânimo de proprietário, durante certo tempo. Ex.: "Na conformidade com o art. 530, III, do Código Civil de 1916, um dos modos de se adquirir a propriedade imóvel é o usucapião". 2) Anote-se, desde logo, que a forma usocapião, empregada por Clóvis Beviláqua, muito embora até possa ser tida como mais consentânea com a índole da língua, não encontra registro no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial ordenador do modo de grafar as palavras em nosso idioma. 3) Outro problema interessante respeita a saber qual o gênero da palavra, se masculino, se feminino, ou mesmo se optativo o emprego. 4) Para Cândido de Oliveira, tal vocábulo integra o rol dos "substantivos que são só masculinos".1 5) Na esteira de outros dicionaristas, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira atribui-lhe com exclusividade o gênero feminino.2 6) E Napoleão Mendes de Almeida, com ponderosos argumentos etimológicos, pugna pela atribuição de mesmo gênero feminino, observando, todavia, não faltarem dicionaristas que confiram à palavra os dois gêneros.3 7) Para Domingos Paschoal Cegalla, trata-se de "palavra feminina em latim, mas usada geralmente no masculino, em português, como vemos no Código Civil, art. 550", acrescentando tal autor que "os lexicógrafos a registram ora como feminina, ora como masculina".4 8) Para José de Nicola e Ernani Terra, "trata-se de um substantivo de gênero vacilante (a ou o usucapião)", acrescentando tais autores que, "na linguagem atual, tem sido empregado preferencialmente no masculino".5 9) Em interessante levantamento, Antonio Henriques anota que alguns dicionaristas e gramáticos lhe conferem o gênero feminino (Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, Antenor Nascentes, Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas), enquanto outros, o gênero masculino (De Plácido e Silva, António Moraes de Silva, Larousse, Laudelino Freire, Cândido Jucá Filho) e terceiros, por fim, ambos os gêneros (Caldas Aulete, Mirador); entre os autores de Direito, também alguns optam pelo feminino (Pontes de Miranda, Eliasar Rosa e Benedito Silvério Ribeiro), enquanto outros, pelo masculino (Washington de Barros Monteiro, Rafael Augusto Mendonça de Lima, José Cretella Júnior, Diocleciano Torrieri Guimarães); nos próprios textos legais, às vezes se tem o vocábulo como feminino (Código de Processo Civil e Lei 6.969, de 10.12.81, nos arts. 2º, 3º, 4º, § 2º, 7º), às vezes, como masculino (Código Civil de 1916 no art. 530, e Decreto 8.740, de 17.3.82, nos arts. 1º e 3º).6 10) A Constituição Federal de 1988, em seu art. 183, § 3º, não emprega especificador algum que evidencie o gênero escolhido para o vocábulo, tendo idêntico proceder no art. 191, parágrafo único. 11) O gênero masculino já constava do PROJETO DE CÓDIGO CIVIL (arts. 555 e seguintes), e foi assim mantido, sem comentário algum ou observação de Rui Barbosa.7 12) O Código Civil de 1916, em seus arts. 530, III, 550/553, 618/619 e 698, todavia, atribui-lhe com exclusividade o gênero masculino, o que mereceu de Napoleão Mendes de Almeida, defensor do gênero feminino, em mesma obra e local já referidos, o comentário de que teria ocorrido distração de nossos codificadores, entre eles Rui Barbosa. 13) Sem quaisquer comentários adicionais, Luiz Antônio Sacconi, por sua vez, a insere entre as palavras femininas.8 14) Transcrevendo lição do monografista Nélson Vaz, assim se pronuncia Eliasar Rosa: "Feminina em fonte nativa, feminina nos idiomas que a adotaram, não há motivo plausível para que essa relíquia do direito romano deserte de sua primitiva condição, transmigrando para o gênero masculino apenas em Português". 15) Mas complementa tal autor: "Entretanto o P.V.O.L.P. registra o vocábulo como masculino. E, infelizmente, em assuntos de Ortografia, é a lei que nos rege".9 16) Cândido Jucá Filho atribui-lhe gênero masculino e traz em abono a abalizada autoridade do padre Manuel Bernardes: "Proíbe o direito que o usucapião, ou prescrição, valha por razão de antigüidade da posse, se é de cousa sagrada".10 17) À vista dessa variedade, quer dos autores, quer dos textos legais e jurídicos, lembram Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade o princípio de que, na dúvida, opta-se pela liberdade de uso (in dubiis, libertas), muito embora, em termos de etimologia, observem que "se deva preferir o feminino já que a forma latina ('capio, capionis') é feminina".11 18) Espancando toda e qualquer dúvida acerca das possibilidades de seu uso, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial indicador das palavras existentes em nosso idioma, registra ambos os gêneros12, razão pela qual está autorizado, por conseguinte, seu normal emprego quer no masculino, quer no feminino, muito embora se deva registrar que o mais comum entre os doutrinadores, civilistas e no próprio meio forense é seu uso no masculino. 19) Com essas observações, verifica-se que tanto é correto dizer "do usucapião extraordinário", como "da usucapião extraordinária". É fácil perceber, porém, que são incorretas as expressões "da usucapião extraordinário" ou "do usucapião extraordinária". ---------- 1 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 125. 2 Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed., 8. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 1.434. 3 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 325. 4 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 405-406. 5 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. São Paulo: 10. ed. Saraiva, 2000. p. 220. 6 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 197-198. 7 Cf. BARBOSA, Rui. Parecer sobre a Redação do Código Civil. Rio de Janeiro: edição do Ministério da Educação e Saúde, 1949. p. 197. 8 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 31. 9 Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 139. 10 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME . Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 642. 11 Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 145. 12 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 754.
quarta-feira, 8 de março de 2006

Prezados Senhores

1) Uma primeira observação que se deve fazer é que sexo é uma questão biológica, enquanto gênero é classificação gramatical. É preciso não fazer confusão. 2) Para confirmar, veja-se que determinados idiomas, além do masculino e do feminino, também têm o gênero neutro, algo inaceitável quando se fala de sexo. Em tais línguas, animais, que sabidamente têm sexo, muitas vezes, pertencem ao gênero neutro. Por outro lado, seres assexuados - como o garfo e a colher - não deixam de ter seu gênero. Alguém, por acaso, iria procurar uma razão por que garfo é masculino em português, e por que colher pertence ao feminino? 3) Com essas premissas, deve-se dizer que, em português, o masculino é um gênero não marcado, o que significa que admite seres de ambos os sexos, enquanto o feminino é um gênero marcado, o que implica que abrange apenas seres do sexo feminino. Por isso, quando se diz "O homem é mortal", no vocábulo homem se incluem seres de ambos os sexos (ou alguém acha que a mulher vai ficar para semente?). Já quando se diz "A mulher teve grandes conquistas nas últimas décadas", está claro que o vocábulo quis abranger tão-somente seres do feminino. 4) É por essa razão - e não por machismo multissecular - que, quando se juntam seres do masculino e do feminino, a resultante será o masculino plural: "Prezados Senhores", os ouvintes, os telespectadores, os candidatos... 5) Desse modo, longe de demonstrar gentileza, cuidado ou respeito, acaba evidenciando desconhecimento do sistema de tratamento de nosso idioma principiar uma manifestação por um dos seguintes modos: "Brasileiros e brasileiras..."; ou "Companheiros e companheiras..."; ou, ainda, "Senhores Advogados e Senhoras Advogadas..." Muito pior, então, é dizer "Bom dia a todos e a todas". Afinal, se existe um pronome que tem total abrangência, esse é o todos.
quinta-feira, 2 de março de 2006

"Site"/Saite/Sítio

1) O conjunto das palavras existentes em nosso vocabulário não é um sítio arqueológico, em que nada de novo acontece e tudo se encontra fossilizado. As palavras, na língua, têm vida, de modo que nascem, têm sua existência, às vezes se modificam, quer em estrutura, quer em sentido, e muitas vezes morrem. 2) Uma das razões do aparecimento de novos vocábulos é a tecnologia. Palavras como televisão, telégrafo e telefone surgiram com a invenção dos aparelhos conhecidos pelos respectivos nomes. Assim, de acordo com a necessidade, novos termos vão surgindo, em razão da ausência de vocábulo correspondente em português. É o que se denomina neologismo. 3) Quando surge o problema, porém, como se deve resolver a questão: a) - aportuguesa-se simplesmente a palavra de outro idioma?; b) - grafa-se a palavra tal como em seu idioma de origem?; c) - ou se emprega outra palavra em português, que seja a tradução da palavra de outra língua? 4) Ora, num primeiro aspecto, nem sempre a tradução fiel da palavra para o vernáculo corresponde ao sentido do termo na língua de origem. Assim, é questionável que sítio corresponda a "site". 5) Por outro lado, quando se confere forma nova a um vocábulo em português, é preciso verificar se ele consta da relação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial. Esse VOLP é elaborado pela Academia Brasileira de Letras, que tem a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à vetusta Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8.12.1900. 6) Assim, se consta do VOLP, então a palavra pertence ao nosso léxico; em caso contrário, ela não existe para o idioma. A ABL é a autoridade suprema para listar oficialmente as palavras existentes em nosso léxico. 7) Pois bem. Em termos bem concretos, saite não se encontra no VOLP. Por outro lado, sítio também não expressa fielmente o que a palavra diz no idioma de origem. 8) Quando isso acontece, então se deve citar a palavra no idioma de origem, apenas com o cuidado de grafá-la em itálico, negrito, sublinha ou entre aspas: site, site, site ou "site".